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REDE DE APOIO E A ATENÇÃO DISPENSADA A DEPENDENTES QUÍMICOS1
Claudia de Cristo2
Débora Staub Cano3
RESUMO
O emprego do termo Rede de Apoio é utilizado para definir o conjunto de relações
primárias e secundárias de um sujeito. A rede primária caracterizada pelas relações familiares,
laços afetivos e de pertencimento, e a rede secundária constituída por relações formalmente
instituídas, de cunho técnico profissional e por diferentes serviços. Também se percebe o uso da
terminologia Trabalho em Rede para definir a estratégia interventiva voltada ao atendimento das
demandas apresentadas pelos sujeitos. Esta revisão conceitual tem por objetivo apresentar alguns
pressupostos teóricos relacionados ao tema Rede de Apoio, para, a partir desta análise, refletir
sobre o trabalho na perspectiva de rede com Dependentes Químicos. A dependência química
apresenta-se como demanda multifatorial que requer a intervenção de diversas áreas e serviços.
Tanto para a prevenção quanto para o tratamento, tem-se na perspectiva de Trabalho em Rede uma
das possíveis formas de garantir que o humano se coloque como principal elemento do fazer
profissional, ocorrendo assim a verdadeira inserção dos serviços na configuração da Rede de Apoio
do Dependente Químico.
Palavras-chaves: Apoio Social. Rede de Apoio. Trabalho em Rede. Dependência Química.
1 INTRODUÇÃO
O termo “apoio social” nos remete à ideia de solidariedade, acolhimento,
pertencimento, entre outros conceitos que emergem da reciprocidade e interação entre os sujeitos
frente a determinadas situações. Segundo Gonçalves et al. (2011) para ser compreendido o que
significa apoio social precisamos levar em consideração algumas questões, dentre elas, a maneira
como o apoio é disponibilizado, a forma subjetiva como o sujeito que recebe o apoio o
1 Artigo de pesquisa apresentado ao Curso de Especialização em Dependência Química e Promoção da Saúde das
Faculdades Integradas de Taquara - FACCAT, como requisito parcial para aprovação na disciplina Monografia. 2Assistente Social Graduada em Serviço Social pela Universidade Luterana do Brasil - ULBRA Canoas RS/2003, Pós
Graduada Especialista em Educação Inclusiva pela FACCAT - Faculdades Integradas de Taquara RS/2009. Discente
do Curso de Especialização em Dependência Química 2011/2013 FACCAT - Faculdades Integradas de Taquara RS.
Profissional atuante como Servidora Estatutária na Prefeitura Municipal de Parobé RS, lotada na Secretaria Municipal
de Assistência Social, Coordenadora do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS),
Responsável Técnica no Centro de Recuperação Integrado para Dependentes Químicos C.R.I.A.R. Vitória, Perita
Social junto a TJ RS. Endereço para contato: [email protected]. 3 Orientadora Me. Débora Staub Cano. Psicóloga, graduada pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC (2002),
Mestre em Psicologia e Especialista em Saúde da Família (2008) pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.
Professora no Curso de Especialização em Dependência Química e Promoção da Saúde das Faculdades Integradas de
Taquara - FACCAT. Endereço para contato: [email protected].
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compreende, o efeito que se espera e o efeito causado tanto em quem oferece quanto para quem
recebe o apoio. Enfatizam ainda que, os conceitos “rede social”, “suporte social”, “rede de apoio”,
“rede de pertencimento”, entre outros, aparecem em muitos estudos para definir as mesmas
perspectivas sobre apoio social.
Na análise de redes sociais e apoio social, Elkaïm (1998) compreende a rede social
como um grupo de pessoas independente do local que ocupam. Descreve estas como sendo
conhecidos, vizinhos, amigos, familiares, relacionando pessoas que oferecem ajuda e apoio de
forma real e duradoura ao sujeito ou à família. Nesta mesma perspectiva sobre rede social e apoio,
Sluzki (1996), coloca que a rede social pode ser dividida em quatro quadrantes: a família (nuclear
ou extensa), as relações de amizade e vizinhança, as relações de trabalho e educacionais, e as
relações religiosas, comunitárias e de serviços. Para Dessen e Braz (2000, p. 443) rede social “é um
sistema composto por vários objetos sociais (pessoas), funções (atividades dessas pessoas) e
situações (contexto)”. O conceito de rede social aqui, também vai além do contexto familiar e das
pessoas ligadas por laços consanguíneos. Colaborando com esta ideia, Gomide e Grossetti (2010),
destacam que rede social é espaço de interlocução entre diferentes atores sociais, que ligados entre
si por relações interpessoais extrapolam os limites formais institucionais. Pensar em apoio social,
portanto, remete considerar pessoas e relações significativas, sendo que, ao passo que estas
relações constituem a rede social a definem como espaço de apoio pela qualidade com que ocorrem
frente a determinadas situações.
Nesta direção, ao abordar sobre o sentido das relações e conceituar rede social de
apoio, para Taucar, Castellanos e Mallo (1996 apud GIONGO, 2003) esta é constituída pela rede
primária e pela rede secundária. A rede primária se apresenta a partir daquelas relações escolhidas
e definidas pelo sujeito no decorrer de toda sua existência, não só pelo âmbito familiar, mas
também dos amigos, dos vizinhos e dos companheiros de trabalho. Já a rede secundária, as relações
não se definem pela reciprocidade e de modo natural, visto que, na rede social do sujeito também
se inserem àquelas relações organizadas de maneira específica, nas quais seus integrantes possuem
papéis predeterminados e definidos de acordo com os lugares que ocupam em determinadas
instituições. Nesta perspectiva, inserem a rede secundária como parte constituinte da rede social,
que em seu todo tem como fim “a satisfação das necessidades afetivas, informativas e materiais dos
membros que a integram” (p. 16-17) e por isso, se revela como espaço de apoio.
Ao abordar sobre apoio social e redes, Andrade e Vaitsman (2002) chamam a atenção
para o fato de que espaços acolhedores e participativos onde são incentivadas trocas solidárias
entre pessoas que partilham determinada situação, favorecem o fortalecimento do poder e do saber
que os sujeitos possuem e podem adquirir em torno de suas próprias condições de saúde. A este
enfoque, Canesqui e Barsaglini (2012) acrescentam que há décadas as redes sociais interessam aos
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estudos relacionados à saúde pública no Brasil. Afirmam que estes foram ao longo dos anos dando
ênfase para a integração dos sujeitos em diferentes redes, deslocando-se do plano individual para o
coletivo, incluindo a importância de espaços capazes de oferecer suporte material, cognitivo,
afetivo e emocional. No campo da saúde e, de maneira específica, na atenção dispensada a
dependentes químicos, um entendimento comum pelos serviços quanto ao significado deste
fenômeno “apoio social” e de como se define a “rede de apoio” favorece atuações mais eficazes.
Faz-se necessário, por isso, explorar sobre a contribuição dos serviços e profissionais/atores
envolvidos, para, a partir disso, conceituar e estabelecer o que se denomina rede de apoio.
Especificamente quanto à rede secundária Giongo (2003) considera que o fazer
profissional contribui na forma como os serviços se incluem enquanto constituintes da rede de
apoio dos sujeitos. Neste sentido, o trabalho na perspectiva de rede se revela através do apoio que
emerge desta rede secundária, uma vez que esta atuação profissional pressupõe transcender limites,
buscar alternativas além da família nuclear e extensa, não resumindo a rede (de apoio) à dimensão
das relações primárias. Trabalhar na perspectiva de rede, muito mais do que percorrer um universo
amplo de pessoas significativas para o sujeito e para sua família, é incluir também o serviço que o
profissional está mergulhado e envolvido como parte constituinte da rede de apoio destes sujeitos.
A intervenção na perspectiva de rede no campo da saúde, especificamente com
dependentes químicos, segundo Marinho, Silva e Ferreira (2011) remete a ideia de ajuda coletiva,
de maneira que tanto mais forte e integrada for a rede social mais serão potencializados os vínculos
que caracterizam e conformam o apoio social que as redes proporcionam. Alem disso, entendem
que o suporte social que emerge da rede de apoio atua como um fator de proteção na prevenção e
tratamento da dependência química. Para Andrade e Vaitsman, (2011) estes espaços possibilitam
ao sujeito compartilhar sentimentos, informações, estar presente em eventos sociais e também
capacita para enfrentar situações adversas, definindo o quanto uma rede é forte e integrada.
