recensÕes - universidade de coimbra · de ser também, para o filólogo, um ensinamento a...
TRANSCRIPT
RECENSÕES
317
ANTóNIO LóPEZ EIRE, La lengua coloquial de la Comedia aristofanica, Universidad de
Murcia, 1996.
No seu livro La lengua coloquial de la Comedia aristofanica, António López
Eire proporciona um estudo atento do texto de Aristófanes, vocacionado para a sondagem
e definição de características, que fazem da linguagem do poeta um testemunho válido
da fala coloquial contemporânea. Muitos são, à partida, os méritos deste estudo, realizado
por um conhecedor profundo da comédia antiga e detentor de uma séria formação
filológica. Convida-nos, em primeiro lugar, López Eire à valorização dramática e
psicológica do texto, a uma consideração não apenas das palavras escritas, mas também
daquele mundo humano e social patente nas entrelinhas e decisivo para a apreensão total
da riqueza do conjunto. Assim valoriza devidamente a subtileza de um poeta que 'possuía
um ouvido muito fino para captar as diferenças sociais e até individuais, pelo emprego
que do ático faziam os seus contemporâneos' (p. 19). A análise minuciosa e atenta das
comédias resulta na citação de exemplos muito abundantes, acompanhados de notáveis
sugestões de tradução. Por fim, o leitor é conduzido com prudência pelo campo perigoso
da subjectividade da linguagem, por forma a que penetre no subtil sem correr o risco de
cair na ficção aventureira.
Começa López Eire por avaliar os limites que condicionam fatalmente uma
análise deste tipo: a falta do conhecimento directo da língua falada; a relatividade do
testemunho dos textos, dada a sua natureza literária e as próprias condicionantes formais
que os espartilham. Não é, no entanto, este estudioso imune à consciência mais optimista
de que outros factores se contrapõem a estas limitações de base, que nos permitem
caminhar com alguma segurança na busca da palpitação realista da Atenas de Aristófanes.
A partir do princípio geral indiscutível de que a própria ideia de comédia pressupõe o
recurso a uma linguagem corrente e vulgar, pode coligir-se um conjunto de situações em
que 'a marca do concreto' é inegável. Para repetir apenas os casos mais evidentes,
lembremos as obscenidades, que são naturalmente o eco de uma realidade, as expressões
que encontraram réplica em muitos graffiti que a arqueologia desenterrou de lugares
públicos como a agora, os insultos, ou as onomatopeias da voz dos animais aplicadas ao
discurso humano. A experiência de fenómenos paralelos nas línguas modernas não deixa
de ser também, para o filólogo, um ensinamento a explorar.
Organiza-se este estudo por uma sequência alargada de capítulos, que partem de
uma análise em termos mais gerais e abrangentes -l.El ático coloquial de las comedias
de Aristófanes, 2. Nível coloquialy linguistica de la interacción, .3. Situación, contexto,
entonación y mímica, 4. Habla coloquialy funciones dei lenguaje - para uma sequência
de mais doze subdivisões especificamente dedicadas a aspectos parcelares da linguagem
falada (e. g., Las interjecciones, Las partículas, La accumulación, La elipsis).
Algumas premissas metodológicas definem e organizam a avaliação do material
318
disponível. Destacarei algumas que me parecem fundamentais. Assim, López Eire detecta,
patentes na comédia aristofánica, três níveis sociais do ático, um excessivamente refinado,
outro intermédio e finalmente um portador de uma marca rústica clara, além de sub-
-grupos de falantes (como o Cita) ou mesmo da caracterização individual de cidadãos
concretos (como é o caso da pronúncia de Alcibíades). Pode-se, a partir desta seriação,
analisar aspectos parcelares da trama linguística. Estão neste caso, por exemplo, os
elementos que denunciam amais moderna intelectualidade, com opções morfossintácticas
e semânticas muito particulares. A detecção destes pormenores permite hierarquizações
a vários níveis: etários, culturais, sociais. Pela finura e noção do pormenor que manifestam,
colho apenas breves exemplos que me parecem excepcionalmente felizes: para dizer Ό
mais valoroso', Bdelícleon usa o adjectivo em -ικός, ανδρικός, enquanto o pai opta
pela versão mais tradicional e comum ανδρείος (ρ. 21). Pormenores desta natureza
'patenteiam o contraste entre a fala de uma geração mais velha e ignorante e os requisitos
vocabulares de uma camada jovem e cultivada, que frequenta os cenáculos onde se
reúnem membros das mais ilustradas e altas esferas da sociedade ateniense' (p. 21).
Por outro lado, são perceptíveis as transposições que o uso vai fazendo desses
achados intelectualóides para a linguagem comum; caso de οϊκησις, uma formação em
-σις comum na parodia da linguagem sofisticada de Eurípides e que, mais tarde,
Praxágora usa já totalmente assimilada ao seu vocabulário quotidiano. Esta é, de resto,
no séc. IV a. C , uma tendência consumada.
Não menos interessante é o princípio que preside à elaboração do capítulo 2,
Nível coloquial e linguístico da interacção. Aí López Eire partilha da tendência
progressivamente mais pragmática da linguística moderna, que vai abandonando a mera
enunciação, para privilegiar os actos da fala entendidos como alocuções ou interlocuções.
Saem desta nova perspectiva valorizadas as influências mútuas no intercâmbio
comunicativo, que fazem da linguística uma ciência parceira da psicologia, sociologia
ou etnografia. A partir desta base teórica, o autor volta-se agora, da individualidade
linguística, para a interacção, a linguagem a dois. Salientam-se as formas dialogais, a
conversação é colocada no centro de uma análise de cariz sociolinguístico. Ε um conjunto
de elementos, de tonalidade pessoal ou psicológica, anexos às palavras propriamente
ditas, transforma a linguagem num processo que sai dos manuais para se tornar uma
criatura autêntica e vibrátil. São as interrupções, a entoação expressiva, a elipse ou a
braquilogia compensadas pela mímica ou o gesto, pela situação ou contexto, que operam
o milagre. Neste jogo de cooperação entre elementos tão díspares é até possível que as
palavras se omitam, sem que a frase perca - ou ganhe até! - expressividade. Multiplicam-
-se os exemplos, que vão desde casos tão elementares como ικετεύω/Ικετεύω σε,
άντιβολω/άντιβολω σε, aoutros mais sugestivos como έξένεγκε/έξένεγκε ταργύριον
(ρ. 57). Só por força ainda dos mesmos intervenientes pode uma interjeição de dor,
como άτατταΐ, ser usada por Diceópolis em tom de gozo, quando se trata de troçar dos
319
sofrimentos de Lâmaco.
