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Revista Tempo e Argumento E-ISSN: 2175-1803 [email protected] Universidade do Estado de Santa Catarina Brasil Oliveira Fontes, Edilza Joana; Rocha Alves, Davison Hugo A UFPA e os Anos de Chumbo: A administração do reitor Silveira Neto em tempo de ditadura (1960 - 1969) Revista Tempo e Argumento, vol. 5, núm. 10, julio-diciembre, 2013, pp. 258-294 Universidade do Estado de Santa Catarina Florianópolis, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=338130381011 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Page 1: Redalyc.A UFPA e os Anos de Chumbo: A administração do ... · específico da ditatura civil-militar, como foram os primeiros anos do regime, o debate sobre a necessidade da reforma

Revista Tempo e Argumento

E-ISSN: 2175-1803

[email protected]

Universidade do Estado de Santa Catarina

Brasil

Oliveira Fontes, Edilza Joana; Rocha Alves, Davison Hugo

A UFPA e os Anos de Chumbo: A administração do reitor Silveira Neto em tempo de ditadura (1960 -

1969)

Revista Tempo e Argumento, vol. 5, núm. 10, julio-diciembre, 2013, pp. 258-294

Universidade do Estado de Santa Catarina

Florianópolis, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=338130381011

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Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal

Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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ISSN

: 2175-1803

A UFPA e os Anos de Chumbo: A administração do reitor Silveira Neto em tempo de ditadura (1960 - 1969)

Resumo Este artigo tem por objetivo apresentar os primeiros anos do golpe civil-militar no Pará tendo como enfoque a Universidade Federal do Pará, entre os anos de 1960 a 1969, no mandato do reitor José da Silveira Neto e compreender, dentro do contexto específico da ditatura civil-militar, como foram os primeiros anos do regime, o debate sobre a necessidade da reforma universitária, a intervenção em algumas faculdades e os impactos do AI-5 e sua repressão a estudantes, professores e servidores públicos da UFPA após as ocupações de 68 na instituição. Palavras-chave: Ditadura Militar. Memória. AI-5. Ensino Superior. Brsil - História (1960 - 1969).

Edilza Joana Oliveira Fontes Professora Drª associada III.

Professora do Programa de História Social da Amazônia da

Universidade Federal do Pará [email protected]

Davison Hugo Rocha Alves Bacharel e Licenciado em História

Universidade Federal do Pará [email protected]

Para citar este artigo: FONTES, Edilza Joana Oliveira; ALVES, Davison Hugo Rocha. A UFPA e os Anos de Chumbo: A administração do reitor Silveira Neto em tempo de ditadura (1960-1969). Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 5, n.10, jul./dez. 2013. p. 258 - 294.

DOI: 10.5965/2175180305102013258 http://dx.doi.org/10.5965/2175180305102013258

Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 5, n. 10, a. 2013. p. 258 - 294. p.258

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UFPA and the Years of Lead: The administration rector Silveira Neto time of dictatorship (1960 - 1969) Abstract This paper aims to present the first years of the civil-military coup in Pará having as focus the Federal University of Pará, between the years 1960 to 1969, the mandate of the rector José da Silveira Neto and understand, within the specific context of civil-military dictatorship, as were the early years of the regime, the debate about the need for university reform, the intervention in some colleges and the impacts of AI-5 and its repression of students, teachers and civil servants UFPA after occupations 68 in the institution. Keywords: Military Dictatorship. Memory. AI-5. Higher Education. Brazil History (1960 – 1969).

No Brasil a década de 60 iniciou-se com a efervescência do golpe civil-militar, em

19641. A historiografia que debate o golpe de 1964 no Brasil, já possui um consenso de

que o golpe só foi possível por uma conjunção de forças que iria além das forças armadas,

1 Usamos neste artigo a definição de golpe civil- militar por concordarmos com o debate atual da historiografia que indica a participação de setores civis para implantação dos governos militares no Brasil em 1964. Ver FICO Carlos. Além do golpe: a tomada do poder em 31 de março de 1964 e a ditadura militar. Rio de Janeiro: Record, 2004; TOLEDO, Caio (Org.) 1964: visões críticas do golpe. Democracia e reformas no populismo. Campinas: Unicamp, 1997; REIS, Daniel. A ditadura militar, esquerdas e sociedade. Editora Jorge Zahar, 2010.

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com apoio de determinadas parcelas da sociedade. Este artigo tem por objetivo

apresentar os primeiros anos do golpe civil-militar no Pará tendo como enfoque a

Universidade Federal do Pará, entre os anos de 1960 a 1969, no mandato do reitor José da

Silveira Neto2 e compreender, dentro do contexto específico, como foram os primeiros

anos do regime, o debate sobre a necessidade da reforma universitária3, a intervenção

em algumas faculdades os impactos do AI-5 e sua repressão a estudantes4, professores e

servidores públicos da UFPA após as ocupações de 68 na instituição5.

Entre as fontes que utilizaremos estão os jornais da grande imprensa do Pará, que

foram amplamente favoráveis ao golpe, como, Folha do Norte6, A Província do Pará7 e O

Liberal8, que defenderam o golpe civil-militar, ora ostensivamente, ora disfarçadamente.

2 José da Silveira Neto graduou-se em medicina em 1938, passou a ser funcionário da Faculdade de Medicina em 1944 e em 1946 fez concurso para a cátedra de Higiene e Medicina Preventiva. Com a lei nº 3.191, a Faculdade de Medicina foi federalizada.

3 A reforma universitária de 1968 apesar de ter uma profícua bibliografia, no entanto, carece de pesquisa no Pará. Ver SAVIANI, Demerval. Sociedade de Classes e Reformas Universitárias. Autores Associados. 2007; DIAS, Janaina. A Reforma Universitária de 1968 e o processo de reestruturação da UFRGS (1964-1972): uma análise da política educacional para o ensino superior durante a ditadura civil-militar brasileira. Editora Universidade Vale dos Sinos. São Leopoldo, RS, 2009.

4 Há uma lacuna historiográfica sobre a repressão dos estudantes durante os primeiros anos da ditadura civil-militar no Pará.

5 Não há uma historiografia sobre o tema aprofundado no Pará. 6 O jornal A FOLHA DO NORTE (1896/1974) foi fundada com objetivo de defender os ideais do partido

republicano, em 1964 desempenhou o papel, inicialmente, de defesa aos movimentos da revolução, publicando noticias que davam certo apoio ao golpe militar, com manchetes do tipo “As forças armadas e o povo venceram a luta...”, “Bravos mineiros, o Brasil vos saúda!” e “A nação unida às forças armadas”, eram comuns essas notícias. Além de darem apoio ao golpe, as notícias procuravam sempre demostrar que o povo apoiava os ideais da chamada “revolução de 1964”. Foi criada neste jornal uma coluna, de fim de semana, chamada de “O informante invisível” que, divulgava listas de suspeitos recomendando suas prisões.

7 O jornal O Liberal (1946- ....) ao ser adquirido por Rômulo Maiorana em 1966, passou a integrar Organizações Rômulo Maiorana (ORM), que atualmente é um dos maiores grupos de comunicação do Brasil, ele é considerado um dos veículos mais lidos do Estado e o único jornal com prêmios internacionais no Norte/Nordeste.

8 O jornal A PROVÍNCIA DO PARÁ (1876-2001) foi um periódico que circulou em Belém do Pará, no estado do Pará, no Brasil. Fundado em 25 de março de 1876 por Joaquim José de Assis1 (criador, entre outras publicações, do periódico maçom "O Pelicano" e do periódico republicano "O Futuro", ambos em 1872), circulou como jornal diário por 125 anos. Durante o ciclo da borracha, pertenceu ao então intendente de Belém Antônio Lemos. Em 1947 integrou o grupo dos Diários Associados, tendo sido vendido, em 1997, para o grupo paraense dono da Editora Cejup. Foi novamente vendido em 2001, quando deixou de circular. Na época em que sua publicação foi descontinuada, era o jornal de menor circulação entre os três diários de Belém.

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Os jornais de Belém aceitaram a tese que havia um inimigo subversivo da democracia, das

tradições, da ordem e que era necessário combatê-lo. Aceitaram também a tese de que

os militares eram os heróis combatentes. Muitos artigos foram escritos de forma a

exaltar as forças armadas, em alguns momentos chegaram até aparentar que antes do

golpe de 1964 no Brasil não vigorava uma democracia. Os jornais de Belém defenderam

para combater o inimigo subversivo da democracia, das tradições, da ordem heróis

combatentes, que eram os militares. Muitos artigos foram escritos de forma a exaltar as

forças armadas.

Usaremos também livros de memórias como: 1964: Relatos Subversivos – os

estudantes e o golpe civil-militar no Pará (2004), onde constam os relatos de oito ex-

alunos que em março de 1964 foram presos, responderam a Inquéritos Policiais Militares

(IPM) e tinham um importante destaque no movimento estudantil da época. Outro livro

UFPA 50 anos – Relatos de uma trajetória (2007), lançado em comemoração ao

aniversário da Universidade Federal do Pará é um interessante livro de memórias sobre as

experiências coletivas de 22 professores aposentados ou em exercício na Universidade

que viveram os anos 60 especificadamente, Outro livro é a UFPA 50 anos – História e

Memória (2007), que nos conta um pouco da história da instituição desde sua fundação

em 1957 até 2007. Para este artigo nos interessa somente compreender a Universidade

Federal do Pará, em tempos de ditadura militar no mandato do reitor Silveira Neto.

Outro destaque será o uso de memórias de professores que durante os anos 60

foram alunos da universidade, disponíveis no repositório multimídia da Universidade

Federal do Pará9. Este repositório tem arquivado 87 entrevistas com professores,

servidores e ex-alunos da UFPA. A plataforma é bilíngue permitindo o acesso aos

9 No link http://www.multimidia.ufpa.br/jspui/ estão as entrevistas concedidas ao projeto Universidade

Multicampi: 25 anos de ensino superior regionalizado no Pará. O projeto pretende pesquisar os 25 anos do processo de interiorização da UFPA de 1986 a 2011, usando como fontes a documentação institucional (atas dos conselhos superiores, documentação do departamento de seleção - antigo DAVES, documentação do departamento de pessoal, atas dos conselhos de centro, documentação da reitoria e pró-reitoras), além de trabalhar com a memória dos vários segmentos envolvidos no processo de interiorização da UFPA. Depoimento de professores, servidores, alunos, egressos e autoridades locais, são partes da memória que pretendemos sistematizar. Assim como a documentação iconográfica e os documentos institucionais produzidos pela UFPA, que indicam as várias fases pelo que passa o processo de interiorização da universidade.

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depoimentos sobre as várias narrativas construídas em relação às fases da história da

instituição.

