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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Programa de Pós-Graduação em Psicologia REDE JUVENTUDE VIVA DO RN: ENFRENTAMENTO AO GENOCÍDIO DA JUVENTUDE Luna Pinheiro Valle Natal 2017

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

REDE JUVENTUDE VIVA DO RN: ENFRENTAMENTO AO GENOCÍDIO DA

JUVENTUDE

Luna Pinheiro Valle

Natal

2017

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Luna Pinheiro Valle

REDE JUVENTUDE VIVA DO RN: ENFRENTAMENTO AO GENOCÍDIO DA

JUVENTUDE

Dissertação elaborada sob orientação da Prof.

Dra. Ilana Lemos de Paiva e apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Psicologia da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

como requisito parcial à obtenção do título de

Mestre em Psicologia.

Natal

2017

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Valle, Luna Pinheiro.

Rede Juventude Viva do RN: enfrentamento ao genocídio da juventude / Luna Pinheiro Valle. - 2017.

148f.: il.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do

Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de

Pós-Graduação em Psicologia, 2017.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ilana Lemos de Paiva.

1. Rede Juventude Viva (Rio Grande do Norte). 2. Genocídio da juventude. 3. Plano Juventude Viva. I. Paiva, Ilana Lemos de.

II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 341.485(813.2)-053.6

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Aos jovens que lutam, seja pela vida já ameaçada

de outros jovens, seja contra a opressão em suas

diversas formas, seja pela própria sobrevivência

em meio a um mundo que lhes é hostil.

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Agradecimentos

À professora Dra. Ilana Lemos de Paiva, pela competência e dedicação com que me

orientou nesta caminhada, suscitando as reflexões mais valiosas desta pesquisa, bem como

pela paciência ao lidar comigo e com minhas limitações durante o percurso do mestrado.

À professora Dra. Candida de Souza, por ter inspirado esta pesquisa desde o seu

surgimento, com a sua própria dissertação de mestrado, tendo fornecido importantes

orientações também durante o meu percurso através do seminário de dissertações e pela

presença enriquecedora como avaliadora interna na banca de defesa deste trabalho.

À professora Dra. Marisa Feffermann, por ter contribuído na leitura atenta e nas

correções precisas deste trabalho em etapas anteriores, bem como por ter participado e

agregado reflexões valorosas como membro da banca examinadora desta investigação.

À professora Dra. Maria da Apresentação Barreto, pela acolhida, aprendizado

conjunto e companheirismo durante o estágio em docência.

Aos professores e colegas do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRN,

em geral, pela rica convivência e troca de experiências neste período, mas especialmente aos

do Grupo de Pesquisas Marxismo & Educação, que humilde e generosamente trouxeram

importantes contribuições teórico-metodológicas para esta pesquisa.

Ao Observatório da População InfantoJuvenil em Contextos de Violência, por ter me

permitido vivências e discussões ímpares, além de me apresentar pessoas queridas. Destas,

preciso destacar Lua, Jena, Deyze, Daniela, Sophia, João P., Anna Luiza, Carmem e

Fernandinha, com os quais tive mais contato e que foram parceiros importantes em momentos

específicos. Dedico ao OBIJUV meus mais fortes “Fora Temer!” e “Não à redução!”, os quais

aprendi com vocês.

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À Universidade Federal do Rio Grande do Norte, por tornar viável esta pós-graduação,

fornecendo as condições necessárias ao bom andamento desta pesquisa.

À CAPES, pela bolsa de estudo fornecida, tendo resguardado a mim também o direito

à licença maternidade.

À Rede Juventude Viva do RN – e companheiros que conheci por meio dela – por ter

sido fonte preciosa de aprendizado político (com a militância pelos direitos das juventudes),

acadêmico e pessoal. Agradeço a cada um dos membros pela confiança em mim depositada,

pelo tempo que dedicaram a me dar entrevistas e procurar materiais que eu pudesse utilizar,

pela gentileza com que me ajudaram nesta empreitada e por lutarem por um mundo melhor

para nós todos.

À minha “a mãe”, Márcia Pinheiro, pois, se “um exemplo vale mais do que mil

palavras”, ela foi meu maior exemplo de pessoa (guerreira!), profissional, estudante, mulher e

mãe, tendo heroicamente fornecido toda a base emocional, moral, intelectual e material de

que precisei para chegar até aqui.

Aos meus filhos, Marina (primogênita e melhor amiga) e Jorge (o “gaiato” da casa

risos), por serem simplesmente o motivo maior de eu viver, os maiores amores do mundo.

Obrigada também por aguentarem o estresse de mamãe e esperarem eu “voltar” para vocês!

Ao meu companheiro, amor e melhor amigo, Emerson, com quem pude dividir todas

as dificuldades, responsabilidades e alegrias deste trajeto. Meu pretinho mais amado, você foi

e é minha luz!

Às grandes amigas Alda (vizinhamiga), Isadora (de infância), Cíntia (faculdade),

Priscilla (Ensino Médio), Allana (mestrado), Luana (Residencial Itamaraty), Juliana (amiga

do marido), Vera (sogra), e ao amigo Pedro, simplesmente por existirem em minha vida, mas

também por se fazerem tão presentes nestes últimos anos, tendo me ajudado com diversas

questões materiais e pessoais que atravessaram este mestrado.

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Às amigas mais chegadas de mestrado, Roberta, Rebecka, Mariana, Sarah, Arthemis e

Carol, pela companhia sempre agradável e leve, tornando os dias de mestrado coloridos

mesmo quando prometiam ser bem cinzentos.

Ao meu pai, Wigder Valle, por ter me ensinado a sempre buscar dar o meu melhor em

qualquer trabalho que eu realizar.

Ao meu avô, minhas avós, meus tios e tia, por cuidarem de mim também, de uma

forma ou de outra, especialmente: Nica, avó materna e segunda mãe; Toinho, pois foi o

primeiro a me despertar a crítica, a mostrar as opressões do mundo e a me falar de revolução;

Maristela, por ser para mim a tia mais prestativa e amorosa que já existiu; Márcio, meu

padrinho querido, “guru”, e que segurou a minha onda de ser uma mestranda grávida.

A todos os educadores (profissão mais linda do mundo!) com os quais tive, desde a

mais tenra idade, o prazer de conviver. Eles me ensinaram tanto a gostar de aprender, que hoje

quero educar também!

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Sumário

Introdução ............................................................................................................................... 10

1. Violência e juventude matável ........................................................................................... 16

1.1. O cenário de genocídio .................................................................................................. 16

1.2. Interpretando o injustificável ......................................................................................... 24

2. Ações por uma juventude viva .......................................................................................... 32

2.1. O poder público e a juventude ....................................................................................... 32

2.2. A sociedade civil em ação ............................................................................................. 44

3. Aspectos metodológicos ...................................................................................................... 58

3.1. Técnicas e procedimentos .............................................................................................. 58

3.2. Participantes .................................................................................................................. 63

3.3. Temas ............................................................................................................................ 66

4. Resultados e discussão ........................................................................................................ 70

4.1. O surgimento da Rede Juventude Viva do RN .............................................................. 70

4.2. A identidade da Rede Juventude Viva do RN ............................................................... 73

4.3. Recursos e infraestrutura: dificuldades e estratégias utilizadas..................................... 77

4.4. Abrangência das ações................................................................................................... 82

4.5. A Rede e o Plano Juventude Viva ................................................................................. 86

4.6. Participação, representação e representatividade .......................................................... 93

4.7. Resultados alcançados: a RJV RN como inspiração para o surgimento de novas Redes

............................................................................................................................................ 102

4.8. Desmobilização e esvaziamento da Rede Juventude Viva .......................................... 110

4.9. Desafios frente ao cenário político atual ..................................................................... 114

4.10. Apontando para novos horizontes: as ocupações e outras possibilidades de resistência

............................................................................................................................................ 118

5. Apontamentos à luz da teoria .......................................................................................... 123

6. Considerações finais ......................................................................................................... 133

Referências ............................................................................................................................ 144

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Resumo

O presente trabalho objetivou investigar a atuação da Rede Juventude Viva do RN (RJV RN)

no enfrentamento ao genocídio da juventude, mais especificamente: caracterizá-la no que se

refere à composição, objetivos e estratégias propostas para o enfrentamento ao genocídio da

juventude; caracterizar as ações que a Rede efetivamente articula e desenvolve frente a essa

realidade; identificar e problematizar limites e possibilidades no trabalho da Rede.

Resguardados os cuidados éticos, utilizou-se a observação participante, diários de campo,

entrevistas semiestruturadas e a análise de documentos para este estudo, do qual participaram

oito membros da RJV RN – tanto nas observações de reuniões internas e ações nas

comunidades quanto nas entrevistas. Os resultados obtidos foram submetidos à análise de

conteúdo temática e a discussão destes está amparada, direta ou indiretamente, em reflexões

de tradição marxista. A RJV RN surgiu inspirada no Plano Juventude Viva (PJV), em meio a

mobilizações nacionais e locais, a coletivos e eventos em prol dos direitos da juventude, com

uma identidade mista, utilizando recursos de pequenas doações e pensando ações para todo o

estado. Integrou diversas iniciativas de/para/com juventudes e realizou várias ações, desde

incidência política pela adesão e implementação do PJV no RN, até formações envolvendo as

juventudes nas comunidades. Foi considerada como um modelo nacional no enfrentamento ao

genocídio da juventude. Recentemente sofreu um processo de desmobilização e

esvaziamento, estagnando suas atividades até o atual momento, devido a mudanças na

conjuntura política do país e fatores de organização e estruturação internas. No entanto,

apresenta possibilidades, desde sua reestruturação, retomada dos contatos com os parceiros,

retorno das reuniões e atividades até o alinhamento da pauta do genocídio às diversas outras

pautas e mobilizações emergentes no cenário nacional desde a sua criação etc.

Palavras-chave: Rede Juventude Viva; genocídio da juventude; Plano Juventude Viva.

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Abstract

This work aimed to investigate the Rede Juventude Viva do RN (RJV RN)’s acting in

confrontation of youth genocide, more specifically: to describe its composition, objectives and

proposed strategies to confront youth genocide; to describe actions effectively developed and

articulated by the Rede to this reality; to identify and discuss limits and possibilities in the

Rede’s acting. Guarded the ethical cares, participant observation, field diaries, semi-structured

interviews and document analysis were used for this study – in which eight members of RJV

RN participated in observations of meetings and interventions, as well as in the interviews.

The obtained results were submitted to thematic content analysis. The RJV RN arised inspired

by the Plano Juventude Viva (PJV), during national and local mobilizations, groups and

events about the young people’s rights, presenting a dual identity, using resources from small

contributions and thinking interventions for all the state. It integrated initiatives by/to/with

youths and realized a lot of actions, from political incidence for the PJV adherence and

implementation, to training involving young people in these communities. It was considered a

national model in confrontation of youth genocide. Recently it has undergone a process of

demobilization and emptying, stagnating the activities up to the present, because of

transformations in the national political situation and internal organizational factors.

However, it presents possibilities, from its restructuring, resumption of partners’ contacts,

return of meetings and activities, to the alignment between the genocide agenda and several

other agendas and emerging mobilizations in the national scene since its creation etc.

Keywords: Rede Juventude Viva; youth genocide; Plano Juventude Viva.

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Introdução

Quando se fala em sequelas da “questão social1” nos países com grandes

desigualdades sociais, como o Brasil, é preciso ter em mente que pessoas com diferentes

faixas etárias, condições socioeconômicas, raças etc., são afetadas de maneiras diferentes.

Alguns grupos, como o composto pelas pessoas entre 15 e 29 anos (jovens, na classificação

do Estatuto da Juventude), no entanto, aparecem constantemente nas estatísticas como os que

mais sofrem com o desemprego, a defasagem e evasão escolar, o envolvimento com a

violência, como vítimas ou autores, entre outros índices de vulnerabilidade.

Embora igualmente denominados de jovens, e detentores dos mesmos direitos de

acordo com o Estatuto da Juventude, se trata de um grupo heterogêneo, cujo conceito

historicamente construído conta com determinações sociais, econômicas, culturais, de gênero,

cor etc. Sendo assim, é mais preciso se falar em “juventudes” (Abramo, 2005; Abramovay &

Esteves, 2007; Dayrell & Carrano, 2003; Dayrell & Gomes, 2005; Léon, 2005; Souza, 2012;

Souza & Paiva, 2012).

Dentre as diversas vulnerabilidades que afetam as juventudes do país, a vitimização

deste segmento por homicídios vem atingindo números cada vez mais alarmantes (Waiselfisz,

2014; 2015; Cerqueira et al., 2016; 2017; entre outros) e tem despertado o interesse de

estudiosos e autoridades. Configurando-se em um verdadeiro genocídio da juventude, este

fenômeno tem atingido principalmente jovens pobres e negros em todo o Brasil, tendo o Rio

Grande do Norte aparecido entre os primeiros lugares em termos de crescimento destes

homicídios nas últimas estatísticas (Hermes, 2014; 2015; 2016).

1 Entendida aqui como o conjunto dos problemas decorrentes da contradição entre capital e trabalho (Montaño,

2010; Oliveira & Yamamoto, 2010; Souza & Paiva, 2012; Santos, 2013, entre outros).

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Importante para entender este cenário de genocídio, a história nos mostra que a

juventude foi, durante muito tempo, tida como um período de transição entre a infância e a

vida adulta, cuja transgressão era a marca mais evidente – o que, em tese, tornaria os jovens

mais propensos ao envolvimento com atividades ilícitas, com a violência e a subversão da

ordem social. Somadas a isso, teorias eugenistas e higienistas contribuíram para associar

pobreza e raça à periculosidade, de forma que o jovem preto e pobre passou a ser sinônimo de

delinquente em potencial (Abramo, 2005; Dayrell & Gomes, 2005; Souza & Paiva, 2012). As

marcas deixadas por estas concepções influenciaram o tratamento dado a esta população

(Castro & Abramovay, 2002), seja pela política pública, pela mídia, pela polícia ou mesmo

pelos pares.

Este cenário começou a se modificar um pouco durante o processo de

redemocratização do país. Um aumento das discussões em torno da condição juvenil se seguiu

às lutas sociais que culminaram na conquista da Constituição de 1988 e, mais especificamente

para o público infanto-juvenil, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990, entre

outros marcos legais. Estas discussões se intensificaram a partir dos anos 2000, culminando,

em 2005, durante o governo Lula, na criação de um Conselho Nacional de Juventude

(CONJUVE), de um Plano Nacional de Políticas Públicas de Juventude, da Secretaria

Nacional de Juventude etc. (CONJUVE, 2006). Mais recentemente, em 2010, foi criada a

Proposta de Emenda Constitucional da Juventude e, em 2013, o Estatuto da Juventude, que

trouxeram a concepção de jovem como sujeito de direitos (Severo, 2014).

No mandato de Dilma Rousseff, ainda em 2013, foi criado o Plano Juventude Viva,

outro instrumento que visava à melhoria da vida dos jovens negros e negras da periferia do

país, voltado especificamente para o enfrentamento ao extermínio dessa população.

Integrando e articulando diversos programas e esferas da sociedade, esse Plano previa

também a atuação da sociedade civil a partir de uma rede virtual – a Rede Juventude Viva –

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de divulgação de informações e eventos relacionados à temática da violência contra os jovens

(Secretaria-Geral da Presidência da República [SGPR] & Secretaria Nacional de Juventude

[SNJ], 2014).

Inspirada neste Plano, a Rede Juventude Viva do RN (RJV RN) surgiu em 2013. Por

ser uma iniciativa real (isto é, fora do meio virtual) de enfrentamento ao genocídio da

juventude no estado, diferenciava-se, no entanto, da Rede Juventude Viva proposta pela

política. Realizando reuniões presenciais, ações nas comunidades e pressão sobre o poder

público pela adesão ao Plano Juventude Viva, esta Rede foi a primeira iniciativa a adotar

como pauta central a questão do genocídio da juventude no Rio Grande do Norte. Ela se

desenvolveu em meio ao processo eleitoral de 2014, às discussões e votação da Proposta de

Emenda Constitucional 171/1993, em 2015, e teve suas atividades estagnadas paralelamente à

paralisação das atividades do Plano Juventude Viva neste mesmo ano, tendo tentado, sem

êxito, retomar as atividades em 2016.

Após o golpe parlamentar que culminou no afastamento definitivo de Dilma Rousseff

em agosto de 2016, a gestão do atual presidente, Michel Temer, adotou uma série de medidas

conservadoras que implicaram em perdas nos direitos conquistados ao longo de décadas pela

população. No que se refere à juventude, por meio da Lei 13.341/2016, ele extinguiu, entre

outros, o Ministério da Juventude, o que desarticulou as demais iniciativas governamentais

voltadas para os jovens.

Embora movimentos contra a exploração e a opressão existam no país desde os

tempos de colônia (Gohn, 2000), diante de todo esse panorama, a partir de 2013 as

reivindicações populares vêm se intensificando novamente, como no exemplo das Jornadas de

Junho. Os protestos expressaram a insatisfação dos brasileiros diante da condição das cidades

e dos serviços públicos prestados, da forma de fazer política no Brasil, entre outras queixas

(Movimento Passe Livre, 2013). Embora haja muitas pessoas não organizadas nas recentes

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manifestações de rua, a articulação e mobilização desses momentos têm contado fortemente

com a presença dos movimentos sociais.

Os movimentos sociais emergem como desdobramentos sociopolíticos da “questão

social” (Duriguetto, Souza, & Silva, 2009), caracterizando-se por apresentar um projeto de

vida e de sociedade democrático, uma identidade compartilhada entre os membros e certa

permanência ao longo do tempo (Gohn, 2011; Sherer-Warren, 2014). Acredita-se que os

movimentos sociais foram decisivos na redefinição do papel do Estado e dos sentidos da

política no Brasil (Dayrell & Carrano, 2003). Além disso, podem contribuir para avanços na

política da cidadania que ultrapassam o limite institucional (Sherer-Warren, 2014).

Nesse sentido, embora atualmente estagnada, a experiência pioneira e híbrida da RJV

RN pode fornecer subsídios à discussão do trabalho em rede voltado à promoção dos direitos

da juventude, em especial ao enfrentamento do genocídio dessa população. Em primeiro

lugar, porque se desenvolveu e atuou na interface entre as políticas e ações institucionais e os

movimentos sociais, sofrendo influência das mudanças e conflitos que ocorreram nesses dois

âmbitos desde 2013. Em segundo lugar, porque a pauta do genocídio da juventude não foi

vencida – como nos mostram os crescentes índices de vitimização juvenil por homicídio – e

deve piorar com a aceleração e o aprofundamento da agenda neoliberal no país pela gestão do

presidente Michel Temer e o projeto conservador que está em curso, o que demanda a

retomada e/ou o surgimento de iniciativas que busquem a superação dessa realidade.

Sendo assim, o presente trabalho teve como objetivo central investigar a atuação da

Rede Juventude Viva do RN no enfrentamento ao genocídio da juventude, mais

especificamente: caracterizar essa Rede, no que se refere à sua composição, seus objetivos e

as estratégias propostas para o enfrentamento ao genocídio da juventude; caracterizar as ações

que a Rede efetivamente articula e desenvolve frente a essa realidade; e identificar e

problematizar limites e possibilidades no trabalho da Rede. Para tanto, foram utilizadas

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observações participantes, diários de campo, entrevistas semiestruturadas e análise

documental.

Para as observações, a pesquisadora passou a fazer parte da Rede Juventude Viva do

RN como uma das integrantes, participando de reuniões e demais ações desenvolvidas pelo

coletivo, registrando impressões e acontecimentos em seis diários de campo. Para as

entrevistas semiestruturadas, foram convidados os oito integrantes mais atuantes na Rede

desde o início até o final da pesquisa de campo. Os documentos analisados foram registros de

reuniões, um relatório institucional do Plano Juventude Viva escrito pela articuladora da

política no estado e anais do IV Seminário sobre Realidades Juvenis – este, idealizado e

organizado pelo Centro Marista de Juventude Natal e iniciativas parceiras, em 2013.

Toda a investigação foi realizada mediante a submissão e aprovação do Comitê de

Ética responsável, tendo contado também com a assinatura do coletivo de um Termo de

Concessão de Materiais, bem como das assinaturas dos Termos de Consentimento Livre e

Esclarecido e de Autorização para Gravação de Voz por parte dos participantes. O material

obtido a partir dos diários de campo e das transcrições das entrevistas foi submetido à análise

de conteúdo temática.

Para fins de melhor contextualização, o primeiro capítulo deste estudo, intitulado

“Violência e juventude matável”, trata das relações entre as juventudes e a violência no

Brasil. Na primeira seção, “O cenário de genocídio”, algumas visões acerca da juventude são

confrontadas com os índices de vitimização juvenil por homicídio, possibilitando visualizar

uma parte do cenário de extermínio simbólico e real de jovens no país. A segunda seção,

“Interpretando o injustificável”, busca reconstruir outra parte desse cenário através da

compreensão de elementos como o racismo e a criminalização da pobreza, que levaram ao

recorte do jovem pobre e negro como alvo de genocídio.

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O segundo capítulo, de nome “Ações por uma juventude viva”, foca no tratamento

historicamente destinado à juventude no Brasil, também em duas seções. A primeira seção,

“O poder público e a juventude”, trata das principais políticas e programas voltados para

adolescentes e jovens, as concepções que carregavam e carregam e como exerceram e

exercem influência sobre a situação desse público. Já na segunda, “A sociedade civil em

ação”, pretendeu-se traçar um breve histórico das principais ações na sociedade civil, em

especial dos movimentos sociais, voltadas para a garantia de direitos da população em geral e

da juventude no Brasil.

O terceiro capítulo, “Aspectos metodológicos”, é dedicado a detalhar e justificar as

escolhas metodológicas, contendo referencial teórico, caracterização do campo de pesquisa,

participantes e instrumentos e técnicas de construção dos dados, além dos procedimentos de

análise. Ele está dividido em três seções, a saber: “Técnicas e procedimentos”;

“Participantes”; e “Temas”.

O quarto capítulo traz os resultados obtidos, com algumas reflexões, divididos nas dez

seções, ou temas, originados a partir da análise.

O quinto capítulo apresenta uma discussão mais aprofundada das reflexões iniciadas

entre os resultados.

Por fim, nas considerações finais, são trazidas as principais impressões e

apontamentos produzidos ao longo do processo de pesquisa.

Espera-se que este estudo possa ajudar a: discutir o trabalho da Rede, elucidando

potencialidades e impasses na sua atuação e contribuindo para planejar as ações diante das

necessidades identificadas; e ampliar o conhecimento científico acerca do enfrentamento ao

genocídio da juventude, apontando caminhos para a superação dessa realidade.

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1. Violência e juventude matável

1.1. O cenário de genocídio

O cano do fuzil refletiu o lado ruim do Brasil,

nos olhos de quem quer, quem quer e me viu,

o único civil, rodeado de soldados

como se eu fosse o culpado...

(O Rappa)

No contexto atual do sistema capitalista, em especial em países de grandes

desigualdades socioeconômicas, como o Brasil, é visível a intensificação das sequelas da

chamada “questão social”. Diante desse quadro, caberia ao Estado, portanto, zelar pela

garantia dos direitos sociais. No entanto, o que vem acontecendo é que a dinâmica da

globalização prioriza o atendimento das necessidades do capital pelas políticas

governamentais, acima das necessidades humanas (Cortes, 2011). Para Cruz (2010), o ideário

neoliberal – como estratégia de acumulação do capitalismo contemporâneo – tem destruído os

direitos conquistados pelos trabalhadores, em especial os direitos sociais. Isso acontece

porque, de acordo com Santos (2013, p. 43), o neoliberalismo requer a existência de um

“Estado mínimo para o campo social”, o que ao mesmo tempo aumenta a obtenção de lucros,

as taxas de juros, as privatizações, o desemprego e as desigualdades sociais.

O Estado operacionaliza suas ações no campo social por meio das políticas sociais,

definidas por Yamamoto e Oliveira (2010) como as formas fragmentadas pelas quais incidem

nas diversas expressões da “questão social”. No Brasil, dentro da agenda neoliberal, as

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políticas sociais vêm sofrendo processos de precarização e privatização. No primeiro, as

políticas são descentralizadas, passando a ser responsabilidade dos governos locais, e

focalizadas, tendo seus serviços destinados apenas às pessoas que comprovarem estar em

condição de pobreza. No segundo, há a transferência da responsabilidade por ofertar os

serviços à população, total ou parcialmente, para o mercado e para a sociedade civil. Nesse

último caso, o processo é chamado de “re(filantropização)” (Yamamoto & Oliveira, 2010, p.

12).

Dentre as camadas mais pobres da população e, portanto, mais afetadas pela

intensificação da “questão social” no Brasil, a juventude tem atraído interesse de

pesquisadores, do Estado e suas políticas e da sociedade civil, por apresentar elevados índices

de desemprego, defasagem e evasão escolar, envolvimento em situações de violência e tráfico

de drogas e, mais recentemente, a intensificação da sua vitimização por homicídio. No que se

refere ao campo do trabalho – uma vez que são os atuais ou serão os futuros trabalhadores – a

juventude é impactada diretamente pelas novas configurações do mercado, o que se reflete na

qualidade dos trabalhos, na inserção, na garantia de direitos, etc. (Cortes, 2011).

Complementando essas informações, Gonçalves (2005) ressalta que o interesse pela

juventude vem à tona de tempos em tempos, acompanhando acontecimentos históricos,

episódios conflituosos envolvendo os jovens e que, dessa forma – em uma ligação entre os

excessos, necessidades de diferenciação dos jovens, e esses episódios – as ciências

contribuíram para, ao longo do tempo, reforçar no imaginário social a responsabilização da

juventude pelas mazelas sociais, em especial pela criminalidade urbana.

É importante destacar que o que será, aqui, tomado como juventude corresponde a um

conceito plural – ou seja, fala-se em “juventudes” – uma vez que fazem parte de uma

“construção sócio-histórica, cultural e relacional nas sociedades contemporâneas” (Léon,

2005, p. 10), que abarca grupos heterogêneos com uma diversidade de vivências e

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oportunidades, e cuja construção de identidades e referências de sociedade conjuga fatores

como as classes sociais, a raça, o gênero, etc. (Abramo, 2005; Abramovay & Esteves, 2007;

Dayrell & Carrano, 2003; Dayrell & Gomes, 2005; Léon, 2005; Souza, 2012; Souza & Paiva,

2012). Afora todas as heterogeneidades, no entanto, os grupamentos juvenis parecem

apresentar características comuns, por exemplo, a busca pelo novo e por respostas para novas

situações, a esperança e a incerteza frente aos obstáculos (Abramovay & Esteves, 2007).

No Brasil, este segmento populacional abrange a faixa etária entre 15 e 29 anos de

idade, conforme adotado pelo Conselho Nacional de Juventude (CONJUVE), pela Secretaria

Nacional de Juventude (SNJ), Estatuto da Juventude, entre outros, havendo neste espectro as

seguintes subdivisões: jovem-adolescente, de 15 a 17 anos; jovem-jovem, de 18 a 24 anos;

jovem-adulto, de 25 a 29 anos (Souza & Paiva, 2012). Apesar de atualmente termos uma

concepção complexa e multideterminada dessa fase da vida, a trajetória de construção do

conceito de juventude é atravessada por preconceitos, incoerências, limitações, etc. Como

aponta Abramo (2005), a juventude é definida no senso comum, na sociedade moderna

ocidental, como a fase que se inicia com as mudanças da puberdade e se encerra com a

entrada no mundo adulto (sair da casa dos pais, trabalhar, ter filhos, etc.). Além disso, de

acordo com Castro e Abramovay (2002), as primeiras definições de juventude guardavam a

dificuldade de abarcar pessoas com estatutos legais diferentes, porém, devem ser reconhecidas

como uma primeira tentativa de ruptura com a ideia de transição, de “estar por vir”. Cabe

aqui, portanto, fazer uma breve ilustração das diversas visões historicamente construídas

sobre juventude.

Uma sistematização proposta por Krauskopf (2003), citada por Abramo (2005), divide

as concepções sobre juventude em quatro tipos: a juventude como período preparatório; a

juventude como etapa problemática; o jovem como ator estratégico do desenvolvimento; e a

juventude cidadã como sujeito das políticas. A primeira dessas abordagens, a do período

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preparatório, traz uma visão do jovem como “sujeito em preparação” (Abramo, 2005; Dayrell

& Gomes, 2005) e, portanto, coloca como central a educação nas ações voltadas para esse –

através do uso do tempo livre, esporte, lazer, voluntariado e serviço militar, principalmente

para as classes média e alta, na perspectiva de formação e trabalho. Essa visão se apoia em um

enfoque universalista, de homogeneização da juventude, e vigorou até os anos 1950, deixando

vestígios nos dias atuais (Abramo, 2005). Para esclarecer melhor a ideia de transitoriedade,

tem-se que:

Falar na característica da transitoriedade específica da juventude implica retomá-la a

partir do contexto da lógica de consumo, isto é: um período em que os sujeitos

teoricamente possuem as condições necessárias para ingressar na esfera da

produtividade no mercado, mas que, por uma razão ou outra, ainda estão “esperando”

que isto aconteça. (Souza & Paiva, 2012, p. 355)

Nesse sentido, também de acordo com Souza e Paiva (2012), ainda que a juventude,

de modo geral, carregue a ideia de período de moratória social, a forma como será vivenciada

é um processo multicausal e complexo, perpassado, principalmente, por questões ligadas à

classe social – determinando diferenças na inserção tardia ou não no mercado de trabalho,

bem como na construção ou não de um novo núcleo familiar, nas possibilidades de

qualificação profissional etc.

Outra perspectiva amplamente difundida no Brasil associa o jovem aos problemas que

ameaçam a ordem social (Abramo, 2005; Dayrell & Gomes, 2005), produzindo, para dar

conta disso, políticas de caráter compensatório voltadas para os grupos com características de

“vulnerabilidade, risco ou transgressão” (Abramo, 2005, p. 21), a saber, a juventude urbana

popular, cujos enfoques principais seriam a saúde e a segurança pública (drogadição, DST e

AIDS, gravidez precoce, envolvimento com violência, criminalidade e narcotráfico). Nasce

daí uma concepção generalizante e estigmatizante da juventude, que dominou dos anos 1980

aos anos 1990, e que impulsionou o surgimento de diversas ações, tanto por parte do Estado

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quanto da sociedade civil, voltadas para a diminuição da violência (Abramo, 2005). De

acordo com Souza e Paiva (2012), tal visão sofreu influência das teorias racistas e eugênicas

da segunda metade do século XIX e, no Brasil em especial – acompanhando o processo de

acúmulo de riqueza e expansão da miséria proporcionados pelo capitalismo liberal no século

XX –, do movimento higienista da década de 1920.

Uma terceira visão aponta o jovem, ainda, como fator estratégico do desenvolvimento,

de formação de capital humano para enfrentar as desigualdades, com potencialidades frente à

exclusão social. Essa visão vem sendo cada vez mais difundida no Brasil nos últimos tempos

e está voltada para a “formação educacional e de competências no mundo do trabalho”

(Abramo, 2005, p. 21), no engajamento em ações sociais e de voluntariado, que aposta no

protagonismo juvenil, colocando de lado as dimensões de conflito e disputa dos jovens e, ao

mesmo tempo, depositando uma imensa carga de possíveis contribuições sobre os ombros

desses – colocando tal carga, inclusive, acima de suas demandas. Para tanto, dá certa

importância à participação da juventude na formulação de políticas, mas ainda não dá conta

de suas necessidades e direitos específicos (Abramo, 2005; Souza & Paiva, 2012).

Todas essas concepções, convivendo juntas, interferem na forma como a sociedade vê

os jovens, seja romantizando ou idealizando esse período, associando-o apenas à cultura, à

busca pelo prazer, à incompletude, ou mesmo a um momento difícil da vida, entre outras

possibilidades (Dayrell & Carrano, 2003). De forma complexa, a juventude pode ser tida

como uma qualidade, um ideal a ser alcançado, enquanto, ao mesmo tempo, a uma boa

parcela dos jovens são negadas as mínimas condições tanto de subsistência quanto de

participação, de “voz”, evidenciando a diferença de patamares de condições em que são

colocados os jovens ricos e os pobres (Abramovay & Esteves, 2007; Souza & Paiva, 2012).

Num último paradigma, o do jovem como sujeito de direitos (também mais presente a

partir dos anos 1990), abre-se a possibilidade de considerar o jovem como sujeito integral e

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também como alvo de políticas articuladas intersetorialmente (Abramo, 2005). Adotar essa

concepção de juventude implica, acima de tudo, em superar todos os preconceitos e

considerar a diversidade de identidades juvenis, pois o reconhecimento e a valorização dessas

é que permitem proporcionar oportunidades iguais de vivências e acesso aos conhecimentos

produzidos em nossa sociedade (CONJUVE, 2006). Defende-se, aqui, que somente com essa

visão é possível criar propostas e implementar ações que visem verdadeiramente garantir uma

vida social plena aos jovens e a promoção de sua autonomia. Além disso, por concordar com

a colocação relativa à juventude de que “seu desenvolvimento integral é legítimo e de

interesse de todo o conjunto da sociedade” (CONJUVE, 2006, p. 7) é que esse paradigma será

o norte para as reflexões ao longo deste trabalho.

Apesar da sua importância, é preciso reconhecer a lacuna entre essa concepção de

juventude e a realidade de violência vivenciada pelos jovens brasileiros, com destaque para os

altos índices de vítimas de homicídio nessa população. Trazendo inicialmente um panorama

da população geral, de acordo com o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do

Ministério da Saúde, a quantidade de vítimas de homicídios no Brasil, contabilizadas em 2014

(59.627 pessoas), representava 10% de todos os homicídios na população mundial, o maior

índice dessas mortes – em números absolutos – no mundo (Cerqueira et al., 2016). Para se ter

uma ideia da gravidade desses dados:

No Brasil – país sem disputas territoriais, movimentos emancipatórios, guerras civis,

enfrentamentos religiosos, raciais ou étnicos, conflitos de fronteira ou atos terroristas –

, foram contabilizados, nos últimos quatro anos disponíveis, de 2008 a 2011, um total

de 206.005 vítimas de homicídios, número bem superior quando comparado aos

números dos 12 maiores conflitos armados acontecidos no mundo entre 2004 e 2007.

