os anos de chumbo - economia e política internacional no entre guerras

16

Upload: henrique-saintclair-mattioda

Post on 07-Jul-2015

989 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras

5/9/2018 Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/os-anos-de-chumbo-economia-e-politica-internacional-no-entre-guerras 1/16

 

ED I< ; 6E S FACAMP

EDITORA

Liana Aureliano

E D IT OR E XECUTI VO

Pedro Martins

CONSELHO EDITORIAL

CarlosAlonso Barbosa de Oliveira

Eduardo da Rocha Azevedo

Frederico Mazzucchelli

Fernando Novais

joao Manuel Cardo so d e Mel lo

Liana Anreliano

Luiz Gonzaga Belluzzo

Sonia Draibe

CAPA E PRO]ETOGRAFIco

Moema Cavalcanti

EDITORAyl.O ELETRONlCA

Barbara F on se ca d a R oc ha

REv!SAO

Mu ir aq u jt a E d it or ac ao G ra fi ca

F UN D A< ;A O E DIT OR A D A UN ES P

PRES IDENTEO CONSEUIO CURADOR

Herman Voorwald

DIRETOR-PRESIDE"TE

Jo se Cas ti lho Marqu es New

EDrrOR EXECUTIVO

jez io Hernani Bomfim Gutie rre

CONSEUIO EDITORIAL ACADEMICO

Antonio Celso Ferreira

Claudio Antonio Rabello Coelho

Jose Rober to Ernandes

Luiz Gonzaga Marchezan

Maria do Rosario Longo Morta tt i

Maria Bncarnacao Beltrao Sposi to

Mario Fernando Bolognesl

Pau lo Cesar Correa Borges

Roberto Andre Kraenkel

Sergio Vicente Motta

EDrroRES ASSlSTENTES

Anderson Nobara

Arlete Zebber

Christiane Gradvohl Colas

' 1 I " , _ . , f ' "

. ' , ' "

.' FREDERICO J\1AZZUCCHELLI

Os anos de ~humboEconomia e politica internacional

no entreguerras

l'~di~iio

Carnpinas, 2009

~editorsunesp

~I D I C O BI H l I i . P

Page 2: Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras

5/9/2018 Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/os-anos-de-chumbo-economia-e-politica-internacional-no-entre-guerras 2/16

 

CAPiTULO 1

A OF IC INA DO M UNDO E 0 L1VRE -cAM BIO :

N OT AS S OB RE A O RD EM L IB ER A LB UR GU ES A

Logo ao inicio de sua movimentada Viagempeto tempo economico (1994:

7-8), Galbraith observa:

Estou conyencido, como muitos outros, de que 0grande pon-

tode mutacdo da bistoria ecoruimica moderna, aquele que

mais do que qualquer outro introdaziu a era moderna da

economiafoi a Grande Guerra de 1914-18, depots reduzida

ii expressdo mats rnodesta, e, no todo, menos exata e expres-

siva, de Primeira Guerra Mundial. ( . .J Na uerdade, estaria

correto cbamar a Primeira Guerra Mundial de Grande Guer-

ra;a Segunda GUerrajoi a sua ultima batalba.

De fato , a Grande Guerra de 1914-18, dramat ica rnente desc rit a nas f ren-

t es de combate por Erich Maria Remarque no class ico Nada de novo no

front, assinala 0 fim da charnada Ordem Liberal Burguesa.A Belle Bpoque e

a Pax Britannica se transformam, entao, em Iernbrancas nostalgicas de um

rnundo perdido para sempre . 0 mosa ico pol it ico da Europa se es ti lhaca , e

se abre uma era de incertezas, contradicoes, ressentimentos e confl itos que

culmina com a invasao da Polonia em 1939 (Overy, 1995: 3;7;10).0 fun da

guerra, alern da derrota dos Imperios Gerrnanico eAustro-Hiingaro, trouxe

consigo 0 colapso daordenacao rnundial coman dada pela Inglaterra, Nesse

senti do, ela representa, tambern, a sua derrota . ..

21

Page 3: Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras

5/9/2018 Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/os-anos-de-chumbo-economia-e-politica-internacional-no-entre-guerras 3/16

 

A hegernonia inglesa rcmonta ao carater pioneiro de sua industrializacao,

a forca de sua marinha, a extensao de seu imper io e a dimensao internacio-

nal de suas financas. Foi a partir desses pilares que a Inglaterra pode Iiderar

a organizacao da econornia e da polit ica mundiais, desde 0 final das guerras

napoleonicas ate 0 assassmato do arquiduque Frandsco Ferdinando. Essa

foi uma ampla e complexa esrruturacao, aparentemente estavel e duradou-ra, que nao pode, contudo, resi sti r a s t rans formacoes engendradas em seu

proprio scio.A Pax Britannica culminou com a exacerbacao das rival idades

nacionais, com 0 conflt ro sangrento e a sucessao de desencont ros que se

iniciarn ja em 1919 com 0Tratado de Versailles.

PERlODIZA<;A,O

A ordem liberal burguesa corresponde ao periodo que se estende desde a

consoltdacao daRevolucao Industrial na Inglaterra ate a eclosao do prlmei-

ro conflito mundial.

Trata-se de uma ordem porque diz respe ito a urna estruturacao - urn

o rdenamento - internacional da economia e cia politica mundiais cornan-dada pela Inglaterra.

Essa ordem e liberal porque tern como caracter is ti cas centrai s a l ivre

mhVimenta.,ao de mercadorias , capitals e homens e a relat iva dissociacao

entre a ac, :aodo Estado e a acurnulacao de capital . Desde logo, a emergencia

do protecioni smo comcrcial e a a tiva presenca do Estado nas indust ri a-

hzacoes atrasadas e na co rrida colonial do ultimo quarrel do secu lo XIX

permitem a ldentlficacao de dois subperiodos dis tintos: 0 primeiro, que se

prolonga sem maiores conrradlcoes, desde a decada de 1830 ate a Grande

Depressao (1873-96); e 0 segundo, marcado pela crescente exacerbacao

das rival idades nacionais , da Depressao ao confl ito mundial .

Trata-se, par ult imo, de uma ordem burguesa porque diz respeito a ge-

neral izacao das relacoes cconornicas , sociais e polit icas do capiral ismo por

todo 0 rnundo.As observacoes anteriores requerern algumas qualificacoes . Barbosa de

Oliveira, em seu magnifico trabalho, ' observa que as caracterist icas da era

1.Processo de industriatizacao - Do capitalismo originario ao atrasado e uma obra

fundamental. Nela,0 rigor teorico, a precisao do analise historlca e a construcao certeira das

"categorlas da medtacao" combinarn-se de manetra impar.Este ensaio csta declaradamente

apoiado em suas conclusoes.

22

L

concorrencial do capita li smo - notadamente a l ivre c lrculacao de merca -

dorias e a relat iva exterloridade do Estado frente it acumulacao de capital

- t iveram plena vigen c ia a te a Grande Depres sao , Nesse per iodo, "a nova

ordem internacional reproduziu-se de. forma relat ivamente equil ibrada",

gracas it "articulacao de interesses prornovida pelo capital isrno Ingles, art i-

culacao na qual 0 dinarnismo da econornia bri tanica era difundido ao resto

do mundo" (D. Olive ira, 2002: 198). Hobsbawm (1977b: 58) , a proposito,

observa que, na Era do Capita l (1848-75) , "a expansao geral do cornerc lo

rnundial beneficiou a todos,mesmo que beneficiasse desproporcionalmen-

te a Ingla te rra" .

Esse i: 0rnomento em que a Inglaterra se afirmou como a "oficina do

mundo" (workshop of the wor ld). As relacoes entre Estado e acumulacao

eram, entao, manifestamente tenues, 0 que permite caracterizar 0 Estado

liberal como urn fen6meno associado ao capital ismo concorrencial :

to} capital ismo concorrencial conforma uma estrutura econo-

mica cuja reproducdo e regulada por mecanismos puramente

economicos (. ..J. [A] expansdo do capital na era concorrencial

podia dispensar apoios ext ernos, que nafase da acumulacdo

primitioa foram oferecidos pelo Estado absolut is ta. Por essas ra-

zoes, podemos associar teoricamente essa estruiura concorren-

cial do capital ismo ao Estado liberal . (B. Oliveira, 2002: 177.)

Hobsbawm, na mesma linha, relaciona a"nao convergcncia entre a polit i-

ca e a economia" como urn dos a tr ibutos marcantes do per iodo concorren-

cial. Referindo-se 3Scaracteris ticas da economia mundial na Er a dos Irnpe-

rios (1875-1914),0 eminente his toriador (1988: 83-4) ohserva "a crescente

convergencia" ent re a poI it ica e a economia como uma das dimensoes ou

"sintomas do retraimen to da economia da livre concorrencia, que fo ra a

ideal - e ate certo ponto a realidade - do capitalismo de rneados do

seculo XIX".

A Grande Dep ressao, por sua vez, e urn ponto de inflexao, "uma fase de

transicao en tre a etapa concorrencial do capitalisrno e a monopolista"

CB.Oliveira, 2002: 238).A ordem liberal burguesa se transfigura, jii que a a.,.ao

del iberada do Estado - 0 que inclui 0 crescente protecionisrno comercial

da decada de 1880 - pass a a ser urn elemento determinante na vida das

nacoes, Apos a Depressao - que atlnglu de modo especial a economia

inglesa -, a Inglaterra assis tc a progressiva superacao de sua industria pela

23

Page 4: Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras

5/9/2018 Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/os-anos-de-chumbo-economia-e-politica-internacional-no-entre-guerras 4/16

 

concorrencia americana e alema nos mercados mundiais.A partir de entao,

sua dependencia face a s operacoes da City, a acao de sua rede de service s

internacionais (fretes, seguros, traders) e a srelacoes com 0 imperio, torna-

-se c rucial .Ao mesmo tempo, a concorrenc ia internacional se exace rba , e

culmina com a vertiginosa corrida colonial de fins dos e cu l o X IX.

Ressalte-se , contudo, que essas transformacoes se dao em um contexte

de forte expansao economica ge ra l e de pre se rvacao da ma is ampla mobi-

l idade dos movimentos internac ionais de capi ta l e de mao de obra (Hobs-

bawm, 1988: 68; 73) . Mais ainda,o periodo 1870·1914 corresponde ao apo·

geu do padrao-ouro.Ta l regime supunha nao apenas a cent ra lidade da pra -

ca f inanceira de Londres e a credibilidade quanto a defesa intransigente da

paridade das moedas com 0Duro - the commitment to gola -, mas tam-

bern a efetiva cooperacao entre os paises (Eichengreen, 1995: xi; 2000: 57;

63), 0 que se tern, assim, e a cooperacao em meio a s rivalidadcs politicas

e comerc ia is , em urn ambiente de c re sc imento euforico no ru ic leo capi ta -

lista central ( ja incluidos, a i, os Estados Unidos) e de livre movtrnentacao

financeira internacional.

Desse modo, os subperiodos acima mencionados referem-se, respectiva-

mente, a etapa concorrencial e a transicao e configuracao inicial da etapamonopolista do capitalisrno. !

