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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS SUELI APARECIDA AGOSTINI Representações sociais sobre os direitos dos animais: subsídios para a formulação de políticas públicas de proteção aos animais de companhia e de combate ao abandono de cães e gatos Maringá 2014

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARING

    CENTRO DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

    DEPARTAMENTO DE CINCIAS SOCIAIS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM POLTICAS PBLICAS

    SUELI APARECIDA AGOSTINI

    Representaes sociais sobre os direitos dos animais: subsdios para a

    formulao de polticas pblicas de proteo aos animais de companhia e de

    combate ao abandono de ces e gatos

    Maring

    2014

  • SUELI APARECIDA AGOSTINI

    Representaes sociais sobre os direitos dos animais: subsdios para a

    formulao de polticas pblicas de proteo aos animais de companhia e de

    combate ao abandono de ces e gatos

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Polticas Pblicas do Departamento

    de Cincias Sociais da Universidade Estadual de

    Maring, como requisito parcial para obteno do

    ttulo de Mestre em Polticas Pblicas.

    rea de concentrao: Elaborao de Polticas

    Pblicas

    Orientador: Walter Lucio de Alencar Praxedes

    Maring

    2014

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Biblioteca Central - UEM, Maring, PR, Brasil)

    Agostini, Sueli Aparecida A275r Representaes sociais sobre os direitos dos

    animais : subsdios para a formulao de polticas pblicas de proteo aos animais de companhia e de combate ao abandono de ces e gatos / Sueli Aparecida Agostini. -- Maring, 2014.

    64 f. Orientador: Prof. Dr. Walter Lcio de Al encar

    Praxedes. Dissertao (mestrado) - Universidade Es tadual de

    Maring, Centro de Cincias Humanas Letras e Artes, Departamento de Cincias Sociais, Programa de Ps-Graduao em Polticas Pblicas, 2014.

    1. Direitos dos animais. 2. Animais de c ompanhia

    - Proteo - Polticas pblicas. 3. Animais - Polticas pblicas. 4. Direitos dos animais - Representaes sociais. 5. Animais de companhia - Abandono. I. Praxedes, Walter Lcio de Alencar, orient. II. Universidade Estadual de Maring. Centr o de Cincias Humanas Letras e Artes. Programa de Ps -Graduao em Polticas Pblicas. III. Ttulo.

    CDD 22.ed. 344.049

    SOI-002052

  • Dedico este trabalho especialmente Mel (? 2012).

    Cadelinha vira-lata que com sua esperteza

    e olhar atento despertou o meu olhar

    para os animais que vivem nas ruas.

    voc, minha linda, que foi um dos

    meus maiores tesouros, todo o meu amor.

    Saudade infindvel...

    Dedico tambm aos vira-latas caninos:

    Nina, Betsy, Gigante e Juma,

    e aos vira-latas felinos:

    Pierre, Melo, Luli, Juju, Gato e Serelepe.

  • AGRADECIMENTOS

    A todas as pessoas, que direta ou indiretamente contriburam para a elaborao e concluso

    deste trabalho.

    Aos professores do programa de ps-graduao em Polticas Pblicas, pelo conhecimento

    transferido e partilhado com o grupo.

    Ao professor Dr. Walter Lucio de Alencar Praxedes, meu orientador, que aceitou lidar com

    um tema to diverso de sua rea de atuao e, com sua competncia profissional, soube

    indicar qual o caminho que eu deveria seguir para a elaborao desta dissertao de mestrado.

    Aos professores que participaram da banca do exame de qualificao, Raymundo de Lima e

    Fagner Carniel, que enriqueceram o texto com suas observaes.

    amiga Luciane que, com o seu conhecimento na rea jurdica, indicou onde e como

    encontrar a legislao de proteo e defesa dos animais.

    amiga Laura pelo incentivo e exemplo, pois aos setenta anos de vida mantm a disposio

    de uma jovem na batalha por melhores dias aos nossos queridos ces e gatos.

    minha me Idalina e minha sobrinha Ariane que, durante minhas ausncias para a

    realizao das disciplinas do curso, se dedicaram aos cuidados com os meus animais de

    companhia, dedicando ateno especial sade frgil da Mel.

    Aos ces e gatos, meus animais de companhia e tambm queles com quem tive algum

    contato, porque foi atravs desse convvio que surgiu a inspirao para a realizao deste

    trabalho.

  • Cada animal que o homem escolher para companheiro tem direito a uma durao de vida

    conforme sua longevidade natural

    O abandono de um animal um ato cruel e degradante

    Art. 6 - Declarao Universal dos Direitos dos Animais

  • Representaes sociais sobre os direitos dos animais: subsdios para a

    formulao de polticas pblicas de proteo aos animais de companhia e de

    combate ao abandono de ces e gatos

    RESUMO

    Nesta dissertao, investigamos as representaes sociais sobre os direitos dos animais na

    sociedade brasileira contempornea, para ser possvel compreender por que, no Brasil, o

    animal ainda no conseguiu o status de sujeito de direito, por que ces e gatos, to prximos

    ao homem e sua companhia, s vezes por um longo tempo, ainda so tratados como coisas

    que podem ser descartadas a qualquer momento, sem nenhum sentimento de pena ou de

    arrependimento e sem nenhuma punio quele que infringiu o direito vida livre de maus-

    tratos e do abandono. Para o desenvolvimento desta dissertao, utilizou-se da teoria das

    representaes sociais do socilogo Pierre Bourdieu, que defende as representaes sociais

    como sendo, por um lado, uma gnese social dos esquemas de percepo, pensamento e ao

    que so constitutivos do que ele chama de habitus e, de outro lado, as estruturas sociais,

    chamadas por ele como campos sociais. O objetivo do trabalho apresentar propostas para a

    formulao de polticas pblicas de proteo aos animais de companhia e de combate ao

    abandono de ces e gatos, pois a superpopulao desses animais nos centros urbanos, sendo

    em sua maioria vtimas da prtica do abandono, tem forado os rgos pblicos a encontrarem

    solues para o problema. Para a identificao e apresentao dos direitos dos animais, no

    Brasil, e para a observao das medidas adotadas no enfrentando do problema do abandono de

    ces e gatos, foram realizadas pesquisas documental da legislao federal, estadual, municipal

    e de obras bibliogrficas dos defensores desses direitos e visita a dois Municpios brasileiros,

    So Carlos/SP e Florianpolis/SC.

    Palavras-chave: Animais. Direitos. Representaes sociais. Abandono. Polticas pblicas de

    proteo aos animais de companhia.

  • Social representations on the rights of animals: subsidies for the formulation

    of public policies for the protection of household pets and for fighting against

    the abandonment of dogs and cats.

    ABSTRACT

    In this dissertation, the social representations on animal rights in contemporary Brazilian

    society were investigated. The purpose was to seek to understand why animals have not yet

    achieved the status of legal beings in Brazil, considering that cats and dogs have for a long

    time lived very closely with human beings. Yet, they are still treated as objects that can be

    disposed of at any moment, without any feelings of pity or regret. In addition, there is no

    punishment for those who violate the animals rights to a life free from mistreatment and

    abandonment. The theory of social representations developed by sociologist Pierre Bourdieu

    was utilized in the development of this dissertation, since it claims that social representations

    are, on the one hand, the social genesis of schemes of perception, thought and action, which

    constitute what is named by him as habitus, and, on the other, the social structures, which are

    named by him as social fields. The purpose of this work is to present proposals for the

    formulation of public policies to protect household pets and to combat the abandonment of

    dogs and cats, since the excessive population of such animals in urban centers have forced

    public agencies to find solutions to this problem. In order to identify and present animal rights

    in Brazil, and in order to observe the measures adopted to fight the problem of the

    abandonment of dogs and cats, documental research was carried out at municipal, state and

    federal legislation, as well as in the bibliography produced by the defenders of such rights,

    and visitation to two Brazilian cities, So Carlos, in the State of So Paulo, and Florianpolis,

    in the State of Santa Catarina.

    Keywords: Animals. Rights. Social representations. Abandonment. Public policies for the

    protection of household pets.

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ..................................................................................................................... 9

    2 OS DIREITOS DOS ANIMAIS NO CAMPO JURDICO BRASILEIRO ................... 15

    2.1 LEGISLAO FEDERAL DE PROTEO AOS ANIMAIS ........................................ 15

    2.2 LEGISLAO DE PROTEO AOS ANIMAIS NO ESTADO DO PARAN ............ 19

    2.3 LEGISLAO DE PROTEO AOS ANIMAIS NO MUNICPIO DE LONDRINA .. 22

    3 REPRESENTAES SOCIAIS SOBRE OS DIREITOS DOS ANIMAIS E SOBRE

    O BEM-ESTAR DE CES E GATOS ................................................................................. 24

    3.1 O ANIMAL COMO SUJEITO DE DIREITO E O ANIMAL COMO OBJETO DE

    DIREITO .................................................................................................................................. 26

    3.2 AS GRANDES VERTENTES TICAS DE DEFESA DOS DIREITOS ANIMAIS ..... 27

    3.3 AS REPRESENTAES SOCIAIS SOBRE OS DIREITOS DOS ANIMAIS NO

    ESPAO SOCIAL BRASILEIRO ........................................................................................... 29

    4 POLTICAS PBLICAS DE PROTEO AOS ANIMAIS DE COMPANHIA E DE

    COMBATE AO ABANDONO DE CES E GATOS ......................................................... 38

    4.1 PROGRAMA NACIONAL DE EDUCAO AMBIENTAL (ProNEA) ........................ 38

    4.2 CONTROLE POPULACIONAL DE CES E GATOS .................................................... 40

    4.3 AS DELEGACIAS DE PROTEO E DEFESA DOS ANIMAIS .................................. 44

    4.4 O MINISTRIO PBLICO DO MEIO AMBIENTE ...................................................... 46

    4.5 A DEFENSORIA PBLICA ............................................................................................. 49

    4.6 MUNICPIOS BRASILEIROS QUE ADOTARAM MEDIDAS DE PROTEO E

    DEFESA DOS ANIMAIS ........................................................................................................ 50

    4.6.1 Medidas de Proteo e Defesa dos Animais, adotadas pelo Municpio de So

    Carlos (SP) ....................................................................................................................... 51

    4.6.2 Medidas de Proteo e Defesa dos Animais, adotadas pelo Municpio de

    Florianpolis (SC) ........................................................................................................... 52

    5 CONSIDERAES FINAIS .............................................................................................. 55

    REFERNCIAS .................................................................................................................. 58

    ANEXO 1 Declarao Universal dos Direitos dos Animais .............................................. 63

  • 9

    1 INTRODUO

    A humanidade vive uma poca em que preservar o meio ambiente questo de

    manuteno da vida de todos os seres vivos, inclusive do ser humano. Um planeta saudvel

    onde os humanos possam viver em harmonia com os animais o objetivo das muitas pessoas

    que fazem parte da Nao dos Direitos Animais. Esta Nao no possui uma localizao ou

    territrio especficos, pois ela composta por pessoas que se unem em funo de valores e

    compromissos para a defesa dos direitos bsicos dos animais que so definidos como: direito

    liberdade, direito integridade fsica e direito vida.