Outra documentação utilizada são as atas do Conselho Universitário da UFPA e a

documentação expedida e recebida pelo gabinete do reitor Silveira Neto. Nossa intenção

é analisar o espaço micro, no caso a UFPA, e perceber as relações construídas no dia a dia

da instituição e refletir sobre as políticas governamentais, pensadas pelos governos

militares e como elas estabeleceram conflitos, relações de negociação e promoveram

constrangimentos, violação de direitos humanos e propiciaram a construção de memórias

(POLLACK, 1992, 205) individuais, que se consolidaram como coletivas (HALBWACHS,

1990, p. 56).

As memórias da gestão de Silveira Neto (1960 - 1969)

Em 19 de dezembro de 1960, tomou posse José Rodrigues da Silveira Neto, que

ocupou a reitoria durante oito anos e meio. Em 1957, ano de criação da Universidade do

Pará, José da Silveira Neto, já era diretor da Faculdade de Medicina – uma das três

federalizadas – e candidato a ser o primeiro reitor da Universidade do Pará. A indicação

não aconteceu pelo fato de ele não ter o apoio do governador do Estado, Major

Magalhães Barata, que apoiou Mario Braga Henriques da Faculdade de Direito

(BECKMANN, 2006, p.13).

O Jornal “A província do Pará”, no dia 05 de março de 1964, divulga uma nota da

Universidade Federal do Pará, assinada pelo reitor Silveira Neto e redigida pelo

Departamento de Educação e Ensino, afirmando que “levando em consideração a atual

situação nacional, de ordem do Magnífico Reitor, fica suspensa as atividades escolares

em todas as unidades e Cursos Universitários, até ulterior deliberação”, segundo o diretor

em exercício Octavio Cascaes. A professora Nilza Fialho10 comenta em depoimento que a

10 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ. Reitoria. Universidade Multicampi - 25 anos de ensino superior regionalizado no Pará: entrevista Nilza Fialho de Andrade. Belém: UFPA, 2012. 1 vídeo (1h 21min e 10seg). Disponível em: <http://www.multimídia.ufpa.br/jspui/handle/321654/1069>. Acesso em: 07/08/2013.

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Universidade Federal do Pará vivia um clima de tensão em 1964 e a atuação do

movimento estudantil era forte

Nesse tempo que antecedeu o golpe de 64, o centro acadêmico tinha uma atuação grande na faculdade de Filosofia mesmo de lá, então havia movimentos, passeatas contra a criação do grande largo amazônico, contra o projeto americano, contra a esterilização das mulheres na Amazônia, se panfletava, se saia para rua, se aproveitava o trote pra fazer críticas, reivindicar, para fazer denúncias, então isso na época era permitido, então houve a ocupação da universidade, por melhorias de condições, por melhorias de salários, de fato mesmo os alunos ocuparam, ficaram lá mesmo na Faculdade não deixaram ninguém entrar, então havia, não havia uma consistência maior política, não havia um apoio político maior, então eu sempre digo que é uma revolução de flores sem pedradas, a gente era muito sonhador, a gente pensava que iria resolver tudo sonhando, com a ideologia que o mundo vai ser melhor, fazer uma ideologia com uma revolução de flores.

No livro “UFPA 50 anos: relatos de uma trajetória”, as memórias do professor

Roberto Cortez11 que à época era presidente do diretório da Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras, declara a perseguição sofrida pelo reitor Silveira Neto, depois de uma

passeata organizada pelos estudantes, segundo Cortez em 1964, no início de março

houve uma greve geral que ocorreu com a adesão de alguns cursos como o curso de

Química e de Serviço Social. A greve foi rápida e muito importante para consolidar uma

oposição ao reitor Silveira Neto, foi uma greve contrária às ações do reitor em relação à

extinção do curso de Bacharelado em História e Sociologia. Questionava-se a qualidade

dos cursos ofertados pela Universidade e as vagas que não eram preenchidas para os

cursos da Faculdade de Filosofia. O professor José Paes Loureiro12 lembra os anos difíceis,

que foram o mandato do reitor Silveira Neto. Segundo ele a universidade estará

subordinada ao regime militar, onde o campus que se instalou no Guamá não pode se

tornar, “a curto ou médio ou quase longo prazo, o desejado ‘lócus’ de liberdade de ideias,

11 Sociólogo e antropólogo, pesquisador aposentado. 12 Poeta. Professor de Estética, Arte e Cultura Amazônica UFPA, foi considerado subversivo e impedido pelo

SNI de assumir o cargo de professor durante a administração de Aloysio Chaves e Clóvis Malcher.

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exercício de debate, e da crítica, prazer comunitário, no sola da amizade, arte e cultura”.

(LOUREIRO, 2007, p.127).

No entanto, temos memórias positivas do mandato de Silveira Neto, por exemplo,

o Dr. Alcyr Meira13, que havia sido nomeado engenheiro da Universidade, ainda no

mandato do Dr. Mario Braga Henriques, relembra os três primeiros anos da Universidade

do Pará como tempos de dificuldades administrativas e infraestruturas. Tempo de poucas

mudanças, em geral reformas de prédios das antigas faculdades que eram precários. É o

próprio Alcyr Meira que compara as administrações da Universidade e exalta o Dr. Silveira

Neto como um grande construtor, como um indômito timoneiro, aquele que deu todo

seu esforço para consolidação do Campus e para ampliação dos cursos da UFPA,

destacando que ele “transformou a universidade em uma entidade dinâmica,

referendando o seu papel de geradora de recursos humanos de alta qualificação”

(MEIRA, 2006, p.12). O reitor Silveira Neto é lembrado pelo professor Alcyr Meira, como

quem executou uma ampla reestruturação acadêmica e administrativa, sendo

responsável por uma reforma educacional na universidade que definiu normas e

diretrizes para pesquisa e projeto de extensão. Durante sua administração a instituição

teria pessoas altamente qualificadas e competentes.

Ocorre que esta memória é contraposta a outra que coloca as relações políticas do

reitor com os governos militares, de seus embates com os estudantes e professores nos

anos sessenta, como elementos para defini-lo como administrador autoritário, de pouco

diálogo, centralizador e implacável com seus adversários. Não fizemos a escolha por uma

das memórias. Provavelmente as duas são resultados de experiências de pessoas

posicionadas distintamente nas esferas sociais e que se relacionaram com o reitor de

formas diferenciadas. Ele sem dúvida foi um bom administrador em época de ditadura.

Procuraremos ressaltar as obras do reitor Silveira Neto e as várias memórias consolidadas

sobre este homem que foi um reitor da confiança dos governos militares e devido às

relações estabelecidas foi também um fiel escudeiro do regime na UFPA.

13 Professor Aposentado e ex-vice-reitor da UFPA na administração de Silveira Neto.

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A ideia de construção de um campus, local onde ficassem abrigadas todas as

instalações, edificações e equipamentos já era secular na Europa e começava a dar seus

primeiros passos nos EUA. No Brasil, estava ocorrendo a construção de três campi

universitários, no Rio de Janeiro, São Paulo e Recife. O reitor José da Silveira Neto

começa uma série de reformas administrativas e estruturais. Os dois primeiros anos de

seu mandato foram dedicados às áreas administrativa e acadêmica, com reformulação do

Estatuto em 1963, com o objetivo de agilizar a organização administrativa e as políticas

educacionais, além de garantir diretrizes de pesquisa e extensão. A lei nº. 4.283 de 18 de

novembro de 1963 reestruturava a Universidade, criando novos cursos e ampliando o

número de vagas. Incluiu o Instituto de Higiene e Medicina Preventiva na estrutura da

Universidade, ampliou o período de mandato de reitor e dos diretores de três para cinco

anos, criou os Conselhos Departamentais dos órgãos e aumentou a representação

discente nas instâncias universitárias, integrou a Escola de Serviço Social e a Escola de

Química Industrial à Universidade, regularizando a situação e ampliando o corpo docente.

É na gestão do reitor Silveira Neto que começam a ser dados os primeiros passos

rumo à construção do campus. O primeiro foi a compra do Palacete Augusto

Montenegro, na Av. Governador José Malcher – hoje museu da Universidade – onde foi

instalada a reitoria da Universidade em substituição ao sobrado de nº. 61 da Avenida

Nazaré. Também foi comprado outro palacete para abrigar o Departamento

Administrativo e Financeiro (MEIRA, 2006, p.125).

Houve neste período um aumento no número de vagas para os cursos, ampliação

e reformas das unidades, reforma e ampliação do prédio da Faculdade de Direito, onde

foram anexados três pavimentos destinados ao serviço de prática jurídica. Tivemos a

reconstrução do prédio de Farmácia, a ampliação do prédio da Faculdade de Odontologia,

a criação da Escola Primária. A primeira reforma estatuária da Universidade aconteceu em

1963, dois meses após esta reforma a Universidade foi reestruturada pela Lei n. 4.283, de

18 de novembro de 1963.

Em 1964 começam as discussões sobre a construção do campus universitário. O

primeiro passo dado pela reitoria foi a elaboração de um Termo de Referência em edital,

definindo as condições mínimas para o terreno onde seria implantado o campus e o

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pedido ao Instituto de Pesquisa Agropecuária do Norte (IPEAN)14 de 200 hectares de

terreno contínuo, às margens do rio Guamá, só autorizada meses depois com o ato de

doação do Ministério da Agricultura ao Ministério da Educação e Cultura. Além do terreno

doado pelo IPEAN, era necessário que mais terras no entorno fossem desapropriadas e,

apesar dos entraves, sete terrenos foram desapropriados e incorporados ao patrimônio

da Universidade.

As obras da construção do campus iniciaram com o aterramento da área por meio

de caçambas basculantes feito pela empresa Celestino Rocha Engenharia, que buscava

material arenoso em suas jazidas localizadas em Ananindeua. Este processo com o passar

do tempo se demonstrou oneroso, lento e ineficaz. Visando superar este problema, o Dr.

Alcyr Meira pensou na possibilidade de realizar o aterramento utilizando areia do próprio

rio Guamá, processo conhecido como aterramento hidráulico. Foram feitos estudos

batimétricos que viabilizaram a ideia, entretanto, seria necessária uma draga de sucção

dotada de desagregador (MEIRA, 2006, p.131). Foi feito contato com o DNOS, que possuía

tal draga sendo utilizada no porto de Curitiba. Imediatamente Alcyr Meira embarca para

Brasília, com o consentimento do reitor, para falar com o Ministro dos Transportes, que

autoriza a ida da draga de Mato Grosso para Belém. Em duas semanas o trabalho de

aterramento já estava quase concluído e o terreno pronto para ser ocupado.