E e ssenc ia l destacar , contudo, que a hegemoa ia inglesa, na aurora do se-

culo XX, vinha sendo progressivamente solapada pelo for ta lecimento po-

li tico e pe lo ext raordina rlo c re sc imento economico das nacoes riva ls . Se

a bruta lidade da Primeira Guerra Mundial sancionou 0seu tim, e porque

seus fundamentos nao tinharn mais a mesma vitalidade ex.ibida na exposi-

C;aode Crystal Palace em 1851.

A I NDUSTR IA L lZA ' :; ;A . O OR IG I NAK I A

Convem recons ti tui r, em grandes l inhas , a t ra je tor ia de ssa hegemonia.

Es tabe lecida s certas precondlcoes e ssenc ia is (revolucao agrico la , com aconsequente Iibe racao da mao de obra do campo; const ituicao do Estadc

nacional e difusao das relacoes mercantis atraves da expansao do capi-

tal comercial, do put ting ou t e da rnanufatura; articulacao internacional,

deeor rente da posicao dominante adqui rida no comerc io rnundial ), a In"

g la te rra passa a observa r t ransformacoes decisiva s no ul timo qua rtel do

seculo XVIII (E.Oliveira, 2002: 164·71).

24

Destaque·se , de inicio, que as transforrnacoes tecnologicas verif icadas

nao decorr eram de uma supos ta ( ate porque duvidosa!" ) supe riorldade

cientifica da lnglaterra uis-a-uis os paises da Europa Continental. As ino-

vacoes, na producao tex ti l e na ene rg ia a vapor , fo ra rn int roduzida s por

"homens pra ticos" , em verdade "t raba lhadores e special iz ados , que iam

aeumulando conhecimentos sabre os materials utilizados e desenvolvendo

suas habilidades e capacidade criadora" (B. Oliveira, 2002: 164). Nao havia

nenhuma conexaomais profunda com ahard science e,de fato, "0 que di -

fe renc iava a Ing la te rra de out ros pa ises europeus nao e ra a capacidade de

criar inovacoes, mas a rapida e muitas vezes gencralizada incorporacao das

invencoes ao processo produtivo". Essa "generalizada incorporacao", por

sua vez ,e r a "uma respos ta aos ent rave s ao aumento da producao que pro·

gressivamente se manifestavam" (B. Oliveira, 2002: 165). Ese tais entraves

se manifestavam e porque a producao mercantil jiabarcava a maior parte

das relacocs cconomicas internas e externas da Inglaterra.

Nesse processo, os emergentes industrials erarn pequenos proprietarios

que obtinham osrecursos para 0 capital f ixe e circulante junto aos comer-

ciantes e ao sistema bancario. Em muitos casos os proprios comerciantes

se transforrnavam em industrials:

[Alguns} comerciantes tornauam-se eles pr6prios industrials,

Nesse processo de metamorfose do capital comercial em capi-

tal industrial, deue-se dar destaque aos capitais acumulados

no trdfico negreiro e no comercio colonial que jlufam para

Manchester. Assim, 0 colonialismo escrauista garantiu nao

somente mercados em expansdo, mas tambem foi capaz de

fornecer express iuos montan tes de cap ital s para a nascente

indus tr ia, manchando com 0 sangue de escrauos africanos

a raiz do futuro l ibera lismo mancbester iano. (B. Oliveira,

2002: 1fl6-7.)

Em seu judicioso estudo sobre as relacoes entre bancos e industria naInglaterra, Collins (1991: 15-6) observa que, durante a Revolucao Industrial,

as necessidades de financiamento versavarn, basieamente , sobre 0 credlto

comercial (capita l c irculante) de curto prazo:

2."Qualquer que tenha sido a razao do avanc;obritanico, de " " 0 se deveu it supenoridade

tecnol6gica e cientifica. Nos ckncias naturals os franceses estavarn seguramente na frente

dos ingle se s" (Hobsbawm, I977a: 45) .

25

Page 5: Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras

5/9/2018 Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/os-anos-de-chumbo-economia-e-politica-internacional-no-entre-guerras 5/16

 

E urn Jato amplamente aceito que, durante 0 periodo da "ro-

uolucdo industr ial" (1760-1830, aproximadamente), a escala

relat iuamente l imitada das opera r o e s industria is e a natureza

e lementar da tecnologia empregada s ignif icaram que, para a

maier parte das industrias, as necessidades de financiamento

de curto prazo para 0 capita! de giro Jossem superiores a s ,·e-

queridas para 0 capital f txo (plantas, maquinas e tc ). ( . .. ) Os

indust rial s da epoca pref eriam util izar as fundos int ernes das

empresas (lucros ndo dis tr ibuidos) elou os recursos de amtgos e

conbecidos parafinanciar as exigencias de capital f ixo, ao inoes

de tamar emprest imos junto its instituicoes financeiras. Como

resul tado, a demanda da industr ia par recursos de Zongoprazo

junto aos bancos ndo er a grande ( . .J Ao contra rio, os requeri-

mentos principais eram par emprest imos de curto prazo ( . . ).

Apesar da reduz ida demanda de credito pelas empresas (cuja natureza

era t iplcarnente familiar), dapequena escala dos ban CDS ingleses em tins do

seculo XVIII,de sua vulnerabilidade e de sua preferencia par operacoes de

prazo mais curto, aseventuais necessidades de credito de longo prazo tam-

bern foram atendidas adequadamente pelos bancos, Ha consenso quanto

aDfaro de que 0 s is tema bandirio Ingles contribuiu para 0 financiamento

a industria atraves de creditos renovaveis de curto prazo, Marsainda, dado

que os requis itos de capit al e as esca las de operacao eram relativamente

modestos, e que a expansao industrial se fundava, basicamente, na reinver-

sao dos lucros cor rentes, configurou-se urn padrao de relacionamento em

que os bancos nao participavam diretamente da organizacao da industria. 3

POf t im, os requerirnentos da infra-estrutura economica (estradas , canais,

pontes, portos etc.) foram atendidos - da mesma forma - pela acao de

capitals privados com 0 apoio do sistema bancarto.'

o fato e que a industria texti l na Inglaterra l ireralmente revolucionou

a es trutura econornica e social: em 1785 es ti rna-se que , a lem de Londres,

havia apenas t res c idadcs com rna is de 50.000 habit antes na Jngla ter ra e

na Escocia. Setenta anos mais tarde (1855), ja eram mais de trlntal Man-

ches ter , que em 1772 t inha 25.000 habit antes, em 1851 regls trou 455.000

habitantes (Palmer & Colton, 1995:459). A descricao dessa cidade-simbolo,

3. collins (1991: 16-8) ; Hobsbawrn (19773: 52) ;B. Oliveira (2002: 167; 170).

4 .B .O l ivei ra ( 2002 : 167 -3 ); Hobsbawm (19773: 68) .

26

T '"~!

fei ta por Tocquevfl le em 1835, e reproduzida por Hobsbawm C1977a :43) ,

e digna de registro:

Desta uala imunda a maier corrente da industria bumana

flui para fertiiizar a mundo todo. Deste esgoto imundo jorraaura puro , Aqui a bumanidade atinge 0seu mais complete de-

s enooio tmento e sua maier bruta lidade , aqui a cunli zacdo faz

milagres e 0 bomem ciuil izado torna-se quase um seluagem.

A"atmosfera envolt a em neblina e saturada de fumaca , na qual as pal l-

das rnassas opera ri as se movimentavam" (Hobsbawm, 1977: 69) e ra urn

cenario degradante que, cruzando 0 oceano, se estendia e se entrelacava

aos horr ores das plantacoes escravistas de algodao do sui dos Estados

Unidos.? Se a producao texti l inglesa teve tamanho poder transformador,

e porque a Inglaterra - sobretudo ap6s Waterloo - ja era "senhora dos

mares" e gozava de "uma posicao pra ticamente monopol is ta no mercado

rnundial" (B. Ol ivei ra : 169).6 A indust ri a t extl l mglesa se direcionou de

modo progress ivo para as exportacoes, inundando a Europa Cont inen-tal e "os mercados colonial e semtco lonlal=.] Nao por acaso, em 1817,

Ricardo, ao mesmo tempo que advogava a eliminacao das Corn Laws,I . < •

estabeleceu 0 farnoso postulado das vantagens comparanvas no comercio

internacional: para a Inglaterra, alimentos e rnaterias-prlmas. Para 0 resto

do mundo . . , manufaturas inglesas.

Do ponto de vist a das relacoes setor la is , Impor ta destaca r que a indus-

t ri a text il na Ingla ter ra , por sua propr ia extcnsao e dinamismo, foi capaz

de ir radiar est imulos que se propagaram para as indust ri as de mineracao

5 :0e po is d a d ec ad a d e 1 79 0 a s p la nta coe s e sc ra va gl st as d o s ui d o. E ll A f ora rn a urn en ra da s

e m ant id as p el as in sa cia ve ls e ve rt igi no sa s de rn an da s da s f ab ri ca s d e Lanc as hir e. a s quais

forneciam 0 g ro sse da Sua p roducao de a lgodao b ru te" (Hobsbawm, 1977a : SO) .

6.Ver, rarnbem, Hobsbawm (I977a: 4~50; 54) .

7. "Em rermos de vendas, a revolucao industrial po d e s er des crita, com a excecao dos pri-

"m ei ro s a no s d a d ec ad a d e 1 78 0, c omo a v it on a d o m erc ad o e xp ort ad or s ob re 0domesuco:p or v ol ta d e 1 81 4, 3 G ra -B rc ta nh a e xp ort av a c er ca d e q ua tro ja rd as de te ci do de a lg odi io

P3Fj c ad a t re s u sa da s In te rn ar ne nt e, e , po r v ol ta d e 1 85 0. tr ez e p ara c ad a oito. Edent ro desse

rnercado exportador em expansao, por 511. vez, os rnercados colonial e sernicolonial, por

mu lt o temp o o s ma lo re s p on tos de va za o p ara o s p ro du tos b ri ta nl cos , t riu nf aram. C . . . ) [Por]

vo lt a d e 1 84 0 a Eur op a a dq ui ri u 2 00 m tlh oe s d e [a rd as , enquanto as areas 'subdesenvolvidas'

a dq ui rlr am 5 29 m llh oe s" (Hob sb awn, 1 97 7. : 51 ). 0 c as o da I nd ia rn ere ce d es ta qu cr 'A I ndi a

f oi s ls tema ti cument e des lndust ri ahzada e passou de expor tado r a r ne rcado par a o s p rodu to s

de algodao d. regiao de Lancash ir e: em 1820,0 subcont tnen te adqui ri u sor ncnt e 1 I m ll hoes

d e ja rd as : m as p or v ol ta d e 18 40 jii adquma 145 milhoes" I dem, i bi dem.

27

Page 6: Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras

5/9/2018 Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/os-anos-de-chumbo-economia-e-politica-internacional-no-entre-guerras 6/16

 

do carvao, rnetalurgla do ferro, maquinas a vapor, construcao civil e infra-

est ru tura em geral. Assim, ao contrar io do que i ra ocorrer nas indust ri al i-

zacoes atrasadas .rna Inglaterra a mecanizacao dos texteis criou condicoes

para 0 surgimento do departamento J" CE.Oliveira, 2002: 169-70)."