    As percepes sociais construdas em torno da necessidade de preservar o meio

    ambiente, castigado pela degradao desenfreada e a possibilidade iminente de esgotamento

    dos recursos naturais e, consequentemente, a extino de vrias espcies, foi o ponto inicial da

    mudana de paradigma em relao importncia de um meio ambiente saudvel para

    humanos e no humanos. Essa nova realidade social beneficiou a flora e tambm a fauna

    Os animais por muito tempo foram considerados, pela maioria das pessoas, seres

    desprovidos de qualquer sentimento, como se fossem mquinas, influncia ainda da tese do

    filsofo francs Ren Descartes (ROCHA, 2004), para quem os animais eram desprovidos de

    alma, logo no possuam pensamento e, consequentemente, no sentiam dor. Para os

    seguidores desse entendimento, maltratar animais era algo comum, no consideravam como

    sendo algo ruim.

    Contrrios ao pensamento de Descartes, outros filsofos vieram em defesa dos animais.

    Entre eles destacamos o filsofo e jurista ingls Jeremy Bentham (SINGER, 2010) cujo

    ensinamento se ops ao entendimento de seu antecessor, ao afirmar que os animais sofriam as

    dores dos maus-tratos. Para Bentham, o que importava era a capacidade que os animais

    tinham de sofrer e no se podiam raciocinar ou falar.

    No mundo contemporneo, os animais recebem a proteo do Estado por intermdio da

    positivao de seus direitos e, em funo de leis protetivas e do interesse de grupos que lutam

    por esses direitos, passaram a ter um espao significante na agenda poltica das Naes da

    Europa e nos Estados Unidos. Em alguns casos, os animais chegaram ao ponto de

    conquistarem o status de sujeitos de direito.

    No Brasil, apesar dos avanos quanto preservao do meio ambiente, juridicamente os

    animais ainda continuam na categoria de objetos de direito. Esse habitus, oriundo

    especialmente do antropocentrismo, doutrina que considera o homem o centro de todas as

  • 10

    coisas, pensamento predominante em pases judaico-cristos, no possibilita que no espao

    social brasileiro os outros seres vivos possam viver com dignidade.

    Alm da predominncia do antropocentrismo, o Brasil ainda possui inmeras

    necessidades humanas no atendidas. Possui problemas interminveis com a gesto da sade

    pblica, da educao pblica e da falta de moradia. Com tantos problemas humanos no

    resolvidos, a soluo para os problemas dos maus-tratos aos animais e, especificamente, da

    prtica do abandono de ces e gatos, nunca prioridade na pauta da agenda poltica brasileira.

    Diante dessa realidade, at mesmo os responsveis pela elaborao das legislaes que

    regem a Nao consideram os direitos fundamentais do meio ambiente como sendo de terceira

    gerao, atrs, portanto, dos direitos do indivduo e dos direitos econmicos e culturais.

    Contudo, felizmente, j existem movimentos organizados por pessoas interessadas em

    defender o bem-estar dos animais e que lutam pela eficcia da legislao de proteo dos

    animais, assim como pelo fim da prtica do abandono de ces e gatos.

    Com a participao crescente das pessoas em movimentos de preservao do meio

    ambiente e de proteo e defesa dos animais, as representaes sociais sobre os direitos dos

    animais esto em constante construo, nos levando a crer que a Nao dos Direitos

    Animais tende a crescer.

    Tom Regan (2006), professor emrito de Filosofia da Universidade do Estado da

    Carolina do Norte, nos Estados Unidos da Amrica, classifica os defensores dos direitos

    animais em trs categorias: os vincianos, os damascenos e os relutantes. Para ele, os vincianos

    j nascem com a conscincia animal e desde crianas conseguem penetrar no mistrio da vida

    interior dos animais, no sendo, portanto, algo que lhes seja ensinado. Chama-os assim por

    causa de Leonardo da Vinci que, segundo consta, nutria um amor natural pelos animais. Os

    damascenos e os relutantes, por sua vez, so frutos da mudana de percepo da conscincia

    animal. Os damascenos sofrem a mudana de forma abrupta, em funo de alguma

    experincia nica e transformadora. A denominao vem da histria bblica de Saulo na

    estrada de Damasco. Os relutantes so aquelas pessoas que avanam para a conscincia

    animal passo a passo, pouco a pouco. Primeiro aprende uma coisa, depois outra, experimenta

    isto, depois aquilo e assim vo seguindo o seu caminho, culminando, aqui, nesta dissertao

    de mestrado.

    Para o desenvolvimento desta dissertao, utilizou-se da teoria das representaes

    sociais do socilogo Pierre Bourdieu (2004), para ser possvel compreender por que, no

    Brasil, os animais ainda no conseguiram o status de sujeitos de direito. Por que ces e gatos,

    to prximos ao homem e sua companhia, s vezes por um longo tempo, ainda so tratados

  • 11

    como coisas que podem ser descartadas a qualquer momento, sem nenhum sentimento de

    pena ou de arrependimento e, o pior, sem nenhuma punio severa quele que infringiu o

    direito vida livre de maus-tratos e do abandono.

    Bourdieu (2004) defende que, no prprio mundo social existem as estruturas objetivas

    que independem da conscincia e vontade dos agentes sociais e que so capazes de orientar ou

    coagir suas prticas e representaes.

    Assim, as representaes sociais so esclarecidas por Bourdieu como sendo, por um

    lado, uma gnese social dos esquemas de percepo, pensamento e ao que so constitutivos

    do que ele chama de habitus e, de outro lado, h as estruturas sociais, chamadas por ele como

    campos sociais.

    O habitus construdo atravs do conhecimento de senso comum que os agentes

    desenvolvem ao longo de suas vidas e de acordo com o espao que ocupam na sociedade.

    Nesse caso a realidade social possui um sentido e uma estrutura de pertinncias especficas

    para os seres humanos que nela vivem, agem e pensam. Os agentes pr-selecionam e pr-

    interpretam o mundo que apreendem como a realidade de sua vida cotidiana, mediante uma

    srie de construes de senso comum, tendo seu comportamento determinado por estes

    objetos de pensamento.

    Segundo Bourdieu (2004), o habitus acaba interferindo no desenvolvimento da

    sociedade, formando outro tipo de estrutura que poder manter ou alterar a existente. Essas

    estruturas paralelas tambm definem o rumo que a sociedade poder tomar.

    Para se compreender a realidade social de uma determinada sociedade, preciso basear-

    se nos objetos de pensamento, construdos pelo pensamento de senso comum dos homens que

    vivem sua vida cotidiana em seu mundo social. Assim, a percepo da realidade social, as

    perspectivas, os pontos de vistas, que os agentes tm sobre essa realidade, definidos a partir

    da posio que ocupam no espao social objetivo, devem ser objeto da cincia social.

    Conforme Bourdieu (2004), como as representaes sociais so construdas pelos

    agentes de acordo com a posio ocupada no campo social, poder haver pontos de vista

    diferentes e at antagnicos, j que dependem do ponto a partir do qual so tomados e, a viso

    que cada agente tem do espao, depende de sua posio nesse campo.

    Na comparao entre o espao social e o espao geogrfico, percebe-se que a tendncia

    natural que quanto mais prximos estiverem os agentes, num determinado espao social,

    maior probabilidade eles tero de pensarem e agirem de forma parecida e comum e, por opo

    ou por fora, eles estaro mais prximos tambm no espao geogrfico. No entanto, os

    agentes que esto mais afastados no campo social, podero at interagir por um breve tempo

  • 12

    ou de forma intercalada no espao fsico, porm a distncia estrutural entre os campos

    prevalecer sobre a interao social.

    Considerando, segundo Bourdieu (2004), que as representaes sociais dos agentes

    variam conforme a posio ocupada no campo social, isso significa que eles constroem o

    habitus atravs de sua viso de mundo. Entretanto, essa construo delimitada por coaes

    estruturais e pelos interesses que esto associados posio ocupada no campo social.

    As relaes sociais, entre as posies ocupadas, iro conduzir as interaes e a

    distribuio dos recursos que so, ou podem se tornar, eficientes, a exemplo dos trunfos de

    um jogo.

    A distribuio dos agentes no espao social global ser determinada, primeiramente, de

    acordo com o volume global de capital possudo e, posteriormente, de acordo com o peso

    relativo das diferentes espcies de capital, econmico e cultural, no volume total de seu

    capital.

    Assim, conforme Bourdieu (2004), as representaes sociais dos agentes variam

    segundo sua posio e interesses associados a ela e segundo seu habitus, sendo ao mesmo

    tempo um sistema de esquemas de produo de prticas e um esquema de percepo e

    apreciao das prticas, construdo a partir da posio ocupada no campo social.

    A problemtica que envolve o debate a ser discutido neste trabalho pode ser resumida

    no questionamento sobre, quais as representaes sociais que so construdas atualmente, pela

    sociedade brasileira, acerca dos direitos dos animais, em especial sobre o bem-estar dos

    animais de companhia, e quais as medidas que esto sendo tomadas, pelos rgos pblicos

    competentes, para uma efetiva proteo da integridade fsica e do bem-estar de ces e gatos.

    O estudo sobre as representaes sociais dos direitos dos animais conduziu para a

    tentativa de entender por que a sociedade e o ordenamento jurdico brasileiro, ainda enxergam

    o animal como objeto e no como sujeito de direito, e porque os ces e gatos deixam a

    posio de animais de companhia e passam a ser considerados como objetos descartveis.

    Deste modo, o tema do trabalho veio ao encontro da necessidade urgente de se efetivar a

    proteo dos animais de companhia. Optou-se pelo uso do termo companhia ao invs de

    estimao, em decorrncia da concluso de que o termo companhia estaria mais adequado

    em relao aos ces e gatos, pois estima significa: amor, respeito, afeto por alguma coisa ou

    pessoa. Parece que quem comete o ato de abandono de um co ou de um gato no foi capaz de

    lhe proporcionar estima, respeito e amor.

    Muito embora a legislao brasileira tenha avanado, criando leis especiais de proteo

    aos animais: federais, estaduais e at municipais, na verdade essas leis ainda no foram postas

  • 13

    em prtica na sua totalidade, em razo da falta de estrutura necessria e do desinteresse do

    Poder Pblico com o problema, haja vista que, como mencionado anteriormente, outras so as

    prioridades dos governantes.