Com este jogo de expressividade, que junta o gesto, a situação, à palavra,
relaciona-se a noção fundamental da convenção dramática, o mesmo é dizer de uma
conivência entre dramaturgo e público, que torna esperáveis e compreensíveis
determinadas sequências padrão. Assim o 'estratagema do escravo carregado', de que a
actuação de Xântias nos primeiros vinte versos de Rãs é paradigma.
Por meio desta consideração de uma realidade compósita, chega o autor a uma
espécie de definição da linguagem coloquial em Aristófanes (p. 75): 'Esta existe onde o
contexto, situação, entoação e mímica se tornam indispensáveis para a cabal compreensão
de uma mensagem, em que não é a função referente que predomina, mas sim a expressiva
e conativa'.
Os capítulos seguintes, dedicados a aspectos particulares do uso linguístico, são
a lógica sequência das reflexões antes adiantadas. Dado o apoio que à linguagem
propriamente dita conferem outros factores de interlocução, se procura avaliar as naturais
simplificações ou distorções que tendem a sofrer os dois elementos essenciais de todas
as línguas: a gramática e o léxico. Colabora esta análise na valorização da componente
social de uma língua, que permite constantes desvios da norma e dificulta a assimilação
completa por parte de um falante oriundo de outra comunidade.
Procede-se então a uma síntese cuidada de aspectos diversificados em que
palavras ou expressões perderam em substância semântica e sintáctica, mas em
contrapartida podem operar, com maior eficácia, uma função conativa (cujo objectivo é
influir sobre o interlocutor), ou expressiva (capaz de revelar o estado emocional do
falante). Há, neste conjunto, uma grande variedade de recursos e nuances: formas
negligentes de pronúncia, que muito revelam da qualidade informal do discurso;
interjeições, que ora se realizam como sons articulados, ora como simples sequências
fonéticas paradoxais, só compreensíveis dentro de um contexto e de conotações muito
flexíveis; formas exortativas, na função de estimulantes conversacionais, que, como é
sobretudo o caso da segunda pessoa do singular do imperativo, podem perder a sua
qualidade morfológica estrita por força da expressividade; pronomes, por vezes reforçados
por elementos epidícticos; o jogo rico de partículas, em que o ático coloquial é
particularmente fértil; o uso expressivo do comparativo e superlativo; a violação que a
linguagem figurada constitui em relação à qualidade própria de um uerbum designando
uma res, em nome de um efeito propriamente emotivo; o resultado obtido pela acumulação
ou repetição de uma mesma palavra, ou, por contraste, pela elipse e braquilogia; por
fim, a deslocação sintáctica ou anacoluto, como a liberdade de quebrar a rigorosa cadeia
sintáctica em nome do vigor da mensagem.
Contempla esta análise um leque de casos, que vão do mais evidente ao subtil ou
mais sofisticado. Mas em todas as circunstâncias, a abundância de exemplos permite
uma visão clara da polivalência destes diversos factores de coloquialismo.
320
Do conjunto do material elaborado, o leitor menos preparado só tem a lamentar
a falta de índices, que lhe permitiriam uma orientação mais rápida na consulta de casos
concretos, e uma síntese bibliográfica, que condensasse ou mesmo alargasse a informação
que vai sendo fornecida em notas de rodapé. No seu conteúdo técnico e científico, porém,
este livro dá um precioso contributo para uma avaliação mais consciente do poder
expressivo de um dramaturgo de sucesso, a partir do testemunho mais acessível ao
estudioso moderno: o texto.
MARIA DE FáTIMA SILVA
A. PULIDO SILVA ε I. ROJAS ALVAREZ. Aristófanes. La Asamblea de las Mujeres, Cuadernos
dei Centro de Estúdios Clásicos, 41, Universidad Nacional Autónoma de México,
México, 1996.
O número 41 dos Cuadernos dei Centro de Estúdios Clásicos, publicados pela
Universidade Nacional Autónoma de México, é dedicado & Assembleia das Mulheres de
Aristófanes. Vem a tradução precedida de uma introdução que se ocupa, em primeiro
lugar, do relacionamento da teoria comunista de bens e mulheres, parodiada na. Assembleia
das Mulheres, com a República de Platão. Embora o assunto seja sintetizado de forma
muito breve, deixa clara a interferência, sobre as duas produções, de ideias latentes no
mundo da época e assim ultrapassa prudentemente a questão conhecida da relação
cronológica entre os dois textos. E, por encadeamento natural, aborda-se o compromisso
do tema da peça com a realidade da Atenas contemporânea, em crise após o desfecho
infeliz da guerra do Peloponeso.
As outras grandes questões temáticas e técnicas que a peça suscita são apenas
rapidamente enunciadas: qualidade dramática, data, moderação no ataque político,
redução do elemento coral, a figura de Praxágora. Esta brevidade e a forma desordenada
que preside à abordagem dos problemas não proporcionam ao leitor uma orientação
suficiente sobre as características que fazem desta peça uma produção de qualidade
(característica valorizada com insistência) e sobretudo um exemplar de uma nova época,
com um gosto diferente, que se abria na história da comédia.
Ε a tradução, apresentada juntamente com o texto grego, a componente mais
cuidada do conjunto. Dotada de um bom ritmo, coloquial e expressivo, proporciona ao
leitor contemporâneo um acesso atractivo ao texto de Aristófanes. Uma série de 30 notas
dá um contributo para o esclarecimento de aspectos de pormenor, em particular a
identificação de personagens da época aludidas no texto, como também o movimento de
cena.
321
No seu conjunto, este livro presta um contributo útil de divulgação da comédia
aristoflnica junto de um público amplo, como fica evidente a partir da informação,
genérica e elementar, que não sobrecarrega um conteúdo fundamentalmente centrado
sobre o texto. Falta, no entanto, uma bibliografia, mesmo que restrita, que satisfaça a
curiosidade de um leitor mais exigente.
MARIA DE FáTIMA SILVA
CÍCERO. Scripta quae mansuerunt omnia. Fase. 3. De oratore, hrsg. K. F.
KUMANIECKI, Stuttgart, Teubner, 1995, XL + 412 p.
Trata-se, no caso presente, de reeditar o volume aparecido em 1969, composto
por um prefácio que recorda a tradição codicológica e manuscrita e justifica as opções,
critérios e métodos utilizados pela autora (p.I-XXIV); pelas bibliografias reportadas à
data da primeira edição; pelo texto, com aparato crítico muito desenvolvido; e, finalmente,
por um índex nominum e por um index uerborum notabilium maxime ad rhetoricam
artem pertinentium. O último, embora cuidadoso, deixou passar em claro lemas como
philosophus (cf.3.142) e eloquentia, embora registe elocutio, eloqui e eloquendi.