As transformacoes da agricultura inglesa (enclosures), POt tim, ja haviarn

liberado enormes contingentes de trabalhadores , aptos para serem ernpre-gados na indus tr ia . Os avances da producao fabri l, par sua vez , des truia rn

as formas de producao preexist ences e lancavarn novas contingences de

trabalhadores a disposicao da indust ri a. Ao a tenta r para 0 i rnpe to da in-

dustrializacao inglesa, Marx (1966, I: 538; 542) estabeleceu a conclusao

definit iva de que 0egime do capital (vale d iz er , a grande industria erigida

sobre a base da maquinaria) cria, ao mesmo tempo, a demanda e a oferta

de trabalhoi ''conforrne cresce a forca produtiva do trabalho, 0 capital faz

cresce r sua ofe rt a de t raba lho mais rapidamente que sua demanda de tra-

balhadores (. . . ) Quando a acumulacao aumenta, em lima frente, a demanda

de trabalho, aumenta, tambern, em outra frente, a oferta de trabalhadores ,

ao deixa-los 'disponiveis' (.. _)'',9 Se os trabalhadores estavarn efetivamente

Iivres e "disponiveis" para trabalharern na industria, era necessario, contu-

do, que se adequassem a s exigencias da dis cipl ina e do r itmo do t raba lhofabril. Isso foi conseguido a custa da imposicao de condicoes agudas deex-

ploracao, que incluiarn uma legis lacao laboral permissiva, baixos salaries e

a uti lizacao inescrupulosa de mulheres e criancas no trabalho fabri l (Hobs-

bawm, 1977a: 66-7).

maquinas a vapo r em grande quantidade e de grande paten-

c ia , mas tambem de meios de t ransport e e fi ci en te s para trazer

grandes quan tidades de cart/de do fundo das minas ate a su -

perficie e especialmente para leva-las da superficie aos pontes

de embarque . ( . . .) Tecnologicamente , a f errouia e filba das

minas e espec ia lmente das minas de carudo do nort e da Ingla-te rra . ( . . .) Nenbuma out ra inovari io da reuolucdo indus tr ia l

incendiou tanto a imaginacdo quanto a ferrooia" (. . .) Mal

tinbam as ferrooias prouado ser t ecnicamente uidoe is e lucra-

tivas na Inglaterra (por volta de 1825 -30), e p ianos para sua

const rucdo ja eram fei tos na maioria dospais es do mundo oci -

dental ( . . . ).

A construcao f er roviaria nao apenas r eduzia os cu stos de trans porte e

enlacava as rcgioes mai s remoras - com impac t osnotorios sobre a c ircu-

lacao de mercadorias, a Incorporacao de novas areas de p roducao, a am-

pliacao dos mercados, as m ig racoes e a prop ria defesa nacional - como

produzia est imulos diretos sobre as indii st ri as de carvao, fer ro e equipa-

mentes. Tratava-se, portanto, de uma dlnamica interna ao DepartamentoI , com efe itos abrangentes sabre cI conjunto das relacoes setoriais . Hobs-

bawm (1977a: 62) pondera que :

oCleLO FERROVlARIO

E r a ( . . . ) i m en s o [ a }a p et it e d a s [ e rr oo ia s p o r f er ra e a { :o , c a ro d o,

maquinaria pesada, mdo de obra e inuestimentos de capital.

( . .) . Nas prime iras duas decadas das fe rrcoias (J 830-50) , a

producao de ferro na Grd-Bretanba (. . .) triplicou. A produ-

r a o de carudo, ent re 1830 e 1850, tambern t ripli cou ( . . .) . Esse

enorme crescimento deueu-se prioritariamente Iierrouia . ( . . . )

Osauancos indus tria i s, que pela prime ira vez tornaram pos -

s lvel a producdo em massa de aco, decorreriam naturalmente

nas decadas seguintes"

Por volt a de 1830, eram evidentes os impactos dlnarnlcos da indust ri a t ex-

til na Ingla ter ra .A mineracao de carvao se dcsenvolvla de modo Intenso ,

e de seu ventre nascer ia uma invencao de importancia t ranscendental : 0

t ransporte ferroviario. Segundo Hobsbawm (1977a: 60-1):

[A industr ia do carudol era grande 0 bastante para estimular

a inoencdo bdsi ca que t ria t rans formar as indust rias de bens

de capital: a f errouia. Pais as minas ndo s o necessi tauam de

8.Ver. t ar nbem , Hobsbawm (1977a: 60) .

9.Ver, tarnbem, Mazzucchell i (2004: 12-3) .

lO. "A est rada de f er ro , a rr as tando sua eno rr ne ser pent e e rnplumada de f umaca, a velocidade

d o v en te , a tr av es d e p ai se s e c on ti ne nt es , c om sua s o br as d e c ng en ha ri a, e st ac oe s e p on te s

forrnando urn conjunto de cons trucoes que fazia as piramides do Egito e os aquedutos ro-

manos e ate me smo a Gr an de Mura lh a d a Chi na e rn pa li dc ce rem d e p ro vl nc ia ni sm o, e ra 0

p ro pri o s irn bo lo d o t riu nf o d o h om ern p el a t ec no lo gr a" ( Ho bs bawm , 1 97 7a : 6 1).

1 1. B .Ol iv ei ra ( 20 02 : 1 78 ) o bs erv a, a p ro po sit o, q ue , " [n o] no vo p ad ra o d e a cumul ac ao q ue

sc desenvolvia, as setores produtores de meios de producao iam assumindo a lideranca na

expansao econfimica. 0r ocesso de acumu lacao na met al ur gi a, na mecan ica, na mtner acao

28 29

-----.-~~~"-- ..-.-.- -.--- -._-_ _ .._"-.- ..~.-""- .. --".'~--""'~~"_'

Page 7: Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras

5/9/2018 Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/os-anos-de-chumbo-economia-e-politica-internacional-no-entre-guerras 7/16

Landes (1994: 160) tambem observa que: Em 1830 bauia cerca de algumas dezenas de quil6metros de

ferrouias em todo a mundo ~ consistindo basicarnente na li-

nba Liverpool-Manchester. Par volta de 1840 bauia mais de

7 mil quilometros, par volta de 1850 mats de 3 7 mil. A maio-

r ia de/as foi proje tada numas poucas explosoes de loucura

especulat iua conbecidas como as "coquelucbes ferrouiarias' '

de 1835-37 e especialmente de 1844-47; e a maioria foi cons-

truida em grande par te com capital , f erro, rndquinas e t ecno-

logia bri tdnicos (em 1848, um terco do capita l nas [errouias

francesas era Ingles). (Hobshawm, 1977a; 62.)

o impacto das fe rrovias sabre a industr ia ruio deve ser subesti -

mado. A curto prazo, e las criaram uma demanda de ferro sem

precedentes (as sim como de madei ra , u idro , couro , pedra e OU-

tr as subs tdncias usadas nafabricacdo de vagoes e na const ru-

pia de instalacoes fixas); aiem disso, requereram esses materiais

numa ampla uariedade de formas acabadas, que iam de itens

relat ivamente s imples , como tri lbos e rodas, ate rna/ores e m a -

quinas compiicados, tudo is so dando urn impulso especial aos

ramos da metalurgia e da const rucao mecdnica. Sesomarmos

a i sso 0 efeito geral desse imenso inuestimento sobre a deman-

da de hens de con sume, parece licito dizer que, na decada de

1840, a construcdo deferrooias foi 0mais importante estimulo

isolado ao crescimento industr ial na Europa Ocidental .

Se 0 i rnpacto economico da fer rovia foi dec is ive na Ingla te rra e no mun-

do - seus efeitos dinarnicos foram absolutamente centrals nos processos

de industrlalizacao dos Estados Unidos.Alemanha e F ra n ca - , do ponro de

vis ta tecnologico asinovacoes sub]acentes , ass im como no ciclo texti l, nao

guardaram relacao mais estreita com os avances da ciencia:

A construcao ferroviarla na Inglaterra, pela propria escala de operacoes

requer ida - 0 que a diferenciava dos investimentos t ipicos da industria

texti l - susci tou a transforrnacao da forma de organizacao das empresas"

e 0 apoio do sis tema de credlto, Est irna-se que a rede ferroviaria muridial

quintuplicou nos anos 18401A participacao da Inglaterra no financiamen-

to dessa expansao e na provi sao de equipamentos, insurnos e tecnologia

caracter izam uma hegemonia indus tr ia l e f inance ira que , t endo inicto no

clcio texti l, se aprofundou e se consolidou no cicio ferroviario, Nao apenas

se adensaram as relacoes inter-industriais na IngJaterra, como 0seu siste-

rna f inance iro - sobretudo a traves dos merchant banks - arnpliou suas

operacoes internaclonals, em grande medida financiando a construcao fer-

roviaria POf todo 0mundo."

Doponto de vista tecnologico, as inouaciies do ciclo ferrouiario

ndo sediferenciauam express iuamente daquelas do cido t@Xtil ,

pai s apareciam como simples desdobramentos dos auancos al-

cancados durante a Reuolucdo Indus trial. As inouaci ie s mats

impor tantes , como a propria est rada de fer ro e , apos 1850, 0

naoio a vapor e as novas proeessos defabricacdo do ar;o, sur-

giam como adaptacces OU transformacoes de produtos e pro-

ees sos que nao impli cauam ruptura radical com a tecnologia

da Reuolucdo Indust ria l. Dessa forma, a nova tecnologia, ta l

como a do c ielo t ex ti ], nao exigia conhecimentos c ient ifi cos

para sua gerafao, sendo dominada ep roduzida por bomens

praticos. (8. Oliveira, 2002: 177-8.)

etc. dlnamizava os ramos produtores de rnelos de consumo , que lam s en do re le ga do s a uma

pos tcao subor dmada nas r el acoes l nt er se to ri ai s do apa re lho indus tr ia l' .

12.Marx (1966, I: 531) observa que "nao exlstirlam estradas de ferro se para tanto Iosse

n ec es sa ri o a gua rd ar q ue a a cumu la ca o p erml ti ss e a u ns q ua nt os c ap it al ls ta s l nd rv id ua is s e

lancarem a const rucao de v ia s f er reas . A cen tr al tzacao 0 consegutu em urn abrir c fechar

de o lhos , g racas a s sociedades anonlrnas". Vcr , tarnbem, B.Oliveira (2002:180); Hobsbawm

(1977a:64) e Collins (1991: 23) .

1 3. "Ou tr o imp ort an te g ru po d e i ns ti tu ic oe s d a City de Londres, os ernergentes merchant

banks - dentre os q ua is , o s m ai s c on he cl dos " ram o s Rot hs ch ild s, B ari ng s e B rown , S lu-

pley ~ c~. - dirigirarn seus e sforcos para duas areas principals, ncnhuma das qua is i nc lu ia

a industria local. Como lJm grupo, essas institulcoes estavam fortemente envolvidas no

pr ov im en to d o c re di to J nte rn ac io na l e d . " in te ll ge nc ta c om erc ia l" , e n a eml ss ao d e t iru lo s

A OFIClNA DO MUNDO E AS INDUSTRlALIZAt; ;OES ATRASADAS

o fato i: . que 0 ciclo fer rovlano "comple tou" a Revolucao Indust ri al na

Inglat er ra , A consti tu icao do se re r de meios de producao, como urn des -

de l on go pr az o d e g ov crn os e c omp an hi as de utilldade publica (ferrcvias, por exemplo)"

(Coll ins, 1991: 22·3) .