Uma questão suscitada no mesmo período da construção do campus diz respeito

aos alunos excedentes. Para Eidorfe Moreira15, esta questão só veio acentuar-se na

Universidade do Pará em fins de seu primeiro decênio e foi considerado um dos principais

problemas para a instituição naquele momento. Após várias manifestações estudantis, no

Brasil inteiro, o MEC autoriza a matrícula dos excedentes, repassando a responsabilidade

para as Universidades, que não tinham estruturas para atender à demanda. Deste modo,

a reitoria toma medidas de emergência como a construção de anexos aos prédios das

faculdades e contratação de professores temporários.

14 Ata da 12ª sessão do Conselho Universitário realizada em 9 de junho de 1964. 15 Professor e pesquisador da Universidade Federal do Pará onde exerceu várias funções, afastando-se em

1982, foi um crítico de arte e literário que utilizava a geografia como elo, para entender a região amazônica, fazendo parte da administração de Silveira Neto.

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Em reunião realizada no dia 8 de Agosto de 1968 no Conselho Universitário, de

acordo com o processo nº 07874/68 que tinha como interessado a Reitoria da

Universidade do Pará, é outorgado o título de “Doutor Honoris Causa” ao então

presidente da República, à época do Marechal Arthur da Costa e Silva. O título foi

entregue na inauguração do campus Universitário do Guamá, como reconhecimento ao

“homem que teve relevância no empreendimento” e foi aprovado por unanimidade. No

dia 13 de agosto de 1968 é inaugurado o Conjunto Universitário com a presença do

presidente Costa e Silva e todo o seu Ministério. Coube ao Dr. Alcyr Meira a

responsabilidade de fazer uma exposição sobre o conjunto universitário inaugurado após

quatro anos do início do projeto.

Movimentos Sociais na Universidade e os Primeiros Anos dos Governos Militares.

Nos anos 50, a União Acadêmica Paraense (UAP) tinha um papel muito

significativo em relação ao projeto da Universidade. Em torno da UAP se travaram lutas

estudantis, sobretudo nos anos que antecederam 1964. Havia uma participação efetiva

dos universitários na vida do país. Eram eles que participavam das grandes questões

nacionais, como a reforma agrária e a questão do petróleo. Vivia-se sob o impacto e a

influência da revolução cubana. Os estudantes viam-se como revolucionários, como

vanguardas da mudança. Discussões como a questão angolana, a questão de Cuba, os

problemas das madeiras na Amazônia, a construção da Belém - Brasília, que levava

recursos da Universidade, eram debatidas e a linha política da UAP estava vinculada com

questões nacionais, como comenta Pedro Galvão, “tinha uma linha nacionalista que

repercutiu muito em todos nós. Hoje são líderes em suas atividades. A UAP teve uma

postura nacionalista, mas a posição regionalista também foi de fundamental

importância”. (FONTES, 2007, p.55)

Formada em uma conjuntura singular dos fins dos anos 50 e início dos anos 60, a

UAP é rememorada por vários militantes estudantis como uma boa escola, que formou

muita gente. Estes jovens pertenciam a uma parte radical da classe média e

estabeleceram, em seu fazer político, bandeiras de lutas do movimento estudantil dos

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anos 60, intimamente relacionadas com o setor da classe à qual pertenciam. Este

seguimento universitário estava em expansão, chegando a 42 mil em 1950, 93 mil em

1960 e 142 em 1964, em todo Brasil (FILHO, 1997, p. 78).

Em 1960, apenas 1% da população chegava à Universidade (HOBSBAWM, 2011, p.

65). A UNE era respeitada e era uma juventude interessada em mudar o Mundo, mas não

só isso. Animava-nos o desejo de ver implantada a solidariedade ao invés da competição.

Havia também um processo de produção da cultura na configuração do movimento

estudantil, que já envolvia alguma massificação cultural. A partir dos programas de rádio

transmitidos pela PRC5 (Rádio Clube do Pará), produzidos pela diretoria da UAP,

podemos perceber que o movimento estudantil da época foi constituído, também, como

o movimento cultural. Os universitários pertenciam a um extrato social de classe média, e

essa geração estudantil estabeleceu uma prática cultural específica.

Nos anos JK, a UNE travara campanhas nacionalistas com vínculo popular, o que

possibilitou um processo de politização dos universitários. Esta politização foi efetivada,

em grande parte, pela Juventude Universitária Católica (JUC), pela Juventude Estudantil

Católica (JEC) e pelo Partido Comunista Brasileiro. A JUC juntava existencialismo cristão

com nacional desenvolvimentista, tinha uma aspiração humanista e um personalismo

católico, o professor Heraldo Maués16 em entrevista a Universidade nos argumenta que.

Esse período coincidiu com o período em que a JUC passa a assumir uma política de esquerda dentro da Igreja Católica e convoca a se reorganizar a JUC no Pará. O que permitiu que os militantes da JUC pudessem atuar politicamente nos diretórios. No diretório de filosofia, era membro da JUC, que tinha ramificações em outras faculdades como direito, agronomia, medicina, agora todo esse movimento da JUC acabou resultando na formação da Ação Popular que é um fenômeno importante nesse movimento da esquerda católica brasileira e a AP se constituiu de uma forma bastante ampla e tendo como base os militantes da JUC, mas evidentemente tinha participação de outras pessoas que não tinham passado pela JUC. Havia uma divisão, entre esquerda e direita, uma esquerda comunista e uma esquerda católica. Esquerda católica, que hoje reputo bastante ingênua, populista. Essa questão passou a se tornar

16 Universidade Multicampi - 25 anos de ensino superior regionalizado no Pará: entrevista Raymundo Heraldo Maués. Belém: UFPA, 2012. 1 vídeo (02h 05min e 07seg). Disponível em: <http://www.multimidia.ufpa.br/jspui/handle/321654/1057>. Acesso em: 07/08/2013.

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mais clara porque se colocava uma dicotomia entre populismo e vanguardismo, enquanto que o partido comunista através do CPC era muito influenciado pelo partido comunista, se colocava numa postura vanguardista, a esquerda católica se colocava mais numa postura populista e isso acabou resultando na passagem de muitos desses elementos que atuavam inicialmente na JUC e depois na AP para Movimento de Educação de Base que é o MEB, pertencia a CNBB e essa luta acabou se transferindo para o campo. Porque novamente no campo iam se encontrar antigos militantes da JUC, militantes da AP e que se confrontavam com militantes comunistas que também estavam interessados na sindicalização rural embora fossem duas esquerdas, eram esquerdas que tinham suas diferenças onde algumas ocasiões se uniam em outras se separava.

O professor Raymundo Maués foi um militante da AP no Pará e chegou a ser um

de seus coordenadores no estado nos anos sessenta.

depois que eu entrei para a universidade eu passei a ser ligado a JUC, num determinado momento eu cheguei a ser dirigente da JUC em Belém. Era toda uma organização, era o grupo mais avançado da Ação Católica, era a época do Betinho o principal líder da JUC nacional. Neste momento também foi criada a AP (Ação Popular) que foi a última tentativa de criação de um partido católico no Brasil. Era a proposta de um partido católico de esquerda, participei dessa coisa toda, entre as pessoas que participaram estava a Elisa que depois casou com Samuel Sá, Almerinda, Roberto Valente, enfim, várias pessoas que participaram dessa atividade ligado a JUC participando da política estudantil numa posição de esquerda digamos com divergências, também em relação ao partido comunista, mas com alianças também era uma situação complexa, se aliava mas também havia divergências internas. Eu entrei em 1959, deve ter sido em1960 ou 1961, eu saí em 1962, por que eu cursei até 1962. Nesse momento estava se configurando toda uma luta política estudantil em plano nacional pela reforma universitária, era uma das reformas de base, do ponto de vista dos professores a figura mais importante era o Darcy Ribeiro. A UNE organizou um grande congresso na Bahia, congresso sobre a reforma universitária, as nossas grandes reivindicações eram, por exemplo, a abolição da cátedra, a realização de concursos para professores, por que não havia concursos, os professores entraram por indicação dos catedráticos. O meu currículo era melhor, eu fiquei nos dois primeiros lugares nos dois concursos, só que eu podia esperar isso também meu nome foi vetado pelo SNI. Era o SNI que tinha agentes aqui, que vigiava todas as universidades do Brasil, e que em casos desse tipo eles vetavam as pessoas que não queriam, o concurso foi em 71, há um detalhe que eu deveria dizer também, antes disso em 1969, já na vigência do AI-5 houve uma denúncia contra os dirigentes da AP, aqui em Belém, os dirigentes da AP era Eu, Roberto Valente, Almerinda, Elisa Sá, Félix Coqueiro. A denúncia maior era contra mim, mas a denúncia era um pouco vaga, o que nós sabemos depois do

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processo, houve uma confissão, a gente não sabe como foi obtida, sobre tortura que indicava pessoas daqui, inclusive o professor Maués dos Correios. A denúncia era assim um tanto vaga, e eles chegaram até a importunar um colega nosso do correio, mas que não era eu e depois chegaram à conclusão de que não era este senhor. Quando chegaram à conclusão que era eu eles montaram todo um esquema para me prender. Prenderam a mim, o Valente, nós ficamos incomunicáveis, com o exterior, na verdade nós ficamos no mesmo quarto, um quarto de oficiais, onde ficamos presos na Aeronáutica, fomos torturados, mas enfim, nós já tínhamos nos afastado da AP, (..) [Quanto tempo o senhor ficou preso?] um mês, [Onde o senhor ficou?] no quartel da Aeronáutica, [E que tipo de tortura eles fizeram com o senhor?] Aqueles tapas no ouvido, faziam uma encenação, havia dois majores que tomavam conta de nós, o major Ulisses e o outro eu não consigo lembrar o nome, que era o negro (...) pois é, um era o bom o outro era o mau, o Ulisses era o bonzinho, o negro era o mauzinho, aí em alguns momentos altas horas da noite, ele ia e nos pegava, individualmente, nos levava para uma sala, onde havia várias pessoas fortes, que nos davam essas tapas e queriam que a gente confessasse as coisas, aí num determinado momento o major Ulisses chegava lá, vamos acabar com isso, vocês estão cometendo um abuso, quer dizer ele era o bonzinho, mas a ameaça estava sempre presente, só que nós não sabíamos mais de nada, nós havíamos nos desvinculado totalmente, eles conseguiram, também, saber dos outros nomes por uma série de razões, (...) aí em um determinado momento como eles não tinham mais como nos manter presos, nós fomos soltos, Valente e Eu (...).

