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Educação e Pesquisa ISSN: 1517-9702 [email protected] Universidade de São Paulo Brasil Carbone, Renata Aparecida; Menin De Stéfano, Maria Suzana Injustiça na escola: representações sociais de alunos do ensino fundamental e médio Educação e Pesquisa, vol. 30, núm. 2, maio-ago, 2004, pp. 251-267 Universidade de São Paulo São Paulo, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=29830204 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Page 1: Redalyc.Injustiça na escola: representações sociais de alunos do

Educação e Pesquisa

ISSN: 1517-9702

[email protected]

Universidade de São Paulo

Brasil

Carbone, Renata Aparecida; Menin De Stéfano, Maria Suzana

Injustiça na escola: representações sociais de alunos do ensino fundamental e médio

Educação e Pesquisa, vol. 30, núm. 2, maio-ago, 2004, pp. 251-267

Universidade de São Paulo

São Paulo, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=29830204

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251Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.2, p. 251-270, maio/ago. 2004

Injustiça na escola: representações sociais de alunos doensino fundamental e médio*

Renata Aparecida CarboneMaria Suzana De Stéfano MeninUniversidade do Estado de São Paulo — Presidente Prudente

Resumo

Neste artigo apresenta-se o relato sobre duas pesquisas que bus-caram investigar como os alunos do ensino fundamental e médiode escolas públicas e particulares do município de PresidentePrudente representam situações de injustiça na escola, bem comoseus agentes e os tipos de ações que cometem. Dois conjuntosde dados foram analisados: 1) respostas obtidas por meio dequestões abertas incluídas num questionário aplicado em 480alunos em 1999, em alunos da 8a série do ensino fundamental e1a série do ensino médio, nas quais foram selecionadas, paraanálise, as respostas que tivessem a escola como local de injus-tiça; 2) respostas de alunos da 5a. série do ensino fundamentalem questões sobre injustiça na escola aplicadas em 2003. Paraanálise teórica, foram utilizadas as abordagens da Psicologia doDesenvolvimento Moral de Piaget e Kohlberg e da RepresentaçãoSocial, criada por Moscovici. Comparando as duas pesquisas, a de1999 e a de 2003, conclui-se que em nenhuma das séries a es-cola aparece como uma “comunidade justa” e que prevalecemos casos de injustiça retributiva e legal. Como principais agentesde injustiças aparecem, primeiramente, o professor perante seusalunos e, em segundo lugar, os alunos entre eles mesmos. Osalunos de escola particular apontaram mais o professor comoagente de injustiças que os de escola pública. Entre esses as in-justiças entre alunos foi mais citada. Os alunos de escola públicase posicionaram contra regras escolares que se opõem às necessi-dades pessoais com mais veemência que os de escola particular.

Palavras–chave

Psicologia Social — Justiça — Escola.Correspondência:Renata Aparecida CarboneRua João Braz Mathias, n. 17519014-190 - Presid. Prudente – SPe-mail:[email protected]

* * * * * Esta pesquisa foi desenvolvida como apoio financeiro da Fapesp.

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Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.2, p. 251-267, maio/ago. 2004252

Injustice at school: social representations of elementaryand secondary school students*

Renata Aparecida CarboneMaria Suzana De Stéfano MeninUniversidade de São Paulo — Presidente Prudente

Abstract

This article reports on two studies that aimed at the investigationof how students from elementary and secondary schools, bothprivate and public, from the town of Presidente Prudente (SP)represent situations of injustice at school, as well as their agentsand the kind of actions they take. Two sets of data wereanalyzed: 1) open answers to a questionnaire submitted in 1999to 480 pupils from the 8th grade of the elementary school andthe 1st grade of secondary school; the answers selected werethose in which reference was made to injustice at school; 2)answers given in 2003 by students of the 5th grade of theelementary school to questions about injustice at school. Thetheoretical analysis was based on the approach of thePsychology of Moral Development of Piaget and Kohlberg, andon the Social Representation approach created by Moscovici.Comparing the 1999 and the 2003 studies the conclusions canbe drawn that none of the school series see the school as a “justcommunity”, and that retributive and legal injustices prevail. Themain agents of injustice are revealed to be teachers (againststudents), followed by students (against other students).Students from private schools point the teachers as the agents ofinjustice more often that students from public schools. The latterput first the injustices among students; they also opposed morestrongly the rules that go against personal needs than theircounterparts from private schools.

Keywords

Social psychology – Justice – School.Contact:Renata Aparecida CarboneRua João Braz Mathias, n. 17519014-190 - Presid. Prudente – SPe-mail:[email protected]

* * * * * The research has been sponsoredby Fapesp.

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Discussões sobre justiça einjustiça

Foram feitas duas pesquisas com o ob-jetivo de investigar de que forma os alunos doensino fundamental e médio de escolas públi-cas e particulares do município de PresidentePrudente representam situações de injustiça naescola bem como seus agentes e os tipos deações que cometem. É possível investigar aspercepções de injustiças na medida em queelas se revelem por meio de representações deacontecimentos, de casos reais ou de queixasque podem ser suscitadas por diferentes instru-mentos, sejam eles diferentes meios de comu-nicação (televisiva, falada, escrita, imagens,etc.), conversas informais com colegas, debatespúblicos, entre tantos outros. Nessas represen-tações, podem aparecer diferentes concepçõesdo que se considera injusto que se ancoramem diferentes conceituações de justiça. No en-tanto, esse pode se mostrar um campo comple-xo de pesquisa, uma vez que as definições dejustiça podem ser inúmeras, assim como asformas de estudá-la na psicologia.

Perelman (1999) enfatiza que a decisãosobre que formas de justiça priorizar dependede muitas outras variáveis que vão de umaescala de valores adotada, que pode mudar his-toricamente, até os jogos de poder entre os en-volvidos nessas escolhas.

Na Psicologia do Desenvolvimento, Piaget(1932/1977) foi pioneiro em investigar comocrianças desenvolvem concepções de justiça einjustiça. Em seus estudos foram encontradostrês grandes períodos de evolução dessas con-cepções:

Justiça HeterônomaDe sete a oito anos, aproximadamente, a justi-ça subordina-se à autoridade adulta; justo,portanto, é o que está de acordo com as ordensimpostas pela autoridade dos adultos e assimtoda sanção é tida como legítima, necessária econstituindo mesmo o princípio da moralidade;o que prevalece é o respeito unilateral sobre o

respeito mútuo. Há ainda a forte presença daimanência na conceituação do que é justo: háa crença, por parte das crianças, na justiça au-tomática que emana da natureza física e dosobjetos inanimados.

Igualitarismo ProgressivoDe oito a onze anos, aproximadamente, há oigualitarismo progressivo; há o desenvolvimentoprogressivo da autonomia e primazia da igual-dade sobre a autoridade e as únicas sançõesconsideradas realmente como sendo legítimassão as que decorrem da reciprocidade. Há oprogressivo decréscimo da crença na justiçaimanente e o ato moral é procurado por si só,independente da sanção.

Justiça AutônomaAcima dos doze anos a justiça igualitária é tempe-rada por preocupações de equidade; isto é, a crian-ça não concebe mais os direitos iguais senão rela-tivamente à situação particular de cada indivíduo.

