representações sociais e ideologia

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Representações sociais e ideologiaRevista de Ciências Humanas, EDUFSC, p. 33-46 (2000)

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  • Revista de Cincias Humanas, Florianpolis : EDUFSC, Edio Especial Temtica, p.33-46, 2000

    Representaes sociais e ideologia (Social Representations and Ideology)

    Pedrinho A. Guareschi Pontificia Universidade Catlica - RS 1

    Resumo

    O trabalho enfoca trs

    pontos centrais. Inicia com uma discusso sobre o conceito e a teoria das Representaes Sociais e como eles vem sendo tratados nos ltimos anos, trazendo parte da literatura mais importante publicada ultimamente, alm de expor a atualidade e utilidade da teoria no tratamento de muitos fenmenos sociais. O segundo ponto discute o conceito de ideologia, procurando mostrar suas diferentes acepes, apresentando um eixo de leitura que se possa compreender as relaes e implicaes das mesmas. Finalmente, no terceiro ponto, mostrado como os conceitos de

    Abstract

    The study focusses on three central points. It starts discussing the concept and theory of social representations and as they have been dealed with in the last years, based upon some of the most important literature published recently and showing the acceptation and present usefullriess of the theory when we approach many social phenomena. As the second point the author discusses the concept of ideology, trying to point out its different acceptations and presenting a reading axis so that we may understand the relations and implications of those different acceptations. At last, as the third

    ' Agradecimentos A. Laura Pelizzoli, bolsista da PUCRS, tambm as agencias CNPq e FAPERGS.

  • 34 Representaes sociais e ideologia Representaes Sociais e de Ideologia podem se relacionar: no que se distinguem, e no que eles possivelmente se

    sobrepem, conforme as diferentes

    acepes em que sio tomados.

    Palavras-chave: Representaes Sociais; Ideologia; teorias psicossociais.

    point, we see as the concepts of social representations and ideology can relate one with another, wherein they differ and wherein they overlap, depending on the respective accepation.

    Keywords: Social Representations; Ideology; psychosocial theories.

    * ***** * **

    Introduo

    A discusso acadmica,

    tanto sobre Representaes Sociais, COMO sobre Ideologia, tem sido muito alentada nos ltimos anos. Mais sobre Representaes Sociais, talvez, pois esto sendo promovidos Congressos e Jornadas

    Internacionais freqentes. S no II Semestre de

    1998, por exemplo, realizou-se no Mxico a 4 Conferencia Internacional sobre Representaes Sociais (RS), com participantes de praticamente todo o mundo, e a 1 Jornada Internacional sobre Representaes Sociais realizada em Natal, Rio Grande do Norte, com a participao tambm de um grande

    nmero de pesquisadores de toda parte. JA o tema "ideologia"

    no chega, e talvez nunca tenha chegado, ao menos que eu tenha conhecimento, a reunir tantos pensadores e pesquisadores.

    Neste trabalho pretendo retomar a noo de Representaes Sociais, mostrando como ela vem sendo tratada e questionada nos Akin-Los tempos, seus ltimos delineamentos e configuraes, que estio levando a uma maior delimitao de sua

    abrangncia, por um lado e aumento de

    sua compreenso, por outro lado. Em seguida retomo a definio de ideologia, seus mltiplos significados, seus diferentes tratamentos, mostrando a complexidade do conceito. Finalmente, tento demonstrar que a relao entre os dois conceitos depende da concepo de ideologia que algum possua.

  • Revista de Ciencias Hffinanas, Florianpolis : EDUFSC, Edio Especial Temtica, p.33-46, 2000 35

    1. Uma aproximao das representaes sociais

    Sao poucos os que se arriscam a conceituar Representaes Sociais, apesar de muitos falarem sobre o assunto. Os diversos trabalhos que esto sendo produzidos com o objetivo de poder descreve-las, e at certo ponto defini-las esto contribuindo, cada um a seu modo, para dar-lhe uma caracterizao e uma estruturao especifica. Cada trabalho traz uma pequena contribuio na sua delimitao e possivel aprofundamento conceitual.