Como podemos observar, o professor Heraldo Maués tem uma memória muito

interessante sobre as atuações dos governos militares na Amazônia em relação

principalmente a professores, estudantes e servidores que sofreram perseguição política,

realizada por agentes públicos, nomeada na segunda metade dos anos 60 e que no nosso

entendimento são memórias importantes para análise da História da Amazônia, mais

precisamente sobre a década de 60/70 e a relação de educadores e servidores da UFPA

com os governos militares. O professor Heraldo Maués menciona o processo aberto

contra ele no SNI junto ao conselho permanente de Justiça da Aeronáutica da 8ª CJN com

base no artigo 9 da lei nº 1802/53. A denúncia foi feita em 29 de dezembro de 1969 e foi

recebida em 15 de janeiro de 1970 por que,

Em épocas anteriores a revolução democrática de 31 de março, os estudantes universitários participaram de vários movimentos esquerdistas que se desenrolaram no âmbito estudantil no Pará destacadamente naquele que foi denominado inicialmente como o nome

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de “GRUPÃO” e que mais tarde ficou conhecida como Ação Popular (AP) (GALVÃO, 2004, p.30).

Em 1961, na ocasião do 24° congresso da UNE, Aldo Arantes é eleito e a JUC

passa a ser a liderança do Movimento Estudantil brasileiro. Podemos dizer que havia uma

esquerda cristã e que em 1961 e 1962 esta esquerda dirigia a UNE e assumia como sua

bandeira prioritária a Reforma Universitária. A UAP reafirma em suas notas e suas ações

políticas a sua vinculação com a UNE e a esse projeto político. No Pará houve uma UNE

volante na gestão de Aldo Arantes (Julho de 61 a Julho de 62).

Em janeiro de 1961 o recém-empossado reitor José da Silveira Neto decide no

uso de suas atribuições negar a aprovação do regimento do DCE17. Desde a sua fundação,

os estudantes não tinham constituído sua representação nos órgãos dirigentes da

Universidade. Este fato acirra os ânimos para a greve de 1/3 de 1962. Em 1962 a União

Nacional dos Estudantes realiza a greve em favor da participação estudantil de 1/3 do

conjunto dos membros dos Colegiados Superiores. No Pará, a UAP adere à greve e

paralisa toda a Universidade Federal do Pará. Em depoimento, o presidente da UAP,

estudante de Direito Pedro Galvão18, declara que,

A greve de um terço que paralisou todos os alunos do Pará, ninguém furou a greve. Os estudantes paravam os ônibus e brigavam com a polícia. Com relação à reforma universitária, o grande modelo na época estava voltado para a Universidade de Brasília onde estava sendo implementada isso e em termo dessa forma, como ela estava sendo encaminhada, poderia ser nova esperança para a Universidade brasileira. Aqui na Universidade do Pará havia apenas os prédios da Faculdade de Direito, de Medicina, Filosofia onde as instalações eram bastante precárias. Então, os professores autorizaram, embora tivéssemos professores bastante competentes, tínhamos professores extremamente incompetentes. Havia um reitor na Universidade da Bahia que estava há 15 anos na reitoria da Universidade, há enfim, essas questões todas além da necessidade da democratização, da participação estudantil nos órgãos colegiados da Universidade, eram todas as bandeiras de lutas do movimento universitário. Pretendia-se melhorar a Universidade em vários níveis não só nas questões materiais, não só democratizá-la, mas também melhorar o nível de ensino que considerávamos bastante baixo. O reitor

17 In: Reunião Extraordinária do CONSUN de 18 de janeiro de 1961. 18 GALVÃO, P. Vencido Vencedores. In: Galvão, Pedro. 1964 – Relatos Subversivos: Os estudantes e o golpe

no Pará. Belém: Edição dos Autores, 2004,pp.30

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na época, José da Silveira Neto, era uma pessoa totalmente contrária a qualquer movimento reivindicatório dos estudantes, e naquela ocasião resolvemos realmente enfrentá-lo. Realizamos uma passeata estudantil que culminou com uma manifestação em frente à reitoria, onde vários estudantes discursaram falando da Reforma Universitária. Na ocasião, a reitoria manteve-se fechada, sem qualquer movimento.

Na referida passeata, os estudantes, além de reivindicar sua participação nos

Conselhos Superiores, manifestavam-se também em relação ao problema do vestibular e

do regime de dependência em matérias. Quanto ao vestibular, os estudantes lutavam

contra o processo seletivo elitista, que se refletia em todas as universidades brasileiras.

Essa insatisfação já era evidente desde o 1° Seminário Nacional sobre a Reforma

Universitária promovido pela UNE em 1961, quando foi sugerido o prévio exame

vocacional aos candidatos ao vestibular. Já no 2° Seminário, em 1962, a proposta passa a

ser o da supressão do vestibular em todas as Universidades brasileiras.

No fim dos anos cinquenta, havia uma luta muito grande para encampar a

Faculdade de Serviço Social e a Escola de Química na Universidade. O Diário Oficial do

Estado, de 19 de janeiro de 1961, publicou a autorização para que o governo do Estado

providenciasse a encampação e iniciasse entendimentos com as autoridades

competentes, para que a Escola de Química Industrial do Pará fosse integrada à

Universidade do Pará. A Lei Federal N°. 4.283 de 18 de novembro de 1963 federaliza a

Escola de Química e esta passou a fazer parte da Universidade do Pará. Em 1962 o

Instituto Ofir Loiola em Ofício número 45/61 ressalta que é a entidade mantenedora da

Escola de Serviço Social do Pará e que tomou conhecimento que a Universidade do Pará

em reunião deliberou sugerir à mesa diretora dessa instituição a agregação da Escola à

Universidade do Pará. O instituto esclarece que se reuniu e decidiu acatar a sugestão da

Universidade, porém propõe que a Escola permaneça vinculada ao Instituto, ao mesmo

tempo em que agregada à Universidade do Pará, mas a incorporação da Escola de Serviço

Social só obtivera bons resultados anos depois.

Lauro Morhy foi eleito em julho de 63 para a tesouraria da UNE no Congresso de

Santo André. Era presidente do diretório de química e havia dirigido a luta de

incorporação da Escola de Química à UFPA. Era militante da AP e sua indicação para o

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cargo demonstra a articulação dos universitários do Pará com o movimento nacional. No

Pará, tivemos teatro universitário, jornal tabloide UNE volante em 1962, apresentação da

peça de teatro “Cinco vezes favela”, o que representa uma articulação cultural bastante

vinculada à luta estudantil.

Lembro-me do episódio ocorrido no dia 30 de março de 1964. Nós estávamos ali, eu na presidência da UAP, nós estávamos na sessão de abertura do 1º Seminário Latino Americano sobre Reforma Universitária. A sessão de abertura foi realizada ali no auditório da Faculdade de Odontologia e fica na praça Batista Campos, onde o prédio acaba de ser vendido ao Bradesco. Naquela época nós fizemos a abertura desse primeiro seminário. Inclusive tinha estudantes de toda a América Latina, fizemos a abertura e depois a sala foi invadida por estudantes com lenços brancos no pescoço numa ação que, mais tarde viemos a saber poderia ter gerado derramamento de sangue, se não tivéssemos conduzido com habilidade a situação. Eles entraram e se estabeleceu uma briga entre plateia e as pessoas que estavam invadindo, eram filhos de fazendeiros, outras pessoas da burguesia e estabeleceu uma briga e a certa altura eu propus que eles teriam direito de falar. (GALVÃO, 2004, p.27)

No dia 30 de março, estudantes tinham invadido e “empastelado” a cerimônia de

abertura do 1º Seminário Latino Americano de Reforma e Democratização do Ensino

Superior, no auditório da antiga Faculdade de Odontologia do Pará – Localizada à época

no Bairro da Batista Campos. Os invasores eram filhos de fazendeiros e policiais militares

do Estado. Mickey Lobato entrou no salão interrompendo o discurso do representante da

Nicarágua, gritando “vamos acabar com esta merda, bando de comunas, filhos da puta”.

Eles tinham lenços brancos no pescoço, para não serem confundidos com os “estudantes

comunistas”, deixando indicação para os PMs sobre o seu alvo.

O Diretório Acadêmico de Medicina da Universidade do Pará, em nota oficial

publicada no jornal “Folha Vespertina” de 31de março de 1964, condena a invasão do II

SLARDES, evento que estava sendo realizado em Belém e tinha como patrocinadores a

UNE, UIE e UAP. O objetivo do Seminário era promover a discussão de proposições que

contribuíssem com a proposta de Reforma Universitária em toda a América Latina,

deixando clara também a intenção das lideranças estudantis quanto à defesa da reforma

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universitária e reformas de base. Na nota, os “invasores” são considerados baderneiros e

defensores do atraso antidemocrático19.

A mesma nota acusa os invasores da SLARDES de serem uma minoria interessada

em anestesiar a luta do movimento estudantil pela reforma universitária e pela imprensa

para impedir a ampliação do debate sobre a reforma universitária, que colocava em

choque os limites de um sistema universitário que não conseguia atender toda a

demanda existente e não tinha criado um projeto de Universidade que ampliasse a

participação de estudantes no seu interior. O movimento estudantil colocava-se como

articulador das reformas de base e da autêntica reforma universitária, bem como

defensor da relação entre os povos da América Latina.

NOTA OFICIAL

A União dos Estudantes Paraense cumprindo decisão de seu congresso extraordinário ontem realizado. Considerando que se desenvolve no país um processo golpista contra o mandato do presidente da República e atendendo a orientação da União Nacional dos Estudantes.

RESOLVE:

1- Decretar greve geral dos universitários paraenses até que seja destruído todo esquema golpista que ameaça o Brasil;

2- Conclamar todos os oficiais, sargentos, trabalhadores, camponeses e o povo em geral para cerrarem fileiras em torno do presidente da República que encarna neste momento os sentimentos reformistas de libertação do povo brasileiro.

Belém, 1º de Abril de 1964. 20

Há tentativas de resistência ao golpe das forças armadas em 1964 em Belém. A

União Acadêmica Paraense publica nota oficial no jornal “Folha Vespertina” em 1º de abril,

em que admite haver um processo de golpe contra o mandato do presidente; resolve

decretar greve geral dos estudantes universitários paraenses e conclama a unidade

política com outros segmentos da sociedade, notadamente soldados das forças armadas,

19 Participaram deste evento estudantes de diversos países como Cuba, Guatemala, Porto Rico, Honduras, Argentina, Chile, Uruguai e Venezuela, além dos estudantes brasileiros como José Serra, Alberto Oliveira, Betinho, dentre outros. 20 Nota Oficial. Folha Vespertina, 1 de abril de 1964.

