redação - etec

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CADERNO DE REDAÇÃO Márcio André Emídio CONTATO EDITORA NOVA APOSTILA FONE: (11) 3536-5302 / 28486366 EMAIL: [email protected] WWW.NOVACONCURSOS.COM.BR WWW.NOVAAPOSTILA.COM.BR

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Ajuda com redação para ingresso na etec

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  • CADERNO DE REDAOMrcio Andr Emdio

    CONTATOEDITORA NOVA APOSTILA

    FONE: (11) 3536-5302 / 28486366EMAIL: [email protected]

    WWW.NOVACONCURSOS.COM.BRWWW.NOVAAPOSTILA.COM.BR

  • NOSSA EQUIPE

    AUTORMRCIO ANDR EMDIO

    DIAGRAMAO EMANUELA AMARAL DE SOUZA

    DESIGN GRAFICO BARBARA GABRIELA

    COORDENAO GERALJULIANA PIVOTTOPEDRO MOURA

  • Mrcio Andr Emdio

    Aluno Especial do Programa de Mestrado em Educao Formao e Prtica Pedaggica do Profissional.

    Especialista em Fisiologia do Exerccio.

  • NDICE

    TIPOS DE REDAO...................................................................................01

    DESCRIO..................................................................................................01

    NARRAO...................................................................................................11

    DISSERTAO.............................................................................................27

    CRNICA.......................................................................................................31

    COMENTRIOS...........................................................................................31

    COERNCIA E COESO............................................................................39

    ARGUMENTAO.......................................................................................47

    INFORMAES EXPLCITAS E IMPLCITAS......................................62

    RECURSOS DISCURSIVOS........................................................................66

    INFORMAES IMPORTANTES.............................................................84

    EXPRESSES CONDENVEIS - NO RECOMENDADAS..................90

    TEMAS DE REDAO................................................................................92

  • MRCIO ANDR EMDIO

    CADERNO DE REDAO

    So Paulo

    Nova Apostila

    2011

  • REDAO

    1

    TIPOS DE REDAO

    Para escrever uma redao ou um texto, necessitamos de tcnicas que implicam no domnio de capacidades lingusticas. Temos dois momentos: o de formular pensamentos (o que se quer dizer) e o de express-los por escrito (o escrever propriamente dito). Fazer uma redao, seja ela de que tipo for, no significa apenas escrever de forma correta, mas sim, organizar idias sobre determinado assunto.

    E para expressarmos por escrito, existem alguns modelos de expresso escrita: Descrio Narrao Dissertao.

    DESCRIO

    a representao com palavras de um objeto, lugar, situao ou coisa, onde procuramos mostrar os traos mais particulares ou individuais do que se descreve. qualquer elemento que seja apreendido pelos sentidos e transformado, com palavras, em imagens.

    Sempre que se expe com detalhes um objeto, uma pessoa ou uma paisagem a algum, est fazendo uso da descrio. No necessrio que seja perfeita, uma vez que o ponto de vista do observador varia de acordo com seu grau de percepo. Dessa forma, o que ser importante ser analisado para um, no ser para outro.

    A vivncia de quem descreve tambm influencia na hora de transmitir a impresso alcanada sobre determinado objeto, pessoa, animal, cena, ambiente, emoo vivida ou sentimento.

    Exemplos:

    (I) De longe via a alia onde a tarde era clara e redonda. Mas a penumbra dos ramos cobria o atalho.

    Ao seu redor havia rudos serenos, cheiro de rvores, pequenas surpresas entre os cips. Todo o jardim triturado pelos instantes j mais apressados da tarde. De onde vinha o meio sonho pelo qual estava rodeada? Como por um zunido de abelhas e aves. Tudo era estranho, suave demais, grande demais.

    (extrado de Amor, Laos de Famlia, Clarice Lispector)

    (II) Chamava-se Raimundo este pequeno, e era mole, aplicado, inteligncia tarda. Raimundo gastava duas horas em reter aquilo que a outros levava apenas trin ta ou cinquenta minutos; vencia com o tempo o que no podia fazer logo com o

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    crebro. Reunia a isso gran de medo ao pai. Era uma criana fina, plida, cara doente; raramente estava alegre. Entrava na escola de pois do pai e retirava-se antes. 0 mestre era mais severo com ele do que conosco.

    (Machado de Assis. Conto de escola. Contos. 3ed. So Paulo, tica, 1974, pgs. 31-32.)

    Esse texto traa o perfil de Raimundo, o filho do professor da escola que o escritor frequentava.

    Deve-se notar:

    - que todas as frases expem ocorrncias simul tneas (ao mesmo tempo que gastava duas horas para reter aquilo que os outros levavam trinta ou cinquenta minutos, Raimundo tinha grande medo ao pai);

    - por isso, no existe uma ocorrncia que possa ser considerada cronologicamente anterior a outra do ponto de vista do relato (no nvel dos acontecimentos, entrar na escola cronologi camente anterior a retirar-se dela; no nvel do relato, porm, a ordem dessas duas ocorrn cias indiferente: o que o escritor quer ex plicitar uma caracterstica do menino, e no traar a cronologia de suas aes);

    - ainda que se fale de aes (como entrava, reti rava-se), todas elas esto no pretrito imperfei to, que indica concomitncia em relao a um marco temporal instalado no texto (no caso, o ano de 1840, em que o escritor frequentava a escola da rua da Costa) e, portanto, no denota nenhuma transformao de estado;

    - se invertssemos a sequncia dos enunciados, no correramos o risco de alterar nenhuma re lao cronolgica - poderamos mesmo colocar o ltmo perodo em primeiro lugar e ler o texto do fim para o comeo: 0 mestre era mais severo com ele do que conosco. Entrava na escola depois do pai e retirava-se antes...

    Evidentemente, quando se diz que a ordem dos enunciados pode ser invertida, est-se pensando apenas na ordem cronolgica, pois, como veremos adiante, a ordem em que os elementos so descritos produz determinados efeitos de sentido.

    Quando alteramos a ordem dos enunciados, precisamos fazer certas modificaes no texto, pois este contm anafricos (palavras que retomam o que foi dito antes, como ele, os, aquele, etc. ou catafricos (palavras que anunciam o que vai ser dito, como este, etc.), que podem perder sua funo e assim no ser compreendidos. Se tomarmos uma descrio como As flores manifestavam todo o seu esplendor. O Sol fazia-as brilhar, ao invertermos a ordem das frases, precisamos fazer algumas alteraes, para que o texto possa ser compreendido: O Sol fazia as flores brilhar. Elas manifestavam todo o seu esplendor. Como, na verso original, o pronome oblquo as um anafrico que retoma flores, se alterarmos a ordem das frases ele perder o sentido. Por isso, precisamos mudar a palavra flores para a primeira frase e retom-la com o anafrico elas na segunda.

    Por todas essas caractersticas, diz-se que o fragmento do conto de Machado descritivo. Descrio o tipo de texto em que se expem ca ractersticas de seres concretos (pessoas, objetos, situaes, etc.) consideradas fora da relao de anterioridade e de posterioridade.

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    Caractersticas:

    - Ao fazer a descrio enumeramos caractersticas, comparaes e inmeros elementos sensoriais;

    - As personagens podem ser caracterizadas fsica e psicologicamente, ou pelas aes;

    - A descrio pode ser considerada um dos elementos constitutivos da dissertao e da argumentao;

    - impossvel separar narrao de descrio;- O que se espera no tanto a riqueza de detalhes, mas sim a capacidade de

    observao que deve revelar aquele que a realiza.- Utilizam, preferencialmente, verbos de ligao. Exemplo: (...) ngela tinha

    cerca de vinte anos; parecia mais velha pelo desenvolvimento das propores. Grande, carnuda, sangunea e fogosa, era um desses exemplares excessivos do sexo que parecem conformados expressamente para esposas da multido (...) (Raul Pompia O Ateneu)

    - Como na descrio o que se reproduz simultneo, no existe relao de anterioridade e posterioridade entre seus enunciados.

    - Devem-se evitar os verbos e, se isso no for possvel, que se usem ento as formas nominais, o presente e o pretrio imperfeito do indicativo, dando-se sempre preferncia aos verbos que indiquem estado ou fenmeno.

    - Todavia deve predominar o emprego das comparaes, dos adjetivos e dos advrbios, que conferem colorido ao texto.

    A caracterstica fundamental de um texto descritivo essa inexistncia de progresso temporal. Pode-se apresentar, numa descri o, at mesmo ao ou movimento, desde que eles sejam sempre simultneos, no indicando progresso de uma situao anterior para outra posterior. Tanto que uma das marcas lingusti cas da descrio o predomnio de verbos no presente ou no pretrito imperfeito do indicativo: o primeiro expressa concomitncia em relao ao momento da fala; o segundo, em relao a um marco temporal pretrito instalado no texto.

    Para transformar uma descrio numa narra o, bastaria introduzir um enunciado que indi casse a passagem de um estado anterior para um posterior. No caso do texto II inicial, para transform -lo em narrao, bastaria dizer: Reunia a isso grande medo do pai. Mais tarde, Iibertou-se desse medo...

    Caractersticas Lingusticas: O enunciado narrativo, por ter a representao de um acontecimento, fazer-

    transformador, marcado pela temporalidade, na relao situao inicial e situao final, enquanto que o enunciado descritivo, no tendo transformao, atemporal.

    Na dimenso lingustica, destacam-se marcas sinttico-semnticas encontradas no texto que vo facilitar a compreenso:

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    - Predominncia de verbos de estado, situao ou indicadores de propriedades, atitudes, qualidades, usados principalmente no presente e no imperfeito do indicativo (ser, estar, haver, situar-se, existir, ficar).

    - Enfse na adjetivao para melhor caracterizar o que descrito; Exemplo: Era alto, magro, vestido todo de preto, com o pescoo entalado num colarinho

    direito. O rosto aguado no queixo ia-se alargando at calva, vasta e polida, um pouco amolgado no alto; tingia os cabelos que de uma orelha outra lhe faziam colar por trs da nuca - e aquele preto lustroso dava, pelo contraste, mais brilho calva; mas no tingia o bigode; tinha-o grisalho, farto, cado aos cantos da boca. Era muito plido; nunca tirava as lunetas escuras. Tinha uma covinha no queixo, e as orelhas grandes muito despegadas do crnio.

    (Ea de Queiroz - O Primo Baslio)

    - Emprego de figuras (metforas, metonmias, comparaes, sinestesias). Exemplo:

    Era o Sr. Lemos um velho de pequena estatura, no muito gordo, mas

    rolho e bojudo como um vaso chins. Apesar de seu corpo rechonchudo, tinha certa vivacidade buliosa e saltitante que lhe dava petulncia de rapaz e casava perfeitamente com os olhinhos de azougue.

    (Jos de Alencar - Senhora)

    - Uso de advrbios de localizao espacial. Exemplo: At os onze anos, eu morei numa casa, uma casa velha, e essa casa era assim: na

    frente, uma grade de ferro; depois voc entrava tinha um jardinzinho; no final tinha uma escadinha que devia ter uns cinco degraus; a voc entrava na sala da frente; dali tinha um corredor comprido de onde saam trs portas; no final do corredor tinha a cozinha, depois tinha uma escadinha que ia dar no quintal e atrs ainda tinha um galpo, que era o lugar da baguna...