    Um primeiro ponto que deve sempre ser levado em considerao, 6 a distino que deve ser feita entre os diversos nveis no estudo das Representaes Sociais. Podemos distinguir, seguindo o excelente trabalho realizado por DE ROSA (1994 e GUARESCHI, 1996), trs nveis de Representaes Sociais, que poder-se-iam chamar trs nveis de discusses sobre as Representaes Sociais:

    1. 0 nvel das Representaes Sociais como sendo elas um "fenmeno". Nesse nvel,

    as RS so um objeto de investigao. Esses objetos so elementos da realidade social. Nesse sentido as RS so modos de conhecimento que surgem e legitimam-se na conversao interpessoal cotidiana etem como objetivo compreender e controlar a realidade social.

    2. 0 nvel da "teoria" das Representaes Sociais. Este se constitui do

    conjunto de definies conceituais e metodolgicas, juntamente com a elaborao de construtos referentes s RS.

    3. 0 nvel das discusses sobre a teoria, que DE ROSA chama de "metateoria". 2 Neste nvel colocam-se os debates e as refutaes criticas com respeito aos postulados e pressupostos da teoria das Representaes Sociais, juntamente com uma comparao com os modelos tericos de outras teorias. Confundir

    esses tees nveis pode tornar-se desastroso e pode conduzir a um dilogo de surdos.

    O prprio MOSCOV1CI, em seu texto fundamental (1984), parece seguir esse esquema, pois trata inicialmente do fenmeno (itens 1 e 2: O 2 O termo "metateoria" adapta-se aqui muito bem, pois quer mostrar que h um nvel mais abstrato de discusso, onde se faz a critica das diversas teorias, que discute os pressupostos filosficos, metafisicos dessas teorias. Aristteles, ao querer discutir e analisar as "teorias" por muitos apresentados, no achou uma palavra para defuii-la. Como tinha acabado de discutir questes da fisica, simplesmente chamou discusso critica das teorias aquilo que vem "depois, ou alm, em grego `metd", da finca, e no nosso caso, o que vem depois das teorias.

  • Representaes sociais e ideologia pensamento como ambiente, e o que uma sociedade pensante). Em seguida passa a discutir diversos elementos da teoria (itens 3 e 4: como tomar familiar o no-familiar e os processos de ancoragem e objetificao). Finalmente, faz uma critica da limitao das diversas teorias, como a teoria da atribuio, como relao A teoria das RS (itens 5 e 7: causalidade de direita e de esquerda e o status das representaes:

    estmulos ou

    mediadores?); ele est aqui nitidamente num terreno meta-terico, onde

    faz uma critica das diversas teorias. As RS so uma tentativa de avano e superao de diferentes

    dicotomias. A Psicologia Social, desde sua curta existncia, vive uma

    angstia um pouco esquizofrnica, talvez pelo fato de incorporar, em seu

    prprio nome, duas vertentes aparentemente antagnicas: o psicolgico, de

    um lado, entendido, na maioria das vezes como algo individual; e o social, por outro lado, entendido como algo diferente, ou at oposto, do individual. Robert Farr (1996), em sua histria das raizes da psicologia social, mostra como essa

    sntese foi dificil de construir, e como a psicologia social,

    principalmente nos Estados Unidos da Amrica, tomou um vis profundamente individualista, alm de passar a ser fundamentalmente experimental. Por outro lado, houve tentativas de socializar de tal modo o individual, que ele praticamente se reificou, suprimindo as subjetividades e cristalizando-se em fenmenos como classe, cultura, mito ou religio.

    Meu entendimento das Representaes Sociais que essa teoria tenta, e at certo ponto di conta, de superar diversas dicotomias que se formaram no decorrer da histria da Psicologia Social.