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os camponeses e os trabalhadores em geral. A nota expressa o arco de alianças passadas

no campo das esquerdas no Brasil como capaz de defender a legalidade e as reformas de

base. A análise da nota permite afirmar que os estudantes estavam interessados em

mudar o mundo, mas não somente isto os animava, o desejo de ver implantada no Brasil

uma sociedade solidária, menos competitiva e acima de tudo nacionalista e voltada para o

bem-estar da população mais pobre. A nota expressa também a noção de que os

dirigentes da UAP viam-se na vanguarda da resistência ao golpe, colocando os estudantes

como parte fundamental da aliança de forças capazes de dirigir o Brasil.

O “Jornal do Dia” veicula como o Governo Estadual, trabalhadores e estudantes

esperavam o golpe. Em matéria do dia 1˚ de abril de 1964 as primeiras figuras do governo

faziam vigília quando começaram a circular em Belém as primeiras notícias de que a crise

nacional se agravara. No gabinete do governador, encontravam-se vários secretários do

governo, além do prefeito de Belém Isaac Soares. Newton Miranda, governador do

Estado, acompanhou tudo pelo rádio e esteve o tempo todo com as forças armadas do

Estado pensando em como manter a ordem e a segurança. Não houve questionamentos

à quebra da normalidade democrática por parte das autoridades constituídas no Estado.

Quem sai na defesa da democracia e da ordem são os estudantes, os trabalhadores

vinculados a alguns sindicatos e lideranças estudantis, sindicais e partidárias. A

Universidade silencia e vê vários de seus discentes e docentes serem presos, torturados,

constrangidos e submetidos a comissões de inquéritos.

O clima transcrito nos jornais era de tranquilidade e calma e o posicionamento do

governo estadual era apenas de expectativa com relação à revolução. As lideranças

sindicais no mesmo dia acataram a decisão da CGT de entrar em greve, tendo em vista a

possibilidade de fechamento dos sindicatos e fizeram, também, a indicação de um

representante para ir ao Rio de Janeiro saber das decisões tomadas mediante a situação

que era de alerta aos trabalhadores. As lideranças estudantis de imediato convocaram

uma greve, aceitando o decreto nacional lançado pela UNE em defesa das liberdades

individuais.

A UAP se declara em vigília cívica, servindo de sede de informação para estudantes

e populares. Por meio de um alto-falante que retransmitia a programação da “rede da

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legalidade” liderada por uma rádio do Rio Grande do Sul, o governador Brizola falava em

defesa da legalidade, em defesa do mandato do presidente João Goulart. O universitário

José Seráfico21 redige um manifesto denunciando o golpe. A convocação da greve geral

só teve cumprimento em poucos estados. A inação era generalizada. Os estudantes eram

as vozes mais barulhentas na denúncia do golpe militar, daí porque a invasão deveria

funcionar como um cala-boca corretivo (ALVES apud GALVÃO, 2004, p.160).

Naquele momento, a UAP estava cheia de alunos. Todos evidentemente sabiam

das movimentações. No dia 1º de abril, por volta das 19 horas a UAP foi invadida por

tropas do exército e tudo foi quebrado. Havia um teatro de arte popular, que foi

destruído, o famoso TAP, uma versão Parauara do CPC da UNE (GALVÃO, 2004, p.16).

Foram presos dois dirigentes do PCB no Pará, vestidos de cuecas e sapatos, Humberto

Lopes e Jocelyn Brasil, sequestrados de suas casas. Na porta da UAP, as metralhadoras

foram apontadas para a sede, com soldados deitados nas calçadas. Os estudantes fugiam

pelos quintais enquanto a sede da UAP era destruída pelos soldados (GALVÃO, 2004,

p.16).

Pedro Galvão, presidente da UAP, passou mais de 50 dias preso, indiciado em

Inquérito Policial Militar. Os estudantes presos em 1964, quando falam de suas

experiências, expressam o medo que vários setores da sociedade tinham do comunismo.

Hoje a historiografia indica que o golpe de 64 foi um golpe preventivo, contra as reformas

de base, medo da cubanização do Brasil e da implantação no pais de uma república

sindicalista. Debate-se também que a democracia liberal, então implementada, não era

em valor defendida pelos apoiadores de João Goulart e pelos golpistas. A democracia foi

quebrada em sua defesa. Logo após o golpe o reitor Silveira Neto pede a renúncia da

diretoria do DA de Filosofia, Ciências e Letras: Era diretor da Faculdade o Cônego Ápio

Campos, que levou a proposta para as lideranças universitárias. Eles seriam transferidos

para outros Estados caso aceitassem a renúncia. Sem a renúncia haveria a expulsão dos

estudantes Roberto Cortez, Walter Pinheiro, Mariano Klautau, José Maria Platilha e

Isidoro Alves. Apesar do pedido do reitor não houve a renúncia do DA de Filosofia,

21 Professor aposentado da Universidade Federal do Amazonas. Estava na sede da UAP quando foi invadido pelo exército.

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Ciências e Letras, a não ser a do presidente. No mesmo momento, foi proposto pelo

Coronel Alacid Nunes22 que houvesse eleições indiretas para os DAs, com triagem de

nomes. O Dr. Silveira Neto foi informado por meio de um amigo do coronel Jarbas

Passarinho23 que não era para expulsar estudantes, e assim os militantes terminaram seus

cursos.

Na engenharia os soldados do exército fecharam o Diretório Acadêmico. Houve

prisões na Filosofia, Ciências e Letras, que havia entrado em greve em 64, antes do golpe,

conseguindo que os cursos da Faculdade voltassem a ter o bacharelado Direito, adquirido

pelos ingressantes antes de 1962. No mesmo ano, após o golpe, há o fechamento do

Diretório Acadêmico de Filosofia. Fica sob a responsabilidade do Major Alacid Nunes a

presidência do IPM, que deveria apurar a existência de subversão entre os universitários.

Flávio Suplicy de Lacerda, Ministro de Educação e Cultura, em abril de 1964, institui

as Comissões Especiais de Investigação Sumária (CEIS) em todas as Universidades

brasileiras, pois de acordo com o artigo 7° do Ato Institucional do dia 9 do mesmo mês e

ano, em seu parágrafo 1°, determina a investigação sumária para a apuração da

responsabilidade por atos contra a Segurança Nacional, o regime democrático e a

probidade da administração pública. No Pará, a CEIS foi implantada pela portaria n°

239/64, baixada pelo reitor José da Silveira Neto. Foram nomeados para constituir esta

comissão os professores Silvio Augusto de Bastos Meira (presidente), José Achiles Pires

22 Alinhado aos objetivos do Regime Militar de 1964 foi alçado à condição de protagonista político quando o governador Aurélio do Carmo foi deposto e em seu lugar assumiu Jarbas Passarinho, que na condição de novo ocupante do Palácio dos Despachos, o nomeou prefeito de Belém em 1964,1 entretanto Alacid Nunes renunciou ao cargo a tempo de concorrer às eleições de 1965 quando foi eleito governador do Pará pela UDN e assim encerrou o predomínio do PSD na política estadual na última refrega antes do ciclo dos governadores biônicos.2 Tanto Jarbas Passarinho quanto Alacid Nunes ingressaram na ARENA após o bipartidarismo, sendo que o primeiro foi eleito senador em 1966, mas a convivência pacífica dos primeiros anos logo foi substituída por uma cisão interna que legou a cada um metade da máquina partidária e somente com a intervenção de Brasília os líderes recalcitrantes conseguiam dividir o mesmo espaço político.

23 Em 15 de junho de 1964 foi empossado governador do Pará em lugar do deposto Aurélio do Carmo, cuja presença à frente do executivo foi dispensada pelo novo regime. Jarbas Passarinho filiou-se à ARENA e após deixar o governo1 foi eleito senador em 1966, mas em seguida foi nomeado ministro do Trabalho e Previdência Social no governo Costa e Silva2 sendo mantido no cargo pela Junta Militar de 1969 que assumiu o poder após o afastamento do presidente da República até que o presidente Emílio Garrastazu Médici o nomeou ministro da Educação.3 Em sua atuação como ministro de estado foi signatário do Ato Institucional Número Cinco em 13 de dezembro de 1968.

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dos Santos Lima e Agenor Porto Penna de Carvalho, assessorados pelo Major Antônio

José do Carmo Ramos, indicado pelo Quartel General da Oitava Região Militar e Comando

Militar da Amazônia (GODINHO, 1992, p.52). Para fazer cumprir o determinado no ato

institucional, no dia 18 de maio de 1964, a CEIS da Universidade Federal do Pará inicia suas

atividades expedindo circulares aos diretores de unidades, aos presidentes dos Diretórios

Acadêmicos e a todo corpo docente da UFPA, solicitando remessa dos nomes de todos os

suspeitos de práticas e atos delituosos, bem como a oportunidade de todos poderem

apresentar denúncias. A Comissão pretendendo notificar a todos, também publica na

imprensa um edital que concedia a qualquer interessado o direito de apresentar denúncia

(GODINHO, 1992, p.52). Muitos estudantes foram levados para depor e

Foram presos: Pedro Galvão de Lima (direito), Francisco Costa (medicina), Almerinda Freire (serviço social), Raimundo Costa (direito), Ronaldo Barata (direito), Ubirajara Oliveira (engenharia), José Seráfico de Carvalho (direito), João de Jesus Paes Loureiro (direito), Heraldo Maués (filosofia), Walter Pinheiro (filosofia), Roberto Cortez (filosofia), Isidoro Alves (filosofia), Infante Henrique (medicina).

A Comissão tentou conhecer as correntes político-ideológicas dos estudantes,

acreditando que no meio universitário havia três setores; os independentes, que seria a

maioria; a ação popular em que relacionavam os nomes de Pedro Galvão, Inocêncio

Coelho, Roberto Cortez, Antônio João Moreira Bastos e Pedro Lucena; e os comunistas

Ronaldo Barata, Orlando Silva e Seráfico de Carvalho, correntes presentes na UAP. Todos

os atos de investigação de inquéritos tiveram o apoio do reitor Silveira Neto24, pois no seu

entendimento

A UAP era uma entidade particular, não era entidade universitária (...) porque naquele tempo os estudantes não tinham se unido e não havia Diretório Central. Além de considerar que a situação, nos anos sessenta, na universidade era um oásis, um mar de tranqüilidade. Não posso me queixar de nenhuma pressão militar (...) o General Jurandir Bezerra Mamedi era um homem inteligente, culto e uma pessoa muito educada. Tive com ele uma excelente relação de amizade e não sofri pressão nenhuma.