Seguindo a concepção de Sluzki (1996), a rede de apoio do dependente químico pode
ser identificada pelas relações estabelecidas pelo próprio sujeito com aqueles quadrantes e pessoas
que ele considera pertencente (e assim o consideram) e possuem significado positivo para a sua
vida, e pelos serviços através dos quais irão se revelar práticas interventivas e ações articuladas
produzindo suporte social. Valorizando a demanda “dependência química”, busca-se conceituar
rede de apoio para ressaltar o trabalho na perspectiva de rede como garantia no fortalecimento dos
vínculos entre sujeito, família e serviços.
De acordo com Gonçalves et al. (2011), diferentes tendências conduzem para a opinião
de que o apoio social resulta da interrelação entre os sujeitos. Estas relações definem a rede de
apoio, constituída pelos serviços e respectivos profissionais, e, pela rede primária. Assim, abordar
sobre rede de apoio valorizando a demanda dependência química implica refletir sobre as relações
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afetivas de pertencimento do sujeito dependente químico, e, o papel e a participação dos serviços,
em especial no que tange a humanização na atenção dispensada a este público, a luz de uma
demanda que implica diretamente na qualidade dos vínculos e relações.
Notadamente, abordar o trabalho na perspectiva de rede como meio para o
fortalecimento dos vínculos do sujeito com sua Rede de Apoio, compreendendo que esta é em parte
constituída pelos serviços, implica falar de um fazer “com princípio de conduta de base humanista
e ética” (RIOS, 2009, p. 1), muito embora falar de humanização dos serviços em um fazer de
humanos para humanos pareça até redundante. A revisão conceitual tem por objetivo refletir sobre
pressupostos teóricos que possam dar evidencia a Rede de Apoio enquanto espaço constituído pela
rede primária e secundária, compreendendo a dependência química como uma demanda
multifatorial, objeto de intervenção e motivo de elo entre diversas áreas e serviços. Na escolha do
referencial teórico, primeiramente realizou-se uma busca nas bases de dados ScieELO e BVS-Psi
identificando estudos que abordam especificamente sobre “rede de apoio”. Devido à escassez de
trabalhos sobre o tema em específico, buscou-se estudos que abordam os temas “rede social”,
“apoio social” e “trabalho na perspectiva de rede” com ênfase à atenção dispensada a dependentes
químicos. Dos vinte e quatro textos utilizados, em média cinqüenta por cento são artigos
publicados na base SciELO e outra parcela extraída de livros publicados que abordam sobre redes
sociais, apoio social e redes de apoio, sendo que alguns relacionam a demanda dependência
química.
2 APOIO SOCIAL E REDE DE APOIO NA DEPENDÊNCIA QUÍMICA
Sobre o tema “apoio social”, Gonçalves et al. (2011) identifica a existência de três
tendências que são utilizadas com a mesma perspectiva. A primeira valoriza a existência de uma
hierarquia conceitual a partir de um olhar sistêmico, onde a categoria relações sociais aparece
como tema central e, a partir desta aborda-se sobre apoio. Das relações interpessoais e intergrupais
suscitam situações diversas - conflito, tensões, acolhimento, e outros tipos de manifestações entre
os sujeitos. Nesta tendência os estudos abordam sobre os tipos de relacionamentos, duração,
frequência, densidade e reciprocidade, e, estes fenômenos relacionais definem o que se denomina
por questões estruturais da rede social. Pelo fato de que nesta tendência o apoio social emerge
como produto das relações sociais de uma rede social ampla, muitas vezes ocorre que apoio e rede
social se apresentam como conceitos equivalentes; a rede social é considerada a partir das relações
positivas, ou seja, como sinônimo de apoio. Desta forma o apoio social é um aspecto intrínseco e
emergente da funcionalidade das relações interpessoais e intergrupais [trocas e ajudas mutuas]
ocorridas na rede social, compreendida enquanto espaço de vinculação, acolhida, pertencimento e
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tantas outras nuances, que, por assim se apresentarem, possibilitam e a caracterizam como uma
rede de apoio. (GONÇALVES, et al., 2011).
Para Gonçalves et al. (2011), sobre as outras duas tendências que abordam sobre apoio
social, a segunda utiliza a própria categoria apoio social como elemento central, e a terceira aborda
Redes Sociais. Em estudos que a categoria apoio social é utilizada como elemento central para
explicar a si mesma, são aprofundadas as dimensões alcançadas pelo apoio - emocional, material,
informacional e cognitivo. No processo de proporcionar apoio ao sujeito, se intervém nestas
dimensões, sendo elas potencializadas dependendo das relações sociais que o sujeito possui, do
clima social, da integração entre elementos da rede de apoio do sujeito. Nesta tendência são
valorizadas as questões subjetivas que emergem a partir de cada dimensão que o apoio
compreende, o que cada uma significa e o foco para o qual está voltado. A rede social é o lugar e o
apoio social ganha ênfase por que irá ocorrer e intervir nestas dimensões específicas. Para
Gonçalves et al. (2011) nesta tendência, o apoio social deriva de um amplo processo que valoriza
comportamentos de apoio e questões subjetivas, explorando questões que vão além das percepções
de quem recebe apoio, incluindo elementos tais como as interações positivas e negativas entre os
sujeitos, grau de satisfação, reciprocidade, características e percepções de quem oferece o apoio,
para elucidar o que seja a rede de apoio de fato e a qualidade desta.
Na primeira tendência identificada por Gonçalves (2011) as relações sociais -
interpessoais e intergrupais - são colocadas como temas central e o apoio social aparece como
produto destes fenômenos relacionais. Na segunda tendência, as relações em seu conjunto de
expressões, normas, características, impacto de satisfação tanto de quem recebe quanto de quem
oferece apoio, e até mesmo o próprio alcance que o apoio atinge definem a rede social. Todavia, a
categoria apoio social aparece como conceito central, por que são as dimensões alcançadas por ele
o foco de interesse, visto que estas é que dirão sobre a qualidade do apoio.
Em uma terceira tendência, conforme Gonçalves, et al. (2011) a categoria redes sociais
aparece como conceito central do qual derivam considerações sobre as relações entre os sujeitos, e,
conseqüentemente, sobre apoio. Esta tendência [redes sociais] é mais comum no campo das
ciências sociais; os autores valorizam a realidade de que a sociedade é constituída por relações
interpessoais e intergrupais. Ocorre assim, uma interdependência entre diversos sujeitos e grupos,
sendo que destas trocas ocorrem influências de umas nas vidas das outras, emergindo, por
exemplo, cuidado, atenção, saúde em seu sentido mais amplo. Para Andrade e Vaitsman (2002),
estas relações interpessoais e intergrupais podem ser mapeadas em número, intensidade, qualidade
e efeito, definindo assim a rede social de um indivíduo. Sluzki (1997) sintetiza que as redes sociais
podem ser explicadas pela estrutura e funcionalidade, bem como pelas relações mais íntimas e
ampliadas. Esta tendência que aprofunda sobre redes sociais resume a primeira e a segunda, uma
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vez que busca definir e explicar a qualidade das relações sociais, bem como denuncia aspectos
quantitativos, estruturais e de funcionalidade da rede social para conceituar o que é apoio social e
como este ocorre.
Em relação às três tendências comumente usadas em estudos que abordam sobre apoio
social, estas preservam características comuns, pois elas trazem respectivamente como tema central
as relações sociais, apoio social e as redes sociais, mas todas garantem de maneira direta e indireta
elementos como suporte social, estrutura, função, vínculo, pertencimento, entre tantos outros que
por vezes se sobrepõem. Segundo Gonçalves et al. (2011), todas irão abordar quanto ao número,
intensidade e densidade das/nas relações interpessoais e intergrupais, assim como irão apresentar a
maneira como as dimensões do apoio - emocional, material, cognitivo e informacional - se
apresentam. A forma como estes elementos inerentes ao assunto “apoio social” se relacionam é que
irão definir a rede social como sendo [ou não] uma rede de apoio. O que ocorre é que” por vezes
modifica-se o conceito central para falar de apoio social, mas são utilizadas terminologias
atribuindo a elas a mesma definição” (GONÇALVES, et al. 2011, p. 7). Segundo os autores, as
técnicas de avaliação do que seja apoio social são escassas, e, são insuficientes os instrumentos de
avaliação de apoio social, especialmente pelo fato de que muitos são os contextos e áreas de
aplicação; daí, diferentes tendências e conceitos distintos para explicar as mesmas perspectivas.