Esses “períodos” não chegam a ser está-gios, para Piaget, mas “fases que caracterizamdesenvolvimentos limitados” (1977, p .273).

Em relação à questão: “O que é algo in-justo?” Piaget obteve quatro tipos de respostas:

1. Injusto como sinônimo de condutas con-trárias às ordens recebidas do adulto: mentir,roubar, quebrar algo, em criança menores desete anos, em média.2. Injusto como o contrário do que é estabele-cido nas regras do jogo, por exemplo, trapacear.3. Injusto como as condutas contrárias àigualdade, seja a desigualdade nas sançõesou nos tratamentos. Essas duas respostas po-dem ser encontradas em crianças acima deoito anos, em média.4. Injusto se referiu às injustiças relativas àsociedade adulta, de ordem social, econômi-cas, políticas; uma resposta mais típica emadolescentes.

Podem-se encontrar, de acordo com

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254 Renata A. CARBONE e Maria Suzana de S. MENIN. Injustiça na escola: ...

Piaget, quatro tipos de justiça e injustiça daíderivados nas respostas das crianças ou ado-lescentes:

1. Injustiça legal: cometer atos consideradoserrados de acordo com a lei, como por exem-plo: matar, roubar, etc.2. Injustiça retributiva: injustiça como atri-buição de castigo de forma arbitrária e des-proporcional ao ato; como por exemplo: pu-nir um inocente ou não castigar um culpado.3. Injustiça distributiva: injustiça como formade tratamento desigual de acordo com a per-tinência social, econômica, política, religiosa,cultural, etc; como por exemplo: tratamentodesigual entre pessoas ricas e pobres.4. Injustiça social: injustiça como um atenta-do à dinâmica coletiva por meios políticos,culturais, morais, sociais, econômicos, comopor exemplo: a fome, a miséria, a guerra.

Outro estudioso sobre questões de jus-tiça e injustiça, também na Psicologia do De-senvolvimento, foi Kohlberg (1992). Ele desco-briu, a partir de respostas de crianças, adoles-centes e adultos a dilemas hipotéticos, trêsníveis de julgamento moral: pré-convencional,convencional e pós-convencional. Esses níveisse subdividem em estágios que revelam diferen-tes critérios sobre o que é considerado justo oucerto moralmente falando.

Os estágios de julgamento moral são,para Kohlberg,

formas de raciocínio empregadas em certas si-tuações e não a simples presença de diferentesconteúdos morais por preferência a certos valo-res (...); o julgamento moral é paralelo aos de-senvolvimentos sociais e intelectuais que nele,também, interferem. (Kohlberg, 1992, p. 31)

Para se entender os diferentes estágios épreciso compreender as relações que são esta-belecidas entre o eu — as normas — e as expec-tativas sociais. Assim, no nível pré-convencional(menos de nove anos de idade) as normas e as

expectativas sociais são externas ao indivíduo,portanto, pouco consideradas; no estágio con-vencional (adolescentes/adultos), há a conformi-dade com a manutenção das normas sociais:identificação do eu com estas, com as expecta-tivas sociais e com as autoridades que as perso-nificam; e, no nível pós-convencional (minoriade adultos), as normas passam a ser aceitas ounão em função de princípios norteadores.

Nesses três níveis as “operações da jus-tiça” tais como: a igualdade, a reciprocidade, aequidade, a universalidade, e as formas da jus-tiça dis-tributiva, retributiva e comutativa, seaplicam a aspectos diferentes do meio social eem extensões também diversas.

Kohlberg (1992) destaca, ainda, que os es-tágios apresentam uma seqüência invariante e hi-erárquica, isto é, cada estágio é mais adiantado emelhor do que o outro em termos de qualidadee de raciocínio neles empregados.

Pesquisas sobre justiça einjustiça

Os desenvolvimentos teóricos de Piagete Kohlberg sobre justiça marcaram as pesquisasque se seguiram sobre esse tema, tanto teóri-ca como metodologicamente. Hutz e Dell’Aglio(1995) apresentaram uma revisão das pesquisasque vêm sendo realizadas no Brasil sobre jus-tiça distributiva. Nelas, investigou-se como asregras da justiça distributiva são utilizadas deacordo com os princípios de igualdade, equi-dade, ou ainda, necessidade, em histórias quecontrapuseram a distribuição de um bem (no-tas, salário, lucros, etc.) entre protagonistas quese diferenciaram quanto ao mérito (esforço, ha-bilidades), quanto à produção ou quanto àsnecessidades.

Segundo Menin (2000b), as pesquisassobre justiça têm resultados limitados a situa-ções de laboratório que são criadas para as in-vestigações e que, na maior parte das vezes,não conseguem reproduzir as complexidadesdas situações de vida, como por exemplo, asque se referem às muitas características nas

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quais as pessoas são diferentes na vida real; oque traz muita dificuldade na escolha dos cri-térios de justiça. Sabe-se que a utilização deuma regra de justiça em relação a outras podevariar em função da situação, dos fatores rela-tivos às pessoas, e dos fatores socioculturais,tais como os que envolvem as ideologias, osvalores, as normas e regras sociais, a religião eoutros. Menin (2000b) considera, além dessasobservações, que a metodologia usada nessaspesquisas, histórias artificiais de distribuição debens em função do mérito, das obras, dasnecessidades ou, mesmo de forma injusta, limi-tam o levantamento dos critérios espontâneosque poderiam ser identificados em diferentespopulações. Os sujeitos das pesquisas que têmutilizado histórias apenas escolhem entre os cri-térios de justiça já dados pelos pesquisadores.

No campo da Psicologia Social, Assmar(1998, 2000) retomando vários trabalhos sobrejustiça e injustiça destaca que neles se tempriorizado a Teoria da Equidade, segundo aqual a equidade seria o único princípio utiliza-do pelas pessoas para apontar uma situação derepartição de bens como justa ou injusta. Se-gundo a autora, esses estudos têm acontecido,também, prioritariamente em laboratório, em si-tuações programadas artificialmente em que osparticipantes das pesquisas encontram situa-ções já estruturadas, as quais devem julgarcomo justas ou injustas. Nas palavras deAssmar: “Negligenciaram-se, assim, os proces-sos sociopsicológicos básicos da interação,envolvidos na troca eqüitativa, em favor de umaênfase unilateral nos processos intrapsíquicosdos participantes individuais, socialmente iso-lados” (Assmar, 1998, p. 122). Em sua pesqui-sa, concluiu que a interação social deve ter umefeito diferenciado no modo como os gruposse comportam diante de situações injustas.

Estudos de justiça erepresentações sociais

Menin (2000b) acredita que os trabalhossobre representações sociais são os que de fato

consideram concepções espontâneas de justiçaou injustiça. São exemplos disso os trabalhos deJakubowska (1991) e deste com Branicka (1994)e algumas das investigações de Doise (1994a,1995) e colaboradores (Doise 1991, Doise, Spini,Jesuíno e Emler, 1994a; Doise e Herrera, 1994b;e Doise, Clemence, Rosa e Gonzáles, 1995).