30 31

.--.-.-- ....-~-----~----~---

 

Page 8: Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras

5/9/2018 Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/os-anos-de-chumbo-economia-e-politica-internacional-no-entre-guerras 8/16

dobramento do ciclo texti l, eonfigurou urn processo his torlco unico, que,

em rneados do seculo XIX, permi ti a identihear a Ingla te rra como a unica

nacao "efet ivarnente industrializada"!" do mundo, 0 pioneirlsmo e a diver-

s ificacao setorial de sua industria, a subordinacao dos inreresses agrarios,

a quebra das resis tencias mcrcantil is tas, a dimensao internacional de suas

finanras, a extensao de seu imperio formal e a suprernacia de sua mari-

nha torna ram a Inglat er ra uma nacao sem rival s. Suaeconomia , ao mesmo

tempo, era urn motor dlnamico cujos efeitos se difundiam por todos os

continentes , Na verdade, a econornia bri tanica passou a prop agar est irnu-

los que vlrlarn ser captados (de modo difcrenciado) pelos dis tintos paises,

.Aforca desses estirnulos tornou-se irresistivel, 0 que redundou na difusao

do capital ismo em ambito mundial,

E importante que se detalhem alguns aspec tos. 0 primeiro diz respei to a

uma caracterist ica central da propria estrutura produtiva lnglesa. Se e ver-

dade que a setor de rne ios de producao havia se consolidado e as sumido a

l ideranca do proces so de acumulacao, nao se conf iguravam ainda - desde

uma perspectiva mais ampla - barreiras tecnologicas e financeiras intrans-

poniveis, que impedissem 0acesso de novos produtores ao mercado.Isso

e:xplica nao apenas a perrnanencla das formes tradicionais de organizacao

da l1rodu<,;aona Inglaterra (empresas familiares financiadas pelo reinvesti-

mento dos lucros corren tes) como a possibilidade de que os avances da

industrializacao inglesa fossem reproduzidos nos paises atrasados."

A simplicidade tccnologica,a prevaleneia de formas tradicionais de orgarii-

zao:;aoernpresarial e 0financiamento da expansao a partir dos lueros corren-

tes.por outro Jado,e:xplicam a permanencia de uma caracteristica ja mencio-

nada na Inglaterra no cicIo texti l, que e a ausencia de relacoes mais estreitas

entre as bancos e a indus tr ia . Os bancos e demais agentes f inance iros, em

sua relacao com a industria bri tanica, continuaram a operar, basicamente,

at raves do credlto comerc ial de cur to prazo, Se esse padrao de relaciona-

rnento, de l im lado, atendia aos requlsi tos de financiamento da industria, de

outre, cristalizava as formas tradicionais de organizacao empresarial. A City,

1 4. " Em 18 48 , s or ne nte u rn a e co nomi a e sta va e fe ti va rn en te i nd us trm li za da - a mgl es a - e

consequenternente dominava 0mundo" (Hobsbawm, 1977a : 187 ).

15. B .O l ivei ra ( 2002 : 178 -9 ). Ern r eJa. ;: lo 11d lf us io do pad rao indus tr ia l i ng le s nos paf se s

a tr asados (Es tados Untdos.Al emanha e P ranca, em urn p rime ir o momen to ), a ss inal e- se , par

ora, que "e e st a d irn en sa o d o c ap lt al ismo c onc ur re nc ta l - a i rn po ss ib il id ad c d o c ont rol e

rn on op ol ic o da t ec nol og ia - q ue e xp li ca , em u lt lma i ns ta nc ia , p ar q ue o s pa is es a tra sa do s

puder ar n c ri ar uma est ru tu ra p rodu ti va tecnologlcamenre sernelhante aquela da Inglaterra"

(B. Oliveira, 2002: 221).

32

assirn.derivou sua forca e sua intluencia nso da s relacoes que estabcleceu in-

ternamente com a industria, mas de sell carater internacional e das rnultiplas

operacoes financeiras que veio estabelecer em escala mundial.

Qualquer que fos se a natureza da tecnologla, a forma de organizacao das

empresas ou 0perfi l das relacoes entre bancos e industria, a Inglaterra, em

meados do seculo XIX,e ra a"ofi cina do mundo", 0 per iodo 1848-75 e de-

nominado por Hobsbawm como a Era do Capi ta l. Trata-se , em verdade , de

urn periodo de crescimento excepcional e de difusao mundial do capital is-

rna, com destaque para as industrializacoes atrasadas dos Estados Unldos,

da Alemanha e da Franca. Trata-se do per iodo em que 0 lrvre-cambismo

cstabeleceu novos padroes de cornplementaridade entre as interesses do-

mmantes na Ingla ter ra e a res to do mundo. A forma assumida pelo relacio-

narnento entre a Inglaterra e os dis tlntos paises dependeu, naturalmente,

das condicoes economicas, socials e polit icas prevalecentes em cada caso:

nos pais es com avancado grau de mercanti li zacao e difusao da producao

rnanufatureira ou fabril ( EOA e Europa Ocidental), a industrializacao ingle-

sa pode ser mirnetizada.nos=dominlos brancos" (Canada.Austral ia e Nova

Zelandia), os emigrantes europeus estruturaram econornias exportadoras

com base no rraba lho as sa lar iado; na Amer ica La tina, a ruptura do pac ta

colonial permitiu certos avances nos circuitos rnercantis internes e alguns

progresses na area da Infraestrutura, mas nao fol suficiente pam cmancipa-

- Ia da condlcao de expor tadora (escravist a, a inda , como no caso do Brasi l)

de produtos primaries ; em alguns paises da Atrica e da Asia,por t im, a Ingla-

t er ra nao hes itou em usar a forca das a rmas para impor as seus des ignios.

Dessa forma, "ampliava-se 0 campo da concorrencia em ambi to mundia l,

e 0 li vre I luxo de mercadori as, de capi tal e de forca de t raba lho ligava os

cinco continentes , numa arriculacao na qual a capital ismo Ingles assumia

poslcao hegemonica" (8. Oliveira, 2002: 192)"

Na perspect iva dos interes ses indust ri ai s dorninantes na Ingla te rra, 0

livre-cambismo objetivava a importacao de alimentos e materias-primas a bai-

xos preC;os e a abertura de mercados externos para a industria. A revogacao

das Corn Lawsem 1846 eo marco que representa a subordinacao definit iva

dos intcresses agrarios as necessidades do capital industrial. Uma vez derro-

tado 0 conjunto de interesses que se opunha ao Iivrc-cambisruo, foi possivel

estabelecer l ima art iculacao vitoriosa que incluia, alem dos industriais , os

baneos e as seguradoras, 0 capital comercial e a marinha mercante. 1< ,

16. B,Oliveira (2002: IB2.Q).

33

 

Page 9: Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras

5/9/2018 Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/os-anos-de-chumbo-economia-e-politica-internacional-no-entre-guerras 9/16

Em relacao ao s Estados Unido s e a Europa, a adesao ao Iivre-cambis-

mo nao apenas e ra convenlente aos expor tadores de produtos primaries,

como benef ica aos in teres ses indus tr ia ls e rnergentes . A impor tacao de

meios de producao e de capitais da Inglaterra, no rnomento em que a

cicio ferroviario se propagava nesses paises.significava a possibi lidade de

captar internamente 0 dinamismo da economia inglesa e avancar rumo amdustrializacao."

Se e verdade que 0 futuro da economia americana so se ri a dec id ido com

o f inal da Guerra de Secessao, e que a unif icacao de Bismarck foi dec isi -

v a para a hegemonia alcrna na Europa Continental a partir da decada de

1870, e essencial ass inalar que, previamente a esses eventos , 0 processo

de Industrializacao ji tomava corpo nesses paises (assim como na Franca).

As descontinuidades tecnicas e , sobretudo, f inance iras puderarn se r su-

peradas atraves da ac;:aodo Estado, da adequacao das formas de organiza-

C ; : 1 0 das empresas e dos bancos e da propr ia a rt iculacao com a Ingla te rra,

Doponto de vis ta t ecnologico, como ja observado, as inovacoes do c ic lo

fer roviar io e ra rn ass imilavei s, posto que incorporadas e difundidas por

trabalhadores especialtzados (rnuitos deles ingleses, que emigravam para

o continente OU para os EUA).Os requisi tes financeiros - inegavelmentesuper iores aos vigentes no c ic lo textil - impli cavarn a neces sidade de urn

g rau de centralizacao de capital monetarlo, que pode ser atendido pelo

Estado, pela adocao das sociedades anonimas, pela a tuacao dos bancos de

investimento e pelo proprio financiamento externo da Inglaterra.A oferta

de rncios de producao (rnaqu inas, equ ipamen to e insumos) , por lim, fo i

completada pelas exportacoes inglesas, 0 livre-carnblo, no contexte do

capitalismo concorrencial, perrnitlu, assim, que a industrializacao avancas-

se nos paises atrasados."

Em relacao a s industrializacoes atrasadas, hi urn aspec to essenc ia l a ser

destacado. 19 Nesses paises, a implantacao da industria textil, em tnicios do

seculo XIX,nao foi suficiente para precipi tar 0 processo de industrializa-

C;ao.A concorrencia inglesa nos mercados externos e 0 reduz ido grau de

mcrcantll lzacao das economias impediam a general lzacao da producao fa-bnl e 0 aprofundamento das relacoes capitalistas.As fabrlcas texteis repre-

sentavam, a i, i l has em urn meio heterogeneo: conviviarn com a producao

artesanal , com mercados locals e relacoes autarquicas , fenomenos associa-

17. Idem: 187·8

IS. Idem: 222·31; 235,

19. Idem: 216-2L

34

dos a extensao dos terri torios c a s proprias Iimitacoes do sis tema de trans-

portes. Nao havia, em outras palavras, urn mercado nacional unificado.

Foi a ferrovia que revolucionou a vida economica desses paises: abrindo

e integrando mercados, alcancando regioes ate entao isoladas, reduzindo

os cus tos de transporte, perrnitindo 0 deslocamento de t raba lhadores e es -

tabelecendo relacoes interindustriais avancadas (demanda de ferro, carvao,

maquinas), a ferrovia alterou radicalmente a facies econ6mica dos Estados

Unidos, da Alcmanha e da Pranca."

Se e verdade que a ferrovia, em si e por si, nao explica 0 processo de

[ndust ri al izacao. nao ha duvida de que os pai ses de capit al ismo a trasado

puderam e souberam captar internarnente os efeitos dinamicos da constru-

cao ferroviaria." E,aqui , a art iculacao com a Inglaterra foi decls iva: impor-

t ando maquinas inglesas - que "logo puderam ser fabri cadas nos Estados

Unidos,na Franca e naAlemanhav" -, apropriando-se dos conhecimentos

tecnicos pela Imigracao de trabaIhadores especializados ingleses, contando

com 0 financiamento extcrno ingles e cornplementando a oferta dorncst ica

de insumos e equipamentos com importacoes inglesas, os paises atrasados

conseguiram progres stvarnente es tabe lecer urn padrao produtivo seme-

lhante ao da Inglaterra. Esse catching up representou, na verdade, urn sal to:

enquanto a industrializacao inglesa processou-se, sem descontinuidades, do

setor de bens de consume ( texti l) para 0 setor de meios de produdo, nas

industrializacoes atrasadas , a implantacao cia setor de meios de producao

representou urna rnudanca qualitatrva vis-a-vis a es trutura econ6mica pre -

existente. E essa rnudanca s o setornou possivel porque, para alem das espe-

c if ic idades nacionais , a t ecnologia de ponta e ra pass ive] de apropr iacao e a

l ivre c irculacao de mercador ias, de capit al e de t raba lhadores - vale dizer ,

o l ivre-cambisrno - antes favoreciarn do que inibiam a industrlalizacao:

Na Inglaterra, 0 desentoluimento do capitalismo processou-se

sem saltos, ja que 0proprio padrdo deacumulacdo do c iclo t ex -

t il gemva as condici ies para a ciclo ferrouiario. (_,.) [I'or Dutro

ladol, os paises atrasados, ao se industr ializarem, estavam rea-lizando urn oerdadeiro salto, dada s as descontinuidades que

se apresentaoam entre suas estruiuras econtimicas e as exigen-

etas doprocesso de industrializacdo. (8. Oliveira, 2002: 220.)