Pensando na dependência química enquanto demanda interventiva e relacionando ao
tema apoio social, para Gonçalves et al. (2011) em um estudo epidemiológico, por exemplo, os
instrumentos de avaliação deveriam dar ênfase ao alcance do apoio na vida dos sujeitos e as
percepções gerais sobre o apoio recebido em torno desta demanda específica. Por outro lado,
estudos voltados a medir o impacto do apoio social frente a uma demanda específica, por exemplo,
à prevenção da recaída, os estudos deveriam utilizar ferramentas que pudessem avaliar o tipo de
apoio - emocional, instrumental e/ou informativo, disponibilizado pela rede social de apoio do
sujeito para este fim. Por esse prisma, pode ser avaliado a forma como é dispensado, mecanismos
de garantia e finalidade do apoio pela rede; por outro é possível avaliar o alcance do apoio na vida
dos sujeitos.
Para Gonçalves et al. (2011), através de reflexões que trazem à luz questões conceituais
ao abordar sobre apoio, que se percebe a carência de instrumentos que proporcionem melhores
avaliações. Podemos afirmar que estudos e instrumentos que permitissem mapear a forma como o
apoio é dispensado e as dimensões alcançadas em torno de determinada demanda, poderiam
colaborar para um entendimento comum entre os envolvidos de como o apoio ocorre e verificar a
relevância do apoio social dispensado. Ao mesmo tempo, ao avaliar o alcance do apoio, este
processo facilitaria a interlocução entre os diversos atores envolvidos, tanto entre profissionais
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quanto destes com os sujeitos atendidos e famílias, solidificando a rede social de apoio e
garantindo atuações mais claras e eficazes.
Em um amplo estudo realizado com 4.030 funcionários de uma universidade pública do
Rio de Janeiro com objetivo de identificar fatores relacionados à rede e apoio social utilizando o
questionário MOS - Medical Outcomes Study, o qual tem por objetivo medir a disponibilidade e
qualidade das funções de apoio social quanto aos aspectos estruturais e funcionais, Chor et al.
(2001), enfatizam que no Brasil, apesar dos estudos epidemiológicos incorporarem aspectos
socioeconômicos e socioculturais, ainda não se conseguiu incluir questões relacionadas à rede
social de pertencimentos dos sujeitos e questões relacionadas ao apoio social. Gonçalves, et al.,
(2011) defende que o aprofundamento teórico e métodos que auxiliem na investigação de como o
apoio social atua na vida dos sujeitos, e a identificação quanto aos tipos de apoio dispensados,
sobretudo pela rede secundária no que tange à demanda dependência química, se revela em
qualidade no planejamento de intervenções voltadas à promoção da saúde destes sujeitos e suas
famílias.
Ao abordar sobre dependência química enquanto demanda relacionada ao trabalho na
perspectiva de rede, valoriza-se o conceito de doença crônica, em que o uso inicialmente é
voluntário e posteriormente se torna continuado, de maneira que estas substâncias psicoativas
passam a provocar mudanças na estrutura e no funcionamento do cérebro, bem como contribuindo
para desestabilização nas relações do sujeito tanto com a família quanto com a sociedade de
maneira geral (DUAILIBI; VIEIRA; LARANJEIRA, 2012). Também, observa-se a correlação
entre uso, abuso e dependência de acordo com estudos e instrumentos classificatórios como DSM-
IV - Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais [quanto às questões de abuso e
dependência] e CID-10 - Classificação Internacional de Doenças [quanto ao uso nocivo e
dependência]. Nas intervenções no campo da dependência química, independente da formação, é
fundamental que os profissionais que atuam com esta demanda conheçam os critérios oficiais em
vigência para que se possa dialogar com melhor qualidade. (PREVENÇÃO, 2011). Todavia, sem
deixar em detrimento a certeza de que o diagnóstico quanto aos padrões de consumo é etapa
primordial para uniformizar a intervenção e a linguagem nas equipes que intervêm nestas situações,
ao relacionar o tema dependência química neste estudo, se enaltece o que Duarte e Morihisa (2011)
pontuam de que é preciso ampliar o olhar para que aspectos relacionados às consequências
biopsicossociais inerentes à doença possam suplantar definições clínicas voltadas a padrões de uso.
Ao abordar a participação do sujeito dependente químico na construção de sua rede de
apoio, trata-se de um movimento que gera transformação na sua realidade, em várias dimensões, e
que permite a reconstrução do próprio sujeito neste processo de partilhar comportamentos e
relacionamentos (MARINHO; SILVA; FERREIRA, et al. 2011). E esta, é a perspectiva que deve
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nortear a atuação dos serviços e profissionais, independente dos fatores causais, etapas diagnósticas
e das razões que motivem as intervenções, sejam estas voltadas à prevenção, tratamento e/ou
reinserção. Neste sentido, a acolhida e a valorização do sujeito neste processo de construção e
manutenção de sua rede de apoio, que gera o sentimento de pertencimento e de co-responsabilidade
através da participação, já revelam em si o apoio social, através de uma postura mais flexível pelos
serviços tanto de se incluir quanto de permitir que o sujeito participe do planejamento desta rede
que lhe oferece apoio.
Para Giongo (2003) trabalhar na perspectiva de rede significa o profissional que acolhe
o sujeito ou a família partir da hipótese que, se ocorre determinada problemática que demanda a
busca por ajuda e intervenção daquele serviço, em algum momento e por alguma razão a rede
social não está administrando a resolução. Enfatiza que a mobilização em torno da resolutividade
com o sujeito pelos serviços e profissionais, somada à valorização e potencialização da inserção
ativa dos membros da rede social de pertencimento primária é que vai caracterizando e definindo a
rede de apoio.
Ao conceituar rede de apoio constituída pela rede primária e secundária, Giongo (2003)
aborda o sentido das relações estabelecidas entre os diferentes atores; como elas são
compreendidas e se apresentam, dando ênfase ao pertencimento na rede primária, e a forma como
as relações entre usuários e profissionais se estabelecem nos múltiplos espaços que os sujeitos
demandatários das ações ocupam na rede secundária (serviços). Os profissionais são atores sociais
que constituem relevante papel, ao passo que é o fazer profissional que promove e define a
participação dos serviços na rede de apoio, portanto, na vida dos sujeitos. Nesta perspectiva,
pensando a dependência química como demanda e o sujeito dependente químico enquanto público
alvo na intervenção, fica evidenciado a importância da valorização e investimentos no
fortalecimento dos vínculos tanto da rede primária quanto da rede secundária, uma vez que estes
somados é que revelam a rede de apoio do sujeito.
No que tange à estrutura e função da rede de apoio, na rede secundária, segundo
Taucar, Castellanos e Mallo (1996 apud GIONGO, 2003) por se tratar de conjuntos sociais
instituídos, estruturados para desenvolver funções específicas, os atores sociais que o compõem e
representam possuem papéis predeterminados. As relações na rede secundária não se definem pela
reciprocidade e de modo natural, mas sim, são determinadas e ela é definida por papéis de diversas
instituições, compostas por diversos profissionais e atores de acordo com necessidades, demandas e
serviços ofertados. A rede secundária constitui, assim, aquela parcela da rede de apoio em que as
relações do sujeito ocorrem com os serviços, sendo que a qualidade que caracteriza este vínculo
será definida pela maneira como são ofertados estes serviços, portanto, pelo fazer profissional.