Obra fulcral para a literatura e a cultura latinas, a reedição do De oratore só
pode ser considerada oportuna e bem-vinda.
FRANCISCO DE OLIVEIRA
I. ORNELLAS ε CASTRO, O livro de cozinha de Apício. Um breviário do gosto imperial
romano, introdução, tradução e comentários, Lisboa, Colares Editora, 1997,283p.
É de saudar o exaustivo e aturado trabalho de uma estudiosa que, pela primeira
vez em língua portuguesa, se abalançou a traduzir o célebre tratado de culinária atribuído
a Apício.
Como o título indica, o volume é ainda constituído por comentários que, em tipo
diferente, seguem de imediato as receitas e se tornam necessários para que os modernos
melhor compreendam os antigos.
Os interesses e objectivos da autora, revelados na escolha do subtítulo, realizam-
-se na longa introdução, onde, de forma pessoal, com uma perspectiva tanto histórica e
literária como sociológica, o tema da culinária é bem situado na história da cultura romana,
das influências recebidas à sua perduração (ver p.59-61: De Apício até nós), incluindo,
21
322
a p.258 ss., uma tentativa original de actualização de algumas receitas.
A apresentação deste volume, bastante aceitável, ganharia certamente em receber
quadricromias e na melhoria do seu enquadramento, tornando-o ainda mais atractivo1.
Sobrelevo neste trabalho a laboriosa tradução especializada, bastante conseguida,
com uma notável tentativa de uniformização possível dos termos técnicos, que os
especialistas facilmente detectarão, a revelar a maturidade de uma autora apaixonada
por um tema que, no seguimento do recrudescer do interesse pela vida quotidiana,
ultimamente tem colhido favor internacional, incluindo na vizinha Espanha, onde
entretanto saiu um edição similar2.
Aconselho este volume, completado com índices e bibliografia específica, tanto
ao público em geral como aos latinistas e historiadores da Antiguidade.
FRANCISCO DE OLIVEIRA
A. GUERRA, Plínio-o-Velho e a Lusitânia, Lisboa, Ed. Colibri, 1995, 176p.
Propõe-nos a presente edição fornecer, em texto original e sua tradução, as fontes
plinianas para o estudo da Lusitânia romana.
A discussão do conceito de Lusitânia e sua inserção no de Hispânia obrigaria o
autor a estabelecer uma antologia mais alargada, no mínimo para que o contexto se
tornasse mais explícito. De resto, parece-me que A. Guerra tem consciência do facto,
mas não o levou à prática, quando escreve, na p. 67: "Sobre a exploração do chumbo e
do ouro no nosso território v. comentário a 33,154-155 e 33,66 e 78 respectivamente",
sem se aperceber que não seleccionara, transcrevera ou comentara o primeiro passo
citado3.
Da mesma maneira, a propósito de JVaf.4.113, p.82-84, comenta as palavras
Coniumbrica e Ebourobritium quando na transcrição está, e bem, Conimbriga e
Eburobrittium. A discrepância repete-se em outros passos, como 4.114 (p.86: illinc et
oceanus vs. illinc, oceanus); 4.116 (p.90: Gentes Celticae vs. gentes Celtici); 4.117 (p.101-
-102: Scallabis por Scalabis), etc.
Objectivo não alcançado pelo autor foi, em meu entender, o de fornecer ao leitor
médio português um texto de referência que oferecesse segurança. De facto, afirma A.
Guerra usar a edição Les Belles Lettres ou, nos livros ainda não editados nessa colecção,
1 Veja-se N. Blanc — A. Nercessian, La cuisine romaine antique, Grenoble, Glénat, 1994. 2 Apicius, De ce coquinaria. Gastronomia en la Antigua Roma Imperial, com. y trad. de
M. Ibaflez Artica, R&B Ediciones, 1995. 3 Pela minha parte, incluiria trechos como 2.167, 181; 3.17-19, 28-29; 8.166; 9.9; 16.32,
93; 19.94; 25.85; 33.66, 96; 37.24, e alargaria o contexto de outros, como em 8.166.191.
323
a edição Teubner.
Ora, dado que a maioria dos textos utilizados ainda não apareceu na Belles Lettres,
não seria mais adequado usar simplesmente a edição Teubner? Ε não seria preferível
generalizar a pontuação por esta utilizada, de modo a evitar a arbitrariedade numa questão
que é de importância fulcral para o entendimento do texto e a distinção entre nomes
próprios e nomes comuns?
Como justificar, particularmente nos passos onde só existe o texto teubneriano,
que a transcrição não seja exacta, levando o comentário a assumir o que não está na
edição utilizada nem porventura no texto transcrito, numa espécie de círculo vicioso?
Passando por cima das numerosas gralhas e até omissões de palavras, vejam-se somente
alguns passos importantes, como Ato.3.8: Lusum por lusum; 3.28: Biballi por Bibali
solução que torna inútil o comentário da Introd. p. 14: "Preferimos, por exemplo, Bibalos
a Bibalos porque em latim temos Biballi"; 4.118: Cibilitani por Cilibitani e, pior ainda,
inserção da glosa Lancienses, não perfilhada por Ian-Mayhoff e óbvia iteração de linha
anterior, solução que origina um comentário verdadeiramente intrigante e inconsistente;
4.120: existimantur por existimaur e appellatam por appellant.
Ε fácil, para qualquer especialista, verificar que ambas as edições se contaminam
mutuamente e que é notória a influência da edição Littré.
Quanto à abreviatura dos nomes de autores latinos, não vejo vantagem em usar
as abreviaturas do Thesaurus Linguae Latinae em vez das do Oxford Latin Dictionary;
esta opção logo faria prescindir de quatro das siglas propostas na p.17. Aliás, se usa as
abreviaturas do Thesaurus, para quê indicar, para a Naturalis Historia, a sigla NH, que
me parece nunca ter sido utilizada, quando o Thesaurus utiliza nat.l E, a haver siglas,
porque não as usar também para as revistas?
De entre as partes em que a obra se divide, a Introdução apresenta, genericamente,
o autor e a obra. Na p.22, para o título da enciclopédia pliniana, A. Guerra opta por
entender natura como "universo", que considera melhor solução que "recherche sur le
monde", proposta de J. Bayet. Opção a meu ver errada, pois natura significa as coisas da
natureza, na sua realidade física, como o próprio Plínio nos diz quando explicita, em
praef.Yl, num passo que evoca um livro grego peri physeos: rerum natura, hoc est uita,
narratur, et haec sordídissima sui parte.