20 Idem: 217·8.

21.ldem: 219.

22.ldem: 221.

35

 

Page 10: Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras

5/9/2018 Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/os-anos-de-chumbo-economia-e-politica-internacional-no-entre-guerras 10/16

J a na.Amerlca Larina.nos" dominios brancos" ,na Asiae Africa, aarticulacao

com a lng laterra - sob a eglde do livrccf tr nbio - r edundou na fo rmacao

latu sensu de uma periferia "funcional" ,23 produtora de materias-primas,

alimentos e fronteira de expansao dos bancos e tntermediartos financeiros

ingleses. Os impactos dessa articulacao.como ja observado, foram, tambern

ai, dis tintos: naAmcrica Latina, as transforrnacoes sociais e economicas nao

foram radicals, excecao fei ta it lmplantacao da inf raes trutura de apoio a s

exportacoes (ferrovias, basicamente) financiadas por capitais ingleses; nos

"dominies buncos", 0 vazio econornico e demogcifico foi ocupado por

emigrantes europeus e capitals ingleses que consritufram urn importante

nucleo cxportador, e na Asia e Africa a prevalencia dos interesses ingleses

em mui tos casos redundou na des truicao de est ru turas milenares. Ass im,

ao mesmo tempo que a Pax Br itannica " impulsionou as lndust ria li zacoes

retardatarias no continente europeu e na Nova lnglaterra", ela "consti tuiu

a nova periferia e destrulu os sis temas produtivos dos imperios milenares"

(Tavares & Belluzzo, 2004: 113).24

A expansao rnundia l do capit ali smo sob a I ideranca inglesa a te a Grande

Depressao redundou, des ta rt e, em urn processo ass imet ri co , no qua l ape-

nas algumas nacoes se industrlallzavam e cornecavarn a alcancar 0 patamar

produtivo da Ingla te rra.A forca des sa expansao foi inegave l: entre 1850 e

1870,"a producao mundial de carvao mul tipl icou-se por duas vezes e mcia

[el a producao de fer ro multlplicou -se par quatr o vezes.A forca to tal de

vapor , porem, mul tipl icou-se par qua tro vezes e meia ( . .. ) " (Hobsbawm,

1977b: 59). 0 comercio international se expandiu de modo Impressionan-

te: "no decorrer da decada de 1870, uma quantidade anual de cerea de

88 milhoes de toneladas de mercadorias foi tro cada entre as nacoes mats

impo rtantes, compar adas com os 20 milh6es de 1840".25 Em 1840 havia

4.500 rnilh as de f errov ias em todo a mundo; em 1870, ji eram 128.200

milhas." Segundo Hobsbawm,o mundo, em 1875, e ra "rnai s conhecido do

que nunca fo ra antes. ( ... ) Po rem, mais impo rtante que 0mero conheci-

men to, as mais r emor as partes do mundo estavam agora cornecando a ser

inter ligadas por meios de cornunicacao que nao t lnharn precedentes pela

23. BeHllZZO(1999: 92).

24.Ver, tambem, B.Oliveira (2002: 191-2).

25. Hobsbawm (I977b: 69) . A expansao do comercto Interna ctonat aba rcou a "pcr if er ia fun-

c iona l" :"Em 35 anos [1840·751,0 valor das t roca s ent re a rna is indus tr ia li zada das e conomias

[ Inglater ra ] e a s r egioe s mais a tr as adas ou remoras do rnundo havia se mul tipl ic ado por sei s" ,

Idem,ibidem.

26. Idem: 73.

36

· : r g ~ ; ~ " , · · · · · ·. ~ 1 ?

..~

regularidade, pela capacidade de transportar vastas quantidades de merca-

dor ias e nurnero de pes soas e , acima de tudo, pela veloc idade: a est rada de

fer ro ,o barco a vapor , 0 telegrafo. c . . . ) [Os] tr ilhos,o vapo r e 0 telegrafo

praticamente enlacavarn ° globo," 27

A"oficina do rnundo" difundiu as rel acoes captt al ist as por todo 0mun-

do e, com clas, suas contradicoes: em pouco tempo a industria inglesa

seria superada pe1a industria americana c alerna, as rivalidades interna-

c iona is comecar ia rn a se tornar i rreversive is , ao mesmo tempo que var ies

pai ses, regi6es e populacoes (Amer ica Lat ina, Afr ica e Asia ) perrnanece-

riarn passivos - ou vitimas! - em face da expansao in ternacional. Desse

modo, a ordem internaclonal proposta e lide rada pela Ingla te rra ao longo

do seculo XIX produziu urn resultado extremamente importante. Dado

que "a relacao mantida pelas nacoes em sua parttcipacao no mercado

mundial nao era uni forme"," a lguns pai ses t iveram condicao de capta r 0

dinamismo da economia inglesa, enquanto outros permaneceram irreme-

diavelmente defasados e subordinados, Os primeiros , ao se expandirem,

alcancararn padroes tecnologicos, organizacionais e instltucionais mais

elevados, 0que, ao final, terminou por solapar as bases da propr ia ordem

comandada pela Inglaterra.

Exi st e urn!ult imo aspec to a ser destacado. 0dinarnismo industrial da

Ingla te rra determinava crescentes impor tacoes de a limentos e mater ia s-

-primas que redundavam, rnesrno frente a expansao das exportacoes, em

def ic its recor rentes de sua balanca comercia l. As transacoes cor rentes

inglesas e ram, contudo, superavi tar ia s, dado 0peso dos juro s, 1uer os,

Irctcs e seguros apropriados pela Ingla te rra no exter ior. Esse superavit,

por sua vez, propiciava a exportacao de capitals, reforcando a posicao

hegernonica das f inancas brl tanicas (Ci ty ) nos c ircuitos f inance iros in-

temacionals."

Quando, em rne io a Grande Depressao, 0 poder io indus tr ia l da Ingla -

ter ra veio a ser suplan tado peJas pu jantes economias rivais dos Estado s

Unidos eAlernanha, tornou-se cada vez mais nit ida a dependencia da eco-

nomia inglesa das operacoes internacionais da City, dos services cia rna-

rinha mercante e das relacoes com 0 imper io formal (dest acadamente a

India) e informal.

27. Idem: 71; 77.

28. B.Oliveira (2002: 199).

29.ldem: 192-5.

37

 

Page 11: Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras

5/9/2018 Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/os-anos-de-chumbo-economia-e-politica-internacional-no-entre-guerras 11/16

A GRANDE DEPRESSAO E A II REVOLUyAo INDUSTRIAL

A Grande Depres sao (1873-96) representa urn ponto de inf lexao na traj e-

tor ia do capit al ismo no seculo XIX. Ela rna rca a t rans icao do caplt al ismo

concorrencial ao capitalismo rnonopolisra. Marca, rambern, 0momento em

que a"oficina do rnundo" se torna progressivarnente obsoleta, com a indus-

t ri a inglesa perdendo urna lide ranca a te entao Inquest ionave l. No f inal da

Grande Depressao, a econotnia e a polit ica mundiais haviarn sofrido trans-

formacoes radical s: a eufori a e femera da Bel le Epoque apenas disfarcou a

exacerbacao das rival idades que iriarn desaguar na carnificina de 1914-18.

Talvez a pri rneira questao a ser respondida se ja: Por que a Depres sao nao

foi Grande? Hobsbawm (1988: 58-9) chama a atencao para esse ponto:

(Entre] 1873 e meados dos anos 1890 , a producdo mundial,

longe de estagnar, continuou a aumentar acentuadamente. En-

tre 1870 e 1890, aproducao deferro dos cinco principa ispaises

produtores mais do que duplicou (de 11para 23milh6es de 10-

neladas), aproducdo de aro, que agora passa a ser 0 indicador

adequado do conjunto da industr talizacdo, muliipl icou-se por

uin te (de 500 mil para 11 milboes de toneladas). 0 crescimen-

to do comercio internacional continuou a ser impress ionante

(..J Poi exatamente nes sas decadas que as economias indus -

triais americana ea/emil aoancaram apassos agigantados (. . .) .

Muitos dos paises ultramarinos recentemente integrados i t eco-

nomia mundial conheceram urn surto de desenpoluimento mats

intenso que nunca (. . .) 0 investimento estrangeiro na Ameri-

ca Latina atingiu niieis assombrosos nos anos 1880, quando a

extensdo da rede ferrouiaria argentina fo; quintuplicada. Sera

que urnperiodo com urn aumento tao espetacular da producdo

podia ser descrito como uma "Grande Depressdo "?

A Grande Depressao, na verdade, foi a Grande Dcflacao: "em urn seculoglobalmente deflacionario, nenhum periodo foi mais drast icamente defla-

donatio que 1873-96, quando 0 nivel de precos britanico caiu em 40%"

(Hobsbawm, 1988: 61). Nesse periodo, a agricultura foi particularrnente

penalizada: 0 prq:o dos produtos agr icolas despencou. Em 1894 0 preco

do trigo era cerca de do i s tercos inferior ao reg istrado em 1867 (Hobs-

bawm, 1988: 60). Naobservacao de B. Oliveira (2002: 242),"a celere constru-

38

c;:aoferroviaria do terceiro quartel do seculo XIX e a extensa incorporacao

de novas areas it producao resultaram em substancial aurnento da oferta de

produtos agricolas, e 0periodo da Grande Depressao vai caracterizar-se por

persis tentes quedas de precos dos produtos primar los" ." No que se refe re

a Europa, 0 colapso dos precos trouxe series problemas para os trabalhado-

res agricolas , que em inurneros paises ainda representavam a maioria esma-

gadora da forca de trabalho masculina (apenas na 1nglaterra sua particlpa-

< ; 1 0 era reduzida).Foi a partir dai que sedeu.nos anos 1880, a enorrne fluxo

das migracoes ultramarinas: paises como Italia, Espanha e Austria-Hungria,

entre outros, assistiram a ernigracao em massa de trabalhadores rurais. Vi-

t lrnados pela angii st ia e pela impotenc ia em face da contracao de precos

e confrontados com 0esgorarnento das perspec tivas em suas nacoes de

origem, a unica alternativa que seapresentou a milhocs de trabalhadores foi

a busca dasor te em tet ras dist antes (Hobsbawm, 1988: 61) .