    (Entrevista gravada para o Projeto NURC/RJ)

    Recursos:

    - Usar impresses cromticas (cores) e sensaes trmicas. Ex: O dia transcorria amarelo, frio, ausente do calor alegre do sol.

    - Usar o vigor e relevo de palavras fortes, prprias, exatas, concretas. Ex: As criaturas humanas transpareciam um cu sereno, uma pureza de cristal.

    - As sensaes de movimento e cor embelezam o poder da natureza e a figura do homem. Ex: Era um verde transparente que deslumbrava e enlouquecia qualquer um.

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    - A frase curta e penetrante d um sentido de rapidez do texto. Ex: Vida simples. Roupa simples. Tudo simples. O pessoal, muito crente.

    A descrio pode ser apresentada sob duas formas: Descrio Objetiva: quando o objeto, o ser, a cena, a passagem so apresentadas

    como realmente so, concretamente. Ex: Sua altura 1,85m. Seu peso, 70kg. Aparncia atltica, ombros largos, pele bronzeada. Moreno, olhos negros, cabelos negros e lisos.

    No se d qualquer tipo de opinio ou julgamento. Exemplo: A casa velha era enorme, toda em largura, com porta central que se alcanava por trs degraus de pedra e quatro janelas de guilhotina para cada lado. Era feita de pau-a-pique barreado, dentro de uma estrutura de cantos e apoios de madeira-de-lei. Telhado de quatro guas. Pintada de roxo-claro. Devia ser mais velha que Juiz de Fora, provavelmente sede de alguma fazenda que tivesse ficado, capricho da sorte, na linha de passagem da variante do Caminho Novo que veio a ser a Rua Principal, depois a Rua Direita sobre a qual ela se punha um pouco de esguelha e fugindo ligeiramente do alinhamento (...). (Pedro Nava Ba de Ossos)

    Descrio Subjetiva: quando h maior participao da emoo, ou seja, quando o objeto, o ser, a cena, a paisagem so transfigurados pela emoo de quem escreve, podendo opinar ou expressar seus sentimentos. Ex: Nas ocasies de aparato que se podia tomar pulso ao homem. No s as condecoraes gritavam-lhe no peito como uma couraa de grilos. Ateneu! Ateneu! Aristarco todo era um anncio; os gestos, calmos, soberanos, calmos, eram de um rei... (O Ateneu, Raul Pompia)

    (...) Quando conheceu Joca Ramiro, ento achou outra esperana maior: para ele, Joca Ramiro era nico homem, par-de-frana, capaz de tomar conta deste serto nosso, mandando por lei, de sobregoverno. (Guimares Rosa Grande Serto: Veredas)

    Os efeitos de sentido criados pela disposio dos elementos descritivos:

    Como se disse anteriormente, do ponto de vista da progresso temporal, a ordem dos enunciados na descrio indiferente, uma vez que eles indicam propriedades ou caractersticas que ocorrem si multaneamente. No entanto, ela no indiferente do ponto de vista dos efeitos de sentido: descrever de cima para baixo ou vice-versa, do detalhe para o todo ou do todo para o detalhe cria efeitos de sentido distintos.

    Observe os dois quartetos do soneto Retrato Prprio, de Bocage:

    Magro, de olhos azuis, caro moreno,bem servido de ps, meo de altura,triste de facha, o mesmo de figura,nariz alto no meio, e no pequeno.

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    Incapaz de assistir num s terreno,mais propenso ao furor do que ternura;bebendo em nveas mos por taa escurade zelos infernais letal veneno.

    Obras de Bocage. Porto, Lello & Irmo,1968, pg. 497.

    O poeta descreve-se das caractersticas fsicas para as caractersticas morais.

    Se fizesse o inverso, o sentido no seria o mesmo, pois as caractersticas fsicas perderiam qualquer relevo.

    O objetivo de um texto descritivo levar o leitor a visualizar uma cena. como traar com palavras o retrato de um objeto, lugar, pessoa etc., apontando suas caractersticas exteriores, facilmente identificveis (descrio objetiva), ou suas caractersticas psicolgicas e at emocionais (descrio subjetiva).

    Uma descrio deve privilegiar o uso frequente de adjetivos, tambm denominado adjetivao. Para facilitar o aprendizado desta tcnica, sugere-se que o concursando, aps escrever seu texto, sublinhe todos os substantivos, acrescentando antes ou depois deste um adjetivo ou uma locuo adjetiva.

    Descrio de objetos constitudos de uma s parte:

    1 Introduo: observaes de carter geral referentes procedncia ou localizao do objeto descrito.

    2 - Desenvolvimento: detalhes (l parte) - formato (comparao com figuras geomtricas e com objetos semelhantes); dimenses (largura, comprimento, altura, dimetro etc.)

    3 - Desenvolvimento: detalhes (2 parte) - material, peso, cor/brilho, textura.4 - Concluso: observaes de carter geral referentes a sua utilidade ou qualquer

    outro comentrio que envolva o objeto como um todo.

    Descrio de objetos constitudos por vrias partes:

    1 - Introduo: observaes de carter geral referentes procedncia ou localizao do objeto descrito.

    2 - Desenvolvimento: enumerao e rpidos comentrios das partes que compem o objeto, associados explicao de como as partes se agrupam para formar o todo.

    3 - Desenvolvimento: detalhes do objeto visto como um todo (externamente) - formato, dimenses, material, peso, textura, cor e brilho.

    4 - Concluso: observaes de carter geral referentes a sua utilidade ou qualquer outro comentrio que envolva o objeto em sua totalidade.

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    Descrio de ambientes:

    1 - Introduo: comentrio de carter geral.2 - Desenvolvimento: detalhes referentes estrutura global do ambiente:

    paredes, janelas, portas, cho, teto, luminosidade e aroma (se houver).3 - Desenvolvimento: detalhes especficos em relao a objetos l existentes:

    mveis, eletrodomsticos, quadros, esculturas ou quaisquer outros objetos.4 - Concluso: observaes sobre a atmosfera que paira no ambiente.

    Descrio de paisagens:

    1 - Introduo: comentrio sobre sua localizao ou qualquer outra referncia de carter geral.

    2 - Desenvolvimento: observao do plano de fundo (explicao do que se v ao longe).

    3 - Desenvolvimento: observao dos elementos mais prximos do observador - explicao detalhada dos elementos que compem a paisagem, de acordo com determinada ordem.

    4 - Concluso: comentrios de carter geral, concluindo acerca da impresso que a paisagem causa em quem a contempla.

    Descrio de pessoas (I):

    1 - Introduo: primeira impresso ou abordagem de qualquer aspecto de carter geral.

    2 - Desenvolvimento: caractersticas fsicas (altura, peso, cor da pele, idade, cabelos, olhos, nariz, boca, voz, roupas).

    3 - Desenvolvimento: caractersticas psicolgicas (personalidade, temperamento, carter, preferncias, inclinaes, postura, objetivos).

    4 - Concluso: retomada de qualquer outro aspecto de carter geral.

    Descrio de pessoas (II):

    1 - Introduo: primeira impresso ou abordagem de qualquer aspecto de carter geral.

    2 - Desenvolvimento: anlise das caractersticas fsicas, associadas s caractersticas psicolgicas (1 parte).

    3 - Desenvolvimento: anlise das caractersticas fsicas, associadas s caractersticas psicolgicas (2 parte).

    4 - Concluso: retomada de qualquer outro aspecto de carter geral.

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    A descrio, ao contrrio da narrativa, no supe ao. uma estrutura pictrica, em que os aspectos sensoriais predominam. Porque toda tcnica descritiva implica contemplao e apreenso de algo objetivo ou subjetivo, o redator, ao descrever, precisa possuir certo grau de sensibilidade. Assim como o pintor capta o mundo exterior ou interior em suas telas, o autor de uma descrio focaliza cenas ou imagens, conforme o permita sua sensibilidade.

    Conforme o objetivo a alcanar, a descrio pode ser no-literria ou literria. Na descrio no-literria, h maior preocupao com a exatido dos detalhes e a preciso vocabular. Por ser objetiva, h predominncia da denotao.

    Textos descritivos no-literrios: A descrio tcnica um tipo de descrio objetiva: ela recria o objeto usando uma linguagem cientfica, precisa. Esse tipo de texto usado para descrever aparelhos, o seu funcionamento, as peas que os compem, para descrever experincias, processos, etc.

    Exemplo:

    Folheto de propaganda de carro Conforto interno - impossvel falar de conforto sem incluir o espao interno.

    Os seus interiores so amplos, acomodando tranquilamente passageiros e bagagens. O Passat e o Passat Variant possuem direo hidrulica e ar condicionado de elevada capacidade, proporcionando a climatizao perfeita do ambiente.

    Porta-malas - O compartimento de bagagens possui capacidade de 465 litros, que pode ser ampliada para at 1500 litros, com o encosto do banco traseiro rebaixado.

    Tanque - O tanque de combustvel confeccionado em plstico reciclvel e posicionado entre as rodas traseiras, para evitar a deformao em caso de coliso.

    Textos descritivos literrios: Na descrio literria predomina o aspecto subjetivo, com nfase no conjunto de associaes conotativas que podem ser exploradas a partir de descries de pessoas; cenrios, paisagens, espao; ambientes; situaes e coisas. Vale lembrar que textos descritivos tambm podem ocorrer tanto em prosa como em verso.

    Exemplos de descries segundo a poca:

    Descrio Romntica

    Sobre a alvura difana do algodo, a sua pele, cor de cobre, brilhava com reflexos dourados; os cabelos pretos cortados rentes, a tez lisa, os olhos grandes com os cantos exteriores erguidos para a fronte; a pupila negra, mbil, cintilante; a boca forte mas bem modelada e guarnecida e dentes alvos, davam ao rosto pouco oval a beleza inculta da graa, da fora e da inteligncia.

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    Tinha a cabea cingida por uma fita de couro, a qual se prendiam ao lado esquerdo duas plumas matizadas que, descrevendo uma longa espiral, vinham roar com as pontas negras o pescoo flexvel.

    (...)

    Ali, por entre a folhagem, distinguiam-se as ondulaes felinas de um dorso negro, brilhante, marchetado de pardo; s vezes viam-se brilhar na sombra dois raios vtreos e plidos, que semelhavam os reflexos de alguma cristalizao de rocha, ferida pela luz do sol.

    (Alencar, Jos de. O guarani)

    Descrio Realista

    Imaginem um homem de trinta e oito a quarenta anos, alto, magro e plido. As roupas, salvo o feitio, pareciam ter escapado ao cativeiro de Babi lnia; o chapu era contemporneo do de Gessler. Imaginem agora uma so brecasaca, mais larga do que pediam as carnes, - ou, literalmente, os ossos da pessoa; a cor preta ia cedendo o passo a um amarelo sem brilho; o plo desaparecia aos poucos; dos oito primitivos botes restavam trs. As calas, de brim pardo, tinham duas fortes joelheiras, enquanto as bainhas eram ro das pelo taco de um botim sem misericrdia nem graxa. Ao pescoo flutua vam as pontas de uma gravata de duas cores, ambas desmaiadas, apertando um colarinho de oito dias. Creio que trazia tambm colete, um colete de seda escura, roto a espaos, a desabotoado.

    (Assis, Machado de. Memrias pstumas de Brs Cubas)

    Descrio Modernista

    A manh me viu de p, no banheiro, contemplando no vaso a curiosa entidade que eu tinha produzido: um objeto cilndrico, bem formado, de cor saudvel, textura fina, superfcie lisa, quase acetinada. E tinha, guisa de olhos, dois gros de milho.