    Uma primeira, e central, a prpria dicotomia estabelecida entre o individual e o social. Uma representao social, como definida e entendida por essa teoria 6, ao mesmo tempo, individual, pois ela necessita ancorar-se em um sujeito, como 6, do-mesmo modo, social, pois existe "na mente e na mdia",

    como diria MOSCOVICI. Ela est

    na cabea das pessoas, mas no a representao de uma nica pessoa; para ser social ela necessita "perpassar" pela sociedade, existir a certo

    nvel de generalizao. Uma

    representao social distingue-se, pois, de uma simples representao mental, que pode ser singular (os que afirmam que impossvel pensar sem palavras, e as palavras constituem a linguagem que sempre social, certamente no aceitariam tal afirmao). A Psicologia Cognitiva estuda as representaes mentais, mas no pergunta, ou no se interessa imediatamente pelo fato de elas serem, ou no, sociais, e de

    constiturem-se num fenmeno social. 0

    conceito de representao social coloca-se, ento, no centro do eixo

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    individual-social, ligando os dois extremos e tentando dar conta de =a possvel dicotomia.

    Uma segunda dicotomia a que muitas vezes se estabelece entre o interno e o externo. Na histria da psicologia social vemos como o comportamentalismo, por exemplo, recusou-se a transpor a "barreira da pele" (FARR, 1996), no aceitando qualquer coisa que fosse mental ou introspectivo. Por outro lado, certas teorias permaneceram exclusivamente na

    anlise do cognitivo, deixando de perguntar pelo que

    transpe a cognio

    das pessoas. Uma representao social fecha tambm esse vazio, pois ela 6, ao mesmo tempo, interna, isto 6, existente nas mentes das pessoas, sem deixar de ser tambm externa, prolongando-se para alm das

    dimenses

    intrapsiquicas e concretizando-se em fenmenos sociais possveis de serem

    identificados e mapeados. O ponto a seguir, at certo limite ligado ao anterior, tem a ver

    com a superao da dicotomia entre o aspecto material e sua representao. Uma representao social, para ser objeto de conhecimento, passa por um processo transformativo, pois no

    possvel a interiorizao de um objeto

    em seu estado material na mente das pessoas. Os humanos procedem atravs de representaes. Mas fundamental pensar como se di esse processo de representao. Ele no simplesmente um reflexo

    automtico, um resultado

    especular, da coisa representada. No processo de representao, hi uma construo diferenciada dos objetos, que diferem de pessoa a pessoa. Cada um de ns, no processo de representar, acrescenta facetas particulares, especificas de cada autor (JOVCHELOVITCH, 1996). Essa discusso vem responder a vrias objees que diferentes autores fazem A teoria das Representaes Sociais,

    acusando-a de esquecer os processos dinmicos

    que existemna construo das representaes. Assim como as representaes vo

    sendo transformadas, elas tambm, em sua construo, sofrem influncias provindas dos diversos sujeitos.

    Outro aspecto importante a maneira como tratada a dicotomia entre o consensual e o reificado, isto 6, entre o aspecto esttico e dinmico do conceito de RS, discusso

    essa que remonta as diferenas entre durkeimianos e discursivistas. Trazemos aqui essa questo pois o prprio MOSCOVICI, em suas discusses, afirma claramente que as representa-es sociais situam-se no universo consensual das pessoas, no aceitando que haja nelas algo de reificado. Chega mesmo a dizer que a diferena entre representao social e ideologia

    est exatamente nesse aspecto: ideologia,

    na definio de MOSCOVICI, algo que se cristalizou, um conjunto de

  • 38 Representaes sociais e ideologia idias destorcidas sim, mas estticas,

    monolticas e dificilmente moclificveis. Ao passo que as representaes sociais so modificveis

    e podem ser trans-formadas nos processos cotidianos das pessoas. Isso no significa, contudo, que as representaes sejam realidades absolutamente flutuantes, que no possuam nenhum aspecto duradouro e permanente.