Hi urn fato, contudo - talvez 0 rnais irnportante -, que nao pode ser

desconside rado: em urn arnbiente def lac ionarlo, a concorrencia ent re os

capitals tende a se torna r mais aguda. Ora, esse e exatamente 0momen-

ta em que a indust ri al izacao dos Estados Unidos e daAle rnanha jii estava

consolidada. Tratando-se de econornias jovens, e preparadas politicamente

(a Guerra de Secessao termina em 1865 e aunif icacao de Bismarck e com-

plet ada em 1871) , pronramente trat aram de se organizar em te rmos mais

avancados que a Ingla tc rra. Assim, sob a acicate da concorrencia - magni -

ficada pela deflacao - as econornias de industrializacao recente inovaram

em termos tecnologicos, financeiros e organizacionais , desenvolveram po-

l it icas protecionis tas e se lancaram a conquis ta de novas areas de influen-

cia. A Inglaterra nao restava senao 0 estreitamento (e a defesa) de suas

relacoes com 0 imperio formal e informal, 0 que redundava - sobretudo

at raves da expor tacao de capit al s - em es timulos dinamicos ao comercio

internacional . Deflacao, intensificacao da concorrencia Internacional e ex-

pansao economica mundial parecem, assim, se combinar:

Arr ighi aponta corretamente para a intensificacao da con cor-rencia - entre oss is temas empresa riaisef inanceiros da indus-

trtaiizacao originaria e aqueles recem-const ituidos sob a jor-

ma monopolista - como 0ja tor capaz de expl icar a aparente

30. Os pai se s p rimari o- expo rt ador cs , de out ra par te .f or am con temp lndos pelo f or te f luxo de

e xp or ta ca o d e capitais dos paiscs mdusmallzados.

39

 

Page 12: Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras

5/9/2018 Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/os-anos-de-chumbo-economia-e-politica-internacional-no-entre-guerras 12/16

coruradicdo, apontada por alguns estudiosos, entre a defla-

faa prolongada de precos e a rdpida acumuladio de capital

(Belluzzo, 1999: 92.)

As transformaC;5es obse rvadas no ult imo quart el do seculo XIX foram

multiplas e conexas:• Gestacao dos e lementos que i rao conformar a I I Revolucao Indus tr ial :

aco , motor a combustao interna , quimlca f ina e e le tr lc idade, com a incor -

poracao da ciencia aos processos de producao:

•Aumento das esca las de producao, com a consequente central izacao do

capit al produtivo e a controle dos mereados por grandes empresas;

• Concentracao do sis tema bancario;"

• Difu sao das sociedades an6nimas como forma de organlzacao das em-

presas;

• Est rc it amento das rel acoes ent re bancos e indus tr ia a traves do credi to de

capit al (Alernanha) e da fusao de interes ses ent re os neg6c ios bancarios e

industrials (EUA);)2

• Convergenc la expli ci ta entre eeonomia e poll ti ca a traves da acao do Es-

tado na imposicao de tarifas proteclonis tas," na promocao dos negoctos>'e na corrlda imperialista.

Convem esc1areeer que arnaior parte dessas transformacoes nao se apre-

sentou de modo subito. Nao foi de um momento a outro que a livre eon-

cor renc ia se transf igurou em monop6l io , que 0 novo padrao teenoI6gico

31. A$ fusees bancartas foram particularrnente intensa s na Inglaterra: "As fusees entre as

bancos des ra ca ram-se por sua drama tlca dimensao. HOl lY"urna suces sao de 'ondas ' de fusee s,

sobr et udo no f in al dos 1880 e t ni ci o dos I 890 ,com um t ot al d e 67 fu sees en tr e 1888 e 1894'

(Coll ins, 1991: 29-30). Nes te proce sso, tornou- se incontr as tave l a prcponderancia dos Big

Fi",,: Barclays, Lloyds, Midland National Provincial e Westminster.

32. "Enquanto naAlemanha a e st re ir a r ela¢ .io ent re bancos e indus tr ia ja estava estabeleckla

mesmo antes da cartelizacao da econornia , nos Estados Unidos 0 amdlgama entre neg6cios

bancarios e indtrstriais den-se dcpois de 1870. Magnatas d indust ria e d est rada de fer ro

rornavam-se tambem banqueiros, e banquei ros pas sava rn a controlar a s indri st ri as " (E. O li -

veira, 2002: 238).

3 3. " [0 ] p ro te ci on isr no C .. ) e a e conomi a oper ando COm a a juda d. polirica" (Hobsbawm,1988:102).

34. Referlndo-se aos Estados Unidos.Tavares & Belluzzo (21)04: 115) observam: "Aporosldade

clopoder politico aos Interesses privados deu origem a urn Estado plutocratico na medida

em que nao so o s g rupo s economi co s rn al s podero so s s e d esenvo lv eram 11ua somb ra e sob

sc u pat ro cf nl o, ma s r ambcm s e val er am da permi ss iv td ad e das i ns tt ru ico es l ib er al s. ( .. . ) 0

e sc rl tor Kevin Phi ll ips ( . .. ) sugere que , desde a Gue rr a Civil , e ss a pre ca riedade Ins rt tucional

sustentou 0 avanco das suces sfva s geracoe s de 'ba rc es ladr5es ' que t rans forrna ram a econo-

mia e cornandararn a politica americana".

40

se implantou ou que as formas mais avancadas de organizacao da ernpresa

capitalista se cristalizaram. Asnovas caractcristlcas estruturais do capitalis-

rno configuraram umprocesso, que apenas teve inic lo ao longo da Grande

Depr essao.:E tao somente na au rora do seculo XX que seus conto rnos se

tornarao mais nitidos, A Grande Depressao foi, como ja sublinhado, uma

lasedetransicao,

onde os e lementos da e tapa concorrencial e monopol i-

ca ainda conviviarn e se erurelacavam:

Apesar do s avances noprocesso de centraiizacdo de capitals, os

monopolies ainda ndo eram generalizados e as empresas indi-

uiduais tipicas do capualismo concorrencial ainda dominauam

a estrutura ecoruimica. Par outro lado, tambem ° novo padrdotecnologico ainda nao era dorn inante, com a excecdo do ar, ;u,

cuja producao supera a doferro noperiodo. Assim, os ramos da

produaio baseados na antiga tecnologia dominauam a econo-

mia no momenta em que estauam ainda em gestadio ossetores

ligados ao novo padrdo tecnico. (B. Oliveira, 2002: 238.)lS

As t rans formacoes, contudo, avancavarn. Nos Estados Unidos e na Ale-rnanha, os mercados (sobretudo nas industrias de aco, petroleo e quimiea)

i arn sendo dominados por grandes empresas - 0que provocava reacces,

como a legis lacao ant it rust e nos EUA3<I, os baneos par ti cipavam ativa -

mente na estr uturacao e na conducao dos negocios, e as tnovacoes eram

progressivamente disseminadas no aparato produtivo, A central izacao do

capital , nesses paises, foi se impondo de modo inexoravel.A Inglaterra nao

acornpanhou esse processo: seu s ist ema bancar io nunca teve um envolvi -

menta mais profundo com a industria, e esta - em razoes dos vultosos

investimentos preteri tes (1850-70) - nao apenas rcvelava elevadosniveis

de imobi lizacao, como exibia formas de organlzacao a inda t radicionai s.

Enquanto o s banco s ing leses se eoncentr avam e, mais do que nunca, se

voltavam para 0 financiamento de operacocs internacionais, a industria

bri tanica perrnanecia refem de sua estrutura concorrencial :

35.Ver, tambem.B. Oliveira (2002: 236), Hohsbawrn (1977b:64) e Hobsbawm (1988: 75·76; 81)

36. 0 Sherman Act, que d:i inicio a l eg is la ., lio ant it rust . nos EUA, e de 1890. Tavares &

Bel luzzo (2004: 116) observa rn que "os cha rnados movimentos ' popull st as ' f or am tenta tiva s

- e femeras e recor ren tes - de in te rrornper (}processo de fusao entre os grandes negocios

e 0 Es ta do . A E ra P rogr es si ve do co rn eco do s ecu lo XX f oi u rn memen to de r eb ehao ' demo -

cratlca ' do. pequenos proprie taries , dos novos profisslonals Iiberats e das rnassas trabalhado-

ras contra 0 poder dos bancos e das grandes corpora coes ". Ver adiante pp. 187-8 .

41

 

Page 13: Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras

5/9/2018 Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/os-anos-de-chumbo-economia-e-politica-internacional-no-entre-guerras 13/16

[Al expli cacdo ult ima para as maiores d if iculdades da econo-

mia inglesa deve ser buscada em sua propria estrutura econo-

mica. 0padrao do s is tema bancario ingles, e spec ia lizado no

f inanciamento do comerc io int ernac ional enos emprest irnos

extern o s, e a au sencia de rela coes d iretas en tre bancos e in -

dustrias bloqueauam a adocdo de formas ma is auancadas de

organizacdo da producdo, (.. .J INa) Inglaterra afirme estrutu-

ra concorrencial implantada retardaua 0surgimento de novas

padriies tecnicos efinancciros.

Na uerdade, pa ra que a economia inglesa pudesse segair os

passos de seus nouos ccncorren tes eta teria que nega r-se a sf

propria: 0 s is tema bancdrio deueria l imitar suas operacoes com

o exterior (...J e transformar-se em financiador direto da in~

dustria. Esta ultima, per seu turno, teria de esteriliza r o s In-

uestimentos ja realizados para que pudesse su rgir a grande

emp r esa o l igop o li ca . (B. Oliveira, 2002: 240-1.)

Sea lngla ter ra progress ivamentc perdia a condicso de "of ic ina do mun-

do',o mesr no nao se pode afirmar de sua coridicao de banqueira do rnun-

do". Entre 1870 e 1890 , a preern lnencta de Londres como cen tr o iinan -

ceiro internaclional era indiscutivcl: quer no financiamento do comercio

internacional , quer nos empresr imos aos pai ses , quer na ges tae do padrao

rnonetar io internac iona l - cuja cuspide e ra 0Banco da lnglaterra - era

Lombard Street que coordenava as financas rnundlais . Mesmo a ernergen-

c ia de Par is e Bedim como centros f inance iros r ivai s, a par ti r de 1890, foi

incapaz de ofuscar a Iideranca inglesa nas financas internactonais."

o economista i ta liano Marce llo De Cecco ( . . .) mos tra que , en-

tre 1870 e 1890, bauia um predominio incont rastado de [on-

dres, como centro de int ermediacao f inance ira . ( . . .)

37."Londres manteve sen monopolfo tradtctonal sobre 0 comercio de ouro (.. .) Quantidades

substanciais de reClIfSOS tornaram-se disponivets para as coldnias e dorninios, os quais erarn

regularmente inves tldos em Londres . ( . . . ) Nas ult ir na s dua s decadas de 110SS0 periodo [l89().

, ]9 14 ], L ondre s rn an te ve a supr ern acl a nos cmp rest imo s i ut ern aci onni s d e cu rt o p raz o, ou

seja, no f inanciarnento do corne rc lo mundial . ( . . . ) Out ros c entr es f innnce lros tarnbem se lan-

caram it ace it ac ao e desconto de notas de corne rc io exter ior (foreign trade bills). Nenhum

lldes, contudo, conseguiu r lval lz ar com Londres em 1914. Londres tamoe rn per rnaneceu

como 0 principal rnercado para a colocacao de titulos governarncntats do. distintos paises"

(De Cecco, 1974: l04~6).

42

1I

~ .. .