Jakubowska (1991), por meio de umahistória descrita a seus entrevistados, questio-nou sobre que leis mais justas um povo livre de-veria adotar para si; e, a partir das respostas,descreveu as diversas concepções de justiçaque poderiam ser usadas por diferentes grupos.Como principais resultados, a autora verificoutendências tais como:

— os mais jovens conceberam a justiça como tra-ços de caráter e de condutas específicas que elesconsideraram “boas” ou definiram a justiça legal;— entre os adolescentes de quatorze a quinzeanos, a justiça foi entendida como estabelecen-do condições de proteção do bem social. Foramencontradas três tendências: a) justiça comocomportamento conforme as leis; b) justiçacomo exigência de punição justa aos malfeito-res; c) justiça como exigência de uma avaliaçãoobjetiva;— para os mais velhos, entre dezessete e dezoitoanos, também foram encontradas três tendên-cias: a) justiça como uma conduta em acordocom a consciência individual; b) como aprecia-ção objetiva e um julgamento justo; c) justiçacomo igualdade diante da lei, aplicação igualda lei para todos.

Em outra pesquisa, Jakubowska e Branicka(1994) investigaram o conceito de justiça emcrianças e jovens por meio de questões abertas,e as categorias que mais apareceram foram as dejustiça como condutas desinteressadas, justiçacomo condutas dirigidas pela própria consciênciae justiça como conformidade legal; mas essasconcepções variaram na freqüência de suas indi-cações e nos tipos de justiças mais concebidasconforme a época das pesquisas (1989 e 1991)e ainda conforme a idade dos entrevistados.

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Os estudos de Doise e colaboradores(1994a, 1994b, 1995) evidenciaram que o queas pessoas consideram como direitos humanos,justos ou necessários, ou o que consideramcomo injustiça, ou seja, o atentado aos direitoshumanos, pode se modificar em função de: his-tórias culturais diferentes; de profissões nasquais as pessoas têm diferentes necessidades econtatos com necessidades de outros; classessociais e níveis educacionais que podem permitir,ou não, uma visão mais ampla ou restrita dosdireitos humanos; adesões políticas e religiosasespecíficas, graus de fatalismo e sensibilidade adiferentes conflitos sociais e outros.

Em conclusão, esses últimos estudosapontam, direta ou indiretamente, que as repre-sentações de justiça e de injustiça podem sermais do que estágios de julgamento, mas cons-truções possíveis de certas classes sociais ougrupos, em razão das pertinências sociais, dehistórias socioculturais comuns, de práticassociais cotidianas.

Na pesquisa realizada por Menin (2000a),perguntou-se a jovens acusados de cometer in-frações o que consideravam como injustiça e ob-teve respostas muito diversas, que lembravam ascategorias obtidas por Jakubowska e que vari-aram de acordo com a classe social dos entre-vistados. Jovens de classes sociais maisdesfavorecidas indicavam injustiças que haviampresenciado em seus bairros ou na vizinhan-ça, ao passo que outros jovens de classessociais mais altas indicavam exemplos tiradosda televisão.

Menin (2000b) investigou novamentequais as representações que cerca de 480 ado-lescentes, em média com dezesseis anos, tinhamde injustiça. Apareceu como resultado umagrande diversidade de respostas e as variáveisque mais as afetaram foram às relacionadas àclasse social dos alunos. Quanto pior o bairrode residência dos alunos, o nível ocupacionaldos pais e a rigidez dos alunos em suas respos-tas a outras questões sobre leis, maior a seve-ridade dos julgamentos, a dificuldade em repre-sentar, conceituar e exemplificar injustiças. As

duas idéias de injustiça que mais apareceramforam às relacionadas à justiça legal e as rela-cionadas à justiça retributiva. Notou-se, tam-bém, que a idéia de um julgamento injusto dosalunos aproximou-se da idéia de ausência dedefesa jurídica apontada nos estudos de Doiseem vários países, como algo que seria um gra-ve atentado aos direitos humanos (1991,1995).

Nessa pesquisa de Menin (2000b) nãoforam analisados, nos exemplos de injustiça,aqueles apontados como ocorrendo na escola,embora tenham sido freqüentes. Recentemente1

foram questionados jovens de primeira série doensino médio sobre situações de injustiça naescola e cerca da metade dos jovens descreveusituações escolares consideradas como injustas.Entre os exemplos dados, sobressaíram aquelesem que os jovens se consideraram como acu-sados injustamente por professores ou inspe-tores em atos cometidos ou, ainda, queixaram-se por terem recebido um castigo (suspensão,ser mandado para fora da classe, chamadas dadireção, etc.) desproporcional ao ato cometido.Tais respostas podem sinalizar que a escolapode ser um lugar percebido como injusto emvárias de suas funções e relações sociais.

Esses apontamentos levantam mais umapossibilidade de investigação nos estudos so-bre injustiça. Assim sendo, a escola, enquantoum espaço diverso, culturalmente múltiplo, queabrange elementos sociais e organizacionais dequestões sociais multifacetadas, traz a incum-bência dos questionamentos acerca da repre-sentação de alunos e professores sobre as for-mas de administração, gestão e direcionamentoescolar. É imprescindível, então, captar as repre-sentações que esses agentes têm do universoescolar e suas dimensões.

Nesse sentido, a percepção complexa dejustiça na escola poderá ser percebida e estu-dada a partir da sua reconstrução por meio derepresentações sociais.

As concepções de justiça/injustiça podem

1. Relatório de pesquisa do Grupo de Pesquisa Valores, Educação e For-mação de Professores: “Ética na escola: valores de alunos” (2002).

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ser entendidas como representações sociais. Deacordo com Jodelet:

A representação social é sempre uma represen-tação de alguma coisa (objeto) e de alguém (su-jeito). As características do sujeito e do objetoterão uma incidência sobre o que ela é.A representação social está com seu objeto numarelação de “simbolização”, ela toma seu lugar ede “interpretação”, ela lhe confere significações.Estas significações resultam de uma atividade quefaz da representação uma “construção” e uma“expressão do sujeito”. Esta atividade pode remeterseja aos processos cognitivos — o sujeito é entãoconsiderado de um ponto de vista epistêmico —seja aos mecanismos intrapsíqüicos (projeçõesfantasmáticas, investimentos pulsionais, iden-titários, motivações, etc.) —; o sujeito é entãoconsiderado de um ponto de vista psicológico.Mas a particularidade do estudo das representa-ções sociais é a de integrar na análise desses pro-cessos o pertencimento e a participação sociais eculturais do sujeito. (Jodelet, 1993, p.10)

O termo representações sociais foi intro-duzido por Moscovici (1978) a partir de seutrabalho sobre como se dava o processo de so-cialização de conceitos psicanalíticos e sua“transformação” para servir para outros propó-sitos e funções pelas pessoas no cotidiano.

De acordo com Sá (1998), as bases refe-renciais das representações sociais estão pautadasna vertente de Émile Durkheim que procuravaexplicar os fenômenos religiosos, científicos,temporais, a partir de conhecimentos inerentesà sociedade. Durkheim entendia que os fatossociais eram produto de uma ampla gama deconhecimentos oriundos das mais diversas fon-tes e formas no tempo e no espaço, que secombinavam e se misturavam acumulando-sedurante as gerações e transferindo-se para asposteriores. A essa multiplicidade de comporta-mentos e saberes ele atribuiu o nome de “repre-sentações coletivas”. No entanto, Moscovici con-sidera que as representações coletivas deDurkheim apresentam pontos falhos que não

permitem a explicação dos novos fenômenos, osquais apontavam para a necessidade de umaconcepção “flexível” sobre os indivíduos, sobre oque pensam, o que identificam, o que sentem, oque falam.