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Todavia, se as instituições e serviços são instituídos, o fazer que os define não deve se
estabelecer da mesma maneira representando padrões rígidos, engessamento e mesmice; o fazer
deve ser um instintuínte no que tange ao suporte e manutenção da própria rede de apoio. Marinho
et al. (2011) chama a atenção para o fato de que o apoio social provém da rede [de apoio] como um
todo, de maneira completa, ou seja, ela é a executora e ao mesmo tempo o meio pelo qual se
potencializam os vínculos. Além de valorizar e potencializar vínculos primários, no que tange à
rede secundária, esta tem também o papel de agregar outros serviços, sendo responsável e tornando
a rede de apoio um sistema vivo, uma vez que estes serviços possuem funções específicas e por
isso não se bastam. Santos Filho, Barros e Gomes (2013, p. 605) destacam que “o enfrentamento
do que está instituído acontece constantemente pela invenção de outras formas de agir nos espaços
de trabalho, pela produção incessante de saberes realizada na atividade laboral”.
Confirmando a forma como a rede primária e secundária se complementam para revelar
a rede de apoio de um sujeito, Giongo (2003) descreve que a rede primária é uma entidade
microssociológica, constituída por um conjunto de indivíduos que se comunicam entre si a partir de
afinidades pessoais, fora do contexto institucionalizado. O sujeito passa a identificar desde tenra
infância a sua rede primária quando passa a ser acolhido e chamado pelo nome, e no decorrer da
vida, as vivências pessoais de cada sujeito vão definindo e redefinindo a rede primária, a partir de
necessidades pessoais ou escolhas em torno de um pertencimento recíproco. Já em relação à rede
secundária, ao longo da vida e de acordo com determinadas circunstâncias esta vai se definindo e
constituindo parte da rede de apoio do sujeito em torno de necessidades e ofertas de serviços; são
caracterizadas pelos papéis de diversos profissionais e pelos serviços que se fornece ou se recebe
(GIONGO, 2003, p. 17). A rede primária possui um perfil natural, emerge com o sujeito, podendo
se transformar a partir de escolhas ou processos da vida [complexos de acordo com a realidade de
cada um]. A rede secundária, constituída por serviços e desempenhando diferentes papéis, em
grande parte será definida pelos processos da vida, que irão promover demandas e determinarão
sua participação na rede de apoio. Além disso, sobre a rede secundária, ao mesmo tempo em que
um sujeito possui determinado serviço compondo sua rede de apoio, em função de algum papel
específico que desenvolva pode estar constituindo a rede secundária de alguém. Neste sentido
evidenciamos que a compreensão sobre rede de apoio implica considerar os sujeitos inseridos em
um contexto que remete à ideia de igualdade, interagindo de forma igualitária recebem afeto, apoio,
podem expressar suas opiniões, suas vontades, definem suas identidades, manifestam pensamentos
e efetivam deveres, podendo ser ora demandatários das ações e em outra, executores.
No que tange a esta dinâmica relacional que explica a rede de apoio Kern (2002)
entende que é justamente este movimento do ser humano em se projetar da singularidade para a
coletividade que nos faz sobreviver e sermos sujeitos no mundo. Quando percebe e sente
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determinadas necessidades, sejam elas práticas ou subjetivas, o ser humano se lança na busca do
que denomina instâncias de recursos, quer sejam elas materiais ou socioafetivas. Entende que é
neste processo de se lançar para as redes sociais para se abastecer prática e subjetivamente que o
sujeito passa a existir para o outro, definindo e construindo a sua rede de apoio (Kern, 2002).
Sluzki (1996 apud RANGEL, 2007 p. 24) complementa que “a rede social é uma fonte essencial de
sentimento de identidade, de competência e de ação” e neste espaço se apresentam todas as
relações que um sujeito possui de forma significativa.
Partindo deste pressuposto, em que a rede social no sentido mais amplo é espaço de
competência e ação, bem como de oportunidade para a construção e o sentimento de identidade,
são intervenções eficazes, incluindo e valorizando investimentos nos campos socioafetivos e
relacionais destes sujeitos - segurança, amor, estima, relações pessoais -, que possibilitam o
sentimento de pertencimento. Tratando-se do campo da saúde e de demandas relacionadas à
dependência química, tanto para a prevenção quanto para o tratamento, e independente do nível de
atenção, a rede secundária terá desempenho importante a partir da organização e investimento na
qualificação dos serviços, sobretudo, no que diz respeito a investimentos em recursos humanos. É
por meio de intervenções que são garantidos direitos como atuar, participar, dar opinião sobre suas
próprias questões, favorecendo assim o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Para
isso os profissionais precisam incorporar tal perspectiva de trabalhão. É através destas relações
potencializadas e significativas para todos os envolvidos que se constitui a rede de apoio; não basta
que as relações sejam desejadas e significativas apenas para os usuários demandatários das ações.
Para Kern (2002) quando o sujeito se sente acolhido nesta rede de pertencimento por
meio de manifestações subjetivas, isso gera o sentimento de que ele tem valor, conformando que é
bom ele ser quem ele é, sente-se apoiado. Neste sentido, o trabalho na perspectiva de rede remete
valorizar a forma como o sujeito se estabelece no mundo no que tange a suas relações quer sejam
por razões materiais ou socioafetivas. Implica enquanto sujeito profissional, importar-se em
conhecer os demandatários das ações da instituição em que se está inserido e a rede de serviços que
este sujeito usuário transita. Isso implica buscar conhecer a rede de pertencimento, as relações
primárias que se estabelecem na família, nas relações de amizade que o sujeito vai identificando e
escolhendo, agregadas pela convivência na comunidade, até as relações desenvolvidas em outros
espaços institucionalizados e organizados por serviços, sabendo que, por vezes também somos
sujeitos demandatários de ações [usuários, pacientes].
Ao avaliar a intervenção profissional na perspectiva de rede, verificamos que Souza,
Kantorski e Mielke (2009) abordam sobre o pertencimento entendendo que todo individuo pertence
a uma rede que é um subgrupo da sociedade global. Esta rede de pertencimento do indivíduo é
espaço de intercâmbios e vínculos com as pessoas que são emocionalmente significativas para ele,
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tais como família, amigo, vizinho, colega de trabalho, profissionais da saúde, etc. O fato de possuir
interações constantes com esta rede, que é fonte de recurso, apoio emocional, informação, é que
define esta como rede de apoio. Este subgrupo que oferece apoio na concepção de Souza,
Kantorski e Mielke (2009) não representa uma camada ou um espaço restrito, e sim o conjunto
dinâmico de pessoas, recursos e serviços envolvidos e importantes para a vida do sujeito.
Desta forma, pensar a rede de apoio como sinônimo de apoio social na atenção
dispensada a dependentes químicos, no que tange ao papel da rede secundária, implica existir a
disponibilidade para compartilhar interesses em torno de demandas pelos múltiplos serviços e
profissionais de diversas áreas inseridos e atuantes nestes espaços. Esta disponibilidade dos
profissionais é condição que define não somente o perfil profissional, mas também desenha o papel
da rede de apoio. Para Canesqui e Barsaglini (2012) oferecer apoio significa também o serviço
disponibilizar esforços para mediar a comunicação do sujeito com os demais serviços no sistema
social, assim como com sua rede de apoio primária, balizando a ação dos sujeitos e influenciando
em suas condutas. O fazer profissional pode contribuir para facilitar ou inibir o desenvolvimento
desta rede de apoio do sujeito, além de que, esta intencionalidade reflete em saúde de forma mais
ampla. Nesta perspectiva, promover saúde é justamente favorecer que os sujeitos possam interagir,
revelando ações coletivas de fato e desta forma possibilitar que possam ir tomando o controle e
autonomia pelas suas vidas (empowerment). O trabalho na perspectiva de rede, portanto, remete ao
um fazer profissional que precisa estar atento para o individual e para o coletivo, permeado por
uma intencionalidade em que o saber e o poder profissional estejam voltados para a promoção do
sujeito. (CANESQUI; BARSAGLINI, 2012).