A l ideranca do si st ema f inance iro Ingles estaua assentada no

grande desenuoluimento dos bancos de depos ito, 0 que havia

permit ido a Londres assegurar-se dof inanciamento do comer -

c io de todo 0 mundo. Segundo De Cecco, a Inglaterra possuia,

entdo, todos os requisi tes para 0 exerc ic io desta funcao de 'Ji-

nanciadora do mundo". a moeda nacional, a libra era re-

putada a mats salida entre todas e, por isso, mantinba uma

sobranceira l ideranca enquanto intermediaria nas transacoes

mercanti s e como inst rumento de denominaciio e t iquidacdo

de contratos financeiros. 0 rapido crescimenio e a impress io-

nante concent racdo dos bancos de deposi to colocaoam a dis-

posicao esta materia-prima para 0 desconto de cambiais ernit i-

das em udrios paises. (Belluzzo, 1999: 93.)

Ao mesrno tempo que progressivamente perdia a suprernacia industrial

no rnundo , a Inglater ra estreitava os lacos com seu Imenso imper io co-

lonial - particularrnen te com a Ind ia, "brightest j ewel in the imperial

c rown" - , rnercado cativo para 0 qual se destinava a maior parte das ex-

por tacoes bri tanlcas. Era a traves do superavi t obt ido nas t ransacoes com

o imper io que a Inglaterra financiava suas tmporlacoes de alimento s e

materias-primas e compensava as perdas sofridas no mercado mundial .

A perda da pos tcao compe tu tua da Ingla te rra nos mere ados da

maier parte das nacces independentes contrasta com a posicao

de total supremacta mantida no comercio com 0 imperio, onde a

Inglaterra mantinba a monopolio vir tual de exportacdo. Manter

essaposi cdo tornou-se uma ques tdo de v ita l importdncia ( . . ).

Embora a Inglaterra fosse progressiuamente excluida dos mer-

cados europeus e latino-americanos peia Alemanba e pelos

Estados Unidos, eta conseguiu criar 0 excedente de exporta-

foes necessaria ao ajustamento de suas transacoes comerciais

ext ernas atraues do monopol io dos mercados imper ia is, onde

seus produtores podiam descarregar as hens que tinbam. difi -

cu ldade de tender em out ros pai ses.

A solucao da equacdo do balanco de pagamentos da Ingla-

t erra, como uimos, fo: encorurada pela cnacao e manutencdo

43

 

Page 14: Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras

5/9/2018 Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/os-anos-de-chumbo-economia-e-politica-internacional-no-entre-guerras 14/16

do superduit comercial com a Imper io , princ ipaimente com a

india. (De Cecco, 1974: 28; 34-5; 3 7 _ ) 3 1 l

Desse modo, se a industria bri tanica (sohretudo nas novas tecnologias)

perdla terrene para os concorrentes, 0 papel crucial da City nas relacoes

financetras internacionais, a importancla economica do imperio e a supre-

rnacia de sua marinha mercante, ainda faziam da Ing!aterra uma nacao sin-

gula rmenre for te . Pode-se a fi rmar que os fundamentos produtivos de sua

hegemonia es tavarn sendo erodidos , mas nao se pode afirmar que es ta ja

pertencesse ao passado. A Inglaterra ainda era 0 centro do mundo.

[OJpluralismo crescente da economia mundial Ibasicamente, a

emergencia de novas nacoes industrializadas] ficou, ate certo

ponto, oculto par sua persistente e, na verdade, crescente depen-

dencia dos seruicosf inanceiros , comerciais e dafreta mercante

da Grd-Bre tanba. Par um lado, a Cit yde Londres era , mais que

nunca, a centro de operacoes das transacoes comerciais inter-

nacionais ( . .) . Por outro iado, a enorme peso dos inuestirnentos

britdn icos no exterior e de sua f ro ta mercante re forcou amda

mais aposi cdo cent ra l dopais, numa economia mundia i que gf-

raoa em torno deLondre.se sebaseaua na libra ester iina. ( . .J Na

verdade, aposir;iio central da Grd-Bretanba par ora estaua sen-

do reforcada pelo proprio desenooitnmento do pluralismo mun-

dial. ( . . )Assim, 0 relatiuo declinio industrial britanico reforcou

suaposicdofinanceira esua riqueza. (Hobsbawn, 1988: 80-1.)

As R NA LID AD ES IN TE RN AC IO NA lS E A E CL OS AO D A G UE RR A

Asccnsideracoes anteriores apontarn para urn desfecho incvitavel: 0 agra-

vamento das rivalidades internacionais. Enquanto os Esrados Unidos e a

Alemanha progressivarnente tomavam a dianteira na producao industrial,

3 8. Hob sbawr n ( 198 8: Il l) o bs erv a q ue , " pa ra a c co nom la b rua ni ca , p re se rva r 0mat s pas-

s iv el s eu a ce ss o pr iv ll eg ia do a o mun do na o e uro pe u e ra , po rta nt o, u rn a q ue st ao de vi da al

mo rt e. N o f in al do s ec ul o X IX, 0s uc es so o bti do n es se te rre ne fo i n oni ve l e st end en do i uc i-

dcn ra lmen te a a rea conrrolada oficial ou erenvarnenre pel . monarquia hrltauica a l im quarto

da supcrficle do globe (. . . ) .Se lncluirnios 0 asslm chamado 'imperio informal' de Estados

I ndependent es que na vcr dade c ram econo rn ia s satelites da Gra -Bre tanha, t al vez u rn t er ce do

planet. fosse brHaniCD em sentido econornlco e.na verdade.cul tural" .

44

. , ., _ _; .c ~; ,,~: ,j .' -t ·F i 1' - · fm~<ii I! .: , . .;" p ·~T_ - - _ .L__

e outros pai ses se Indus tr ia lfzavarn , a Ingla ter ra mantinha a hegemonia

mundia l pela forca de suas f inancas, de seu imperio e de sua rnarinha, 0

protecionismo e a busca de areas de inf luencia, que resul tou na corr ida

coIoniai ist a da virada do seculo , indicavarn que a econornia e a poI it ica se

entrela!,=avam de modo mextrincavet:

[OJcapita ti smo mundia l nesse per iodo [anos 1880) foi c lara-

mente d if erente do queJora nos anos 1860. Agora , e le consi s-

tia numa pluralidade de "economias nacionais" r ioais, "prote-

gendo-se" umas das out ras. Em suma, apoli ti ca e a economia

nao podem. ser separadas na sociedade capital is ta, ass im como

a religido e a sociedade ndo podem ser isoladas nas regiiies

isldmicas. (Hobsbawm, 1988: 104.)39

A"guer ra de todos contra todos" era urn fen6meno vivo, perceptive ! na

escalada protecionista e no avanco sobre as areas petifericas. Em meio

ao boom posterior a Grande Depressao, 0 avanco sobre a Africa e a Asia

foi avassalador:

Entre 1876 e 1915, cerca de um quarto da superficie conti-

nenta l do globo Joi d ist ribu ido ou redist ribuido como colonia

ent re me ia dii zia de Estados. A Grd-Bre tanha aumentou seus

t erri tori es em cerca de dez mi lboes de qui lome tros quadra-

dos, a Franca em cerca de nove, a Alemanba conquistou mais

de dois milboes e meio, a Belgica e a Itaiia pouco men os que

es sa extensao cada uma, Os EUA conquis taram cerca de 250

mil , principalmente da Espanba, 0 Japao algo em torno da

mesma quantidade its custas da China , da RUssia e da Core ia .

(Hobsbawm, 1988: 91.)'0

De sua parte, a instabilidade polit ic a no coracao ciaEuropa era crescente.

Desde a Guerra Franco-Prussiana (1870-71) e da formacao do Imperio Ger-

39 :0 mund o de se nv ol vid o n ao e rn s o uma mas sa d e ' ec on omi as n ac io na is '. A l nd us tr ia li za -

<;";;0 c aD e pre ss ao tr an sfo rrn ar arn -n as num g ru po de e con orr ua s rl va is , em q ue o s ga nh os d e

l ima p are ci am ame ac ar a p os ic ao de o ut ra s. A c onc or re nc ia s c da va n ao 5 6 e nt re empr es as ,

mas t ar nbem enr re nacoes C . •. ) 0 p ro tecl on ismo exp ressava uma s it uacao de conco rr encl a

econornica internacional" Idem: 68. Ver,r amhem: 84; 114 .

40.Vcr,tambem: 109·] o.

45

 

Page 15: Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras

5/9/2018 Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/os-anos-de-chumbo-economia-e-politica-internacional-no-entre-guerras 15/16

manteo (1871),0 equi libr to de poder na Europa Continental havia se rom-

pido. A derrota mil itar, a perda daAlsacia-Lorena e 0 onus das reparacoes

que lhe foram impostas resultaram no enfraqueeimento polit ico da Pranca.

o fortalecimento da Alemanha, em contrapartlda, tornara-se inquestiona-

vel : amparada pelo apolo do Estado, pelo cnt re lacamento ent re seus ban-

cos e a industria e pela absorcao das inovacoes da II Revolucao Industrial,aAlemanha rapidamente seconverteu na principal forca industrial do con-

t inente europeu. Os avances na producao do carvao e do aco, a l ideranca

nas industrias eletrica, quimica e metahirgica e 0 sal to de sua populacao

(que passou de 41 milh6es em 1870 para 66 milhoes em 1914, enquanto

a populacao f rancesa per rnaneceu estagnada em 39 milhoes) indicavam a

emergencia de uma nova potencia no contexte europeu, 41

No campo diplomatico. as acoes de Bismarck (1871-90) se guiaram pelo

esforco sis tematico na direcao do isolamento polit ico da Franca. Ainda em

1872,Bismarck organizou em Bedim 0 cncontro dos tres imperadores (Ale-

manila, Austria-Hungria e Russia), com 0proposito explici to de neutral izar a

influencia francesa na Europa.As relacoes entre a Austria-Hungria e a Russia,

contudo, e ram tensas , sobretudo em vlr tudc da desagregacao do Imper io

Otomano. Os Balcas, em particular, eram objeto da cobica das duas monar-quias. Em 1877 a Russ ia se lancou it guerra contra a decadente Turquia] e

em 1878 a Austria-Hungria ocupou a Bosnia-Herzegovina. No mesmo ano

~ com 0Tratado de Berlim ~, a Servia conqu istou sua independencia e

logo se acenderam os dese jos de formacao da Grande Servia , inci tando 0

nacionalisrno nos territories sob dorninacao austro-hungara. Face as dificul-

dades em cornpor os interesses da Russia e da Austria-Hungria, Bismarck

finalrnente se inclinou para a ultima, estabelecendo em 1882 aTripliceAlian-

<;:a,om a adesao daItal ia.A Russia, em contrapartida, se aproximou cada vez

rnais da Franca (em 1894 os dois paises estabelecertarn uma alianca defensi-

va), 0 que deu origem ao embr iao dos doi s grandes blocos de Interes ses na

Europa Continental.