E ainda, esse número de homicídios brasileiro resulta quase idêntico ao total de mortes

diretas nos 62 conflitos armados desse período, que foi de 208.349. (Waiselfisz, 2014,

p. 33)

Quando se trata de mortes matadas com o uso de arma de fogo, houve um breve

sucesso nos primeiros anos após o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826 de 22 de dezembro

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de 2003), no sentido de reduzir o arsenal clandestino e também de chamar a atenção da

sociedade para os riscos trazidos pelas armas de fogo. Porém, isso não impediu o crescimento

por volta de 387% de mortes matadas por armas de fogo na população total, de 2008 a 2012

(Waiselfisz, 2015).

No ano de 2011, o Brasil contava com uma estatística de 51,8 milhões de pessoas com

idades entre 15 e 29 anos, representando 26,9% do total da população. De acordo com

Waiselfisz (2014), esse número já foi maior, uma vez que os jovens correspondiam a 29% do

total de habitantes do país em 1980. Atribui-se essa redução no percentual à queda nas taxas

de fertilidade – que, por sua vez, provocou mudanças na forma da pirâmide populacional –

decorrente de processos de urbanização e modernização ocorridos no país. Paralelamente,

também houve um processo de queda dos índices gerais de mortalidade da população

brasileira e consequente aumento na expectativa de vida. Dessa forma, melhorava o Índice de

Desenvolvimento Humano (IDH), sem que a isso, no entanto, correspondesse uma queda na

mortalidade entre jovens, que permaneceu com as taxas estagnadas durante o tempo e ainda

passou a apresentar novos padrões, deixando de ser epidemias as principais causas de mortes

na juventude e passando a ser as chamadas causas externas – compostas principalmente pelos

acidentes de trânsito e homicídios (Waiselfisz, 2014).

Pesquisas mais recentes apontam, de acordo com o Balanço de Gestão da Secretaria

Nacional de Justiça, para a preponderância de jovens entre os índices de homicídio, sendo

esses 53,4% do total de vítimas, dos quais 71,5% eram negros e 93,4% do sexo masculino

(Câmara dos Deputados, 2015). Outros dados de recorte por raça/cor em 2014 mostraram que

2,4 negros foram mortos, para cada não negro, em uma média nacional – em Alagoas, esse

número foi de 10,6 negros para cada não negro (Cerqueira et al., 2016). De acordo com

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Hermes (2015), a maioria de negros entre as vítimas é um fato que, em geral, tem se repetido

no RN.1

No Rio Grande do Norte, o índice de homicídios contra a juventude cresceu mais de

400% entre 2004 e 2014, superando em crescimento as outras unidades federativas do país

(Cerqueira et al., 2016), De acordo com Hermes, Hermes e Neves (2016), o estado enterra

cinco jovens a cada dois dias, uma média de 912 por ano. Traçando um comparativo entre as

mortes de jovens (classificação do EJUV) e de adultos acima de 29 anos, tem-se que, entre

2013 e 2015, foram assassinados quase mil jovens a mais (2.264) do que adultos acima de 29

anos (1.311) (Hermes, 2015). No que se refere a mulheres jovens, morreram 64 vítimas de

crimes letais intencionais, entre 2012 e 2015, no RN (Hermes, 2016).

Ainda assim, mudanças vêm ocorrendo na configuração dos homicídios juvenis,

observando-se, concomitantemente, um processo de interiorização e disseminação, ou seja, os

índices de vitimização juvenil estão aumentando nos municípios menores e também se

disseminando por outras unidades federativas que não as que normalmente ocupavam as

primeiras posições nas estatísticas. Natal é um exemplo de capital que não constava entre as

primeiras posições do ranking, mas que subiu da 27ª para a 8ª posição entre 2002 e 2012

(Waiselfisz, 2014).

A partir desses dados, pode-se perceber a situação devastadora em que a juventude

brasileira e a juventude potiguar se encontram, mais especificamente os jovens do sexo

masculino, negros e pobres. Faz-se importante questionar que processos históricos levaram a

esse quadro e por que esse é o perfil das vítimas de homicídio no país.

1 Afora a predominância de homens entre as mortes, é preciso destacar que em média treze mulheres foram

assassinadas por dia, no país, no mesmo ano – tendo o RN crescido 333% entre 2004 e 2014 no número de

vítimas de feminicídio, por 100 mil habitantes –, apesar dos avanços de aparatos legais como a Lei Maria da

Penha (nº 11.340, de 2006) e a lei que torna o feminicídio um crime hediondo (nº 13.104, de 2015) (Cerqueira et

al., 2016).

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1.2. Interpretando o injustificável

No fundo querendo estar à margem do meu pesadelo.

Estar acima do biótipo suspeito, nem que seja dentro de

um carro importado, com um salário suspeito,

endossando a impunidade à procura de respeito...

(O Rappa)

Em primeiro lugar, é preciso entender, de acordo com Waiselfisz (2015), que a

violência não é um fenômeno que possa ser explicado a partir de processos individuais, como

o temperamento ou o uso de substâncias psicoativas, mas como uma linguagem para lidar

com conflitos, desigualdades e injustiças, que emerge a partir da ausência de respostas por

parte das normas, políticas, justiça e polícia – as duas últimas, muitas vezes, oferecendo

tratamento diferenciado dependendo da vítima, do autor, da forma e do lugar da violência.

No artigo “A formação da barbárie e a barbárie da formação: a lógica por trás do

treinamento da PM”, Barros (2015), amparado por pesquisas e pelas falas de vários estudiosos

e profissionais da segurança pública, traz uma realidade de assédio moral e diversas

violências, desde desrespeito e humilhações até tortura física e psicológica, cometidas contra

os soldados na formação para policiais, sem que tenham liberdade de expressão para

denunciar tais abusos. Essa rigidez disciplinar é acompanhada de um treinamento deficiente –

que não raro leva a sérios acidentes – e uma formação por vezes inexistente em direitos

humanos. Tudo isso só contribui para aumentar a cultura de violência, na medida em que se

torna muito fácil para os futuros policiais interpretarem que a atitude agressiva e truculenta é

o esperado da sua ação nas ruas (Barros, 2015). Um retrato da perpetuação dessa cultura de

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violência é a existência, no RN, de mais de 20 grupos de extermínio, além de pistoleiros,

justiceiros, etc. (Hermes, 2014).

No caso dos homicídios, a inclusão do termo “crimes com características de execução”

caberia em muitos dos relatos policiais, o que ajudaria a desmistificar a ideia de que tal

violência é aleatória e não fruto da intenção prévia de matar. Corroborando essa realidade,

observa-se ainda a prioridade da segurança pública que tem sido dada aos crimes contra a

propriedade e ao sequestro, em detrimento dos homicídios, por exemplo. Entre a população,

também se evidencia a banalização de ações criminosas, na medida em que as pessoas

começam a se dar ao direito de exercer, elas mesmas, sobre indivíduos envolvidos com drogas

e outras práticas ilegais, a justiça com a qual o Estado teria faltado (Câmara dos Deputados,

2015).

Wacquant (2014, p. 141) trata da produção da pobreza e da marginalidade urbana

como perpassados pelo triângulo classe-raça-Estado, sendo tanto a política social quanto a

política penal faces de uma só “política de pobreza na cidade”, cujo “vetor da penalidade

atinge preferencialmente as categorias situadas na base tanto da ordem de classes quanto das

gradações de honra”. Como exemplo disso, procedimentos jurídicos servem para a

reafirmação da ligação direta entre pobreza e criminalidade, na medida em que os moradores

das favelas e suas famílias são intimidados, aterrorizados pela polícia – por meio do uso de

dispositivos como o caveirão, os mandados de busca coletivos e os autos de resistência –, pois

são tidos por esta como suspeitos, ligados ao tráfico de drogas (Bicalho, Kastrup, &

Reishoffer, 2012).

Com relação ao envolvimento com o tráfico de drogas, mesmo sendo do conhecimento

dos jovens que o ingresso nesse aumenta de maneira significativa as chances de eles

morrerem ou ficarem feridos, de serem levados para o sistema socioeducativo ou para a

prisão, existe a necessidade de largar a escola cedo para trabalharem, seja a fim de garantir o

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próprio sustento e de suas famílias, seja impulsionados pelo caráter dignificante atribuído ao

trabalho em nossa sociedade, ou ainda para conquistar liberdade, autonomia e bens de

consumo. Dessa forma,

Apesar dos aspectos negativos atribuídos à participação no tráfico (morte, violência

policial, punição pelos companheiros, etc), esses jovens atribuem um sentido positivo

que ultrapassa a aquisição de dinheiro e bens de consumo, relacionado ao poder e

respeito adquiridos na comunidade (mesmo por coerção e porte de armas de fogo) e o

acesso às mulheres. (Dimenstein, Zamora, & Vilhena, 2004, p. 6)

Ainda nesse sentido, para Faria e Barros (2011) é preciso reconhecer que adentrar no

tráfico é uma estratégia de sobrevivência entre escassas opções, posto que o mercado de

trabalho vem se tornando cada vez mais excludente e desigual para os jovens. Por outro lado,

a figura temida, protegida e idolatrada do traficante representa alguém que alcançou tanto o

reconhecimento social – pois é muitas vezes admirado como um herói, o provedor e protetor,

pela comunidade – quanto o sucesso financeiro e o padrão de consumo, dentro de uma

sociedade em que isso é muito valorizado. Por meio do trabalho, provavelmente esse jovem

teria condições mínimas de sobrevivência e não conseguiria atender ao apelo por consumo

existente na sociedade em que vive. Infelizmente, o pertencimento a grupos organizados ou

comandos como estratégia de sobrevivência ou afirmação em um contexto social desigual e

excludente está fadado ao fracasso, uma vez que nessa não são questionados estruturas e

valores que sustentam tal contexto, estando o jovem – ao fugir de uma morte social – cada vez

mais em vias de encontrar a morte definitiva (Dimenstein et al., 2004).

Ao mesmo tempo, a segregação urbana contribui para a criação de uma figura de

inimigo, do qual é preciso se defender, e “de um clima generalizado de insegurança, que se

expressa na violência real e imaginária” (Feffermann, 2013, p. 62). De acordo com Fefferman

(2013, p. 69), o jovem pobre, além de estar em um período de descobertas e de construção de

certezas como os demais, muitas vezes não encontra lugar no mercado de trabalho e possui

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baixa escolaridade, o que contribui para esse ator se tornar a “vitrine dos conflitos sociais”,

sendo a ele atribuída, pela indústria cultural, toda a responsabilidade pelo desvio da ordem

social.

Complementando essas considerações, Cruz (2010, p. 132) aponta que:

há no Brasil uma forte relação de superposição entre classe social e o fato de ser

negro: as estatísticas dos presídios, dos adolescentes internos dos “centros

educacionais”, dos jovens que vivem nas ruas, dos mortos em “confrontos” com a

polícia ou da inserção precoce nos trabalhos mais desgastantes e mal remunerados,

revelam uma ampla dominância de negros.

Recentemente, pode-se citar o caso dos “rolezinhos”, episódios emblemáticos de

adolescentes sendo barrados ao entrar em shoppings centers por serem negros, pobres e da

periferia. Assim, “aos negros, gays e índios a existência do espaço público invoca a

permanência da vigilância estatal, da censura pública e das restrições políticas” (Câmara dos

Deputados, 2015, p. 28).

Todo esse cenário não se deu ao acaso e remonta a momentos históricos como o

regime da escravidão no Brasil, a continuada negação do racismo como pauta importante de

discussão durante o período da ditadura e as teorias de Cesare Lombroso e Nina Rodrigues,

que estabeleciam uma ligação entre traços físicos dos índios e negros e o “perfil criminoso”

(Câmara dos Deputados, 2015). Coadunando-se com essa posição, para Zamora (2012) é

possível desvelar muitas maneiras de oprimir pelo poder por meio da compreensão de raça e

racismo, sendo a primeira uma forma de agrupar pessoas com traços físicos observáveis em

comum, implicando em uma concepção – o racialismo – de que existem diferentes raças

humanas. Já o segundo, parte dessa divisão em raças e estabelece uma hierarquia entre elas,

expressa através de desigualdades políticas, culturais, sociais, etc., explicáveis, em tese, pelas

“diferenças biológicas” entre tais grupos – buscando justificar, por exemplo, a inferioridade

dos negros em relação aos brancos.

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Zamora (2012, p. 568) traz, ainda, que o Brasil é “uma das maiores nações negras do

mundo” (citando uma pesquisa do IBGE de 2010), mas que, ainda assim, os negros não

gozam de uma equivalência no que se refere aos direitos sociais, sendo possível identificar

grandes desvantagens para essa população, posto que apresenta maiores índices de pobreza,

analfabetismo, dificuldade de acesso à escola e vem tendo uma diminuição na expectativa e

qualidade de vida. O racismo, aliado ao mito da democracia racial, tem ainda outras

consequências sobre as pessoas negras no que se refere à sua autoestima – estimulando uma

vigilância dessas para com suas próprias características físicas, a fim de invisibilizá-las –,

como também no sentido de desqualificar qualquer iniciativa de reagir à opressão e de

reivindicar ações que busquem equilibrar as desigualdades sociais. Nesse sentido, uma das

formas de combate ao racismo seria recuperar a história de resistência dos negros: um

combate que deve se dar tanto ao nível das formas mais sutis de opressão quanto dos atos

extremos como a discriminação direta, a violência e o genocídio, levando em consideração

que “uma coisa prepara, justifica e banaliza a outra” (Zamora, 2012, p. 567).

Enquanto, de um lado, os dados mostram que pessoas pobres e negras, com mais de 15

anos de idade, têm mais probabilidade de morrer vítimas de assassinato por arma de fogo –

constituindo um verdadeiro genocídio da juventude –, de outro, têm voltado à tona os debates

em torno da redução da idade penal, revelando um apelo ao endurecimento punitivo para a

população jovem (Paiva & Oliveira, 2014). Alguns dos argumentos utilizados a favor da

redução da idade penal defendem que os adolescentes são os maiores causadores dos atos

infracionais graves e que não são responsabilizados por esses atos (Medeiros, 2015) –

discursos falaciosos reforçados pela mídia por meio de reportagens sensacionalistas. Dessa

forma:

rever as visões sobre juventude ou a complicada relação entre as categorias juventude,

pobreza e violência torna-se pertinente principalmente neste momento, em que

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retornam os discursos conservadores sobre os “desvios” dos jovens pela droga,

violência, envolvimento com a criminalidade ou comportamentos “antissociais”.

(Canetti & Maheirie, 2010, p. 580)

Assim, é possível perceber a existência de uma forma fragmentada de ver a realidade,

descolando o contexto desfavorável vivido pelo jovem e pelo adolescente, em especial o

pobre e negro, dos atos infracionais que venha a cometer – esquecendo, inclusive, que ele é

vítima constante da ação do tráfico e da polícia. De todo modo, é inegável que se instaurou

um contexto de insegurança generalizada em que a maior parte da população sai perdendo e

que requer providências urgentes por parte do poder público.

Sérios desdobramentos do processo de criminalização da pobreza também

influenciaram, ao longo das décadas, as políticas sociais voltadas para crianças e adolescentes

pobres no Brasil, e impactam diretamente o tratamento direcionado pelo Estado e pela

sociedade a esse público. As práticas assistencialistas e religiosas destinadas ao atendimento

infanto-juvenil, entre 1500 e 1822 (período em que as crianças escravas também

trabalhavam), a prática das Rodas dos Expostos, como instituição de atendimento às crianças

abandonadas e que perdurou até a década de 1950, e o Código de Menores de 1927 –

representando o primeiro momento em que o Estado passa a tutelar as crianças e adolescentes

– e 1979 foram marcos importantes por refletirem a longa passagem histórica de tutela à

punição e repressão dessa população (Medeiros, 2015).

Fruto de muitas lutas e pressão social, durante o processo de abertura política pós-

ditadura militar, em 1990, foi instituído o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),

inaugurando a Doutrina da Proteção Integral e entendendo essa população como sujeitos de

direitos em situação peculiar de desenvolvimento (Abramo, 2005; Castro & Abramovay,

2002; Medeiros, 2015; Severo, 2014). Embora tenha representado um grande avanço nas

políticas com relação aos momentos anteriores, na sua efetivação – e no imaginário social – o

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Estatuto ainda encontra muitos obstáculos a serem vencidos. A visão do “delinquente”, que

permanece criminalizando o adolescente pobre, estende-se também à juventude entre 18 e 29

anos, que não é amparada pelo ECA. O crescimento dessa cultura punitiva faz da juventude

alvo da produção de “racionalidades, programas e projetos que darão conta dos perigos que o

tempo livre representa” (Batista, 2012, p. 3). Nesse esforço, vitimização e criminalização

andam juntos, assim como prevenção e repressão são tidos como sinônimos (Batista, 2012).

Em março de 2015, foi criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito com o objetivo

de investigar, em um prazo de 120 dias, o genocídio de jovens negros e pobres no Brasil, suas

causas e consequências. Tal empreitada se deu por meio de 40 reuniões da Comissão de

Parlamentares, entre audiências públicas e debates, tendo contado com a presença e as

contribuições de mais de 420 atores dos movimentos sociais, da academia, autoridades e

especialistas. Tais momentos tiveram a responsabilidade compartilhada e a escuta ativa como

instrumentos utilizados para permitir o aprofundamento e o contato com a realidade das

comunidades mais pobres. No relatório, os parlamentares posicionaram-se contra a redução da

maioridade penal, apresentando diversos argumentos e, ao final, trouxeram ainda as propostas

de: implantação de uma política de atendimento às famílias das vítimas jovens de homicídios;

criação de um Plano Nacional de Enfrentamento ao Homicídio de Jovens e de um Fundo

Nacional de Promoção da Igualdade Racial, Superação do Racismo e Reparação de Danos;

aperfeiçoamento institucional das forças de segurança pública; e deslocamento de

competência das investigações de genocídio da juventude que não foram resolvidas em

âmbito local para o âmbito Federal. De acordo com esses parlamentares, há “falta de

sistematização e organização, em nível nacional, das políticas públicas que deveriam estar

disponíveis nos territórios onde mais pode ser observado o fenômeno da violência contra

jovens negros e pobres” (Câmara dos Deputados, 2015, p. 10).

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Ainda sobre a mesma investigação, pessoas de diversos segmentos da sociedade

atribuíram a criação de um “cenário de medos e incertezas” (Câmara dos Deputados, 2015, p.

21) a alguns fatores de relevância, sendo os principais: a escassez de políticas públicas de

nível básico, bem como a sua presença apenas formal e a falta de avaliação dos serviços

prestados por essas; o racismo material e simbólico, cujas estratégias atualmente se adaptam

“à evolução do arcabouço normativo” (p. 22), além do racismo institucional, principalmente

por parte da polícia (que historicamente tem absorvido os preconceitos raciais e os reproduz

em sua prática profissional); e o sensacionalismo da mídia, que, muitas vezes, nas notícias,

omite fatos e os distorce ou aumenta de modo a perpetuar um “estereótipo do negro bandido e

perigoso” (p. 48). Nesse processo, além de não conseguirem acessar as políticas públicas de

qualidade de assistência, trabalho, escola, cultura e lazer, os jovens ainda encontram adultos

que, diante da sua falta de perspectiva para o futuro, conseguem cooptá-los para a prática de

crimes, oferecendo em troca recompensas passageiras (Hermes, 2014).

Tomando como base o que foi sinalizado – tanto pela sociedade quanto pelos

estudiosos –, nos dois últimos parágrafos, acerca da centralidade das políticas públicas na

questão do genocídio da juventude, cabe aqui fazer uma breve descrição das principais

políticas e programas que vêm sendo desenvolvidos especificamente para atender o público

jovem, bem como discutir os limites e possibilidades que tais iniciativas apresentam na

resolução de alguns problemas que afetam a juventude pobre brasileira.

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2. Ações por uma juventude viva

2.1. O poder público e a juventude

Eu sei, cansa

Quem morre ao fim do mês:

Nossa grana ou nossa esperança?

Delírio é equilíbrio

Entre o nosso martírio e nossa fé

(Emicida)

As políticas públicas formuladas, no Brasil, até a década de 1980, guardavam um

caráter de adequação dos jovens à normalidade ou de prestação de serviços ou bens a esses.

Com um enfoque na manutenção desse público em escolas, sob a guarda da família ou do

Estado e nas instituições para jovens em conflito com a lei, a lógica por trás dessas políticas

estava em proteger a sociedade de “orientações indesejáveis dos jovens, como transgressão e

rebeldia” (Castro & Abramovay, 2002, p. 19). No entanto, apesar desse caráter geral, as

políticas para a juventude apresentaram especificidades em cada década no país.

Ainda de acordo com as mesmas autoras, até os anos 1960, é possível observar uma

preocupação nas políticas com o “saneamento social”, tendo como exemplo maior o Código

de Menores de 1927, em que o jovem pobre ainda era visto como um infrator em potencial.

Nesse sentido, tanto para fins de enquadramento moral e social quanto servindo a um

propósito desenvolvimentista da nação, tais códigos inspiraram ações de educação e uso do

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tempo livre, com forte caráter profissionalizante, dirigidas a esses sujeitos – em especial a

partir dos anos 1950, mas que reverbera como preocupação até os dias atuais. Vale ressaltar

que o recorte da juventude alcançado nesses períodos era principalmente o de jovens até 17

anos, posto que houvesse poucos programas abarcando sujeitos acima dessa faixa etária

(Castro & Abramovay, 2002).

Entre os anos 1960 e 1970, as atenções do Estado estiveram voltadas para a relação

juventude e segurança, em especial na contenção e controle político-ideológico – pela

ditadura – dos jovens de classe média integrantes do movimento estudantil. A partir dos anos

1970, se intensificando ao longo dos anos 1980, o surgimento de movimentos e manifestações

populares urbanos e rurais também inspiraram forte ação de controle estatal. Ainda nessa

última década, ganhou destaque a preocupação com o desemprego entre os jovens e as

relações entre juventude e drogas, juventude e violência. Por fim, a década de 1990 traz como

marca o fortalecimento dos grupos identitários, como o de mulheres e os étnicos-raciais,

impulsionando a construção de políticas e de equipamentos no Estado específicos para

segmentos como o da juventude (Castro & Abramovay, 2002).

Paralelo a tal processo, as autoras ainda sinalizam uma difusão de concepções

negativas sobre a juventude – já historicamente tida como sinônimo de violência, curiosidade,

aventura e transgressão –, carregadas de estigmas e estereótipos. Diante desse quadro, existem

grandes desafios para a construção do que Castro e Abramovay (2002) chamam de políticas

“de, para e com” juventudes, tais como: tentar superar a ideia de jovem como aquele que está

em fase de transição (que está por vir a ser), bem como a dicotomia transgressão x esperança;

compreender os jovens dentro de seu contexto sócio-histórico e econômico, de suas vivências,

relações sociais e oportunidades; entender as juventudes em suas diversidades, e não como

um grupo único e homogêneo; e contemplar a participação política dos jovens, entendendo-os

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como sujeitos de direitos e objeto tanto de políticas universais quanto específicas, com suas

próprias vontades e desejos.

Operacionalmente falando, ainda segundo Castro e Abramovay (2002), a educação é

um dos pontos a ser reforçado, posto que a juventude mais pobre, com grandes índices de

defasagem escolar, tem ficado de fora da cobertura desse segmento das políticas, o que

contribui para que (junto com o fator desemprego) venha aumentando o número de jovens que

não estudam nem trabalham. Para tanto, é preciso também reforçar a qualidade do ensino e

das condições de trabalho dos professores, bem como acompanhar as relações sociais no

ambiente escolar.

De acordo com estas autoras, vale ressaltar que essa situação se torna ainda mais grave

para as mulheres jovens, uma vez constatado pelas mesmas autoras que o casamento, ou ter

filhos, é um fator que influencia as mulheres, mais do que os homens, a deixar os estudos.

Tais limitações podem ser mitigadas com políticas de atendimento materno-infantis para as

jovens mães.

Outro ponto crítico a ser trabalhado é o das múltiplas violências vividas pelos jovens

nos mais diversos contextos, em especial a violência institucional, principalmente dirigida aos

jovens negros, pobres e moradores das periferias. Nesse sentido, não exclusivamente, mas

com grande importância, no sentido preventivo, existe a necessidade de investimento em

políticas e ações de lazer, esporte e cultura – o que também contribui para preencher lacunas

deixadas pelo poder público que, por diversos motivos financeiros e simbólicos, são

exploradas pelo tráfico (Castro & Abramovay, 2002).

No entanto, para garantir sua efetividade, é preciso que essas políticas: não sejam

impostas (os jovens como atores); sejam integradas, bem divididas (trabalho, estudo, lazer,

esporte, saúde, cultura), compondo uma rede entre sociedade civil e poder público; abriguem

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perspectivas de gênero e raça; e sejam transparentes, sensibilizem a sociedade e promovam

ações afirmativas acerca das desigualdades sociais, fomentando pesquisas e atribuindo fatores

e papéis a diferentes atores (Castro & Abramovay, 2002).

Pesquisas da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

(UNESCO), desde 1997, trazem, ainda, como proposições dos jovens para a política pública:

ações de participação social e comunitária nas esferas da escola (grêmios estudantis), igreja,

meio ambiente, política (com palestras e debates, além da presença de estudiosos em políticas

públicas); melhorias quanto à infraestrutura, reformulação e adequação de projetos

pedagógicos, capacitação de profissionais, desenvolvimento de ações de esporte, lazer, cultura

e comunicação, integração com o posto de saúde, etc.; investimento em uma cultura de paz e

segurança social através de formação, de ações preventivas quanto ao porte de armas e à

qualificação da polícia, democratização das discussões acerca da juventude (em especial sobre

drogas), seja em forma de debates, projetos, programas, cursos ou outras atividades nos

diversos espaços e meios de comunicação; melhoria nos espaços e serviços de saúde

(privilegiando temas como gravidez na adolescência, DST e AIDS e direitos sexuais);

ampliação do acesso ao primeiro emprego e redução da jornada de trabalho, além de

iniciativas voltadas para qualificação e o incentivo a empreendimentos de caráter individual

ou coletivo, rurais ou urbanos; entre outras (Castro & Abramovay, 2002).

Com relação aos demais países da América Latina, que desde 1985 buscavam ampliar

a discussão acerca dos direitos dos jovens, só mais tarde, na década de 1990, o Brasil

começou a implementar programas para a juventude. É possível encontrar contribuições à

discussão acerca dos direitos da juventude em outros instrumentos legais, tais como o Estatuto

da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), a Lei Orgânica de Saúde (de nº 8.080/90, que

estabelece o Sistema Único de Saúde), a Lei Orgânica da Assistência Social (nº 8.742/93), a

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Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (nº 9.394/96) e o Código Civil Brasileiro

(Severo, 2014). Porém, quase 15 anos após a aprovação do ECA, a partir de 2004, é que ações

mais concretas começaram a ser implementadas especificamente para a juventude, como a

construção de uma Política Nacional de Juventude, a Secretaria Nacional de Juventude, o

Projeto Juventude – uma pesquisa em caráter nacional que visava traçar um perfil dos jovens

do Brasil –, a 1ª Conferência Nacional de Juventude, entre outros (Souza, 2012).

Logo após as eleições de 2002, em que assumiu a presidência, pela primeira vez, Luiz

Inácio Lula da Silva, o debate em torno da juventude se tornou mais forte em vários espaços.

Esse debate se intensificou entre 2004 e 2005, com a criação de uma Frente Parlamentar e de

uma Comissão Parlamentar de Juventude da Câmara dos Deputados – sendo esta responsável

por propor um Plano Nacional de Políticas Públicas de Juventude. Como consequências de tal

mobilização, surgiram também a Secretaria Nacional de Juventude e o Conselho Nacional de

Juventude (CONJUVE, 2006).

Principal referência governamental na temática da juventude, a Secretaria Nacional de

Juventude (SNJ) passou a integrar as ações com foco no público juvenil, atuando em diálogo

com a sociedade civil (movimentos, grupos juvenis, entre outros) e também na articulação

com os Ministérios e demais Secretarias, com vistas à construção de programas. A SNJ, em

colaboração com o Conselho Nacional de Juventude, promoveu a realização da 1ª

Conferência Nacional de Juventude (SGPR, SNJ, & CONJUVE, 2011)

Contando com atores da sociedade civil que pudessem representar a diversidade

juvenil, especialistas nas temáticas que perpassam a juventude e membros em geral do poder

público, o Conselho Nacional de Juventude (CONJUVE) iniciou suas atividades em 02 de

agosto de 2005 – lei nº 11.129/2005, regulamentada pelo Decreto Presidencial nº 5.490 de

julho do mesmo ano. O CONJUVE buscava, primeiramente, disputar, nas diferentes esferas

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da sociedade, o reconhecimento e a legitimidade da temática juvenil e, então, propor e avaliar

políticas públicas de juventude – possuindo, no entanto, caráter consultivo, sem

governabilidade sobre essas políticas. A partir daí, fruto dos estudos e reflexões acerca de

dados, diagnósticos e experiências de políticas públicas voltadas para a juventude por parte

dos membros desse Conselho, foi publicada, em 2006, uma Política Nacional de Juventude.

(CONJUVE, 2006).

Ainda em 2004, a Comissão Especial de Políticas Públicas de Juventude

(CEJUVENT), criada na Câmara dos Deputados, realizou diversas Audiências Públicas de

Conferências Estaduais de Juventude, desencadeando na já citada 1ª Conferência Nacional de

Juventude em 2008, que contou com 400 mil participantes e 22 propostas prioritárias para a

Política Nacional de Juventude. Esse evento proporcionou o encontro de diversas iniciativas

relacionadas à juventude e foi um marco para a formulação de políticas públicas para esse

público no Brasil, tendo fornecido subsídios ao Plano Nacional de Juventude, à Proposta de

Emenda Constitucional 65 e ao Estatuto da Juventude (SGPR, SNJ, & CONJUVE, 2011).

O Plano Nacional de Juventude consistia em um conjunto de metas a serem cumpridas

em dez anos para a melhoria de vida dos jovens brasileiros. Com contribuições colhidas por

meio de mais de 30 audiências públicas, da Semana Nacional de Juventude e da Conferência

Nacional de Juventude, esse Plano tinha como alguns de seus objetivos incorporar os jovens

ao desenvolvimento do país, responsabilizar o Estado pelas políticas públicas de juventude,

articular os diversos atores da sociedade na formulação dessas políticas, construir espaços de

diálogo e convivência para os jovens, entre outros. Para tanto, foram estabelecidas algumas

prioridades, como a erradicação do analfabetismo juvenil, a universalização da educação

gratuita de nível médio, o incentivo ao empreendedorismo juvenil, a promoção de atividades

preventivas na área de saúde etc. (CEJUVENT, 2004).

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Consistindo no marco legal mais significativo nesse processo, a chamada PEC da

Juventude (promulgada em 2010) passou a atribuir responsabilidade constitucional a quem

violentar, oprimir ou discriminar o jovem – incluindo-o como sujeito de direitos no Artigo

227 da Constituição –, tendo sido primordial para a própria implementação do Estatuto da

Juventude. O Estatuto, por sua vez, teve seu sancionamento de forma tardia, pois, embora seja

fruto de uma proposta de lei construída em 2004, só ocorreu em 2013, tendo enfrentado

impasses de ordem legal e política – lentidão que refletiu a não implicação por parte de

setores políticos e governamentais e também a dificuldade em conciliar em um documento os

diversos conflitos de interesses e ideológicos (Severo, 2014).

Embora a versão inicial do Estatuto agregasse direitos civis que já constavam na

constituição de 1988, não abrangendo uma série de outros problemas e situações vividos pelos

jovens, é preciso ressaltar a importância de um “marco regulatório que integre e dê

perspectiva de longo prazo a um projeto de inclusão social e de desenvolvimento nacional

para os jovens” (Severo, 2014, p. 2), sem o qual as políticas se apresentariam desintegradas e

descoladas do contexto social. Foi o que ocorreu no Brasil, uma vez que as políticas para a

juventude chegaram antes da legislação específica e, assim, estavam muito ligadas aos

problemas com a violência envolvendo jovens (Severo, 2014).

Se, por um lado, a proposta de lei de 2004 funcionou como uma mola propulsora para

criação da Secretaria Nacional de Juventude, do Conselho Nacional de Juventude e de

programas de inclusão social como o Primeiro Emprego, por outro, o Estatuto da Juventude

não propõe intervenções sobre os contextos de vulnerabilidade em que os jovens estão

inseridos. O Estatuto apresenta, ainda, lacunas no que se refere à temática da gravidez na

adolescência, à inclusão no mundo do trabalho sem atribuir unicamente ao jovem a

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responsabilidade por sua geração de renda, às infrações cometidas pelos jovens e às violências

sofridas por esses (Severo, 2014).

A mesma lei do Estatuto da Juventude (nº 12.852/2013) institui também o Sistema

Nacional de Juventude (SINAJUVE) –, cujo ponto mais significativo reside na valorização da

participação da juventude em negociações nacionais e internacionais e, em geral, na

construção de uma sociedade mais igualitária (Observatório das Favelas, 2012). Outros

programas, frutos da reformulação da Política Nacional de Juventude, visavam integrar ações

nas áreas de educação, esporte, saúde e cultura. O ProJovem, como exemplo de um dos

programas mais difundidos, tinha como objetivos ampliar a escolaridade e a formação

profissional utilizando-se, para tanto, de uma ajuda de custo para os jovens.

Especificamente no sentido de prevenir a violência letal contra adolescentes e jovens,

uma das iniciativas foi o Programa de Redução da Violência Letal (PRVL), de 2007, fruto da

articulação entre o Observatório de Favelas, o Fundo das Nações Unidas para a Infância

(UNICEF), a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente e o

Laboratório de Análise da Violência (LAV-UERJ), cujos objetivos principais foram a

mobilização da sociedade, a elaboração de indicadores para o monitoramento e a identificação

e difusão de metodologias de enfrentamento da violência contra o público em questão. Dentro

dessa iniciativa, o Guia Municipal de Prevenção à Violência Letal Contra Jovens e

Adolescentes destaca o papel estratégico e central dos municípios, na medida em que detêm

as informações sobre a população e o território, perfis das vítimas, causas das mortes etc.,

necessárias à elaboração de um diagnóstico da realidade para posteriores intervenções, como

também da parceria entre os municípios pertencentes à mesma Região Metropolitana.