Em se tratando da demanda dependência química, estudos que abordem sobre a rede de
apoio dando ênfase ao papel e a dinâmica da rede secundária são sumamente importantes. Em
razão do uso de substâncias psicoativas por longos períodos e quando instalada a doença, em geral
os sujeitos rompem vínculos ou estes se tornam fragilizados. As relações familiares se desgastam,
passa a haver descrença pela rede primária, pelo fato de que as recaídas estão relacionadas a estes
processos e inferem frustrações. Em um estudo com intuito de analisar sobre o apoio social
recebido e a rede de apoio de dependentes químicos de um Caps-Ad - Centro de Atenção
Psicossocial da região sul [Pelotas] Souza, Kantorski e Mielke (2009) chamam a atenção para uma
realidade que é percebida também em outros estudos. Os sujeitos dependentes químicos destacam a
família como única ou principal rede de pertencimento, enquanto que, de outro lado, a família
descreve o vínculo como já estando rompido ou muito fragilizado e desgastado. Com isso,
fundamentam que o fortalecimento dos vínculos na construção da rede de apoio destes sujeitos tem
sido considerada em grande parcela sob o prisma da rede primária, reverberando assim discursos
sobre o papel da família como rede de apoio (SOUZA; KANTORSKI; MIELKE, 2009). Este
12
processo deixa em detrimento a valorização do próprio significado que a rede secundária possui e
sua igual e importante parcela de participação na constituição da rede de apoio destes sujeitos.
Assim, como consequência, a ideia de pertencimento e de fazer humanizado pelos serviços acabam
também ficando em segundo plano, voltando intervenções para aplicações junto às famílias.
A dependência química interfere diretamente no que tange ao pertencimento em todas
as esferas da vida. E uma vez que as relações sociais têm por base a troca, se espera atenção na
mesma intensidade (MARINHO; SILVA; FERREIRA, 2011). Com a dependência química
instalada, as consequências da doença influenciam no trabalho, nas condições físicas, psíquicas e
sociais, limitando os sujeitos. Muitas vezes o custo/benefício do trabalho fica em evidência, além
de estigmas que o afastam. Outros espaços relacionais, comunitários e de lazer que remetem à
qualidade de vida, à prática da espiritualidade, que antes tinham um aspecto de irmandade e
fortaleciam o senso de comunidade e os cuidados com a própria vida passam a ser evitados. Além
disso, para permanecerem saudáveis, as relações primárias de amizade algumas vezes precisam ser
substituídas. Com os vínculos familiares fragilizados, muitas vezes os serviços passam a ser por
algum tempo as “redes operantes” para estes sujeitos até se retomarem laços saudáveis.
É neste sentido que Souza, Kantorski e Mielke (2009) destacam que a assistência mais
humana em detrimento de olhares excludentes infere na intervenção, na forma como o serviço irá
se apresentar como parte significativa da rede de apoio para o sujeito. Considerando a demanda
dependência química e a rede secundária que constitui parte da rede de apoio do sujeito composta
por diversos serviços, entendem que esta assistência mais humana precisa ser considerada para
todos os profissionais e áreas envolvidas. Enfatizam no que tange a disciplinas e formação
acadêmica, que é preciso investimentos em olhares mais abrangentes e práticas comunitárias em
diversos segmentos profissionais. Alexandre, et al. (2011) complementa que o processo de
fortalecimento do vínculo entre o usuário e a equipe, e dos serviços envolvidos entre si, está
intrinsecamente ligado à própria compreensão de produção da saúde construída coletivamente. Isso
significa dizer que quanto mais investimentos houver na qualificação de recursos humanos para a
garantia de um fazer voltado ao respeito e a valorização do humano, maiores serão as práticas
coletivas que irão devolver a promoção de saúde à comunidade como um todo.
Para Rios (2009) um fazer humanizado inclui o processo interventivo direto com o
sujeito demandatário das ações e a própria transformação das culturas institucionais por meio de
práticas coletivas. Valoriza que esta perspectiva de trabalho em rede é estar garantindo este
estreitamento do vínculo entre o sujeito e os atores institucionais e consequentemente entre os
serviços. Através deste fazer é possível estar cotidianamente capacitando o sujeito a participar,
opinar e decidir sobre a gestão dos serviços e da própria vida de forma positiva. Pensando a
13
humanização nas equipes Türck (2001, p. 22) destaca que “um trabalho só consegue ter êxito
quando o processo competitivo, a inveja e a disputa de poder são canalizados positivamente”.
A atenção dispensada a dependentes químicos, segundo a Política de Atenção Integral
para Usuários de Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde, resultado da III Conferência
Nacional de Saúde Mental, está voltada a prevenir, tratar e reabilitar sujeitos que sofrem por
transtornos decorrentes do consumo de drogas (BRASIL, 2003). Para Ronzani (2011) a Lei
10.216/2002 que sanciona a Política é um marco institucional, uma vez que dispõe sobre a proteção
e os direitos das pessoas com transtornos mentais, incluindo usuários de álcool e outras drogas,
destacando os cuidados nos espaços como Caps-Ad, articulados com programas de saúde da
família, agentes de saúde, unidades básicas, etc. Além dos espaços institucionais a Política destaca
que precisam ocorrer práticas interventivas, tanto nestes espaços - com cuidados relacionados à
medicação, intervenções psicoterápicas, orientação, como a inserção e a atuação comunitária pelos
serviços. A Política conclama aos serviços se lançarem para a atuação em rede, e,
consequentemente intervirem nesta perspectiva por meio de seus atores institucionais. No que
tange aos serviços a Política preconiza que se fortaleçam os pontos em cada nível de atenção e
entre estes, destacando que, o princípio da integralidade das ações está na soma de esforços e
competências, compreendidos como áreas e serviços que virão reduzir o nível de problemas
relacionados ao consumo de drogas como um todo vivenciado na sociedade (BRASIL, 2003).
Por ser demanda multifatorial, tanto para tratar quanto para prevenir, será a junção de
esforços que irá revelar a eficácia da Política Nacional de Atenção Integral para Usuários de Álcool
e Outras Drogas.
Nunca é demais, portanto, insistir que é a rede – de profissionais, de familiares, de
organizações governamentais e não-governamentais em interação constante, cada um com
seu núcleo específico de ação, mas apoiando-se mutuamente, alimentando-se enquanto
rede – que cria acessos variados, acolhe, encaminha, previne, trata, reconstrói existências,
cria efetivas alternativas de combate ao que, no uso das drogas, destrói a vida. (BRASIL,
2003, p. 11).
Além disso, corroborando com a Política de Atenção Integral para Usuários de Álcool e
Outras Drogas, a Política Nacional de Humanização de 2003, embasada por uma intencionalidade
solidária, busca a melhoria nas relações pertinentes a gestão e a atenção dispensada a usuários dos
serviços de saúde. A Política vem a calhar com a perspectiva de trabalho em rede, quando tem
dentre suas diretrizes, estimular a comunicação entre gestores, trabalhadores e usuários para
construir processos coletivos de enfrentamento de relações de poder, e dentre seus princípios, a
valorização das dimensões subjetivas e sociais na prática de atenção a saúde. (BRASIL, 2004).
Noutras palavras, a Política Nacional de Humanização busca orientar as relações entre usuários dos
serviços e profissionais, destes entre si, e, entre serviços. Vem respaldar e recomendar ao trabalho
14
técnico-profissional, atitudes humanísticas, já que muitas vezes a falta destes ingredientes produz
atitudes e práticas desumanizadoras, que inibem a autonomia dos sujeitos usuários dos serviços e a
co-responsabilidade dos profissionais de saúde na produção desta autonomia.
Gomide e Grossetti (2010) abordam sobre a importância das relações interpessoais no
desempenho de programas e nos serviços de saúde. Entendem que a subjetividade que emerge da
singularidade de cada componente contribui diretamente nas ações de trabalho. Neste sentido, as
relações entre estes atores sociais deve ser foco de interesse e estudo ao se estabelecer reflexões e
análises sobre a atuação na perspectiva de rede e avaliar a inserção dos serviços na rede de apoio.
Embora os serviços sejam instâncias formalmente constituídas e seus integrantes possuem papéis
pré-determinados, as ações se materializam por meio de um fazer de humanos para humanos,
emergem sentimentos e outros fenômenos. Gomide e Grossetti (2010) abordam sobre as questões
humanas e do mundo social, as quais, “não deveriam ser reduzidas ao mundo racional, propondo a
não-separabilidade entre o agir racional e subjetividade” (p. 876). Esta perspectiva vem ao
encontro do que a Política Nacional de Humanização preconiza, quando indica que a humanização
é a busca por produzir um novo tipo de interação entre os sujeitos, tanto que usufruem quanto
destes com os que executam as ações, consolidando a perspectiva de rede que é destacar e fomentar
estes aspectos, subjetivos e sociais presentes em qualquer prática profissional.