4 1.A a li an ca e nt re a a rls ro cr ac ia p ru ss ia na ju nke re a i n du st ria p es ad a. for ja da n o i nt er io r d oEst ado a lemao, r esul tou na f ormacao de u rna est ru tu ra autoc ra tl ca , onde a adocao de f or rnas

s up eri or es d e or ga nl za ca o c ap it al is ta - e , c om e ta s, 0 c re sc imcn ro do p ro le ra ri ado indus-

t ri al , a f ormacao do Par ti do da Soc ia l-Dcmocr aoa ( 187; ), a i nt roducao p ione ir a da l eg ts lacao

social (1881) e os avances n o s is tema e du ca cl on al e n a p es qui sa eecnologlca - convivia

com a for ca dos i nt er csse s agr ar lo s e a p rcva lenc ia de uma e li te r nl lt ta r e pol it ic a de ext racao

abe rt amen te conse rvador a, Ver Kemp (1987 : 78·113), par a quem "a indus tr ia li zacao a le rna

p ro vo u s er c orn pa ti ve l c om a p re se rv ac ao d e u rn" c ia S Se d or ni na nt e a gra na f irr ne rne ru e e s-

t abel ec ida e u rn cst ado d inas ti co de r raco s conse rvador es c militar istas' (1987: 104).

46

l

A fragiliza<;:i iodo Imperio Otomano, ao mesrno tempo, precipi tou a ocu-

pa~ao do canal de Suez pela Ingla te rra em 1882, des locando a influencia

f rancesa no Egi to .A resposta da Franca foi a expansao de sua p resenca

no noroeste da Africa, atraves da ampliacao do domin ic sobr e a Argelia

e aTun isia e da ocupacao do Mar rocos.As relacoes entre a I nglaterra ea

Franca alcancaram urn momento particularmente tenso na Africa em 1898(Fashoda), quando suas tropas estiveram a betra de urn enfrentamento . Foi

somente em 1904 , com a Entente Co rdlale, que as relacoes entre as duas

potenclas se estabil izaram: as influencias respectivas sobre 0 Egito (Ingla-

t er ra ) e 0Marrocos (Franc;:a)foram reconhecidas, e os dois paises firma ram

o compromisso expli cito em nao serem arrast ados para campos opostos

na guerra que eclodiu entre a Russia eo japao no mesmo ana (em 1902 a

Inglaterra havia concluido uma alianca com 0 )apao).

Desde a ascensao de Gui lherme II em 1888, foi se tornando cada vez

rna is viva naAlemanha a ide ia de que 0pai s esta ri a submetido a um cerco

polit ico e diplomatico pela Inglaterra.Franca e Russia. 0 proprio Bismarck,

referindo-se it Africa, jii havia aftrmado que "meu mapa da Africa esta na

Europa. Aqui esta a Russia e aqui esta a Fr anca; nos estamos no meio, Eis

o meu mapa da Afr ica!" (Hert ig , 2005: 6). A viz inhanca do colos so rus so ,em particular, com seus mais de 130 milhoes de habitantes, e em franco

processo de tndustrialfzacao.representava urn tstorvo perrnanente para os

estratcgistas alemaes, A partir da queda de Bismarck em 1890, aAlemanha,

definit ivarnente, se lancou em busca da afirmacac contundente e explici ta

de seu poder no cenario europeu e mundlal.v Quer par raz5es essencial-

mente defensivas, quer por Intencoes manifes tamente ofensivas (como se

depreende das analises deA.J. P. Taylor, Fritz Fischer c Kemp, entre outros),

a s acoes do Kai se r e da e li te mil it ar al ema redundaram na exacerbacao das

tensoes internacionais.

Em f ins dos anos 1890, t eve inicio a corr ida naval com a Ingla te rra, Pa ra a

Alemanha, era chegado 0momento de 0 pais se contrapor aArmada Brita-

n ica e mos trar ao mundo a forca de sua Marinha, Em 1905, com a inespera-

da (e desast rada ) vis it a do Kaise r aTanger, eclodiu a primei ra c ri se do Mar-

4 2. A lg un s h is to ri ad ore s a ss oc ia rn a r ad tc al lz ac ao d a p ol iti ca e xr er na d e Gui lh erm e II a uma

t en ta ri va de a li vi ar a s t en soes soc ia is e pol it lcas ent li o exl st cn te s na Ale rnanha (Henig,2005 :

47.8) . P ar aAbrams ( 1996 : 58) , " apos 1890,0 c re sc imen to da pol it lca de r nassas , e a mai er a rt l-

cul acao das demandas e r ei vi nd icacoes a tr aves dos g rupos de pressao e dos par tidos polit icos,

ameacavam desestabilizar 0 fragil status quo penosamen te const ru ido pel as e li te s dominan -

r es . ( . . . ) A res posra das e li te s f oi 0 r ecur so ao nac iona li smo ext re rnado, que imp li cava 0 impe-

r ia li sr no expansi on ls ta ,a agr cssi vi dacl e da pol it ica ext er n. eo f or ta lecl rnen to r ni li ta r" ,

47

 

Page 16: Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras

5/9/2018 Os Anos de Chumbo - Economia e Política Internacional no Entre Guerras - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/os-anos-de-chumbo-economia-e-politica-internacional-no-entre-guerras 16/16

rocos , cujo resultado nao foi s enao 0fortalecimento da Entente. Em 1906,

o lancamento dos encouracados pela Inglaterra (Dreadnoughts) aticou a

inveja do ahnirantado a lemao e lancou as prirne iras duvidas em relacao ao

suces so da cor rida naval .j a no mesmo ano. cornecou a c ircular nos rne ios

militates alemaes 0 chamado Plano Schlieffen, que previa 0 ataque-relarn-

pago contra a Franca seguido da concentracao de esforcos para der ro ta r

a Russia, Em 1907, a I nglaterra conduiu as entend imen tos com a Russia

- sua antiga r ival nos assuntos daAsia-,0que formalizou a formacao Tri-

plice Entente. Asopcoes polit icas na Europa vis ivelmente se estreiravam, 0

que I imitava os raios de manobra da diplomacia e anunc iava 0 risco de as

nacoes se envolvercm em confl itos por forca das aliancas estabelecidas .

Em 1910,0 ree rguimento mil it ar da Russ ia , apos a derrota para 0 japao,

a torrnentava as l iderancas pol it icas naAlemanha: somente "uma boa dose

de fe em Deus ou a esperanca de uma revolucao russa perrnitern 0meu

sono" -, confessou 0 chanceler aleman Bethmann Hollweg (Henig, 2005:

16). Em 1912, a presenea de urn navio de guerra alemao (Panther) em

Agadir precipi tou a segunda cris e do Marrocos. Nesse entao , j a est ava c la -

ro que a corr ida naval havia s ido venclda pelos bri tanicos.A ava li acao , na

Alemanha, e ra que a procras tinacao de um provive l enf rentamento mil it ar

com aspotenciae daTriplice Entente tornar-se-ia temerarla, face a escalada

do rea rmamento daRuss ia e a superioridade da Marinha bri tanlca. Na visaot

do staf fmil it ar a lemao, se a perspec tiva de urn confl ito se tornava cada vez

mais clara, 0 tempo, definit ivamente, nao era seu aliado. Seria rnais seguro

enfrentar a Entente 0 quanto antes; a demora poderia ser fatal.

A cnse dos Balcas condicionou a evolucao dos acontecimentos, Em

1912 e 1913 edod iram as duas guerras dos Balds, envolvendo a Servia, a

Grecia, a Bulgaria e a Turquia. Os confl itos resultaram no fortalectmento

da Servia, c ri ando apreensoes junto ao Imper io dos Habsburgo. Ao f inal

dos confl itos balcantcos, a dec isao de a Aus tr ia -Hungr ia invadir a Servia

j:i estava tomada. 0problema era a quase cer ta interveniencia c ia Russ ia

em apoio it Servia: enfrentar uma guerra em duas frentes seria impassive!

para o s austr o-hungaros, a nao ser que contassern com a sustentacao do

Imper io Germanico . I sso , par sua vez , tornava pra ti camente cer ta a gene-

ralizacao das hostilidades.

Acompettcao pelo poder entre asnacoes, aexaccrbacao do nacionalismo

e a r ig idez do s is tema de a li ancas revelavam a precar iedade do equil ibrio

in ternaciona l.A perspec tiva de urn confronto de majores proporcoes lan-

cou asnacoes envolvidas em uma corrida militarem 1912-14. Ascondicoes

48

para a paz tornavam-se cada vez mais debei s: aAlemanha exprlmia sua in-

t encao inequivoca em exercer a dominacao da Europa Cont inenta l, e suas

ambi<;-oesexpansionistas se viam arneacadas pelo fortalecimento da gigan-

tesca Russia vis-a-vis a Austria-Hungria.A Russia, ao rnesmo rernpo.nao po--

dia adrnitir 0 controle dos Balcas (Constantinopla e Dardanelos eram vitais

para a rota de suas exportacoes) por urn bloco germantco-austro-hungaro,

e se aliou firmemente a Servia. 0 separat ismo servio, de sua parte, minava a

estabil idade do Imperio Anstro-Hiingaro.A Franca, por seu turno, se sentia

ameac;ada pelas pretensoes expansionis tas de lima Alemanha forterncnre

armada e industrialmente rnais desenvolvida.A Inglaterra, por t im, nao po-

deria assistir passivamentc a s rcdcf in icoes do balance de poder na Europa

Continental . Na aval iacao de Henig (2005: 59) , "ass im como a Alemanha

buscava aumenta r s eu poder , a Ingla te rra e a Franca buscavam conte -l a, s e

necessaria por meios milltares".

A sucessao d05 epi sodlos revela que a guerra nao foi "u rn r aio em ceu

azul"", nem 0 produto acidental de eventos fortuitos: em 28/6/1914 0 ar-

quiduque Francisco Ferdinando fot assassinado em Sarajevo; em 2Sn/1914

a Austria-Hungria declarou guerra a Servia; em 12/S/1914 jiera a totalida-

de da Europa que estava em chamas. A fulminante t ransf iguracao de urn

confli to local izado nos Ba lds em urna conflagracao de ambito mundial

indica 0 quao profunda havia se tornado a r ival idade entre as nacoes,

A expcctativa, ao se iniciarem as confl itos , e ra que a guerra terminasse

"par volta do Natal" :i1Entretanto,o flagelo interminavel das trincheiras e a

capacidade de destruicao da geracao de armamentos desenvolvida a partir

da IIRevolucao Industrial redundaram em uma prolongada carnificina.que

nos campos de combate eliminou 9 milhoes de pessoas, a s quais devern

se somar 5 milhoes de 6bi tos por privacoes e enfer rn idades .? milhoes de

incapacitados perrnanentes e 15 rni lhoes de feridos. Era imPOSSIVel que 0

mundo permanecesse 0mesmo ...

43. "Alguns l iberai s s audosi st as a inda lamenta rn que a Prune ir a Guerra Mundi al, como u rn

ra io em ceu nul , t enha i nt err ornpi do a p laci da p ros per i da de que imper av a en tr e a c repus -

culo de urn secu!o e a nascirnento de outro. Como toda evocacao, tarnbern nesse caso 0

rni to suplanta a boa Inves tiga cao his tori ca . Ent re 0 final dos otrocersos e 0 comeco dos No -

vecentos, a Iogic a t re sloucada da compe ticao, das r ival idades lmper la is e do mdtvldual ismo

agressivo levararn a econom.a i\ cr ise e 0 mundo a guerra" (Belluzzo: 1998).

44. "Os exercitos que marcharam para as campos de batalha em 1914, engalanados corn

f la re s pelas mul ridoes e rnbandei rada s que a s saudava rn , c speravam que a gue rr a termina ssc

' po r volt a do Nat al ', c omo as guerra. de 1866 ou 1870" (Overy, 1995: 8 ).

49