    Uma sociedade que est em constante construo, tambm pode estar sujeita a mudar o

    ponto de vista em relao situao do animal de companhia e, alm da inteno de mudar

    esse paradigma, nesta dissertao de mestrado buscou-se contribuir para a formulao de

    polticas pblicas eficientes, de proteo e bem-estar dos animais de companhia,

    especialmente ces e gatos, e de combate ao abandono desses animais.

    No 1 captulo, apresentamos uma discusso sobre a legislao de proteo aos animais

    que se intensificou aps a promulgao da Declarao Universal dos Direitos dos Animais,

    proclamada pela UNESCO em sesso realizada em Bruxelas (Blgica), em 27 de janeiro de

    1978. Esse documento foi um passo importante no tocante proteo animal. Quase todos os

    pases do mundo, inclusive o Brasil, assinaram o documento, no qual proposto que o

    respeito aos animais no seja mais ignorado.

    Apesar de no ter fora de Lei, a Declarao Universal dos Direitos dos Animais

    levantou a questo sobre os direitos dos animais e abriu o caminho para a melhoria da

    condio animal, com a elaborao de legislaes que institussem normas e formas que os

    defendessem e prezassem pelo seu bem-estar.

    No Brasil, a legislao sobre a proteo dos animais vem da dcada de 1930. A mais

    antiga o Decreto-lei n 24.645, promulgado em 1934. Em 1988, com a promulgao da

    Constituio Federal, o meio ambiente ganhou destaque no artigo 225 que trata sobre os

    direitos sociais relativos ao meio ambiente; nesse artigo o poder constituinte evidenciou a

    preocupao com o tema, dispensando a ele a proteo necessria.

    Aps o advento da Constituio Federal de 1988, foi promulgada em 12 de fevereiro de

    1998 a Lei Federal n 9.605, mais conhecida como a Lei de Crimes Ambientais, que dispe

    sobre as sanes penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio

    ambiente. Alm da legislao federal, temos ainda as legislaes estaduais, incluindo o Estado

    do Paran e de alguns Municpios brasileiros, entre eles: o Municpio de Florianpolis/SC,

    So Carlos/SP e o Municpio de Londrina, cidade localizada no interior do Estado do Paran,

    que no ano de 2011 elaborou Lei Municipal de Proteo e Defesa dos Animais de Companhia.

    No 2 captulo, apresentamos a reviso bibliogrfica dos textos utilizados para pesquisa

    sobre os direitos fundamentais dos animais, de como esses direitos so considerados para

    definir o status jurdico dos animais, nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil. Destacando

    as representaes sociais sobre os direitos dos animais no espao social brasileiro, segundo os

  • 14

    conceitos de Pierre Bourdieu, e a importncia que o bem-estar animal vem adquirindo ao

    longo das ltimas dcadas.

    No 3 captulo, propomos algumas polticas pblicas para a mudana de paradigma dos

    brasileiros sobre os direitos dos animais e sobre o bem-estar de ces e gatos. Buscou-se nesse

    captulo demonstrar quais rgos pblicos so responsveis pela tutela e proteo dos

    animais, quais as necessidades desses rgos para que se conquiste a efetiva proteo dos

    animais de companhia e quais medidas podero ser adotadas para preservar a vida e combater

    a prtica de abandono dos ces e gatos.

    Ainda, neste mesmo captulo, relatamos informaes obtidas em visitas, realizadas no

    ano de 2013, a dois Municpios brasileiros: So Carlos, no Estado de So Paulo, e

    Florianpolis, no Estado de Santa Catarina. Evidenciando que esses Municpios j adotaram

    medidas de proteo aos animais, de controle populacional e de combate ao abandono de ces

    e gatos.

    Nas consideraes finais, detalhamos as propostas para a implementao das Polticas

    Pblicas de Proteo aos Animais de Companhia e de Combate ao Abandono de Ces e

    Gatos.

  • 15

    2 OS DIREITOS DOS ANIMAIS NO CAMPO JURDICO BRASILEIRO

    A Declarao Universal dos Direitos dos Animais, proclamada pela UNESCO em

    sesso realizada em Bruxelas (Blgica), em 27 de janeiro de 1978, foi um passo importante no

    tocante proteo animal. Quase todos os pases do mundo, inclusive o Brasil, assinaram o

    documento, no qual proposto que os direitos dos animais no sejam mais ignorados.

    Como j foi dito, apesar de no ter fora de Lei, a Declarao Universal dos Direitos

    dos Animais levantou a questo sobre os direitos que os animais deveriam ter e abriu o

    caminho para a melhoria da condio animal, com a elaborao de legislaes que

    institussem normas e mtodos que os defendessem.

    provvel que, no Brasil, os problemas econmicos e sociais existentes dificultem as

    condies de vida do povo brasileiro e contribua no modo como a populao interprete os

    direitos dos animais. Apesar dos problemas existentes, seguiu-se a tendncia mundial na

    elaborao de legislao que protegesse o meio ambiente e consequentemente os animais. Os

    legisladores brasileiros, no mbito federal, estadual e municipal, elaboraram Leis e Decretos,

    adiante demonstrados, que cuidam da proteo e defesa dos animais, proporcionando-lhes o

    direito vida livre de maus-tratos e do abandono.

    2.1 LEGISLAO FEDERAL DE PROTEO AOS ANIMAIS

    A legislao federal que dispe sobre normas de proteo aos animais tem como marco

    inicial o Decreto Lei n 24.645/1934 que, em seu art. 1 decreta: todos os animais do pas so

    tutelados do Estado. Para o ordenamento jurdico brasileiro, tutela significa o Direito Instituto

    pelo qual se confere a algum autoridade para zelar por menores e interditos (proteo,

    amparo, auxlio).

    A Constituio da Repblica Federativa do Brasil, promulgada no ano de 1988, foi

    produzida sob dogmas sociais e liberais advindos de seu perodo de criao, ou seja, aps a

    queda da ditadura, num perodo de abertura e de valorizao dos direitos fundamentais que

    so aqueles direitos indispensveis pessoa humana, os que no se podem viver sem eles,

    como meio ambiente, por exemplo.

    Buscando definir a Constituio de 1988, tem-se que:

    Nossa Constituio a lei fundamental de organizao do Estado, pois

    estrutura e delimita seus poderes polticos. a lei maior do pas, o vrtice do

    sistema jurdico. Contm todas as normas fundamentais do Estado, estando

  • 16

    todos sujeitos a seu imprio, inclusive os membros do governo. Deste modo,

    ela confere autoridade aos governantes, que s podem exerc-la dentro dos

    limites por ela traados. O carter rgido de suas normas sobrepe a todas as

    demais normas jurdicas (PINHO, 2002, p.10-17).

    No texto constitucional existem normas de contedos diversos: as que tratam da

    estrutura do Estado; as que tratam dos limites de criao do Estado; as que se destinam

    soluo dos conflitos constitucionais; as que possibilitam a aplicao dos prprios

    dispositivos constitucionais, mas, especialmente, em virtude do tema que aqui se discute, as

    normas que revelam o compromisso da ordem constitucional com determinados princpios

    ideolgicos, no caso os da Ordem Social, dispostas no Captulo VI, do Ttulo VIII, o art.

    225, que dispe sobre o meio ambiente.

    A Constituio Federal trata no art. 225, dos direitos sociais relativos ao meio ambiente.

    Nesse captulo o poder constituinte evidenciou a preocupao com o tema, dispensando a ele

    a proteo necessria, com o seguinte teor em seu caput.

    Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso

    comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder

    Pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo para as presente

    e futuras geraes (BRASIL, 2004, p.70).

    Alguns estudiosos da legislao brasileira defendem que o constituinte utilizou a

    palavra todos de forma ampla, levando a entender que os animais fazem parte desse todos.

    Segundo a definio legal disposta na Lei de Poltica Nacional do Meio Ambiente, n

    6.938/81, em seu art. 3, inciso I, meio ambiente o conjunto de condies, leis, influncias

    e interaes de ordem fsica, qumica e biolgica, que permite, abriga e rege a vida em todas

    as suas formas.

    Por ser o meio ambiente um bem jurdico tutelado pela norma constitucional, a

    Constituio Federal considera sua preservao como uma tarefa do Estado (art. 225, 1 e

    incisos). Deste modo, a tutela constitucional se faz necessria quando determinado bem no

    protegido diretamente, necessitando de proteo do Poder Pblico.

    Nesta esteira o 1 e o inciso VII, do art. 225, dispem sobre obrigatoriedade da

    proteo do meio ambiente pelo Poder Pblico.

    1 Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Pblico:

    [...]

    VII proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as prticas que

    coloquem em risco sua funo ecolgica, provoquem a extino de espcies

  • 17

    ou submetam os animais crueldade.

    Entende-se por fauna todos os animais, incluindo os de companhia, ces e gatos. Neste

    sentido, por ser o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado um direito subjetivo, o

    ambiente como um fim estatal implica na:

    Existncia de deveres jurdicos ao estado e demais poderes pblicos, em que

    no cabe ao poder pblico decidir se o meio ambiente deve ou no ser

    protegido, porque sua proteo decorre de imposio constitucional (NERY,

    2009, p.688).

    Sendo o meio ambiente compreendido como uma totalidade e os animais dele fazerem

    parte, recebem a tutela do Estado porque essa tutela est determinada no art. 225, mais

    especificamente no 1, inciso VII, como j mencionado, o que determina o dever do Estado e

    da coletividade, de proteg-los e dar-lhes o respeito devido.

    A Constituio Federal de 1988 foi inovadora ao tutelar, alm do direito individual

    privado e do interesse pblico, os interesses transindividuais. Para facilitar seu entendimento,

    esses interesses so definidos e classificados da seguinte maneira:

    Esses interesses podem ser divisveis (cuja ciso possvel) ou indivisveis

    (cuja ciso no possvel) e so assim classificados:

    interesses difusos seus titulares so pessoas indeterminadas ou indeterminveis, ou seja, no possvel mensurar quais so as pessoas

    titulares desses interesses, unidas preponderantemente por um fato,

    constituindo-se em interesses indivisveis. Um exemplo um dano ambiental

    provocado por determinada pessoa jurdica [...];

    interesses coletivos [...];

    interesses individuais homogneos[...]. Com relao aos interesses transindividuais, a Constituio Federal, alm de

    prev-los, os garantiu por aes especficas: mandado de segurana coletivo,

    ao popular e ao civil pblica (GALANTE, 2005, p.75-76).