24 Entrevista concedida por José da Silveira Neto. In: Documentário 30 anos UFPA. Belém: ADUFPA, 1987

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No mesmo ano do golpe, o diretor da Faculdade de Filosofia, Dr. Aloysio Chaves,

recebe um expediente do “comando revolucionário” impedindo que Pedro Galvão seja o

orador da turma. Foi a primeira vez que um orador de turma se via impedido de ler seu

pronunciamento. O professor Edgar Contente não proferiu o seu discurso de paraninfo da

mesma turma, em um belo gesto de solidariedade.25

Em 1967, a reitoria da UFPA apresenta ao Conselho Federal de Educação seu plano

de reestruturação. O parecer da Comissão tirada para analisar esse plano no conselho

Federal aponta vários problemas no plano proposto, dentre os quais destaca o não

cumprimento das determinações legais previstas pela reforma universitária; o Conselho

Universitário apresenta apenas as linhas gerais do plano. Quanto ao conteúdo do

documento apresentado, verificaram-se os seguintes problemas: A Universidade e seus

fins não se enquadram na filosofia reformista do Estado; quanto à estrutura, não se

determina quais as unidades de ensino básico e de pesquisas deverão constituir a

Universidade; não havia clareza quanto às funções dos departamentos; também não fica

claro como se fará a integração entre ensino e pesquisa; qual a diferença entre

Faculdades, Escolas e Institutos e ainda os Núcleos; na falta de consenso de alguns

pontos, estes sempre são transferidos para o Estatuto; não havia discriminação de cursos

e disciplinas; em geral, o plano básico se apresenta difícil e complicado. Deste modo, o

parecer final é que o Plano Básico de Reestruturação da UFPA baixe em diligência e seja

rediscutido na forma da Lei.26

Havia um controle institucional na Universidade Federal implementado no ano de

1968, desde a implantação no Campus do Guamá na gestão de Silveira Neto pelo SNI

(Serviço Nacional de Informação). Ocorreu uma constante vigilância dentro do campus,

com professores presos, como o professor Heraldo Maués27, ameaçados, como o

professor Júlio Ribeiro28, alunos que foram surpreendidos com denúncias29, as aulas

25 GALVÃO, P. Vencido Vencedores. In: Galvão, Pedro. 1964 – Relatos Subversivos: Os estudantes e o golpe no Pará. Belém: Edição dos Autores, 2004, pp. 38.

26 Parecer nº. 379/67. Câmara de Ensino Superior – 2º Grupo. Aprovado em 4 de outubro de 1967. 27 Professor perseguido pelo SNI, sendo impedido de contratação, mesmo tendo sido aprovado em 2

concursos em 1971, mas só foi contratado pela UFPA em 1972, no concurso de Antropologia. 28 Professor do Curso de Química e na época era diretor do curso, ele era considerado um dos opositores do

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sendo vigiadas30, publicações consideradas de cunho subversivo sendo impedidas,

reuniões dos diretórios acadêmicos sendo controladas31, horários de atividades dentro do

campus sendo policiadas, a introdução de disciplinas consideradas doutrinadoras como a

Estudos de Problemas Brasileiros, que eram ministradas por militares, e a retirada de

temas do programa de vestibular e das disciplinas.

Em 4 de Janeiro de 1968, o diretor da Divisão de Segurança e Informações do MEC

solicita algumas informações ao reitor Silveira Neto sobre a Universidade Federal do Pará,

quanto ao corpo docente, ao corpo discente e a estrutura física da Universidade32. O

reitor Silveira Neto em resposta ao documento envia aos diretores da Faculdade o

pedido. O diretor da Escola de Serviço Social apresenta as informações dos professores

lotados na referida escola, como suas ocupações atuais e anteriores, o local de trabalho, a

sua religião, naturalidade, residência, nacionalidade, instrução, estado civil e filiação.

Em um comunicado confidencial33 ao diretor da Escola de Serviço Social da

Universidade Federal do Pará, o professor Eduardo Hermes, da Faculdade de Medicina,

comunica que os alunos João Monteiro de Pina Neto e Evaldo Jesus de Miranda estão

desligados da referida Faculdade por decisão do Conselho Administrativo diante da

decisão da Comissão de Inquérito disciplinar, sendo ratificado pela portaria nº 375/1969,

que proibia os alunos de matricular-se em outro estabelecimento de ensino pelo prazo de

três, e foram enquadrados no decreto- lei nº 477.

Em 28 de fevereiro de 1968, depois de feitas as mudanças propostas pelo CFE no

plano básico de reestruturação da Universidade e este ser aprovado, o reitor Silveira Neto

reitor Silveira Neto, que foi duramente perseguido, foi processado diante da intervenção que ocorreu na faculdade de Química.

29 O estudante Adelmo Lima Sales, foi um dos estudantes do curso de Medicina que o chefe da ABE/SNI queria informações, de acordo com o Ofício nº 11/1974-A2. Outro documento referente ao discente Manoel Boaventura Monteira, matriculado no curso de Jornalismo que era estrangeiro natural de Cabo Verde, de acordo com o Ofício DERCA nº 1290/1980.

30 Ofício Circular ao reitor da UFPA, Silveira Neto, nº1/1968. 31 Em 05 de Abril de 1970, o coordenador do curso de Serviço Social recebe do coordenador do Centro

Socioeconômico, o professor Clóvis Malcher, informações sobre o Diretório Acadêmico local e dos representantes discentes junto aos órgãos superiores da UFPA, em Ofício nº 236/1971.

32 Ofício Circular nº 1/1968. 33 Ofício Confidencial nº 78/1970.

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pediu a palavra em reunião do Conselho Universitário e afirma que, apesar de aprovado o

plano, observa-se que havia necessidade de proceder a algumas alterações nele. Para isso

foi convocada uma comissão composta inclusive por conselheiros para introduzir

algumas modificações34. A aprovação do plano de reestruturação da Universidade

Federal do Pará pelo Conselho Universitário passou a ser objeto de grande discussão no

Conselho e entre os estudantes.

No dia 2 de julho de 1968, na sexta sessão do Conselho Universitário, o reitor José

da Silveira deu conhecimento a todos que, a exemplo do ocorrido em outras

Universidades, recebeu cópia do parecer do relator Newton Sucupira, do Conselho

Federal de Educação, sobre o Plano de Reestruturação da Universidade Federal do Pará,

que seria posteriormente apreciado pelo CFE.

Um dos pontos mais polêmicos e não aceito pelo parecerista foi à coexistência de

duas unidades para a área de Química, uma no sistema de ensino e pesquisa básica (o

Instituto de Química) e outra no sistema de unidades profissionais (a Escola de Química),

destinada a ministrar o Curso de Química Industrial. A impugnação baseou-se no art. 4° do

Decreto Lei 252/67, que dispõe acerca de um sistema comum de ensino e pesquisa

básicos, conferindo maior autonomia estrutural e funcional a estas áreas do saber. Dessa

forma, fica claro para os conselheiros que deveria ser feito uma opção entre a Escola de

Química e o Instituto de Química. O Conselho Federal de Educação, na Câmara de Ensino

Superior, manifesta-se por meio do parecer 448/68 de quatro de julho, aprovando o

parecer de Newton Sucupira, ou seja, ratifica a impugnação feita a coexistência de duas

unidades na área de Química, além de outras questões referentes a alguns setores da

Universidade. Em vista desse fato, o Conselho propõe em seu parecer que o Instituto de

Química ocupe-se também dos estudos ulteriores ao básico, inclusive o de Química

Industrial, absorvendo a Escola de Química, ou esta concentraria todos os estudos de sua

área, básicos ou profissionais.

O professor Júlio dos Santos Ribeiro, diretor da Escola de Química, em um ato

considerado pelo reitor Silveira Neto como de insubordinação, viaja ao Rio de Janeiro

34 A decisão é tomada após a participação em uma reunião de reitores no Conselho Federal de Educação e está registrada em ata da 2ª sessão do Conselho Universitário realizada em 29 de fevereiro de 1968.

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para tratar do Plano de Reestruturação da Universidade, no que concerne a sua unidade,

apelando às autoridades competentes em favor de sua manutenção na estrutura da

Universidade Federal do Pará. A atitude de Júlio Ribeiro contraria prévia decisão do

Conselho Universitário, que havia decidido tender em favor do Instituto de Química.

Denunciado pelo reitor Silveira Neto, na sétima sessão do Conselho Universitário, em 15

de julho, ressaltando que “de acordo com o estatuto ainda em vigor, essa matéria é da

competência do reitor” que solicita ao Conselho que decida por uma punição ao diretor

da Escola de Química. O Conselho acata o pedido e decide destituí-lo do cargo de diretor

e aplicar-lhe as penalidades mencionadas no art. 201, item I, do estatuto dos funcionários

públicos. A portaria n° 580/68 define que a direção da Escola de Química seria ocupada

pelo Professor Arthur dos Santos Mello. Porém, na oitava sessão do Conselho

Universitário de 29 de julho, José da Silveira declara que “no sábado, pela manhã, fui

procurado pelo chefe do serviço de vigilância da Universidade, trazendo uma portaria de

n° 41/68, em que o Sr. diretor da Escola de Química, entregava a Escola aos Estudantes”.35

De acordo com a portaria n° 41/68, o diretor em exercício Júlio dos Santos Ribeiro,

atendendo à solicitação do Diretório Acadêmico, autoriza este órgão estudantil a fazer

uso das instalações da referida unidade durante o período noturno. A portaria continha

ainda o seguinte adendo “o Conselho da Congregação da Escola de Química decidiu por

unanimidade que os alunos permanecerão na escola 24 horas por dia, até solução final”36.

Para obter maiores informações, o reitor convoca o diretor Arthur Mello, nomeado pela

portaria 508/68, para que ele explicasse o que havia ocorrido. Em seu relato ao reitor,

Arthur disse que “o Conselho da Congregação tinha-o destituído, reconhecendo apenas o

direito ao diretor anterior”. A questão, longe de ter uma solução definitiva, permanece

como ponto de pauta em diversas sessões do Conselho. Os estudantes da Escola de

Química ocupam de fato a Escola de Química 24 horas por dia, alastrando esse

movimento por quase todas as Escolas, Institutos e Faculdades da Universidade Federal

do Pará.