    Finalmente, pode-se dizer que as representaes sociais superam o mito do sujeito puro e do objeto puro. As RS so um conceito e um fenmeno que pertencem ao intersubjetivo. Elas representam no s o objeto, mas tambm o sujeito que as representa.

    Mas o que seriam, afinal, as RS? Na superao dessas dicotomias, as RS procuram ocupar um espao especifico, e podem ser compreendidas como um conhecimento do senso comum, socialmente construido e socialmente partilhado, que se v nas mentes das pessoas e na

    mdia, nos bares e nas esquinas, nos

    comentrios das

    rdios e TVs. So um conhecimento, mas diferente do conhecimento cientifico, que reificado e fundamentalmente cognitivo. So um conhecimento social, so como que "tijolaos de saber", na expresso de JOVCHELOVITH, S. Elas podem possuir aparentes contradies na sua superficie, mas nos seus fundamentos elas formam um ncleo mais

    estvel e permanente, baseado na cultura e na memria dos grupos e povos. E somente atravs duma pesquisa cuidadosa que se pode identificar esses fundamentos mais duradouros. A investigao feita por Hlio Possamai (1998) sobre a representao social do acidente de trabalho um excelente exemplo desse fato. Aps muitas entrevistas e grupos focais feitos com pessoas que tinham se acidentado e com pessoas que no se tinham acidentado, tinha-se a impresso de um amontoado de dados, aparentemente contraditrios. Mas uma anlise mais cuidadosa e detalhada foi revelando que esses dados todos remetiam, fundamentalmente, a duas dimenses centrais, pautadas na histria e na personalidade de base do povo brasileiro: o individualism e o fatalisMo. O titulo da dissertao expressa muito bem essas duas facetas: "Minha culpa, meu destino". Mais de oitenta por cento das falas podiam ser colocadas dentro dessas duas grandes categorias: os acidentes de trabalho ou so culpa de quem trabalha, pois no se cuidam, no prestam ateno, ou

    ento so conseqncia do destino, fatal e determinista. Foi impressionante constatar como as explicaes dos entrevistados remetiam a esses dois traos centrais de nossa cultura.

    Passemos questo da ideologia.

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    2. 0 mundo complexo das ideologias

    O mundo das ideologias um mundo complexo e um "terreno minado" (GUARESCHI, 1997). Embora o nome como tal - "ideologia" - somente tenha aparecido h pouco mais de um sculo, sua realidade j estava presente desde que se comeou a pensar a vida social, com diferentes nomes, mas querendo designar a mesma realidade. BACON, por exemplo,(PIEST, 1960) desenvolve um estudo extremamente prximo ao que hoje se costuma entender por ideologia, atravs de sua teoria sobre as quatro classes de idolos, que nos dificultam a chegar mais prximos da verdade. Esses dolos so os da caverna: nossas idiossincrasias, carter; da tribo: supersties, paixes; da praa: as inter-relaes humanas, principalmente atravs da linguagem; e os idolos do teatro: a transmisso das tradies e doutrinas dogmticas e autoritrias, atravs do teatro, que seriam, hoje, os meios de comunicao social.

    A crescente importncia da ideologia deve-se hoje, certamente, ao fato de nossa sociedade e nosso mundo tomarem-se, a cada dia, mais "imateriais", sempre mais sustentados numa comunicao verbal e simblica.

    A primeira coisa a que precisamos prestar ateno, ao querer penetrar nessa realidade da ideologia, que existem hoje inmeros enfoques tericos, que do ao conceito de ideologia diferentes significados e funes. Retomo aqui algumas colocaes j apresentadas no capitulo sobr ideologia (GUARESCHI, 1998) do livro Psicologia Social -

    (JACQUES et a1ii, 1998). Para melhor esclarecer e compreender os muitos significados

    de ideologia, vamos tentar tragar duas linhas divisrias, em forma de cruz, formando quatro planos, quatro quadrantes, e discutir, a partir dai, as diversas acepes de ideologia.