    Impende ressaltar ainda, as inmeras normas infraconstitucionais que se avolumaram ao

    longo dos anos e que foram criadas a partir da norma geral (art.225) e da responsabilidade que

    ela impe ao Estado, produzindo-se tais leis a partir do tratamento que a Constituio Federal

    de 1988 consagra ao meio ambiente. So legislaes especficas que dependem

    exclusivamente de serem postas em prtica e, especialmente, fiscalizadas, para que

    efetivamente se cumpra a tutela pretendida de proteo ao meio ambiente.

    Aps o advento da Constituio Federal de 1988, foi promulgada em 12 de fevereiro de

    1998 a Lei Federal n 9.605, mais conhecida como a Lei de Crimes Ambientais. Ela dispe

  • 18

    sobre as sanes penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio

    ambiente.

    Art. 2 Quem, de qualquer forma, concorre para a prtica dos crimes

    previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua

    culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e

    de rgo tcnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatrio de pessoa

    jurdica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a

    sua prtica, quando podia agir para evit-la.

    Na Lei de Crimes Ambientais est um dos artigos mais conhecidos e comentados entre

    as pessoas envolvidas com a causa animal, porque ele dispe no Captulo V, Seo I, Dos

    Crimes Contra a Fauna,

    Art. 32 Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres,

    domsticos ou domesticados, nativos ou exticos: pena - deteno, de trs

    meses a um ano, e multa [...] 2 A pena aumentada de um sexto a um

    tero, se ocorre morte do animal.

    Se o Projeto de Lei n 2833/2011, que criminaliza condutas praticadas contra ces e

    gatos j aprovado pela Comisso de Constituio e Justia da Cmara, for igualmente

    aprovado pelo Plenrio da Cmara e sancionado pela Presidncia da Repblica, essa pena

    poder chegar a 10 anos de priso, podendo ser em dobro se o crime for cometido por duas ou

    mais pessoas ou pelo proprietrio ou responsvel pelo animal.

    Nos casos em que o crime de maus tratos a animais tenha sido causado por criana at

    12 (doze) anos de idade, incompletos, ou adolescente entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de

    idade (art. 2 da Lei 8.069/90/ECA Estatuto da Criana e do Adolescente), a eles podem se

    aplicar as medidas socioeducativas dispostas no art.112, incisos I a III, deste mesmo diploma,

    em razo de serem penalmente inimputveis (art. 104 do mesmo Cdex e art. 228 da

    Constituio Federal), ou seja, por no estarem sujeitos s penalidades impostas pelo Cdigo

    Penal, aplicam-se a eles somente as penalidades que o estatuto determina.

    Essas medidas preveem a advertncia, a obrigao de reparar o dano e a prestao de

    servios comunidade.

    Em complementao ao exposto acima, o Novo Cdigo Civil Brasileiro, vigente desde

    janeiro de 2003, impe responsabilidade civil indireta aos responsveis por inimputveis, em

    atos lesivos praticados por estes, em que seja possvel o ressarcimento civil do dano.

  • 19

    Art. 932 So tambm responsveis pela reparao civil:

    I os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua

    companhia;

    II o tutor e curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas

    mesmas condies.

    Portanto, alm das penalidades determinadas pelo Estatuto da Criana e do Adolescente,

    existir a necessidade da reparao civil, que recair sobre as pessoas citadas no artigo 932,

    inciso I, do Novo Cdigo Civil Brasileiro, no caso da prtica de ato infracional ser cometido

    por menores de dezoito anos, que seja vinculado por uma relao jurdica ao imputado.

    2.2 LEGISLAO DE PROTEO AOS ANIMAIS DO ESTADO DO PARAN

    O Estado do Paran, localizado na regio sul do pas, possui normas prprias de

    preservao do meio ambiente, assim como de proteo dos animais. A Constituio Estadual

    publicada no Dirio Oficial em 05 de outubro de 1989 dispe,

    Art. 12 competncia do Estado, em comum com a Unio e os Municpios:

    [...]

    VI - proteger o meio ambiente e combater a poluio em qualquer de suas

    formas;

    VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;

    A Constituio Estadual do Paran dispe ainda, no captulo V, normas sobre o meio

    ambiente, como no artigo:

    Art. 207. Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,

    bem de uso comum e essencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao

    Estado, aos Municpios e coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo

    para as geraes presente e futuras, garantindo-se a proteo dos

    ecossistemas e o uso racional dos recursos ambientais.

    1. Cabe ao Poder Pblico, na forma da lei, para assegurar a efetividade

    deste direito:

    I - estabelecer, com a colaborao de representantes de entidades ecolgicas,

    de trabalhadores, de empresrios e das universidades, a poltica estadual do

    meio ambiente e instituir o sistema respectivo constitudo pelos rgos do

    Estado, dos Municpios e do Ministrio Pblico;

    [...]

    X - promover a educao ambiental em todos os nveis de ensino e a

    conscientizao pblica para a preservao do meio ambiente;

    [...]

    XIV - proteger a fauna, em especial as espcies raras e ameaadas de

    extino, vedadas as prticas que coloquem em risco a sua funo ecolgica

    ou submetam os animais crueldade;

  • 20

    XV - proteger o patrimnio de reconhecido valor cultural, artstico, histrico,

    esttico, faunstico, paisagstico, arqueolgico, turstico, paleontolgico,

    ecolgico, espeleolgico e cientfico paranaense, prevendo sua utilizao em

    condies que assegurem a sua conservao;

    2. As condutas e atividades poluidoras ou consideradas lesivas ao meio

    ambiente, na forma da lei, sujeitaro os infratores, pessoas fsicas ou

    jurdicas:

    I - a obrigao de, alm de outras sanes cabveis, reparar os danos

    causados;

    II a medidas definidas em relao aos resduos por elas produzidos;

    III - a cumprir diretrizes estabelecidas por rgo competente.

    Alm da proteo instituda a partir da Constituio Estadual, foi publicado no Dirio

    Oficial do Paran, no dia 11 de abril de 2003, o Cdigo Estadual de Proteo aos Animais,

    contendo 31 artigos, com destaque para:

    Art. 2 vedado:

    I - ofender ou agredir fisicamente os animais, sujeitando-os a qualquer tipo

    de experincia capaz de causar-lhes sofrimento, humilhao ou dano, ou que,

    de alguma forma, provoque condies inaceitveis para sua existncia;

    II - manter animais em local desprovido de asseio, ou que no lhes permita a

    movimentao e o descanso, ou que os prive de ar e luminosidade;

    III - obrigar animais a trabalhos extenuantes ou para cuja execuo seja

    necessria uma fora superior que possuem;

    IV - impingir morte lenta ou dolorosa a animais cujo sacrifcio seja

    necessrio para o consumo. O sacrifcio de animais somente ser permitido

    nos moldes preconizados pela Organizao Mundial de Sade;

    V - exercer a venda ambulante de animais para menores desacompanhados

    por responsvel legal;

    VI - enclausurar animais com outros que os molestem ou aterrorizam;

    Em maio de 2009, foi publicada a Lei n 16.101 que veda, no mbito do Estado, a

    prestao de servios de vigilncia por ces de guarda, com fins lucrativos.

    Mais recentemente foi publicada, a Lei n 17.422, de 18 de dezembro de 2012, que

    dispe sobre o controle tico da populao de ces e gatos no Estado. Essa Lei est vigente

    desde junho/2013.

    O Estado possui ainda a Lei n 17.505, de 11 de janeiro de 2013, que instituiu a Poltica

    Estadual de Educao Ambiental e o Sistema de Educao que direciona para:

    Art. 1 A Poltica Estadual de educao Ambiental do Paran criada em

    conformidade com os princpios e objetivos da Poltica Nacional de

    Educao Ambiental (PNEA) e do Programa Nacional de Educao

    Ambiental (ProNEA), articulada com o sistema de meio ambiente e

    educao em mbito federal, estadual e municipal.

  • 21

    Art. 2 Entende-se por educao ambiental os processos contnuos e

    permanentes de aprendizagem, em todos os nveis e modalidades de ensino,

    em carter formal e no-formal, por meio dos quais o indivduo e a

    coletividade de forma participativa constroem, compartilham e privilegiam

    saberes, conceitos, valores socioculturais, atitudes, prticas, experincias e

    conhecimentos voltados ao exerccio de uma cidadania comprometida com a

    preservao, conservao, recuperao e melhoria do meio ambiente e da

    qualidade de vida, para todas as espcies.

    Art. 3 Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,

    cabendo ao Poder Pblico e coletividade o compromisso de desenvolver a

    sustentabilidade, o respeito e a valorizao da vida em todas as suas formas

    de manifestao, na presente e nas futuras geraes.

    Encontramos tambm na Constituio do Estado do Paran, no Captulo IV onde dispe

    sobre as Funes Essenciais da Justia, na Seo I, o Ministrio Pblico, que a instituio

    permanente, essencial funo jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem

    jurdica, do regime democrtico e dos interesses sociais e individuais indisponveis, sendo

    que,

    Art. 120. So funes institucionais do Ministrio Pblico:

    I - promover, privativamente, a ao penal pblica, na forma da lei;

    II - zelar pelo efetivo respeito dos poderes pblicos e dos servios de

    relevncia pblica aos direitos assegurados nesta Constituio e na da

    Repblica, promovendo as medidas necessrias sua garantia;

    III - promover o inqurito civil e ao civil pblica, para proteo do

    patrimnio pblico e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos

    e coletivos;

    [...]

    X - participar em organismos estatais de defesa do meio ambiente, do

    trabalhador, do consumidor, de menores, de poltica penal e penitenciria e

    outros afetos a sua rea de atuao;

    XI - receber peties, reclamaes, representaes ou queixas de qualquer

    pessoa por desrespeito aos direitos assegurados na Constituio Federal e

    nesta, promovendo as medidas necessrias sua garantia;

    O Ministrio Pblico atua como um aliado na defesa do meio ambiente e dos animais,

    em razo da competncia que a Constituio Federal lhe atribui, incumbindo-lhe a defesa da

    ordem jurdica, do regime democrtico e dos interesses sociais.

    ainda na Constituio do Estado que encontramos a legislao que define a

    necessidade e obrigatoriedade da elaborao do plano diretor dos municpios, conforme o

    seguinte artigo,

    Art. 152. O plano diretor, instrumento bsico da poltica de desenvolvimento

    econmico e social e de expanso urbana, aprovado pela Cmara Municipal,

    obrigatrio para as cidades com mais de vinte mil habitantes, expressando

  • 22

    as exigncias de ordenao da cidade e explicitando os critrios para que se

    cumpra a funo social da propriedade urbana.

    1. O plano diretor dispor sobre:

    [...]