35 Ata da 8ª Sessão do Conselho Universitário realizada em 29 de julho de 1968. 36 Idem.

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No dia 2 de agosto de 1968, por ocasião da nona sessão do Conselho Universitário,

o reitor Silveira Neto solicita a cada um dos conselheiros-diretores das unidades ocupadas

por estudantes que informasse ao plenário a situação de suas unidades. O diretor da

Faculdade de Direito, Lourenço do Valle Paiva, declara que “Os estudantes permanecem

na faculdade, passaram lá o dia todo, estão realizando reuniões, não sei se vão deixar o

prédio. (....) mas tudo me faz crer que eles não vão deixar o prédio, esta é a situação.37 “O

vice-diretor da Faculdade de Medicina, Gervásio de Britto Mello, declara que

Hoje, pela manhã, eu fui avisado que os alunos estavam pregando cartazes nas paredes da escola. Eu fui lá e eles declararam que quem arrancasse os cartazes seria castigado pela força bruta, então eu arranquei os cartazes e nenhum teve a coragem de me agredir (...) as duas e pouco recebo um telefonema de um amigo dizendo que eles iam ocupar a Faculdade às cinco horas em ponto (...) às cinco horas os funcionários desceram e foi uma comissão de alunos procurar o diretor para o ultimato, mas eu não estava lá para recebê-los. Creio mesmo que esta manifestação parte mesmo de uma minoria bastante pequena, mas um tanto exaltada, constituída pelos alunos das últimas séries (...). Alguns cartazes afixados na Faculdade dizem que é pacífica a ocupação, que não vão depredar absolutamente a Escola, é uma reação pacífica e alguns deles os mais exaltados tiveram a ideia de fazer uma marcha aqui contra a reitoria, é uma ideia que há entre os alunos. É mais ou menos o que se passou hoje na Faculdade de Medicina.

O diretor da Escola de Serviço Social José Chaves Muller38 declara que

Na minha escola, apesar de eu ter passado grande parte da tarde lá, não houve nada, nós encontramos apenas, ao voltarmos à tarde, a parede da frente toda escrita, com dizeres de que ‘não devemos ficar isolados do movimento dos nossos companheiros’; ‘abaixo Müller’, etc. Ora, isso não tem importância, foi à única coisa que houve lá.

O diretor da Faculdade de Ciências Econômicas, Contábeis e Aturiais, Pedro José

Martin de Mello, declara que “na Faculdade de Economia as aulas se desenvolvem

normalmente, não temos conhecimento de maneira nenhuma, até o momento, de

37 Ata da 9ª Sessão do Conselho Universitário realizada em 02 de agosto de 1968. 38 Idem.

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qualquer anormalidade. 39”. O vice-diretor da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras,

Orlando Sampaio Silva40, declara que

Durante o dia de hoje, as aulas funcionaram normalmente. Às 17:30, conforme estava previsto, teve início uma mesa-redonda que me foi solicitada por um grupo de estudantes do curso de Pedagogia. Eu vim da Faculdade neste momento, a mesa-redonda estava se realizando num ambiente pacífico, com a participação de vários professores (...) pedi à professora Anunciada Chaves, como membro mais antigo do Conselho Administrativo da Faculdade, que me representasse naquela mesa-redonda (...) não existe na Faculdade nenhum cartaz, nenhuma faixa, nenhuma parede pintada e tive, há minutos atrás, uma entrevista com a aluna presidente do Diretório Acadêmico, que me repetiu a sua disposição de lutar até o fim contra qualquer medida de violência para a tomada da Faculdade, que ela acha que não deve haver.

O diretor da Faculdade de Odontologia, José Marcelino Cardoso Pingarilho,

declara que “Apenas eu recebi agora à tarde um recado por alguns alunos de que

amanhã, às 9 horas, uns alunos da Faculdade de Medicina irão tomar conta da nossa

Faculdade, não sei se isto é verdade ou não. 41” O diretor da Escola de Engenharia, Omir

Correia Alves42, declara que

Ontem, às 16 horas, foi realizada uma reunião do Diretório com um grupo de alunos, mais ou menos 150, o objetivo era o de debater a questão de certas deficiências em determinadas cadeiras, falta de material, professores que não estavam cumprindo o seu dever, etc. Após a reunião muitos foram embora, ficaram mais ou menos 50 alunos e um aluno, Boneff, pediu a palavra propondo a greve geral (...) então propôs que tomassem a escola. Então a minoria da escola que estava presente concordou. Após, o presidente do Diretório disse-me: ‘Vim comunicar ao senhor que, em assembleia geral, resolvemos tomar conta da escola.

O vice-diretor da Faculdade de Farmácia Altino Chaves de Araújo declara que “não

há nada de anormal, as aulas continuam normalmente”.43 O diretor do Instituto de

Higiene e Medicina Preventiva, Abelardo dos Santos, declara que “o Instituto de Higiene

39 Idem. 40 Idem. 41 Idem. 42 Idem 43 Idem.

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está ocupado pelos alunos da Faculdade de Medicina”. 44 O diretor da Escola de Química,

Júlio dos Santos Ribeiro45, declara que

Na Escola de Química, conforme comunicação dos alunos, eles informaram que deixariam de comparecer às aulas para promoverem conferências, etc., e isso ainda vem ocorrendo normalmente, até ontem tinha cartazes na frente da escola e que foram retirados. O resto está na normalidade, sem outros problemas.

O reitor Silveira Neto, insatisfeito com a declaração do diretor Júlio Ribeiro,

solicitou-lhe que informasse se a Escola de Química estava ou não ocupada. Em reposta,

Júlio Ribeiro disse que normalmente os alunos permaneciam lá. O reitor, ainda

insatisfeito, ressalta que o normal é o aluno permanecer na unidade na hora de aula e que

tal permanência após as seis horas da tarde lhe parece não ser normal e solicita

novamente ao referido diretor, em nome da dignidade do Conselho, que informasse se os

alunos ocuparam a escola. Respondendo a insistência do reitor à questão, Júlio Ribeiro se

expressa da seguinte forma, “Bom, não existe propriamente uma ocupação, se é este o

termo, a não ser que seja considerada assim a permanência constante dos mesmos na

Escola”.46 A professora Maria de Nazaré Sarges47 relatou que o clima era tenso, em 1968,

na Universidade,

Houve uma tomada da Universidade, onde estava Celeste Medeiros, aí esses meninos de outras universidades, de outras faculdades iam para lá para fazer o cerão, e nós que eles consideravam os mais abestados íamos para rua fazer pedágio por que nós tínhamos que coletar dinheiro, pro café, pro cigarro, para quem ficava à noite, foi uma ocupação da Universidade, da Faculdade de Filosofia em 68. (.....) Os estudantes já estavam já querendo, enfrentar o governo devido às inúmeras perseguições que houve, com outros colegas universitários, que estavam sofrendo e também o nosso reitor também era meio linha dura, então se juntou todo mundo, no entanto, que o Aluísio não era lá do nosso prédio, e o Aluísio era da área de Agronomia e foi todo mundo para lá, e aliás, seu sempre digo que a Generalíssimo era o antro do subversivo, por que, tinha a faculdade de

44 Idem. 45 Idem, 46 Idem. 47 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ. Reitoria. Universidade Multicampi - 25 anos de ensino superior

regionalizado no Pará: entrevista Maria de Nazaré dos Santos Sarjes. Belém: UFPA, 2012. 1 vídeo (1h 08 min e 29 seg). Disponível em: <http://www.multimidia.ufpa.br/jspui/handle/321654/1066>. Acesso em: 07/08/2013.

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Filosofia, tinha a faculdade de Medicina, que aquele povo todo assim, a irmã da Nilza, o Fiúza de Melo, todo aquele povo estava circulando por lá, o pessoal da Odontologia, era o corredor ali da oposição, vinha desde a Faculdade de Medicina até lá a Odontologia que era próxima a Brás de Aguiar, então houve essa ocupação, mas não levou uma semana essa ocupação. Logo depois desocuparam até porque não se tinha muita força para enfrentar, por que houve ameaça de expulsão da universidade, mas assim, nós que não podíamos ficar à noite, por que nós fazíamos o pedágio, era muito tenso porque, sempre estava a passar o carro de polícia, então quando a gente ouvia a sirene a gente corria e se escondia atrás das mangueiras, por que a gente tinha um pavor, até por que os nossos pais não sabiam que a gente estava metida nessa confusão.

No decorrer das discussões travadas no Conselho Universitário, salientou-se que

este movimento já era previsto, pois até então tinha passado do Sul ao Nordeste e agora

estava aqui na Amazônia, atingindo a juventude paraense, que, segundo Lourenço do

Valle Paiva, até então era uma juventude calma e ordeira. Para o Conselheiro Silvio

Augusto de Bastos Meira48 os acontecidos seriam por que

Os jovens, como nós já fomos, muitos são levados por alguns supostos líderes, agitadores profissionais que se infiltram nas escolas; outros existem sem opinião formada, alguns que querem apenas a perturbação da ordem, sem outro objetivo maior, de forma que também aí nós devemos separar o joio do trigo e levar o assunto com muito cuidado, a fim de evitar que as consequências sejam muito piores, porque ninguém se iluda, a juventude nunca foi derrotada: a história bem demonstra que a juventude nunca foi derrotada.

O professor Orlando Sampaio, indagado sobre a participação do reitor José da

Silveira Neto no processo de ocupação da Universidade em 1968, diz que ele teve um

comportamento estranho. Não tomou iniciativa de reagir contra o que estava

acontecendo, preferia permanecer trancado em seu gabinete e “eu como diretor sabia

que tudo o que acontecia era levado a ele por seus espiões”. Afirma ainda que, em

conversa com o reitor, comentou que a maioria dos estudantes da UFPA havia aderido ao

movimento de ocupação. Segundo o professor Orlando Sampaio, o reitor Silveira Neto

não tinha a mesma avaliação. Para ele, era apenas uma minoria que estava liderando esse

movimento e a maioria estava silenciosa, omissa, ou seja, não estava participando,

acreditando que essa maioria estava com ele, ao seu lado, por isso sua tranquilidade.

48 Idem.

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Em 1968, o Diretório Acadêmico da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras era

extremamente atuante e, apesar da diversidade de ideologias políticas presente, os

estudantes estavam unidos e pouquíssimas divergências eram perceptíveis entre eles.

Com o AI-5, houve a confecção de uma lista de professores que seriam punidos nas

universidades. Dentre os diversos professores que tinham seus nomes na referida lista,

apenas Orlando Sampaio foi punido com a aposentadoria compulsória. Outro professor

que teve sua aposentadoria compulsória foi Ruy Barata, cartorário, advogado, professor

da UFPA, preso, destituído da função de cartorário, aposentado compulsoriamente da

Universidade, e teve os direitos políticos suspensos49.

Na entrevista citada o professor Orlando Sampaio afirma que não sentia que havia

a intenção de aposentá-lo em 1968. Esta intenção só teria aparecido após o surgimento

do movimento pela eleição de um novo reitor, já que Silveira havia ultrapassado o tempo

de seu mandato. Movimento liderado pelas quatro Faculdades (Filosofia Ciências e Letras,

Serviço Social, Química Industrial e Economia) que tinham certa autonomia ante a

reitoria.