Numa sociedade, o novo se apresentaconstantemente mediante o universo científicoou por meio das novas tecnologias ou mesmoda dúvida e do questionamento que as relaçõesinterpessoais provocam, e que precisam serdecifradas, descobertas, reinventadas. Esta é amatéria-prima das representações sociais: aqui-lo que causa estranhamento e pede uma res-posta, uma inteligibilidade, uma familiaridade.Tornar familiar aquilo que é estranho no uni-verso cotidiano é a principal tarefa da “teoriado senso comum”, por seu poder convencionale prescritivo sobre a realidade.

De acordo com Doise e colaboradores(1994, 1995), as representações sociais assumemo papel de tomada de decisões que organizame regulam os sistemas cognitivos e as dinâmicasindividuais e sociais, nos quais as modalidadesde expressão atualizam os contextos e as rela-ções de forma organizacional.

As representações sociais como “teoriasdo senso comum” têm particularidades e fazememergir uma identidade de grupo a partir das ex-periências vividas nele. O próprio grupo passa ase caracterizar por essas representações partilha-das por seus membros em razão do grau de ade-são ou não aos tipos de opiniões, e são ancora-das coletivamente apesar das heterogeneidadesindividuais. Os fatores culturais e as diferentesformas de viver influenciam muito na escolha doselementos que aparecem como estruturadores darepresentação. A variedade e a diversidade con-textual são fortes elementos na conceituação dosolhares em representação social.

Sabendo que a escola é um espaço ondese tecem relações com diferentes expectativasque variam de acordo com as funções sociais eescolares e os papéis que cada um ocupa nadinâmica escolar, a teoria das representaçõessociais vem contribuir para se perceber e escla-recer criteriosamente esses saberes coletivos

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que são partilhados por um grupo e que nemsempre estão explícitos ou claros. No que serefere às concepções de injustiça na escola,estas podem ser representações sociais namedida em que podem vir de diferentes práti-cas, por serem coletivas, por serem comuns aum determinado grupo e por estruturarem ele-mentos centrais de representação. Tais represen-tações podem ser de um determinado grupoquando as práticas, vivências, classe social, sãoelementos partilhados por esse grupo. A orga-nização dessas “teorias da realidade” pode serelacionar com outras visões que o aluno tema respeito de sua escola, da finalidade da esco-la, de suas perspectivas e expectativas futuras.A descoberta destes elementos é de essencialrelevância na elaboração de um currículo ouprograma de ensino que priorize a formação deum aluno crítico e autônomo.

Objetivos da pesquisa

O objetivo desta pesquisa foi identificaras representações sociais de alunos sobre injus-tiças que têm como espaço a escola. Tal obje-tivo foi investigado por meio de dois conjun-tos de dados: as respostas a duas questõessobre injustiça numa população de 480 adoles-centes de 8a série do ensino fundamental e 1a

série do ensino médio de escolas públicas e par-ticulares de Presidente Prudente, cujas represen-tações sobre injustiça foram levantadas emquestionário aplicado em 1999 e as respostasa várias questões sobre injustiça obtidas em2003 em duas classes de 5a série do ensinofundamental, uma de escola particular e outrade escola pública.

Metodologia

Num primeiro momento, foi realizada aanálise dos 480 questionários que foram apli-cados em três escolas particulares e oito esco-las públicas de Presidente Prudente em 1999 eque tiveram como objetivo, entre outros, iden-tificar as representações de injustiça dos ado-

lescentes. Duas questões foram investigadas:“Você já viu acontecer alguma injustiça? Con-te um caso” e “Nesse mundo que você vive,conhecendo tudo o que você conhece e já viu,o que você denunciaria como injusto?”. Foramseparadas para análise apenas as respostasdesses alunos que evidenciaram injustiças ocor-ridas na escola (72 respostas).

Os alunos dessas escolas se encontravamna faixa etária dos treze aos quinze anos deidade e das 72 respostas selecionadas, 84%foram de alunos de escolas públicas.

A partir da seleção das 72 respostas queapontaram injustiças na escola, foi realizada, en-tão, uma categorização das mesmas exibindo-sequem era o agente de injustiça, quais suas víti-mas e que tipo de ação foi realizada. Estas ca-tegorias serão apresentadas na Tabela 1, nosresultados.

Num segundo momento (2003) foi in-vestigado, a partir de um novo questionárioaplicado em duas salas de 5a série do ensinofundamental, como a escola aparece nessasrepresentações de injustiça; que tipo de injus-tiça é mais citado quando os jovens se referemàs suas vivências escolares, e em que espaçosda escola mais aparecem às percepções de in-justiça. O questionário conteve, também, umaescala com casos de injustiça que se inspirouno questionário anterior (1999) e em situações-dilema sociocognitivas. Essas situações preten-diam verificar se os alunos consideram comojusto ou injusto a ocorrência de infração deregras ou normas disciplinares em função dequestões sociais, de saúde de parente e de tra-balho, bem como a intervenção externa pararesolução de conflitos no ambiente escolar.

Para esse segundo questionário, foramescolhidas salas de uma escola particular e deuma escola pública da cidade de Presidente Pru-dente; a primeira com 39 alunos e a segundacom 34. Os alunos da escola particular tinhamentre dez (36%) e onze (64%) anos de idade;os alunos da escola pública entre dez (49%),onze (42%) e doze (9%) anos. Os meninoseram maioria na escola particular (54%). As me-

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ninas somavam 46%. Na escola pública osmeninos eram 49% da sala e as meninas repre-sentavam a maioria (51%). Quanto à situaçãoeconômica dos pais das crianças: na escolaparticular os pais ocupavam cargos em profis-sões que apresentavam remuneração superior adez salários mínimos em média, cargos estes deproprietários, gerência e de profissionais liberais(médicos, dentistas, advogados); na escola pú-blica ocorreu o oposto: os pais ocupavam, emsua maioria, cargos de profissionais manuaisespecializados (técnico, eletricista, marceneiro,etc.), que apresentavam renda inferior a dez sa-lários mínimos. Situação semelhante tambémocorre com as mães dos alunos de ambas asescolas.

Resultados do primeiroconjunto de dados

No primeiro questionário analisado, das72 respostas que se referiam à injustiça naescola, obtidas inicialmente a partir dos 480questionários que foram aplicados por Meninem 1999, onze foram de escolas particulares e61 de escolas públicas, tanto de 8a série comode 1o colegial. Essas respostas aparecem na Ta-bela 1 “Tipos de injustiças na escola e seusagentes”, em que foram categorizadas juntan-do-se dados de escolas particulares e públicas.