    Flutuava displicentemente, a graciosa criatura. A descarga vazava; a corrente que flua marulhando orientava-a ora para o norte, ora para o nor deste, ora para o sul. De repente virou-se e ficou boiando de costas. Estava to bem ali, que vacilei em dar a descarga. Mas no podia deixar sujeira no vaso: apertei o boto.

    (Scliar, Moacyr. O ciclo das guas)

    Exemplos de descries segundo o objeto:

    Descrio de Ambiente

    Ali naquela casa de muitas janelas e bandeiras coloridas vivia Rosali na. Casa de gente de casta, segundo eles antigamente. Ainda conserva a im ponncia e o porte senhorial, o ar solarengo que o tempo de todo no co meu. As cores das

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    janelas e das portas esto lavadas de velhas, o reboco cado em alguns trechos como grandes placas de ferida, mostra mesmo as pedras e os tijolos e as taipas de sua carne e ossos, feitos para durar toda a vida; vi dros quebrados nas vidraas, resultado do ataque da meninada nos dias de reinao, quando vinham provocar Rosalina (no de propsito e ruindade, mas sem-que-fazer de menino), escondida detrs das cortinas e reposteiros: nos peitoris das sacadas de ferro rendilhado, formando flores estilizadas, se tas, volutas, esses e gregas, faltam muitas das pinhas de cristal faceitado cor-de-vinho que arrematavam nas cantoneiras a leveza daqueles balces.

    (Dourado, Autran. pera dos mortos. Rio de Janeiro: Civilizao Brasilei-ra, 1975, p. 1-2.)

    Descrio de Tipo

    Quando o coronel Joo Capistrano Honrio Cota mandou erguer o so brado, tinha pouco mais de trinta anos. Mas j era homem srio de velho, re servado, cumpridor. Cuidava muito dos trajes, da sua aparncia medida. O jaqueto de casimira inglesa, o colete de linho atravessado pela grossa cor rente de ouro do relgio; a cala que era como a de todos na cidade -brim, a no ser em certas ocasies (batizado, morte, casamento - ento era parelho mesmo, por igual), mas sempre muito bem passada, o vinco perfei to. Dava gosto ver.

    O passo vagaroso de quem no tem pressa - o mundo podia esperar por ele, o peito magro estufado, os gestos lentos, a voz pausada e grave, des cia a rua da Igreja cumprimentando cerimoniosamente, nobremente, os que por ele passavam ou os que chegavam na janela muitas vezes s para v-lo passar.

    Desde longe a gente adivinhava ele vindo: alto, magro, descarnado como uma ave pernalta de grande porte. Sendo assim to descomunal, podia ser desajeitado: no era, dava sempre a impresso de uma grande e ponde rada figura. No jogava as pernas para os lados nem as trazia abertas, esticava-as feito medisse os passos, quebrando os joelhos em reto.

    Quando montado, indo para a sua Fazenda da Pedra Menina, no cava lo branco ajaezado de couro trabalhado e prata, a ento sim era a grande imponente figura, que enchia as vistas. Parecia um daqueles cavaleiros anti gos, fugidos do Amadis de Gaula ou do Palmeirim, quando iam para a guer ra armados cavaleiros.

    (Dourado, Autran. pera dos Mortos. Rio de Janei ro: Civilizao Brasileira, 1975, p. 9-1O)

    Descrever fazer viver os pormenores, situaes ou pessoas. Evocar o que se v e o que se sente. criar o que no se v, mas se percebe ou imagina. No copiar friamente, mas deixar rica uma imagem transmitindo sensaes fortes.

  • REDAO REDAO

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    NARRAO

    A Narrao um tipo de texto que relata uma histria real, fictcia ou mescla dados reais e imaginrios. O texto narrativo apresenta personagens que atuam em um tempo e em um espao, organizados por uma narrao feita por um narrador. uma srie de fatos situados em um espao e no tempo, tendo mudana de um estado para outro, segundo relaes de sequencialidade e causalidade, e no simultneos como na descrio. Expressa as relaes entre os indivduos, os conflitos e as ligaes afetivas entre esses indivduos e o mundo, utilizando situaes que contm essa vivncia.

    Todas as vezes que uma histria contada ( narrada), o narrador acaba sempre contando onde, quando, como e com quem ocorreu o episdio. por isso que numa narrao predomina a ao: o texto narrativo um conjunto de aes; assim sendo, a maioria dos verbos que compem esse tipo de texto so os verbos de ao. O conjunto de aes que compem o texto narrativo, ou seja, a histria que contada nesse tipo de texto recebe o nome de enredo.

    As aes contidas no texto narrativo so praticadas pelas personagens, que so justamente as pessoas envolvidas no episdio que est sendo contado. As personagens so identificadas (=nomeadas) no texto narrativo pelos substantivos prprios.

    Quando o narrador conta um episdio, s vezes (mesmo sem querer) ele acaba contando onde (=em que lugar) as aes do enredo foram realizadas pelas personagens. O lugar onde ocorre uma ao ou aes chamado de espao, representado no texto pelos advrbios de lugar.

    Alm de contar onde, o narrador tambm pode esclarecer quando ocorreram as aes da histria. Esse elemento da narrativa o tempo, representado no texto narrativo atravs dos tempos verbais, mas principalmente pelos advrbios de tempo. o tempo que ordena as aes no texto narrativo: ele que indica ao leitor como o fato narrado aconteceu.

    A histria contada, por isso, passa por uma introduo (parte inicial da histria, tambm chamada de prlogo), pelo desenvolvimento do enredo ( a histria propriamente dita, o meio, o miolo da narrativa, tambm chamada de trama) e termina com a concluso da histria ( o final ou eplogo). Aquele que conta a histria o narrador, que pode ser pessoal (narra em 1 pessoa: Eu...) ou impessoal (narra em 3 pessoa: Ele...).

    Assim, o texto narrativo sempre estruturado por verbos de ao, por advrbios de tempo, por advrbios de lugar e pelos substantivos que nomeiam as personagens, que so os agentes do texto, ou seja, aquelas pessoas que fazem as aes expressas pelos verbos, formando uma rede: a prpria histria contada.

    Tudo na narrativa depende do narrador, da voz que conta a histria.

  • REDAO

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    Elementos Estruturais (I):

    - Enredo: desenrolar dos acontecimentos.- Personagens: so seres que se movimentam, se relacionam e do lugar

    trama que se estabelece na ao. Revelam-se por meio de caractersticas fsicas ou psicolgicas. Os personagens podem ser lineares (previsveis), complexos, tipos sociais (trabalhador, estudante, burgus etc.) ou tipos humanos (o medroso, o tmido, o avarento etc.), heris ou anti-heris, protagonistas ou antagonistas.

    - Narrador: quem conta a histria.- Espao: local da ao. Pode ser fsico ou psicolgico.- Tempo: poca em que se passa a ao. Cronolgico: o tempo convencional

    (horas, dias, meses); Psicolgico: o tempo interior, subjetivo.

    Elementos Estruturais (II):

    Personagens - Quem? Protagonista/AntagonistaAcontecimento - O qu? FatoTempo - Quando? poca em que ocorreu o fatoEspao - Onde? Lugar onde ocorreu o fatoModo - Como? De que forma ocorreu o fatoCausa - Por qu? Motivo pelo qual ocorreu o fatoResultado - previsvel ou imprevisvel.Final - Fechado ou Aberto.

    Esses elementos estruturais combinam-se e articulam-se de tal forma, que no possvel compreend-los isoladamente, como simples exemplos de uma narrao. H uma relao de implicao mtua entre eles, para garantir coerncia e verossimilhana histria narrada.

    Quanto aos elementos da narrativa, esses no esto, obrigatoriamente sempre presentes no discurso, exceto as personagens ou o fato a ser narrado.

    Exemplo:

    Porquinho-da-ndia

    Quando eu tinha seis anosGanhei um porquinho-da-nda.Que dor de corao me davaPorque o bichinho s queria estar debaixo do fogo!Levava ele pra salaPra os lugares mais bonitos mais limpinhosEle no gostava:

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    Queria era estar debaixo do fogo.No fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...- 0 meu porquinho-da-ndia foi a minha primeira namorada.

    Manuel Bandeira. Estrela da vida inteira. 4 ed. Rio de Janeiro, Jos Olympio, 1973, pg. 110.

    Observe que, no texto acima, h um conjunto de transformaes de situao: ganhar um porquinho-da-ndia passar da situao de no ter o animalzinho para a de t-lo; lev-lo para a sala ou para outros lugares passar da situao de ele es tar debaixo do fogo para a de estar em outros lugares; ele no gostava: queria era estar debaixo do fogo implica a volta situao anterior; no fazia caso nenhum das minhas ternurinhas d a entender que o menino passava de uma situao de no ser terno com o animalzinho para uma situao de ser; no ltimo verso tem-se a passagem da situao de no ter namorada para a de ter.

    Verifica-se, pois, que nesse texto h um grande conjunto de mudanas de situao. isso que define o que se chama o componente narrativo do texto, ou seja, narrativa uma mudana de estado pela ao de alguma personagem, uma transformao de situao. Mesmo que essa personagem no aparea no texto, ela est logicamente implcita. Assim, por exemplo, se o menino ganhou um porquinho-da-ndia, porque algum lhe deu o animalzinho.

    Assim, h basicamente, dois tipos de mudana: aquele em que algum recebe alguma coisa (o menino passou a ter o porquinho-da ndia) e aquele algum perde alguma coisa (o porquinho perdia, a cada vez que o menino o levava para outro lugar, o espao confortvel de debaixo do fogo). Assim, temos dois tipos de narrativas: de aquisio e de privao.

    Existem trs tipos de foco narrativo:

    - Narrador-personagem: aquele que conta a histria na qual participante. Nesse caso ele narrador e personagem ao mesmo tempo, a histria contada em 1 pessoa.

    - Narrador-observador: aquele que conta a histria como algum que observa tudo que acontece e transmite ao leitor, a histria contada em 3 pessoa.

    - Narrador-onisciente: o que sabe tudo sobre o enredo e as personagens, revelando seus pensamentos e sentimentos ntimos. Narra em 3 pessoa e sua voz, muitas vezes, aparece misturada com pensamentos dos personagens (discurso indireto livre).

    Estrutura:

    - Apresentao: a parte do texto em que so apresentados alguns personagens e expostas algumas circunstncias da histria, como o momento e o lugar onde a ao se desenvolver.

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    - Complicao: a parte do texto em que se inicia propriamente a ao. Encadeados, os episdios se sucedem, conduzindo ao clmax.

    - Clmax: o ponto da narrativa em que a ao atinge seu momento crtico, tornando o desfecho inevitvel.

    - Desfecho: a soluo do conflito produzido pelas aes dos personagens.

    Tipos de Personagens:

    Os personagens tm muita importncia na construo de um texto narrativo, so elementos vitais. Podem ser principais ou secundrios, conforme o papel que desempenham no enredo, podem ser apresentados direta ou indiretamente.

    A apresentao direta acontece quando o personagem aparece de forma clara no texto, retratando suas caractersticas fsicas e/ou psicolgicas, j a apresentao indireta se d quando os personagens aparecem aos poucos e o leitor vai construindo a sua imagem com o desenrolar do enredo, ou seja, a partir de suas aes, do que ela vai fazendo e do modo como vai fazendo.