Logo de seguida, na p.23, também me parece merecer reparo a ideia, noutros
passos recorrente, de que a História Natural satisfazia "a curiosidade de um público
sem pretensões de um rigor científico". Ora tal afirmação suporia o levantamento do
estatuto sociológico do receptor, e, em meu entender, a História Natural tem em conta,
isso sim, o alargamento cultural que a sociedade imperial sofrera nos finais da República
e inícios do Principado.
No mínimo, considero de todo errado deixar supor que, em Plínio, o racionalismo
não tinha primazia. Seria preferível dizer que, apesar dos obstáculos epistemológicos de
324
que falam R. Lenoble ou P. Grimal, a História Natural revela uma grande vontade de
explicação racionalista das coisas da natureza. Na verdade, muitos dos mirabilia e
prodígios referidos na Introd. p. 23, que Plínio amiúde relata com óbvio distanciamento,
são relatados não por corresponderem a uma crença do autor, mas porque este se não
libertou, como ele próprio confessa, do obstáculo epistemológico que lhe impunha relatar
o que antes dele fora publicado.
No que concerne a tradução, posso concordar com algumas das soluções e
discordar de outras, sem que isso retire algum mérito ao esforço empreendido4, O que a
tradução não logra é respeitar fielmente o estilo do autor, apesar de A. Guerra elencar,
embora de forma incompleta, as suas figuras de estilo. De facto, quando Plínio utiliza
uariatio5, aparece uma tradução unitária (e.g. Nat.3.6: afineMurgitano ...in Laminitano
agro "o termo áeMurgis ... no termo de Lamínio"; 4.112: Flumen Limia, Durius amnis
"o rio Lima e o Douro", passo que daria boa oportunidade de exemplificar a hipotética
distinção entre flumen e amnis); pelo contrário, tendeu a uniformizar a grande variedade
estilística das fórmulas que introduzem as citações, com tendência a banalizar "referir"
como tradução de verbos tão díspares como tradere, prodere, auctor esse, dicere; enquanto
queprodere é traduzido alternadamente por "referir, transmitir, dizer"; em contrapartida,
por vezes são introduzidas soluções e perífrases que não estão no texto orginal (cf. 15.103);
desfeitos ou modificados paralelismos sintácticos (4.115), lítotes (19.10) e hendíadis
(33.66); e, o que é ainda mais notório, não consegue manter o assíndeto (3.13,28; 4.112,
113; 33.66); inversamente, são eliminadas copulativas existentes no latim (33.78) ou
introduzidas indevidamente (9.9 e 37.127). Em consequência, resultam prejudicados o
cadenciado, a economia de meios e a concisão do texto pliniano (cf. 15.17 e 34.156).
Quanto ao comentário, meritório trabalho de recolha e sistematização de dados,
em especial arqueológicos mas também literários e bibliográficos necessários à
compreensão das informações de Plínio, a sua riqueza é bem patente em muitas páginas,
embora por vezes necessitadas de maior espírito crítico, mais lima e clareza, até para
eliminar as numeroríssimas gralhas ou desatenções, como sucede na Introdução, p. 13,
onde afirma ser Nat. 19.10o único passo onde Plínio se refere aos Zelas, quando a antologia
os cita também em 7Var.3.28.
FRANCISCO DE OLIVEIRA
4 Quem tiver interesse em aprofundar a questão, pode cotejar com as minhas propostas de tradução de alguns passos comuns, a sair nas Actas do Congresso Occidua Plaga, realizado em Lisboa em Dezembro de 1996.
5 Na terminologia técnica, seria conveniente enquadrar a questão da uariatio com o óbvio propósito de fugir aos grecismos; em qualquer caso, contrariamente a A. Guerra, no comentário da p.l 17, ad 6.217, o artifício literário não pode ser entendido como fonte ou prova de imprecisão.
325
DUARTE DE SANDE, S. J., Dialogo sobre a missão dos embaixadores japoneses à Cúria
Romana. Prefácio, tradução do latim e comentário de AMÉRICO DA COSTA
RAMALHO. Macau, CTMCDP e Fundação Oriente, 1997, 353 p.
O livro cuja ficha bibliográfica encima estas linhas tem o título completo, no
original latino, De Missione Legatorum Iaponensium adRomanam Curiam, rebusque in
Europa ac totó itinere animaduersis Dialogus, ex ephemeride ipsorum legatorum collectus
et in sermonem Latinum uersus ab Eduardo de Sande Sacerdote Societatis IesuJ/ In
Macaensiportu Sinici regni in domo Societatis Iesu cumfacultate Ordinarii & Superiorum
Anno. 1590. Este longo título tem a vantagem de enunciar de forma completa o conteúdo
da obra, de não deixar dúvidas sobre o seu autor, e de elucidar sobre a actividade dos
prelos dos jesuítas, em terras do Oriente: 'Diálogo sobre a Missão dos Embaixadores
Japoneses à Cúria Romana e sobre as coisas vistas na Europa e em toda a viagem, extraído
do Diário dos próprios Embaixadores e vertido em Latim por Eduardo de Sande, sacerdote
da Companhia de Jesus.//(Impresso) no porto de Macau, do reino da China, na Casa da
Companhia de Jesus, com permissão do Ordinário e dos Superiores, no ano de 1590'.
A presente edição em português, saída também em Macau, decorridos
quatrocentos e sete anos, com o patrocínio da Comissão Territorial de Macau para as
Comemorações dos Descobrimentos Portugueses e da Fundação Oriente, é um bonito
exemplar, impresso e revisto criteriosamente, que reproduz na capa o monumento aos
quatro jovens aristocratas japoneses, vestidos à europeia, que se ergue em Omura, no
Japão.
Este livro agora divulgado, em tradução e comentário do Prof. Costa Ramalho,
torna-se de difícil apreciação, porque o efeito que produz em quem o lê, e à medida que
a leitura avança, é de deslumbramento; dir-se-ia mesmo que é de um sentimento de
admiração, de respeito e de veneração—de obseruantia—pelo mestre que se entregou,
com dedicação e entusiasmo, à tarefa ingente de traduzir, com alto nível científico e
competência linguística invulgar, uma obra destas proporções.