É preciso reconhecer também que o problema da violência letal contra adolescentes e

jovens não é algo que possa ser resolvido em curto prazo, mas deve contar com ações

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contínuas de prevenção, tais como: participação das famílias no processo educativo, formação

continuada dos educadores, programas habitacionais e de distribuição de terras, cooperativas

profissionais, etc. É importante destacar que os índices de violência letal contra os jovens

refletem dinâmicas e processos que começam a se desenvolver em idades anteriores, o que

justifica intervenções e políticas públicas preventivas que atendam as diferentes idades

(Observatório de Favelas, 2012).

Diante da continuidade dos índices alarmantes de letalidade juvenil, o Governo

Federal – sob responsabilidade compartilhada da Secretaria Nacional de Juventude, da

Secretaria-Geral da República e da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial –

criou o Plano Juventude Viva. Visando atuar na prevenção à violência contra os jovens, o

Plano apontava o combate ao racismo, o respeito à diversidade e a garantia de direitos dessa

população como elementos essenciais. Ele reconhecia os homicídios como principal causa das

mortes de pessoas entre 15 e 29 anos no Brasil, atingindo principalmente “jovens negros do

sexo masculino, moradores das periferias e áreas metropolitanas dos centros urbanos”, sendo

esse o público alvo prioritário das ações (SGPR & SNJ, 2014, p. 6).

O Plano Juventude Viva tinha como marcos propulsores a Política Nacional de

Juventude (de 2006), a Primeira e Segunda Conferência Nacional de Juventude (2008 e 2011,

respectivamente) e a criação do Estatuto da Juventude (sancionado em 2013), já mencionados

anteriormente. O Plano era organizado em quatro eixos: o primeiro era o de “desconstrução da

cultura de violência”, seja ela física ou simbólica, considerando que a violência contra a

juventude negra já se encontra de diversas formas naturalizada e que, portanto, devem ser

criadas novas maneiras de pensar e agir diante dessa população. O segundo, “inclusão,

oportunidade e garantia de direitos”, visava combater também o racismo que tem

historicamente afastado os jovens negros dos serviços públicos, por meio da sua inserção

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produtiva em empregos que apresentem boas condições de trabalho, além da sua qualificação.

“Transformação de territórios” era o terceiro eixo, que deveria atuar reforçando a presença do

poder público e, assim, dos diversos serviços de saúde, educação, esporte, lazer e cultura, em

áreas consideradas de maior vulnerabilidade à violência. Por fim, o quarto e último eixo,

“aperfeiçoamento institucional”, tinha maior enfoque no enfrentamento ao racismo

institucional tanto dentro dos serviços públicos (e que afetam os servidores) quanto das

instituições para com a população (SGPR & SNJ, 2014).

O Plano se constituía de forma descentralizada, tanto na medida em que se relacionava

com outros programas e serviços quanto ao atribuir responsabilidades às esferas federal,

estadual e municipal, bem como à sociedade civil – ao mesmo tempo buscando respeitar a

autonomia de cada uma delas. Para a efetivação das ações do Plano, era prevista também a

indicação de jovens negros ligados à Secretaria Nacional de Juventude para atuarem como

articuladores das diversas esferas envolvidas (SGPR & SNJ, 2014).

Apesar de todas essas políticas e programas, reconhece-se, concordando com Santos

(2013, p. 73), que:

a participação juvenil se limita a um pequeno espaço no interior das estruturas

burocráticas do poder instituído, não havendo incentivo à proposição e ou criação de

espaços próprios à atuação juvenil (...) os jovens, embora sendo reconhecidos como

sujeitos de direitos, permanecem tendo sua capacidade de ação comprometida, uma

vez que esta será restrita aos modelos e estruturas pré-existentes do mundo adulto.

Além disso, ainda para essa autora, a entrada do jovem no mundo adulto, em especial

no mercado de trabalho, continua a se dar de forma precarizada e reprodutora de uma

condição de subalternidade, processo em boa parte condicionado por uma aprendizagem

voltada para o mercado, e não para as necessidades da juventude.

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Fazendo um balanço de dez anos de políticas públicas para a juventude (de 2005 a

2015), mesmo reconhecendo os avanços e conquistas nos marcos legais durante os governos

de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, é necessário observar que tais ações não se

consolidaram como políticas de Estado (Castro, 2016). Somado a essas considerações, mais

recentemente o cenário nacional passou por mudanças nas configurações políticas que

trouxeram consigo retrocessos em diversos âmbitos da sociedade, implicando em perdas

importantes no que se refere aos direitos sociais conquistados ao longo da história, em

especial os direitos da juventude.

Tais perdas para a juventude ocorreram ainda durante o governo Dilma Rousseff, com

a medida provisória nº 717, de 16 de março de 2016, assinada pelo então vice-presidente

Michel Temer que, entre outras medidas, extingue o Ministério da Juventude, transferindo

suas competências, bem como a própria Secretaria Nacional de Juventude, para o Ministério

da Justiça e Cidadania. Após o golpe parlamentar, no mesmo ano, que destitui Dilma

Rousseff da Presidência da República, há a aceleração e o aprofundamento da agenda

neoliberal no país – a exemplo de medidas como a PEC 241 (PEC 55 no Senado)1 (Castro,

2016) – e o novo presidente Michel Temer transforma a Medida Provisória nº 717 na Lei

13.341, de 29 de dezembro de 2016.

Antes do golpe, já estávamos diante de um contexto de políticas compensatórias,

focalizadas e de caráter emergencial, que não conseguiam dar respostas satisfatórias à

vulnerabilidade em que a juventude brasileira se vê imersa. Agora, com a nova conjuntura, as

possibilidades apresentadas pelas políticas públicas, no sentido de contribuir para que a

concepção de jovem como sujeito de direitos seja uma realidade, são praticamente

1 Essa proposta previu o congelamento de gastos com saúde e educação por 20 anos, tomando como teto o

orçamento mais a inflação do ano anterior.

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inexistentes. Cabe nos perguntarmos, portanto: que outras iniciativas e atores poderiam entrar

em cena e contribuir para que a juventude brasileira esteja de fato na condição de sujeito de

direitos e de participação política, objeto de proteção por parte do Estado e agente de sua

própria história?

No tocante à sociedade civil, o Plano Juventude Viva previa a criação da Rede

Juventude Viva, que visava “à conexão de atores de diferentes segmentos da sociedade que

atuavam na defesa da vida da juventude, em especial da juventude negra”, partindo do que era

proposto no Plano para realizar a divulgação de notícias, informações, editais, eventos etc.,

relacionados à temática do enfrentamento à violência contra a juventude negra (SGPR & SNJ,

2014, p. 13). No Rio Grande do Norte, surgiu, inspirada naquela, a Rede Juventude Viva do

RN, com uma configuração própria, realizando reuniões e desenvolvendo tanto ações na

comunidade quanto de pressão do poder público pela adesão e efetivação do Plano Juventude

Viva nos municípios, sendo a primeira iniciativa no estado do RN a adotar como pauta central

a questão do genocídio da juventude.

Embora a Rede tenha sido inspirada por uma política pública – o Plano Juventude

Viva, que acompanhando as mudanças sofridas na política pública de juventude, teve suas

atividades paralisadas –, em suas ações e composição teve como marca mais forte as

organizações da sociedade civil. Para compreender a complexidade desse coletivo e

identificar seus limites e possibilidades no enfrentamento ao genocídio da juventude, portanto,

faz-se necessário primeiramente conceituar o que neste trabalho será tomado como sociedade

civil, apresentando também elementos históricos e reflexões acerca das organizações

populares de cunho reivindicatório, dando prioridade aos movimentos sociais no Brasil.

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2.2. A sociedade civil em ação

Negro entoou um canto de revolta pelos ares,

no Quilombo dos Palmares, onde se refugiou...

(Mauro Duarte)

Para Gramsci, a sociedade civil é uma dimensão da vida social na qual os interesses

das classes estão representados (e se confrontam); trata-se da arena na qual lutam por

hegemonia – que é composta por diversas organizações, a exemplo dos sindicatos, partidos,

igrejas, movimentos sociais, entre outros. A sociedade civil representa, por meio “do

exercício da dominação de classe pelo exercício do convencimento” (Montaño & Duriguetto,

2011, p. 45), um momento do Estado. Esse, por sua vez, tomado por Gramsci de forma

ampliada, e não apenas como aparelho de repressão da burguesia na manutenção de seu

domínio, incorpora em seu seio a luta de classes, mas adota novas funções, ao justificar e

manter o seu domínio também por meio do consentimento daqueles que governa (Montaño &

Duriguetto, 2011).

Nesse sentido, ainda de acordo com esses autores, importa para Gramsci a criação de

uma “hegemonia das classes subalternas” (p. 48), que só é possível à medida que,

incorporando uma dimensão educativa, essas classes conquistem uma unidade, uma direção

político-ideológica crítica, com uma práxis articulada. Dessa forma, transformando-se no

próprio Estado, alcançariam o propósito revolucionário na sociedade de extingui-lo, criando

um novo “bloco histórico” (Montaño & Duriguetto, 2011, p. 49). Tomando como base essas

concepções, seguem-se algumas considerações sobre os movimentos sociais e uma pequena

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contextualização histórica das mais importantes disputas travadas com a sua participação na

arena da sociedade civil, no Brasil, até o ano de 2016.

Os movimentos sociais “sempre existiram (...) e sempre existirão”, porém são parte de

uma experiência que “recria-se cotidianamente, na adversidade de situações que enfrentam”

(Gohn, 2011, p. 336). Para Duriguetto et al. (2009), é a partir das contradições capitalistas e

da “questão social”, seu desdobramento sociopolítico, que se dá a emergência e o

desenvolvimento dos movimentos sociais.

Eles são caracterizados por apresentar uma identidade, um opositor e um projeto de

vida e sociedade compartilhado, que seja verdadeiramente democrático, com certa

permanência ao longo do tempo. Os movimentos têm dado contribuições na organização e

conscientização da sociedade, bem como no processo educativo dessa e de seus membros,

com demandas aliadas a práticas de pressão, com a luta por sustentabilidade, inclusão e

diversidade, tematizando e redefinindo a esfera pública, realizando parcerias com outras

entidades etc. (Gohn, 2011).

Um movimento social guarda um caráter sociopolítico nas suas ações coletivas e pode

envolver atores de diversas camadas sociais, que se posicionam frente aos conflitos e outras

disputas sociais a partir dos repertórios que criam sobre tais temas, tendo construído e

compartilhado uma identidade através da solidariedade entre os membros do grupo. Envolve,

assim, um conjunto de práticas sociais (fazer), fundamentado em um conjunto de ideias

(pensar), consistindo, portanto, em uma práxis social dos homens atuando na história cuja

dinamicidade é conferida por meio das lutas sociais (Gohn, 2000).

Ainda de acordo com a autora, os movimentos sociais apresentam a característica

importante de se desenvolverem em espaços não institucionalizados, nem na esfera pública e

nem na esfera privada. Cabe diferenciá-los, ainda, como nos propõem Montaño e Duriguetto

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(2011), das mobilizações sociais, uma vez que estas não guardam o caráter de estabilidade dos

movimentos, extinguindo-se quando concluídas; e das ONGs, posto que seus agentes são, em

geral, alheios às necessidades, interesses ou reivindicações dos sujeitos, que, nos movimentos,

se mobilizam por respostas frente a realidades diretamente relacionadas à sua identidade.

No Brasil, tal qual em outros países da América Latina, os movimentos sociais

atuaram de forma decisiva para redefinir o papel do Estado e os sentidos da política (Dayrell

& Carrano, 2003). Nas palavras desses autores, esses movimentos “combateram na prática

social a lógica perversa da histórica combinação entre crescimento econômico e produção de

pobreza” (p. 12), confrontando uma realidade apontada por Duriguetto et al. (2009), de que,

em meio à modernização capitalista, as ações do Estado voltadas para as classes

subalternizadas se deram sob a lógica do clientelismo, do paternalismo e da exclusão,

deixando historicamente a participação popular de fora das decisões políticas.

Assim, é possível constatar a existência de movimentos contra a dominação e a

exploração no país desde os tempos de colônia, sendo que, nessa época, a maioria dos

esforços nesse sentido foi empreendida por negros escravos e pela plebe, ou “ralé”. Dentre as

mais famosas lutas nesse período, estão as conhecidas Zumbi dos Palmares (1630-1695),

Inconfidência Mineira (1789), Revolução Pernambucana (1817), Canudos (1874-1897), entre

outras. Com a virada do século, o advento da República e a substituição dos escravos pelos

trabalhadores assalariados, processou-se uma “incipiente industrialização e a formação de um

proletariado urbano” (Gohn, 2000, p. 16), trazendo ligas, uniões, associações de auxílio

mútuo etc., como formas de luta e resistência dos trabalhadores. De acordo com Montaño e

Duriguetto (2011), um dos fatores cruciais para essa configuração foi a vinda de operários da

Europa, que trouxeram consigo a experiência política e ideológica adquirida no contato com

as lutas da classe operária nos seus países.

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Assim, no início do século XX, em especial nas duas primeiras décadas, foram

crescentes as reivindicações dos partidos operários diante da não garantia de direitos básicos,

apesar da forte repressão dos governos oligárquicos à atividade política dos sindicatos

(Montaño & Duriguetto, 2011). Revoltas da população por serviços urbanos, contra políticas

locais ou por melhores condições de moradia e de trabalho foram comuns, a exemplo da

Revolta da Vacina (1905), da Revolta da Chibata (1910) e da greve de 1917 em São Paulo. Já

nos anos 1920, destacaram-se ainda as lutas e movimentos da população pertencente às

camadas médias, bem como de militares, movimentos de messiânicos e cangaceiros, além de

lutas pela educação (Gohn, 2000).

Apesar de ter sido resguardado o direito de associação sindical a todas as profissões

desde 1907, o Estado não deixou de investir em cooptar e controlar os trabalhadores

organizados, razão pela qual criou, em 1921, o Conselho Nacional do Trabalho. Esse controle

do movimento operário, por meio da limitação de suas atividades e recursos e da definição

desses como colaboradores do Estado, no entanto, só foi consolidado depois de 1931, quando

foi criado o Ministério do Trabalho e a Lei de Sindicalização (Montaño & Duriguetto, 2011).

A Revolução de 1930, articulada pela classe burguesa, foi crucial para o surgimento de

uma nova época no Brasil, buscando inserir o país como produtor não mais apenas agrícola,

mas de bens e produtos industrializados, o que contribuiu para o surgimento de uma classe da

burguesia industrial e de uma massa de trabalhadores vindos do campo para a cidade. É

também a partir daí que o Estado promulga leis trabalhistas, assim como Ministérios,

secretarias e outros órgãos cujos olhares estavam voltados para a “questão social” (Gohn,

2000). A autora cita também diversos movimentos sociais entre 1930 e 1937, como os tão

conhecidos Marcha Contra a Fome (1931) e a criação da Aliança Libertadora Nacional

(1935), até que o Golpe do Estado Novo, do ex-presidente Getúlio Vargas, conseguiu

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controlar através da repressão os conflitos sociais. De 1942 em diante, há o surgimento de

Sociedades Amigos de Bairros, como consequência da urbanização nas capitais do país.

Entre 1945 e 1964, fase do regime político populista no país, houve efervescência de

movimentos sociais, posto que a redemocratização local, somada ao desenvolvimento da

sociedade de consumo em âmbito internacional, “criaram espaços favoráveis aos projetos

nacionalistas e de desenvolvimento nacional” (Gohn, 2000, p. 17). Durante esse período,

Montaño e Duriguetto (2011) destacam também a organização de movimentos de

trabalhadores rurais, que historicamente ficaram de fora em relação às conquistas trabalhistas

do proletariado urbano.

Compunham esse cenário, ainda, a vinda das multinacionais, alianças entre a

burguesia nacional e internacional e o surgimento da classe operária dos metalúrgicos no

ABCD paulista. Essa conjuntura preparou o terreno para a eclosão de diversas greves entre

1961 e 1964, no Brasil, além da criação de movimentos no campo, precursores dos atuais

sem-terra, e na área da educação, como o Movimento de Educação de Base (MEB) e a União

Nacional dos Estudantes (UNE) (Gohn, 2000).

O momento mais emblemático dessas lutas, no entanto, foi realizado no dia 13 de

março de 1964, com a presença de mais de duzentos mil trabalhadores, e teve como resposta

das camadas médias tradicionais a chamada Marcha pela Família, com Deus e pela Liberdade,

no dia 31 do mesmo mês e ano, sendo essa o marco inicial do período autocrático burguês no

país (Montaño & Duriguetto, 2011). O golpe civil-militar de 1964 – acompanhando a onda de

ditaduras militares na América Latina – dificultou significativamente a mobilização e

organização dos movimentos, por meio de severa repressão e restrição dos direitos humanos e

políticos, restando o segmento dos estudantes como uns dos poucos que ainda resistiam.

Durante o regime militar, muitos líderes da esquerda foram mortos em luta armada, enquanto

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as camadas médias da sociedade brasileira se beneficiavam do consumo de bens

industrializados, do acesso à casa própria e até mesmo de novos empregos (Gohn, 2000).

Apesar de toda a repressão, não deixaram de ocorrer diversas manifestações visando o

fim da ditadura militar no Brasil, como a Passeata dos Cem Mil (em junho de 1968) e outras

ações (sequestros, assaltos, expropriações, etc.) empreendidas por movimentos como o

Movimento Revolucionário 8 de Outubro, Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR),

entre outros. Além disso, diversos outros segmentos da população – artistas, intelectuais,

advogados, etc. – se uniram em ações de contestação na segunda metade dos anos 1970, sob a

pauta geral da luta pelas liberdades democráticas (Montaño & Duriguetto, 2011).

Ainda a partir de 1974, quando o “milagre brasileiro” entra em crise, os movimentos

contra o regime passaram a se rearticular a partir de setores como as Comunidades Eclesiais

de Base (CEBs), que tinham como base a Teologia da Libertação, organizando as pessoas em

torno de reivindicações por direitos à saúde, aos transportes, às vagas nas escolas, etc.,

servindo de apoio também às greves no país entre 1978 e 1979, que foram o pontapé para a

rearticulação dos sindicatos dos trabalhadores, por meio da Associação Nacional de

Movimentos Populares e Sindicais (ANAMPOS) – esta última deu origem à Central dos

Movimentos Populares, em 1993 (Gohn, 2000). Montaño e Duriguetto (2011), ainda sobre o

final dos anos de 1970, situam um processo de difusão em massa das demandas e das lutas

dos sindicatos, dando início ao chamado “novo sindicalismo” no país.

Dentro dessa nova configuração, também de acordo com esses autores, surgiu a

Central Única dos Trabalhadores, em 1983, tornando-se referência para a organização e

atuação dos trabalhadores, dado o seu papel no debate político do país, a filiação dos

sindicatos a essa, a sua participação na fundação do Partido dos Trabalhadores e do

Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), as diversas manifestações que fomentou

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durante a década de 1980 etc. Aliada a esses fatores, a morte do regime militar em 1984 deu

início a um período de mobilizações de outros atores (como as mulheres e os índios) por leis,

que culminou em uma nova Constituição (Gohn, 2000).

Muitas dessas reivindicações não apresentavam exatamente uma identidade de classe,

o que é característico, segundo Martins e Mendonça (2010), dos chamados Novos

Movimentos Sociais – que ganharam maior expressividade na década de 1990, como

vertentes do movimento feminista, de orientação sexual, de raça, entre outros. Ainda de

acordo com esses autores, tais movimentos diferem dos clássicos por não se dirigirem contra

o núcleo do capitalismo, mas à superação das dificuldades trazidas pelo modo de vida nesse

sistema.

De acordo com Dayrell e Carrano (2003), o processo da Constituição Federal de 1988

contribuiu para provocar um efeito cascata nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas

Municipais. Esses autores também destacam as lutas populares urbanas por direitos sociais no

período pós-ditatorial, ressaltando que no rol dos movimentos da década de 1980 cabe incluir

os de juventude, tanto os de caráter estritamente político quanto os ligados à cultura, buscando

mostrar as suas especificidades como sujeitos ativos, e não exclusivamente como

consumidores.

A fim de desconstruir imagens e certezas construídas a partir da forma como os jovens

se apresentaram na cena pública na década de 1990, os mesmos autores apontam que a

participação juvenil não se restringiu aos movimentos estudantis ou à militância junto aos

partidos políticos, ainda que muitas vezes as outras formas de participação tenham passado

despercebidas – exemplos dessas são mobilizações contra a fome, por qualidade de vida e do

meio ambiente, ou mesmo a criação e gestão de ONGs por jovens. Um evento que evidenciou

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tal diversidade foi o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre (em fevereiro de 2002),

agregando mais de 20.000 jovens do Brasil, América Latina e Europa. Assim:

Durante a década de 80 e 90 os jovens tomaram as ruas em vários momentos, tomando

parte ativa em decisões nacionais como a campanha pelas Diretas Já e o impeachment

do presidente Fernando Collor de Mello. Além dessas mobilizações, em vários

momentos grupos juvenis, mais ou menos numerosos, vieram a público pelos mais

diferentes motivos, desde a demanda por passes livres de ônibus até questões mais

gerais como o repúdio do acordo com a Associação do Livre Comércio (ALCA). Mas

grande parte dessas mobilizações ocorreu com significativa independência das

organizações juvenis tradicionais e sempre tiveram um caráter descontínuo, onde os

momentos de visibilidade foram sucedidos por momentos de latência, não sendo vistas

como expressões válidas de ações políticas. (Dayrell & Carrano, 2003, p. 18)

Os estilos culturais dos jovens que participavam da cena pública, na década de 1990,

eram os mais diversos (punks, roqueiros, funkeiros, etc.), muitos dos quais, como os rappers,

desenvolviam ações comunitárias nos seus bairros. Mesmo dentro de cada segmento desses,

no entanto, é importante ressaltar que não há homogeneidade, posto que as próprias

influências e referências internas e externas dos jovens variam, podendo haver práticas

intolerantes e agressivas entre os membros. Ainda assim, os estilos podem ser tidos como

formas de resistir à despersonalização e fragmentação da sociedade, possibilitando aos jovens

visibilidade, pertencimento e solidariedade, assim como podem também ser compreendidos

como redes sociais, uma vez que congregam questões universais com relações locais, numa

compreensão própria do contexto em que estão inseridos (Dayrell & Carrano, 2003).

O período de intensas mobilizações foi, no entanto, seguido pelas consequências da

agenda neoliberal dos países periféricos nos anos 1990 – desemprego e flexibilização de

contratos, expansão da economia informal, entre outros –, levando à nova desarticulação dos

movimentos sociais (Gohn, 2000) e a uma “crise do sindicalismo de classe”, transformando-

se em um “sindicalismo de parceria” (Montaño & Duriguetto, 2011, p. 244). Nesse quadro, de

fim do consumo fácil para as camadas médias e de piora da recessão, surgiram novos atores

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em cena – que deixaram de lado as lutas por direitos e contra a exclusão, para lutar pela

inclusão e integração dos excluídos criados pelo sistema – do agora chamado “terceiro

setor”,2 repleto de complexas e diferentes configurações no fenômeno chamado de novo

associativismo (Gohn, 2000).

Montaño (2010) ressalta o papel de articuladoras e captadoras de recursos para os

movimentos sociais que as Organizações Não Governamentais (ONGs) – pertencentes ao

“terceiro setor” – assumiram desde a sua constituição e, mais expressivamente, após a década

de 1970. Esse autor ressalta, no entanto, que as ONGs não passavam de coadjuvantes dos

movimentos nas diversas lutas contra a opressão empreendidas, sendo estes os verdadeiros

atores principais. Tais papéis, porém, começam a se modificar no Brasil na década de 1990

(Montaño, 2010).

Essa mudança de foco foi usada das mais diversas formas pelos teóricos, desde colocar

tais organizações como sinônimos dos movimentos, passando por desqualificá-los como

iniciativas ultrapassadas, até qualificar o “terceiro setor” como a forma moderna de

associativismo na sociedade. Ainda nos anos 1990, com a crise das esquerdas, os paradigmas

hegemônicos colocavam como tarefa política a inclusão dos pobres e excluídos – que, por sua

vez, haviam chegado a tal condição devido ao processo de reestruturação do mercado de

trabalho –, por intermédio de políticas sociais compensatórias ou práticas que buscassem a

justiça social e a equidade. Dentre as principais categorias em uso, nesse período, estavam as

de cidadania coletiva e globalização (Gohn, 2010).

2 O conceito aqui é usado entre aspas, uma vez que, conforme nos aponta Montaño (2010), foi gestado em meio

a “visões segmentadoras do real” – em tradições do pensamento distantes do referencial teórico-metodológico

comprometido com a transformação da realidade – e é extremamente funcional ao “atual processo de

reestruturação do capital” (p. 16).

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Acerca ainda da conjuntura social nos anos 1990, no campo do associativismo, há o

surgimento de novos tipos de movimentos, a emergência de movimentos como o MST e os

que lutam pelas diferenças, a atuação em redes, a maior consciência ambiental, a entrada de

novos atores do “terceiro setor” (que não só as ONGs), como também o surgimento de novas

políticas com caráter fiscalizatório e clientelista. Em resumo:

Disso tudo resulta um cenário contraditório em que convivem entidades que buscam a

mera integração dos excluídos, por meio da participação comunitária em políticas

sociais exclusivamente compensatórias, com entidades, redes e fóruns sociais que

buscam a transformação social por meio da mudança do modelo de desenvolvimento

que impera no país, inspirados em um novo modelo civilizatório no qual a cidadania, a

ética, a justiça e a igualdade social sejam imperativos, prioritários e inegociáveis.

(Gohn, 2010, p. 48)

De acordo com Gohn (2010, p. 54), “na América Latina, a noção de democracia

deliberativa surge como um caminho ou um modelo ideal normativo que busca dar conta das

novas exigências e condicionalidades que se colocam na relação Estado-sociedade na fase

pós-ditatorial desse continente” e traz consigo temas como pluralidade/diversidade,

desigualdade e equidade, além do conceito de sociedade civil. Ou seja, havia uma política

deliberativa operando no processo democrático por meio da opinião pública e da vontade

coletiva, cuja expressão “seria dada em processos reflexivos realizados por movimentos

sociais, associações, partidos, grupos sociais, etc., construindo um modelo dialógico de

intervenção pública” (Gohn, 2010, p. 55).

Tal como sinalizado nesse estudo, no mesmo cenário, alguns movimentos tiveram

mais condições de se organizar enquanto outros tiveram perda na sua força política junto à

população – em função do descrédito em que caíram os políticos em diversos países. Tal

fragilidade, no caso do Brasil, em uma das explicações possíveis, foi atribuída ao que seria

um processo de institucionalização das práticas sociais organizadas por meio dos

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movimentos, de cooptação dos seus líderes pelos aparelhos do Estado e suas políticas sociais

compensatórias.

Duriguetto et al. (2009) também destacaram a institucionalização das ações dos

movimentos sociais, na segunda metade da década de 1980 – vistas como estratégicas, tanto

para a consecução de direitos e cidadania, quanto para a participação da população no

processo de construção de políticas públicas (também destacada por Dayrell e Carrano, 2003,

como uma das marcas da democracia deliberativa). Além disso, destacaram o desmonte do

Estado na regulação da economia e dos mesmos direitos conquistados, devido à ofensiva

neoliberal a partir de 1990, despolitizando e fragmentando as lutas e movimentos populares

através da sua submissão à lógica do mercado.

Também é possível apontar como características do chamado novo associativismo no

Brasil: o voluntarismo da ação coletiva, buscando resolver os problemas sociais por

intermédio da mobilização e do engajamento das pessoas; e o presentismo/pragmatismo, que

vê esses problemas como produto apenas do seu local imediato, negando a dimensão política

e histórica deles. Mais recentemente, esse associativismo começou a mudar suas

configurações, tendo ressurgido a visibilidade e centralidade de alguns movimentos, que, por

sua vez, estão cada vez mais plurais, sejam com relação às suas causas, demandas, ou mesmo

por seus projetos e formas de ver o mundo (Gohn, 2010).

Gohn (2011) sinaliza, ainda, sobre as organizações do “terceiro setor”, que se

fortaleceram na primeira década deste milênio, provocando uma diminuição no aspecto

reivindicativo ou crítico que guardavam antes. Outros atores presentes no cenário do

associativismo brasileiro dessa época – fundações, bancos, redes do comércio e da indústria,

etc. –, aprofundaram esse processo. Com recursos financeiros diversos (privados e públicos),

colocando como seu público-alvo as populações tidas como vulneráveis e utilizando conceitos

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como empoderamento e protagonismo social, desenvolviam projetos com prazos e metas

(Gohn, 2011).

Não obstante o recente protagonismo das ONGs no país, não deixaram de ocorrer

revoltas populares, nos anos 2000, envolvendo a participação dos movimentos sociais, sendo

boa parte delas disparadas por questões relacionadas à mobilidade urbana. De acordo com o

Movimento Passe Livre (2013), à medida que a ordenação do espaço urbano e as

possibilidades de circulação das pessoas ficam subordinadas à circulação do valor, uma

parcela da população é excluída do direito de ir e vir, o que gera movimentos de resistência,

como foram a Revolta do Buzu (em Salvador, 2003), a Revolta da Catraca (em Florianópolis,

2004), além de plenárias, encontros e mais manifestações em Vitória (2006), Teresina (2011),

Natal (2012) etc.

Com o discurso do direito à mobilidade como central no acesso a outros direitos

básicos, e tendo conseguido impedir o aumento das passagens de transporte público em

algumas das cidades em que ocorreram mobilizações, toda essa movimentação culminou nas

chamadas Jornadas de Junho, em 2013 (Movimento Passe Livre, 2013). Iniciadas com a

presença de cerca de quatro mil pessoas, no dia 6 de junho daquele ano, em São Paulo, que

em duas semanas já agregavam por volta de 1,4 milhão de pessoas distribuídas em 120

cidades brasileiras (Pechanski, 2013), sendo a maioria dos manifestantes jovens de classe

média (Maricato, 2013).

Ainda que se possa relacionar, de forma geral, esses protestos às más condições das

cidades (Maricato, 2013), Vainer (2013) sinaliza a estreita relação entre eles e o grande

investimento urbano relativo à Copa do Mundo de 2014, apontando também a forte repressão

governamental e midiática aos movimentos como tentativas de abafar qualquer mobilização

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que pudesse “manchar” a imagem do país, tão em evidência em função do evento esportivo.

Apesar de toda a repercussão das Jornadas, ocorreu que:

Na manifestação de 20 de junho, a direita mostrou uma face dupla: grupos neonazistas

serviam para expulsar uma esquerda desprevenida, enquanto inocentes “cidadãos de

bem” de verde-amarelo aplaudiam. O número de participantes no país foi o maior até

então. Mas começou a cair logo em seguida. A mudança ideológica dos protestos

coincidiu com uma queda abrupta do número de manifestantes. O movimento que

começara apartidário se tornava então antipartidário. (Secco, 2013, p. 128)

Novas reivindicações ocorreram ainda nesta década, em meio ao já citado processo

que culminou no golpe parlamentar que destituiu a até então presidenta Dilma Rousseff. De

acordo com Jinkings, Doria e Cleto (2016), esse processo se iniciou com o lançamento – pelo

Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), do até então vice-presidente Michel

Temer – do plano intitulado “Uma ponte para o futuro” e com a acusação movida pelo então

presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, dirigida à presidenta Dilma, de crime

de responsabilidade relativo à lei orçamentária e à lei de improbidade administrativa

(conhecido popularmente como “pedalada fiscal”). Iniciado em 29 de outubro de 2015,

seguido pela saída do PMDB do governo, em março de 2016, o processo de impedimento teve

sua aprovação no plenário da Câmara em abril desse mesmo ano, por intermédio de votação

dos parlamentares – boa parte dos quais, réus em processos e indiciados por corrupção –,

tendo sido aprovado no Senado Federal, em maio de 2016 (Jinkings et al., 2016).

Apesar da evidente ilegitimidade desse impedimento e das numerosas e populosas

reivindicações pró-democracia a que o Brasil assistiu entre 2013 e 2016, nem todas as

manifestações foram a favor dela. A inserção da alta classe média na militância política por

meio de mobilizações, já anunciada em 2013, foi apontada por Boito (2016) como um dos

fatores fundamentais para a “caminhada até aqui vitoriosa da grande ofensiva neoliberal

restauradora” (p. 27). Esse segmento de pessoas, de acordo com Amaral (2016), dizia-se

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contra a corrupção e, portanto, a favor da saída do Partido dos Trabalhadores do Governo,

muitas pedindo inclusive a volta da ditadura militar. A autora destaca, ainda, a ligação entre

movimentos nessa ala da população, em especial o Movimento Brasil Livre (MBL) e os

partidos da direita política do Brasil.

Essa polarização pode ser mais bem compreendida se, tal como nos propõe Boito

(2016), a remetermos aos conflitos de classes, levando em consideração que, se por um lado, a

política dos dois últimos governos petistas investia nas grandes empresas nacionais – em

detrimento do capital internacional –, buscava melhorar as condições de vida das classes

populares e contemplar as demandas dos movimentos negro, feminista e LGBTs, por outro

lado, boa parcela da burguesia brasileira objetivava a irrestrita abertura ao capital

internacional, a venda de estatais, o corte de gastos com serviços públicos etc. (Boito, 2016).

Diante desses fatos históricos, das considerações conceituais e reflexões apresentadas,

e considerando que a atual conjuntura influencia e é influenciada pelas manifestações

populares de cunho reivindicatório – e, consequentemente, pelos movimentos e redes de

movimentos sociais –, passaremos à descrição do processo de investigação da Rede Juventude

Viva do RN.

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3. Aspectos metodológicos

3.1. Técnicas e procedimentos

Para alcançar os objetivos propostos, foi utilizada a observação participante, descrita

por Flick (2007) como ato de “mergulhar de cabeça” no campo, destacando o seu desenho

flexível e compatibilidade na combinação com outros métodos, o interesse pelo “aqui e

agora”, e o esforço compreensivo na busca pela profundidade e pelos sentidos nas interações

entre as pessoas. Em geral, a observação participante é um processo de fácil apropriação, que

permite capturar a perspectiva interna a um grupo em situações interessantes e variadas

(Flick, 2007) e que apresenta outras vantagens como a observação do fenômeno de forma

direta, inteira e na sua complexidade, no momento em que ele ocorre (Valles, 1999).

A pesquisadora realizou observações na condição de participante como observadora.