    - Em 1 pessoa:

    Personagem Principal: h um eu participante que conta a histria e o protagonista. Exemplo:

    Parei na varanda, ia tonto, atordoado, as pernas bambas, o corao parecendo querer sair-me pela boca fora. No me atrevia a descer chcara, e passar ao quintal vizinho. Comecei a andar de um lado para outro, estacando para amparar-me, e andava outra vez e estacava.

    (Machado de Assis. Dom Casmurro)

    Observador: como se dissesse: verdade, pode acreditar, eu estava l e vi. Exemplo:

    Batia nos noventa anos o corpo magro, mas sempre teso do Jango Jorge, um que foi capito duma maloca de contrabandista que fez cancha nos banhados do Ibiroca.

    Esse gacho desabotinado levou a existncia inteira a cruzar os campos da fronteira; luz do Sol, no desmaiado da Lua, na escurido das noites, na cerrao das madrugadas...; ainda que chovesse reinos acolherados ou que ventasse como por alma de padre, nunca errou vau, nunca perdeu atalho, nunca desandou cruzada!...

    (...)Aqui h poucos coitado! pousei no arranchamento dele. Casado ou doutro

    jeito, afamilhado. No no vamos desde muito tempo. (...)Fiquei verdeando, espera, e fui dando um ajutrio na matana dos leites e no

    tiramento dos assados com couro.(J. Simes Lopes Neto Contrabandista)

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    - Em 3 pessoa:

    Onisciente: no h um eu que conta; uma terceira pessoa. Exemplo:

    Devia andar l pelos cinco anos e meio quando a fantasiaram de borboleta. Por isso no pde defender-se. E saiu rua com ar menos carnavalesco deste mundo, morrendo de vergonha da malha de cetim, das asas e das antenas e, mais ainda, da cara mostra, sem mscara piedosa para disfarar o sentimento impreciso de ridculo.

    (Ilka Laurito. Sal do Lrico)

    Narrador Objetivo: no se envolve, conta a histria como sendo vista por uma cmara ou filmadora. Exemplo:

    Festa

    Atrs do balco, o rapaz de cabea pelada e avental olha o crioulo de roupa limpa e remendada, acompanhado de dois meninos de tnis branco, um mais velho e outro mais novo, mas ambos com menos de dez anos.

    Os trs atravessam o salo, cuidadosamente, mas resolutamente, e se dirigem para o cmodo dos fundos, onde h seis mesas desertas.

    O rapaz de cabea pelada vai ver o que eles querem. O homem pergunta em quanto fica uma cerveja, dois guarans e dois pezinhos.

    __ Duzentos e vinte.O preto concentra-se, aritmtico, e confirma o pedido.__Que tal o po com molho? sugere o rapaz.__ Como?__ Passar o po no molho da almndega. Fica muito mais gostoso.O homem olha para os meninos.__ O preo o mesmo informa o rapaz.__ Est certo.Os trs sentam-se numa das mesas, de forma canhestra, como se o estivessem

    fazendo pela primeira vez na vida.O rapaz de cabea pelada traz as bebidas e os copos e, em seguida, num

    pratinho, os dois pes com meia almndega cada um. O homem e (mais do que ele) os meninos olham para dentro dos pes, enquanto o rapaz cmplice se retira.

    Os meninos aguardam que a mo adulta leve solene o copo de cerveja at a boca, depois cada um prova o seu guaran e morde o primeiro bocado do po.

    O homem toma a cerveja em pequenos goles, observando criteriosamente o menino mais velho e o menino mais novo absorvidos com o sanduche e a bebida.

    Eles no tm pressa. O grande homem e seus dois meninos. E permanecem para sempre, humanos e indestrutveis, sentados naquela mesa.

    (Wander Piroli)

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    Tipos de Discurso:

    Discurso Direto: o narrador passa a palavra diretamente para o personagem, sem a sua interferncia. Exemplo:

    Caso de Desquite

    __ Vexame de incomodar o doutor (a mo trmula na boca). Veja, doutor, este velho caducando. Bisav, um neto casado. Agora com mania de mulher. Todo velho sem-vergonha.

    __ Dobre a lngua, mulher. O hominho muito bom. S no me pise, fico uma jararaca.

    __ Se quer sair de casa, doutor, pague uma penso.__ Essa a tem filho emancipado. Criei um por um, est bom? Ela no contribuiu

    com nada, doutor. S deu de mamar no primeiro ms.__Voc desempregado, quem que fazia roa?__ Isso naquele tempo. O hominho aqui se espalhava. Fui jogado na estrada,

    doutor. Desde onze anos estou no mundo sem ningum por mim. O cu l em cima, noite e dia o hominho aqui na carroa. Sempre o mais sacrificado, est bom?

    __ Se ficar doente, Severino, quem que o atende?__ O doutor j viu urubu comer defunto? Ningum morre s. Sempre tem um

    cristo que enterra o pobre.__ Na sua idade, sem os cuidados de uma mulher...__ Eu arranjo.__ S a troco de dinheiro elas querem voc. Agora tem dois cavalos. A carroa

    e os dois cavalos, o que h de melhor. Vai me deixar sem nada?__ Voc tinha amula e a potranca. A mula vendeu e a potranca, deixou morrer.

    Tenho culpa? S quero paz, um prato de comida e roupa lavada.__ Para onde foi a lavadeira?__ Quem?__ A mulata.(...)

    (Dalton Trevisan A guerra Conjugal)

    Discurso Indireto: o narrador conta o que o personagem diz, sem lhe passar diretamente a palavra. Exemplo:

    Frio

    O menino tinha s dez anos.Quase meia hora andando. No comeo pensou num bonde. Mas lembrou-se

    do embrulhinho branco e bem feito que trazia, afastou a idia como se estivesse fazendo uma coisa errada. (Nos bondes, quela hora da noite, poderiam roub-lo, sem que percebesse; e depois?... Que que diria a Paran?)

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    Andando. Paran mandara-lhe no ficar observando as vitrines, os prdios, as coisas. Como fazia nos dias comuns. Ia firme e esforando-se para no pensar em nada, nem olhar muito para nada.

    __ Olho vivo como dizia Paran.Devagar, muita ateno nos autos, na travessia das ruas. Ele ia pelas beiradas.

    Quando em quando, assomava um guarda nas esquinas. O seu coraozinho se apertava.

    Na estao da Sorocabana perguntou as horas a uma mulher. Sempre ficam mulheres vagabundeando por ali, noite. Pelo jardim, pelos escuros da Alameda Cleveland. Ela lhe deu, ele seguiu. Ignorava a exatido de seus clculos, mas provavelmente faltava mais ou menos uma hora para chegar em casa. Os bondes passavam.

    (Joo Antnio Malagueta, Perus e Bacanao)

    Discurso Indireto-Livre: ocorre uma fuso entre a fala do personagem e a fala do narrador. um recurso relativamente recente. Surgiu com romancistas inovadores do sculo XX. Exemplo:

    A Morte da Porta-Estandarte

    Que ningum o incomode agora. Larguem os seus braos. Rosinha est dormindo. No acordem Rosinha. No preciso segur-lo, que ele no est bbado... O cu baixou, se abriu... Esse temporal assim bom, porque Rosinha no sai. Tenham pacincia... Largar Rosinha ali, ele no larga no... No! E esses tambores? Ui! Que venham... guerra... ele vai se espalhar... Por que no est malhando em sua cabea?... (...) Ele vai tirar Rosinha da cama... Ele est dormindo, Rosinha... Fugir com ela, para o fundo do Pas... Abra-la no alto de uma colina...

    (Anbal Machado)

    Sequncia Narrativa:

    Uma narrativa no tem uma nica mudana, mas vrias: uma coordena-se a outra, uma implica a outra, uma subordina-se a outra.

    A narrativa tpica tem quatro mudanas de situao: - uma em que uma personagem passa a ter um querer ou um dever (um desejo

    ou uma necessidade de fazer algo); - uma em que ela adquire um saber ou um poder (uma competncia para fazer

    algo); - uma em que a personagem executa aquilo que queria ou devia fazer ( a

    mudana principal da narrativa);- uma em que se constata que uma transformao se deu e em que se podem

    atribuir prmios ou castigos s personagens (geralmente os prmios so para os bons, e os castigos, para os maus).

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    Toda narrativa tem essas quatro mudanas, pois elas se pressupem logicamente. Com efeito, quando se constata a realizao de uma mudana porque ela se verificou, e ela efetua-se porque quem a realiza pode, sabe, quer ou deve faz-la. Tomemos, por exemplo, o ato de comprar um apartamento: quando se assina a escritura, reali za-se o ato de compra; para isso, necessrio po der (ter dinheiro) e querer ou dever comprar (res pectivamente, querer deixar de pagar aluguel ou ter necessidade de mudar, por ter sido despejado, por exemplo).

    Algumas mudanas so necessrias para que outras se dem. Assim, para apanhar uma fruta, necessrio apanhar um bambu ou outro instrumento para derrub-la. Para ter um carro, preciso antes conseguir o dinheiro.

    Narrativa e Narrao

    Existe algu ma diferena entre as duas? Sim. A narratividade um componente narrativo que pode existir em textos que no so narraes. A narrativa a transformao de situaes. Por exemplo, quando se diz Depois da abolio, incentivou-se a imigrao de europeus, temos um texto dissertativo, que, no entanto, apresenta um componente narrativo, pois contm uma mudana de situa-o: do no incentivo ao incentivo da imigrao europia.

    Se a narrativa est presente em quase todos os tipos de texto, o que narrao?A narrao um tipo de narrativa. Tem ela trs caractersticas:- um conjunto de transformaes de situao (o texto de Manuel Bandeira

    Porquinho-da-ndia, como vimos, preenche essa condio); - um texto figurativo, isto , opera com perso nagens e fatos concretos (o texto

    Porquinho -da-ndia preenche tambm esse requisito);- as mudanas relatadas esto organizadas de maneira tal que, entre elas, existe

    sempre uma relao de anterioridade e posterioridade (no texto Porquinho-da-ndia o fato de ganhar o animal anterior ao de ele estar debaixo do fo go, que por sua vez anterior ao de o menino lev-lo para a sala, que por seu turno anterior ao de o porquinho-da-ndia voltar ao fogo).

    Essa relao de anterioridade e posterioridade sempre pertinente num texto narrativo, mesmo que a sequncia linear da temporalidade aparea alterada. Assim, por exemplo, no romance macha diano Memrias pstumas de Brs Cubas, quando o narrador comea contando sua morte para em seguida relatar sua vida, a sequncia temporal foi modificada. No entanto, o leitor reconstitui, ao longo da leitura, as relaes de anterioridade e de posterioridade.

    Resumindo: na narrao, as trs caractersticas explicadas acima (transformao de situaes, fi guratividade e relaes de anterioridade e poste rioridade entre os episdios relatados) devem es tar presentes conjuntamente. Um texto que tenha s uma ou duas dessas caractersticas no uma narrao.

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    Esquema que pode facilitar a elaborao de seu texto narrativo:

    1 - Introduo: citar o fato, o tempo e o lugar, ou seja, o que aconteceu, quando e onde.

    2 - Desenvolvimento: causa do fato e apresentao dos personagens.3 - Desenvolvimento: detalhes do fato.4 - Concluso: consequncias do fato.