    IV - proteo ambiental;

    Juntamente com a legislao federal e estadual h, ainda, a legislao especfica

    municipal de proteo e defesa dos animais.

    Vrios Municpios brasileiros j adotaram medidas de proteo e defesa dos animais de

    companhia, de controle populacional e de combate ao abandono de ces e gatos. As medidas

    desenvolvidas por dois Municpios brasileiros: So Carlos/SP e Florianpolis/SC sero

    demonstradas adiante.

    2.3 LEGISLAO DE PROTEO AOS ANIMAIS DO MUNICPIO DE LONDRINA

    Dos Municpios do Estado do Paran que possuem legislao prpria de proteo e

    combate ao abandono de ces e gatos, destacamos a cidade de Londrina, localizada na regio

    norte do Estado, que incluiu na elaborao do seu Plano Diretor do Municpio a Lei

    Municipal n 11.468, de 29 de dezembro de 2011, que instituiu o Cdigo de Posturas.

    A opo por destacar a legislao do Municpio de Londrina, foi em funo da

    oportunidade, como residente na cidade, de ter participado das oficinas de trabalho e das

    conferncias pblicas que discutiram o Cdigo de Posturas e, assim, contribuir efetivamente

    para a elaborao da referida Lei.

    A Lei n 11.468 dispe no Captulo IV sobre As Medidas Referentes a Animais, na

    qual destaca-se o seguinte artigo:

    Art. 50. Todo proprietrio de animal considerado seu guardio, devendo

    zelar por sua sade e bem-estar e exercer a guarda responsvel que consiste

    em:

    I - mant-lo alimentado e que tenha fcil acesso gua e comida;

    II - mant-lo em local adequado ao seu porte, limpo, arejado, com acesso

    luz solar, com proteo contra as intempries climticas e com fcil acesso;

    III - manter a vacinao em dia;

    IV- proporcionar cuidados mdicos veterinrios e zootcnicos sempre que

    necessrio;

    V - proporcionar caminhadas e brincadeiras frequentes, com a finalidade de

    lazer e sade do animal;

    VI - remover os dejetos deixados pelo animal em vias e logradouros

    pblicos, bem como reparar e ressarcir os danos causados por este a

    terceiros.

  • 23

    1 O proprietrio no poder abandonar o animal sob qualquer pretexto em

    logradouros ou vias pblicas ou em imveis alheios.

    Contudo, apesar do Municpio londrinense ter considerado as medidas referentes a

    animais em seu Plano Diretor, muito h por fazer, pois a gesto municipal ainda no

    conseguiu resolver o problema do abandono de ces e gatos.

    Embora no haja estudo oficial sobre o quantitativo de animais abandonados muito

    comum a presena, principalmente de ces, pelas ruas da cidade, sendo que o problema mais

    acentuado nos bairros da periferia onde situa-se a parte mais carente da populao.

    Ao considerarmos as representaes sociais presentes na legislao de proteo aos

    animais, no Brasil, percebemos que houve avanos e que so favorveis aos direitos dos

    animais de companhia a viverem livres de maus-tratos e do abandono, porm em funo do

    habitus do antropocentrismo e da condio de vida dos brasileiros, ainda esto muito distantes

    da sua efetividade prtica, no cotidiano das gestes pblicas das trs esferas de governo e na

    vida cotidiana dos brasileiros.

  • 24

    3 REPRESENTAES SOCIAIS SOBRE OS DIREITOS DOS ANIMAIS E SOBRE O

    BEM-ESTAR DE CES E GATOS

    O espao social, de acordo com Bourdieu (2004), uma representao

    multidimensional e relacional da estrutura da sociedade, de acordo com o volume e a estrutura

    do capital cultural, econmico ou social em posse das diferentes classes sociais em conflito.

    Como as representaes sociais so construdas pelos agentes de acordo com a posio

    ocupada no campo social, poder haver pontos de vista diferentes e at antagnicos, j que

    dependem do ponto a partir do qual so tomados e a viso que cada agente tem do espao

    depende de sua posio nesse campo.

    Numa sociedade composta pela sua maioria de pessoas carentes de direitos bsicos,

    como o caso da sociedade brasileira e com formao fundamentalmente crist, quais as

    representaes sociais que podem ser construdas, sobre os direitos dos animais? Esta

    pergunta tentar ser respondida atravs da reviso bibliogrfica das obras que foram utilizadas

    para o desenvolvimento desta dissertao de mestrado.

    O senso comum predominante de que o animal pode ser descartado, como se descarta

    um objeto velho, foi construdo por vrios anos de antropocentrismo e tambm pela influncia

    de alguns pensadores, entre os quais destacamos o filsofo Ren Descartes, para quem os

    animais seriam autmatos como se fossem mquinas,

    O filsofo diferencia trs graus de sensao. Segundo o que afirma, devemos

    distinguir trs graus de resposta sensorial. O primeiro se limita ao estmulo

    imediato dos rgos corpreos, ou seja, afeco imediata de um rgo

    corpreo por um objeto externo; o segundo grau de sensao consiste em

    qualquer resultado mental imediato dessa afeco, tal como, a percepo da

    dor, da fome, do calor, da cor etc; e o terceiro consiste nos juzos que

    fazemos a partir do movimento nos rgos corpreos [...]. A tese acerca da

    impossibilidade de atribuio de sensaes aos animais , portanto, bastante

    clara: o que Descartes nega aos animais o segundo e terceiros graus de

    sensao, isto , a conscincia da sensao e o juzo que envolve a sensao,

    o que implica na negao do sofrimento e da expresso deste, mas no nega

    o primeiro grau de sensao, que envolve apenas estmulos e movimentos

    corpreos e uma possvel expresso desses movimentos (ROCHA, 2004, p.

    353-354).

    Contrrio ao pensamento de Descartes, o livro Libertao Animal, de Peter Albert

    David Singer (2010), filsofo e historiador, nascido em Melbourne, Austrlia e residindo nos

    Estados Unidos, um bom exemplo sobre o movimento pelos direitos dos animais. Sua

    primeira verso foi escrita e publicada em 1975.

  • 25

    Embora o autor tenha destacado em sua obra os sofrimentos dos animais de criao para

    alimento humano e dos animais para pesquisas cientficas, os direitos destes, defendidos por

    ele, so tambm os mesmos direitos dos animais de companhia.

    A professora, escritora e filsofa Snia Teresinha Felipe, considera o sofrimento como

    sendo consequncia de:

    Tendo nascido na forma de vida chamada animal, todos os indivduos, no

    importa a espcie, canina, felina, bovina, suna, caprina, avina ou humana,

    so dotados por natureza de um aparato que os acompanha por toda a vida,

    um sistema nervoso central organizado e um diencfalo, sede dos estmulos

    confortantes e dos ameaadores, gravados e recriados pelos nociceptores a

    cada movimento, dia por dia, ano aps ano, at a morte. Esse arquivo mental

    individual forma a mente do animal. Por isso, no h dois animais com a

    mesma mente, embora todos a tenham. [...] A emoo com a qual cada uma

    das nossas experincias gravada em nossa mente basicamente a mesma

    em todos os animais. O que varia, obviamente, a intensidade do estmulo

    que causa dor, medo, alegria ou sofrimento (FELIPE, 2013, p. 2).

    Singer (2010) cita em sua obra a escola reformista-utilitarista de filosofia moral, cujo

    fundador foi Jeremy Bentham, jurista ingls e inventor do termo deontologia (deon =

    obrigao; logia = estudo). Esse termo utilizado para se referir ao ramo da tica cujos

    objetos de estudo so: princpios, fundamentos e sistemas de moral. A deontologia tambm

    conhecida como o tratado dos deveres. Bentham escreveu:

    Talvez chegue o dia em que o restante da criao animal venha a adquirir os

    direitos que jamais poderiam ter-lhe sido negados, a no ser pela mo da

    tirania. Os franceses j descobriram que o escuro da pele no razo para

    que um ser humano seja irremediavelmente abandonado aos caprichos de um

    torturador. possvel que um dia se reconhea que o nmero de pernas, a

    vilosidade da pele ou a terminao do osso sacro so motivos igualmente

    insuficientes para abandonar um ser senciente ao mesmo destino. O que mais

    deveria traar a linha intransponvel? A faculdade da razo, ou, talvez, a

    capacidade da linguagem? Mas um cavalo ou um co adultos so

    incomparavelmente mais racionais e comunicativos do que um beb de um

    dia, de uma semana, ou at mesmo de um ms. Supondo, porm, que as

    coisas no fossem assim, que importncia teria tal fato? A questo no

    Eles so capazes de raciocinar?, nem So capazes de falar?, mas, sim:

    Eles so capazes de sofrer? (Bentham, apud SINGER, 2010, p.12).

    Bentham sustenta que a condio necessria para que um ser seja eticamente

    considervel a sencincia, ou seja, basta que tenha a capacidade de sentir dor ou prazer. Ele

    sugere tambm que a desconsiderao dos sofrimentos dos animais pode ser comparada a

    desconsiderao dos sofrimentos de seres humanos, como exemplo: os negros. Parece ter

  • 26

    sido assim o primeiro autor a sugerir uma analogia entre o racismo e a atitude que muito mais

    tarde seria designada como especismo: a descriminao baseada na espcie (GALVO, p.

    15).

    3.1 O ANIMAL COMO SUJEITO DE DIREITO E O ANIMAL COMO OBJETO DE

    DIREITO

    Enquanto aguardamos o dia em que a sencincia seja realmente capaz de se sobrepor

    racionalidade e possibilidade da fala, veremos como os direitos dos animais,

    especificamente os de companhia, ces e gatos, so considerados pela sociedade brasileira.

    Diferente dos Estados Unidos e da maioria dos pases da Europa, onde os animais j

    conseguiram o status de sujeitos de direito, no Brasil os animais ainda so considerados como

    objetos de direito e como tal so classificados como bens semoventes, ou seja, aqueles que

    andam ou se movem por si. Entretanto, o mais correto seria consider-los como sujeitos de

    direito, pois eles no podem ser equiparados a simples objetos ou mquinas,

    difcil considerar que os animais possam ser reduzidos a conjuntos

    mecnicos primitivos, porquanto o animal tambm o mecnico do seu

    prprio corpo. Nesse sentido, torna-se difcil ver os animais como coisas, e

    vale mais represent-los como sujeitos cuja actividade se organiza com base

    na aco e na percepo. Os animais so compostos por rgos e no por

    peas como as mquinas. So animados por um sujeito e no por um motor.

    O conjunto dos rgos constitui um concerto que rege a tonalidade viva do

    animal no seu todo. Quando essa tonalidade desaparece, o animal morre

    (LESTEL, 2001, p.200).