O Diálogo sobre a missão dos embaixadores japoneses à cúria romana inicia
com um Prefácio do Prof. Costa Ramalho (p. 9-17), síntese lapidar da obra, sua génese,
importância, autoria. Seguem-se, em tradução (p. 18-24), o pedido de licenciamento da
obra e a ordem de impressão; duas cartas, uma do padre Alexandre Valignano, outra do
autor, Duarte de Sande; e o «índice dos colóquios deste diálogo». Atradução do Dialogus
estende-se da p. 25-353 e é acompanhado de notas histórico-culturais, filológicas e
literárias, que na sua sobriedade e pertinência, orientam e conduzem o leitor, mesmo o
mais especializado.
Formado por trinta e quatro capítulos, ou colóquios, em 437 páginas em latim de
composição cerrada, sem parágrafos, nem intervalos e com certo número de abreviaturas,
326
o Dialogus conta a viagem feita por quatro jovens aristocratas japoneses de Nagasaki no
Japão, a Roma, para prestarem obediência ao papa, em nome de três príncipes nipónicos,
convertidos ao Cristianismo: procuravam estes príncipes o reconhecimento do Japão
entre os países civilizados, a sua inserção na universal República Cristã e a divulgação
na Europa da celebridade do nome do seu país.
São interlocutores do diálogo os quatro nobres, que tinham entre treze e dezassete
anos de idade, e eram baptizados com os seguintes nomes cristãos: Maneio, embaixador
de Francisco, rei do Bungo, Miguel, representante de Protásio, rei de Arima, e de
Bartolomeu, príncipe de Omura, e ainda dois outros rapazes da nobreza nipónica, Martim
e Julião. A estes se juntam mais dois interlocutores — ambos primos direitos do
embaixador Miguel—, Leão e Lino. Estes últimos, porque não tinham vindo na
embaixada à Europa, fazem perguntas, comentam as respostas e motivam o diálogo. O
diálogo, muito divulgado no Renascimento, quer em latim, quer em vernáculo, decorre
dentro dos códigos formais do género, em Arima, em casa da família de Miguel, que se
assume como principal narrador.
A viagem de ida e de retorno durou oito anos e alguns meses: a saída de Naga
saki foi a 20 de Fevereiro de 1582 e a reentrada no Japão, num dia de Julho de 1590. O
roteiro completo da viagem, desde as tenras orientais à Europa, figura no último colóquio,
em que Miguel, com a ajuda de um mapa, indica todos os pontos do globo percorridos
— qual Ninfa Tétis, no final à'Os Lusíadas.
Lisboa, que merece um colóquio inteiro, o colóquio XVI, foi o porto de chegada
e de partida. Daqui foram por terra para Espanha. Viajaram para a Itália através do
Mediterrâneo: de Alicante para Livorno, à ida; e de Génova para Barcelona, no regresso.
Estiveram duas vezes em Madrid.
A organização desta embaixada pertenceu inicialmente ao Padre Alessandra
Valignano, visitador da Companhia de Jesus no Oriente que, impedido de efectuar a
planeada viagem, se fez substituir pelo jesuíta português Nuno Rodrigues, principal do
Colégio de S. Paulo em Goa. A embaixada tornou-se, por assim dizer, uma empresa de
portugueses: os padres, os companheiros de viagem e os navios eram portugueses. Os
próprios jovens japoneses — como observou em Milão um diarista italiano, Urbano
Monte, durante a sua permanência em Itália — falavam fluentemente português,
entendiam bem espanhol e toscano e, como bons discípulos dos jesuítas, falavam
correntemente latim; contudo, em encontros oficiais com altas personalidades da política
utilizavam o seu idioma natal que era traduzido por um intérprete, o jesuíta português
padre Diogo Mesquita.
Sublinhe-se ainda que o autor do Dialogus é assumidamente o padre Duarte de
Sande e não o padre Alessandra Valignano, como se vem afirmando desde Daniel Bartoli
(1608-1685), autor da Storia delia Compagnia de Gesú. Confirmam-no a letra e o espírito
das duas cartas que servem de pórtico ao Dialogus, se para tanto não bastassem o título
327
completo da obra e o parecer emitido para publicação da mesma. Aliás, prova irrefutável
da nacionalidade portuguesa do autor da obra é o seu excessivo «lusitanismo», traduzido
nas referências constantes à História de Portugal, que terá motivado a censura, no índice
onomástico, de quase todos os nomes aduzidos, talvez para não susceptibilizar o soberano
ibérico, Filipe II. O elogio e a defesa entusiástica de Portugal e dos portugueses, da sua
admirável lealdade, percorre todo o Dialogus (vide e. g. colóquios III e IV) dé forma
que parece sentir-se nele pulsar o coração de um português, observa o Prof. Costa
Ramalho.
Era vontade dos Padres da Companhia que a viagem na Europa decorresse com
certa discrição, talvez porque a embaixada representava apenas três príncipes locais e
não poderia representar todo o Japão. Mas a recepção que em Madrid Filipe II de Espanha
— também rei de Portugal desde 1580, e incontestavemente o grande monarca europeu
desse final do séc. XVI — fez aos príncipes nipónicos, reconhecendo-os em hierarquia
aristocrática iguais a si próprio, deu o tom de jornada triunfal a toda esta permanência
por terras europeias, de Portugal, Espanha e Itália, os três países que visitaram. Os próprios
Papas Gregório XIII e Sisto V trataram-nos com todas as honras. Decorridos alguns dias
sobre a homenagem que os japoneses prestaram em Roma ao primeiro destes pontífices,
ele vem a falecer. Assistiram então, em Abril de 1585, à sagração e entronização do
novo papa, o enérgico e austero Sisto V, natural de Grottammare—perdoe-se o pormenor
—, conterrâneo da saudosa Dr5 Maria Luisa Lisciani Costa Ramalho, que do céu se
regozija com a publicação desta também sua grande obra que em vida tanto empolgou a
sua fina sensibilidade de mulher de invulgar cultura.
As principais razões desta embaixada são apresentadas no final do colóquio I.
Entre elas figura a ignorância que no Japão havia acerca da Europa, da sua cultura e
civilização e a desconfiança que existia em relação aos jesuítas, que com o seu ideal de
humildade e de pobreza da vida cristã eram vistos pelo japonês comum como aventureiros
ambiciosos de riqueza e de poder. Aliás era-lhes familiar o exemplo da dominação
espanhola nas Filipinas. A atitude de recusa da religião cristã prendia-se, segundo Miguel,
com esta desconfiança e com a ignorância da expansão do Cristianismo no mundo e do
seu prestígio social e político. Esta questão do prestígio era para os orientais—sublinha
o Prof. Costa Ramalho — muito mais importante do que os argumentos teológicos.