    Caracterizao Formal:

    Em geral, a narrativa se desenvolve na prosa. O aspecto narrativo apresenta, at certo ponto, alguma subjetividade, porquanto a criao e o colorido do contexto esto em funo da individualidade e do estilo do narrador. Dependendo do enfoque do redator, a narrao ter diversas abordagens. Assim de grande importncia saber se o relato feito em primeira pessoa ou terceira pessoa. No primeiro caso, h a participao do narrador; segundo, h uma inferncia do ltimo atravs da onipresena e oniscincia.

    Quanto temporalidade, no h rigor na ordenao dos acontecimentos: esses podem oscilar no tempo, transgredindo o aspecto linear e constituindo o que se denomina flashback. O narrador que usa essa tcnica (caracterstica comum no cinema moderno) demonstra maior criatividade e originalidade, podendo observar as aes ziguezagueando no tempo e no espao.

    Exemplo - Personagens

    Aboletado na varanda, lendo Graciliano Ramos, O Dr. Amncio no viu a mulher chegar.

    - No quer que se carpa o quintal, moo?Estava um caco: mal vestida, cheirando a fumaa, a face escalavrada. Mas os

    olhos... (sempre guardam alguma coisa do passado, os olhos).(Kiefer, Charles. A dentadura postia. Porto Alegre: Mercado Aberto, p.

    5O)

    Exemplo - Espao

    Considerarei longamente meu pequeno deserto, a redondeza escura e unifor-me dos seixos. Seria o leito seco de algum rio. No havia, em todo o caso, como negar-lhe a insipidez.

    (Linda, Ieda. As amazonas segundo tio Hermann. Porto Alegre: Movimento, 1981, p. 51)

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    Exemplo - Tempo

    Sete da manh. Honorato Madeira acorda e lembra-se: a mulher lhe pediu que a chamasse cedo.

    (Verssimo, rico. Caminhos Cruzados. p.4)

    Ao longo da nossa vida, vivemos em meio a muitas narrativas. Desde muito cedo, ouvimos histrias de nossas famlias, de como era a cidade ou o bairro h muito tempo atrs; como eram nossos parentes quando mais novos. Ouvimos tambm histrias de medos, de personagens fantsticos, de sonhos. Enfim, ouvimos, contamos, lemos, assistimos, imaginamos histrias.

    Texto 1

    Noite escura, sem cu nem estrelas. Uma noite de ardentia. Estava tremendo. O que seria desta vez? A resposta veio do fundo. Uma enorme baleia, com o corpo todo iluminado, passava exatamente sob o barco, quase tocando-lhe o fundo. Podia ser sua descomunal cauda, de envergadura talvez igual ao comprimento do meu barco, passando por baixo, de um lado, enquanto do outro, seguiam o corpo e a cabea. Com o seu movimento verde fosforescente iluminando a noite, nem me tocou, e iluminada seguiu em frente. Com as mos agarradas na borda, estava completamente paralisado por to impressionante espetculo belo e assustador ao mesmo tempo. Acompanhava com os olhos e a respirao seu caminho sob a superfcie. Manobrou e voltou-se de novo, e, mesmo maravilhado com o que via, no tive a menor dvida: voei para dentro, fechei a porta e todos os respiros, e fiquei aguardando, deitado, com as mos no teto, pronto para o golpe. Suavemente tocou o leme e passou a empurrar o barco, que ficou atravessado a sua frente. Eu procurava imaginar o que ela queria.

    (Klink, Amir. Cem dias entre cu e mar. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1986)

    Texto 2

    A lebre e a tartaruga

    A lebre estava se vangloriando de sua rapidez, perante os outros animais: Nunca perco de ningum. Desafio a todos aqui a tomarem parte numa corrida comigo.

    Aceito o desafio!, disse a tartaruga calmamente. Isto parece brincadeira. Poderia danar sua volta, por todo o caminho, respondeu a lebre.

    Guarde sua presuno at ver quem ganha, recomendou a tartaruga.A um sinal dado pelos outros animais, as duas partiram. A lebre saiu a toda

    velocidade. Mais adiante, para demonstrar seu desprezo pela rival, deitou-se e tirou uma soneca. A tartaruga continuou avanando, com muita perseverana. Quando a lebre acordou, viu-a j pertinho do ponto final e no teve tempo de correr, para chegar primeiro.

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    Moral: Com perseverana, tudo se alcana.

    Comentrio:

    - o texto mostra, atravs de um relato de experincia vivida, cenas da memria do famoso navegador brasileiro - Amir Klink, autor de vrios livros sobre suas viagens;

    - o texto 2 conta uma histria de animais - fbula - que ilustra um comportamento humano e cuja finalidade dar um ensinamento a respeito de certas atitudes das pessoas.

    Podemos afirmar que os dois textos tm em comum os seguintes aspectos:

    - acontecimento, fato, situao (ou o que aconteceu e como aconteceu)- personagem (ou com quem aconteceu)- espao, tempo (ou o onde e quando aconteceu)- narrador (ou quem est contando)

    Ambos os textos so narrativas, mas com uma diferena: o primeiro uma narrativa no ficcional, porque traz uma histria vivida e relatada por uma pessoa. O segundo uma narrativa ficcional, em que um autor cria no mundo da imaginao, uma histria narrada por um narrador e vivida por seus personagens.

    Para a distino entre narrativa ficcional e no ficcional ficar mais clara, bom lembrar, por exemplo, que a notcia de jornal tambm uma narrativa de no fico, pois relata fatos da realidade que meream ser divulgados.

    Tipologia da Narrativa Ficcional:

    - Romance- Conto- Crnica- Fbula- Lenda- Parbola- Anedota- Poema pico

    Tipologia da Narrativa No-Ficcional:

    - Memorialismo- Notcias- Relatos- Histria da Civilizao

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    Apresentao da Narrativa:

    - visual: texto escrito; legendas + desenhos (= histria em quadrinhos) e desenhos.

    - auditiva: narrativas radiofonizadas; fitas gravadas e discos.- audiovisual: cinema; teatro e narrativas televisionadas.

    Exemplos de Textos Narrativos:

    Conto: a forma narrativa, em prosa, de menor extenso (no sentido estrito de tamanho). Entre suas principais caractersticas, esto a conciso, a preciso, a densidade, a unidade de efeito ou impresso total: o conto precisa causar um efeito singular no leitor; muita excitao e emotividade. Ao escritor de contos d-se o nome de contista. Exemplo:

    A noite em que os hotis estavam cheios

    O casal chegou cidade tarde da noite. Estavam cansados da viagem; ela, grvida, no se sentia bem. Foram procurar um lugar onde passar a noite. Hotel, hospedaria, qualquer coisa serviria, desde que no fosse muito caro.

    No seria fcil, como eles logo descobriram. No primeiro hotel o gerente, homem de maus modos, foi logo dizendo que no havia lugar. No segundo, o encarregado da portaria olhou com desconfiana o casal e resolveu pedir documentos. O homem disse que no tinha, na pressa da viagem esquecera os documentos.

    E como pretende o senhor conseguir um lugar num hotel, se no tem documentos? disse o encarregado. Eu nem sei se o senhor vai pagar a conta ou no!

    O viajante no disse nada. Tomou a esposa pelo brao e seguiu adiante. No terceiro hotel tambm no havia vaga. No quarto que era mais uma modesta hospedaria havia, mas o dono desconfiou do casal e resolveu dizer que o estabelecimento estava lotado. Contudo, para no ficar mal, resolveu dar uma desculpa:

    O senhor v, se o governo nos desse incentivos, como do para os grandes hotis, eu j teria feito uma reforma aqui. Poderia at receber delegaes estrangeiras. Mas at hoje no consegui nada. Se eu conhecesse algum influente... O senhor no conhece ningum nas altas esferas?

    O viajante hesitou, depois disse que sim, que talvez conhecesse algum nas altas esferas.

    Pois ento disse o dono da hospedaria fale para esse seu conhecido da minha hospedaria. Assim, da prxima vez que o senhor vier, talvez j possa lhe dar um quarto de primeira classe, com banho e tudo.

    O viajante agradeceu, lamentando apenas que seu problema fosse mais urgente: precisava de um quarto para aquela noite. Foi adiante.

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    No hotel seguinte, quase tiveram xito. O gerente estava esperando um casal de conhecidos artistas, que viajavam incgnitos. Quando os viajantes apareceram, pensou que fossem os hspedes que aguardava e disse que sim, que o quarto j estava pronto. Ainda fez um elogio.

    O disfarce est muito bom. Que disfarce? Perguntou o viajante. Essas roupas velhas que vocs esto usando, disse o gerente. Isso no disfarce, disse o homem, so as roupas que ns temos. O gerente a percebeu o engano:

    Sinto muito desculpou-se. Eu pensei que tinha um quarto vago, mas parece que j foi ocupado.

    O casal foi adiante. No hotel seguinte, tambm no havia vaga, e o gerente era metido a engraado. Ali perto havia uma manjedoura, disse, por que no se hospedavam l? No seria muito confortvel, mas em compensao no pagariam diria. Para surpresa dele, o viajante achou a idia boa, e at agradeceu. Saram.

    No demorou muito, apareceram os trs Reis Magos, perguntando por um casal de forasteiros. E foi a que o gerente comeou a achar que talvez tivesse perdido os hspedes mais importantes j chegados a Belm de Nazar.

    (A Massagista Japonesa, Contos para um Natal brasileiro, Editora Relume: IBASE Rio de Janeiro, 1996, pg. 09.

    Crnica: uma narrao, segundo a ordem temporal. O termo atribudo, por exemplo, aos noticirios dos jornais, comentrios literrios ou cientficos, que preenchem periodicamente as pginas de um jornal. Exemplo:

    Escuta

    J que est se falando tanto em aparelhos de escuta, imagine se existisse um aparelho capaz de captar do ar tudo que j foi dito pela raa humana desde os seus primeiros grunhidos. Nossas palavras provocam ondas sonoras que se alastram e quem nos assegura que elas no continuam no ar, dando voltas ao mundo, junto com as palavras dos outros, para sempre? Como no parece existir fronteiras para a tcnica moderna, o aparelho certamente se sofisticaria em pouco tempo e logo poderamos captar a poca que quisssemos e isolar palavras, frases, discursos inteiros, inclusive identificando o seu lugar de origem. Sintonizar o Globe Theater de Londres e ouvir as palavras de Shakespeare ditas por atores da poca elizabetana, com intervenes do ponto e comentrios da platia, por exemplo. Ouvir, talvez, o prprio Shakespeare falando. Ou tossindo, j que todos os sons que emitimos? espirros, gemidos, puns tambm continuariam no ar para serem ouvidos. O grito do Ipiranga. Discursos do Rui Barbosa. O silncio do Maracan quando o Uruguai marcou o segundo gol. As grandes frases da humanidade, na voz do prprio autor! Descobriramos que Alexandre, o Grande, tinha voz fina, que Napoleo era linguinha, que a primeira coisa que Cabral disse ao chegar ao Brasil foi Diabos, enxarquei as botas... As pessoas se reuniriam para sintonizar o passado, procura de vozes conhecidas e frases famosas.