Pensar a rede de apoio de dependentes químicos implica considerar alguns
pressupostos teóricos. Pela forma como se estabeleceu as ações e serviços pelo Sistema Único de
Saúde ao longo da história, com ênfase na atenção regionalizada, hierarquizada e integrada, saúde e
rede são dois termos que em geral quando associados remetem a ideia de conexões entre instâncias
em níveis hierárquicos [união, estado município, ou, níveis de atenção e respectivos serviços].
Além disso, a dependência química é demanda que infere ações em todos os níveis e atuação de
diversas áreas e políticas intervindo na prevenção e promoção da saúde e garantindo acesso a
tratamento de qualidade (DUAILIBI; VIEIRA; LARANJEIRA, 2011). O fomento da participação
coletiva, o olhar para as relações sociais no trabalho [para os vínculos inter-profissionais e destes
com os usuários] e a qualificação dos processos de formação que se revelam nas práticas de saúde
e cuidados a este público são algumas das intenções da Política Nacional de Humanização, que
respaldam e ao mesmo tempo reforçam a relevância do trabalho na perspectiva de rede. (BRASIL,
2004).
Para Santos Filho, Barros e Gomes (2013) as diretrizes e princípios da Política de
Humanização não se dissociam de uma perspectiva interventiva, uma vez que a Política fomenta a
atuação para movimentos e rupturas que contribuam para transformar os modos instituído. Para os
autores, “os processos de trabalho são processos de produção de sujeitos, uma vez que homem e
mundo não são realidades já dadas [...] o processo de trabalho é processo de constituição de
15
sujeitos” (SANTOS FILHO; BARROS; GOMES, 2013, p. 605) e de acordo com essa premissa
valorizamos a relação dos dispositivos da PNH associados ao trabalho na perspectiva de rede para
a construção de redes de apoio.
3 DISCUSSÃO
Para Sluzki (1996), rede social pode ser definida como o conjunto de seres com quem
interatua um indivíduo de maneira regular, com quem ele conversa, troca sinais e o fazem ser real.
Esta, por sua vez, é constituída pela família nuclear e extensa, pelas relações de amizade e
vizinhança, relações de trabalho e escolares, e relações comunitárias, de serviços ou religiosas. Para
Dessen e Braz (2000), a rede social inclui pessoas, lugares e contextos para além da família e dos
laços de sangue. Taucar, Castellanos e Mallo (1996 apud GIONGO, 2003) acrescentam que a rede
social possui função informativa, afetiva e instrumental, sendo constituída pela rede primária -
família, amigos, vizinhos e companheiros de trabalho, e pela rede secundária, formada por
conjuntos sociais instituídos, estruturados para desenvolver funções específicas. Este mesmo
entendimento sobre rede social é defendido por Elkain (1998) que chama a atenção para as
afinidades pessoais da rede primária, e para o caráter formal da rede secundária constituída por
diversas instituições e representadas por seus integrantes. Sanicola (1994 apud GIONGO, 2003, p.
17) colabora que a rede secundária “é aquela rede associada à relação de necessidade/oferta de
serviços”.
Coligando estas concepções sobre rede social com a perspectiva de trabalho em rede
como garantia de apoio de fato, Giongo apresenta que “a rede social pode ser definida como um
grupo de pessoas significativas umas para as outras, que ao realizarem intercâmbios entre si e com
outros grupos significativos, podem potencializar os recursos que possuem”. (GIONGO, 2003, p.
19). E, acrescenta que esta rede social, constituída pela rede primária e secundária, se define como
rede de apoio quando permeada de solidariedade, compreendida pelos processos de relação que
privilegiam o bem-estar do outro tanto quanto o próprio. (GIONGO, 2003). Seguindo nesta linha,
verificamos que Gonçalves et al. (2011) aborda sobre apoio social, apresentando que os estudos
sobre o tema se utilizam de diferentes tendências conceituais, utilizando como tema central o apoio
social, as relações sociais ou as redes sociais. E destaca que independente da categoria central
utilizada, a qualidade do apoio social remete à funcionalidade das relações interpessoais e
intergrupais existentes na rede, definindo a partir destas relações a rede social como sendo [ou não]
uma rede de apoio.
Para Gonçalves et al. (2011) os comportamentos de apoio emocional, material,
informacional, cognitivo e as questões subjetivas que emergem das relações definem as dimensões
16
alcançadas pelo apoio. Quanto às dimensões, Andrade (2002) relaciona apoio social a suporte
social, e complementa que significa a rede social garantir compartilhar sentimentos, informação e
participar de eventos sociais enfatizando as mesmas funções apresentadas por Taucar, Castellanos
e Mallo (1996 apud GIONGO, 2003) [informativa, afetiva e instrumental]. Considerando a
funcionalidade das relações e as dimensões alcançadas pelo apoio – elementos chaves para definir
a rede social como sendo espaço de apoio – podemos afirmar que quanto mais forte e integrada a
rede social se apresentar, mais capaz será de oferecer apoio ou suporte social de forma completa
aos sujeitos.
Considerando a demanda dependência química, para Abreu e Malvasi (2011) esta é
fenômeno multifatorial, pois não se trata apenas de um dado fisiológico, mas de reconhecer um
conjunto de influências sociais e demandas complexas - biológicas, culturais e subjetivas, que
envolvem a doença. Destacam ainda, que aspectos sobre o uso que inferem risco de dependência
estão ligados a “contextos geográficos, econômicos, sociais, culturais e históricos” (ABREU;
MALVASI, 2011, p. 79). Além disso, entendem que as representações sociais que se desenvolvem
em torno desta demanda ao longo da vida do sujeito nestes múltiplos contextos, permeados por
relações sociais, contribuem para explicar o uso, abuso e/ou dependência de drogas, bem como
influenciam nos processos de prevenção e tratamento. Considerando a dependência química uma
problemática que cria barreiras e separa as pessoas, fragilizando vínculos familiares e
comunitários, é justo afirmar que a complexidade que esta demanda assume na contemporaneidade
requer a junção de múltiplos saberes e de intervenções em várias dimensões da vida dos sujeitos
(SOUZA; KANTORSKI; MIELKE, 2009). Valorizando a influência das relações sociais que se
estabelece ao longo da vida na construção das representações sociais pelos sujeitos e da
funcionalidade destas relações na consolidação da rede social como promotora [ou não] de apoio,
vale refletir quão capaz pode ser um sujeito de estabelecer relações que promovam aspectos
positivos em momento de extremo mergulho na doença em se tratando da dependência química.
Na concepção de Marinho, Silva e Ferreira (2011, p. 303), podemos afirmar que a rede
social nem sempre é um espaço de apoio; ao contrário, “a rede pode ser um risco à saúde [...] o
sujeito é construído neste partilhar de comportamentos e relacionamentos”. A doença caracteriza-se
como uma problemática que infere no equilíbrio biopsicossocial e no perfil das relações que o
sujeito passa a estabelecer (DUARTE; MORIHISA, 2011). Neste sentido, um dos desafios do
trabalho na perspectiva de rede com dependentes químicos, é o de reconstruir com estes sujeitos
novas relações sociais considerando a rede primária e secundária, assim como intervir em
esquemas e valores construídos e instituídos ao longo da vida ou a partir de determinado período.
Estes movimentos instituintes, solidários e saudáveis pela rede social que irão caracterizar e definir
a rede de apoio do sujeito dependente químico, a partir do respeito e valorização de sua história e
17
investimentos em torno das fragilidades para a superação destas. Para Giongo (2003, p. 25)
trabalhar na perspectiva de rede é “potencializar os recursos de todos os envolvidos no processo,
para que se sintam suficientemente protegidos e satisfatoriamente controlados” considerando a
concepção de rede primária e secundária como constituintes da rede de apoio.