Desde o início do mandato do professor Silveira Neto havia três grandes oposições

a sua administração, o curso de Química, Farmácia e Serviço Social, referente ao Plano de

Reestruturação da Universidade Federal do Pará e a Faculdade de Filosofia com relação à

eleição para diretor e vice-diretor. A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras foi fundada

como instituto em 1955, como uma instituição particular. Na FFCL havia grandes

dificuldades de relacionamento com o reitor Silveira Neto, devido ao processo de eleição

para eleger diretores e vice-diretores, pois, de acordo com o regimento o mandato de

diretor, era de três anos e a cada três anos a congregação da Faculdade deveria convocar

uma nova eleição, o que não ocorreu durante o período de 1962-1968, quando o

professor Napoleão Figueiredo, ficou na direção da faculdade.

O professor Orlando Teixeira da Costa foi designado, pela congregação, para

resolver o impasse que havia na Faculdade de Filosofia. O parecer do jurista Orlando

Costa considerou o mandato de Napoleão Figueiredo como irregular (COSTA, 2007, p.59).

49 De acordo com o Ofício Confidencial GR nº 01/1979, que continha os processos 2252/64 e 4898/64, dos professores atingidos por Atos Institucionais.

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Foi sugerida a realização imediata de eleições à referida congregação para compor a lista

tríplice de nomeação de diretor. Foram organizadas duas chapas na Congregação para a

escolha dos três nomes. Houve duas chapas, a progressista que tinham como nomes os

professores Benedito Nunes, Carlos Coimbra, Orlando Sampaio e a outra chapa com o

professor Alfredo Boneff50.

O professor escolhido foi Benedito Nunes, que não assume por ter ido fazer um

curso em Paris, e “eu fui escolhido vice-diretor e logo em seguida eleito por unanimidade,

com apenas um voto em branco, o meu”. Orlando Costa, que havia liderado o

movimento de oposição à administração de Napoleão Figueiredo, foi o candidato que

encabeçaria a lista tríplice endereçada ao reitor Silveira Neto. O professor Alfredo Boneff,

candidato do reitor Silveira Neto, foi indicado para ser o diretor. O professor Orlando

Sampaio foi escolhido para ser vice-diretor da Faculdade de Filosofia,

Quando o diretor da Faculdade, Alfredo Boneff, solicita licença e se afasta do

cargo, Orlando Sampaio assume a Direção, e, segundo ele, este é o fato preponderante

para a sua aposentadoria, pois a situação política da época não aceitava sua presença na

Direção da Faculdade naquele momento. Orlando Sampaio51 acredita que incomodou a

situação por sua postura política contrária ao governo, porque não aceita os militares no

poder. Após ter declarado não ser contrário às forças armadas

Desde que as forças armadas estejam em seu estrito cumprimento constitucionais, no exercício de suas atribuições constitucionais, eu não tenho nada contra elas. Agora eu me oponho ao militarismo como um sistema político implantado em um país.

Orlando Sampaio apesar de ter sido eleito por unanimidade não fora nomeado

diretor da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras. Para o professor Orlando Sampaio52,

Os estudantes estavam afinados a um movimento internacional iniciado na França que lutava por uma universidade participativa, onde poderiam participar das decisões administrativas de seus colegiados, de opinarem

50 Professor da Faculdade de Filosofia, sendo um dos aliados do reitor Silveira Neto. 51 Idem 52 Idem.

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na escolha de seus currículos, enfim, ter participação na escolha do caminho a ser trilhado em sua vida acadêmica.

As Faculdades foram ocupadas uma a uma, em 1968, e uma das últimas a ser

ocupada foi a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras devido à plena liberdade dada pelo

diretor em exercício, Orlando Sampaio. Houve a imediata reação dos policiais, que

permaneceram rondando as proximidades da Faculdade e, a pedido do diretor, os

estudantes permaneceram no interior desta até a polícia se retirar do local. “Foi um

momento difícil”, declara Orlando Sampaio. O posicionamento deliberado pelo Conselho

Universitário, referente às ocupações, foi no sentido dos respectivos diretores das

Escolas, Institutos e Faculdades promoverem o diálogo com os estudantes, com o

objetivo de mostrá-los que a atitude desencadeada por eles era errada e que somente

pelo diálogo é que poderiam chegar a algum lugar.

Os Estudantes da Escola de Química haviam iniciado o movimento por acreditar

que o Plano de Reestruturação aprovado pelo Conselho Universitário iria extinguir o

Curso de Química Industrial, o que, segundo o reitor José da Silveira, tratava-se apenas de

uma falácia, pois o Plano de Reestruturação da Universidade Federal do Pará resolveu

manter o curso em qualquer que fosse a solução ou a decisão do impasse.

Para o professor Roberto Santos53, o reitor José da Silveira Neto tornou-se

arbitrário, culminando no prolongamento de seu mandato, fato denunciado na Faculdade

de Filosofia Ciências e Letras, onde tomaram a iniciativa de formalizar a denúncia ao

conselho universitário. Todo esse embate precipita o surgimento de um possível nome

para substituir Silveira Neto, Aloísio Chaves seria o nome, considerado mais

independente, teve seu nome incluído na lista. O professor Aloísio foi o escolhido,

representando, segundo Roberto Santos, um novo período para a UFPA.

O professor Roberto Cortez em seu relato54 a Universidade Federal do Pará

comenta sobre as restrições que ele e alguns professores tiveram durante o mandato do

53 Era professor da Faculdade de Ciências Sociais sendo um dos opositores de Silveira Neto. 54 CORTEZ, Roberto. Quem estava na Kombi? In: Mello, Alex. (org.). UFPA 50 anos : relatos de uma

trajetória. Editora Universitária da UFPA, Belém, 2007.

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reitor Silveira Neto, considerados como “subversivos”, como por exemplo, o professor

Aurélio Leal Alves do O’, tornando-se professor da UFPA, somente em 1976, como

professor colaborador. O professor Inocêncio Mártires Coelho, que foi para Brasília torna-

se professor da UnB, o professor José Seráfico de Carvalho, tornou-se professor do

Amazonas de Administração, o Pedro Galvão, atuante no movimento estudantil dos anos

60, que não conseguira torna-se publicitário, o professor Isidoro Alves que ano de 1971 foi

aprovado em dois concursos na UFPA, nas disciplinas de Introdução à Sociologia e

Técnicas e Metodologia de Pesquisa e não foi contratado, o professor Raimundo Heraldo

Maués, que teve sua contratação indeferida, sendo admitido a UFPA somente em 1972,

por intermédio do professor Napoleão Figueiredo, que solicitou a contratação para o

reitor Aloísio Chaves. O professor João de Paes Loureiro, que teve sua contratação

efetivada no curso de Comunicação somente em 1977, apesar de ter passado em vários

concursos anteriormente.

Encontramos na documentação de 1973 na UFPA o comunicado do chefe

do SNI em Brasília que “desaconselha o aproveitamento do professor Heraldo Maués na

UFPA”55, bem como o ofício confidencial do chefe da AESI/UFPA informando que “a

chefia da ABI/SNI desaconselha o aproveitamento do professor João Jesus de Paes

Loureiro na UFPA”56. Encontramos também documento do delegado geral do polícia

federal solicitando o nome de professores, promotores de agitação e subversão no meio

estudantil57, assim como ofício do reitor Silveira Neto solicitando “informações das

unidades sobre rumores de manifestações com caráter subversivo no 5º aniversário da

revolução de 31 de março de 1964”58. Há documentos assinados pelo reitor Aracy Barreto

encaminhando para o Secretário Executivo do Conselho de Reitores das Universidades

Brasileiras com o nome de pessoas atingidas pelo atos institucionais, como os

professores Epílogo de Gonçalves, Campos Henry Chrecralia Kayath, Camilo Silvio

Montenegro Duarte, Orlando Sampaio Silva e Ruy Paranatinga Barata59, que confirma a

55 Ofício nº 009/73. 56 Ofício Confidencial nº 018/73/AESI/UFPA. 57 Ofício º 013/69. 58 Circular Confidencial GR nº 3/69.

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existência na UFPA de uma estrutura do SNI (Serviço Nacional de Informações) e as

interferências deste órgão de segurança na vida acadêmica da instituição.

A criação da ASI se deu no contexto político de 1968, com o acirramento das

críticas ao regime ditatória implementado em 1964, com a ocupação das faculdades em

várias universidades, inclusive na UFPA. No ano de 1968 a UFPA era administrada pelo

reitor Silveira Neto, que planejou e organizou a instalação da Universidade Federal do

Pará. A ASI foi pensada no contexto do pós 1968, com a instituição do AI-5. Podemos

perceber que elas “serviam de canal para o exercício de pressão e controle sobre as

reitorias, ações provenientes da cúpula do Estado e dos serviços de informação”.

(MOTTA, 2008, p.45).

Toda esta documentação faz parte do acervo, guardado no arquivo Central da

UFPA, no fundo de correspondência dos reitores. A documentação trocada entre os

reitores e os órgãos do SNI demonstra uma preocupação com a propaganda e as ações

dos “subversivos” e comunistas nas IFES. Há uma obsessão em demonstrar a infiltração

comunista

no entanto, muitas vezes as assessorias serviriam de canal para o exercício de pressão e controle sobre as reitorias, ações provenientes da cúpula do Estado e dos serviços de informação. Importava menos o assessoramento aos reitores e mais o fornecimento de informações para alimentar o sistema de segurança e repressão. (MOTTA, 2008, p.45)

O que podemos observar é que os anos sessenta demonstram que os governos

militares tiveram um olhar, e várias ações para UFPA, que fez com que a universidade

fosse efetivamente implementada. Podemos dizer que a UFPA foi criada pelas ações de

homens como Silveira Neto, que colaboraram com os governos militares e que

aproveitaram as políticas da ditadura civil-militar para modernizar a instituição.

A UFPA recebeu muitas verbas e atenção dos governos militares. Houve a

modernização da universidade, em meio à repressão do movimento estudantil, a prisão e

aposentadoria compulsória de professores. Fez-se a reforma universitária, que teve

59 Ofício Confidencial GR nº 01/79.

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contestação na UFPA, com ocupação das faculdades em 1968. A reforma universitária só

foi implantada na UFPA em 1971, apesar de seu debate ser de 1968.

Antes de 1968 a UFPA inaugurou seu campus no Guamá: com a benção do

presidente Costa e Silva. Tivemos modernização, censura, triagem para contratação de

professores, aposentadorias compulsórias, implantação da ASI, aplicação do 477 em meio

a construção de prédios, laboratórios, Biblioteca Central, pavilhão de aulas,

principalmente nas áreas tecnológicas. Este artigo é parte de uma pesquisa, ainda inicial,

que pretende revelar memórias e histórias ainda escondidas da UFPA.

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Recebido em: 15/08/2013 Aprovado em: 04/11/2013

Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC Programa de Pós-Graduação em História - PPGH

Revista Tempo e Argumento Volume 05 - Número 10 - Ano 2013

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