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    Se for para o bem de todos e a felicidade geral da nao, diga ao povo que...? Isso no interessa. Muda. Gugu? Espera! Essa voz no me estranha... Dad? Sou eu, quando era beb! Aumenta, aumenta! verdade que no haveria como identificar vozes famosas, dizendo coisas banais. Aquela frase, captada numa rua de Atenas? Aparece l em casa, e leva a patroa? pode muito bem ter sido dita por Pricles. Aquela outra Um pouquinho mais para cima... A, a! agora coa! pode ter sido dita por Madame Currie para o marido. Ou por Max para Engels. E no se deve esquecer que algumas das coisas mais bonitas ditas pelo homem atravs da Histria foram ditas baixinho, no ouvido de algum, e no causaram ondas. Da prxima vez que disser alguma coisa que valha a pena no ouvido de algum, portanto, grite. Voc pode estar rompendo um caso de amor, e talvez um tmpano, mas estar falando para a posteridade.

    [...]

    (Verssimo, Lus Fernando. Jornal do Brasil, 27/O9/98, p. 11)

    Fbula: uma narrativa figurada, na qual so animais que ganham caractersticas humanas. Sempre contm um moral por sustentao, constatada no final da histria. um gnero muito verstil, pois permite diversas maneiras de se abordar determinado assunto. muito interessante para crianas, pois permite que elas sejam ensinadas dentro de preceitos morais sem que percebam. Exemplo:

    O Lobo e o Cordeiro

    A razo do mais forte a que vence no final (nem sempre o Bem derrota o Mal).

    Um cordeiro a sede matava

    nas guas limpas de um regato. Eis que se avista um lobo que por l passava

    em forado jejum, aventureiro inato, e lhe diz irritado: - Que ousadia

    a tua, de turvar, em pleno dia, a gua que bebo! Hei de castigar-te! - Majestade, permiti-me um aparte -

    diz o cordeiro. - Vede que estou matando a sede

    gua a jusante, bem uns vinte passos adiante

    de onde vos encontrais. Assim, por conseguinte, para mim seria impossvel

    cometer to grosseiro acinte. - Mas turvas, e ainda mais horrvel

    foi que falaste mal de mim no ano passado.

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    - Mas como poderia - pergunta assustado o cordeiro -, se eu no era nascido?

    - Ah, no? Ento deve ter sido teu irmo. - Peo-vos perdo

    mais uma vez, mas deve ser engano, pois eu no tenho mano.

    - Ento, algum parente: teus tios, teus pais. . . Cordeiros, ces, pastores, vs no me poupais;

    por isso, hei de vingar-me - e o leva at o recesso da mata, onde o esquarteja e come sem processo.

    La Fontaine

    Lenda: uma narrativa fantasiosa transmitida pela tradio oral atravs dos tempos. De carter fantstico e/ou fictcio, as lendas combinam fatos reais e histricos com fatos irreais que so meramente produto da imaginao aventuresca humana. Com exemplos bem definidos em todos os pases do mundo, as lendas geralmente fornecem explicaes plausveis, e at certo ponto aceitveis, para coisas que no tm explicaes cientficas comprovadas, como acontecimentos misteriosos ou sobrenaturais. Podemos entender que lenda uma degenerao do Mito. Como diz o dito popular Quem conta um conto aumenta um ponto, as lendas, pelo fato de serem repassadas oralmente de gerao a gerao, sofrem alteraes medida que vo sendo recontadas. Exemplo:

    Boi Tat

    um Monstro com olhos de fogo, enormes, de dia quase cego, noite v tudo. Diz a lenda que o Boitat era uma espcie de cobra e foi o nico sobrevivente de um grande dilvio que cobriu a terra. Para escapar ele entrou num buraco e l ficou no escuro, assim, seus olhos cresceram.

    Desde ento anda pelos campos em busca de restos de animais. Algumas vezes, assume a forma de uma cobra com os olhos flamejantes do tamanho de sua cabea e persegue os viajantes noturnos. s vezes ele visto como um facho cintilante de fogo correndo de um lado para outro da mata. No Nordeste do Brasil chamado de Cumadre Fulzinha. Para os ndios ele Mba-Tata, ou Coisa de Fogo, e mora no fundo dos rios.

    Dizem ainda que ele o esprito de gente ruim ou almas penadas, e por onde passa, vai tocando fogo nos campos. Outros dizem que ele protege as matas contra incndios.

    A cincia diz que existe um fenmeno chamado Fogo-ftuo, que so os gases inflamveis que emanam dos pntanos, sepulturas e carcaas de grandes animais mortos, e que visto de longe parecem grandes tochas em movimento.

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    Parbola: narrativa curta ou aplogo, muitas vezes erroneamente definida tambm como fbula. Sua caracterstica ser protagonizada por seres humanos e possuir sempre uma razo moral que pode ser tanto implcita como explcita. Ao longo dos tempos vem sendo utilizada para ilustrar lies de tica por vias simblicas ou indiretas. Narrao figurativa na qual, por meio de comparao, o conjunto dos elementos evoca outras realidades, tanto fantsticas, quanto reais. Exemplo:

    O Filho Prdigo

    Um certo homem tinha dois filhos. E o mais moo deles disse ao pai: Pai, d-me a parte da fazenda que me pertence. E ele repartiu por eles a fazenda. E, poucos dias depois, o filho mais novo, ajuntando tudo, partiu para uma terra longnqua e ali desperdiou a sua fazenda, vivendo dissolutamente. E, havendo ele gastado tudo, houve naquela terra uma grande fome, e comeou a padecer necessidades. E foi e chegou-se a um dos cidados daquela terra, o qual o mandou para os seus campos a apascentar porcos. E desejava encher o seu estmago com as bolotas que os porcos comiam, e ningum lhe dava nada. E, caindo em si, disse: Quantos trabalhadores de meu pai tm abundncia de po, e eu aqui pereo de fome! Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai, e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o cu e perante ti. J no sou digno de ser chamado teu filho; faze-me como um dos teus trabalhadores. E, levantando-se, foi para seu pai; e, quando ainda estava longe, viu-o seu pai, e se moveu de ntima compaixo, e, correndo, lanou-se-lhe ao pescoo, e o beijou. E o filho lhe disse: Pai, pequei contra o cu e perante ti e j no sou digno de ser chamado teu filho. Mas o pai disse aos seus servos: Trazei depressa a melhor roupa, e vesti-lho, e ponde-lhe um anel na mo e sandlias nos ps, e trazei o bezerro cevado, e matai-o; e comamos e alegremo-nos, porque este meu filho estava morto e reviveu; tinha-se perdido e foi achado. E comearam a alegrar-se. E o seu filho mais velho estava no campo; e, quando veio e chegou perto de casa, ouviu a msica e as danas. E, chamando um dos servos, perguntou-lhe que era aquilo. E ele lhe disse: Veio teu irmo; e teu pai matou o bezerro cevado, porque o recebeu so e salvo. Mas ele se indignou e no queria entrar. E, saindo o pai, instava com ele. Mas, respondendo ele, disse ao pai: Eis que te sirvo h tantos anos, sem nunca transgredir o teu mandamento, e nunca me deste um cabrito para alegrar-me com os meus amigos. Vindo, porm, este teu filho, que desperdiou a tua fazenda com as meretrizes, mataste-lhe o bezerro cevado. E ele lhe disse: Filho, tu sempre ests comigo, e todas as minhas coisas so tuas. Mas era justo alegrarmo-nos e regozijarmo-nos, porque este teu irmo estava morto e reviveu; tinha-se perdido e foi achado

    (Evangelho Lucas 15:11-32)

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    DISSERTAO

    A dissertao uma exposio, discusso ou interpretao de uma determinada idia. , sobretudo, analisar algum tema. Pressupe um exame crtico do assunto, lgica, raciocnio, clareza, coerncia, objetividade na exposio, um planejamento de trabalho e uma habilidade de expresso.

    em funo da capacidade crtica que se questionam pontos da realidade social, histrica e psicolgica do mundo e dos semelhantes. Vemos tambm, que a dissertao no seu significado diz respeito a um tipo de texto em que a exposio de uma idia, atravs de argumentos, feita com a finalidade de desenvolver um contedo cientfico, doutrinrio ou artstico.

    Exemplo:

    H trs mtodos pelos quais pode um homem che gar a ser primeiro-ministro. 0 primeiro saber, com prudncia, como servir-se de uma pessoa, de uma filha ou de uma irm; o segundo, como trair ou solapar os predecessores; e o terceiro, como clamar, com zelo fu rioso, contra a corrupo da corte. Mas um prncipe discreto prefere nomear os que se valem do ltimo des ses mtodos, pois os tais fanticos sempre se revelam os mais obsequiosos e subservientes vontade e s pai xes do amo. Tendo sua disposio todos os cargos, conservam-se no poder esses ministros subordinando a maioria do senado, ou grande conselho, e, afinal, por via de um expediente chamado anistia (cuja natureza lhe expliquei), garantem-se contra futuras prestaes de contas e retiram-se da vida pblica carregados com os despojos da nao.

    Jonathan Swift. Viagens de Gulliver.So Paulo, Abril Cultural, 1979, p. 234-235.

    Esse texto explica os trs mtodos pelos quais um homem chega a ser primeiro-ministro, acon selha o prncipe discreto a escolh-lo entre os que clamam contra a corrupo na corte e justifica es se conselho.

    Observe-se que:- o texto temtico, pois analisa e interpreta a realidade com conceitos abstratos

    e genricos (no se fala de um homem particular e do que faz para chegar a ser primeiro-ministro, mas do homem em geral e de todos os mtodos para atingir o poder);

    - existe mudana de situao no texto (por exem plo, a mudana de atitude dos que clamam con tra a corrupo da corte no momento em que se tornam primeiros-ministros);

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    - a progresso temporal dos enunciados no tem importncia, pois o que importa a relao de implicao (clamar contra a corrupo da cor te implica ser corrupto depois da nomeao para primeiro-ministro).

    Caractersticas:

    - ao contrrio do texto narrativo e do descritivo, ele temtico;- como o texto narrativo, ele mostra mudanas de situao;- ao contrrio do texto narrativo, nele as rela es de anterioridade e de

    posterioridade dos enunciados no tm maior importncia - o que importa so suas relaes lgicas: analo gia, pertinncia, causalidade, coexistncia, correspondncia, implicao, etc.

    - a esttica e a gramtica so comuns a todos os tipos de redao. J a estrutura, o contedo e a estilstica possuem caractersticas prprias a cada tipo de texto.

    So partes da dissertao: Introduo / Desenvolvimento / Concluso.

    Introduo: em que se apresenta o assunto; se apresenta a idia principal, sem, no entanto, antecipar seu desenvolvimento. Tipos:

    - Diviso: quando h dois ou mais termos a serem discutidos. Ex: Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro...

    - Aluso Histrica: um fato passado que se relaciona a um fato presente. Ex: A crise econmica que teve incio no comeo dos anos 80 com os conhecidos altos ndices de inflao que a dcada colecionou agravou vrios dos histricos problemas sociais do pas. Entre eles, a violncia, principalmente a urbana, cuja escalada tem sido facilmente identificada pela populao brasileira.

    - Proposio: o autor explicita seus objetivos.- Convite: proposta ao leitor para que participe de alguma coisa apresentada no

    texto. Ex: Voc quer estar na sua? Quer se sentir seguro, ter o sucesso pretendido? No entre pelo cano! Faa parte desse time de vencedores desde a escolha desse momento!

    - Contestao: contestar uma idia ou uma situao. Ex: importante que o cidado saiba que portar arma de fogo no a soluo no combate insegurana.