    Podemos, inicialmente, traar uma linha horizontal, onde faremos uma primeira distino central, onde a ideologia vai ser localizada em dois grandes planos: a dimenso positiva e a dimenso negativa:

    Quadro n. 1 Eixo POSITIVO x NEGATIVO

    D im ensio P ositiva

    D im ensio N egativa

  • Representaes sociais e ideologia Ideologia no sentido positivo, ou neutro, entendida como sendo

    uma cosmoviso, isto 6, um conjunto de valores, idias, ideais, filoso fias de uma pessoa ou grupo. Nesse sentido, todas as pessoas, ou grupos sociais, possuem sua ideologia, pois impossvel algum no ter suas ideias, ideais ou valores prprios.

    JA ideologia no sentido negativo, ou critico, (alguns falam at em sentido "pejorativo"), ideologia seria

    constituda pejas idias distorcidas, enganadoras, mistificadoras; seriam as

    meias-mentiras, algo

    que ajuda a obscurecer a realidade e a enganar as pessoas. Ela apresenta-se como algo abstrato ou impraticvel; como algo

    ilusrio ou errneo, expressando interesses dominantes e como que sustentando relaes de dominao.

    Na faixa de cima, numa concepo positiva ou neutra, poderiam ser colocados autores como o prprio criador do

    termo, De TRACY (1803): ideologia o estudo das idias, que por sua vez

    so uma emanao do

    crebro; de LENIN (1969), e LUKCS (1971), como as idias de um grupo

    revolucionrio; e a formulao geral da concepo total de MANNHEIM (1954), que afirma que tudo o que ns pensamos ideolgico, pois impossvel no se deixar contaminar pela situao social em que algum

    nasce e vive; em outras palavras, MANNHEIM identifica aqui ideologia com conhecimento: como todo conhecimento condicionado, assim toda ideologia condicionada. Mas nisso nit hi nada de errado.

    Entre as concepes critico-negativas poderiam ser colocadas as

    trs concepes de MARX (THOMPSON, 1995): idias puras como autnomas e eficazes, conforme defendiam os hegelianos, sem ligao com a realidade (MARX, 1989); as idias da classe dominante (MARX, 1989); e um sistema de representaes que serve para sustentar relaes de dominao (MARX, 1968). Tambm estaria aqui a concepo restrita de ideologia de MANNHEIM

    (1954), isto 6, as idias dominantes de um grupo sobre outro (dominao de classe).

    Na tentativa de compreenso das diversas acepes de ideologia podemos traar uma segunda

    linha, agora vertical, onde distinguiremos

    outros dois grandes conjuntos de ideologias: ideologias como sendo algo materializado, onde a ideologia

    est corporificada na prpria idia, na forma simblica, ou mesmo concretizada numa instituio, como a escola ou a

    famlia; e ideologia como modo e estratgia, onde a ideologia vista como uma

    prtica, uma maneira como as formas simblicas servem para criar e manter as relaes sociais entre as pessoas:

    40

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    Quadro n. 2 Eixo ESTTICO x DINMICO

    Dimenso Dimenso Material

    Dinmica Concreta Prtica

    Essa dimenso material, concreta, exemplificada pela concepo descrita por MARX (1989), onde ideologia definida como sendo "as idias da classe dominante". Isto 6, as idias da classe dominante, pelo simples fato de serem da classe dominante, j seriam ideologia. A ideologia concretiza-se nessas idias. Outro exemplo desse tipo de ideologia a acepo empregada por ALTHUSSER (1972), onde ele define ideologia como sendo "aparelhos ideolgicos de estado". Esses aparelhos so as instituies que so criadas no desenrolar da histria, e que so frutos de tenses que se do nas relaes entre os homens, como por exemplo a escola, a