Sendo assim, passou a integrar a rede investigada, desempenhando atividades como os demais

membros. Escolhida por ser uma forma da observadora partilhar e participar de

acontecimentos importantes para a Rede Juventude Viva do RN, estabelecendo um contato

em profundidade com o grupo, essa condição ao mesmo tempo evitou imersão total no

campo, ajudando a manter o distanciamento necessário ao desvelamento dos processos

envolvidos nesta pesquisa. As observações também contaram com o auxílio de registros em

diário de campo. Esses, por sua vez, foram feitos após a saída do local em que ocorreram as

atividades, para evitar constranger os participantes observados.

O diário de campo tem como vantagem a possibilidade de contrastar o observado com

o escrito e de auxiliar na reformulação de questões não tão bem resolvidas no desenrolar da

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pesquisa, consistindo num registro vivo que serve não só para recordar os eventos, mas

também para auxiliar na interpretação e análise dos dados (Valles, 1999).

As situações de observação foram reuniões internas e ações nas comunidades,

momentos em que a Rede esteve desenvolvendo discussões, reflexões e atividades referentes

ao enfrentamento ao genocídio da juventude na região metropolitana de Natal. Para tanto, foi

realizada uma breve exposição da proposta de pesquisa para o grupo escolhido, sendo

omitidos apenas aspectos que pudessem interferir nas respostas comportamentais dos

participantes a ponto de prejudicar a confiabilidade do estudo. Estava prevista a possibilidade

de os participantes sentirem desconforto em saber que estavam sendo observados, bem como

em saber da existência dos registros de campo. Tal etapa não pôde sempre contar com o uso

de salas privativas (apenas nas reuniões internas), já que houve ações em espaços abertos ao

público.

Também foram realizadas entrevistas, definidas como encontros regidos por regras

que determinam o nível de interação em cada circunstância (Valles, 1999), “conversas com

finalidade” que permitem tanto a obtenção de dados mais objetivos ou concretos (que

poderiam ser obtidos por meio de outras técnicas) quanto de dados subjetivos dos

entrevistados (Minayo, 2013). A escolha pelo uso de entrevistas nesta pesquisa tem a ver com

suas várias vantagens, uma das quais, descrita por Araújo e Canto (2010), é poder fazer parte

de qualquer etapa do processo de investigação. Outra vantagem apontada pelos mesmos

autores é a de que essa técnica pode ser utilizada tanto como veículo principal das

informações quanto como complementar a outras técnicas, destacando-se a observação

participante – a combinação entre esta e as entrevistas também é recomendada por outros

autores, como Minayo (2013). Tem-se ainda como vantagem que:

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A entrevista é um instrumento de pesquisa singular, pois não se limita a qualquer

teoria, orientação epistemológica (seja construtivista ou positivista) ou tradição

filosófica. Pesquisadores de praticamente todas as abordagens irão utilizar entrevistas

em alguma ocasião. (Araújo & Canto, 2010, p. 249)

De acordo com Araújo e Canto (2010), as entrevistas possuem, no entanto, alguns

inconvenientes, podendo estar sujeitas a esquecimentos, imprecisões e/ou à não colaboração

em geral por parte dos participantes – alguns desses fatores motivados, por vezes, pela própria

presença do pesquisador. Levando isso em consideração, uma recomendação desses autores

para validar os dados é, além do cruzamento com outras técnicas, remeter as conclusões aos

entrevistados – o que será feito ao final deste trabalho.

Para este estudo foram escolhidas as entrevistas semiestruturadas, que se diferenciam

dos demais tipos por serem realizadas com o auxílio de um guia ou roteiro, com questões

abertas às quais o entrevistado pode responder livremente (Flick, 2007; Valles, 1999),

dispostas em uma sequência lógica, porém, guardando ainda relativa flexibilidade quanto ao

formato e função (Araújo & Canto, 2010; Flick, 2007). O roteiro contém geralmente poucas

questões, devendo ser abrangente o suficiente para contemplar as informações esperadas, mas,

ao mesmo tempo, não devendo antecipar todas as possibilidades do campo, a fim de permitir

que novos conteúdos (interpretações, visões, vivências etc.) surjam ao longo da conversa

(Minayo, 2013).

Os mesmos participantes das observações foram os entrevistados da pesquisa, tendo

sido convidados durante as reuniões do coletivo. A justificativa para tal escolha se apoia na

ideia de Araújo e Canto (2010), que destacam a não existência de regras simples e absolutas

para essa seleção, sendo o número de sujeitos condicionado à sua representatividade e

diversidade dentro de uma população específica, não havendo, portanto, problema em ter uma

amostra pequena.

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Apesar da combinação entre as técnicas de observação e entrevista possibilitar a

confrontação dos dados obtidos, foi utilizada também a análise de documentos a fim de sanar

lacunas nas informações – datas, acontecimentos importantes, quantidade de participantes da

RJV RN, etc. –, provenientes de esquecimentos e imprecisões por parte da pesquisadora e/ou

dos participantes. De acordo com Valles (1999), essa opção metodológica permite investigar

documentos de vários tipos, de arquivos tanto públicos quanto privados, e que não

necessariamente foram compilados para fins de investigação social. Tal versatilidade permitiu

que a análise documental fosse utilizada nesta pesquisa tanto para analisar os registros de

reuniões da Rede quanto os anais de um Seminário importante para o seu surgimento, além de

um relatório acerca das ações de enfrentamento ao genocídio da juventude desenvolvidas,

produzido pela única articuladora que o Plano Juventude Viva teve especificamente para o

estado do Rio Grande do Norte.

Como cuidados éticos, a entrada em campo (e os procedimentos de coleta já citados)

só se deram mediante a aprovação da pesquisa no Comitê de Ética e a anuência da Rede. Para

a pesquisadora acessar registros de reuniões e relatórios da instituição, foi assinado um Termo

de Concessão de Materiais. As observações, diários e entrevistas também se deram mediante a

assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos participantes. Para a

entrevista, ainda, também forneceram seu consentimento por meio de um Termo de

Autorização para Gravação de Voz.

Durante as entrevistas semiestruturadas, estava previsto que qualquer desconforto para

o participante – por exemplo, recordar informações antigas ou desagradáveis envolvendo a

Rede, realizar auto avaliação ou avaliação do grupo – seria minimizado com a escuta,

acolhimento e confidencialidade por parte da entrevistadora, o que não se fez necessário. As

entrevistas foram individuais e seu conteúdo limitou-se a: histórico da Rede; trajetória do

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participante em outros coletivos e junto à Rede; autoavaliação de sua atuação; e limites e

possibilidades do trabalho da Rede no enfrentamento ao genocídio da juventude no RN – ou

seja, sem conteúdo pessoal e íntimo.

Os dados obtidos nestas entrevistas foram analisados com inspiração nas etapas de

análise de conteúdo temática, apontados por Araújo e Canto (2010) como uma possibilidade

que pode ser ilustrada, inclusive, com as citações provenientes das falas dos entrevistados.

Esses autores destacam, ainda, a necessidade de não buscar “impor ordem” aos dados num

primeiro momento, procurando, antes, as informações desordenadas e discordâncias,

encontrando elementos inesperados e atentando para os elementos que eram esperados, mas

que estão ausentes. Flick (2009) traz ainda algumas características dessa forma de análise,

como a possibilidade de tratar diversos materiais que não só entrevistas, o uso de categorias

(bem como a possibilidade contínua de reavaliá-las e reformulá-las) e a redução do montante

de dados que essa análise possibilita, que justificaram neste trabalho o seu uso também para

analisar os diários de campo. Além disso, segundo Minayo (2013), a análise de conteúdo

permite ultrapassar os sentidos que se manifestam diretamente no material a fim de alcançar

uma maior profundidade e articular os enunciados dos textos com outras variáveis de cunho

psicossocial, cultural e de produção da mensagem.

Ainda de acordo com a autora, existem várias modalidades dessa forma de analisar os

dados, das quais a análise temática foi escolhida para esta pesquisa. A análise temática

encontra no “tema” – conjunto de relações representadas sob a forma de frases, palavras,

resumos, etc. – a sua unidade. Ela está dividida nas seguintes etapas: pré-análise, que

compreende a leitura geral flutuante, a leitura exaustiva e busca uma coerência interna, bem

como formas de registrar e categorizar os conceitos para orientar o tratamento dos dados;

exploração do material, em que se solidificam as categorias, a classificação e agregação dos

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dados; e tratamento dos dados obtidos e interpretação, em que são realizadas inferências inter-

relacionadas com o quadro teórico (Minayo, 2013). Na última etapa, comumente são

utilizadas análises estatísticas, porém para este estudo serão privilegiados os significados em

vez da quantificação dos dados.

3.2. Participantes

A fim de contribuir para a investigação acerca da atuação da Rede Juventude Viva do

RN no enfrentamento ao genocídio da juventude, foram escolhidos para as entrevistas os oito

integrantes que tiveram maior frequência nas ações e reuniões do coletivo durante a fase das

observações. Dessa forma, buscou-se garantir a representatividade dos membros diante da

totalidade da Rede. Segue, portanto, uma breve descrição dos principais coletivos ou

organizações representadas pelos participantes dentro da RJV RN.

O Centro Marista de Juventude (CMJ) é uma iniciativa do grupo Marista de escolas

particulares, que atua realizando ações de incidência política e de defesa dos direitos dos

jovens em situação de vulnerabilidade, em parceria com outras iniciativas do poder público e

da sociedade civil (CMJ, 2013). Essa organização foi, como será mais bem explorado no

capítulo seguinte, de fundamental importância para o surgimento da Rede Juventude Viva do

RN, uma vez que foi no IV Seminário sobre Realidades Juvenis, organizado pelo CMJ, em

seu próprio espaço, situado no centro da cidade de Natal, que a Rede teve o seu marco de

fundação.

A Pastoral da Juventude (PJ) atua desde os anos 1970 e faz parte da ação de igrejas

católicas, inspiradas na Teologia da Libertação, na Pedagogia do Oprimido e na Ação

Católica, voltada para a juventude. Embora inicialmente as pastorais trabalhassem com a

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evangelização dos jovens já organizados em movimentos, ao longo do tempo foram

incorporando novas formas de trabalhar com a juventude, inclusive contemplando suas

especificidades – juventude rural, juventude estudantil, juventude universitária, juventude dos

meios populares (Silva, 2009).

O Partido dos Trabalhadores (PT) foi fundado em São Paulo, nos anos 1980, quando

o Brasil ainda vivia sob o regime de ditadura militar, com a proposta de promover mudanças

sociais em busca de uma sociedade mais justa (Partido dos Trabalhadores, s.d.). Desde então,

o partido vem disputando espaço no cenário político nacional, tendo conquistado, entre outros

feitos, a disputa pela presidência da república, por duas vezes com Luís Inácio Lula as Silva

(um dos principais fundadores do partido) e outras duas com Dilma Rousseff. Além da

presença constante de filiados ao partido, a RJV RN também sempre pôde contar com

membros do segmento específico de juventude do partido, a JPT.

A Secretaria Extraordinária de Juventude do Rio Grande do Norte (SEJURN) foi

criada por meio do decreto 24.949 de 07 de janeiro de 2015, a fim de fortalecer as políticas

voltadas para a juventude no estado, atuando em sua coordenação, formulação, execução e

avaliação (SEJURN, 2016). A SEJURN foi criada durante o governo estadual de Robinson

Faria, tendo contado por pouco mais de um ano com a participação, em sua gestão, de

integrantes do Partido dos Trabalhadores atuantes na RJV RN.

O Observatório da população Infanto juvenil em Contextos de Violência (OBIJUV) é

um espaço de ensino, pesquisa e extensão, vinculado à Universidade Federal do Rio Grande

do Norte, que se propõe a contribuir na formação de um olhar crítico entre o público

universitário – em especial estudantes de Psicologia e áreas afins – sobre os direitos humanos,

principalmente os de crianças, adolescentes e jovens. Realiza reuniões administrativas e de

estudo, que podem ser abertas à comunidade ou não, assim como ações de incidência política

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(OBIJUV, s.d.). Também se faz necessária uma pequena apresentação dos sujeitos – que

permitirá identificá-los ao longo dos resultados e da discussão –, contendo os aspectos mais

relevantes para as análises subsequentes. Como pseudônimos, foram utilizados nomes dos

orixás mais conhecidos entre as religiões de matriz africana no Brasil, uma vez que nas suas

representações africanas os orixás são jovens negros ou negras, com poder de interferir sobre

a natureza e o destino da humanidade.

Tabela 1

Participantes (RJV RN)

Info/

Nome Idade Profissão ou formação Coletivo(s) Trajetória

Iansã 27 Gestão Pública (cursando) CMJ

12 anos: Projeto Vida, Canto

Jovem, CMJ, Fórum de Direitos

da Criança e do Adolescente

(Fórum DCA), Frente Potiguar

contra a Redução da Idade Penal

(FPR).

Oxum 26 Ciências Sociais (concluindo) PJ e PT

6 anos: PJ, CMJ e assessora

parlamentar de Hugo Manso

(PT).

Ogum 28 Administração (cursando) PJ e PT 15 anos: PJ, CMJ, PT.

Oxóssi 40 Psicólogo CMJ

10 anos: CMJ, Fórum DCA,

Rede Centros de Juventudes,

setor de juventudes da

arquidiocese.

Xangô 32 Gestor de políticas públicas SEJURN, PT

17 anos: movimento estudantil,

política pública de juventude e

política social.

Nanã 37 Socióloga SEJURN, PT

Rede de Educadores Populares e

Escola de Educadores Quilombo

dos Plamares, Pastoral da

Juventude do Meio Popular

(PJMP), grupos populares de

bairro, movimento estudantil e

PT.

Oxalá 26 Professor graduado em Letras PT

7 anos: atos de rua (“Fora

Micarla” e “Revolta do busão”),

Juventude do PT.

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Yemanjá 31

Estudante de Psicologia

Tecnólogo em irrigação e

drenagem, com mestrado no

curso de Gestão de Políticas

Públicas

OBIJUV e

Laboratório de

estudos rurais

(LabRural)

Militância estudantil, Instituto

Elo Amigo, Fórum Nacional de

Juventude Negra, Rede de

Jovens do Nordeste, Rede de

Mulheres Negras do Nordeste,

Canto Jovem, Articulação

Potiguar de Juventudes (APJ),

“As Carolinas”...

3.3. Temas

Os diários de campo e entrevistas foram submetidos à leitura inicial flutuante, seguida

por uma leitura exaustiva. Após a leitura inicial, as informações foram organizadas por

participante – no caso das entrevistas – e por ação ou encontro – no caso dos registros de

campo. Em seguida, a partir da leitura exaustiva de ambos os materiais nesse novo formato,

emergiram dez temas para a análise de conteúdo temática.

Embora tenham surgido convergências, incongruências e outros tantos elementos

novos e que suscitaram reflexões inesperadas, todos os temas, direta ou indiretamente,

acabaram por contemplar respostas às perguntas do roteiro de entrevista. A fim de situar

melhor o leitor ao longo dos resultados e discussão, um breve resumo dos temas será

apresentado a seguir.

O surgimento da Rede Juventude Viva do RN. Embora não exista ou não tenha sido

fornecido qualquer arquivo, por parte da Rede, com informações sobre o primeiro marco no

seu processo de constituição, ao serem questionados sobre a origem do coletivo, todos os

participantes foram capazes de elencar acontecimentos importantes – na maioria das vezes

convergentes, como o “Seminário de Realidades Juvenis” de 2013 e o coletivo Articulação

Potiguar de Juventudes (APJ) – para reconstituir essa história. Alguns dados complementares

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puderam ser obtidos por meio do relatório da articuladora do Plano Nacional Juventude Viva

no estado do Rio Grande do Norte.

A identidade da Rede Juventude Viva do RN. Trata-se de outro ponto importante, que

também não consta diretamente em nenhum documento ao qual se tenha tido acesso neste

trabalho e que, ao contrário do tema anterior, apresenta muito mais divergências nas falas dos

participantes. Praticamente todos eles, assim como os registros de campo, trouxeram que a

Rede era mista, o que abre espaço para uma discussão sobre o papel dos movimentos sociais e

do poder público nesse coletivo e como eles se relacionam.

Recursos e infraestrutura: dificuldades e estratégias utilizadas. Esse ponto também se

entrelaça com outros aspectos, impactando na participação de pessoas no coletivo, nos

desafios, resultados e abrangência das ações, etc. A origem desses recursos para a realização

das ações também interessa para a discussão acerca da presença do poder público dentre as

organizações que compõem a iniciativa.

Abrangência das ações. Esse tema surgiu porque, embora o nome da iniciativa seja

“Rede Juventude Viva do RN”, é visível tanto no discurso dos participantes como na

experiência de campo e no relatório da articuladora, que jamais se conseguiu uma ampliação

satisfatória das ações para além da região metropolitana. Cabe, portanto, discutir quais fatores

interferiram no alcance das ações da Rede e como isso se deu.

A Rede e o Plano Juventude Viva. Em todos os discursos, bem como no relatório e nos

diários, esteve presente algum tipo de menção ao Plano Juventude Viva – ora como sendo a

sua implementação o objetivo principal ou secundário da Rede, ora como um norte para as

ações. Essas relações também contribuem para discutir os objetivos da iniciativa e elucidar o

papel do poder público na Rede.

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Participação, representação e representatividade. Também foi citada nas entrevistas e

constatada nas observações participantes a presença dos mesmos atores, discutindo as mesmas

pautas e nos mesmos espaços, sem que houvesse a presença da juventude em maior situação

de vulnerabilidade e não organizada. Isso gera diversas discussões como: a iniciativa estaria

conseguindo contribuir de fato para diminuir o número de jovens mortos por homicídio no

estado? Como é possível aproveitar o diálogo já existente com a juventude organizada para

ampliar esse debate para outras juventudes e evitar um discurso no vazio? Que outras

iniciativas deveríamos buscar para somar nessa pauta? Entre outras questões.

Resultados alcançados: a Rede Juventude Viva como inspiração para o surgimento de

novas Redes. Também estiveram presentes em todos os discursos resultados positivos das

ações, que muitas vezes não eram esperados pelos participantes, dada a amplitude que

tiveram. Praticamente todos os participantes, bem como os registros escritos de campo ou

relatorias de reuniões, mostraram que a Rede era a única iniciativa no estado a adotar como

pauta central a questão do genocídio da juventude. Mais ainda, alguns participantes afirmaram

que ela serviu como inspiração para outros estados, posto que diferentemente do que está

previsto no Plano Juventude Viva, ela consistiu numa rede real, e não virtual, de

enfrentamento ao genocídio da juventude, que não só divulgou ações como as propôs.

Desmobilização e esvaziamento da Rede Juventude Viva. Outro tema comum nas

entrevistas, repetido nos diários de campo e que se entrelaça com outros elementos dos

resultados. Sua discussão permite refletir sobre as dificuldades encontradas pelos movimentos

sociais em geral e demais iniciativas de enfrentamento ao genocídio da juventude,

confrontando-as com o panorama político e econômico que se apresenta no país atualmente.

Desafios frente ao cenário político atual. Esse tema surgiu em todas as entrevistas

como tendo sido um dos principais responsáveis pela desmobilização e esvaziamento atuais

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da Rede, bem como de diversos coletivos. Também é possível discutir as inter-relações entre

importantes acontecimentos recentes na política do país e as diversas mudanças ocorridas na

Rede e na política pública de juventude como um todo.

Apontando para novos horizontes: as ocupações e outras possibilidades de

resistência. As narrativas das entrevistas revelaram, em grande parte, certa descrença ou

desesperança no futuro, referentes à Rede ou ao cenário político, econômico e social do país

como um todo. As ocupações e outros espaços de resistência, no entanto, apareceram em

vários discursos como esperança, possibilidade de ressurgimento da Rede e da militância nos

direitos da juventude como um todo.

Antes de descrever e discutir os resultados obtidos a partir da coleta e da análise dos

dados, é importante destacar que, neste estudo, parte-se do pressuposto apontado por Borón

(2007, p. 30) de que a crítica à ordem social vigente e às injustiças que a rodeiam serve a um

propósito de transformação da realidade – preocupação que, quando é ignorada pelas ciências

sociais, faz com que estas terminem “por converter-se em uma secreta apologia da sociedade

capitalista”. Também se pressupõe que o modo de produção capitalista está na base de todos

os processos sociais e econômicos que desembocaram em problemas como o do genocídio da

juventude, um dos fenômenos centrais para esta pesquisa. Sendo assim, toda a investigação e

as interpretações que se seguirão neste estudo serão guiadas por uma visão de mundo que é

contrária à exploração do homem pelo homem presente no modo de produção capitalista e, ao

mesmo tempo, movida pelo compromisso com a transformação da realidade rumo à promoção

da emancipação humana. Para tanto, indiretamente, apoia-se nas ideias de Marx e de outros

pensadores de tradição marxista.

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4. Resultados e discussão

Num trem pras estrelas,

depois dos navios negreiros,

outras correntezas...

(Cazuza)

4.1. O surgimento da Rede Juventude Viva do RN

Em 2013, nos dias 29 e 30 de novembro, em Natal-RN, foi realizado o IV Seminário

sobre Realidades Juvenis. Organizado pelo CMJ de Natal e contando com a temática

“Enfrentando o Extermínio da Juventude Potiguar”, esse Seminário reuniu diversas

organizações juvenis ou que trabalhavam com jovens, além de redes e mandatos

parlamentares.

Tendo como público-alvo atores como líderes ou militantes jovens, autoridades,

educadores, instituições, etc., o Seminário objetivava promover diálogos e reflexões sobre as

realidades e os dados de genocídio dos jovens no estado, realizando também pressão sobre o

poder público e pensando ações de enfrentamento a essa realidade. Essa edição do evento foi

realizada na própria sede do CMJ em Natal, localizada no bairro de Cidade Alta, e contou

com a parceria de várias organizações de religião católica (como as Pastorais da Juventude),

dos mandatos de vários parlamentares, do Observatório da População Infanto-juvenil em

Contextos de Violência (OBIJUV/UFRN), entre outros, além também do apoio do Conselho

Municipal dos Direitos da Criança e do adolescente (COMDICA).

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Durante o Seminário, ocorreram sete mesas temáticas, alguns Grupos de Trabalho

(GTs) e oficinas, ao final dos quais foram tirados encaminhamentos, como a realização de

encontros, marchas, ações de pressão do poder público pela adesão ao Plano Juventude Viva e

pela criação de órgãos, como conselhos e secretarias nos municípios e no estado, entre outros.

Todas essas informações foram retiradas dos Anais do próprio Seminário, fornecido pelo

CMJ para esta pesquisa. Vale ressaltar que, nesse documento, é citada, ainda, a existência de

uma carta ao poder público, que foi lida durante o momento de relato dos GTs e escuta das

autoridades no Seminário, mas cujo conteúdo na íntegra não consta nos Anais, nem entre os

documentos fornecidos pela Rede Juventude Viva do RN. Essa carta também é do

conhecimento de um dos entrevistados, Oxalá: “no final do ’Seminário de Realidades

Juvenis’, nós lemos uma carta de fundação da Rede Juventude Viva”.

Afora a carta, não há outro registro em forma de documento que situe a criação da

RJV RN no IV Seminário sobre Realidades Juvenis. No entanto, esse é o marco atribuído ao

surgimento da Rede por boa parte dos entrevistados, como pontuam Oxóssi, “participei

também da Rede Juventude Viva, onde nasceu através do ‘Seminário de Realidade Juvenis’,

que foi promovido inicialmente..., foi criado inicialmente pelo Centro Marista de Juventude

Natal”, e Iansã:

E naquele final de semana, foram dois dias de atividades, surgiu a necessidade dentro

dos próprios participantes - não foi algo diretamente planejado, as ações foram

acontecendo de acordo com as necessidades dos jovens, das discussões que nós

fazíamos... E aí, ia culminando que no final do Seminário nós fizemos um manifesto

formalizando a Rede Juventude Viva do Rio Grande do Norte.

Há, no entanto, um registro de reunião cedido pelo coletivo para esta pesquisa que data

de abril de 2013 (ou seja, anterior ao Seminário), no qual já se denomina aquela iniciativa

como Rede Juventude Viva do RN. Ainda assim, mesmo os participantes que não colocam

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apenas o Seminário como sendo o início da Rede reconhecem a sua importância para o

desenvolvimento desta iniciativa. Entre as falas desse outro grupo de entrevistados, não há

consenso sobre qual seria o marco de fundação da RJV RN:

Eu acho que a Rede Juventude Viva iniciou-se através de um coletivo chamado

Articulação Potiguar de Juventudes. (...) Tanto é que boa parte dos representantes da

Articulação Potiguar de Juventudes estão na Rede Juventude Viva, ou seja, é caráter de rede

mesmo, da pluralidade dos movimentos e diversidade. (Xangô)

Um ator importante para a criação da RJV RN surge nessa fala: a Articulação Potiguar

de Juventudes (APJ). Silva (2015), em seu trabalho sobre os movimentos sociais juvenis em

Natal-RN e suas contribuições para as políticas públicas de juventude, aponta que a APJ

nasceu em 2009, após uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Rio Grande do

Norte – provocada por uma parceria entre o deputado Fernando Mineiro, do Partido dos

Trabalhadores, e diversas organizações e grupos juvenis –, cujo propósito foi debater as

políticas públicas de juventude do estado. A composição da APJ contava com mais de

quarenta iniciativas, entre privadas e públicas, e uma diversidade de movimentos na sociedade

civil, sendo a maior parte de Natal, mas agrupando também alguns de outros municípios da

região metropolitana; além disso, sua atuação apresentava caráter de rede.

Outros dados não constam nos documentos e foram acrescentados pelos entrevistados,

como a realização de rodas preparatórias para o Seminário nas quatro zonas de Natal:

E aí, nós começamos a fazer, a princípio na grande Natal, nas quatro zonas, rodas de

conversa em praças públicas abertas a diversas pessoas. A gente procurava uma pessoa

que era da comunidade, organizava, marcava, chamava e fazia o debate, apresentando a

pesquisa, os dados mais recentes que tinham saído tanto do Mapa da Violência quanto

também do Observatório. (...) E aí, a partir dessas discussões, a gente falava da intenção

da mobilização e ressaltava que nacionalmente existia um plano, chamado Plano

Juventude Viva, e que precisaria de construir uma Rede e de aprofundar nosso debate, e

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garantir que tanto o governo do estado quanto o município fizessem a adesão desse

Plano e garantissem recursos para estar combatendo este extermínio. (Iansã)

Silva (2015), além de reforçar o uso da metodologia e do material destacados pelos

entrevistados, traz dados mais concretos, tais como o número de mais de dez rodas de

conversa realizadas (além das de Natal), em Caicó, Mossoró, Ceará-Mirim, Macaíba,

Parnamirim, entre outros municípios, que contribuíram para que o Seminário contasse com a

participação de “mais de 120 adolescentes e jovens, de diversos grupos e organizações juvenis

de todo o estado” (p. 90).

O evento também é destacado como tendo sido importante na trajetória de militância e

formação de um dos participantes que se considera um dos fundadores da RJV RN, a saber:

Eu descobri, nesse processo, que o grande problema da juventude, o maior problema

da juventude hoje, era exatamente o direito de viver, que está relacionado ao

extermínio da juventude. Então, antes de qualquer outro direito, a pessoa precisa ter o

direito à vida... (Oxalá)

As diversas ações de incidência política realizadas pela APJ, e destacadas no estudo de

Silva (2015), além de tudo o que foi exposto sobre o IV Seminário sobre Realidades Juvenis,

combinados com as falas dos participantes, revelam a importância desses espaços para

denunciar uma realidade de opressão à juventude – em especial negra e pobre –, pressionar o

poder público e articular a participação juvenil na cena pública do estado, inclusive

funcionando como molas propulsoras de novas iniciativas, como a Rede.

4.2. A identidade da Rede Juventude Viva do RN

Embora não haja registro nos Anais do Seminário sobre o marco de criação da RJV

RN, vale recobrar o que foi sinalizado no tema anterior sobre a coincidência entre as

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iniciativas integrantes da APJ e da Rede, o que já dá indícios de que a composição desta

poderia mesclar representantes de movimentos e do poder público. Coadunando com essa

informação prévia, verificou-se que, nos cinco registros de reuniões fornecidos pela RJV RN

para esta pesquisa, havia a presença de pelo menos um representante do poder público

(principalmente de mandatos e da SEJURN) e um de movimento social (principalmente das

pastorais).

O próprio Núcleo Operativo Provisório, conforme registrado na reunião de 28 de

fevereiro de 2015, contava com cinco integrantes, sendo três representantes de mandatos do

Partido dos Trabalhadores, um representante do CMJ e um da PJ. De acordo com os registros

em diários de campo, duas das quatro rodas de diálogos com a temática da relação entre

redução da idade penal e genocídio da juventude também contaram com essa representação

mista, ou seja, havia participantes tanto do poder público quanto da sociedade civil:

A primeira roda de diálogos (...) aconteceu na ASBAV (Associação Beneficente Amor

Verdadeiro), em Jardim Progresso (...). Na responsabilidade pela facilitação do

momento estavam a SEJURN e o OBIJUV. Porém, no dia apareceram outras pessoas

para contribuir, a saber, integrantes da PJ que também integram a Rede Juventude Viva.

(Diário de campo 1)

Além dessas ações, os diários de campo com registro de duas reuniões também

corroboram esse tipo de representação: “a reunião da Rede Juventude Viva (...) contou com a

presença de cinco pessoas, sendo três representantes da SEJURN, uma do CMJ (uma das

idealizadoras da Rede) e eu” (Diário de campo 6).

Quando questionados sobre a identidade do coletivo, as falas de três dos entrevistados

estiveram de acordo com uma definição da RJV RN como mista:

Bom, quando eu passei a me inserir (...) a ideia era que fosse mista. Até porque na época

nós tivemos um apoio muito bom, muito grande, do Deputado (PT)... enquanto

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parlamentar, enquanto detentor de mandato público. Ele foi um apoiador na época.

(Ogum)

No entanto, dois deles fizeram questão de destacar que a presença mais forte no coletivo

sempre foi de membros não ligados ao poder público:

Era mista, sociedade civil e poder público, mas a característica principal era mais da

sociedade civil mesmo. Eventualmente tinha poder público, porque a gente tinha a

presença da (...) secretária, e tinha os mandatos também. (Oxóssi).

A gente mesclava essa relação entre sociedade civil e poder público. Porém, a grande

força da Rede era sociedade civil, porque a gente não contava com o poder público

propriamente dito. (Ogum, grifo nosso)

Acerca da expressão destacada da fala de Ogum, outra entrevistada esclareceu melhor

essa ideia:

A ideia era que tivesse atores da sociedade civil para dialogar com o poder público. O

convite, ele era feito, mas acho que, de todas as atividades que nós fizemos, nós só

tivemos a presença do poder público pouquíssimas vezes. E quando tinha eram só...

assim... não era dos gestores diretos. Tinham dois, no máximo, mandatos que nos

acompanhavam nesse período todo. (Iansã, grifo nosso)

Houve divergências entre os demais entrevistados no que se refere à identidade da Rede.

Nesse sentido, ainda que mantendo a posição que defende ser “a sociedade civil” a força

maior do coletivo, uma das participantes trouxe o que considerou ser uma contribuição da

participação de membros na SEJURN:

Era boa parte sociedade civil, porque existiam vários movimentos: Juventude de

Terreiros, as Pastorais, o OBIJUV daqui da UF participava... participa, enfim, o Levante

Popular da Juventude... (...). Tivemos um pouquinho de avanço quando (...) passou ser

Secretária. Aí houve esse misto de sociedade civil com o Governo, porque ela estava

inserida nesse processo, conseguiu adiantar muito a questão do Plano no estado, mas,

em Natal, especificamente, tinha poucas participações de gente ligada à Prefeitura, né?

(Oxum)

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Outro participante, no entanto, não mencionou o poder público ao falar de identidade da

Rede, definindo:

a Rede como uma rede. Porque, assim: a característica da Rede é a diversidade. A

diversidade dos movimentos sociais de juventude... A rede, ela é um movimento social.

Aliás, ela é um conjunto de movimentos sociais. Porque nós tínhamos vários grupos,

com várias figuras ali dentro, com várias origens: tinha juventude rural, tinha juventude

urbana... (...). Ela é uma rede da sociedade civil. (Oxalá)

Finalmente, o entrevistado abaixo contribuiu para elucidar tantas divergências de

posições quanto a esse tema:

Bom, a Rede não foi pensada assim. (...) A estrutura dela não foi pensada antes dela. O

debate foi se dando, a organização dela foi se dando à medida que o debate e a criação

dela foi se dando também. (...) Pro Seminário, quando ele se realizou, se concretizou,

ele veio trazendo essas diversas juventudes que foram se agregando no meio do

caminho. E aí a Rede foi resultado disso. Então, tinha desde juventude de terreiro a

fundações, né? (...). Desde movimentos sociais a mandatos, que foram se aglomerando,

e isso não foi pensado. Apenas ela se concretizou, e as pessoas estavam juntas porque a

pauta era a mais emergente, mais interessante e mais emergente do que dizer quem

podia e quem não podia participar daquele espaço. O importante era todo mundo poder

participar e fazer força pra pautar – era esse o objetivo mais inicial. (Yemanjá)

Assim, o que se pode concluir é que a emergência da pauta e empolgação dos coletivos

em construir a RJV RN determinou o surgimento de uma identidade inicial para esta

iniciativa. No entanto, emergiram dúvidas, imprecisões e incongruências entre as definições

da identidade presentes nas falas dos entrevistados. Nesse sentido, alguns entrevistados

também sinalizaram a demanda de uma discussão e sistematização da Rede sobre si mesma

(identidade, objetivos, composição, abrangência, etc.):

Essa discussão foi inserida posteriormente no processo de organização da Rede, mas ela

não foi vencida. Ela chegou a ser colocada: “mas quem faz parte da Rede, quem

organiza a Rede, quem opera a Rede, quem dinamiza a Rede?”, mas esse debate nunca

foi vencido. Não foi colocado na pauta e decidido. (Yemanjá)

A Rede foi criada, tivemos algumas pautas iniciais, mas chegou naquela fase de que era

necessário repensar a própria Rede, e isso não foi dado prosseguimento. (Oxóssi)

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Um dos momentos apontados nas falas, em que foi discutida essa necessidade de

reflexão e estruturação da RJV RN, foi descrito pela pesquisadora em uma das reuniões

observadas:

A reunião foi tomando um rumo de conversa mesmo sobre a estrutura e organização da

Rede, sobre estar desmobilizada e quais as possíveis causas, sobre a necessidade de

reconfiguração da comissão operativa (por esta estar distante das atividades) e de

realização de um momento para definir ou redefinir identidade, objetivos e próximas

ações da Rede (...). Ficou a resolução da realização de um momento para estruturação da

Rede, uma espécie de seminário de um dia todo, envolvendo o amplo convite a outros

atores (com prioridade para jovens negros), cuja programação deverá ser pensada pela

comissão operativa. (Diário de campo 6)

Esse seminário de reestruturação, no entanto, não ocorreu até o presente momento.