Na Tabela 1 são apresentadas sete cate-gorias de respostas com diferentes agentes deinjustiça e suas correspondentes vítimas: os pro-fessores (23%), agentes indeterminados (21%),os alunos entre si (18%), o governo (15%), a di-reção da escola (12,5%), a polícia (5,5%) e osalunos com relação aos professores (4,2%)

Analisando cada categoria vemos naTabela 1, em primeiro lugar, com o maior nú-mero de ocorrência, a categoria cujos agentesde injustiças contra alunos são os professores.Dentro dessa categoria ressalta-se, primeira-mente com 12,6%, as afirmações relativas aoprofessor: “acusar, punir, dar nota baixa a alu-nos por comportamento inadequado”. Outrasrespostas aparecem de forma mais pontual,

como o favoritismo do professor por algunsalunos e erro na atribuição de faltas. Os exem-plos mais freqüentes de injustiças cometidaspelos professores parecem evidenciar erros dosprofessores nas correções ou em castigos quedão aos alunos e o uso de notas de maneirapunitiva e não correlacionada, somente, aaprendizagem escolar.

Um segundo tipo de categoria de respos-tas aparece apontando como principal agente deinjustiças na escola os alunos e, como vítimasdesses, os próprios alunos. A resposta que apa-rece mais freqüentemente é: “alunos acusareminjustamente outros por comportamento inade-quado” (9,8%). As injustiças cometidas entre ospróprios alunos podem sinalizar a existência deconflitos em sala de aula que se apóiam empráticas agressivas, quer moral, verbal ou fisica-mente, que não permitem a observância de umacordo pedagógico estabelecido entre os própri-os alunos. Além disso, como já observado empesquisa anterior (Menin, 1985), a delação emescolas parece ser uma prática freqüente e, decerta forma, incentivada por professores, o queacaba por resultar em situações freqüentes deinjustiça.

Outro tipo de categoria traz como agen-te de injustiça no ambiente escolar o governo;nesse caso as principais vítimas são os professo-res e os alunos. As respostas mais freqüentes são:“ensino de má qualidade” (8,4%) e “salário deprofessores” (4,2%). Essas concepções de injus-tiça podem evidenciar certas representações jábastante comuns sobre a escola pública, queestão difundidas no Brasil. As idéias sobre odescaso do governo com a qualidade das esco-las, a condição do trabalho dos professores eseus salários fazem parte da nossa cultura, sejaentre alunos de escolas públicas ou de escolasparticulares, quando se fala em “injustiças nessepaís”.

Outra categoria aponta a direção ou coor-denação da escola como principais agentes deinjustiças e as vítimas, os alunos. Nessa catego-ria, as repostas foram muito diversificadas, apre-sentando casos pontuais de injustiça, embora

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quase todos se refiram à forma de injustiçaretributiva ligada à atribuição de pena a uminfrator. Essa categoria remete à reflexão de queinjustiças acontecem em todos os espaços doambiente escolar e que não é exclusividade deuma relação entre professores e alunos ou queocorre apenas na sala de aula, mas que atingeoutras esferas do cotidiano escolar.

Em outra categoria a polícia é apontadacomo agente de injustiças na escola e a respos-ta que mais aparece refere-se a “chamar apolícia para aluno que está aprontando na es-cola” (4,2%). Esses exemplos parecem apontarque, aos olhos de alguns alunos, quando aescola assume a necessidade de um agenteexterno a sua dinâmica para a resolução deconflitos que são de ordem escolar e não judi-cial, atesta a sua fragilidade na gestão e orga-nização de seus espaços e organismos enquan-to instituição.

Por fim, a categoria que aponta o alunocomo agente de injustiça contra o professor naescola traz como resposta “alunos desrespeita-rem ou brigarem com o professor” (4,2%). Estacategoria parece demonstrar que os alunosreconhecem que ao desrespeitar o professorestão rompendo com um código disciplinar queprecisa ser respeitado. Questiona-se, porém, se

esse respeito está pautado na obediência pormedo da punição à infração ou se, por outrolado, ancora-se no respeito consensual.

Aconteceram exemplos de injustiça quenão continham um agente bem delimitado. Asduas categorias que mais aparecem nesses ca-sos foram: “acusar ou punir injustamente umaluno por comportamento inadequado” (7%) e“cigarro e drogas nas escolas” (7%).

Por mais que variassem os agentes deinjustiça nesses exemplos, dos professores aosalunos, coordenação, governo, polícia, notamosa predominância de duas formas de justiça e deinjustiça delas derivadas: a retributiva e a legal.Ou seja, as idéias de injustiça mais associadasà escola são as de infração e a de penalidade.Ou a escola é injusta porque nela não se cum-prem códigos disciplinares, e, nesse caso, osalunos são os agentes de injustiça, ou é injus-ta porque nelas se penalizam os alunos errone-amente, e, nesse caso, os professores são osagentes.

Assim, parece que a escola e seus agen-tes se apresentaram como uma comunidadejusta (Kohlberg, Power e Higgins, 1997) naqual as relações escolares são marcadas peloexercício da democracia e ancoradas em práti-cas dialógicas e não coercitivas ou injustas.

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Nessa escola haveria a circulação dos diferentespapéis escolares que faria com que os envolvidosno processo ensino-aprendizagem se sentissemresponsáveis pelo bem-estar do grupo, respeitan-do, deste modo, as regras consensualmente.

Como tivemos poucas respostas de alu-nos de escolas particulares sobre injustiça naescola, porque a amostra foi pequena, não foipossível investigar nessa primeira análise se aescola aparece como mais injusta para alunosde escolas públicas ou particulares e se há umtipo de injustiça que predomina na queixa dosalunos conforme a escola a que pertencem; oque se procurou no segundo estudo.

Resultados do segundoconjunto de dados

A seguir, será apresentada a categorizaçãodos dados obtidos por intermédio do segundoquestionário, aplicado em duas salas de 5a sériedo ensino fundamental, sendo uma particular,com 39 alunos; e outra pública, com 34 alunos.

A primeira questão pedia que os alunosdescrevessem sua opinião a respeito da escolaem que estudavam. As categorias obtidas po-dem ser vistas na Tabela 2.

Na Tabela 2 a categoria “Apreciação posi-tiva com ênfase nos relacionamentos interpessoaise de lazer” aparece mais freqüentemente na es-

cola pública (43%), onde os alunos ressaltam quea escola é um espaço no qual se pode estabele-cer muitas amizades e usufruir momentos de lazere diversão; por exemplo: “Legal. Boa. Nela euencontrei amigos e nós aprendemos várias maté-rias” (aluna de dez anos, escola pública). Na es-cola particular, essa categoria aparece com menorfreqüência (17%). Uma segunda categoria,“Apreciação positiva com ênfase no processo deensino-aprendizagem”, apresenta maior núme-ro de respostas na escola particular (44%), ondeos alunos ressaltam a importante necessidadedo ensino de boa qualidade e de se ter bonsprofessores; por exemplo: “A melhor escola dePresidente Prudente. Gosto muito mesmo. Osistema é muito bom, os professores ensinamclaramente todas as matérias” (aluna, dez anos,escola particular). Na escola pública, essa cate-goria aparece com um número de respostasmenor (14%). A categoria “Apreciação positivasem justificativa” aparece numa freqüênciaparecida nas duas escolas; 27% na escola par-ticular e 23% na escola pública. Considerandotodas as categorias, verificamos que não hou-ve diferença significativa entre as escolas. Noentanto, se só considerarmos a apreciaçãopositiva sobre a escola vemos que alunos deescola pública parecem privilegiar relaciona-mentos pessoais e os de escola particular pa-recem privilegiar a aprendizagem escolar. Isto

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pode relacionar-se, por exemplo, com as fina-lidades e com os métodos de ensino emprega-dos nas escolas, visto que as escolas particula-res, historicamente, objetivam o ingresso deseus alunos nas universidades e posteriormen-te no mercado de trabalho, por isso o desem-penho de seus alunos deve estar associado,constantemente, com a otimização do proces-so ensino-aprendizagem. Já as escolas públicas,embora legalmente, tenham os mesmos objeti-vos, não são esses que mais transparecem oumarcam as representações de seus alunos.