    famlia, as igrejas, os meios de comunicao social, as entidades'

    assistenciais etc. Para ALTHUSSER a ideologia est materializada nessas

    instituies, elas constituem a ideologia. Na sua

    dimenso dinmica, porm, a ideologia vista como

    uma determinada prtica,

    um modo de agir, uma maneira de se criar, produzir ou manter determinadas relaes sociais. A funo da ideologia seria tambm a produo, reproduo e transformao das experincias vitais, na construo de subjetividades. THERBORN (1980:2), ao definir ideologia, diz que a operao da ideologia na vida humana envolve, fundamentalmente, a constituio e a padronizao de como os seres humanos vivem suas vidas como iniciadores conscientes e reflexivos de aes num universo de significados... Nesse sentido, ideologia constitui os seres humanos como sujeitos. E logo aps, ele afirma que estudar o aspecto ideolgico duma prtica deter-se na maneira pela qual ela opera na fOrmao e transfOrmao da subjetividade humana.

    At aqui analisamos dois eixos, onde sempre aparece uma dicotomia, com dimenses opostas de ideologia. Na juno dos dois eixos, formam-se quatro amplos campos, que

    servem para visualizar e identificar e relacionar quatro grandes concepes de ideologia:

  • 42 Representaes sociais e ideologia

    Quadro n. 3 Diferentes concepes da Ideologia

    1 2

    3 4

    Cada um desses campos possui, tambm, seus tericos.

    Assim, no quadrante 1, hi autores que

    definem ideologia no sentido positivo e como algo material. E o caso, por exemplo de MANNHEIM (1954), para quem a ideologia algo positivo e concreto, como as cosmovises das pessoas. J no quadrante 2, temos ideologia como algo positivo, mas como uma

    prtica: a viso

    de THERBORN (1980), e muitos outros, que vem a ideologia como uma maneira de se criar e manter as relaes sociais, sejam elas de que tipo forem. No quadrante 3 ideologia passa a ser algo negativo, mas algo concreto, como, por exemplo, "as idias da classe dominante", de MARX (1989). No caso de ALTHUSSER (1972), ideologia abrangeria tanto o 1, como o3, pois uma escola, por exemplo, materializa a ideologia, mas pode ser tanto positiva, como negativa. Finalmente, no quadrante 4

    teramos ideologia como uma prtica,

    mas no uma

    prtica qualquer; deve ser uma

    prtica que serve para criar, ou

    manter, relaes assimtricas, desiguais, injustas. E essa exatamente a definio de John B. THOMPSON (1995), que, no nosso modo de ver, o autor que melhor trata a

    problemtica da ideologia. Vamos nos deter

    especificamente nesse autor e nesse quadrante, daqui para a frente. Uma vez feitas tais distines, pode-se agora passar A.

    discusso da relao entre Representaes Sociais e Ideologia. Savo uma mesma realidade? No que se distinguem? No que se sobrepem? E o que veremos a seguir.

    3. Ligando representaes sociais ideologia

    Uma primeira constatao que surge a partir do que se viu at aqui, que se o conceito de Representaes Sociais possui um sentido mais ou menos uniforme, o mesmo no se da com o conceito de ideologia. O passo seguinte 6, pois, discutir, a partir das diferentes acepes de ideologia, em que Representaes Sociais e Ideologia coincidem, ou di-

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    vergem. Sendo que Ideologia pode ser vista ao menos sob quatro acepes diferentes, sio ao menos quatro situaes diversas com as quais nos de-frontamos . Vejamos. a) Representaes Sociais e Ideologia, tomando Ideologia no sentido

    positivo e esttico, isto 6, ideologia como uma cosmovisdo estabelecida. Podemos dizer que h certa proximidade entre essas duas noes. Uma representao social uma cosmoviso, uma construo simblica socialmente partilhada. Mas certamente a re-presentao social no esttica e fixa como poder-se-ia depreender dessa concepo de ideologia. A RS dinmica, suportando at mes-mo certas contradies em sua superficie, embora possuindo um mundo subjacente relativamente estvel, fundamentado nas tradies, memrias sociais e cultura.