    Uma vez considerados como bem, os animais podem ser vendidos, doados ou, como

    pensam muitas pessoas, simplesmente descartados.

    Quando o co ou gato pertencem a uma raa pura so suscetveis de valor econmico e,

    enquanto for conveniente, sero mantidos por seus proprietrios. Todavia, quando esses

    animais so fruto da mistura de raas, ou seja, os considerados sem raa definida ou,

    simplesmente vira-latas, no possuem valor econmico, sendo ento as principais vtimas

    do abandono,

    A domesticao e o antropomorfismo tornaram os animais mais prximos do

    convvio humano e cada vez mais dependentes e vulnerveis. Alm de serem

    tratados como coisas, muitos animais so tratados como coisas de ningum.

    Poucos dos que vagam pelas ruas se encontram na categoria de foragidos,

    mas a maioria ou j nasce no descaso dos sem-teto, filhos de outros res

  • 27

    nullis, ou so abandonados pelos seus donos, porque se tornaram velhos,

    doentes e inteis ao trabalho. o nico momento em que o proprietrio

    abdica de seu direito de propriedade, na hora de descart-los. [...] Quando

    importunam os vizinhos e o condomnio, ou causam um desconforto a mais

    na famlia, so simplesmente abandonados (NOGUEIRA, 2012, p.218).

    O intenso abandono de ces e gatos fez surgir um novo grupo social: os acumuladores

    de animais. Podemos definir o acumulador de animais como aquela pessoa que, na nsia de

    socorrer o co ou gato, vtima do abandono, no mede esforos para resgat-los e nem a

    capacidade fsica e financeira para abrig-los e aliment-los. Vai acumulando os animais em

    espaos imprprios, sem levar em considerao as necessidades que eles possuem para o seu

    bem-estar. Essas pessoas acreditam estar ajudando os animais, porm, em alguns casos, esto

    apenas prolongando seu sofrimento.

    Abandonar os animais implica em causar-lhes dor, tormento, sofrimento e

    morte. Manter todos os animais, nascidos no mbito domiciliar, implica em

    no ter espao digno para os animais, no poder manter o ambiente limpo e

    arejado, no poder dar o alimento adequado e, finalmente, transformar a

    prpria casa em um grande campo de concentrao animal. Isso acontece

    com os colecionadores que comeam a adotar um animal e seguem adotando

    todos os desvalidos, mesmo que no tenham condies financeiras para

    sustent-los. Se o abandono no a soluo, o acmulo tambm no .

    Nenhuma dessas formas resolve a questo (FELIPE, 2013, p.5).

    A diferena, entre os acumuladores e os defensores dos direitos animais, est na forma

    como esses dois grupos sociais enfrentam o problema do abandono de ces e gatos. O

    primeiro grupo est focado no resgate, recolhimento e manuteno dos animais. O segundo

    grupo se dedica mais s lutas cotidianas da busca do reconhecimento dos direitos

    fundamentais dos animais.

    Ao utilizarmos o conceito de campo de Bourdieu entendemos que esses agentes sociais

    possuem pontos de vista diferenciados, pois ocupam posies diferenciadas no campo social,

    o que acaba causando conflitos de ideias e posicionamentos. Nessa luta pelo bem-estar dos

    animais, cada grupo vai mantendo sua prpria estrutura e criando seu objeto prprio.

    3.2 AS GRANDES VERTENTES TICAS DE DEFESA DOS DIREITOS ANIMAIS

    Importante saber que existem duas grandes vertentes ticas, compartilhadas entre os

  • 28

    defensores dos direitos animais: Bem-estar Animal1 e Abolicionismo Animal

    2. Os

    welfaristas defendem o bem-estar dos no humanos em razo do princpio da igual

    considerao de interesses, sendo esta a vertente dominante.

    Ao afirmar que devemos considerar os interesses de todos os seres com capacidade de sofrer ou sentir prazer, Bentham no deixa arbitrariamente de

    admitir a considerao de quaisquer interesses como o fazem os que

    traam a linha de referncia posse da razo ou da linguagem. A capacidade

    de sofrer e de sentir prazer um pr-requisito para um ser ter algum

    interesse, uma condio que precisa ser satisfeita antes que possamos falar

    de interesse de maneira compreensvel. Seria um contrassenso afirmar que

    no do interesse de uma pedra ser chutada na estrada por um menino de

    escola. Uma pedra no tem interesses porque no sofre. Nenhum modo de

    atingi-la far diferena para o seu bem-estar. A capacidade de sofrer e de

    sentir prazer, entretanto, no apenas necessria, mas tambm suficiente

    para que possamos assegurar que um ser possui interesses - no mnimo, o

    interesse de no sofrer. Um camundongo, por exemplo, tem interesse em no

    ser chutado na estrada, pois, se isso acontecer, sofrer (SINGER, 2012,

    p.13).

    Bem-estar animal um termo abrangente que diz respeito ao bem-estar fsico e mental.

    Convencionou-se que para ter bem-estar os animais necessitam das cinco liberdades, que

    foram originalmente desenvolvidas pelo Conselho do Bem-Estar de Animais de Produo do

    Reino Unido (Farm Animal Welfare Council FAWC), em 2003. As cinco liberdades so

    internacionalmente reconhecidas e determinam que para ter bem-estar os animais tm o

    direito de viver,

    Livres de fome e sede. Livres de desconforto. Livres de dor, ferimentos e

    doenas. Livres de medo e angstia. Livres para expressar seu

    comportamento natural (WSPA, 2014).

    Os abolicionistas, por sua vez, propem uma libertao dos animais por meio da

    considerao de seus direitos subjetivos, j que so sujeitos-de-uma-vida. Esse movimento

    luta contra qualquer uso de animais no-humanos como propriedades dos seres humanos.

    Tom Regan um dos defensores desta vertente.

    O senso comum e o significado das palavras na nossa linguagem comum

    sustentam a resposta afirmativa. Os comportamentos comuns entre ns,

    _____________ 1 Conhecida por Animal Welfare.

    2 Conhecida por Animal Rights.

  • 29

    assim como nossas estruturas anatmicas comuns, sustentam essa resposta.

    Nossos sistemas neurolgicos comuns e consideraes sobre nossas origens

    comuns, seja atravs da evoluo, seja como uma criao separada de Deus,

    sustentam essa resposta. Se olharmos a questo com olhos imparciais,

    veremos um mundo transbordante de animais que so no apenas nossos

    parentes biolgicos, como tambm nossos semelhantes psicolgicos. Como

    ns, esses animais esto no mundo, conscientes do mundo e conscientes do

    que acontece com eles. E, como ocorre conosco, o que acontece com esses

    animais importante para eles, quer algum mais se preocupe com isto ou

    no. A despeito de nossas muitas diferenas, os seres humanos e os outros

    mamferos so idnticos neste aspecto fundamental, crucial: ns e eles

    somos sujeitos-de-uma-vida (REGAN, 2006, p.72).

    Assim, voltando ao conceito de campo de Bourdieu, aqui tambm teremos dois grupos

    sociais formados por agentes que tero pontos de vista diferenciados entre si e entre os

    grupos, ocupando uma posio que ser definida pelo volume e pela estrutura do capital

    eficiente no campo.

    Podemos perceber que ocorrem divergncias e conflitos, porm, apesar da luta ser

    realizada de acordo com a posio ocupada por cada agente, todos eles, a seu modo,

    defendem os direitos dos animais.

    3.3 AS REPRESENTAES SOCIAIS SOBRE OS DIREITOS DOS ANIMAIS NO

    ESPAO SOCIAL BRASILEIRO

    Trazendo esta discusso para o tema aqui proposto: as representaes sociais sobre os

    direitos dos animais no espao social brasileiro, veremos que, em funo da forte influncia

    do antropocentrismo, agravada pelos problemas econmicos e sociais e pela falta de

    efetividade da aplicao da legislao brasileira, nem mesmo a vertente do bem-estar animal

    atende de forma satisfatria as necessidades fsicas e prprias dos animais de companhia,

    Bem-estar fsico tem a ver com a presena dos elementos que propiciam

    condies de manuteno do organismo com sade e sem privaes. Bem

    prprio, por sua vez, tem a ver com o esprito do animal, com a expresso

    dele de acordo com a espcie na qual nasce marcada pela sua singularidade

    individual. Nenhum animal igual ao outro, quando se trata de falar do bem

    prprio. Cada animal precisa estar livre e ter autonomia para buscar o que

    sua natureza ou bagagem gentica lhe garante, mas fazer isso com um trao

    que singularize sua passagem no mundo (FELIPE, 2013, p.3).

    Mesmo aquele animal que vive em um lar estruturado, muitas vezes sofre a falta de um

    companheiro da mesma espcie,

  • 30

    comum uma famlia possuir apenas um animal de estimao, enquanto o

    ideal seria pelo menos uma companhia da mesma espcie. Por estar

    acostumado a tratar os animais como objetos, mesmo o ser humano que

    acredita estar tratando-o de forma solidria e correta, pode estar imputando

    um determinado mal ao mesmo. No raro esquecido que ele um ser vivo

    com estado psicossocial a ser preservado, tanto quanto sua condio fsica.

    Ainda que o animal trabalhe em conjunto com o homem em atividades

    solidrias e no exploratrias, como o co-guia e o co-alegria (d apoio

    moral em hospitais, orfanatos e asilos), seu proprietrio no pode esquecer

    que ele um ser vivo e precisa comer, descansar, de carinho, de contato com

    seres da mesma espcie etc.(NOGUEIRA, 2012, p.191).

    A presena de um animal de companhia preenche a necessidade de sociabilidade do ser

    humano. O contato fsico com um animal muito mais simples, pois, no h preocupao

    com a interpretao que o outro far sobre o gesto de carinho.

    A espcie humana a nica espcie animal que retm junto a si animais de

    outras espcies, para fazer uso deles e atender diferentes interesses humanos,

    tidos como interesses essenciais. Assim, na histria humana, demos incio

    prtica de reter animais em nossos domiclios para fins de estima, guarda e

    companhia. H mais de dez mil anos nascia a convivncia de ces e de gatos

    com humanos. Mas, enfatizo, h dez mil anos no vivamos em cidades, no

    nos trancvamos em apartamentos, no murvamos nem gradevamos

    nossas residncias (FELIPE, 2013, p.3).

    Como j foi dito anteriormente, as representaes sociais sobre os direitos dos animais

    no espao social brasileiro poderiam ser atribudas ao habitus predominante do

    antropocentrismo, o qual considera que tudo existe em funo do ser humano. Este sentimento

    foi construdo por muitos anos de domnio da religio crist, a qual coloca o homem como

    filho do Deus soberano e criador,

    O homem era uma criatura distinta dos outros seres. Ele era especial e,

    portanto, era superior, podendo exercer o domnio sobre os outros seres,

    decidindo-lhes a vida e a morte. Para muitos estudiosos, foi a viso bblica

    quem mais autorizou a superioridade sem fronteiras do ser humano sobre os

    animais (NOGUEIRA, 2012, p. 19).