A riqueza material e a magnificência dos três países visitados deslumbrou os
jovens orientais, apesar de se manterem imperturbáveis, como revelam as palavras do
padre Duarte de Sande, em carta que dirige ao padre Cláudio Acquaviva, Geral da
Companhia de Jesus, que figura a introduzir o Dialogus (p. 20-21): 'Eles (dado o seu
natural de escol e a obediência aos padres) anotaram diligentemente nos seus cadernos
tudo quanto lhes pareceu notável e digno de memória, e não revelando no rosto qualquer
admiração, como é costume dos japoneses, todavia guardaram bem fundo nos sentidos e
na alma quanto lhes despertou maior admiração.'
328
A parte mais fascinante do itinerário foi, sem dúvida, a Itália, pela riqueza e
prosperidade das suas cidades, Milão, Génova, Florença, Ferrara, Mântua, Verona, Roma
e sobretudo Veneza, que foi a cidade mais amplamente tratada neste Dialogus. A famosa
república estava interessada em firmar as suas rotas comerciais com o Japão, pelo que
cumulou os príncipes de honrarias, que mereceram ser narradas. Ou será que um tão
longo tratamento poderá prender-se com o mito de Veneza, que os tratados das cidades
ideais, como o de Donato Giannotti, divulgaram na época? Em Portugal, visitaram cidades
como Lisboa, Évora, Vila Viçosa, Santarém, Tomar, Coimbra, sendo esta última
particularmente cara aos jesuítas, então no Oriente, que nela estudaram, viveram e até
leccionaram, pelo que mereceu um colóquio inteiro (Colóquio XXXI). Em toda a parte
foram os príncipes recebidos com discursos latinos de boas vindas e acolhidos nos colégios
da Companhia com representações dramáticas alusivas a acontecimentos mais relevantes
da embaixada nipónica. Em Coimbra, além das representações com que as diversas
classes académicas homenagearam os príncipes, houve mesmo um grande espectáculo
teatral para a Universidade e para a cidade, a tragédia loannes Baptista do padre jesuíta
António de Abreu, levada à cena por altura da entrada do novo bispo D. Afonso de
Castelo Branco, que coincidiu com a chegada dos príncipes japoneses.
Na verdade, nos dois anos em que eles estiveram na Europa, 1584 e 1585
ocorreram celebrações dignas de relevo, de que se faz a descrição no Dialogus—que se
torna assim um verdadeiro manancial de informações e um documento precioso e
insubstituível deste período crepuscular do século XVI europeu. Em Roma, puderam
assistir à sagração e entronização de um Papa; em Alcalá de Henares ao acto académico
de imposição de insígnias; em Coimbra à entrada de um Bispo; em Veneza a recepções
de uma grandeza inolvidável. Estas festas (vide Lesfêtes à la Renaissartce. C.N.R.S., 1960)
eram um modo de expressão, dentro de um universo de significação socio-política, da
exteriorização do "estado" e da condição social dos grandes senhores, considerada
necessária à maiestas pelos potentados do Renascimento, como mostra, nos seus estudos,
André Chastel.
A esta ideia de riqueza e magnificência se une a ideia de harmonia e paz como
apanágio da sociedade europeia, que deveria impressionar favoravelmente os jovens
japoneses. Isto sem esquecer que as guerras de religião perpassam de relance na obra,
quer a propósito de um jesuíta assassinado na Inglaterrra, quer a propósito dos colégios
da Companhia que existem em Roma para fazer face ao avanço do protestantismo. No
próprio Mediterrâneo se encontram piratas argelinos, mesmo depois da batalha de
Lepanto, em 7 de Outubro de 1571 — evocada também com toda a sua importância
nesta obra (colóquio XIV) —, pelo que a segurança de vidas e bens não é absoluta.
Mas a grande riqueza deste livro é impossível sequer enunciá-la, nestas breves
considerações. Ela reside sobretudo no diálogo que se estabelece entre o Oriente e o
Ocidente, com vincado acento na superioridade da Europa sobre o Japão, em todos os
329
aspectos que são evocados e sempre postos em confronto. Se o proselitismo dos jesuítas
é o principal reponsável por esta atitude, que pretende atribuir essa diferença qualitativa
à vivência da doutrina cristã, a expressão colorida de pormenores pitorescos é com toda
a certeza—apesar da ficcionalidade do diálogo permitir a sobreposição da voz do narrador
com a do autor—dos jovens nipónicos convertidos ao catolicismo, designadamente do
embaixador Miguel. A superioridade da Europa é constatada: no clima, no poder
económico-mercantil, na arte de marear, na sumptuosidade e magnificência das cidades,
nas instituições de ensino e seus curricula, em que avulta o valor pedagógico e sócio-
cultural do teatro, nas instituições de poder, na administração da justiça (apesar de se
depreender do diálogo, no colóquio XIV, que no Japão, no século XVI, os portugueses
tinham fama de esclavagistas, muito embora se desculpem com a ambição dos próprios
japoneses).
Por outro lado, um universo de conceitos de carácter político, social, religioso,
científico, pedagógico se desvenda e enquadra esta obra no espírito do Renascimento e
da Contra-Reforma. Serve de exemplo a importância dada ao conhecimento científico e
à experiência, quer no que se refere à arte de marear e seus inventos, quer ao problema
da cor negra e sua hipotética origem; a organização do estado eclesiástico e do estado
laico, devendo submeter-se o segundo ao primeiro; a discussão das várias formas de
transmissão do poder, por direito hereditário, por sufrágio popular ou eleição, por um
acto de violência, temas clássicos que ganharam a maior actualidade desde Maquiavel a
Jean Bodin; a afirmação do direito internacional.
Ε um sem número de considerações semeiam aqui e além a narração, como as
que respeitam à arte dramática, ao canto, à música, à dança, à seriedade e elegância das
mulheres europeias, às boas maneiras e formas de cortesia e urbanidade, ao mobiliário e
decoração das casas, ao vestuário, à forma de sentar, de comer, de entrar nos templos, à
caça e até às raças de cães, aos torneios, à arte de cavalgar, aos meios de transporte,
designadamente aos coches, e a tantos outros motivos que tornam este livro fascinante e
um documentário precioso para a caracterização de uma época, o século de ouro europeu.
Enfim, a compreensão desta obra não se esgota numa simples leitura: antes é
estimulante de novas leituras, aponta e sugere uma imensidade de pistas de investigação.
O desconhecimento quase generalizado do latim impede a compreensão de textos,
como este, imprescindíveis para um estudo alicerçado e sério da nossa história cultural
e da nossa literatura de Quinhentos, que tanto ficam a dever à investigação criteriosa e
exemplar do Mestre de Coimbra.