Para Souza, Kantorski e Mielke (2009), as intervenções profissionais denominadas
como perspectiva de rede em geral são voltadas para investimentos no estreitamento do vínculo
com a rede social do paciente, esta entendida e reduzida como sendo a família. Os trabalhos nesta
perspectiva de rede [reducionista] fomentam o fortalecimento dos vínculos, convocando os
serviços para que estejam reavaliando o saber e o fazer com a finalidade de melhor colaborar na
prevenção e/ou reabilitação dos usuários frente à demanda dependência química, contudo, para
que ocorra o resgate do vínculo do sujeito com sua família. Assim, ao mesmo tempo em que se
busca a participação de forma multidisciplinar e multiprofissional para a atenção dispensada ser
sinônimo de apoio de fato, por outro lado, a rede de apoio é compreendida e denominada como
sendo unicamente a família
Verificamos que Souza, Kantorski e Mielke (2009) pontuam que os sujeitos que
vivenciam a dependência de substâncias psicoativas acabam se afastando de diversos espaços
saudáveis de socialização e fragilizando os vínculos familiares e comunitários. Ressaltam a
importância que a atenção dispensada pelos serviços que atendem estes sujeitos estabeleça práticas
integradas e busque a qualificação do saber da equipe como um todo para a atuação comunitária.
Pillon, Jora e Santos, (2011, p. 454) acrescentam que as múltiplas áreas e saberes atuando de
maneira integrada, compartilhando conhecimentos “facilita os enfrentamentos profissionais e a
assistência humanizada, que contribuem para melhorar a compreensão da realidade“. Para os
serviços que constituem a rede de atenção a dependentes químicos, entendem que, fatores como
espaço e localização, disponibilidade de recursos humanos, tempo para planejar as ações,
incentivos da área a qual corresponde os serviços e a articulação tanto interna quanto externa entre
os respectivos profissionais são fatores que podem funcionar tanto como facilitadores, quanto
como barreiras na implementação do trabalho. Destacam a falta de articulação de recursos
humanos e materiais, que na prática cotidiana, “o profissional que atua na área de dependência
química pode se sentir impotente frente à complexidade dos aspectos físicos, mentais, sociais,
legais, culturais que o interpelam no processo de produção dos cuidados” (PILLON; JORA;
SANTOS, 2011, p. 456).
Neste sentido, verificamos que a atuação com a demanda dependência química requer
uma vasta base de conhecimento e habilidades, assim como a sensibilidade para a atuação em
equipe. Para Türck (2001) a competência relacional consiste na arte de utilizar o conhecimento
para a garantia da interlocução e do protagonismo dos sujeitos, de forma que, para a autora, possuir
18
habilidades técnicas desacompanhadas da capacidade relacional leva qualquer profissional a se
transformar em mero executor de tarefas, cujo processo discursivo nunca chega à ação. Para
Pillon, Jora e Santos (2011) as questões de espaço, recursos e incentivos são fatores institucionais.
Especificamente sobre a capacidade relacional, pontuam que a aproximação emocional entre os
membros infere diretamente na comunicação, e afirmam que é necessário investir nestes fatores em
nível institucional antes de intervir na rede do “outro”.
Este outro por sua vez, pode ser relacionado com o usuário do serviço, mais
precisamente, o sujeito dependente químico e sua família. Quando Gomide e Grossetti (2010)
abordam sobre a importância das relações interpessoais no desempenho de programas de saúde é
preciso relacionar as relações entre todos os envolvidos, considerando a relação entre profissionais
e usuário do serviço e relações inter-profissionais. Além disso, pensando a competência relacional
e a fluidez na comunicação entre membros das equipes de forma interinstitucional implicados
diretamente para o trabalho na perspectiva de rede, podemos afirmar, conforme Souza, Kantorski e
Mielke (2009), que o mesmo sentimento que se busca alcançar aos usuários precisa ser incorporado
pelos profissionais; estes precisam se sentir pertencentes à rede de apoio a qual estão inseridos por
meio dos serviços que executam e representam.
Quando Rangel (2007 p. 24), define que “a rede social é uma fonte essencial de
sentimento de identidade, de competência e ação”, quanto à rede secundária podemos então
conjeturar que ela assim se apresenta aos sujeitos demandatários das ações quando antes os
profissionais nela inseridos se sentem identificados e implicados no processo. É pouco provável
que ações descoladas da realidade, cujo fazer seja mais por obrigação do que por envolvimento
resulte em transformação. Como destaca Kern (2002), é por haver acolhimento nesta rede de
pertencimento por meio de manifestações subjetivas, que geram sentimentos de valia que os
sujeitos vão se sentindo apoiados e percebendo que possuem valor para alguém. Portanto, as
práticas cotidianas profissionais caracterizam atuações na perspectiva de rede quando as questões
humanas e subjetivas são valorizadas, acompanhadas pela competência ética, teórica e
metodológica (GOMIDE; GROSSETTI, 2010).
Para Souza, Kantorki e Mielke (2009) é ineficaz qualquer forma de atuação focada
apenas no indivíduo. Neste sentido, a rede de apoio existe a partir da articulação, tanto interna
quanto entre as diversas instâncias sociais que a constitui, para que o sujeito possa usufruir de seus
recursos, de seus serviços ofertados. Daí a importância da competência relacional e da articulação
de recursos. Elkaïn (1998) entende que tantas quantas forem as instituições de uma rede social
pode ser o número de instituições envolvidas em uma dada rede de apoio a determinado indivíduo
ou a determinada demanda. O que restringe ou amplia a rede de apoio é mais a intencionalidade de
somarem-se entre si para a ação culminar positivamente do que das áreas que representam ou a que
19
se limitam as instituições. Neste sentido, Giongo (2003), atribui a competência profissional para o
trabalho na perspectiva de rede como a capacidade que poucos conseguem de se colocar como
multiplicadores, promovendo contextos e intervenções, que, no campo da saúde e na demanda
dependência química, reflete como a capacidade de mobilizar e empoderar os sujeitos para a
construção de redes comunitárias de apoio para a promoção da própria saúde.
Para Souza, Kantorski e Mielke (2009), para promover protagonismo é indispensável
conhecer as redes primárias e secundárias da população com as quais trabalhamos e identificar
pessoas e serviços que podem ser adicionados. Ao destacar a capacidade profissional Giongo
(2003), aborda que o profissional trabalha como um catalisador, confiando e apostando nas
potencialidades da rede primária, e, ao mesmo tempo, permite que a rede se aproprie de seu saber
profissional e de seu poder institucional. O apoio oferecido pela rede pode ser facilitador do
empoderamento, que se revela pela autonomia dos sujeitos, tanto no gerenciamento de suas
próprias vidas quanto de opinar para melhorias individuais e coletivas. Este processo requer um
fazer genuinamente humano e profissional embasado por questões éticas. Para Marinho, Silva e
Ferreira (2011) é alcançado a partir da escuta sensível dos usuários, da possibilidade de terem voz
nos espaços de atendimento, com posturas ativas, podendo explorar sobre a própria realidade,
sendo assim, instigados a desenvolverem um senso de responsabilidade pela própria saúde.
Todavia, a limitação dos serviços de saúde e dos profissionais, não por incompetência, mas, muitas
vezes, pelos modelos instituídos de atendimento, atravancam o estabelecimento de redes de apoio.
Enquanto isso se reverberam discursos de que o trabalho em rede [como é proclamado] é a solução.
A rede é constituída de diferentes pontos e podemos afirmar que a integralidade das
ações preconizada pela Política de Atenção Integral a Dependentes de Álcool e Outras Drogas
requer, antes de qualquer coisa, mapear os envolvidos. No que tange ao fortalecimento da rede de
apoio do dependente químico e intervenções com este público, a perspectiva de trabalho em rede
preconizada pela Política é justamente os serviços estarem buscando a unidade na atuação, de
forma a não ocorrer duplicidade de intervenções, possibilitando a participação de todos os serviços
e áreas relevantes [seja para tratamento ou prevenção], desenvolvendo capacitações coletivas e com
viés solidário, evitando a sobreposição de fazeres (BRASIL, 2003). Ainda, é necessário valorizar
tanto no fazer profissional quanto dos serviços a família como elemento da rede de apoio primária
do dependente químico pensando ações de resgate e fortalecimento destes vínculos. Entretanto, ao
trabalhar o fortalecimento dos vínculos entre os serviços e atores envolvidos na rede secundária, é
possível estabelecer estratégias de ação, definindo papéis, ampliando assim as intervenções, uma
vez que estes serviços somando recursos configuram uma rede de apoio organizada e eficaz.