    - Caractersticas: caracterizao de espaos ou aspectos. - Estatsticas: apresentao de dados estatsticos. Ex: Em 1982, eram 15,8

    milhes os domiclios brasileiros com televisores. Hoje, so 34 milhes (o sexto maior parque de aparelhos receptores instalados do mundo). Ao todo, existem no pas 257 emissoras (aquelas capazes de gerar programas) e 2.624 repetidoras (que apenas retransmitem sinais recebidos). (...)

    - Declarao Inicial: emitir um conceito sobre um fato.

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    - Citao: opinio de algum de destaque sobre o assunto do texto. Ex: A principal caracterstica do dspota encontra-se no fato de ser ele o autor nico e exclusivo das normas e das regras que definem a vida familiar, isto , o espao privado. Seu poder, escreve Aristteles, arbitrrio, pois decorre exclusivamente de sua vontade, de seu prazer e de suas necessidades.

    - Definio: desenvolve-se pela explicao dos termos que compem o texto. - Interrogao: questionamento. Ex: Volta e meia se faz a pergunta de praxe:

    afinal de contas, todo esse entusiasmo pelo futebol no uma prova de alienao?- Suspense: alguma informao que faa aumentar a curiosidade do leitor. - Comparao: social e geogrfica. - Enumerao: enumerar as informaes. Ex: Ao distncia, velocidade,

    comunicao, linha de montagem, triunfo das massas, Holocausto: atravs das metforas e das realidades que marcaram esses 100 ltimos anos, aparece a verdadeira doena do sculo...

    - Narrao: narrar um fato.

    Desenvolvimento: a argumentao da idia inicial, de forma organizada e progressiva. a parte maior e mais importante do texto. Podem ser desenvolvidos de vrias formas:

    - Trajetria Histrica: cultura geral o que se prova com este tipo de abordagem.- Definio: no basta citar, mas preciso desdobrar a idia principal ao mximo,

    esclarecendo o conceito ou a definio.- Comparao: estabelecer analogias, confrontar situaes distintas.- Bilateralidade: quando o tema proposto apresenta pontos favorveis e

    desfavorveis.- Ilustrao Narrativa ou Descritiva: narrar um fato ou descrever uma cena.- Cifras e Dados Estatsticos: citar cifras e dados estatsticos.- Hiptese: antecipa uma previso, apontando para provveis resultados.- Interrogao: Toda sucesso de interrogaes deve apresentar questionamento

    e reflexo.- Refutao: questiona-se praticamente tudo: conceitos, valores, juzos.- Causa e Consequncia: estruturar o texto atravs dos porqus de uma

    determinada situao.- Oposio: abordar um assunto de forma dialtica.- Exemplificao: dar exemplos.

    Concluso: uma avaliao final do assunto, um fechamento integrado de tudo que se argumentou. Para ela convergem todas as idias anteriormente desenvolvidas.

    - Concluso Fechada: recupera a ideia da tese.- Concluso Aberta: levanta uma hiptese, projeta um pensamento ou faz uma

    proposta, incentivando a reflexo de quem l.

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    Exemplo:

    Direito de Trabalho

    Com a queda do feudalismo no sculo XV, nasce um novo modelo econmico: o capitalismo, que at o sculo XX agia por meio da incluso de trabalhadores e hoje passou a agir por meio da excluso. (A)

    A tendncia do mundo contemporneo tornar todo o trabalho automtico, devido evoluo tecnolgica e a necessidade de qualificao cada vez maior, o que provoca o desemprego. Outro fator que tambm leva ao desemprego de um sem nmero de trabalhadores a conteno de despesas, de gastos. (B)

    Segundo a Constituio, preocupada com essa crise social que provm dessa automatizao e qualificao, obriga que seja feita uma lei, em que ser dada absoluta garantia aos trabalhadores, de que, mesmo que as empresas sejam automatizadas, no perdero eles seu mercado de trabalho. (C)

    No uma utopia?!Um exemplo vivo so os bias-frias que trabalham na colheita da cana-de-

    acar que devido ao avano tecnolgico e a lei do governador Geraldo Alkmin, defendendo o meio ambiente, proibindo a queima da cana-de-acar para a colheita e substituindo-os ento pelas mquinas, desemprega milhares deles. (D)

    Em troca os sindicatos dos trabalhadores rurais do cursos de cabeleleiro, marcenaria, eletricista, para no perderem o mercado de trabalho, aumentando, com isso, a classe de trabalhos informais.

    Como ficam ento aqueles trabalhadores que passaram vida estudando, se especializando, para se diferenciarem e ainda esto desempregados?, como vimos no ltimo concurso da prefeitura do Rio de Janeiro para gari, havia at advogado na fila de inscrio. (E)

    J que a Constituio dita seu valor ao social que todos tm o direito de trabalho, cabe aos governantes desse pas, que almeja um futuro brilhante, deter, com urgncia esse processo de desnveis gritantes e criar solues eficazes para combater a crise generalizada (F), pois a uma nao doente, miservel e desigual, no compete a to sonhada modernidade. (G)

    1 Pargrafo Introduo

    A. Tema: Desemprego no Brasil.Contextualizao: decorrncia de um processo histrico problemtico.

    2 ao 6 Pargrafo Desenvolvimento

    B. Argumento 1: Exploram-se dados da realidade que remetem a uma anlise do tema em questo.

    C. Argumento 2: Consideraes a respeito de outro dado da realidade. D. Argumento 3: Coloca-se sob suspeita a sinceridade de quem prope solues.E. Argumento 4: Uso do raciocnio lgico de oposio.

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    7 Pargrafo: ConclusoF. Uma possvel soluo apresentada.G. O texto conclui que desigualdade no se casa com modernidade.

    CRNICA

    o texto curto, publicado com periodicidade regular em jornais e revistas, e que explora literariamente, por meio do lirismo ou do humor, um fato do cotidiano. Distingue-se a crnica jornalstica (social, esportiva, econmica etc.), de carter puramente informativo, da crnica literria, que revela um trabalho artstico, lingustico sobre a matria tratada.

    A crnica o gnero mais aberto e malevel da prosa. Pode ser indistintamente descritiva, narrativa ou reflexiva, muitas vezes aproximando-se do conto, ou do poema em prosa, ou de outros gneros. Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga, Nlson Rodrigues esto entre nossos grandes cronistas.

    COMENTRIOS

    Narraco e Descrio

    Os textos narrativos e descritivos so figurati vos. Eles representam o mundo, simulam-no. A narrao mostra mudanas de situao de um ser particular (o menino que ganhou um porquinho- da-ndia, por exemplo), com os enunciados dispos-tos numa progresso temporal, numa relao de anterioridade e posterioridade. A descrio expe propriedades e aspectos de um ser particular (o cu numa noite estrelada, um rosto sofrido, uma personagem, a hora do rush) numa relao de si-multaneidade; nela no h mudana de situao.

    Dissertao

    O texto dissertativo temtico. Ele comenta, explica, analisa, classifica os seres. Por isso, sua referncia ao mundo se faz por conceitos amplos, modelos genricos, muitas vezes abstrados do tempo e do espao. Pela mesma razo, embora tambm nele apaream mudanas de situao, no tm maior importncia as relaes de anterio ridade e posterioridade entre os enunciados, mas sim as relaes lgicas. O texto dissertativo tpico o da cincia e da filosofia.

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    O texto dissertativo mais abstrato que os ou tros dois. Ele interpreta e analisa os dados concre tos da realidade. Esses dados, quando aparecem numa dissertao, s servem para confirmar ou exemplificar as ideias abstratas que esto sendo apresentadas.

    Embora a progresso temporal da dissertao no tenha importncia, no se pode mudar von tade a sequncia dos enunciados, pois h o risco de se alterarem as relaes lgicas.

    O Ponto de Vista do Produtor do Texto

    Geralmente se pensa que s na dissertao que o produtor do texto expressa seu ponto de vista sobre o objeto posto em discusso. Isso no verdade. Tambm na narrao e na descrio esto presentes os pontos de vista do enunciador. O modo como eles so apresentados que difere em cada tipo de texto.

    Como a dissertao um texto temtico, nela os pontos de vista so explcitos. Na descrio, o ponto de vista manifestado, entre outros recursos pelos aspectos selecionados e pela adjetivao colhida: o produtor do texto transmite uma mensagem positiva ou negativa do que est sendo dito. Na narrao, um dos meios mais eficientes de manifestar um ponto de vista o encadeamento das figuras.

    Para entender o ponto de vista existente na narrao e na descrio, preciso no esquecer que se trata de textos figurativos e que por trs das figuras existe um tema implcito. Por exemplo narrar a histria de um pas cujo presidente praticava os mais variados esportes, vivia a dizer trabalhava em favor dos pobres, enquanto a recesso aumentava, e com ela o desemprego e misria, manifestar um ponto de vista sobre o tal presidente.

    Desfazendo um Equvoco

    Observe com ateno o texto abaixo:

    Seria difcil encontrar uma definio do mito que fosse aceita por todos os eruditos e, ao mesmo tempo, acessvel aos no-especialistas. Por outro lado, ser realmente possvel encontrar uma nica definio ca paz de cobrir todos os tipos e todas as funes dos mitos, em todas as sociedades arcaicas e tradicionais? O mito uma realidade cultural extremamente complexa, que pode ser abordada e interpretada atravs de perspectivas mltiplas e complementares.

    A definio que parece a menos imperfeita, por ser mais ampla, a seguinte: o mito conta uma histria sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fa buloso do princpio. Em outros termos, o mito narra como, graas s faanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade to tal, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espcie vegetal, um comportamento humano, uma instituio. sempre, portanto, a narrativa de uma criao: ele relata de que modo algo foi produzido e comeou a ser. O mito fala apenas do que realmente ocorreu, do que se manifestou plenamente. Os perso nagens

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    dos mitos so os Entes Sobrenaturais . Eles so conhecidos sobretudo pelo que fizeram no tempo prestigioso dos primrdios. Os mitos revelam, portan to, sua atividade criadora e desvendam a sacralidade (ou simplesmente a sobrenaturalidade) de suas obras. Em suma, os mitos descrevem as diversas, e algumas vezes dramticas, irrupes do sagrado (ou do sobre natural) no Mundo. essa irrupo do sagrado que realmente fundamenta o Mundo e o converte no que hoje. E mais: em razo das intervenes dos Entes Sobrenaturais que o homem o que hoje, um ser mortal, sexuado e cultural.

    Mircea Eliade. Mito e realidade.So Paulo, Perspectiva, 1972, pg. 11.

    Algum poderia dizer que esse texto uma descrio, pois ele descreve as propriedades, as caractersticas do mito. No entanto, cabe lembrar que o que define a descrio so todas as proprie dades enunciadas acima, tomadas conjuntamente. Uma descrio um texto figurativo. Este um texto temtico, pois fala de coisas abstratas: defi nio, tipos e funes do mito, sociedades arcaicas e tradicionais, realidade cultural, etc. Ele aborda uma transformao: vai da ausncia de definio do mito existncia de uma definio. Nele as relaes importantes so as relaes lgicas; por exemplo, a causalidade - A definico que (...) me parece a menos imperfeita, por ser mais ampla - e a concluso - sempre, portanto, a narrativa de uma criao. Se o texto temtico, mostra mudan as de situao e coloca em primeiro plano as re laes lgicas entre os elementos que o compem , uma dissertao.