O Prof. Costa Ramalho,_/«fo.s interpres, para usar a expressão horaciana, valoriza
na sua tradução a clareza, a pureza e o valor estilístico. A complexidade do acto de
traduzir, na dupla dimensão da sententia e do uerbum — que ultrapassa os limites do
domínio linguístico e corresponde a um acto hermenêutico, que tem de ser equacionado
em termos de eficácia comunicativa — surge admiravelmente resolvida nesta obra. A
330
amplidão dos períodos de bom latim ciceroniano do original é preservada na tradução
portuguesa, que mantém a força retórica e o ritmo oratório latino, sem perder criatividade
expressiva. Mais, a multiplicidade e abrangência de motivos e de temáticas que tocam
todos os domínios da arte, da ciência, da cultura, da história das ideias, dos costumes e
tradições dos povos implicam uma linguagem específica e muitas vezes técnica que o
Prof. Costa Ramalho utiliza com o à vontade que lhe conferem o saber imenso, a grande
curiosidade intelectual, a dedicação absoluta de uma vida inteira às humaniores litterae.
Porque estes predicados raramente se encontram na mesma pessoa, dificilmente surgirá
no futuro um investigador desta envergadura, capaz de meter ombros a uma tarefa de tal
natureza. É este um motivo mais para a nossa admiração.
NAIR DE NAZARé CASTRO SOARES
HEREDIA CORRêA, ROBERTO: De Petronio, el Satiricón y algunas digresiones (Universidad
Nacional Autónoma de México, México, 1996) 101 p.
Como nos é dito no prefácio, da responsabilidade de Fernando Curiel, este
trabalho é resultante da reunião de dados de investigação e notas para aulas e conferências.
Ao longo de sete capítulos, Heredia faz uma abordagem global de Petronio e da sua
obra. Trata-se, por isso, de uma obra que se revela útil, sobretudo para alunos e investi
gadores que dão os primeiros passos no confronto com os problemas levantados pelo
Satyricon. O panorama das questões tratadas é bastante vasto, mas, em boa verdade, o
Autor não discute em profundidade nenhuma delas. Assim, no primeiro capítulo,
"Petronio, autor dei Satiricón", retoma a tese tradicional que identifica, em termos gerais,
Petronio com o arbiter elegantiae da corte de Nero. Esta parece-nos, de resto, a
interpretação mais sensata. Recorda, também, o conhecido testemunho sobre Petronio
dos Annales de Tácito, que Heredia traduz e comenta brevemente. No capítulo seguinte,
"^Qué es el Satiricón!, retoma de forma expressa a reconstrução do romance proposta
por Sullivan, complementada com algumas perspectivas de Walsh, e refere brevemente
as dificuldades existentes em integrar o Satyricon dentro de um género específico e bem
definido, acabando por colher a ideia de que, na sua natureza polimórfica, o romance
constitui um unicum (30), opinião que, embora nos possa merecer algumas reservas,
continua globalmente válida. O terceiro capítulo, "El contenido dei Satiricón", constitui
apenas um resumo do romance, sem verdadeiras preocupações interpretativas. Nele
traduz, por vezes, alguns passos da obra, dos quais, contra a informação do prefácio, não
é dada a versão latina nem se indica claramente a edição usada. De resto, a primeira
informação sobre o texto adoptado aparece-nos apenas no último capítulo (91), não
331
ficando claro se foi usada apenas para os fragmentos de Petronio de atribuição incerta se
para todo o texto. (O mesmo se pode dizer dos fragmentos traduzidos nos capítulos
"Estructura y expresión literária" e "Algunos fragmentos poéticos"). Em "Las aventuras
de un texto", relata os errores da obra de Petronio, com informação que provém sobretudo,
como o próprio Autor admite, da edição de Díaz y Díaz. Deste editor retoma, também, o
texto espúrio de Marchena, que transcreve e traduz. No último capítulo, "Otras obras de
Petronio", (novamente exposto de forma sumária e mais com o objectivo de chamar a
atenção para a existência dos problemas do que para a sua discussão aprofundada) o
Autor trata alguns fragmentos de Petronio de atribuição incerta. Por essa razão, o título
pode criar falsas expectativas no leitor, ao fazê-lo crer que se irá falar da descoberta de
novos textos, quando, obviamente, não é disso que se trata.
Em resumo, o trabalho merece atenção e é aconselhável sobretudo para alunos,
dado o seu carácter simples e didáctico. Ainda assim, lucraria com uma discussão mais
aprofundada dos problemas que coloca e com uma referência mais alargada aos numerosos
estudos que, entretanto, têm saído sobre o romance. Ainda a respeito deste último ponto,
e atendendo à vocação didáctica do livro, seria vantajosa, no fim, uma enumeração da
bibliografia essencial sobre Petronio e de edições como as de Marmorale, Pellegrino e
Muller-Ehlers.
DELFIM FERREIRA LEãO
MARTíNEZ LACY, RICARDO: Rebeliones populares en la Grécia helenistica (Universidad
Nacional Autónoma de México, México, 1995)274 p.
O trabalho reunido neste livro resulta, fundamentalmente, da investigação levada
a cabo por Martínez para a elaboração da tese de Doutoramento, na qual foi orientado,
sobretudo, por Moses I. Finley, mas também por Paul Cartledge. Ε notório, de facto, o
magistério de Finley, nas próprias opções metodológicas e na forma de abordar as
questões. Martínez propõe um estudo do conceito de revolução para a interpretação das
rebeliões da Grécia helenistica, época que o autor delimita entre a morte de Alexandre
Magno (323) e a de Cleópatra (30 a.C, que é também o ano do estabelecimento do
império romano por Augusto), embora, como é sabido, não exista uma visão unitária na
consideração do termo desse período.
Para o tratamento do fenómeno das revoltas populares, Martínez vai seleccionar
os dez casos mais significativos, orientando-se pela importância que a historiografia
antiga atribuiu a cada um desses movimentos populares e pela «participación de esclavos,
pueblos oprimidos y, en general, grupos o clases marginados de la ciudadanía» (p. 5). A
eles aplicará o conceito de revolução que, na senda de Finley e de Griewank, entende
332
como um conceito que é, em si mesmo, histórico e onde o concurso popular é decisivo.