    b) Representaes Sociais e Ideologia, assumindo ideologia como algo negativo e fixo. Aqui parece-nos que o conceito de Ideologia e RS afastam-se mais, pois, se podemos dizer o mesmo que anteriormente, quanto questo da fixidez, isto 6, que uma RS nunca totalmente fixa e esttica, pode-se dizer tambm que uma RS no necessaria-mente "negativa", isto 6, enganadora e mistificadora, apesar de is vezes poder ser. Uma RS essa poro de saber do senso comum, que pode estar impregnada de elementos pejorativos e enganadores, mas isso por acaso, no pelo fato de se constituir como um conjun-to de saberes socialmente construidos e partilhados.

    ) RS e ideologia, entendendo ideologia como um conjunto de prticas positivas, isto 6, formas simblicas que servem para criar ou manter as relaes sociais. Talvez seja aqui que as noes de RS e ideologia se aproximam. Ambas as concepes podem ser tomadas como cons-trues simblicas, conjuntos de saberes populares que servem para criar, reproduzir ou transformar as relaes sociais. Aqui no se per-gunta se essas construes simblicas criam, ou perpetuam, relaes assimtricas, desiguais. As RS seriam mais amplas, pois poderiam incluir tambm relaes assimtricas, ao passo que ideologia, nessa instncia, referir-se-ia apenas a prticas positivas.

    d) Finalmente, RS e Ideologia, tomando-se ideologia como o conjunto de formas simblicas que servem para criar, ou reproduzir, relaes assimtricas, desiguais, de dominao. A diferena entre as acepes est no fato de as RS no carregarem, necessariamente, uma dimenso negativa ou pejorativa. Apesar de poderem ter tal conotao e de, talvez, na maioria das vezes, poder-se descobrir, implicitanurna representao social, modos e estratgias de criao ou reproduo de relaes ssimtricas.

  • 44 Representaes sociais e ideologia A que concluso se chega aps estas colocaes? Uma primeira a de que, com certeza, os conceitos sic) bastan-

    te prximos. Se tomarmos em considerao o eixo da fixidez versus pr-tica, o que distinguiria uma RS da ideologia seria o fato de que RS no possuem tal

    carter acentuadO de fixidez, apesar de em seus subterrneos

    podermos encontrar lastros duradouros e mais permanentes. Se formos analisar o eixo positivo versus negativo, podemos dizer que a ideologia perpassa as RS, isto 6, o conceito de RS mais amplo e implica ambas as dimenses;

    isto 6, ao estudarmos uma representao social ilk nos fixa-mos imediatamente no cal-Ater de positividade ou negatividade. Essa uma questo posterior que, no caso, s6 interessa a quem estuda a ideologia.

    Num dos ltimos escritos sobre RS, Serge Moscivici e Ivana Markowd fazem um dilogo

    sobre Representaes Sociais (MOSOCVICI e MARKOWA, 1998). Nesse trabalho encontramos uma discusso muito interessante sobre a questo da ideologia, em que constata-se que MOSCOVICI emprega ideologia exatamente no sentido de THOMPSON, isto 6, como uso de formas simblicas para criar ou reproduzir relaes de dominao. Ele discute a maneira como a imprensa sovitica tratou o conceito de "psicanlise". Mostra ento que enquanto a imprensa liberal francesa empregava determinados adjetivos para qualificar psicanlise, tais como

    "cincia psicoanalitica",

    "eficincia da

    teraputica psicanalti-ca",

    ou "objetividade das concepes psicanalticas",

    a imprensa soviti-ca empregava adjetivos bem diversos, tais como: "o mito da psicanlise", "cincia burguesa", "psicanlise norte-americana", etc. 0 mesmo dava-se com a palavra

    "cincia": "cincia sovitica", "cincia proletria", ci-ncia materialista", etc. era colocada sempre como superior A. "cincia norte-americana", "cincia burguesa", cincia racionalista".