Levando em consideração essas reflexões, embora as respostas a questões sobre a identidade

da Rede envolvam também elementos subjetivos de cada entrevistado, há grande

possibilidade de que a ausência de discussão, registro e socialização de informações sobre a

RJV RN seja a razão principal de tantas divergências acerca deste tópico e,

consequentemente, tenha contribuído de alguma forma para a desmobilização, esvaziamento e

atual quadro de estagnação do coletivo.

4.3. Recursos e infraestrutura: dificuldades e estratégias utilizadas

A atuação da RJV RN dependia de infraestrutura e recursos humanos e materiais na

concretização das ações. Uma vez que, na pergunta específica sobre os recursos, os

entrevistados se ativeram aos de ordem material, optou-se por dedicar esta seção a esse

aspecto, enquanto que os recursos humanos serão discutidos no tema “Participação,

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representação e representatividade”, mais adiante. Questionados sobre a origem dos recursos,

muitos entrevistados enfatizaram a contribuição dos próprios coletivos e participantes:

A Rede nunca teve recursos próprios, né? Ela se constituiu enquanto Rede porque

lançou uma carta... (...) as ações posteriores também foram realizadas assim. Ah,

precisa ir em uma viagem para o interior: hospedagem solidária, mandato “X” entra

com o carro, instituição “Y” entra com a gasolina. Sempre foi muito assim, sempre foi

muito dividido, compartilhado (...), até mesmo do bolso das pessoas que estavam ali

participando. Você vai montar uma oficina, você vai pra oficina com recursos próprios

– custeia o material... (...). Então, o OBIJUV entrava com o material... Com o material

de consumo de oficinas – cartolinas, pincéis, tarjetas, essas coisas. (Yemanjá)

Os recursos, eles vinham dos grupos mesmo que a gente tinha. Alguns recursos com

que a gente contava era – como a gente tinha a participação do mandato, por exemplo,

a gente tinha alguns recursos que eram doados... (...). Mas, assim, contribuição do

CMJ – que o CMJ também tinha orçamento. Então eles davam a contribuição, às

vezes... (...). Como é que fez, por exemplo, pra eu me deslocar para o interior para eu

fazer as oficinas? Eu pagava! Eu tirava do meu bolso e ia! Recursos próprios [risos].

Então, para os meninos virem de Natal, eles pagaram a passagem deles. No nosso

próprio Seminário eu que coloquei o dinheiro para a gente ter, por exemplo, a

alimentação, né, lá. E era assim. (Oxalá)

Nesses discursos, no entanto, ganham maior destaque alguns atores, como é o caso do

Centro Marista de Juventude e dos mandatos. Em se tratando do CMJ, uma parte dos

exemplos é sobre a preparação para a realização do Seminário de Realidades Juvenis:

No caso do Seminário de Realidades Juvenis, especificamente, ele aconteceu no

Marista. Então isso foi uma conquista, uma coisa, que o CMJ conseguiu articular.

(Oxalá)

Mesmo entre os entrevistados que citam ações posteriores ao Seminário, o CMJ é

citado:

Os recursos, eu lembro que muita coisa, assim, o CMJ sempre chegava junto, no

sentido de que “a gente tá precisando de material pra oficina”, a gente passava por lá

pegava alguma coisa. E um ou outro que chegava para contribuir. Eu não vou ter essa

certeza de que “fulano contribuiu dessa forma”, mas a gente sempre tinha ajuda.

(Oxum)

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Então... Os recursos basicamente vinham do CMJ, né? Dentro do nosso orçamento a

gente procurava colocar, adequar, os recursos para café, biscoito, né, gasolina. Então

procurava fazer utilizar estes recursos. E, para a realização do Seminário, buscar outras

parcerias. Os mandatos às vezes ajudavam – não só esses do PT. (Iansã)

Além dos mandatos, também enfatizados na fala de Iansã, dois entrevistados citaram

outras contribuições do poder público, vindas por intermédio do Plano Juventude Viva e da

própria SEJURN:

Teve esse recurso que foi captado no estado, mas foi na época que a gente saiu...

Então, ele tá no estado, tem 600 mil para o Estação Juventude. Taí no estado para

montar o Programa. A gente na época depositou a contrapartida... Então, tem isso, a

gente poderia ter um programa no estado funcionando, né? E as maiores dificuldades

eu acho que passava por isso, que a gestão pública não se comprometeu... Quando teve

minimamente uma gestão que se comprometeu, mas foi muito rápida, não durou, mas

deixou lá alguns frutos... Acho que tem que registrar isso, que tem este recurso que foi

captado, foi assinado, foi captado... (...) conseguiu recursos de duas fontes bancado por

isso, porque a gente assinou o Plano. (Nanã)

Muitos recursos vieram da Secretaria. Não da Secretaria, mas por intermédio da

Secretaria. (Oxóssi).

Nestas últimas falas, evidenciam-se as tensões entre as gestões municipal, estadual, e a

Secretaria de Juventude do estado – esta última encabeçando, sem o devido apoio e

comprometimento das primeiras, todas as iniciativas no sentido de captar e aplicar recursos

em ações em prol das juventudes potiguares. Oxóssi, por fim, acabou por resumir a

articulação e parceria entre estes três principais atores – os coletivos (as “pessoas”), o CMJ e

o poder público (SEJURN) – ao trazer o exemplo de outro Seminário de Realidades Juvenis,

realizado em 2015:

Recursos, eu acredito, que muitas vezes do bolso das pessoas, contribuições

individuais e do Centro de Juventude. (...) Por exemplo: o Seminário em São Paulo do

Potengi, onde a Rede fez parte também, este foi um grande evento – Seminário 2015.

E o custo veio muito do CMJ, do seu planejamento e das parcerias que foram feitas a

partir da articulação da Secretaria Estadual de Juventude. (...) E as reuniões

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aconteciam muito com cada um pagando do seu bolso para ir para as reuniões.

(Oxóssi)

Alguns aspectos positivos foram destacados pelos participantes com relação a esse

tópico, como a existência de diversas parcerias e os baixos custos das ações:

A gente tinha muitos parceiros: alguns sindicatos, alguns movimentos sociais,

contribuíam pra a gente garantir algumas ações. Mas de cabeça só esses parceiros.

(Xangô)

A gente, na hora de planejar o ano, a gente pensava em determinado orçamento, então

conseguia. Apesar de que a Rede nunca, que eu esteja lembrado aqui, nunca fez

eventos para ter grandes custos, não. (Oxóssi)

No entanto, ao tratar das dificuldades em geral na realização das ações, os recursos

também apareceram negativamente nos discursos de alguns participantes:

(...) trabalhar sem recursos e sem apoio é desafiador. Por isso também que eu acredito

em outras tantas dificuldades, né? Chega um determinado momento que você precisa

optar: ou você trabalha ou você milita. E aí a fome aperta, as necessidades do ser

humano... A gente não tem como estar exigindo, nem de nós mesmos, ainda mais de

quem está mais na ponta, né? (...) qualquer coisa que você ia fazer, por mais que fosse

uma atividade de um dia, você precisava de um lanche, de um almoço... (Iansã)

A partir dessas falas, é possível perceber que as dificuldades relacionadas à falta de

recursos e/ou ao uso do recurso do próprio bolso dos participantes puderam gerar uma série de

problemas relacionados ao alcance territorial das ações, à participação e à motivação das

pessoas envolvidas, como será mais bem explorado posteriormente. Tais entraves mostram-se

extremamente funcionais dentro de um contexto neoliberal, pois ao mesmo tempo em que os

governos mantêm o menor gasto possível com ações voltadas para a população, dificultam

que se criem espaços de formação de uma consciência crítica nas camadas populares, de

articulação e de mobilização, que poderiam confrontar o sistema vigente. Conforme ilustrado

na última fala de Iansã, toda ação requer o uso de materiais e espaços, mesmo os

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aparentemente mais simples de se obter – os quais, às vezes, nem os parceiros das ações

poderiam disponibilizar. Dificuldades como essas, nesse caso, relativas à infraestrutura,

apareceram em dois diários de campo das rodas de conversas sobre redução da idade penal e

genocídio de jovens nas comunidades, assim como as estratégias utilizadas para driblar as

dificuldades:

Foi tirado como encaminhamento a necessidade de uma segunda roda, em outro lugar

do bairro – uma vez que na ASBAV há pouca ventilação e espaço, não dispondo de

cadeiras para os participantes –, com o objetivo de continuar e fechar a discussão.

(Diário de campo 1)

Não havia música para parar durante a dinâmica, então mais uma vez a comunidade

contribuiu nesse sentido e os MCs cantaram suas próprias músicas. (Diário de campo

3)

Apesar de ser possível, muitas vezes, remarcar uma roda em outro espaço, para a

continuidade e fechamento do debate, ou improvisar a música para a dinâmica, por exemplo,

nem sempre estratégias como essas funcionavam. Por um lado, existiram questões de

organização interna da própria Rede, como apontado em um dos diários de campo – o qual

buscava fazer um apanhado geral das quatro rodas dessa mesma temática, a fim de trazer o

feedback para uma reunião geral da RJV RN:

Talvez seja interessante dividir mais as tarefas: quem mobiliza, quem arranja material,

quem facilita, etc. A organização também precisa melhorar. É interessante que os

facilitadores se pronunciem com mais antecedência, o material, os acordos e

combinados acertados mais cedo. (Diário de campo 5)

Esse fator de organização não deve ser compreendido de maneira isolada, nem deve

individualizar ou culpabilizar os sujeitos, pois se liga a questões da conjuntura política, social

e econômica – os coletivos são chamados a atender outras demandas –, dificuldades pessoais

dos sujeitos (como os já citados problemas com a locomoção e a conciliação com a

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sobrevivência), problemas com a motivação pela ausência de incentivo e financiamento, entre

outras, que também serão mais bem discutidas adiante. Por outro lado, muitas vezes, a

inexistência de atrativos que requerem maiores recursos para os jovens nesses momentos

prejudica a própria mobilização e realização das ações de maneira satisfatória, assim como

mostram sugestões dos participantes de duas das rodas de conversa (redução e genocídio) nas

comunidades, registradas nos diários de campo:

A roda teve início às 15h30, na esperança de que aparecesse algum jovem, o que não

aconteceu. (...) surgiram algumas sugestões no sentido de atrair os jovens, tais como

trazer atrações artísticas, fazer sorteio de algum brinde etc. (Diário de campo 2)

Surgiram também por parte dos participantes algumas sugestões, como inserir mais

arte, cultura e lazer como atrativo para essas rodas. (Diário de campo 4)

Apesar das dificuldades e levando em consideração todos os aspectos apontados, é

possível enxergar algumas possibilidades para a superação dos problemas relacionados aos

recursos para as ações. Uma dessas possibilidades teria a ver com a realização de um

planejamento mais detalhado – listando não só os responsáveis pelas ações, como o material,

os espaços, o orçamento e os parceiros que contribuiriam com cada coisa – e o seu

cumprimento. Esse planejamento deveria levar em conta os imprevistos e conter estratégias

alternativas ou emergenciais, bem como incluir arte, cultura e lazer juvenis, no caso das ações

que fossem realizadas diretamente com a juventude, conforme sugerido. Far-se-ia necessário,

também, ampliar as parcerias e o investimento na comunicação interna e externa do coletivo.

4.4. Abrangência das ações

O próprio nome Rede Juventude Viva do RN dá a ideia de uma rede com perspectiva

de atuação em todo o estado. No entanto, essa atuação oscilava entre momentos de ações com

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maior alcance territorial e outros de retração, de ação apenas na região metropolitana e até

mesmo restrita à capital. Caso se leve em consideração a RJV RN como uma iniciativa

surgida antes do Seminário de 2013, a parceria entre a Rede e outros coletivos, grupos e

organizações, na mobilização e preparação para esse evento, de fato conseguiu uma boa

representação em termos estaduais, como já foi discutido anteriormente.

Traços dessa articulação estadual resistiram por algum tempo na Rede, uma vez que

houve representação, mesmo após um ano sem reuniões – como é possível perceber pela

ausência de atas em 2014 – de Macaíba, Ceará-Mirim, Parnamirim, São Gonçalo, Mossoró e

Natal, na primeira reunião de 2015 (conforme documentos cedidos). Esses mesmos

municípios estavam sendo acompanhados pela articuladora do Plano Nacional Juventude

Viva, durante o ano de 2014, conforme relatório apresentado por esta ao Plano, e cuja cópia

foi cedida pela Rede. É possível perceber na fala de alguns participantes uma vinculação entre

os territórios priorizados pelo Plano Juventude Viva e pela RJV RN:

A ideia, primeiramente, era uma colaboração e articulação entre os municípios que

estavam com uma mancha criminal um pouco mais alarmante, que eram Natal,

Parnamirim e Mossoró. Foram os três municípios que estavam apresentando um alto

índice de homicídios, mas a gente sabia que outros municípios da região metropolitana

também estavam tendo altos índices de violência, principalmente envolvendo

adolescentes e jovens, que era o caso de Macaíba e de São Gonçalo do Amarante.

(Xangô)

Existia no momento um Plano, que era o Plano Juventude Viva, que era um Plano do

Governo Federal, da Secretaria Nacional de Juventude, e esse Plano poderia

transformar ou causar – na nossa visão – uma mudança nos dados, nos números. E as

cidades que estavam no Mapa da Violência, nos primeiros lugares do Mapa da

Violência, como Natal, por exemplo, e Mossoró, elas tinham prioridade na adesão ao

Plano. Tá entendendo? Então, a gente buscava exatamente fazer com que essas cidades

aderissem. (Oxalá)

Essas falas, portanto, suscitam questionamentos sobre o que foi pensado ou planejado

para a Rede. Afinal, ela era ou não vinculada ao Plano? Se sim, limitava-se ao que estava

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previsto no Plano ou propunha outros caminhos também? Se não era vinculada, o que tinha

como objetivos, público-alvo e territórios previstos para atuar? Havia concordância entre seus

membros sobre esses aspectos? Se sim, que outros aspectos poderiam explicar as dificuldades

em obter os resultados esperados para as ações da Rede? Se não havia concordância, qual era

a natureza e a origem dessas discordâncias? Essas são questões que atravessam todo este

trabalho e que não necessariamente apresentam uma única resposta na perspectiva dos

participantes, podendo aparecer diversos pontos de vista, e que serão apresentadas com maior

ênfase no tema “A Rede e o Plano Juventude Viva”. Uma das formas possíveis de elucidar

tais questões, no entanto, poderia ser traçar um comparativo entre as ações executadas pelo

Plano e aquelas executadas pela Rede. A não execução das metas do Plano, com a ruptura

precoce com esta política, no entanto, não permitiu este tipo de análise.

A abrangência das ações é vista por um prisma positivo – por meio da estratégia da

multiplicação – por alguns dos participantes:

Em termos de ação territorial, a gente criou o Núcleo Operativo nesta função (...). No

Núcleo Operacional você tinha pessoas de diversas regiões e municípios que

pudessem estar multiplicando as ações. (...) Então... Ceará-Mirim contribuiu

diretamente, teve um grupo de Mossoró que também contribuiu de forma muito

bacana. Em Caicó, nós temos agora a Rede Juventude do Seridó, que também foi fruto

da Rede Juventude Viva, de trabalho e de parceria. É um trabalho que tá com mais

eventos do que aqui na região metropolitana (...). Começou com um grupo fechado

também, num núcleo, e foi se expandindo na grande Natal. Atingir todos os

municípios do RN era uma missão não impossível, mas extremamente árdua. (Iansã)

(...) por exemplo, a gente fez um momento igual na praça de Mossoró, na praça de

Nova Vida. E isso foi interessante, porque foi criado um núcleo da Rede lá em

Mossoró. (...) Então teve isso, aqui em Natal e em São Gonçalo, depois Ceará-Mirim –

os meninos fizeram uma roda lá, a gente foi... Fizeram um Seminário, aí cada um dos

municípios foi fazendo do seu modo. Macaíba fez e foi multiplicando. (...) Os

principais territórios foram esses da grande Natal. Em Natal, centralizando nos bairros

que tinham maior índice de violência ou vulnerabilidade. (...) A gente primeiro tinha

decidido esses de Natal, São Gonçalo, Macaíba e Mossoró, só que... e Parnamirim. Só

que Ceará-Mirim resolveu fazer, Extremoz resolveu fazer uma roda... aí, outros

municípios foram fazendo. (Nanã)

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Assim, partindo da lógica da multiplicação do debate e das ações, foi possível garantir

uma abrangência bem maior na atuação da Rede. No entanto, com a falta de

acompanhamento, perdeu-se a possibilidade de avaliar a amplitude, o impacto e de fazer os

ajustes necessários à melhoria das ações. Isso poderia ser minimizado através, por exemplo,

de reuniões periódicas com os multiplicadores representantes de cada município, para ter os

repasses do que foi feito, tal como ocorreu na já citada reunião de fevereiro de 2015 e que, de

acordo com os demais registros, não se repetiu em nenhuma outra reunião posterior da Rede.

Na contramão da multiplicação, outros participantes representaram, em seus discursos, a fase

de retração da Rede:

Da abrangência da Rede, a perspectiva que sempre se falava era de uma representação

estadual. Sempre se fala em perspectiva de estado, porém ela não tinha essa

participação estadual. Sempre tinha um membro de um grupo da Pastoral da Juventude

de São Gonçalo do Amarante. Participa, mas não tinha um núcleo em São Gonçalo do

Amarante. A Pastoral da Juventude do Meio Popular de Macaíba participa da Rede,

mas não tinha um núcleo em Macaíba. De fato, o que tinha de núcleo era em Mossoró

e Ceará-Mirim, e o núcleo de Mossoró participava muito pouco das atividades quando

tinha uma reunião geral da Rede. Quase nunca vinha. O pessoal de Ceará-Mirim

participava mais. (Yemanjá)

Então, a Rede foi pensada inicialmente para ser do estado. Mas, como falei pra você,

chegou um determinado momento que a gente tinha que repensar isso também, porque

sua atuação sempre foi mais na grande Natal, na metrópole, nas cidades

circunvizinhas. E tinham coisas, tinham ações para que a gente pudesse desenvolver

para além da região metropolitana de Natal. Mas chegou um determinado momento

que estagnou isso, não avançou. (Oxóssi)

Essa limitação das ações da Rede à região metropolitana fica evidente pelas

assinaturas dos coletivos constantes nos registros das reuniões, desde 2013, e que no decorrer

do tempo vão se restringindo cada vez mais à capital, conforme acompanhado pela

pesquisadora na fase de observações. A maioria dos diários de campo é referente às ações das

rodas de conversas, que foram desenvolvidas em quatro bairros da capital, não tendo ocorrido

na região metropolitana, nem em outros municípios mais afastados dentro do estado. As duas

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reuniões registradas em diário, após essas ações, também contaram com uma quase totalidade

de representantes de Natal, com a exceção de um representante de Ceará-Mirim, na última

reunião ocorrida até o presente momento. Mesmo nas rodas de conversas nos bairros de Natal,

não se conseguiu alcançar um número considerável de jovens, sendo estes muitas vezes dos

mesmos coletivos, o que demonstra que até mesmo dentro do bairro não se conseguiu um

grande alcance territorial.

O encolhimento das ações da Rede, como já foi visto, pode estar relacionado a

dificuldades com recursos e à ausência de discussão e definição da história, identidade e

objetivos deste coletivo. No entanto, outros elementos que se somam a essa pauta, da ordem

da participação, da organização, da comunicação e aspectos conjunturais, serão vistos mais

adiante.

4.5. A Rede e o Plano Juventude Viva

O conteúdo do guia de implementação do Plano Juventude Viva nos municípios

apresentava como objetivos desta política o combate às causas da violência contra a juventude

negra e a superação de tal problemática nesta sociedade, associando o quadro atual ao racismo

historicamente enraizado em nossa sociedade, principalmente em sua forma institucional –

admitindo o papel dos homicídios cometidos por policiais na perpetuação desta realidade.

Quatro eixos de ação foram propostos no mesmo documento. O primeiro deles,

“Desconstrução da cultura de violência”, previa ações de cunho formativo-educativo, de

sensibilização e mobilização em prol dos direitos da juventude de maneira geral, junto à

comunidade como um todo ou a agentes específicos, como os policiais. O segundo eixo, de

“Inclusão, oportunidade e garantia de direitos”, seria operacionalizado principalmente por

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ferramentas como o Pronatec, O Projovem e o Prouni. No eixo 3, a “Transformação dos

territórios” seria realizada por meio da oferta de programas e serviços públicos já existentes

ligados à educação, cultura, esporte e lazer. No último eixo, de “Aperfeiçoamento

Institucional”, o foco era principalmente a capacitação dos servidores dos diversos órgãos

públicos para a desconstrução do racismo dentro das instituições. (SGPR & SNJ, 2014).

Tendo em vista os limites que as políticas apresentam diante da garantia de direitos da

população brasileira, em especial da juventude negra e pobre, dentro do neoliberalismo, e

levando em consideração as críticas já apresentadas ao longo deste trabalho sobre o caráter

fragmentado e descontextualizado das políticas historicamente concebidas no Brasil, percebe-

se, em termos de propostas e embasamento teórico-científico, que o Plano mostrava-se

bastante consistente e coerente com a realidade que buscava enfrentar. O primeiro grande

passo, portanto, estava em executar as ações previstas o que, como será visto adiante, não se

deu devido à extinção precoce do Plano.

Conforme explanado em capítulo anterior, o Plano Nacional Juventude Viva previa, na

ponta de sua atuação, a criação de uma rede virtual formada pela sociedade civil, chamada

Rede Juventude Viva. Sua função era divulgar eventos relacionados ao enfrentamento do

genocídio da juventude – em especial de jovens negros(as) e da periferia. Dedicando apenas

um parágrafo de todo o documento à Rede Juventude Viva, o conteúdo do Plano deixa

evidente um papel secundário para as organizações na arena da sociedade civil, de apoiadoras

e divulgadoras, de monitoramento e fiscalização, mas não no sentido de proposição e gestão

dos recursos e ações, consistindo em uma grande falha na elaboração desta política, posto que

despreza as particularidades e potencialidades das comunidades e territórios na resolução de

seus próprios problemas. No entanto, como pôde ser visto até agora, a Rede Juventude Viva

do RN não se formou virtualmente. Ela teve uma formalização presencial, a criação de uma

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agenda própria de atividades, e sua atuação foi, desde o início, muito além do que estava

previsto pelo Plano Juventude Viva. Sabendo, portanto, que não se tratava da Rede tal qual

prevista pelo Plano, é possível questionar o porquê do uso do nome institucional. Sobre isso,

uma das participantes afirmou:

Teve gente que disse “ah, mas a gente vai usar um nome que é governamental?” E a

gente vai usar para, justamente, pautar o estado e município a aderirem ao Plano!

(Nanã)

Nessa fala, percebe-se que, embora a natureza da RJV RN fosse diferente daquela

proposta pelo Plano, houve uma necessidade inicial de demonstrar que existia algum tipo de

vinculação entre o coletivo e essa política de enfrentamento ao genocídio da juventude. Uma

participante mostrou, em sua fala, essa ligação, ainda nas atividades preparatórias para o IV

Seminário sobre Realidades Juvenis (2013):

E aí, a partir dessas discussões, a gente falava da intenção da mobilização, e ressaltava

que nacionalmente existia um plano, chamado Plano Juventude Viva, e que precisaria

de construir uma Rede e de aprofundar nosso debate, e garantir que tanto o governo do

estado, quanto o município, fizessem a adesão desse Plano e garantissem recursos para

estar combatendo este extermínio. (Iansã)

Outra falas, ao tratar dos objetivos da RJV RN, explicitaram melhor de que ordem era

essa vinculação:

o nosso principal objetivo era fazer com que a cidade aderisse ao Plano Juventude

Viva e dentro dele pensar em estratégias de políticas públicas para juventude, tentando

ter essa diminuição na questão da violência. (Oxum)

Olhe, o objetivo era primeiro conseguir a assinatura, a adesão do município e de outros

municípios ao Plano. Outro objetivo era, onde já tinha aderido, fazer com que o Plano

acontecesse. (Nanã)

Assim, embora não se tratasse da mesma Rede prevista no Plano, a adesão e o

cumprimento deste eram as prioridades pensadas para a RJV RN. Nesse aspecto, no entanto, a

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Rede também apresentou um caráter híbrido, no que se refere a ter surgido antes das adesões

dos municípios prioritários ao PJV:

O Plano Juventude Viva, pelo Governo Federal, ele precisava começar a partir da

adesão dos municípios, e um dos passos seguintes era a formulação da Rede da

sociedade civil, pra estar acompanhando. E nós não, nós fizemos essa formulação da

Rede antes dos municípios e do estado fazerem essa adesão, porque eles não tomavam

a iniciativa e a gente precisava dialogar. Esse diálogo não era só de sociedade civil

para a sociedade civil. Nós, inúmeras vezes, chamamos o secretário de Segurança,

prefeito, no gabinete, entregamos duas vezes a cópia do projeto passo a passo pra fazer

a adesão, tudo pronto para o município fazer adesão, e até hoje não foi feita, né?

(Iansã)

Assim, se a Rede foi criada principalmente com o objetivo de fazer cumprir o Plano,

era preciso que ele existisse aqui no estado. Como isso não ocorria, a iniciativa passou a

cobrar, primeiramente, a adesão ao Plano por parte do estado e dos municípios prioritários.

Essa pressão teve alguns resultados, como explicitado nas falas a seguir:

do governo, quando assumiu há dois anos, tinha a parceria com a coligação com o PT

– sei lá como fala agora –, e aí ele colocou primeiramente lá... De subsecretaria passou

para Secretaria Estadual de Juventude. Mesmo não estando aberta a adesão – via

Governo Federal, do Plano Juventude Viva –, naquela época, a Secretaria conseguiu

fazer pactuar uma adesão voluntária. (Iansã)

Foi quando a gente conseguiu que o Rio Grande do Norte tivesse uma articuladora (...)

a gente brigou porque, assim, não dava para articuladora da Paraíba... Não estava

cobrindo o Estado, pelas limitações... Era inviável mesmo. (Nanã)

Tanto a adesão voluntária, pactuada em um período em que as adesões ao PJV

estavam suspensas no país, quanto a conquista de uma articuladora exclusiva para o estado,

ocorreram em uma ordem de acontecimentos diferente da que é proposta no organograma do

Plano. A presença de participantes ligados ao poder público na Rede pode ter influenciado

nesses aspectos:

Antes eu era da Secretaria Nacional da Juventude e participei do processo de

elaboração do Plano Juventude Viva lá em Brasília. Então eu tive estas duas

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experiências, vamos dizer assim: de poder participar do momento de elaboração do

Plano e depois lutar para que ele pudesse existir aqui no Rio Grande do Norte. (Nanã)

Quando eu entro na equipe do Plano Juventude Viva, eu começo a fazer as

articulações com as prefeituras municipais das cidades prioritárias, mas eu também –

por iniciativa própria, não necessariamente estratégia do Plano –, mas também de fazer

a mobilização das juventudes de cada município. (Yemanjá)

Ainda no discurso de Yemanjá, é possível perceber o uso de estratégias próprias da

articuladora, para além das que eram propostas pelo Plano. Essas estratégias, por sua vez,

contribuíram para ampliar o diálogo e a multiplicação dos debates e das ações nos municípios,

o que acabou por aumentar também as possibilidades de atuação da RJV RN no território e o

número de parceiros desse coletivo. Isso se articula com o que foi discutido sobre a

abrangência territorial das ações da Rede, bem como com a participação dos atores (que será

discutida mais à frente).

Era uma estratégia minha, que quando eu fosse dialogar com o prefeito ou com a

secretária ou o secretário desses municípios, que eu não fosse sozinha enquanto

articuladora do Plano Juventude Viva, mas que eu fosse com representantes da

juventude daquele município (...). O que eu levava eram números, eram notícias de

jornal, e o que os jovens levavam era a realidade. (Yemanjá)

Afora o enfoque na atuação da RJV RN sobre o cumprimento do PJV, alguns

participantes sinalizaram um objetivo mais geral para a Rede que envolvia ainda,

principalmente, a pressão sobre o poder público, mas numa perspectiva mais ampla:

O público-alvo da intervenção era primeiramente no poder público, sensibilizar o

poder público para interpretar as estatísticas, os dados alarmantes que estavam

crescendo, de homicídios envolvendo crianças, adolescentes e jovens também, né? E a

gente tentava sensibilizar o poder público para que eles fizessem a adesão tanto ao

Plano Juventude Viva, quanto aos programas que estavam dentro do desenho. (Xangô)

Na verdade, a ação da Rede era de incidência política. O que a Rede queria, no início,

era fazer pressão nos governos pra que ações de enfrentamento à violência fossem

desenvolvidas. Então, a princípio, quando a Rede foi criada, ela não queria

necessariamente mobilizar os jovens, mas aproveitando da mobilização que já existia

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fazer pressão popular, fazer pressão nos governos, especialmente no governo estadual.

(Yemanjá)

Embora esteja sinalizado nessas falas ações frente ao poder público, outras atividades

que estavam fora desse espectro, e que tiveram como público alvo principalmente os jovens,

foram exemplificadas pelos participantes:

O grande objetivo da Rede era esse, era se articular todos os coletivos com o objetivo

de denunciar o extermínio, de promover ações de resistência, de ampliar o diálogo

entre sociedade civil e poder público, no intuito de construir ações que freiem este

extermínio e que promovam a vida plena. Ações culturais, atividades educativas,

politizantes, mas que trouxessem a cidadania principalmente nas comunidades mais

periféricas. (Ogum)

Era tentar chegar nessas comunidades periféricas, onde havia o extermínio, na

tentativa de, com oficinas, com momentos formativos, tentar promover ações pra que

isso fosse minimizado. (Oxum)

As rodas de conversas acerca da relação entre a redução da idade penal e o genocídio

de jovens, acompanhadas na fase de observações e registradas nos diários, também são um

exemplo de momentos formativos voltados especificamente para a juventude das

comunidades. Essas outras atividades, no entanto, foram destacadas por uma das participantes

como sendo algo que estava fora dos objetivos da Rede, e que ocorreu por causa de mudanças

nas configurações da RJV RN:

Aconteceu também, além disso, num momento que a Rede teve certo esvaziamento, a

necessidade de remobilizar os jovens para estarem ativamente novamente na Rede.

Então, foram feitas oficinas da discussão tanto do enfrentamento à violência, da

redução da idade penal, que foi também feita em vários bairros daqui da cidade de

Natal. E, que eu consigo lembrar, é isso. Muito mais na perspectiva da incidência

política do que ações diretas e de projetos. No meu entendimento, não era esse o

objetivo. Quando isso aconteceu, era com o objetivo de reoxigenar a Rede. (Yemanjá)

As rodas de conversa tinham outro papel além da formação, como pode ser visto

também no exemplo retirado de um registro em diário de campo:

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Ressaltei que foram passadas listas de presença nas rodas e que foram tiradas algumas

comissões de jovens, os quais – levando em consideração que estes momentos tinham

como objetivo também o convite para a participação nas reuniões da Rede – sugeri que

fossem incluídos no grupo do whatsapp, porém não tive resposta. (Diário de campo 6)

Além desse registro reforçar a ideia da reoxigenação, ele mostra uma das dificuldades

nas ações realizadas, relativa à comunicação interna ao coletivo. Assim como essa – e afora os

diversos avanços e ações que foram realizadas –, muitas outras dificuldades foram sinalizadas

pelos entrevistados nesse percurso, como no exemplo:

Então, no caso de Macaíba, Macaíba ainda aderiu ao Plano. Macaíba fez a adesão ao

Plano, começou a fazer atividades referentes ao Plano, eles fizeram audiência

pública... Não deram prosseguimento ao Plano. (...) O Plano, obrigatoriamente,

passava por um diálogo entre a sociedade e as prefeituras. A maioria das prefeituras

sequer conhecia a existência do Plano, então, primeiro, a gente tinha que fazer um

processo de sensibilização ao poder público (...). (Oxalá)

O desfecho dessas dificuldades também foi apontado por Oxalá, na medida em que,

até o presente momento, tanto o Plano Juventude Viva quanto a Rede estão estagnados e sem

perspectiva de retomar as atividades:

E aí, não se avançou muito nesse sentido, tanto por causa da resistência das

prefeituras, um pouco depois pela desarticulação da Rede de certa forma, e agora

porque esse Plano nem existe mais. O Plano Juventude Viva morreu, na verdade. E

tem todo um tabu, também, nessa questão, porque existe um trabalho constante de

criminalização da imagem da juventude, principalmente da juventude da periferia.

Mas era exatamente essa disputa que a Rede se propunha a fazer. A disputa de tentar

transformar a sociedade em um espaço mais justo para a juventude, principalmente a

juventude periférica que estava morrendo, ao mesmo tempo em que existia na

sociedade um movimento de criminalização dessa juventude. A gente era um

instrumento de disputa social desse discurso, também. Então, era esse o nosso

trabalho. (Oxalá)

Assim, é possível concluir que diversos elementos conjunturais e estruturais da nossa

sociedade se articularam nesse processo de estagnação do Plano, contribuindo, assim, para a

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desmobilização da Rede – dada a sua forte vinculação a essa política. Pode-se dizer, portanto,

que se, por um lado, a RJV RN encontrou no Plano o importante pontapé para se constituir na

primeira iniciativa do estado a adotar como pauta central a questão do genocídio de jovens,

por outro, manter-se atrelada à política desfavoreceu a dinâmica de sua atuação, limitando

suas possibilidades de ação e de continuidade frente aos impasses e mudanças no cenário

político brasileiro. Além desses aspectos, as divergências nas falas acerca dos objetivos,

público-alvo e ações pensadas para a Rede, podem evidenciar tensões internas já existentes no

coletivo e na sociedade como um todo, bem como suscitar novas tensões.