    Entretanto, o entendimento geral de que o homem foi criado para dominar as demais

    criaturas est equivocado, pois o homem pertence natureza, assim como a natureza pertence

    ao homem, um necessita do outro para sua prpria sobrevivncia,

    Em que pese entendimentos contrrios, ainda que a Bblia seja lida na verso

    crist da criao, no se pode interpret-la de forma literal, isolando

  • 31

    versculos e captulos. Ao contrrio, como bem entendeu precursoramente

    Santo Agostinho, a interpretao da doutrina crist deve basear-se em sua

    essncia. Sendo uma sistematizao de ideias, deve conter uma

    principiologia prpria que conduz o intrprete de suas linhas essncia do

    fundamento bblico: o amor. Princpios mximos da doutrina crist tais como

    a preservao da vida, da solidariedade, da irmandade e do amor, devem ser

    o norte da literalidade bblica. No se pode entender que o objetivo de Deus,

    ao fazer o homem sua semelhana, seja para exercer domnio de pavor e

    sofrimento sobre as demais espcies (NOGUEIRA, 2012, p.22).

    No ano de 1182 nascia uma das figuras mais importantes do cristianismo, um homem

    chamado Giovani di Pietro di Bernardone, que mais tarde seria mundialmente conhecido

    como So Francisco de Assis. Esse santo da Igreja Catlica foi o grande acolhedor dos

    animais, chamando-os de irmos. Foi nomeado padroeiro dos animais e da ecologia pelo Papa

    Joo Paulo II, em 1979, cuja festa litrgica acontece todo dia 4 de outubro, quando

    comemorado tambm o dia dos animais e da natureza.

    O pensamento caridoso de So Francisco e o tratamento que dispensava em

    igualdade a todos os seres vivos, principalmente aos animais, o

    transformaram em um homem alm de seu tempo, precursor de um

    desprendimento crtico e anistiado das razes antropocntricas de sua poca

    (NOGUEIRA, 2012, p. 21).

    A expectativa dos defensores dos direitos animais que o 266 Papa da Igreja Catlica,

    Francisco I, resgate o esprito acolhedor de So Francisco em relao aos animais e dirija o

    olhar da Igreja para o bem-estar desses que, de acordo com a verso crist da criao, tambm

    so criaturas de Deus.

    Se considerarmos que o antropocentrismo, com o agravante dos problemas econmicos

    e sociais e a no efetividade da legislao brasileira de proteo aos animais, moldam as

    prticas dos agentes sociais, conseguimos compreender porque a maior parte da sociedade

    brasileira ignora ou indiferente que ces e gatos circulem pelas ruas, com fome, com sede e

    muitas vezes feridos.

    Muitas pessoas ainda consideram esses animais como um estorvo, pois eles pedem

    comida queles que esto comendo, pedem carinho queles que esto por perto, pedem

    socorro queles que nem percebem sua presena. Algumas pessoas at se dizem penalizadas,

    entretanto, no se dispem a socorr-los. A circulao de animais pelos centros urbanos so

    cenas comuns no Brasil,

    So 11h de uma tera-feira. Barba, Mailon, Menina e Jurema caam o sol

  • 32

    para o cochilo matutino no terminal de nibus de Cidade Tiradentes, zona

    leste. No parecem se incomodar com o ir e vir de nibus e passageiros. Ou

    com a voz que, do alto-falante, repete: No alimentem os ces dentro do

    terminal. Colabore com a administrao, com a higiene e evite atrair outros

    animais (HADDAD, 2013).

    Conforme o conceito de habitus, de Bourdieu (2004), as condutas dos agentes sociais

    so orientadas por um sistema de disposies durveis e transponveis, sem que esse processo

    seja consciente. O habitus seria sempre produto do condicionamento histrico e social.

    Muitas pessoas resistem ideia de direito dos animais. As objees gerais,

    como lhes chamo, so a substncia da incredulidade comum. Por diversas

    razes, algumas pessoas consideram difcil acreditar que os animais tm

    direitos. Outras pessoas repudiam os direitos dos animais por razes

    religiosas, e no so poucos os filsofos que rejeitam os direitos dos animais

    por razes filosficas (REGAN, apud GALVO, 2011, p. 97).

    De acordo com Bourdieu (2004), essa tendncia social que os agentes tm para agir no

    significa que precisam fazer sempre o que se espera ou a mesma coisa, pois h uma margem

    de manobra para improvisar e elaborar novas estratgias para o jogo.

    Apesar de internalizar as representaes da estrutura social, os agentes agem sobre elas,

    no sendo apenas o seu reflexo ou resultado mecnico dos condicionamentos sociais. Sendo

    assim, tudo indica que os defensores dos direitos animais conseguiram superar a tendncia

    social e criar novas estratgias para o jogo.

    Alm dos vrios pases do mundo, incluindo o Brasil e os Estados Unidos,

    delimitados geograficamente, existe uma nao diferente. Assim como a

    Cidade de Deus de Santo Agostinho, essa outra nao, a Nao dos Direitos

    Animais, no tem uma localizao e um fuso horrio especficos. Os valores

    e os compromissos em comum, e no a data e o local de nascimento, so as

    exigncias para a cidadania. Os valores so os seguintes: os animais tm

    direitos morais bsicos, incluindo o direito liberdade, integridade fsica e

    vida. E os compromissos? Que lutemos, no apenas por um ms ou um

    ano, mas sim pela vida toda, para garantirmos que um dia esses direitos

    sejam reconhecidos (REGAN, 2006, prefcio, p. 1).

    Outro problema muito srio a ser discutido e regulamentado e que contribui para o

    abandono de ces e gatos a criao desses animais para comercializao.

    Em vrias cidades do Brasil, existem criadores de ces e gatos que trabalham de forma

    clandestina. Na maioria dos casos no possuem estrutura apropriada para o desenvolvimento

    do negcio. Esses criadores, ou desconhecem a legislao de proteo aos animais de

  • 33

    companhia ou, se a conhecem, sabem de sua no efetividade. Seu interesse maior e prioritrio

    to somente a lucratividade.

    Fbricas de filhotes so lugares destinados reproduo para o comrcio

    de animais em massa, estando o lucro em um patamar mais elevado que o

    bem-estar do animal. Os animais procriadores vivem em terrveis condies.

    Geralmente passam a vida em gaiolas pequenas e sujas, sem o contato com

    pessoas. Passam fome, no recebem atendimento veterinrio e so vistos

    como coisas, vivendo em situao deplorvel. As fmeas procriam a cada cio

    e quando no conseguem mais atender a demanda so descartadas como

    lixo, e outro animal colocado em seu lugar. A venda de animais por si s,

    seja ela em pet shops ou canis/gatis, transforma animais em mercadoria, em

    objeto negocivel. No apenas ces e gatos, mas quaisquer animal merece

    ser tratado como um ser senciente, e no como fonte de lucro (ANDA,

    2013).

    Muitos dos animais nascidos nesses estabelecimentos morrem antes de serem

    comercializados ou, como ocorre com frequncia, sero entregues ao futuro comprador com

    problemas de sade, causados pelas pssimas condies em que se reproduziram.

    A explorao financeira com a venda desses animais contribui para o aumento no

    abandono de ces e gatos, pois muitas pessoas que j tinham um animal de companhia, o

    abandona, para substitu-lo pelos animais pertencentes raa que est na moda no momento

    da compra. Os valores pagos por esses animais geralmente so bem expressivos. Lembrando

    que a raa o que determina o preo,

    Qual seria o preo de um homem de 1.70m, olhos azuis e que saiba latim e

    francs? A pergunta parece absurda, pois no h como estabelecer um preo

    para uma vida humana. Da mesma forma, no se deveria estabelecer valores

    para a vida dos animais. Seria um Pit Bull mais valioso que um Pastor

    Alemo. O valor algo que se atribui de acordo com a utilidade do bem para

    aquele que o deseja e de sua disponibilidade no mercado onde consumido.

    Nenhuma vida passvel de atribuir-se algum valor, seja ela humana ou no

    (NOGUEIRA, 2012, p.190).

    Os animais que sobrevivem s pssimas condies de criao so posteriormente

    comercializados, na maioria das vezes por pet shops ou at mesmo em feiras livres,

    A forma inadequada de comercializao tambm uma crueldade. Os

    animais ficam dias, e at meses, expostos em gaiolas nos pets, cujo piso

    gradeado, machucam-lhes as patas. s vezes so esquecidas a alimentao e

    a gua suficientes. Nas feiras livres, os animais ficam expostos ao sol, sem

    gua e, muitas vezes, apertados nas mos de seus proprietrios por horas

    seguidas. Nos mercados, onde os animais apresentam valores menores, a

  • 34

    situao ainda pior. Os animais ficam em locais insalubres, sem gua e

    comida, com ventilao insuficiente, com intenso calor, amontoados em

    pequenas gaiolas, junto com animais doentes (muito comum a diarreia).

    Aves, peixes e mamferos, no raro, dividem o mesmo espao. Alm das

    condies serem cruis aos animais, so ainda insalubres aos comerciantes e

    aos consumidores e turistas. O assunto h muito passou a ser uma questo

    sanitria. No entanto, devido ausncia de proibio do comrcio em muitos

    Estados e pases, as autoridades quedam-se inertes (NOGUEIRA, 2012,

    p.193).

    Com tantos animais abandonados e precisando de um lar, por que comprar um animal

    de companhia? Caberia aqui outro conceito de Bourdieu a distino. Podemos entender

    que, nesses casos o animal de companhia utilizado como ferramenta, explicitando, conforme

    Bourdieu (2004), uma estratgia de diferenciao econmica que estabelece uma hierarquia

    entre indivduos e grupos. Possuir um animal de raa pura requer condies financeiras

    apropriadas, portanto no artigo acessvel de compra para pessoas menos privilegiadas

    financeiramente.

    A proximidade entre humanos e animais de companhia no trouxe muitas vantagens

    para os ces e gatos, pois a dependncia destes daqueles, lhe tiraram o instinto de

    sobrevivncia por conta prpria. Considerando ainda que o ambiente urbano, com suas

    especificidades, tambm no colabora para a superao das dificuldades encontradas em viver

    pelas ruas,

    Historicamente, os humanos traram os animais que domesticaram. No incio

    o animal seguia o humano em suas atividades pela floresta, nos campos e nas

    viagens. Seguia fisicamente livre, como o fazia seu amo e senhor. O

    humano obtinha vantagens da companhia do co que o protegia dos

    assaltantes, ou que encontrava para ele algum animal perdido e ferido, na

    floresta. Em troca, o animal recebia o calor da presena fsica do humano

    que, por sua vez, o protegia de predadores. Havia realmente uma troca.