A Tabela 3 expõe os resultados da ques-tão sobre a definição de injustiça (“Para você,o que é uma injustiça”). Nela podem ser obser-vadas semelhanças e diferenças interessantesentre alunos de escolas públicas e particulares.Entre todos, a categoria mais presente de injus-tiça é a “legal”, relacionada a atos de infração.Tal resultado reproduz os obtidos na pesquisaanterior de Menin (2000b e 2002), em que 480adolescentes definiram injustiça. Assim, seja en-tre mais jovens ou mais velhos, parece que aidéia de injustiça associada à ilegalidade é amais freqüente entre os estudantes.

Na escola particular aqui pesquisadasurgem, na Tabela 3, outras formas de injusti-ça: a retri-butiva ligada a castigos (20%), adistributiva ligada a desigualdades de tratamen-to (15%) e a social, ligada a problemas dasociedade (12,5%). Já nas escolas públicassurge, em segundo lugar, os casos de “Não sei”

ou de não-resposta relacionados a não fazer oque gosta (17%) e a casos sociais (14%). Es-ses resultados reproduzem os anteriores deMenin (2000b, 2002), em que foram bem maisfreqüentes, entre alunos de escola pública, asdificuldades em definir e identificar injustiças.

A Tabela 4 expõe os resultados da tercei-ra questão: “Você já viu acontecer alguma in-justiça na sua escola? Sim ou não? Explique”.

A categoria que mais aparece na Tabela4 e bem mais recorrente na escola pública é aque diz que os alunos nunca viram ou presen-ciaram nenhuma injustiça na escola em queestudam: 68% na escola pública e 46,5% naescola particular. A categoria: “Violência/ des-respeito entre os próprios alunos” aparecenuma freqüência semelhante nas duas escolas:16% na escola particular e 13% na escolapública; assim como a categoria: “Rigidez naaplicação das normas escolares” que aparececom 10% das respostas na escola particular e13% na escola pública. Uma categoria queocorre somente na escola particular é “Trata-mento desigual entre salas” com 20% das res-postas. Há diferença significativa entre as esco-las.2 É interessante verificar que, em ambas asescolas, os alunos dizem, em sua maioria, quenunca viram ou presenciaram injustiças na es-cola; no entanto, essa resposta é mais freqüentena escola pública. Talvez esses alunos tenham

2. (χ2 = 6,722, gl=2, p= 0,035).

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dificuldades em conceituar ou utilizar critériosclaros de seleção de situações conflituosas en-tre professores e alunos ou entre os própriosalunos, porque essas situações não são postasem discussão. Podem ser vividas mas não sãoproblematizadas, de modo que não se constro-em sobre elas representações sociais.

Outra questão trata de injustiças presen-ciadas especificamente na sala de aula: “Na sala

de aula você já presenciou alguma injustiça?Sim ou não?. O que aconteceu de injusto?”.

A categoria que mais apareceu, como po-demos ver na Tabela 5, foi: “Não”, com 85%das repostas na escola pública e 67% na esco-la particular.

A segunda categoria mais freqüente naTabela 5 foi “Rigidez na aplicação das normasescolares”, que apareceu somente na escola

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particular com 12% das respostas. As demaiscategorias aparecem em menor freqüência emambas escolas. É curioso notar que na escolapública as três outras categorias, de baixa fre-qüência, onde aparecem respostas, se referema injustiças cometidas por alunos. Quando jun-tamos as categorias referentes às injustiçascometidas somente pelo professor, notamosque foram os alunos de escola particular quemais afirmaram a sua ocorrência. Novamente osalunos têm dificuldades em representar situa-ções injustas. Porém, percebe-se uma nítidadiferença no que se prioriza ou se consideracomo injusto nas duas escolas. Na escola par-ticular, os alunos apontaram mais fortemente in-justiças referentes à rigidez na aplicação dasnormas escolares, visto que na escola particu-lar foram priorizados aspectos pedagógicos enormativos. Na escola pública foram priorizadasas relações interpessoais e as categorias deinjustiças mais freqüentes estavam relacionadascom injustiças cometidas pelos alunos.3

Uma outra questão, cujas respostas estãona Tabela 6, pedia que os alunos marcassem,entre as treze situações propostas, quais elesconsideravam que apareciam com maior oumenor freqüência na escola dentro de quatropossíveis graduações: “Nunca aconteceu”,“Aconteceu uma vez”, “Aconteceu várias vezes”e “Acontece sempre”. Na Tabela 6, essas quatrograduações foram agrupadas em dois grupos deduas, de acordo com as freqüências: “Nunca

aconteceu” e “Aconteceu uma vez” numa gra-duação, e “Aconteceu várias vezes” e “Aconte-ce sempre” noutra graduação. Essas graduaçõesforam agrupadas para que os dados pudessemser mais bem comparados e verificarmos as pos-síveis diferenças entre as duas escolas de ma-neira mais clara.

Na Tabela 6 vê-se em cada linha um tipode injustiça (treze no total), oferecido como alter-nativa para que os alunos marcassem a gradua-ção de sua ocorrência. O teste χ2 foi aplicadopara cada uma das treze linhas da Tabela 6. Aslinhas 1, 4, 9, 10 e 13 apresentaram resultadosque apontam diferença significativa entre as es-colas.4 Na linha 1 verificamos que os alunos daescola particular apontaram, mais veementementeque os da escola pública, o professor como co-metendo injustiça com os alunos, quando trata-os de forma desigual. Na linha 4, os alunos daescola particular apontaram, com maior freqüên-cia que os da escola pública, a direção como co-metendo injustiças contra os alunos por dar ra-zão ao professor mesmo quando ele está errado.Na linha 9, a situação “Reclamação de pais” acon-teceu mais freqüentemente, segundo os alunos,na escola particular do que na escola pública. Nalinha 10, a situação “Tirar lanche de aluno me-

3.(Diferença significativa χ2 = 12.391, gl=2, p= 0,002).4. Para a Linha 1 = (χ2 =8,568, gl= 1, p= 0,003); para a Linha 4= (χ2

=4.715, gl= 1, p=0.030); para a Linha 9= (χ2 =8,407, gl= 1, p= 0,004),para a Linha 10 (χ2 = 4,410, gl= 1, p= 0,004), para a Linha 13 (χ2=7,453, gl= 1, p= 0,006).

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nor” foi marcada mais veementemente por alunosda escola particular do que por alunos da escolapública. Por fim, na linha 13, a situação que mos-tra o professor punindo os alunos por mau com-portamento foi marcada mais freqüentemente poralunos também de escola particular.