4.6. Participação, representação e representatividade

Buscando reconstituir a composição inicial da Rede, pôde-se constatar, ao levar em

consideração os apontamentos de Silva (2015) e os Anais do IV Seminário sobre Realidades

Juvenis (2013), que havia uma grande diversidade de grupos atuando de/para/com jovens

participando do Seminário e/ou compondo a Articulação Potiguar de Juventudes. As falas de

alguns participantes ilustram as iniciativas com as quais a RJV RN contava no início:

Eu lembro de alguns: a própria PJ, como eu disse, eu lembro do LabRural, eu lembro

do... das juventudes dos partidos mais progressistas que se inseriram, a própria

juventude do PT e a galera do PSOL – que se inseriu muito timidamente, mas se

inseriu –, mas muitos coletivos da época, assim, não vou recordar... Mas eu me lembro

mais fortemente do CMJ, da Pastoral da Juventude, do LabRural me lembro bem, do

OBIJUV... (...) Os mandatos tinham os seus representantes, que acompanhavam essa

temática. Eram basicamente esses, assim, que eu me recordo. (Ogum)

Que eu lembre, a Posse de hip hop Lelo Melodia, Canto Jovem, Casa Renascer,

juventude de alguns partidos como o Partido dos Trabalhadores, a juventude socialista

(JSB) do PCdoB, as Pastorais diversas, Rede de Terreiros, coletivos de hip hop e

alguns membros de Diretórios Centrais, estudantes do DCE, grêmios e Centros

Acadêmicos, foi uma fundação bem diversa. Mesmo sendo no espaço do Marista, que

é um espaço cristão católico, mas estava bem plural a participação. (Xangô)

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No entanto, resgatando o que foi visto na Tabela 1 sobre a composição da RJV RN,

assim como os registros de reuniões consultados e os diários de campo, foi possível perceber

a predominância de representação de alguns coletivos e municípios, desde o início de 2014 até

o final da etapa de entrevistas.

Dos oito participantes desta pesquisa, havia apenas quatro iniciativas representadas

(CMJ, PJ, SEJURN, OBIJUV), sendo dois participantes de cada. Dessas quatro, duas

(SEJURN e PJ) eram compostas por membros ligados a mandatos, não havendo outros

representantes do poder público na Rede. Os oito participantes representavam apenas três

municípios, sendo seis representantes de Natal, um de Ceará-Mirim e um de São Gonçalo.

À exceção do CMJ e da PJ, não havia outros movimentos de juventude representados

pelos participantes na RJV RN. Assim, não ocorreu apenas uma retração na abrangência

territorial das ações, como discutido anteriormente, mas também uma diminuição na própria

quantidade e diversidade de iniciativas dentro da RJV RN, que deixou de contar com a

participação de movimentos juvenis, como o Monitoramento Jovem de Políticas Públicas

(MJPOP) e a posse de hip hop Lelo Melodia. Isso é exemplificado na seguinte fala:

Os coletivos, os poucos que ficaram... Ficou muito o OBIJUV, ficou muito o CMJ,

ficou muito a Secretaria, teve esvaziamento... Sim, a PJ, o pessoal da PJ. Mas esvaziou

bastante, principalmente já no final. Eu lembro que no ano passado a gente já discutia

muito sobre isso, uma das últimas reuniões que nós tivemos foi até lá no CMJ e se

pensou em ver quem é que ainda estava fazendo parte da Rede, fazer uma lista de

pessoas, então... Quem discutia muito isso era quem estava na frente. Eu lembro que

tinha um e-mail, uma lista com 15 e-mails, 15 participantes, e na reunião iam quatro

pessoas. Ou três pessoas, às vezes. Então, era muito esvaziado. E às vezes, quatro

pessoas: duas de uma organização e duas de outra. (Oxóssi)

A preocupação em recontatar as demais iniciativas com as quais a Rede contava na sua

fundação também foi destacada por outro participante:

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A gente precisava retomar os contatos com as entidades porque, se é uma Rede, ela

não é formada por um pequeno grupo, nem só por uma instituição. Ela é formada por

diversos grupos, e no momento em que a gente construiu a Rede, a gente tinha

realmente vários grupos diferentes de várias partes do estado, inclusive. Nós tínhamos

muita gente da região metropolitana, tínhamos um peso da região metropolitana, mas

nós tínhamos, por exemplo, uma participação mais integrada de Mossoró, até de

Caicó. Então, por exemplo, em Caicó existe a Rede de Jovens do Seridó. Essa Rede de

Jovens do Seridó estava se agregando à Rede Juventude Viva. Nós tínhamos, por

exemplo, o pessoal dos terreiros, que tinha gente de Extremoz, tinha gente de outros

municípios do interior também. Nós tínhamos as PJs: a PJR, a PJMP, a PJ em si, né?

A Pastoral da Juventude. E tínhamos outros grupos. Tinha a Juventude do PT, além

dos outros grupos, o Levante Popular da Juventude... Então, todos esses grupos, eles

estavam compondo a Rede. (Oxalá)

Faz-se importante refletir sobre a ausência de movimentos juvenis como a posse Lelo

Melodia e o MJPOP – e, portanto, da experiência da vivência cotidiana de jovens da periferia

na Rede – e a presença tão forte de instituições ligadas ao poder público, o que será discutido

mais adiante.

Questionados sobre quem geralmente estava mais à frente ou se responsabilizava mais

pelas ações, alguns participantes apontaram para uma divisão de tarefas relativamente

equilibrada:

Sempre tinham as pessoas que tinham mais empenho, vamos dizer assim. Então, essas

pessoas que tiveram mais empenho se autorresponsabilizavam, vamos dizer assim, por

estar sempre construindo a Rede e estar sempre fomentando novas atividades, ou se

propondo a planejar o que é que a gente poderia fazer, como é que a gente poderia

chamar mais jovens, como era que a gente poderia envolver mais jovens. E algumas

pessoas nesse processo vinham se destacando. Eu acho que esse grupo que você

entrevista, que você diz “ah, eu tive mais contato com esse grupo”, é exatamente

porque esse grupo estava mais preocupado em manter, em segurar, em levantar, em

ampliar a Rede. (Oxalá)

Eu não consigo identificar o trabalho da Rede Juventude Viva como mérito de uma

única pessoa, de única instituição. Ela não seria o que é, não aconteceria o que

aconteceu se fosse só CMJ, só o Canal Futura, só o mandato, se fosse só uma

comunidade. Não é à toa que é Rede Juventude Viva porque, de fato, foram trabalhos

de rede, foram construções coletivas. (Iansã)

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Outros entrevistados, no entanto, deram destaque aos membros dos mesmos coletivos

representados nesta pesquisa, em especial o CMJ:

Tinham uns coletivos que estavam mais à frente que, por exemplo, tomavam a frente

de convocar reuniões, né? E a gente sempre tinha o espaço cedido pelo Centro Marista

de Juventude pra que a gente garantisse nossas reuniões, que eles convocavam, e eu

sentia a presença muito forte do OBIJUV (do Observatório de Juventude em

Contextos de Violência), em parceria com as Pastorais e o Centro Marista de

Juventude. E a gente, enquanto mandato, né, primeiramente como Frente e depois

como Secretaria de Juventude, colaborava mais na parte institucional, sabia dividir os

espaços. (Xangô)

Olha, no primeiro ano, no ano de fundação, essas responsabilidades eram encabeçadas

muito fortemente pelo Centro Marista de Juventude e pelas pessoas que compunham

na época (...). Então, essas pessoas eram mais carimbadas, porque eram as pessoas que

frequentavam a Rede, que estavam presentes nas reuniões. Porque apesar de ter o

espaço virtual, tanto do e-mail quanto do whatsapp, quem se responsabilizava pelas

ações era efetivamente aquelas pessoas que iam para as reuniões. Então, se elas

vinham para as reuniões, alguns encaminhamentos ficavam pra elas, e essas pessoas

eram as que constantemente estavam indo e se responsabilizando, indo e se

responsabilizando... Você tem essa lista, porque é justamente a lista das pessoas que

você está entrevistando. (Yemanjá)

Apesar de os discursos não apresentarem grandes divergências neste aspecto, uma fala

refletiu incômodo no que se refere às diferenças entre a participação dos membros:

Acho que sempre colocavam muito a responsabilidade só no Núcleo Operativo e não

era aquilo que a gente desejava, a gente não era uma coordenação, era para poder

contribuir. Então, deixar para que o outro desse conta das demandas... Então, gerava

um certo comodismo na maioria e as coisas que sobrecarregavam uns e outros...

Então, isso prejudica, não ter uma gestão bem dividida, um planejamento adequado,

isso também fragiliza. (Iansã)

Essa questão da sobrecarga aparece novamente no discurso de Iansã, quando solicitada

a avaliar sua atuação na RJV RN:

Assim, eu fui muito... como que eu posso dizer... realista, eu não vou ser hipócrita. Eu

acho que em muitos momentos eu segurei a barra. Eu acho que eu, enquanto Centro

Marista de Juventude, por poder estar mobilizando recurso, estar fazendo a ponte... E

acho que ora foi positivo, e ora foi negativo. Porque uma vez que você era referência,

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principalmente por estar lidando com os recursos, as pessoas esperavam muito de

você, e eu tinha outras demandas dentro do Centro que não eram só a Rede. Me

sobrecarregava. Então nem sempre dava para você atender às expectativas daquilo que

você queria, como você queria e tudo mais. (Iansã)

Ainda relacionado à sobrecarga, uma participante levantou outro elemento que pode

ajudar a explicá-la, e que refletiria o cenário dos movimentos sociais como um todo frente à

conjuntura política do país:

Os movimentos são poucos para muitas lutas. Aí, foram os mesmos que estão na

Frente Brasil Popular, são os mesmo que estão nas manifestações de rua, são os

mesmos que estão nas ocupações... (Nanã)

Também se autoavaliando, alguns entrevistados apontaram para um direcionamento

maior de seus esforços para atuar na realidade dos seus próprios municípios:

Eu fiz parte da Rede como todos fizeram, mas eu não fui da linha de frente. (...) Outras

pessoas tiveram participações mais protagonistas neste processo. Até porque eu (...) a

prioridade, no meu caso, de militância, era na realidade na minha cidade, no meu

bairro da minha comunidade, porque lá não tinha outras pessoas. Então, eu tinha que

focar muito lá. Foi lá que a gente desenvolveu muitas ações, não necessariamente

organizadas em rede, mas ações pontuais, ações descentralizadas que foram

combinando com o cenário também de resistência. (Ogum)

A minha diferença nesse processo é poder levar um pouco disso, que a gente

representa, pra uma cidade que não tinha esse debate. Ceará-Mirim nunca fez esse

debate, Ceará-Mirim não tem grupos de jovens organizados com essas discussões –

apesar de existir alguns grupos de jovens, mas os grupos de jovens estão focados em

seus próprios grupos. Eles não têm um debate que é da sociedade, que é mais da

sociedade. E aí, eu acho que o mérito do trabalho é ter levado um pouco dessa

discussão pra lá, é ter movimentado um pouco a cidade sobre isso, ter provocado um

pouco a cidade sobre isso. E eu faço a avaliação do meu trabalho como um bom

trabalho. (Oxalá)

Em outra fala de Ogum, o participante reconhece não ter sido tão atuante na Rede

quanto gostaria. O discurso de Oxóssi revela também sua atuação não tão protagonista e mais

presente no início:

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E na Rede Juventude Viva tem um tempo que eu gostaria de ter sido mais

protagonista, assim. Virou até uma prioridade minha naquele momento. Mas algumas

outras coisas pessoais aconteceram, tomei algumas decisões que inviabilizaram esta

inserção direta para dentro da Rede e dificultaram um pouco minha participação. Eu

acho que a minha participação poderia ter sido melhor, analiso isso assim. Em parte

por mim mesmo, em parte porque a conjuntura também não me ajudou. Assim como

muitos eu fui cuidar de outras coisas que precisavam da minha atenção, do meu grupo,

do meu coletivo, e tirou um pouco desse meu processo da Rede. Acho que eu me

avalio assim. (Ogum)

A minha participação sempre foi muito mais discreta nesse ponto. Eu nunca estive tão

à frente, era mais... Eu estava representando o Centro, de frente, em outros espaços.

(Oxóssi)

Outros entrevistados, no entanto, são enfáticos em se autoavaliar positivamente quanto

à atuação na RJV RN:

O que eu sinto é: mudei de instituição durante o período, mas eu me senti, em cada

instituição que eu ia, me senti comprometida com a Rede. (...) Porque eu fui do

mandato, sou da equipe da Escola de Formação Quilombo dos Palmares e fui da

SEJURN, mas continuei dentro da Rede. E agora voltei para a sociedade civil, né? Sou

do Laboratório de Estudos Rurais, UFRN, como estudante mesmo, doutoranda, e sou

da Rede de Educadores Populares. Da Rede eu sempre vou ser, não vou deixar a Rede.

(Nanã)

Eu acho que fiz as coisas e não me arrependo de nada. Cansei muito, foram muitas

lágrimas, muitos risos, muito tudo... E pretendo dar o pontapé inicial para essa

remobilização. Não sei até quando, porque acho que a gente tem que dar espaço para

outras pessoas que chegarem oxigenar, a galera mais nova. Mas não adianta a gente

também não acompanhar, não fazer este processo de transição. Eu acho que a Rede

está precisando disso: uma nova mobilização para um processo de transição, pra uma

nova galera ocupar e dar continuidade. (Iansã)

Eu avalio que eu participei bem da Rede. Participei muito, muito, inicialmente,

participei muito enquanto fui articuladora do Plano Juventude Viva, e participei

também enquanto representante do OBIJUV – o que foi, e o que tem sido a minha

participação nos últimos tempos –, mas também tenho feito escolhas de deixar que a

juventude e os jovens, de fato, participem mais e liderem esse espaço. (...) Então, eu

fui fazendo o papel de apoio mesmo – sugerindo formação, pensando e planejando

como poderia ser essa formação –, assumindo mesmo esse lugar de assessoria e não o

lugar de fala. (Yemanjá)

Nos últimos exemplos, emergem dois aspectos cruciais para a discussão acerca da

participação e da representatividade no coletivo: a mudança de papéis dos membros ao longo

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da trajetória da RJV RN; e a preocupação com o envolvimento dos jovens (em especial,

negros e negras da periferia) como alvo e/ou agentes nas ações. Acerca da mudança de papéis,

uma entrevistada trouxe:

Então, algumas pessoas que – apesar desses representantes que eram do mandato,

apesar de serem mandato, e mandato é poder público – representa um deputado que tá

no Legislativo, encarava a situação e se colocava muito enquanto sociedade civil,

como movimento, fortalecendo o movimento ali. E ao longo do tempo, algumas

pessoas mudaram de posição. (...) Facilitar os debates, enquanto secretária de

juventude ficava um pouco estranho, porque era um debate que cobrava do governo

que ele fizesse tal ação. Então, ela mesma, enquanto secretária, não podia se

autocobrar [risos] de realizar uma ação. (Yemanjá)

Essa fala evidencia bem as tensões entre poder público e sociedade civil. É possível

perceber, portanto, que ainda que a Rede tivesse discutido e trabalhado desde o início sua

identidade, objetivos, composição e outros aspectos de organização interna, em algum

momento essa mudança de papéis dos membros – e que reflete aspectos externos ao coletivo –

poderia levar a mudanças na sua configuração.

Alguns discursos apontaram para a preocupação da Rede diante da participação de

jovens negros e negras de periferia como agentes e/ou alvo das ações da RJV RN :

Então, o público era prioritariamente juventude negra da periferia, homens e mulheres,

que apesar dos maiores índices serem masculinos, a gente sabe que também têm e vêm

crescendo nos últimos anos, principalmente – apesar da fragilidade da Rede nesses

últimos um ano e meio a dois anos –, os índices de extermínio à mulher, o feminicídio

está crescendo absurdamente. (Iansã)

Na minha perspectiva, e sendo representante de uma organização do poder público,

(...) não deveria ser eu a liderar certos momentos, certos espaços, que a Rede tem que

levar. Até porque na Rede há grupos de organizações juvenis, movimentos juvenis

que, acredito eu, por eles serem jovens e serem da sociedade civil, teriam mais

legitimidade para levar. Então, eu confesso que eu fui, aos poucos, me retirando de

algumas coisas e assumindo mesmo o papel de apoio – que deve ser, na minha

perspectiva, o lugar da universidade, que é o lugar do apoio, mas não o lugar do

empoderamento, da fala. O lugar da fala tem que ser do sujeito que realmente

demanda e vive a problemática. (Yemanjá)

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A gente dialogou muito com o pessoal já organizado, com a juventude organizada,

mas a gente sabe que o jovem que está morrendo é o jovem que está completamente

fora do mercado de trabalho, fora do mercado formal, na maioria das vezes até da

escola, ou seja, estão excluídos do processo da sociedade. (Xangô)

Essas falas representam três perspectivas diferentes. Na primeira, considera-se como

público-alvo das ações a juventude, mesmo que as ações tenham sido apontadas pela maioria

dos entrevistados como de incidência política. Na segunda, há a sugestão de que movimentos

e grupos juvenis deveriam ser os agentes dessa pressão ao poder público. Na terceira

perspectiva, no entanto, a ênfase é em trazer o debate para a juventude não organizada em

movimentos ou outras iniciativas, mas mantém-se o seu aspecto de público-alvo das ações.

Essas divergências reforçam novamente a necessidade de uma discussão dos aspectos de

organização interna e de planejamento, tanto para a reoxigenação do coletivo – pois os novos

membros que se deseja trazer precisam saber o que vão fazer e por que, no coletivo, para se

sentirem atraídos – quanto para a efetividade das ações.

Sobre a abertura da Rede a membros que quisessem contribuir para a pauta do

enfrentamento ao genocídio da juventude, não havia restrições, como pode ser visto nos

exemplos a seguir:

Eu acho que a Rede acabou também mobilizando pessoas que não participavam de

nada, de movimento nenhum, que foram para o Seminário. Tem uma mãe, que ela veio

para o Seminário Realidade Juvenis para apresentar o artesanato dela na Feira, e aí no

meio da Feira já falou que tinha perdido um filho vítima de violência. A filha dela

também foi para as coisas da Rede. Agora na campanha, eu a reencontrei. (Nanã)

Uma discussão que a gente fazia muito - a gente sempre fez dentro da Rede –, é que

você não precisava ser vinculado a nenhum grupo. Porque todo mundo dizia assim “eu

queria participar, mas eu não faço parte de uma rede, de uma ONG... como que é eu

faço?”. Você é jovem, você tá numa comunidade, você não é jovem, mas já sofreu...

(Iansã)

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Quatro dos oito entrevistados desta pesquisa ainda são considerados jovens, de acordo

com o Estatuto da Juventude. Outros dois, além desses, ainda eram jovens em 2013, ano do

Seminário. No entanto, se partirmos da divisão proposta pelo Estatuto, em jovens

adolescentes, jovens jovens e adultos jovens, apenas este último grupo está contemplado entre

os participantes da Rede. Porém, como aponta a fala de uma entrevistada, esses grupos não

contemplados têm tido bastantes vítimas de homicídios:

A última pesquisa apontou que no Rio Grande do Norte aumentou em 500 por cento. E

esses 500 por cento foram de zero a 19 anos. Ou seja, o Mapa da Violência, que está lá

até 29 e tem outros dados que apontam até 19 anos. Se você juntar as duas fontes, você

vai ver como cresceu no Rio Grande do Norte. (Nanã)

Ainda que aberta a novos membros não organizados em movimentos e não

necessariamente jovens, a RJV RN não conseguiu alcançar a reoxigenação desejada. Em

resumo, tem-se que a Rede sofreu um profundo processo de retração na abrangência territorial

das ações, com um quadro de baixa diversidade de iniciativas de/para/com juventudes,

ficando pouco representativa do universo juvenil que abrange a faixa etária de 15 a 24 anos –

e principalmente de jovens negros e negras, de periferia e não organizados em movimentos –,

esvaziada, desmobilizada e com lacunas na sua organização interna.

Um dos aspectos que foi destacado pelos participantes, no sentido de reverter tal

situação, foi retomar os contatos com as organizações. Nesse sentido, questionados sobre que

outras iniciativas poderiam contribuir para o enfrentamento a este quadro de genocídio no

estado, os participantes trouxeram uma infinidade de exemplos de iniciativas e coletivos, que

foram agrupados na lista a seguir:

Rede de Jovens de Matriz Africana e Terreiros do RN;

Programa Conexão Prevenção;

Levante Popular da Juventude;

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Frente Potiguar contra a Redução da Idade Penal;

Associação Beneficente Amor Verdadeiro (ASBAV);

Central Única das Favelas (CUFA);

Grito Urbano;

Dez Mulheres da Vila de Ponta Negra;

Batalha do Vinho;

Conselho Tutelar:

Conselho Estadual da Criança e do Adolescente;

Eco Praça;

Coletivos de hip hop (Posse Lelo Melodia e outros);

Fórum de Juventude Negra;

Grupos autônomos de dança de rua (break), capoeira, grafite, rap, quadrilhas juninas,

escotismo, grêmios estudantis.

Mais uma vez, ressalta-se a necessidade de discussão e planejamento acerca da

natureza das parcerias que se pretende fazer, do alinhamento entre ações desenvolvidas junto

a esses parceiros e o projeto político da Rede, bem como dos objetivos envolvidos.

4.7. Resultados alcançados: a RJV RN como inspiração para o surgimento de novas

Redes

Apesar da recente estagnação da RJV RN, é possível verificar, a partir dos trechos de

falas destacados nos temas anteriores, que este coletivo realizou diversas ações. Convidadas a

citar algumas ações, duas participantes demonstraram bem a diversidade desses momentos:

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Ah, já fiz rodas de conversas, já fiz mobilização, já fiz escrita de ofício para solicitar

espaço, para poder solicitar a presença do Prefeito, já fomos a reuniões em gabinetes,

tanto da Prefeitura quanto da Câmara, audiências públicas, já representei a Rede em

reuniões... É muita coisa. Que eu lembre, mesmo, é isso. (Iansã)

A gente traçou um planejamento: reuniões com o coletivo da Rede Juventude Viva,

atividades nas comunidades, estudos sobre os dados. (Nanã)

Outro entrevistado destacou uma ação mais pontual e focada na articulação da RJV

com a Pastoral da Juventude:

Enquanto Pastoral da Juventude, acho que essa é minha principal atividade na Rede

Juventude Viva, foi fazer um link entre o que a Rede tava pautando, a realidade de

extermínio que a juventude vivia no estado, qual era a prioridade da Rede no debate,

quais eram as atividades que Rede estava propondo, e a gente tentar mobilizar a

Pastoral da Juventude para colar junto. (Ogum)

Assim, o que se vê nos discursos é que as divergências entre objetivos também são

refletidas nas ações, que ora visavam levar o debate do genocídio para as juventudes diversas,

ora pressionavam o poder público pela implementação de políticas e ferramentas de

juventude. Solicitados a avaliar as ações da RJV RN, os entrevistados se posicionaram

positivamente:

Eu avalio como satisfatórias. Aliás, eu avalio como plenamente satisfatórias, porque

começar como a gente começou, com as fragilidades que a gente tinha, com as

limitações tanto de pessoas quanto financeiras? E a gente foi resistindo, assim...

(Iansã)

Eu acho que as nossas ações, elas foram ações positivas, né? E nosso trabalho também

estava produzindo resultados. Então, eu acho que a gente estava conseguindo se

organizar – não era ainda o esperado, do tamanho que a gente queria, vamos dizer

assim, mas eu acho que o nosso trabalho estava fluindo bem sim, estava conseguindo

ser sistemático –, porque cada cidade, por exemplo, estava começando a ter acesso a

essas ações, a essa discussão também... (Oxalá)

Sobre o conceito de “ações positivas”, Yemanjá explicou:

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O resultado positivo não é a audiência pública estar cheia de participantes. O resultado

positivo, na minha perspectiva, é que os encaminhamentos daquela audiência pública

sejam cumpridos. (Yemanjá)

A questão do número de participantes, no entanto, pode se revelar importante quando

se trata de promover a formação dos jovens para o enfrentamento ao genocídio da juventude,

bem como nas ações de disputa de opiniões nas comunidades, como destacado nos trechos

abaixo:

Assim, apesar da baixa atual, eu acho que conseguiu multiplicar o número de pessoas,

de jovens e de grupos, principalmente das comunidades, para estar levantando este

debate, para estar se inserindo em Natal, pra estar se motivando. Eu acho também que,

como eu falei agora há pouco, que a gente não tem dimensão de onde a gente atingiu.

(Iansã)

Compareceram mais de 30 jovens de todas as idades (havia algumas crianças,

inclusive) da comunidade, sendo a maioria dos grupos de hip hop e de capoeira.

(Diário de campo 1)

O último trecho discorre sobre uma das quatro rodas de conversa realizadas acerca da

ligação entre redução da maioridade penal e o genocídio de jovens (no bairro de Nossa

Senhora da Apresentação, na Zona Norte de Natal), e que teve uma participação bem

diversificada em termos de atores sociais da comunidade e outras pessoas interessadas pelo

debate. Outro trecho, porém, referente à roda realizada no bairro de Felipe Camarão (Zona

Oeste de Natal), revela certa homogeneidade nos atores – que pertenciam, em sua maioria, aos

coletivos Monitoramento Jovem de Políticas Públicas (MJPOP) e Levante Popular da

Juventude:

Contamos com aproximadamente 30 participantes, quase todos jovens pertencentes a

estes movimentos (aproximadamente 6 deles tinham entre 12 e 15 anos), com exceção

de 5 de fora dos movimentos, mais ainda assim atuantes na comunidade. (...) Os

jovens interagiram bastante, como era esperado por serem jovens de movimentos

sociais, e os assuntos da roda puderam ser bem explorados. (Diário de campo 4)

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Ainda assim, apesar da falta de diversidade restringir o alcance do debate aos jovens já

organizados e outros atores já “carimbados” na luta pelos direitos da juventude, alguns

elementos positivos puderam ser destacados:

Vários questionamentos e argumentos interessantes foram levantados pelo grupo,

como os conceitos de “cidadão de bem”, de “fazer coisa errada”, sobre a ação violenta

da polícia direcionada especialmente a jovens negros e pobres, a responsabilidade da

sociedade sobre o cuidado das crianças (futuros jovens), como/se chegam as políticas

públicas até os jovens, o papel da mídia na estigmatização desse público, entre outras.

(Diário de campo 2)

Jovens que novamente se mostraram muito empoderados, trazendo considerações

sobre o papel do capitalismo e da mídia na propagação do consumismo e de uma

imagem distorcida acerca da juventude e dos atos infracionais cometidos por

adolescentes. (Diário de campo 3)

Nesse sentido, embora não se tenha garantido a diversidade e, principalmente, o

alcance aos jovens em maior situação de vulnerabilidade desejados, é possível perceber que

debates como esses consistem em momentos de troca de argumentos que se fazem

extremamente necessários quando se trata de disputar opiniões sobre temas relacionados à

vida da juventude em nossa sociedade. Uma vez que a criminalização da juventude nas mídias

diversas só cresce, é preciso potencializar também a quantidade e qualidade da argumentação

dos atores que se propõem a defender uma sociedade mais justa e igualitária para os nossos

jovens.

Uma preocupação dos membros do coletivo, ao propor uma metodologia para as rodas

de conversa, foi a de encorajar as pessoas a falarem, mesmo as mais tímidas ou que tivessem

posicionamento inicial favorável à redução da idade penal. Outro ponto importante era

motivar os jovens participantes das rodas a multiplicar esse debate. Assim:

A metodologia parece ter cumprido com o que se propôs, uma vez que houve bastante

participação (falas) (...). Como pontos positivos também tivemos: mobilização intensa

e bastante diversificada na roda da Zona Norte, disposição dos jovens de Mãe Luíza e

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Felipe Camarão a ajudar contribuindo com outros momentos semelhantes, a presença

de pelo menos 2 facilitadores em 3 das 4 rodas. (Diário de campo 5)

As rodas, no entanto, representaram um pequeno recorte na atuação da RJV RN frente

ao genocídio da juventude no estado. Muitos outros resultados positivos, referentes ainda à

multiplicação do debate acerca da violência contra os jovens, foram apontados pelos

participantes:

Tem um grupo de futebol lá na Nossa Senhora da Apresentação, dizendo: “Essa Rede,

eu conheci essa Rede em 2013 e eu continuo com grupo de futebol graças a ela... é

onde eu faço a discussão”. A gente não tem dimensão de onde a Rede tá hoje, onde

atua. (Iansã)

(...) hoje a gente tem uma realidade de articulação muito boa, em comunidades muito

difíceis como Bom Pastor e comunidades como a da Vila de Ponta Negra. Lá na minha

cidade, São Gonçalo do Amarante, na Zona Norte... A gente tem uma realidade de

articulação muito politizada, muito mais politizada, e que a Rede influenciou bastante

nisso. (...) Tudo isso foi muito pedagógico, vamos dizer assim, pra a formação desta

galera. (Ogum)

Então, começou a se formar alguns núcleos a partir dessa intervenção que eu também

vinha fazendo junto aos municípios. E aí, eu consegui fazer isso em Mossoró e em

Ceará-Mirim. Então, ficou: Natal, Mossoró e Ceará-Mirim. (Yemanjá)

Resultados mais concretos das ações foram destacados pelos entrevistados. Um deles

foi fruto da pressão pela divulgação de dados realistas dos homicídios juvenis no estado:

Que no início (...) falavam das dificuldades de ter acesso aos dados. E aí, você acaba

juntando uma frente com a outra... Não foi a Rede Juventude Viva, mas foi a

articulação em rede, da Rede com a Universidade, com o grupo de Direitos Humanos e

tudo mais, conseguiu liberar os dados e fornecer os materiais, subsídios para que a

gente tenha documentos, hoje, mais concretos, para que possa tá avançando no debate.

(Iansã)

Então, eu acho que a Rede cumpre o papel dela nesse processo de se organizar para

combater o extermínio da juventude. E aí, de diversas maneiras, desde se reunir para

partilhar a realidade dos bairros (nós fizemos isso muitas vezes), para partilhar a luta

pela transparência dos dados, que inclusive foi um outro ganho que a gente conseguiu

(...) através da Secretaria de Juventude e de outras secretarias. E a Rede Juventude

Viva também participou deste debate, que foi o monitoramento de dados de violência

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no Estado. Então, ela contribuiu muito neste processo, processo de chamar a atenção e

tornar visível o extermínio da juventude no estado. (Ogum)

Outra importante conquista, na qual os entrevistados também situaram a contribuição

da Rede ao pressionar o poder público, foi a própria criação da SEJURN:

Pressionar o poder público – a conquista da SEJURN foi graças à Rede Juventude

Viva. Durante o processo de campanha mesmo a gente cobrou muito do governador a

criação da secretaria, com independência, com autonomia financeira... (Xangô)

Ainda de acordo com os participantes, outras conquistas frente ao poder público

também contaram com o apoio dessa pressão da RJV RN:

E a gente fez vários encontros lá em Mossoró – do núcleo lá –, em vários momentos

de incidência política com o secretário, com o prefeito, onde teve a participação deles

lá. Da mesma forma, em Ceará-Mirim. Chegou a fazer audiência pública, em que os

meninos se colocaram lá. (Yemanjá)

Eu acredito que, de 2008 até 2014, 2015, a gente conseguiu alguns avanços, né? A

gente conseguiu por no papel a criação do Conselho Estadual de Juventude, o governo

do estado fez o termo de adesão do Plano, o governo do estado garantiu alguns

convênios importantes para esse público mais vulnerável... (Xangô)

O V Seminário Sobre Realidades Juvenis, em 2015, foi citado pelos participantes

como tendo a contribuição da Rede:

No ano seguinte (...), nós fizemos em Ceará-Mirim de novo um segundo Seminário de

Realidades Juvenis, só que, nesse, com uma mobilização maior. Nós fizemos dez

rodas de conversa, com dez grupos, antes do Seminário. Então, fizemos dez rodas de

conversa e depois a gente fez o Seminário. Então, teve uma divulgação muito maior,

um debate muito maior, com os grupos diferentes, e inclusive nós conseguimos ir aos

interiores, por exemplo, das cidades, nesse processo. (Oxalá)

O fomento de outras iniciativas em prol dos direitos da juventude também foi

considerado pelos entrevistados como resultados positivos alcançados pela atuação do

coletivo:

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Em Caicó, nós temos agora a Rede Juventude do Seridó, que também foi fruto da

Rede Juventude Viva, de trabalho e de parceria. (Iansã)

Ela foi muito importante inclusive para formação da Frente Potiguar contra a Redução

da Maioridade Penal. A experiência da Rede proporcionou a possibilidade de se

formar a Frente. (...) Ela foi muito importante, como já citei o exemplo, pra Pastoral da

Juventude. Ela foi muito importante no fortalecimento de outros coletivos e chamar

atenção para outros coletivos, para outros grupos, para outros movimentos, do

extermínio da juventude, sobretudo negra. (Ogum)

A Rede puxou o processo que deu origem à Frente. (Oxalá)

Nas duas últimas falas, é possível perceber um destaque para o surgimento da Frente

Potiguar Contra a Redução da Idade Penal, coletivo que foi criado após a tramitação da

Proposta de Emenda Constitucional 171 no Congresso Nacional, e que continua realizando

ações e apoiando outros coletivos na luta diante das diversas pautas que têm surgido desde

então.

Em resumo, o balanço geral de ações e resultados realizado pelos entrevistados é que:

Acho que a gente causou uma discussão sim, um incômodo nas gestões, porque

mesmo não tendo aderido, a gente deu visibilidade. (Iansã)

Acho que a Rede foi uma catalisadora, vamos dizer assim, de informação, de

formação, de capacitação e de organização e acho que cumpriu o papel dela. Eu acho

que ela cumpriu o papel dela quando se propôs a ser um espaço que concentrou o

debate sobre o extermínio da juventude negra no estado e subsidiou diversos outros

coletivos para que levassem esse debate para suas realidades. (Ogum)

No que se refere às ações de incidência política nos municípios de Ceará-Mirim,

Natal, Mossoró e São Gonçalo, os resultados citados pelos entrevistados são corroborados

pelo relatório da articuladora do Plano Juventude Viva cedido para esta pesquisa, que é um

documento oficial destinado ao Governo Federal. Mais uma vez, diante dessa intersecção de

informações e da natureza diversa dos demais resultados alcançados, fica evidente a

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importância de uma discussão que envolvesse a coexistência dos movimentos sociais e do

poder público no coletivo, e que passa por pensar a estrutura interna como um todo.