    Naquela troca inicial o animal no perdia nada, nem fsica nem mentalmente.

    Podia expressar sua natureza, canina ou felina, plenamente, caando. Sem

    jaula alguma, sem corrente alguma, sem muralha ou grade alguma, o co foi

    ficando na companhia dos humanos e assim deixou-se humanizar. Fim da

    histria idlica (FELIPE, 2013, P. 3).

    Outra situao que leva as pessoas a abandonarem seus animais de companhia, so

    aqueles momentos de crises econmicas, ocasionadas pelo desemprego, doena ou consumo

    de bens e materiais acima do que a renda familiar possa custear. Nesses momentos se descarta

    tudo que possa contribuir com o custo de manuteno da famlia, incluindo o animal de

    companhia,

  • 35

    O Estado falho na assistncia da sade humana e inexistente na assistncia

    da sade animal. No mximo o que se consegue pelos rgos sanitrios o

    sacrifcio do animal doente. [...] So escassos ou inexistentes os programas

    de incentivo adoo animal, pedagogia de posse responsvel nas escolas,

    esterilizao gratuita, cadastramento obrigatrio, vacinao eficaz e

    confivel, fiscalizao ou proibio de pontos de venda de animais

    (NOGUEIRA, 2012, p.219).

    Quando falamos do sacrifcio de animais doentes entendemos que, apesar de alguns

    Estados brasileiros proibirem a utilizao da eutansia para o controle populacional de ces e

    gatos, ela ainda permitida nos Centros de Controle de Zoonoses, como controle de doenas

    transmissveis.

    A ideia de que os animais de companhia so um perigo sade pblica, pois podem

    transmitir inmeras doenas ao homem, um grande exagero, uma vez que animais tratados,

    vermifugados e vacinados, que vivem em boas condies de higiene, dificilmente transmitiro

    doenas s pessoas (WEBANIMAL, 2013).

    No entanto, os animais podem sim transmitir doenas ao homem em determinadas

    condies e situaes, a mais grave delas quando ocorre o abandono, pois nessa situao

    eles ficam expostos s doenas chamadas de zoonoses. As principais zoonoses transmitidas

    por ces e gatos so: brucelose, escabiose, giardase, leishmaniose, leptospirose, micoses,

    raiva e toxoplasmose. Nessas situaes, a eutansia a prtica mais usualmente utilizada nos

    Centros de Controles de Zoonoses.

    Hoje quase como um dia santo. Quarta-feira! O dia de ir assistir s

    execues no canil! [...] Os condenados so uns quinze ces normais, de

    todos os tamanhos. Uns esto at alegres, outros desconfiados, outros de

    mau humor. Uma cadela imensa parece estar mal. Ces que foram recolhidos

    em zonas de risco e que os donos no vieram busc-los. Cinco funcionrios

    se movem quase automaticamente. Trazem o carrinho azul de sacrifcio para

    a porta do box 14, cada um pega seu cambo e, s ordens do chefe vo

    pegando um por um e colocando dentro do carrinho gradeado que os levar

    para a escurido da cmara de gs. [...] Num espao de mais ou menos um

    metro quadrado vo ficando amontoados e imveis. Ser que acreditam que

    sero levados de volta para seus antigos endereos? Fecha-se a portinhola

    superior do carrinho que levado para a cmara que j espera de porta

    aberta. No fundo dela, trevas e poluio. [...] A espera durou quase uma

    eternidade. [...] A porta aberta e o carrinho puxado para fora. A primeira

    impresso um carrinho cheio de peles. [...] Aquela quantidade de cachorros

    que ocupava todo o carrinho, agora est compacta, da metade do espao para

    baixo, como se tivessem se aconchegado uns aos outros, em busca de ar,

    durante o sufocamento. (BAZZO, 2001, p.158 e 160).

    A falta de polticas pblicas de proteo e defesa da sade dos animais, tambm

  • 36

    contribui para o abandono dos ces e gatos. O custo para a preveno das doenas e da

    assistncia mdica veterinria no baixo. Na maioria dos casos, os atendimentos mdico

    veterinrio so efetuados por clnicas e profissionais do setor privado. Os atendimentos

    pblicos, basicamente, resumem-se naqueles realizados por universidades e faculdades

    pblicas que oferecem o curso de medicina veterinria e, na maioria delas, os atendimentos

    no so gratuitos,

    Uma parcela do poder pblico justifica a inrcia do Estado na ausncia de

    polticas pblicas e sociais para os no humanos devido escassez de

    recursos. Primeiro, tutela-se a sade humana, depois vem a questo sanitria

    animal e sequer h referncia sade animal. Tal justificativa peca tanto do

    ponto de vista antropocntrico quanto biocntrico. Se for analisado

    antropocentricamente, a questo da sade animal est intimamente ligada

    sade humana. Proteger os animais, sua sade, seu habitat, enfim o meio

    ambiente proteger o prprio ser humano que depende e interage com ele.

    evitar riscos ambientais, modificaes climticas rigorosas e principalmente

    as doenas infectocontagiosas. Se o foco for o biocntrico, ser observado

    que a proteo da sade animal uma questo de tutela da vida e, portanto,

    ser prioridade em relao a outras despesas estatais que no tutelam

    diretamente a vida, seja humana ou animal (NOGUEIRA, 2012, p.220).

    Os problemas humanos no podem ser obstculos para a busca de uma vida melhor para

    os animais, mesmo que as representaes sociais sobre os direitos dos animais sejam

    fortemente influenciadas pelo antropocentrismo e agravadas pelas dificuldades econmicas da

    sociedade e pela falta de efetividade da legislao brasileira.

    Uma ltima objeo a se considerar no desafia a verdade dos direitos

    animais; ela s pretende nos colocar no nosso devido lugar, lugar esse que

    fica l no final da fila. H tantos problemas humanos terrveis diante de

    ns, diz a objeo. da fome guerra, da assistncia sade ao

    analfabetismo. Depois que resolvermos esses problemas, da sim que

    podemos voltar nossa ateno para os direitos animais. Voc no precisa

    ser um cnico para ver que essa a receita da negligncia perptua dos

    direitos animais. Se formos realistas, saberemos que sempre haver alguns

    problemas humanos para serem resolvidos. (Por exemplo, no verdade que

    os pobres estaro sempre conosco)? Assim (supondo a objeo), nunca

    chegar o dia em que poderemos voltar nossa ateno para os direitos

    animais. Ser que s eu, ou outras pessoas tambm tm a impresso de que

    quem levanta essa objeo simplesmente no quer ouvir o que os defensores

    dos direitos animais esto dizendo? (REGAN, 2006, p.86).

    Diante desse cenrio, entendemos que a atual situao em que vivem os animais

    consequncia das representaes sociais das geraes, passadas e presente, mesmo que isso

    tenha ocorrido pela imposio das estruturas sociais e o habitus do antropocentrismo.

  • 37

    Segundo Bourdieu (2004), o habitus seria sempre produto do condicionamento histrico e

    social, no podendo ser revertido com uma mera tomada de conscincia.

    Entendemos tambm que a responsabilidade em mudar a atual situao de descaso aos

    direitos dos animais e de desrespeito ao meio ambiente, no deve ser transferida s futuras

    geraes, mas proporcionar a oportunidade para aqueles que a causaram repararem os danos

    infringidos, aos animais e ao meio ambiente.

    Assim, na busca da soluo para o problema do abandono de animais apresentamos, no

    prximo e ltimo captulo, propostas de Polticas Pblicas para Defesa e Proteo dos

    Animais de Companhia e de Combate ao Abandono de Ces e Gatos.

  • 38

    4 POLTICAS PBLICAS DE PROTEO AOS ANIMAIS DE COMPANHIA E DE

    COMBATE AO ABANDONO DE CES E GATOS

    Estudos demonstram que, a responsabilidade de elaborar, implementar e executar

    polticas pblicas de defesa e proteo dos animais de companhia e de bem-estar para ces

    gatos, da gesto municipal. Porm sua construo e execuo devem ser realizadas de

    forma participativa com a sociedade e setor privado (CRMV-PR, n 34, ano IX, jan/fev/mar,

    2011).

    O enfrentamento do problema do abandono de animais de companhia, especificamente

    ces e gatos, deve ser realizado atravs de vrias frentes, como: a educao ambiental

    incluindo a posse responsvel; acesso ao atendimento mdico veterinrio; campanhas

    nacionais de vacinao; campanhas de esterilizao para controle populacional; regularizao

    da criao e do comrcio de ces e gatos e efetividade na aplicao da legislao de proteo

    e defesa dos animais.

    4.1 PROGRAMA NACIONAL DE EDUCAO AMBIENTAL (ProNEA)

    Considerando que a educao ambiental, incluindo a posse responsvel, ser uma aliada

    indispensvel para a mudana do comportamento das pessoas em relao aos animais de

    companhia e, consequentemente, ao combate do abandono de ces e gatos, no poderamos

    deixar de falar em educao, nesta dissertao de mestrado.

    A Constituio Federal de 1988 estabeleceu, no inciso VI do artigo 225, a necessidade

    de promover a educao ambiental em todos os nveis de ensino e a conscientizao pblica

    para a preservao do meio ambiente (BRASIL, 1988, p.70).

    Com o advento da Constituio Federal de 1988 e dos compromissos internacionais

    assumidos com a Conferncia do Rio, foi criado em 1994, pela Presidncia da Repblica, o

    Programa Nacional de Educao Ambiental (ProNEA), tendo suas diretrizes sintonizadas com

    o Tratado de Educao Ambiental para Sociedades Sustentveis e Responsabilidade Global,

    criado em 1992, no Rio de Janeiro, Brasil.

    Importante ressaltar que o ProNEA um programa de mbito nacional, o

    que no significa que sua implementao seja de competncia exclusiva do

    poder pblico federal, ao contrrio, todos os segmentos sociais e esferas de

    governo so co-responsveis pela sua aplicao, execuo, monitoramento e

    avaliao (ProNEA, 2005, p.15).

  • 39

    Compartilhado entre alguns Ministrios, o ProNEA foi executado pela coordenao de

    educao ambiental do MEC e pelos setores correspondentes do ento Ministrio do Meio

    Ambiente (MMA) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

    Renovveis (IBAMA), envolvendo ainda outras entidades pblicas e privadas do pas.

    Em 27 de abril de 1999 foi promulgada a Lei n 9.795, que dispe sobre a educ