As linhas 3, 5, e 11, não apresentaramdiferenças significativas entre as escolas porquea porcentagem foi semelhante em ambas as es-colas. Isto é, os alunos marcaram, em propor-ções parecidas, as categorias “Nunca acontece”e “Aconteceu várias vezes”.

Nas linhas 2, 6, 7, 8 e 12 também não severificaram diferenças significativas entre as esco-las que marcaram mais fortemente, dentre as si-tuações propostas, a categoria “Nunca acontece”.

Na Tabela 7 estão expostas as situações-dilema sociocognitivas apresentadas aos alu-nos. Tais dilemas evidenciaram, nos três primei-ros casos, um conflito entre a necessidadepessoal do aluno e a quebra de uma regra oua ocorrência de uma infração a uma normaimposta pela escola, e nas duas últimas situa-ções o uso da punição em casos de condutasem desacordo com as normas escolares.

Essa Tabela 7 foi construída apresentando,nas linhas, as situações-dilema propostas e, nascolunas, a porcentagem de respostas que consi-deram cada situação como justa ou injusta e quesomam 100% em cada linha para cada escola.

Pelo que se pode perceber, nos três pri-meiros casos está em questão uma necessida-de individual do aluno em relação a uma nor-ma escolar e sua possibilidade ou não de infra-ção. No primeiro caso verificamos que, na es-cola particular, os alunos estão mais intensa-mente convencidos que os de escola públicade que a norma deve ser obedecida (70%), eque, portanto, cabe ao aluno buscar formas al-ternativas de resolver o problema sem ter quecometer uma infração. Na escola pública, osalunos também acreditam que as normas devemser obedecidas, mas esse número aparece comuma freqüência menor em relação à escola par-ticular (56%); no entanto, estatisticamente,esta diferença não foi significativa.5 Na segun-

da situação, novamente, os alunos da escolaparticular, em sua grande maioria (82%), con-sideram injusto privilegiar uma necessidade pes-soal em razão da desobediência de uma normapreestabelecida. Ao contrário, dos alunos daescola pública, 54% deles consideram justo queuma necessidade pessoal se sobressaia ao cum-primento de regras escolares. Houve, neste caso,diferença significativa entre as escolas.6

No terceiro dilema, os alunos da escolaparticular afirmam, mais veementemente que osda escola pública, ser injusto que as regras da es-cola não sejam observadas em virtude de ques-tões pessoais (84% das respostas dos alunos deescola particular e 60% das respostas de alunosde escola pública). Neste dilema encontrou-se di-ferença significativa entre as escolas.7

Na quarta situação que questiona o usoda punição como meio de restabelecer o equi-líbrio pedagógico, os alunos da escola particularestão fortemente convencidos (77%) de que éfunção da escola e não da polícia resolver pro-blemas escolares. O mesmo ocorre com alunosde escola pública (67%). Não se verificou dife-rença significativa entre as escolas.8

Na quinta e última situação, há uma opo-sição entre alunos de escola particular e alunosde escola pública. Os alunos de escola particu-lar estão mais preocupados com o cumprimen-to de uma norma preestabelecida (84%), aopasso que alunos de escola pública (57%) con-sideram injusta uma expulsão, mesmo que oaluno já tenha sido avisado. Nesta situação houvediferença significativa entre as escolas.9 Comisso, percebe-se que alunos de escola particu-lar foram mais convencionais (Kohlberg, 1992),pontuando como mais correta a obediência àsregras e a sua incorporação; de modo que anão-observância de tais regras, mesmo por mo-tivos pessoais, implica o cometimento de umainfração e, portanto, precisa ser reparada com

5. (χ2= 1,212, gl= 1, p= 0,271).6. (χ2= 10, 172, gl= 1, p= 0.001).7. (χ2= 5,240, gl= 1, p= 0,022).8. (χ2= 0,990, gl= 1, p= 0,320).9. (χ2= 14,113, gl= 1, p= 0,000).

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uma punição. Já os alunos de escola pública(57%) foram mais pré-convencionais (Kohlberg,1992) e apresentam uma visão mais relativa arespeito do cumprimento dessas normas: fato-res pessoais e interpessoais parecem interferirna hora de decidir se uma regra pode ou nãoser violada talvez por terem, esses alunos, maiorcontato com situações que inspirem tais deci-sões. Pode-se questionar que valores motivaramos alunos da escola particular obedecerem maisas normas escolares em desfavorecimento dasnecessidades pessoais do que os alunos deescolas públicas que, por sua vez, estiverammais favoráveis à infração dessas normas. Ques-tionamos se isso se deve por uma questão deatraso nos raciocínios morais ou por identifica-ção com problemas de certas classes sociais.De acordo com Piaget (1932/1977) e Kohlberg(1992), os alunos de escolas públicas estariammais “atrasados” moralmente falando do que osalunos de escolas particulares, pois aquelesrelativizariam as normas em função de neces-sidades pessoais e estes não.

Assim como nos estudos de Doise e cola-boradores (1994a, 1994b, 1995) e de Menin(2000b e 2002), a representação de injustiça semodificou de acordo com as diferentes classessocioeconômicas e, provavelmente, de acordo comas vivências e práticas cotidianas que os diferen-tes grupos têm. Essas representações forammarcadas por elementos que são comuns a cadagrupo e por ele partilhado. Fundamentando-se nateoria das representações sociais, essas representa-ções de injustiça se ancoram em diferentes práti-cas sociais e permitem a construção de teoriascoletivas que representam um grupo e ao mesmotempo permitem que esse grupo organize essessaberes num movimento dialético e dialógico.

Considerações Finais

Pretendeu-se levantar nessa pesquisa asrepresentações de injustiça em situações esco-lares. Para tanto, foram comparados dadosobtidos em 1999 de classes de 8a série doensino fundamental e 1a série do ensino médio

e em 2003, classes de 5a série do ensino fun-damental. No primeiro questionário foram apre-sentadas aos alunos questões abertas sobreinjustiça (sua descrição, casos e denúncias desituações injustas) e, depois, selecionadas asrespostas que tinham como situação de injus-tiça à escola. Os tipos de resposta que apare-cem apontam, em ambas as escolas, o profes-sor como principal agente de injustiça contraalunos, seguindo-se os alunos entre si. Os ca-sos de injustiça escolar centraram-se em exem-plos de injustiça retributiva e legal.

No segundo questionário foram apresen-tadas a alunos de 5a série do ensino fundamen-tal tanto questões abertas, semelhantes às an-teriormente utilizadas, como questões mais vol-tadas à identificação da freqüência de ocorrên-cia de situações de injustiça na escola. As res-postas ilustradas nas várias tabelas evidencia-ram que exemplos espontâneos de injustiça naescola não são muito freqüentes e que os tiposde injustiça que mais são apontados na escolaparticular se referem ao professor agindo injus-tamente em relação aos alunos quando aplicarigidamente as normas e trata diferentementesalas, ao passo que na escola pública se afir-mam mais exemplos de injustiças cometidasentre os próprios alunos, que preconizam ne-cessidades pessoais e relações interpessoais.Verificou-se, também, que nas duas escolas osalunos apontam, em primeiro lugar, exemplosde injustiça legal e em segundo lugar, na escolaparticular, são mais marcantes exemplos dejustiça retributiva e distributiva enquanto naescola pública aparecem as repostas do tipo“não sei” e “justiça pessoal”. Quando foramoferecidos exemplos de situações injustas (Ta-bela 7), na escola particular os alunos defende-ram a observância das normas escolares, mes-mo em prejuízo de necessidades pessoais. Jána escola pública, os alunos, assumiram umaatitude mais personalista e pareceram conside-rar mais as necessidades pessoais daquele queestá “infringindo” uma norma escolar Talvezestes alunos tenham se sentido mais próximosdaqueles protagonistas das situações propostas

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e identifiquem-se com suas necessidades, levan-do em conta aspectos pessoais e interpessoaisna avaliação das regras. Os alunos de ambas asescolas não aprovam o fato de a escola ter quechamar um elemento exterior à dinâmica esco-lar (polícia) para o restabelecimento da ordem,pois isso é função estritamente da escola.