Segundo Kern (2002, p. 13), no poder conferido aos segmentos sociais, “redes que
atendem a saúde [do sujeito] assumem o direito de prestar atendimento ou de excluir”. O objetivo
20
da intervenção em redes sociais é proporcionar recursos e serviços a pessoas que têm dificuldades
em diferentes esferas ou dimensões de suas vidas para que estes sujeitos consigam se auto-
organizar e adquirir plena autonomia. Pensando a dependência química enquanto uma doença
multifatorial, portanto demanda relacionada em nível de tratamento e prevenção às múltiplas
políticas públicas - de saúde, educação, assistência social, segurança, dentre outras, é justo afirmar
que o fortalecimento do sujeito na prática profissional significa a intervenção para o
empoderamento da vida individual e coletiva por todas estas áreas envolvidas. Conforme
Alexandre, et al. (2011), os processos de formação destas diferentes áreas possuem importante
responsabilidade para a construção de visões, saberes e intervenções voltadas a esta perspectiva.
Desafios enfrentados para o estabelecimento do trabalho pautado na perspectiva de
rede indicam que os processos de superação centram-se nas relações de poder. Quando mudam os
gestores em nível municipal, por exemplo, a lógica tripartite - trabalhadores, controle social e
gestão - fica comprometida, privilegiando práticas individuais em detrimento de questões sociais
coletivas. A articulação da rede social em nível macro infere no estabelecimento das redes de apoio
dos sujeitos. Rangel (2007) contribui que as redes de apoio são modificadas na estrutura por
imigrações e emigrações de seus membros, seja por adesão ou saída de alguns indivíduos ou por
mudança de órgãos ou instituições componentes da rede. Para isso é preciso considerar na atuação
profissional as relações de poder e saber, o processo de construção de estratégias de ação, as
situações sociais complexas na relação de diferentes atores sociais envolvidos nesta questão
(KERN, 2002). A mediação profissional para Türk (2001) frente a estas relações de poder e
entraves se coloca como principal ingrediente, enfatizando o princípio da realidade, da
intencionalidade e da transformação - os contextos de atuação onde os profissionais estão inseridos
requerem disponibilidade para intervir e conhecer as causas, toda ação precisa ser consciente e
intencional no empoderamento dos sujeitos [não neutralidade], e a transformação da realidade
reside na ação educativa de todos os envolvidos.
Giongo (2003) descreve que ao agregar o adjetivo social, o termo rede passa a
especificar um determinado campo, inclinando seu significado para questões que irão remeter a
valorização e o estudo das relações entre os sujeitos quanto aos aspectos práticos e subjetivos.
Conforme Türck (2001) a troca de conhecimento entre diversos atores sociais, construindo uma
práxis, num processo de solidariedade na busca coletiva por soluções e respostas define a rede de
apoio. O espaço privilegiado da atuação profissional é o cotidiano, o mundo da vida, o todo dia do
trabalho que se revela como o ambiente no qual emergem exigências imediatas, ou se revigoram
situações instituídas e são postas como desafios. Nesta realidade, somos convidados a lançar mão
de diferentes meios e instrumentos respaldados por princípios éticos e humanitários.
21
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como ser social, o homem estabelece suas relações iniciais com a família, considerada
núcleo primário de pertencimento. Este grupo transmite aprendizados ao sujeito para que busque
outros grupos, reproduzindo assim a socialização e moldando sua identidade social. Todo ser
humano carece aceitação, de maneira que na vida em grupo são supridas necessidades, sejam elas
materiais ou afetivas. Esta identidade social está associada a vínculos estabelecidos por interesses
comuns que favorecem o sentimento de pertencimento recíproco, caracterizando a rede primária.
Entretanto, algumas necessidades a serem supridas estão atreladas a oferta de serviços que definem
a rede secundária a partir de papéis e funções, instituídos de maneira específica. Desta forma, os
grupos, pessoas, instituições, serviços, cada um possui determinado significado, representando um
ponto da rede social do sujeito. Intervir no fortalecimento da rede de apoio do dependente químico
implica explorar sobre a qualidade destas relações e como são determinados os padrões de
interação entre sujeito e pontos de sua rede, elucidando o que é referência de apoio frente a esta
demanda.
Embora não se possa estabelecer um arquétipo ideal de interações frente a uma dada
demanda, e cada sujeito de acordo com sua realidade e momento apresenta determinada rede de
apoio como referência, é possível conjeturar grupos, pessoas, instituições e serviços capazes de
conformarem a rede de apoio frente à demanda dependência química. Para isso, no processo de
fortalecimento de vínculos é necessário buscar conhecer tanto os pontos que constituem a rede
primária do sujeito, quanto à rede de atendimento no que tange a serviços (secundária) nos quais se
é parte constituinte.
O fortalecimento dos vínculos do sujeito é resultado do trabalho de ampliação e
fortalecimento da sua rede de apoio, que, por sua vez, se constitui pela rede primária e secundária.
Uma revelada pelos vínculos familiares, afetivos, de pertencimento, outra pelas instituições, seus
diferentes papéis e profissionais. Trabalhar na perspectiva de rede com a demanda dependência
química e com sujeitos dependentes químicos, implica reconhecer e garantir a inclusão da família e
demais laços afetivos, bem como, dos diversos serviços no que se denomina rede de apoio do
dependente químico.
Faz-se necessário enfatizar que a intencionalidade e o fazer humanizado dos atores
sociais inseridos nos serviços de saúde e em outras políticas que representam a rede secundária
implicados à demanda, colocam-se como meio na constituição, garantia e manutenção do
fortalecimento da rede de apoio do dependente químico. Trabalhar na perspectiva de rede vai além
de existir a rede de atendimento formalmente constituída e instituída, ou investir na rede primaria
de pertencimento dos sujeitos; é preciso considerar o que emerge da rede social em sua
22
completude. Isso requer que os atores sociais atuantes nos serviços estejam implicados no processo
de construção da rede de apoio do dependente químico através de seu fazer profissional
humanizado. Pois é quando o saber profissional se revela em ação na garantia de direitos, na
promoção da saúde, no fortalecimento dos vínculos, que esta perspectiva de trabalho em rede passa
a ganhar sentido se efetivando enquanto intencionalidade que precede a ação e como estratégia
metodológica.
Ao relacionar a Política Nacional de Humanização com o trabalho na perspectiva de
rede na construção e fortalecimento das redes de apoio de dependentes químicos, não se trata de
idealizar uma proposta abstrata, descolada da realidade que se vivencia cotidianamente nos
serviços. Trata-se de uma provocação para que se coloque em análise o próprio trabalho, fazendo
esta construção nos espaços reais e coletivos que estão incluídos profissionais, gestores e usuários.
Quando se trata de uma demanda multifatorial que requer elo de diversas políticas, áreas e
serviços, a humanização do trabalho não se resume a um campo; é preciso refletir e instituir a
humanização no fazer profissional.
A rede de apoio necessita estar ao alcance do sujeito e com qualidade, o que significa
estar disponível para oferecer proteção - companhia social, apoio emocional, guia cognitivo,
conselhos, ajuda material, oferta de serviços, acesso a novos contatos. Considerando a demanda
dependência química com a estrutura e a função da rede primária e da rede secundária, podemos
concluir que na ampliação e no fortalecimento da rede de apoio do sujeito dependente químico
estão intrínsecos os vínculos familiares, os laços afetivos e de pertencimento recíproco, bem como
os vínculos com os serviços. Assim, é preciso que os atores sociais envolvidos a tal demanda
interventiva busquem conhecer as relações primárias de pertencimento do sujeito, bem como,
sintam-se agentes instituintes do pertencimento nos serviços que ocupam e desenvolvem; sintam-se
co-responsáveis. Trabalhar na perspectiva de rede com dependentes químicos é investir na
superação das fragilidades da rede de apoio destes usuários, tanto na esfera primária quanto
secundária, atentando nesta última para a intencionalidade e eficácia do próprio fazer profissional.
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