Todos os resultados positivos discutidos culminaram em um fato crucial: a experiência

da Rede Juventude Viva do RN como inspiração para a criação de redes de enfrentamento ao

genocídio da juventude semelhantes. Praticamente todos os participantes disseram que a Rede

era a única iniciativa no estado a adotar como pauta central a questão do genocídio da

juventude.

Eu acho que a Rede Juventude Viva, foi a rede que agregou... Porque, assim, em

relação à pauta política, especificamente, alguns partidos discutem isso, mas eles não

fazem disso a sua bandeira principal – como a Rede tinha isso como sua principal

bandeira. A nossa bandeira é acabar com o extermínio da juventude. Então, eu acho

que só a Rede Juventude Viva, no estado do Rio Grande do Norte, tinha isso como

central. (Oxalá)

A inspiração para a criação de redes com essa pauta central em outros estados residiu,

principalmente, no fato de, diferentemente do que estava previsto no Plano, ela ter consistido

numa rede real de enfrentamento ao genocídio da juventude, que não só divulgou ações como

as propôs.

O Rio Grande do Norte, ele foi referência nacionalmente, pra Secretaria Nacional de

Juventude, na atuação da Rede. Tanto que nós fomos para o Fórum Nacional de

Direitos Humanos, no final de 2013, levar a experiência. (Iansã)

E uma coisa que eu gostaria de registrar: nesta audiência que a gente conseguiu trazer

a articuladora para o Rio Grande do Norte, estava presente a Bahia e estava presente

Pernambuco. E lá, as instituições – lá em Brasília, eu tô falando –, e lá a gente pensou

nisso de estimular outros municípios e estados a terem Rede, então... (...) E a partir

daí, Pernambuco também teve uma articulação. Aí foi a Rede dos Jovens do Nordeste

que foi mais protagonista. Lá no interior da Bahia teve essa provocação, pra ter a Rede

Juventude Viva lá... Então, a gente acabou influenciando outros. (Nanã)

Por fim, frente a tantos resultados positivos, conquistados apesar de todas as inúmeras

dificuldades enfrentadas pelo coletivo, percebe-se o potencial de uma iniciativa como essa

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para o enfrentamento ao genocídio da juventude no Rio Grande do Norte. Assim, faz-se

importante empreender esforços para reviver de fato o coletivo, retornando às articulações,

reuniões e ações diversas ou, pelo menos, registrar a história e, portanto, manter viva a

memória da Rede para que suas experiências possam apontar reflexões, possibilidades de

atuação e caminhos de superação à realidade de genocídio e outras violações diversas dos

direitos das juventudes.

4.8. Desmobilização e esvaziamento da Rede Juventude Viva

Acompanhando a evolução das reuniões da RJV RN através dos registros fornecidos

pelo coletivo, é possível perceber um esvaziamento ao longo do tempo. Se a primeira reunião,

em 2013, pôde contar com a representação de mais de dez coletivos, ao longo do ano não

ocorreram mais reuniões. Como esse encontro data de abril de 2013, ou seja, é anterior ao IV

Seminário sobre Realidades Juvenis, tal ausência pode ser justificada pela movimentação em

prol do evento. Nesse sentido, Oxóssi afirmou: “A gente veio do boom da criação da Rede e

da emergência da luta contra o extermínio da juventude, e do caos do extermínio da juventude

aqui em nosso estado”.

Esse boom de que trata Oxóssi, no entanto, não se seguiu em 2014, ainda que se tenha

contado com a colaboração de uma articuladora específica para o RN do Plano Juventude

Viva a partir de junho desse ano. A ausência de registros de reuniões em 2014, assim como a

fala de um entrevistado, ilustra bem esse fato:

Com relação a gente estar menos organizado, quando a gente sai de 2013 e vai

entrando em 2014, a gente estava num ritmo de atuação e de organização muito

melhor. Quando vai chegando em 2014, a Rede vai, de certa forma, se

desestruturando. (Oxalá)

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No ano de 2015, a Rede realizou três reuniões e quatro rodas de conversa nas

comunidades, além de apoios pontuais em ações de outros coletivos. Porém, houve alta

rotatividade de membros nas reuniões de fevereiro e abril (muitos coletivos em ambas as

reuniões, mas em uma configuração muito diferente de uma para a outra) e a representação de

apenas três coletivos e quatro participantes na última reunião do ano. Corroborando com essa

realidade, em um registro de campo estava presente a discussão sobre a desarticulação do

coletivo, no que se refere a questões de organização interna e participação, chegando mesmo a

se discutir a continuidade ou não do movimento:

A reunião girou mais em torno das resoluções de reuniões anteriores que não foram

cumpridas, em especial o planejamento de um seminário da Rede para apresentação de

dados, discussão de identidades, objetivos e de uma agenda de ações. Tal momento

dependia de uma reunião interna dos integrantes do Comitê Operativo, o que não

ocorreu. Sendo assim, questionou-se se este grupo ainda tinha interesse de se manter

nessa função. (...) questionou-se se a própria Rede tinha interesse em continuar. Diante

desse quadro, reforçou-se novamente a importância de haver uma reunião desse

núcleo, abandonando-se momentaneamente a ideia de um grande seminário da Rede.

(Diário de campo 7)

Esse ano apareceu ainda em um dos discursos como o de maior desarticulação do

coletivo, como no exemplo:

Em 2015, ela já está bem mais desestruturada. E surge a Frente, e a gente se organiza

mais dentro da Frente Potiguar. As mudanças são essas – meio que uma dificuldade de

se organizar realmente. E um dos fatores básicos, assim, acho que é o contexto.

(Oxalá)

Em outras falas, o surgimento da Frente Potiguar Contra a Redução da Idade Penal

também foi relacionado à desmobilização e ao esvaziamento da RJV RN:

A Frente era maior do que a Rede – é maior do que a Rede –, mas o grupo que é a

Rede estava totalmente, cem por cento, dentro da Frente. Então, nós acabamos nos

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dedicando principalmente a essa temática, principalmente, na qual interrompemos

mais o debate com relação ao extermínio porque passamos a priorizar a pauta da

redução. (Oxalá)

Hoje em dia, a gente tá um pouco assim, na questão da redução da maioridade penal, e

praticamente todo mundo migrou para esse outro coletivo, então a Rede, de certa

forma, ela vem trabalhando mais no sentido da questão da redução. (...) Acabaram que

as pessoas migraram da Rede Juventude Viva para Frente do combate à redução.

Então, ficou muito focada neste debate (...) e acabou que foi deixando para trás,

digamos assim. (Oxum)

Assim como essa, outras pautas que emergiram no cenário político desde a criação da

Rede foram apontadas pelos participantes como tendo contribuído para o quadro de

desmobilização e esvaziamento desta iniciativa:

Fomos atropelados por uma série de questões de políticas públicas, de contexto

político, de contexto social, que não permitiram uma articulação adequada dos

coletivos. Não sei se os coletivos percebiam a força que a Rede poderia ter para a

juventude do Rio Grande do Norte, a juventude da região metropolitana. (Oxóssi)

Os participantes também atribuíram a estagnação da Rede à falta de comprometimento

dos gestores, como nos exemplos:

E as maiores dificuldades eu acho que passava por isso, que a gestão pública não se

comprometeu... Quando teve minimamente uma gestão que se comprometeu, mas foi

muito rápida, não durou (...). Você chama e parece que tá falando no vazio para os

gestores. Parece que... qual é a força que a gente tem? E a política da juventude, ela

ainda tão incipiente, tão recente, então é a primeira que é cortada em tudo, isso

desmobiliza. (Nanã)

Eu acredito que a Rede não soube lidar com frustrações ao longo do tempo, porque

não foi fácil garantir a pauta em muitos momentos. E a Rede recebeu “não” muitas

vezes, em relação à política de enfrentamento à violência contra a juventude. Então, a

cada vez que se ia pra uma audiência pública, com o secretário de juventude do

município de Natal, que ouvia ele dizer que ia aderir ao Plano Juventude Viva, três

meses depois a gente fazia outra audiência pública e ele dizia a mesma coisa (...).

Então, eu acho que a Rede foi percebendo, as pessoas foram percebendo, que não

existia vontade política em torno do tema, não existia também capacidade de palavra –

nem no município, nem no estado. (Yemanjá)

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Questionados sobre as dificuldades no trabalho da Rede, os participantes relataram

ainda o envolvimento em outras demandas, referentes ao cenário nacional:

Tem uma desmobilização agora, e eu acho que tem a ver com todo esse cenário

nacional mesmo. (...) A gente tem que ir pra rua, mas não pode perder de vista a

organização destes coletivos, para a gente não perder de vistas as nossas pautas. Se

não, a gente não vai pra rua levantando a pauta do enfrentamento ao extermínio, a

gente só vai falar contra a PEC 241. Mas a PEC 241, ela é promotora do extermínio da

juventude. (Nanã)

A Rede perde força no momento que os coletivos também perdem força. (Ogum)

A comunicação também foi destacada como uma dificuldade importante pelos

participantes:

Mas, assim, eu acho que o que também era difícil para a Rede – o que é difícil –, era a

gente não ter muitos espaços de comunicação. (...) Fizemos uma página, por exemplo,

da Rede, e que, por exemplo, não tinha ninguém que mantivesse essa página

funcionando, atualizando... né? (...). Pessoas pra fazer contato, por exemplo, com os

grupos... Era muito aquele negócio: “Fulano vai se responsabilizar e vai ligar”, e essa

pessoa ia tentando articular. E como a gente tá falando de uma pauta que disputa na

sociedade a opinião das pessoas, era bom que a gente tivesse uma forma de fazer

vídeo, uma forma de ter uma página que realmente funcionasse, um site ou um blog,

um canal no youtube, não sei... Algum meio de comunicação mais forte pra poder

concorrer com outras mídias que estavam exatamente criminalizando essa mesma

juventude que nós estávamos e estamos defendendo. (Oxalá)

Apesar de a gente ter o e-mail, mas a gente nunca soube ao certo quantas pessoas

tinham cadastradas ali, quantos e-mails estavam válidos ou não. Aí tinha o whatsapp,

que talvez nem todo mundo tivesse no grupo de whatsapp. Muitas pessoas colocavam

as questões ali naquele grupo: “gente, vamos nos reunir tal data?” – cinquenta pessoas

visualizavam, cinco respondiam... Então, é aquela coisa, a comunicação também foi

algo que não funcionou legal. Foi problemática. (Yemanjá)

Por fim, alguns problemas mais pontuais são levantados acerca da dinâmica da RJV

RN, como as disputas e desgastes entre os coletivos, a dificuldade de se travar o debate do

genocídio da juventude na sociedade e problemas com as lideranças do coletivo.

Questão de esvaziamento mesmo. E aí você passa por disputas e desgastes entre os

coletivos que, de certa forma, até desmotiva você tentar juntar de novo (...). (Oxum)

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A gente acredita que, não sei se era um debate muito novo, muito recente, se as

pessoas ainda não estavam convencidas, e a população que seria o público-alvo dos

programas e dos projetos ainda tinha dificuldade de encarar aqueles homicídios, e o

extermínio, né – porque tá acontecendo um verdadeiro extermínio –, como um

problema que o governo, o Estado e a própria juventude poderiam colaborar. Acho

que a gente teve dificuldade de chegar no público-alvo mesmo. (Xangô)

Limites, são os limites de liderança, né? Quem é que lidera? (...) Acompanhei nos

últimos tempos, uma dificuldade de se encontrar lideranças nessa Rede, né? Quem é

que lidera mesmo, quem é que coordena mesmo... esse babado aqui [risos]? E um

esvaziamento desse espaço da liderança, porque ninguém queria, né? Não, não quero

estar aqui... Centro Marista de Juventude já se distanciando desse processo – “não,

porque a gente tá aqui há muito tempo fazendo essa liderança, tá na hora de outra

organização assumir esse espaço” –, e nenhuma outra organização assumiu esse

espaço. (Yemanjá)

Acredita-se, porém, que apesar de consistirem em obstáculos à ação, boa parte desses

problemas poderia ser resolvida através do processo de reestruturação interna da RJV RN, não

configurando, portanto, impedimentos definitivos à atuação desse movimento.

4.9. Desafios frente ao cenário político atual

Uma vez esboçada pelos participantes a ideia de que o processo que levou ao atual

quadro de estagnação da RJV RN tem a ver com mudanças recentes no cenário político

nacional, cabe aqui discutir melhor cada um desses marcos, e em que medida influenciaram a

dinâmica do coletivo investigado. O primeiro fato elencado pelos participantes foi o processo

eleitoral de 2014:

A Rede é criada, a gente tava na véspera de uma eleição no Brasil, que foi muito

acirrada, e que de lá pra cá desencadeou uma onda, uma conjuntura que traz uma onda

conservadora muito forte, que ocasionou tudo que temos vivido nos últimos meses.

(Ogum)

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Muita gente da Rede entende que é necessário fazer campanha. Temos que nos

organizar pra fazer, temos que dedicar nosso tempo pra fazer campanha, por exemplo.

2014, já no final. (Oxalá)

Conforme já foi discutido, boa parte dos entrevistados da RJV RN era de

representantes de mandatos, filiados ao Partido dos Trabalhadores. Assim, boa parte da Rede

esteve envolvida durante o ano de 2014 nas eleições presidenciais e, consequentemente, na

manutenção do Plano Juventude Viva, criado durante o primeiro mandato da presidenta Dilma

Rousseff. Conforme sinalizado por Ogum, no entanto, uma onda conservadora ganhou força

desde então, e trouxe consigo (em 2015) a já discutida pauta da redução da maioridade penal.

Nesse mesmo ano, o estado ganha uma Secretaria de Juventude independente. No entanto, o

que deveria ser um fator positivo para a Rede, também traz consequências:

Em 2015, a gente tem a formação da Secretaria Estadual de Juventude – que o estado

não tinha, né, a extraordinária –, alguns membros da Rede vão participar da Secretaria

e isso dá uma esvaziada na Rede. E o trabalho institucional da Secretaria, de certa

forma, representa um pouco do pensamento da Rede. Então, ela meio que se... Uma

parte vai pra lá e depois a gente não consegue tanto se rearticular. (Oxalá)

Apesar da presença de membros da SEJURN na Rede, contribuindo nas diversas

ações, tratada em tópicos anteriores, a falta de compromisso do Governo do estado com o

enfrentamento ao genocídio da juventude potiguar revelou-se um obstáculo decisivo ao

trabalho da RJV RN:

Aí, o que aconteceu também é que, diante do quadro que era tão desolador, de uma

Secretaria que praticamente não existia, demorou-se muito também (...), acho que mais

de um ano, se eu não me engano, para o cara finalmente aderir ao Plano Juventude

Viva. Mais de um ano para o cara aderir ao Plano Juventude Viva – o governo do

estado aderir ao Plano. (Yemanjá)

Outro obstáculo elencado em 2015, por uma participante, é relativo a mudanças

ocorridas na Secretaria Nacional de Juventude.

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Não ter mais uma articuladora no estado, né? Que isso não foi só agora. Já tem um

período – foi nas mudanças de uma gestão ainda do PT, na Secretaria Nacional da

Juventude, (...) levou um ano reavaliando, fazendo mudanças no Programa. Eu

considero que eram mudanças também interessantes de incorporar, mas você não pode

fazer a mudança e parar as coisas, tem que fazer e continuar. Então, eu acho que

atrapalhou um pouquinho. Isso desestimula, né? (Nanã)

Já no ano de 2016, ocorre uma mudança de gestão na SEJURN, que também foi

elencada pelos entrevistados como algo negativo.

Porém, com as mudanças de conjuntura política, hoje a gente tem uma Secretaria

esvaziada, que é uma secretária que é nomeada, mas não frequenta, um governo que

não dialoga com a juventude... E também, assim, há rumores que vai fechar a

Secretaria Estadual, mas não se fecha. É só um espaço físico que existe, sem os

recursos humanos para poder dar continuidade ao trabalho que foi iniciado. (Iansã)

Perdemos um espaço que nós tínhamos conquistado no governo. Isso não é tudo, mas

é ruim, então eu acho que tudo isso impacta na Rede como impacta nos movimentos. (Ogum)

Em agosto de 2016, foi aprovado o afastamento definitivo de Dilma Rousseff da

Presidência da República. O golpe midiático jurídico e parlamentar foi um atentado contra a

democracia bastante enfatizado pelos participantes.

Eu acho que o limite maior é esse, do impacto das mudanças nacionais, do impacto do

Golpe, um limite grande. E o tamanho, as pernas dos movimentos para enfrentar tantas

lutas ao mesmo tempo. E aí, eu acho que, às vezes, dificultou para poder enfrentar

mesmo no estado, né, e poder fazer com que a Rede funcionasse, a gente se atolando

com tantas lutas... (Nanã)

Eu acredito que, por exemplo, a gente tá vivenciando um desmonte não só das

políticas públicas. Iniciou a partir do golpe um desmonte das políticas públicas e agora

tá tendo o desmonte do Estado como um todo, né? Os ministérios estão passando por

alterações e eu acredito que essa nova gestão não vai ter esse compromisso com a

juventude periférica, com os mais pobres, com a juventude negra... Acho que vai

dificultar muito. (Xangô)

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O vice de Dilma Rousseff, Michel Temer, assumiu a presidência do país e deu início à

implementação de uma série de medidas que, entre outros propósitos, visam reduzir os gastos

com o bem-estar da população (saúde, educação, assistência social, previdência, etc.) e

investir cada vez mais na expansão da iniciativa privada no país. Sobre o impacto dessas

medidas, a relação entre as novas pautas que emergem daí e a estagnação da RJV RN, os

entrevistados afirmaram:

como eu falei, a gente lutava pela pauta de pessoas que não foram ainda abrangidas

pelos direitos – que estão à margem da sociedade, exatamente porque eles estão à

margem dos direitos constitucionais. E nesse momento, até os direitos constitucionais

de quem não estava à margem estão ameaçados também, né? Na verdade, a própria

Constituição está sendo questionada. (...) Isso também nos obriga a fazer a defesa

também dos direitos existentes. Então, além dos direitos de quem nunca teve, os

direitos de quem já tem. E isso faz com que a gente, de certa forma, se divida. Por isso

que eu digo que é um limite, porque a gente se divide nesse trabalho. A gente não

pode focar no trabalho que a Rede fazia, apenas. A gente tem outra demanda pra dar

conta. (Oxalá)

A conjuntura que a gente está vivendo deu um cavalo de pau em tudo o que a gente

tava fazendo e está acontecendo um verdadeiro retrocesso em todas as políticas

públicas. E se a política pública de juventude era frágil naquele período, agora vai se

tornar ainda mais. A gente vê que políticas de saúde e educação sendo comprometidas,

né? Imagine a de juventude, que ainda é uma área muito recente e que não tinha tanta

estrutura. (Xangô)

O elemento principal a que se referiam os entrevistados, nesses trechos, era a PEC

241, que prevê corte de gastos durante uma década nas áreas de saúde, educação e assistência

social. Essa proposta suscitou grande mobilização popular em âmbito nacional, inclusive

motivando jovens a ocuparem suas escolas pelo direito de estudar. É possível perceber, nesses

discursos, que as medidas conservadoras tomadas pelo atual governo foram diversas e

afetaram todos os âmbitos da vida da população mais pobre, o que levará, entre outros

problemas, em pouco tempo, a um quadro muito pior de genocídio de jovens do que o que já

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foi visto até então. O surgimento de muitas pautas a serem disputadas e a descrença e

desmotivação diante do cenário geral do país ficaram evidentes nas falas.

4.10. Apontando para novos horizontes: as ocupações e outras possibilidades de

resistência

Apesar de todos os obstáculos à retomada da Rede, incluindo o descompromisso dos

diversos gestores, nas esferas federal, estadual e municipal, para com a juventude brasileira,

todos os entrevistados puderam apontar caminhos e possibilidades de superação, tanto no que

se refere ao quadro de estagnação da RJV RN quanto ao quadro de genocídio da juventude no

país. Relativo ao primeiro caso, algumas visões apontaram para a necessidade de tomar a

iniciativa de retornar às atividades, ressaltando a importância da Rede para contribuir no

enfrentamento às pautas surgidas na atual conjuntura:

Acho que a principal possibilidade que ela traz, do que propõe para a sociedade, é a de

organização coletiva e de coletivos. Não só no sentido de debater o extermínio da

juventude, porque isso a gente já vem debatendo, mas de organização com foco em

recobrar as energias, em refazer as pautas de luta, ou reafirmar as pautas de luta (...).

Eu acho que a Rede pode ser este espaço, pode ser um espaço onde a gente socialize as

tristezas e sofrimentos e a gente reafirme nossas lutas, e possamos juntos reafirmar

aquilo que nos alimenta e nos anima para a caminhada. (Ogum)

É, se ela fosse voltar agora, em termos de possibilidades? Inúmeras, tendo em vista a

atual conjuntura que nós temos, né? Mais do que nunca precisamos, precisaríamos,

nos articular novamente em relação à Rede Juventude Viva, na luta por nenhum direito

a menos, na luta contra o extermínio da juventude, na luta pela educação, na série de

lutas que temos aí na conjuntura atual. (Oxóssi)

Dentre as possibilidades de inserção da Rede, as ocupações surgiram em muitos

discursos:

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As possibilidades que têm pra Rede hoje, acredito, estão nas ocupações. Porque as

ocupações, elas trazem um novo corpo de pessoas, de jovens, pra o debate da vida

política no país, da situação da própria juventude. Então, esses jovens que agora estão

mobilizados por essa questão da defesa de suas escolas, da defesa da educação, eles

podem depois discutir também o extermínio, eles podem depois discutir a redução. (...)

Emerge, nesse cenário, a periferia. O aluno do Anísio Teixeira que ocupa a escola, o

aluno do Ana Júlia que ocupa a escola hoje, ele é o aluno da periferia, ele é o jovem

que está morrendo. E ele, nesse cenário, agora, tem pelo menos a novidade de que ele

se levantou. Ele está dizendo que ele quer a escola dele. Ele está dizendo que merece

ser respeitado. (Oxalá)

Acho que a gente está no momento propicio para tentar se rearticular, né, frente aos

retrocessos que a gente vem sofrendo. Isso vai impactar diretamente a vida da

juventude, né? Quando você passa por uma reforma do Ensino Médio e aí vai

favorecer a uma classe, e a população mais pobre vai ficar bastante fragilizada na

questão da educação, com os cortes de verbas para gastos da saúde e educação...

Então, talvez fosse o momento para tentar essa mínima articulação e aí potencializar

aquilo que de certa forma ficou parado. (Oxum)

Assim, a mesma conjuntura que foi apontada como entrave à continuidade e/ou

retomada da Rede, emerge nessas falas como terreno fértil em possibilidades de ação para a

RJV RN. Diante de tal capacidade de vislumbrar caminhos de atuação para esta iniciativa, por

parte de seus participantes, e da continuidade de outros coletivos (como a Frente Potiguar

contra a Redução), nas lutas frente à atual conjuntura, o que se pode perceber é que esta, por

si só, não explica a desmobilização, o esvaziamento e a estagnação da Rede. Visto de outra

forma, se deparar com tantas mudanças políticas negativas foi apenas o estopim para que a

Rede, que já carregava diversas lacunas internas, tensões e dificuldades na organização, tenha

se desarticulado.

Outras possibilidades, relacionadas à retomada dos contatos e participação nas

Conferências de Juventude, às lutas já iniciadas pela Rede – como a implementação do

Conselho Estadual de Juventude e a utilização de recursos conseguidos através do Plano

Juventude Viva – e ao surgimento de novas lideranças, também foram ressaltadas por alguns

entrevistados:

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Eu acho que o trabalho é interno mesmo agora, né? A gente dialogar com as redes que

a gente conhece, com as bases, voltar com os articuladores que tinham dentro da Rede

Juventude Viva. Agora é retomar e ver se a sociedade consegue ir subindo. Em termo

de gestão... É pressionar, o que a gente pode fazer é pressionar. (Iansã)

A gente existe virtualmente, né? Este é um caminho. Ainda não acabou totalmente, de

vez em quando alguém socializa alguma informação, ou os membros da Rede

participam de alguma ação. Então, já tem uma semente ali. Eu acho que a gente

poderia levantar as coisas que existem, minimamente. Por exemplo: a gente poderia

brigar para o Conselho Estadual ser implementado. (Nanã)

E as possibilidades é a organização, né, a juventude se manter organizada. Eu acho

que as conferências... (Xangô)

Algumas pessoas que estavam nesse processo eram pessoas jovens e falavam enquanto

jovens – que não são mais. Então, também precisa nascer aí, nesse processo, novas

lideranças. Novas lideranças jovens, que possam vir a falar, enquanto jovens, sobre

essas demandas do enfrentamento à violência contra a juventude. (Yemanjá)

Acerca da última fala, das lideranças, a entrevistada ressaltou ainda:

As possibilidades são várias. Como eu tava falando: a pauta não foi superada, porque

os jovens continuam morrendo e em número maior do que morriam antes. Os números

não param de crescer. Então, nessa perspectiva da superação, da transformação, a

gente não alcançou. Então, a pauta continua aí e ela continua muito viva, muito forte.

(...) Muitos grupos aí na cidade, muito jovens envolvidos com grupos na periferia, seja

de skatistas, seja de rappers, seja de futebol, muitos jovens organizados em várias

perspectivas. Uma perspectiva de movimento feminista que também tem se fortalecido

na cidade. (...) Então, essas são as possibilidades que eu vejo. De agregar vários

grupos, várias organizações, de aproveitar essas várias pautas que estão na cidade,

aliadas a essa pauta do enfrentamento à violência contra a juventude negra. (Yemanjá)

Solicitados na entrevista a apontar caminhos num cenário macro – ou seja, envolvendo

as diversas esferas da sociedade – para a superação da realidade nacional de genocídio de

jovens, os participantes destacaram:

É, eu acho que tem que ter o investimento de políticas públicas na base, pensando nas

crianças, além do suporte para as mães que perdem os seus filhos, para as mulheres

jovens que ficam nas periferias, viúvas... (...) E os jovens de terreiro, com a

intolerância religiosa, também é um aspecto muito forte de extermínio e ninguém fala

muito. A LGBTfobia – porque, se ele é negro e ele é da comunidade LGBT, as

chances de ele morrer ainda aumentam –, se ele é de terreiros ou de religião de matriz

africana... Então, é preciso pautar o respeito. (...) No meio disso tudo aconteceram as

Conferências. (...) Então, não perder estes espaços. (Nanã)

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Eu acho que um caminho que a gente não pode abrir mão dele é o da denúncia. É o

primeiro ponto, não podemos nos calar. (...) Eu continuo acreditando, eu continuo

acreditando no poder de transformação na sociedade através da cultura, eu continuo

acreditando na transformação da sociedade através das comunidades, eu continuo

acreditando na educação popular, nessas outras maneiras de se formar o ser humano e

se desenvolver a sociedade. (...) É a gente permanecer insistindo no que a gente já

insiste, denunciando o que a gente já denuncia, não concordando e não compactuando

com as práticas que alimentem estes extermínios, ou esta realidade de extermínio da

juventude, seja ela letal, seja ela indireta, seja ela simbólica, pois quando a gente nega

o acesso à cultura, ao lazer, aos diretos que são básicos, a gente que extermina.

(Ogum)

Então, essa sociedade que está aí precisa de uma reforma do Estado. E essa reforma

passa por aumentar os investimentos – aumentar de forma rápida e com os valores

bem maiores do que os que a gente tinha e tem de investimento – nas políticas

públicas, o estabelecimento real de um estado de bem-estar social, uma reforma na

comunicação, pra que a gente possa ter uma nova visão sobre a juventude periférica,

especificamente, que ela não é uma juventude criminosa, que ela não é uma juventude

vagabunda. Porque essa é a imagem que é vendida dessa juventude. E a proibição

desse tipo de programa que faz... que cria isso, que cultiva essa imagem que

desrespeita os jovens, os direitos da juventude. O cumprimento, na verdade, do que

está estabelecido na Constituição de 1988, na prática. É botar em prática isso, em

todos os sentidos, eu acho. (Oxalá)

Nessas falas, destaca-se a importância atribuída às políticas públicas para a promoção

dos direitos da juventude e resolução dos problemas que a afetam. A discussão dos limites e

possibilidades de enfrentamento ao extermínio da juventude nessa esfera institucional serão

mais bem discutidos na seção seguinte. Alguns discursos, no entanto, vão ao encontro das

disputas de opinião, como nos exemplos abaixo:

É, a gente não pode deixar morrer a discussão sobre a desmilitarização, que é uma

discussão, acredito, que é muito espinhosa, mas ela é necessária. (...) Porque aliada a

ela vem a fala sobre a formação dessas polícias, dessa formação desse aparelho de

controle e repressão da sociedade, que a gente tem e que é a mão forte de poder, e a

gente tá vendo quanto isso está cada vez mais intenso. (...) A gente não pode deixar

morrer a articulação de possibilidades dos pequenos grupos, em qualquer espaço que

seja: nas escolas, nas igrejas, nos bairros, nestes espaços culturais, espaços esportivos,

que são articulações necessárias. E a gente precisa cada vez mais se inserir lá onde a

coisa acontece, na Câmara dos Vereadores, na Assembleia Legislativa, sabe? É

necessário cada vez mais peitar esta turma no sentido de “peraí, não é assim”. (Oxóssi)

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Eu acredito que se a gente começar a mudar um pouco o processo de educação (...). E

agora quando a gente tava vendo um ensaio democrático, volta esse período de

censura, o processo da Lei da Mordaça – Escola sem Partido, né – isso vai prejudicar e

muito esse processo. Eu acho que se o governo e o Poder Legislativo começou a

identificar essas manifestações mais de democracia, de participação, e tiveram essa

iniciativa de criar esses projetos, foi exatamente porque eles estão sentindo que o povo

começou a se organizar, né? E quando o povo começa a se movimentar, a elite, os

poderosos, quem tá lá na elite dos poderes Judiciário e Legislativo, começa a tomar

medidas contra reformas. (Xangô)

Olha, a única coisa que eu vislumbro, que realmente eu acredito que vá dirimir ou

acabar isso, seria um mundo sem desigualdade. E um mundo sem desigualdade, seria

um mundo inclusive sem desigualdade racial. Porque eu não acredito que seja uma

questão só de classe – que os jovens morrem porque são pobres e moram na periferia.

Eles morrem porque são negros, além de tudo, e ainda são pobres e moram na

periferia, né? O que piora um pouco a situação. Então, essa questão da violência

contra a juventude, ela tem um fundo da desigualdade brasileira – que tem a questão

de classe, a questão de raça e a questão de gênero imbuída aí. E só vai ser vencida,

dirimida, se um dia a gente tiver um projeto de sociedade livre de tudo isso. (Yemanjá)

Essas falas apontam para a necessidade de processos que visem mudanças sociais mais

profundas - portanto, mais lentas em sua concretização – por meio da educação e pautadas no

fim das várias formas de opressão existentes em nossa sociedade. Propostas como essas,

melhor discutidas a seguir, corroboram com a visão de mundo que embasa este trabalho.

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5. Apontamentos à luz da teoria

Em primeiro lugar, concorda-se com Galvão (2011), que afirma que, para uma crítica

e adequada análise dos movimentos sociais, é preciso verificar as relações entre discurso e

prática, as formas de participação, os processos de tomada de decisão, os graus de

burocratização e apego dos líderes ao poder, os encaminhamentos tomados e o nível de

cumprimento desses e de outras resoluções nesses grupos. A fim de investigar alguns desses

fatores, inicialmente foram analisados os elementos disparadores – as condições de

surgimento – da Rede.

O primeiro deles foi a pressão exercida pelos índices alarmantes de homicídios contra

a juventude, principalmente negra, pobre e periférica. O fato de esse ser o motivo principal

para a criação da Rede – e de muitos outros movimentos e iniciativas em âmbito nacional –

reforça a ideia de que mesmo os movimentos que não têm a luta contra o núcleo do

capitalismo como proposição direta e/ou imediata refletem em sua atuação o antagonismo de

classes, na medida em que visam combater problemas sociais decorrentes da contradição entre

capital e trabalho, como é o exemplo do genocídio à juventude negra.

Vale ressaltar, no entanto, que uma vez que integra o funcionamento do sistema

capitalista, tal fenômeno não pode ser suprimido completamente enquanto esse modo de

produção existir. Nesse sentido, mesmo os governos mais progressistas seriam capazes apenas

de “mitigar” o genocídio de jovens, por meio de suas políticas e ações. De todo modo, ainda

que operando dentro dos limites do sistema, são medidas importantes principalmente pelo fato

de pouparem vidas – ainda que essas já tenham sido ceifadas simbolicamente. Essas

considerações conduzem à análise do segundo elemento disparador para o surgimento da

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Rede: a criação, pelo Governo Federal, durante o primeiro mandato da presidenta Dilma

Rousseff, do Plano Juventude Viva, em 2013.

Esse elemento, por sua vez, coloca-nos diante da complexidade da relação entre os

movimentos sociais e o Estado. De acordo com Gohn (2010, p. 58):

Em tese, na democracia deliberativa a participação de representantes da sociedade

civil joga um papel ambíguo por ser fonte de pressão – por meio de demandas e

movimentos – e precisar responder também por um ativismo propositivo, organizado,

ordenado segundo regras institucionalizadas, nos conselhos e fóruns participativos

criados pelo Estado, por exemplo.

Tal afirmação ajuda a elucidar alguns aspectos sobre a RJV RN. Na medida em que o

Plano já previa uma ordem de etapas a serem cumpridas – inclusive a própria constituição de

uma Rede Juventude Viva virtual para a divulgação de informações, com a participação de

membros não ligados ao poder público –, tomar como norte essa política implicava em atuar

em espaços de participação preestabelecidos. São as “regras institucionalizadas” das quais

trata Gohn (2010) na citação anterior.