Estabelecendo uma comparação entre es-tes dados com os que Menin obteve em pesqui-sas anteriores analisando casos de injustiça que sereferiam a diferentes espaços sociais (Menin,2000b e 2002), vê-se que predominam, tantonaquela pesquisa como em pesquisa realizada em2003, exemplos derivados da justiça retributiva elegal, o que confirma ainda classificação dePiaget (1932/1977) e Kohlberg (1992) e mostra,segundo esses autores, uma rigidez nos julgamen-tos dos alunos. Tal rigidez pode ser, no entanto,um indício de que especificamente na escola nãohaja um diálogo entre professores e alunos emrelação ao que se considera justo ou injustoquanto à elaboração e decisão sobre normas eregras de convivência escolar e seja comum quese atribua o estatuto de injustas a penalidadesvistas como arbitrárias, tais como “chamadas deatenção” ou “redução de notas”.

Em nenhuma das séries ou escolas exa-minadas, a escola apareceu, nas expressões es-pontâneas dos alunos, intensamente como umainstituição injusta; embora também esteja lon-ge de se mostrar como a “comunidade justa” deKohlberg (1997). Exemplos de injustiças sãoassinalados como freqüentes entre os alunos.

Considerando a escola como cena, essasinjustiças têm dois agentes principais: profes-sores e alunos. Por um lado, os professoresforam vistos como punindo, muitas vezes como uso de notas baixas, os alunos por seus com-portamentos, ou ainda, acusando-os injusta-mente; por outro lado, os próprios colegas sãoapontados como injustos nas relações entre sie desrespeitosos com seus professores. Curio-samente, das duas escolas examinadas, foi naparticular que se destacaram os professores comoagentes de injustiça retributiva e distributiva. Ouseja, parece que na escola particular os alunos

identificaram a possibilidade de uma autorida-de como o professor ser injusta; enquanto naescola pública essa autoridade foi questionada.Questiona-se por um lado que valores moraisestariam ancorando a obediência/observânciados alunos de ambas as escolas em relação àsnormas escolares e, por outro lado, que possi-bilidades têm os alunos de refletir sobre essasnormas e sua incorporação pelos professores.

As diferenças de respostas obtidas entreos alunos parecem ser mais evidentes em rela-ção ao fato de pertencerem a diferentes classessociais. Alunos de escola pública tendem arelativizar a infração das normas escolares emvirtude das necessidades pessoais como os dosdilemas propostos na Tabela 7, provavelmentepelo fato de estarem mais propensos a vivenciarsituações que suscitem estas infrações. Assim, deacordo com os níveis de julgamento moral pro-posto por Kohlberg (1992), vemos que há maisrespostas de nível 1, centradas nos benefíciospróprios e riscos de punição entre os alunos deescola pública que entre os de escola particular,centrados por sua vez em respostas de nível 2,baseadas em valores e papéis convencionais.

Outro elemento diferenciador, entre es-colas particulares e públicas, nas representaçõesde injustiças relaciona-se ao fato de os alunosde 5a série de escola pública terem dificuldadesem reconhecer o termo “injustiça”. Ao que pa-rece, os alunos não têm familiaridade com a ter-minologia ou ainda não têm meios de discus-são sistemática de situações injustas, o quepode dificultar a identificação dessas situaçõesinjustas. Ora, representações da realidade seconstroem na medida em que haja fatos a expli-car, problemas a resolver. Como afirma Moscovici,(1978), as representações sociais tornam familiaro que é estranho. Assim, se situações de injus-tiça na escola são vistas como familiares, roti-neiras, se fazem parte da condição normal daescolarização, não há razão para problematizá-las ou dar-lhes a representação de injustiça. As-sim, notamos que os alunos, principalmente deescolas públicas, não identificam espontanea-mente situações de injustiça não sabendo dar

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exemplos, mas marcaram a sua ocorrência em si-tuações dadas pelas questões ou quando as nor-mas escolares se opõem às necessidades vividas.Nesses casos, as injustiças são “reconhecidas” etalvez, só ai, nomeadas de injustiça.

Segundo Guareschi (1993), as acusaçõesdos alunos sobre as injustiças cometidas pelo pro-fessor podem estar associadas às representaçõesque os alunos possuem da escola como instituição,cujas normas e regras foram e são estabelecidassem sua participação. Há o estabelecimento deuma relação verticalizada segundo a qual o podere sua manifestação se concentram nas figuras re-presentativas (diretor, vice-diretor, inspetor, profes-sor, etc.) deste ambiente, o que acaba por “natu-ralizar” e determinar os papéis e suas funções noespaço e na dinâmica escolar. Uma manifestaçãoque ousa desafiar essa passiva obediência tem sidoalvo de muito questionamento e preocupação naatualidade do contexto pedagógico-educacional. Aindisciplina e suas manifestações têm sido alvo dequeixas constantes dos professores que discutem

o tema, mas não suas práticas de controle.Uma proposta da escola como “comuni-

dade justa” que pode ser vista em Kohlberg(1997), e descrita em Biaggio (1997), propõe ummodelo de escola e de educação que permita amanifestação do aluno em suas dimensões polí-tica, social, afetiva, educacional, enfim, em seusentido pleno, tendo em vista o desenvolvimen-to de uma moral baseada no senso de justiça eno respeito ao grupo. Nessa escola situações deconflitos, dificuldades de relacionamento, situa-ções de injustiças são alvos de reflexão, discus-são e proposição de revisão das normas.

Nesse sentido acreditamos que trabalhossobre injustiça na escola poderiam auxiliar o pro-fessor, em sua prática pedagógica, a estimular oaluno a participar mais democraticamente da dinâ-mica escolar de forma a vivenciar diferentes papéise a não mais se colocar como vítima ou agente deinjustiça, mas como co-autor de normas e regrascom as quais concordam em obedecer. Esse seriaum verdadeiro exercício da autonomia moral.

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Recebido em 29.08.03Aprovado em 19.04.04

Maria Suzana De Stefano Menin é professora da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP de Presidente Prudente.Doutora Livre Docente em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento e Coordenadora do Programa de Pós-Graduaçãoem Educação desta instituição. E-mail: [email protected].

Renata Aparecida Carbone é graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista, UNESP, Campus de PresidentePrudente. Foi aluna bolsista Fapesp, que financiou pesquisa sobre Injustiça na Escola.