    Poder-se-ia dizer ainda que o texto citado uma descrio porque s so utilizados verbos no presente do indicativo. No entanto, deve-se obser var que o presente, nesse caso, tem um valor epis tmico, ou seja, tem um significado onitemporal (do latim omni = todo): o que ele enuncia vli do para todas as pocas, e no somente para o momento da fala. O presente usado nas des cries, diversamente, pontual, indica um estado no momento da fala. Quando se diz, numa descri o, O sol nasce no horizonte, est-se afirmando que aquilo est ocorrendo naquele momento; no se est enunciando a verdade cientfica de que o sol sempre nasce no horizonte.

    O texto dissertativo fala do geral; o texto des critivo, do particular. Quando se fala da rvore em geral, disserta-se; quando se fala de um ip em flor diante de certa janela, descreve-se. O texto te mtico que enuncia propriedades e caractersticas dissertativo; o texto figurativo que apresenta propriedades e caractersticas de um ser singular descritivo.

    Tipos de Comentrio na Dissertao

    Textos: Uniformidade e Diversidade

    Existe uma concepo muito difundida de que cada texto uma criao nova, original. Quando estamos diante de um texto, comum a impresso de que nunca lemos outro como aquele. a iluso da originalidade absoluta.

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    Trata-se, sem dvida, de uma iluso, porque nenhum texto completamente novo. De um la do, h modos de organizao textual, mecanismos de construo de sentido que se repetem em v rios textos; de outro, os textos reproduzem as ideias, as concepes e os valores que circulam na sociedade de dado lugar e de certa poca. Eviden temente, essas ideias no so nicas, porque em qualquer sociedade complexa h um conjunto muito grande de concepes em conflito e em concorrncia, isto , diferentes discursos: so ml tiplas concepes religiosas, diferentes modelos polticos, diversos sistemas filosficos e assim por diante.

    O texto, que sempre um produto de dimen ses histricas, vincula-se a uma dessas concep es. Da mesma forma, h tambm diversos mo dos de construo textual que servem de modelo para textos particulares que fazem uso de proce-dimentos conhecidos e que se repetem em mui tos outros textos do mesmo gnero. Desse modo, todo texto, ao lado de algumas novidades que, sem dvida, o distinguem e o singularizam, obe dece a determinados padres gerais, seja no n vel das ideias que transmite, seja no domnio da composio. Isso significa que, num texto, nem tudo totalmente novo, nem tudo totalmente velho e j conhecido. Em qualquer texto coexis tem a diversidade e a uniformidade, a variabilidade e a invariabilidade. Sob a superfcie diferenciada, h, num nvel mais profundo, modelos que se repetem.

    Narrao, Descrio e Dissertao

    H sculos a tradio do ensino vem trabalhando com uma classificao de textos que se revelou bastante produtiva: a que os distingue em narrao, descrio e dissertao. Se os textos podem ser distribudos nessas trs classes, porque cada uma delas apresenta um plano de construo, um conjunto de procedimentos comuns.

    A descrio um texto construdo por acmulo: seu enunciador vai acrescentando detalhes, propriedades, caractersticas simultneas do objeto descrito. A narrao elabora-se por meio de uma progresso temporal, que vai mostrando as transformaes do objeto narrado. A dissertao constituda por uma progresso lgica, em que cada enunciado, que se articula logicamente a outro, um comentrio sobre fatos ou ideias postos em discusso.

    Podem ocorrer, numa dissertao, trechos narrativos ou descritivos. Observe o texto que segue:

    O evento mais significativo na Amrica Latina, - semana passada, no foi a posse do novo presidente do Equador, Lucio Gutirrez, outro lder de esquerda que chega ao poder. Tambm no foi a tentativa de relan amento do Mercosul pelos presidentes Lula, do Brasil e Duhalde, da Argentina, nem a articulao de um gru po de pases da regio para servir de mediador na crise da Venezuela. O evento mais significativo deu-se nos ares, e tem a ver tambm com a Venezuela: um Boeing 727 que partira de Caracas com destino a San to Domingo teve de voltar, por razes de segurana, tal a balbrdia a bordo desde que os passageiros identificaram a presena, entre eles,

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    de um passageiro do regime de Hugo Chvez, o general da reserva Belisrio Landis, ex-comandante da Guarda Nacional e atual embaixador na Repblica Dominicana. Os passageiros apontavam e ofendiam o general. A gritaria chegou a tal ponto que o piloto, meia hora depois da decolagem julgou por bem voltar. ( ... )

    O episdio mostra a que ponto se chegou, na Vene zuela. ( ... ) O espao de um Boeing ficou pequeno de mais para conter representantes dos dois pedaos em que se dividiu a populao.

    Roberto Pompeu de Toledo. In: Veja, 22/1/2003, pg. 98.

    A narrativa do que aconteceu no Boeing que ia de Caracas a Santo Domingo no o objetivo cen tral desse texto, mas a foi includa como pretexto para que o enunciador comentasse a respeito da diviso que se produziu na Venezuela entre partidrios e opositores do governo. O texto trata justamente desse tema, que foi desenvolvido a partir do fato narrado.

    O Comentrio

    Pode-se dizer que a dissertao , por exce lncia, um texto do comentrio. Que significa exatamente isso? Comentrio anlise de um tem a posto em debate. Em outros termos, comen trio significa explicitar os diversos pontos de vista ou os diversos ngulos pelos quais se pode analisar um problema ou uma questo posta em julgamento. Por meio do comentrio, o sentido do tema desdobrado, pondo-se em evidncia significados ainda no revelados. O comentrio pe mostra novos ngulos de uma questo posta sob considerao.

    A dissertao sempre uma leitura ativa de um tema, pois uma operao em que dele se extraem as mais variadas relaes de sentido com vistas a uma concluso. O enunciador utiliza-se de vrios comentrio, de vrias relaes significativas para persuadir o leitor a aceitar sua concluso.

    Tradicionalmente, divide-se a dissertao em trs partes: a introduo, o desenvolvimento e a concluso. Na primeira, o enunciador situa o tema que ser tratado; na segunda, faz sobre ele di rentes comentrios; na terceira, apresenta, sob forma de concluso, o resultado final a que os comentrios anteriores servem de fundamento.

    O poder persuasivo dessa montagem depen de da pertinncia dos comentrios, da sua com binao e da implicao entre a concluso e seus antecedentes.

    Modalidades de Comentrio

    Os comentrios podem ser de vrios tipos, pois possvel explorar diferentes relaes de sentido para explicar os diversos significados presentes num tema. O que importa que eles sempre servem para tornar explcitos significativos ocultos por baixo de qualquer questo posta em discusso.

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    Vamos apresentar alguns tipos de coment rios utilizveis na dissertao, que se destacam por serem aqueles com que mais frequentemente os textos so compostos.

    Comentrio por Traduo ou Especificao

    aquele que define o significado pelo qual um tema deve ser analisado, o ngulo pelo qual uma questo deve ser considerada.

    DO REVLVER FUMEGANTE BOCA NA BOTIJA

    Smoking gun, literalmente, revlver fumegante, em ingls, o revlver que acaba de ser usado. Foi acionado h to pouco que seus mecanismos no ti veram tempo de entrar em descanso, e a fumaa ain da escapa do cano. Achar o revlver fumegante, ou surpreender algum com o revlver fumegante, uma expresso que, nos Estados Unidos, significa pegar al gum em flagrante. A metfora apropriada. Nada mais incriminador do que encontrar o revlver ainda soltando fumaa na mo do assassino, a vtima esta telada ao lado, o cenrio a revelar a vtima, o autor e o instrumento do crime com clareza solar.

    Roberto Pompeu de Toledo. In: Veja, 19/2/2003, pg. 102.

    Nesse texto, o enunciador comea seu comen trio especificando ou traduzindo o sentido pelo qual vai analisar o tema: Do revlver fumegante boca na botija. O trecho reproduzido acima mos tra apenas uma parte dessa especificao: apre senta o sentido com que se vai tomar a expresso revlver fumegante.

    Nos pargrafos seguintes o enunciador, depois de mostrar que as expresses usadas nos Estados Unidos e no Brasil para significar o ato de pegar algum em fla-grante so, respectivamente, achar algum com o revlver fumegante e pegar com a boca na botija, tece consideraes sobre a cultura de cada povo.

    Comentrio por Contraste aquele em que se confrontam dois temas, duas situaes, dois fatos, pondo em

    evidncia as diferenas entre eles. Destina-se a precisar o sentido de um dado tema, a facilitar a compreenso de um certo enunciado.

    O que interessa aqui o revlver fumegante em si. Quer dizer: a prpria expresso. Ela usada no s em casos de guerra ou de crimes de sangue. No caso Watergate, no qual no havia violncia fsica, a expresso tambm foi fartamente utilizada. E assim tambm nas numerosas vezes em que, nos oitos anos da era Clinton, se tentou envolver o presidente em algum escndalo. No mais do que dizer o bvio lembrar que a imagem casa bem com um pas de caubis. Ou um pas em que comprar uma arma quase mais fcil que comprar antibiticos - afinal, antibiticos precisam de

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    receita. O revlver algo to presente quanto a Bblia, na formao americana, da no causar espanto que esteja em todas as bocas. Tambm no espanta que seja to invocado num pas que no consegue ficar sossegado, precisa sempre arrumar um ini migo e, como um viciado, sofre crise de abstinncia se no se engaja de tempos em tempos numa guerra.

    No Brasil no se usa a expresso revlver fumegan te. No corrente, nem fica bem, em portugus, em ma tria de sonoridade. Nosso equivalente seria... apa-nhar algum com a boca na botija. Pronto, diriam os mais apressados. Estamos vingados. Enquanto eles reve lam a propenso para solues violentas, na escolha de uma expresso que evoca sangue, ns, para dizer a mes ma coisa, adotamos uma pacfica imagem de cozinha.

    No. No sejamos to condescendentes conosco mes mos, nem patriotas pelas razes erradas. Admitamos hu mildemente que talvez no sejamos menos violentos. Apenas, a violncia, por aqui, assume outras formas. De mais a mais, se as expresses idiomticas revelam as ca ractersticas de um povo, a boca na botija diz algo no muito lisonjeiro do povo brasileiro. Quem apanhado com a boca na botija porque est roubando comida de outrem. E se est roubando comida porque est com fome. A expresso inscreve-se na tradio dos contos, di tos e anedotas que enfatizam a malandragem dos fracos contra os fortes, na luta da sobrevivncia. uma tradi o comum aos ambientes de penria e desigualdade.

    Idem. Ibidem.

    Fazendo o contraste entre as expresses revl ver fumegante e com a boca na botija, e pondo mostra diferentes traos da ndole e dos costumes de cada povo que se serve delas, o enunciador dis crimina caractersticas do povo brasileiro e do norte-americano.

    Comentrio pela Causa

    aquele que explica os motivos que deram ori gem a uma dada situao. normal nos reality shows ocorrerem pequenas intrigas, discusses e exploses

    de ansiedade nessas produes, porque as pessoas enfrentam uma situao de isolamento e presso.

    Veja, 22/1/2003, p. 13

    Nesse texto, comenta-se a ocorrncia de discusses e exploses de ansiedade nos reality shows por meio da explicitao da causa que a provoca: o isolamento e a presso a que so submetidos os participantes.

    Nem sempre a causa exposta por meio de conectores to evidentes. Com as possibilidades abertas pelas novas tecnologias, a TV dever viver uma revoluo. A causa da revoluo na TV dos prximos anos sero as possibilidades abertas pelas novas tecnologias.

  • REDAO

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    Comentrio por Efeito ou Consequncia

    aquele que expe os resultados