Da mesma forma, a Rede desempenhou o outro papel destacado por essa autora e,

partindo de suas próprias demandas, constituiu-se como iniciativa real, não se limitando a

realizar as ações de pressão pela adesão e implementação do PJV junto aos gestores locais,

mas propondo e desenvolvendo novas ações, a partir de estratégias próprias. Foi como fruto

dessa configuração singular que a Rede alcançou o que se considera, aqui, seu maior

resultado: ter servido como inspiração para a criação de outras redes semelhantes de

enfrentamento ao genocídio de jovens. É nesse sentido que se afirma que os movimentos

produzem saberes e inovações em nossa sociedade, que por sua vez respondem a como eles se

articulam na prática e à conjuntura que estão questionando com sua atuação (Gohn, 2011).

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Tem-se ainda, concordando com Frank e Fuentes (1989), que o poder social é exercido

e gerado pelos movimentos sociais através de suas mobilizações e participantes – e não como

fruto de alguma instituição –, no sentido de confrontar o poder estatal para alterar o poder

político. Assim, a preocupação inicial contida no questionamento de um dos participantes,

acerca da utilização do nome e da logo institucional do PJV, reflete a tensão entre confrontar

o poder estatal ou agir em conformidade com este, não podendo, no último caso, alterar de

fato o poder político, como proposto pelos autores citados.

Cabe esclarecer que a defesa do confronto ao poder estatal não implica em estar contra

o Estado, lembrando que – apoiando-se em uma concepção gramsciana – a sociedade civil é

parte desse. Importa ainda, concordando com Montaño (2010, p. 276), reconhecer as lutas em

que os movimentos sociais se envolvem como sendo “na sociedade civil”, e não “da

sociedade civil” – dado o seu caráter de espaço de disputas, e não de sujeito delas –, evitando-

se, com isso, a “santificação” desta esfera e a “satanização” do Estado (p. 274).

A desmotivação dos participantes a continuar atuando no coletivo, devido ao não

comprometimento dos gestores em aderir ao Plano, a coincidência entre a paralisação das

atividades dessa política e o período de desmobilização e esvaziamento da Rede, bem como a

dificuldade de retomada do coletivo após a deposição da presidenta Dilma Rousseff por meio

de golpe parlamentar – elementos elencados pelos participantes – são exemplos de que o peso

maior depositado em ações que envolviam a colaboração do poder público consistiu em

elemento crucial à estagnação do movimento. Nesse sentido, diante da continuidade e do

agravamento dos índices de homicídios contra os jovens local e nacionalmente, cabe

questionar se não havia outros caminhos de atuação para a RJV RN no enfrentamento ao

genocídio da juventude, que não as formas diretamente apoiadas nas instituições e políticas do

poder público.

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Partindo desse questionamento, o que se pôde perceber nos resultados é que, se por um

lado, a atuação da Rede centrada no propósito de adesão e implementação do Plano pelos

municípios – a fim de obter recursos, programas e expandir as ações de enfrentamento a todo

o estado – teve seus objetivos frustrados, por outro, essas não foram as únicas ações realizadas

pelo coletivo. Rodas de conversa e oficinas nas comunidades são exemplos de atividades

desenvolvidas pela RJV RN que ultrapassaram a vinculação entre esse coletivo e o PJV.

A coexistência de dois caminhos tão diferentes de atuação refletiu divergências nos

discursos dos participantes. Para alguns entrevistados, tais momentos formativos

contemplavam os objetivos do coletivo, enquanto para outros consistiam em situações

pontuais, emergenciais, com a finalidade de reoxigenação da RJV RN. Segundo Gohn (2000),

tais conflitos internos são considerados comuns dentro dos movimentos sociais, que, embora

criem no imaginário social uma visão de um todo, de unicidade, pelas práticas que

desenvolvem nos diversos espaços, nem sempre são harmoniosos e homogêneos.

Boa parte desses conflitos está relacionada à identidade da RJV RN, sobre a qual

foram encontradas novas incongruências nas falas dos participantes, identificando a Rede ora

como composta por movimentos e iniciativas não ligadas ao poder público, ou como mescla

dessa composição, ora como subordinada à política. Gohn (2010), ao tratar da construção da

identidade política de um movimento, afirma não ser algo dado a priori, de “cima para baixo”,

mas que vai sendo criado a partir de suas necessidades e desejos, modificando-se junto com as

ações, tomando como base suas referências nesse processo.

Afora essa característica geral, Silva (2015) permite fazer um comparativo entre a RJV

RN e a Articulação Potiguar de Juventudes. No seu estudo, é possível perceber que a segunda,

diferentemente da primeira, discutiu e registrou aspectos da sua identidade, objetivos e outros

fatores de sua organização interna, além das ações realizadas e conquistas.

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Assim, ainda que os movimentos apresentem um caráter processual e dinâmico na

construção de suas identidades, isso não impede que realizem a discussão, o registro e a

organização de informações históricas importantes acerca de si mesmos. De acordo com

Galvão (2011), tais deficiências organizativas, entre outros elementos, dificultam a

constituição dos movimentos sociais.

Não obstante as lacunas internas existentes na Rede, na representação dos

participantes em ações registradas nos diários de campo, nas atas de reuniões, no próprio

Núcleo Operativo, bem como indicado pela maioria das falas, a RJV RN se revelou mista,

composta por representantes de movimentos juvenis, do poder público e de uma organização

do “terceiro setor”. De acordo com Frank e Fuentes (1989), “um dos principais problemas de

e com os movimentos sociais é sua coexistência com Estados nacionais, suas instituições,

processos e partidos políticos” (p. 36). Discorda-se dessa afirmação na medida em que aponta

tal coexistência, por si só, como problemática. No entanto, levando em consideração a

diversidade de projetos políticos e ideologias nas organizações mediadoras da ação das

classes dominadas (Galvão, 2011), que acompanhou também toda a existência da RJV RN,

desde a sua oficialização no IV Seminário Sobre Realidades Juvenis,defende-se que a não

discussão interna desses elementos e dos papéis desempenhados pelas iniciativas envolvidas

dificultam a atuação e, por vezes, impedem a continuidade do coletivo.

A realização desse evento foi o terceiro elemento importante para o surgimento da

RJV RN. Nele, destacaram-se dois atores fundamentais: o coletivo Articulação Potiguar de

Juventudes, que “transferiu” sua composição mista de movimentos sociais e representantes do

poder público, por meio da assinatura da maioria desses atores em uma carta de fundação da

Rede, para o novo coletivo; e o Centro Marista de Juventude, que tendo subsidiado boa parte

da infraestrutura e organização do Seminário, desempenhou forte liderança na Rede, desde a

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leitura da carta, até ceder o espaço para as reuniões, coordená-las, etc. Apesar de ter sido

fundamental no seu processo de constituição, a atuação da APJ não foi mencionada nos dados

relativos a outras atividades da RJV RN. O CMJ, por sua vez, foi atuante desde o surgimento

da Rede até a sua estagnação, razão pela qual será dada maior enfoque a essa iniciativa.

Em primeiro lugar, partindo do critério geral de organização que utiliza recursos

privados para a realização de serviços públicos, o CMJ pode ser enquadrado como iniciativa

do “terceiro setor”. Esse âmbito, por sua vez, é apontado por Montaño (2010) como fruto de

um debate produzido “no interior dos interesses do grande capital” e “inteiramente funcional

ao projeto neoliberal” (p. 17). Como descrito em seção anterior sobre a sociedade civil, as

organizações do “terceiro setor” no país vinham, desde os anos 1990, destacando-se em

comparação aos movimentos sociais, ganhando destes em termos de adesão e credibilidade

por parte da população. Esse processo, por sua vez, levou essas organizações a adotarem o

papel de mediadoras entre as demandas dos movimentos e o poder público, o que alterou a

dimensão reivindicatória desses, transformando-a no estabelecimento de parcerias e

negociações em prol de supostos “interesses comuns” (Montaño, 2010).

O caso da liderança assumida, em muitos momentos, pelo CMJ, no entanto, seguiu

uma lógica diferente dessa, na medida em que buscou manter a Rede viva diante das

dificuldades enfrentadas, sem perder de vista a preocupação com a representatividade do

coletivo – necessidade essa partilhada pelos demais membros do grupo.

A exemplo disso, percebe-se que o coletivo buscou sua reoxigenação por meio de

rodas de conversa sobre a relação entre a redução da maioridade penal e o genocídio de

jovens em quatro comunidades de Natal. Utilizando a urgência – diante dos vários processos

de votação da PEC 171 – em disputar a opinião da sociedade para se posicionar

contrariamente à redução, a Rede tinha como objetivo atrair um novo corpo de jovens negros

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e negras da periferia, que pudessem vir a assumir a liderança do coletivo. Assim, na

contramão da onda de organizações do “terceiro setor” atuando na mediação das demandas

dos movimentos historicamente vista no Brasil, o CMJ contribuiu com o papel apontado por

Montaño (2010) como mais adequado a esse tipo de iniciativa: de suporte para a atuação dos

movimentos sociais. Esse papel também fica evidente na seguinte proposição acerca dos

movimentos juvenis:

As dificuldades de constituição da ação coletiva juvenil são muitas e tendem a serem

atenuadas quando encontram uma rede de proteção e apoio, seja de ONGs, seja de

políticas públicas, o que aponta para a importância crucial da sociedade reconhecer a

juventude como detentora de direitos, possibilitando que as coletividades juvenis

sejam atores na inovação política e social da sociedade contemporânea. (Dayrell &

Carrano, 2003, p. 26)

Contrastando com a forte presença dessa organização e da representação do poder

público por intermédio de mandatos e da Secretaria Estadual de Juventude, manteve-se a fraca

representação de jovens e de movimentos juvenis na Rede – apesar dos esforços

empreendidos no sentido de reverter essa situação. De acordo com Frank e Fuentes (1989),

enquanto luta contra a opressão, o movimento também permite reafirmar uma identidade de

“nós” a quem essa opressão se direciona. Essa reafirmação de identidade e, portanto, a própria

luta da RJV RN, ficaram prejudicadas diante do quadro de baixa participação, representação e

representatividade apresentados.

Esses, entre outros já citados, fatores de organização interna, bem como a existência

de problemas relativos à comunicação entre membros e com outras iniciativas, contribuíram

para compor a desmobilização (redução drástica das ações e reuniões) e o esvaziamento

(número muito reduzido de membros e organizações representadas) da Rede. Sobre isso, cabe

destacar o caráter cíclico dos movimentos, respondendo a circunstâncias e flutuações políticas

e econômicas, fazendo com que desapareçam em função da extinção de sua reivindicação

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principal ou da institucionalização de sua ação, da sua transformação em outros movimentos

com novas reivindicações, ou do enfraquecimento a partir da diminuição da capacidade de

mobilizar pessoas (Frank & Fuentes, 1989). Os dois últimos casos, portanto, se aplicam à

Rede em questão.

Ainda que todos esses obstáculos tenham levado os participantes a pensarem em um

processo de discussão, reflexão e reestruturação internas da RJV RN, observou-se que tal

empreitada foi dificultada, principalmente, pela necessidade de envolvimento dos

participantes nos conflitos sociais – definidos por Galvão (2011, p. 112) como “a

manifestação de contradições estruturais, agravadas por problemas conjunturais” –

emergentes no cenário nacional. Ainda assim, os entrevistados enfatizaram a importância de

retomar a RJV RN diante da crescente realidade de genocídio, bem como apontaram a

possibilidade de sua rearticulação a partir dos espaços de luta frente à atual conjuntura política

nacional, como a inserção nas ocupações das escolas.

Essa rearticulação, no entanto, caso ocorra, exige a atuação da Rede nos diversos

espaços de lutas sociais emergentes nesse contexto. De acordo com Montaño (2010), a

riqueza do processo de convulsão de lutas heterogêneas dentro da ordem capitalista só pode

ser apreendida com a articulação dessas, desde que mantendo a centralidade nas contradições

de classe. Na mesma direção, Galvão (2011) aponta para a necessidade de, paralelamente,

reconhecer a pluralidade e heterogeneidade dos grupos que se mobilizam e buscar a aliança e

a unidade em uma estratégia comum.

Utilizando essas afirmações, tem-se, ainda, que a atuação da Rede nesta nova

configuração política e social necessitaria demonstrar, no discurso e na prática, as relações

existentes entre extermínio da juventude e redução da maioridade penal, cortes de gastos com

serviços básicos para a população, desmonte dos aparelhos institucionais de juventude, entre

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outras pautas emergentes, conforme já esboçado pelos entrevistados. Ainda nessa linha de

pensamento, faz-se necessário recontatar antigos parceiros e fazer novas alianças, tomando

como base a ampla lista de iniciativas de/para/com juventudes, elencadas pelos participantes

da Rede, como potencialmente capazes de contribuir no enfrentamento ao genocídio de jovens

e/ou na efetivação dos direitos das juventudes de maneira geral.

Ainda a critério de garimpar caminhos de atuação e, portanto, possibilidades de

resistência para a RJV RN, faz-se importante relembrar o fato, trazido por boa parte dos

participantes, de que a estratégia de multiplicação dos debates e núcleos da Rede foi a que

conseguiu maiores resultados em termos de alcance territorial das ações – pelo menos no que

tange à disputa de opiniões a favor dos direitos da juventude junto à população local. Isso já

nos dá alguns indícios do potencial dessas ações no enfrentamento ao genocídio da juventude.

De acordo com Frank e Fuentes (1989), a percepção da incapacidade – e muitas vezes da

vontade – do Estado, suas políticas e instituições em resolver os problemas trazidos pelas

forças econômicas, tem sido crescente entre as pessoas e leva ao surgimento de movimentos

locais como estratégias das comunidades para protegerem seus cidadãos.

Importa destacar também que tal estratégia foi operacionalizada por meio de

atividades de cunho formativo, semelhantes às já citadas rodas de conversa acerca da relação

entre a redução da maioridade penal e o genocídio de jovens, realizadas em comunidades da

capital norte-rio-grandense. Outra contribuição do desenvolvimento de ações como essas

pelos movimentos sociais está, de acordo com Gohn (2011), em manter o sentimento de

participação social de seus participantes ativos, fazendo aqueles que eram excluídos se

sentirem incluídos nesse processo.

Vale ressaltar que, de modo geral, os movimentos deixam, em sua maioria, poucas

marcas acumulativas na história, não conseguindo cumprir tudo o que se propunham a fazer

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(Frank & Fuentes, 1989). No entanto, mesmo insuficientes dentro do cenário atual, a ação dos

movimentos sociais é necessária e imprescindível ao enfrentamento do processo neoliberal – e

de seu projeto de sociedade civil dócil, sem confrontos, nem potencial criador – e, quiçá, em

longo prazo, à emancipação humana (Montaño, 2010).

Por fim, ainda que a Rede tivesse alcançado seus propósitos em termos de adesão e

implementação do Plano – importantíssimos na preservação da vida de alguns jovens –, esses

resultados carregariam consigo o caráter emergencial e pontual da política, não atacando as

causas do genocídio da juventude. As ações formativas, por outro lado, se bem planejadas e

alinhadas a um projeto de sociedade contrário à exploração do homem pelo homem, podem

servir para um projeto verdadeiramente transformador em longo prazo. Isso se dá,

principalmente, por essas guardarem a dimensão educativa, considerada por Gramsci como

essencial à formação de uma unidade político-ideológica crítica das classes subalternas e,

portanto, necessária à revolução. Por esse motivo, são atividades imprescindíveis à atuação da

Rede no enfrentamento ao genocídio da juventude, sendo necessária a sua reativação.

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6. Considerações finais

Andar por avenidas enfrentando o que não dá mais pé.

Juntar todas as forças para vencer essa maré.

O que era pedra vira homem

e o homem é mais sólido que a maré.

(Milton Nascimento e Beto Guedes)

Este trabalho buscou investigar a atuação da RJV RN, recorrendo inicialmente à sua

caracterização quanto à composição, objetivos e estratégias propostas para o enfrentamento ao

genocídio da juventude. No que tange à composição da Rede, buscou-se identificar não só os

coletivos, mas a natureza destes (movimentos sociais, organizações do “terceiro setor” ou

ligadas ao poder público, etc.). Para tanto, recorreu-se à busca pelas origens da Rede.

Chegou-se, através desse percurso, a três fatores determinantes. Sobre o primeiro

deles, relativo à pressão exercida pelos índices de homicídios contra a juventude em âmbito

nacional e local, discutiu-se a sua emergência enquanto fruto das desigualdades produzidas

pelo próprio funcionamento do modo de produção capitalista, estando o fim definitivo do

genocídio aos jovens subordinado à queda do modo de produção vigente. Nesse sentido,

compreendeu-se também que toda ação desenvolvida no intuito de enfrentar as

vulnerabilidades em que a juventude pobre e negra do Brasil se vê imersa seriam – mesmo

dentro de governos com pautas mais progressistas –, em maior ou menor grau, capazes apenas

de “mitigar” tais problemas. No entanto, apesar do trabalho hercúleo que isso representa,

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reconhece-se a importância destas medidas no sentido de poupar vidas – ainda que estas já

tenham sido ceifadas de forma simbólica.

Acerca do segundo fator determinante para o surgimento da Rede, a criação, pelo

Governo Federal, no primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff, da política de

enfrentamento ao genocídio da juventude, intitulada Plano Juventude Viva, novas

considerações foram feitas. Embora a RJV RN tenha sido inspirada nesse Plano, utilizando o

nome e a logo institucionais e priorizando ações de pressão pela sua adesão e implementação

por parte dos municípios, temos que a configuração real desse coletivo foi bem além do que

estava proposto para a Rede Juventude Viva prevista na política. Diferente desta rede, que foi

pensada como virtual e limitada a divulgar informações acerca do enfrentamento à violência

contra a juventude negra, o coletivo aqui investigado planejou e desenvolveu diversas

atividades no sentido de tentar reverter a realidade de homicídios entre jovens.

Diante da priorização das atividades pela adesão e implementação do PJV na RJV RN,

percebeu-se que a Rede obteve poucos resultados, tanto pela falta de empenho dos gestores

locais quanto pela paralisação das atividades do Plano, cujas atividades estagnaram desde o

golpe que destituiu Dilma Rousseff da Presidência da República. Com esses fatos, apontados

nos resultados como cruciais à desmotivação dos participantes, coincidiu o processo de

desmobilização, esvaziamento e, finalmente, de desarticulação da Rede, que não realizou mais

atividades desde o início de 2016 até o presente momento.

Compreende-se a dupla função desempenhada pelos movimentos sociais na

democracia deliberativa, atuando tanto nos espaços preestabelecidos pelas organizações do

poder público quanto nas inovações geradas a partir das pressões e demandas próprias. Além

disso, adotando aqui o conceito de sociedade civil como arena de lutas, como momento do

Estado nas disputas por hegemonia, rejeitou-se qualquer visão de “satanização” dessa esfera.

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No entanto, discutiu-se que as tensões geradas na RJV RN pela coexistência de atores ligados

ao “terceiro setor” e ao poder público, além de movimentos juvenis, com a diversidade de

projetos políticos, interesses e ideologias que isso implica, sem que houvesse a devida

problematização e reflexão desses aspectos, acabou por depositar um peso maior nas ações

relacionadas ao PJV.

Sobre o terceiro elemento disparador para o surgimento da Rede, o IV Seminário

Sobre Realidades Juvenis, realizado em 2013, foi possível encontrar mais elementos que

ajudassem a caracterizar a composição do coletivo. Esse evento, que, devido a sua

organização por meio de rodas de conversas em vários municípios do estado, conseguiu atrair

muitos jovens e iniciativas de/para/com juventudes a discutir a temática do enfrentamento ao

genocídio da juventude, foi importante também para a denúncia, a pressão do poder público e

a articulação dos jovens na cena pública do RN. A oficialização da Rede, por meio da leitura e

assinatura de uma carta de fundação do coletivo, durante o Seminário, possibilitou que esse

movimento pudesse contar com a mesma diversidade de atores (pertencentes a movimentos

juvenis, ao poder público e “terceiro setor”) já atuantes no coletivo Articulação Potiguar de

Juventudes. Além da APJ, observou-se a liderança do Centro Marista de Juventude

(organização pertencente ao “terceiro setor”), o qual passou a ser marcante também dentro da

RJV RN.

Levou-se em consideração que a atuação das organizações do “terceiro setor” como

atores principais na relação com os movimentos sociais, evidenciada a partir dos anos 1990,

no país, tem sido prejudicial na medida em que, ao mediar a relação entre estes e o poder

público, traduzem as demandas e pressões em parcerias e negociação. No entanto, ao discutir

a liderança do CMJ, como organização do “terceiro setor” dentro da Rede, chegou-se à

conclusão de que, embora tal protagonismo tenha durado algum tempo no coletivo, isso se

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deu como medida emergencial, objetivando impedir a estagnação do movimento. Percebeu-se,

portanto que, assim como outras iniciativas representadas na RJV RN, os representantes do

CMJ mantinham a preocupação e o empenho em buscar estratégias para atrair novas

lideranças juvenis negras e da periferia, representativas para o movimento. Discutiu-se, assim,

que afora a necessidade inicial de liderar e coordenar as ações, o CMJ cumpriu a função

considerada mais adequada para a relação entre “terceiro setor” e movimentos sociais, que é a

de suporte.

Observou-se que a Rede contou com uma composição inicial mista. Acerca disso,

além do CMJ representando o “terceiro setor”, evidenciou-se ao longo do tempo a forte

representação de iniciativas ligadas ao poder público, como a Secretaria de Juventude e os

mandatos, em detrimento das organizações juvenis, das quais só se manteve atuante a Pastoral

da Juventude. Observou-se que esse quadro de baixa participação (reuniões com

pouquíssimos membros–e, muitas vezes, com alta rotatividade de membros), representação

(pouca diversidade de iniciativas juvenis) e representatividade (ausência de jovens entre 15 e

24 anos e não organizados em movimentos, sendo poucos os negros e negras de periferia)

contribuiu também para a desarticulação da Rede.

Isso ocasionou, ainda, o sentimento de sobrecarga, por parte de alguns participantes,

bem como levou outros membros a se voltarem para as realidades dos seus territórios, em

função da ausência de outras lideranças. Apesar disso, o que ficou evidente no discurso da

maioria dos participantes foi a marca “da sociedade civil” no coletivo, o que pode se referir à

forma de atuação da Rede, e não exatamente à sua composição.

Referente à caracterização dos objetivos e estratégias propostas para o enfrentamento

ao genocídio da juventude, verificou-se que estão intimamente relacionados ao segundo

objetivo desta pesquisa – caracterizar as ações que a Rede efetivamente realizou e articulou –,

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tendo cada um apontado para uma direção, ambas centrais. A primeira delas, foi relativa à

adesão e implementação do Plano pelos municípios e pelo estado, operacionalizada pela

pressão direta por meio de atos, audiências, reuniões com chefes de gabinetes, entre outras,

encabeçados ou apoiados pela RJV RN, e teve como conquistas a aquisição de uma

articuladora do Plano exclusiva para o estado e a pactuação voluntária do governo estadual a

essa política. Tal adesão, no entanto, foi tardia, e a verba oriunda do Plano e adquirida por

intermédio da SEJURN não pôde ser utilizada, motivos que, segundo os participantes,

levaram a dificuldades em termos de recursos para a realização satisfatória das ações e na

garantia do alcance territorial desejado, de abranger todo o estado, findando por restringir-se à

região metropolitana e, posteriormente, à capital.

Tais resultados, portanto, foram apontados pelos entrevistados como muito aquém do

esperado, uma vez que não implicaram na implementação do Plano, muito menos em redução

dos índices de genocídio de jovens no estado. Discutiu-se, porém, que a atuação da Rede foi

considerada satisfatória, e que foi alcançado um grande e inesperado resultado: ao tomar a

iniciativa de tornar-se uma Rede real, e ao se contrapor à ordem de etapas na adesão e

implementação do Plano, a RJV RN inspirou a criação de outras redes de enfrentamento

semelhantes no país, por exemplo, em Pernambuco e na Bahia.

Outros frutos da pressão da Rede junto ao poder público, como a criação da própria

SEJURN e a inclusão da proposta de um Conselho Estadual de Juventude nas Conferências de

Juventude realizadas, foram sinalizados. Tem-se ainda que a Rede fomentou a criação de

outras iniciativas locais, como a Rede Juventude do Seridó e a Frente Potiguar Contra a

Redução da Idade Penal. Esses fatores apontaram para a existência de outros caminhos para a

atuação do coletivo, que não só aqueles relacionados ao Plano.

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Além disso, em muitos discursos dos participantes, os objetivos iam ao encontro das

disputas de opinião e debates na sociedade (e entre as próprias juventudes) acerca dos direitos

das juventudes, utilizando as estratégias de multiplicação e buscando a formação de núcleos

da RJV RN em bairros da capital e outros municípios. Vale ressaltar que essas estratégias

contaram muitas vezes com o apoio da articuladora do PJV no estado, que ampliou o número

de parceiros, e com o uso de pequenas doações e recursos dos próprios membros dos coletivos

para garantir os materiais e infraestrutura necessários. Apesar de ter sido consenso entre os

entrevistados que a RJV RN foi a primeira iniciativa no estado a adotar a pauta do

enfrentamento ao genocídio da juventude como central, percebeu-se que por meio desses

momentos formativos o movimento conseguiu levar as discussões a diversos territórios.

Revelou-se, além disso, uma funcionalidade desses momentos para fortalecer o sentimento de

pertencimento e inclusão dos participantes no coletivo, para contribuir na ampliação do debate

por meio do uso de metodologias participativas e da troca de argumentos e opiniões a favor da

vida das juventudes, entre outros. Ainda assim, tais momentos foram enfatizados como fora

dos objetivos da Rede, guardando a finalidade apenas de reoxigenação do coletivo.

Além do caráter híbrido e inspirador da RJV RN, tem-se que, ao pressionar o poder

público no sentido oposto preconizado pela política, esse coletivo permitiu questionar o

modelo de Estado hierárquico e burocrático adotado no Brasil, que historicamente tem

dificultado que os direitos conquistados pelos cidadãos e transformados em políticas se

convertam efetivamente em ações em prol do bem-estar da população. Assim, embora

resultados concretos e imediatos não possam ser elencados em termos de redução de mortes

de jovens por homicídios e de políticas públicas juvenis, a RJV RN deu visibilidade, mesmo

que por um curto período de tempo, à pauta do genocídio da juventude, causando um

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incômodo nas gestões. Além disso, deu voz a muitos movimentos e cidadãos que se indignam

diante dessa realidade.

Um último objetivo deste trabalho foi o de identificar e problematizar limites e

possibilidades no trabalho da Rede. Em primeiro lugar, é preciso destacar a coragem de um

movimento em adotar como pauta central o enfrentamento ao genocídio da juventude, posto

que essa realidade nos remete a muitas décadas de racismo, criminalização da infância e

juventude pobres, reforçadas por políticas compensatórias, focalizadas e de caráter

emergencial, pelo discurso punitivo difundido na mídia e adotado por boa parte da população,

etc.

Os primeiros limites encontrados nesta investigação foram relativos a questões

estruturais internas à RJV RN. Em primeiro lugar, a ausência de documentos que registrassem

o surgimento do coletivo (como a carta de fundação) e a sua identidade, a primeira lista de

assinaturas e outros papéis que registrassem acontecimentos importantes para a Rede

dificultaram a análise aqui apresentada. Ocorreu ainda que, ao recorrer aos discursos dos

participantes, foram encontradas divergências e imprecisões, desde o marco de fundação,

passando pela identidade e composição da Rede, até objetivos, ações e estratégias.

Além dos problemas de organização e sistematização das informações da RJV RN, já

discutidos como entraves à ação dos movimentos em geral, e da falta de acompanhamento dos

núcleos e multiplicadores formados, as divergências refletiram a ausência de discussão e

reflexão sobre sua própria estrutura, sobre seus conflitos e tensões (inclusive os gerados por

mudanças de papéis dos membros ao longo da trajetória da Rede), suas formas de se

comunicar, de liderar, de se articular com as diversas iniciativas e de planejar as ações, além

das responsabilidades e os materiais necessários. Essa necessidade, embora reconhecida pelo

grupo, e cujo processo chegou a ser pensado, não foi solucionada. Acredita-se que esses

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elementos dificultaram a reafirmação da identidade e a atratividade do coletivo a novos

membros (e, portanto, o processo de reoxigenação).

As mudanças vivenciadas no cenário nacional dos últimos tempos, foram consideradas

pelos participantes como cruciais à estagnação do coletivo, tendo sido elencados: o processo

eleitoral de 2014 (em que as iniciativas da Rede, a maioria ligadas ao PT, estiveram

envolvidas, inclusive objetivando a manutenção do PJV); a emergência do processo de

votação da PEC 171 (redução da idade penal); mudanças nas secretarias nacional e estadual

de juventude; o golpe parlamentar de 2016; e a votação da PEC 241 (55 no Senado). De

acordo com os entrevistados, a sobrecarga de tantas lutas para poucos movimentos, a

desativação de ferramentas de juventude, a necessidade de ir pra rua participar das

manifestações e a migração para outros coletivos com pautas relacionadas a essa conjuntura

foram decisivos para a estagnação da RJV RN. Levando em consideração que outros

movimentos não passaram pelo mesmo processo, ainda que enfrentando os mesmos

problemas conjunturais, discutiu-se que o movimento já estava bastante enfraquecido quando

se deparou com tais mudanças e com as muitas lutas que viriam a ser travadas.

Apesar de todos os problemas e dificuldades estruturais internas e da conjuntura

nacional, os participantes foram capazes de destacar muitas possibilidades para a atuação da

Rede e vislumbrar caminhos de superação para a realidade de genocídio de forma geral,

reconhecendo na RJV RN um potencial transformador nas lutas que têm emergido. As

sugestões apontadas para o coletivo passaram pela retomada dos contatos com antigos

parceiros e o estabelecimento de novas alianças e lideranças, a inclusão de mais arte, lazer e

cultura nas ações junto às comunidades, como atrativos à participação dos jovens, o

investimento em diferentes meios de comunicação interna e externa para uma melhor

articulação dos membros e para uma disputa justa de opiniões na sociedade a favor das pautas

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juvenis, etc. Dos espaços de inserção possíveis para a Rede, seus membros destacaram, ainda,

as ocupações nas escolas, as participações nas conferências de juventude, a utilização dos

recursos conseguidos por intermédio da SEJURN para a implementação de programas do PJV

e a efetivação do Conselho Estadual de Juventude.

No que se refere às proposições para a superação da realidade de genocídio de jovens,

de forma geral, dois caminhos diferentes puderam ser identificados nos discursos dos

entrevistados. O primeiro, focava principalmente na implementação de políticas públicas e na

criação de ferramentas de juventude para a promoção dos direitos e resolução dos problemas

que perpassam este segmento da população. O outro caminho, no entanto, apontou para

transformações mais profundas na sociedade, como o fim das diversas formas de opressão,

mudanças no processo educativo e na visão socialmente difundida acerca da juventude.

Levando em consideração a diversidade de ações realizadas, os resultados obtidos –

ainda que não tão concretos ou imediatos –, o caráter inspirador desta Rede e a atualidade da

pauta do genocídio, concorda-se com os participantes acerca do potencial da RJV RN, tanto

no enfrentamento aos homicídios contra a juventude quanto na contribuição para as diversas

lutas que vêm emergindo no país. Assim, acredita-se que a Rede pode se manter viva, seja

retomando as atividades de fato, seja através da experiência e do legado deixados e

reproduzidos no discurso pelos membros em outros coletivos, seja através de um registro

histórico – como pretendeu ser este trabalho – que permita apontar reflexões e possibilidades

de atuação para outros movimentos sobre esta pauta ou outras de interesse da juventude.

Para qualquer dessas formas de perpetuação do coletivo, faz-se necessário acrescentar

algumas sugestões às ricas contribuições já trazidas pelos participantes. São estas: a discussão

dos aspectos organizativos, identitários, conflitos internos e tensões; a definição dos papéis

dos grupos integrantes e o alinhamento de objetivos e ações (apesar das diferentes ideologias

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coexistentes) em um projeto societário comum; a manutenção dos registros de informações e

conquistas obtidas; a inserção nos demais espaços de atuação abertos pelas lutas que a

sociedade brasileira tem vivenciado; a articulação das diversas pautas (como redução da idade

penal, cortes na previdência, saúde, educação e assistência social) com a pauta do genocídio

de jovens; e o planejamento detalhado das ações, divisão das atribuições e o acompanhamento

de núcleos e multiplicadores. Além desses aspectos, cabe à Rede marcar a posição que

compreende o jovem como sujeito de direitos, e não apenas como público-alvo, agente ou

priorizando as juventudes organizadas nos movimentos – concepções que conviveram

isoladamente na RJV RN, mas que só têm valor quando conciliadas na práxis do movimento.

Reconhece-se, apesar de todas as recomendações, a insuficiência – ao deixar poucas

marcas acumulativas na história – e, ao mesmo tempo, a necessidade, da existência e

resistência dos movimentos sociais. No entanto, defende-se aqui a necessidade de não perder

de vista a centralidade da luta de classes na atuação desses movimentos, nem o horizonte

revolucionário de emancipação humana. Nesse sentido, para além dos resultados já

destacados pelo uso da estratégia de multiplicação por meio de ações formativas, enxerga-se

como maior potencial desses momentos a sua dimensão educativa. Potencial esse que pode

dar início – se bem conduzido – à formação da unidade crítica das classes subalternas

necessária, dentro de uma concepção gramsciana, ao fim da exploração do homem pelo

homem. Nesse sentido, considera-se o uso de ações formativas essencial a qualquer

movimento que pretenda alcançar mudanças mais profundas – e, portanto, mais lentas – em

nossa sociedade.

Se, por um lado, desde 2013, uma onda conservadora na política e na sociedade

avançou no país e atacou um a um os direitos conquistados pela sociedade, bem como os

aparatos que permitiam efetivá-los, por outro a população vêm tomando as ruas para proteger

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suas conquistas e reivindicar novos direitos. O momento político requer um caminho que não

se apoie na política institucional, que exija a força e a motivação dos movimentos sociais para

a luta, mas que também requer a união de estratégias, como as que foram apontadas.

Por fim, vale reforçar a necessidade de um movimento como a RJV RN contar com

líderes jovens, negros e/ou negras e da periferia, conforme destacado nas falas dos

entrevistados. De todas as estratégias, essa é a que de fato pode levar às ruas a voz dos

“esfarrapados do mundo”, que são a maioria da população, evidenciando os reais problemas

da nossa sociedade e abafando gritos fascistas e golpistas – esses, sim, vindos de uma minoria

do povo brasileiro – que minam a nossa caminhada rumo a um mundo melhor.

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