    Que significa isso? Pois eis um belo exemplo de emprego de formas simblicas (palavras, conceitos etc.) para criar, ou reproduzir, relaes assimtricas. Atravs da

    linguagem criam-se diferentes conotaes para determinadas realidades que so colocadas como supe- riores, ou inferiores, conforme os interesses das pessoas em questo. Como explicita MOSCOVICI (1988:379) "nesses casos mostram-se as relaes entre as estratgias da ideologia e os significados de palavras, onde uma ideologia tenta transformar-se numa

    representao social, numa parte da cultura".

    Mas no parece ser esta a acepo mais comum de ideologia empregada por MOSCOVICI. BADER e SAWAIA (1993:77

    -78) investiga a possvel trajetria seguida por ele, mostrando como procurando ser coerente com sua teoria, teria empobrecido o conceito de RS, fazendo com que ele perdesse sua fora desmistificadora. Segundo SAWAIA, no estudo das RS

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    da psicanlise MOSCOVICI (1978) descreve trs fases da evoluo desse conhecimento: a fase cientifica (criao da teoria); a fase representacional (sua

    difuso e a criao de RS); a fase ideolgica (a apropriao e uso dessa realidade por um grupo ou instituio). Ao ser apropriado, ele reifica-se e toma-se discurso estruturado e estruturante, impondo uma ordem estabelecida como natural. MOSCOVICI

    v, pois, a ideologia na terceira

    fase, mas no deixa claro que ela esteja tambm na segunda, ou mesmo na primeira, como com SAWA1A (1993:78). Concluso

    Gostaria de concluir tomando partido, at certo ponto, a favor da necessidade de se distinguir claramente entre as diversas acepes de ideo-logia e, at certo ponto, mostrando a

    importncia prtica de se empregar ideologia no sentido de uma

    prtica negativa que serve para criar e manter relaes assimtricas. Ideologia trabalha no sentido de produzir, reprodu-zir e transformar

    subjetividades. Nosso entendimento de que, apesar de todas as criticas que se possa fazer ao conceito de ideologia, como seu privilegiamento das funes

    polticas dos sistemas simblicos, em detri-

    ment de sua estrutura lgica e das mediaes psicolgicas, ele ainda de-sempenha um papel definitivo e indispensvel, principalmente para se com-preender as dimenses ticas, valorativas e criticas, na esperana da eman-cipao dos seres humanos de condies de vida humilhantes. E nossa percepo que a dimenso valorativa, aka, jamais pode ser separada das aes, e por isso, de uma maneira ou outra, ela

    est presente tanto no

    processo de construo das RS, como em sua estrutura. Perder a dimenso de no-neutralidade dos processos e representaes, empobrecer e misti-ficar tanto a uns como outras.

    curioso notar que muitos autores que discutem RS, talvez a maioria deles, acabam mencionando o conceito e tomando-o, praticamente central em diversas de suas

    anlises. Veja-se o caso de FARR (1990; 1991), por exemplo. 0 que o "individualismo como uma representao coletiva" seno

    uma ideologia? Ele certamente uma RS, mas carrega tambm consigo uma dimenso tica que, na verdade, denunciada pelo autor. No mereceria essa dimenso ideolgica uma parcela no estatuto das RS? Do mesmo modo o trabalho de Helene Joffe (em GUARESCHI e JOVCHELOVITCH, 1992). A autora mostra como as RS da AIDS fundamentam-se em ideologias dominantes, como o individualismo, o colonialismo, e o heterossexismo. Se as RS se fundamentam sobre essas ideologias, iro, necessariamente, conservar tambm essa dimenso mistificadora.

  • 46 Representaes sociais e ideologia

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