Antes de passar à análise dos movimentos escolhidos, Martínez — segundo um
critério que nos parece vantajoso—considera primeiro a tradição histórica antiga (de que
ressalta o nome de Políbio) relativa a esses mesmos fenómenos e, depois, a historiografia
moderna, passando por Droysen, pelos Modernistas, pelo Marxismo soviético e,
finalmente, pelos Empiristas; dessa abordagem ressalta a ideia de que qualquer tema
histórico deve ser visto como parte de um processo que abarca a própria historiografia.
Só quando recorda e discute os principais contributos dessas correntes — com profun
didade, mas sem descurar uma certa sobriedade didáctica — é que se debruça sobre o
problema concreto das rebeliões populares em determinadas poleis gregas, tendo em
conta a relação destas últimas com a sua progressiva submissão a Roma. Conclui que o
aumento sem precedentes da escravatura (fomentado pelo domínio romano), aliado à
decadência global do conceito de democracia, veio tornar menos clara a distinção entre
escravos e cidadãos. Por outro lado, foram a escravização de pessoas livres e a sua
concentração em determinadas áreas que criaram as condições para a ocorrência de
revoltas. Mas a esta crise no sistema esclavagista não correspondeu uma ideologia que
pretendesse substituir a ordem vigente por uma inovação política e social. Os grupos
revoltosos defendiam apenas determinados valores perdidos (liberdade pessoal) ou um
recuo no tempo (obedecendo a uma visão gloriosa do passado) ou então privilégios
(direito ao trono, existência de um reino) em vias de desaparecimento. Por esta ausência
de horizontes sociais e políticos mais vastos, estas revoltas estavam condenadas ao
fracasso, constituindo apenas focos de resistência efémera contra uma potência dominante.
Com este livro, e a despeito de optar por se centrar nos casos mais importantes,
parece-nos que Martínez consegue dar uma visão crítica global do fenómeno das rebeliões
populares na Época Helenística. Fica, ainda, bem patente a forma como domina este
campo de estudo, através da grande quantidade de bibliografia especializada que discute
(muitas vezes em nota, para se não desviar da essencialidade da questão) e que, no fim,
organiza de forma sistemática em várias dezenas de páginas.
DELFIM FERREIRA LEãO
COULET, CORINNE, Communiquer en Grèce Ancienne. Écrits, Discours, Information,
Voyages..., Paris, Les Belles Lettres, 1996
Publicado em 1996 pela Les Belles Lettres, Communiquer en Grèce Ancienne.
Ecrits, Discours, Information, Voyages..., da helenista Corinne Coulet, é o 13s volume
333
da colecção Realia, dirigida por Jean-Pierre Néraudau.
Na abertura da "Introduction", onde expõe claramente o assunto e os objectivos
que se propõe atingir, afirma a autora que "La communication est un concept moderne"
(p. 12). Por isso, uma vez que pretende estudar a Grécia Antiga, torna-se imperativo
responder a duas questões: será legítimo aplicar uma noção moderna à Antiguidade e, se
sim, deverá o autor ter em conta as teorias actuais da comunicação? Nas palavras de C.
Coulet, a noção de comunicação tornou-se central para compreender as sociedades
contemporâneas e esta mesma noção pode fornecer um instrumento de análise das
civilizações mais antigas. Só assim se compreende a aplicação de um conceito moderno
a uma civilização como a Grécia Antiga (pp. 12-13).
A autora propõe-se seguir uma abordagem descritiva do que entende por
comunicação na Grécia Antiga, isto é, "... les échanges et la circulation de paroles,
d'écrits, de personnes, d'un lieu à un autre, ou à Tintérieur d'un même lieu comme
1'agora, la place publique. On s'attachera à résoudre des questions toutes pratiques (...)"
(pp. 12-13). Ora, os temas a abordar poderiam ser inúmeros e daí a necessidade de
delimitar o âmbito deste estudo. Por conseguinte, o ponto de partida é uma abordagem
descritiva da comunicação no interior da polis; em seguida, da comunicação entre as
diversas cidades gregas e, finalmente, entre as comunidades gregas e o mundo não grego.
Do ponto de vista cronológico, não obstante ter consagrado a primeira parte ao
aparecimento da escrita e ao mundo homérico, a autora fixa-se principalmente nos
períodos arcaico e clássico, mas faz ainda algumas breves referências à época helenística.
Estas considerações reflectem-se francamente na estrutura da obra que aparece dividida
em cinco partes principais — "Lés débuts"; "La communication dans la cite grecque";
"Le cas d'Athènes"; "La communication entre cites"; "La communication avec le monde
non grec"—, seguidas de conclusão, um apêndice sobre Hermes, patrono dos viajantes,
notas, bibliografia sumária, tabela cronológica, léxico de termos técnicos e um índice
analítico de matérias.
Já nos referimos à primeira parte (pp. 17-54), na qual a autora descreve o contexto
do nascimento da escrita, que situa entre os séc. XVI e XIV a.C, que se prende com
necessidades de ordem económico-administrativa, e não com o objectivo de instaurar
uma comunicação, e as razões do desaparecimento do Linear Β, o primeiro sistema de
escrita dos Gregos. O capítulo seguinte é dedicado à literatura oral no mundo homérico.
Em "La communication dans la cite grecque" (pp. 55-115), estuda os espaços de
comunicação comuns à generalidade das cidades gregas (a agora, os santuários, o teatro,
o ginásio), as estruturas da elaboração e difusão do livro, as inscrições públicas. Na
terceira parte (pp. 117-153), é a comunicação política em Atenas que se analisa. A polis
por excelência, com as suas instituições políticas originais, merece naturalmente um
lugar à parte. Digno de atenção é também um assunto que nos últimos tempos tem
334
despertado o interesse dos investigadores: a Retórica. A difamação, a propaganda e a
censura, temas frequentes nas comédias de Aristófanes, encerram esta terceira parte. Os
meios e as vias de comunicação, a acção dos mensageiros e dos arautos, a importância
dos Jogos Pan-Helénícos são abordados na quarta parte (pp. 155-191). Finalmente, as
viagens e as relações com o estrangeiro são alguns dos assuntos da última parte (pp.
193-221). Comunicação significa também transmissão de cultura. Justifica-se, por isso,
um capítulo sobre a fundação e o desaparecimento do que foi um dos grandes centros
culturais da Antiguidade: a grande biblioteca de Alexandria (pp. 214-221).
As análises da autora são, em geral, acompanhadas de citações de autores gregos,
desde Homero aos autores mais tardios. Heródoto e Tucídides surgem em evidência e só
temos a lamentar a falta do original grego e de um índice de citações. Numa advertência
inicial, a autora faz saber que modificou deliberadamente algumas das traduções citadas
(em geral, a partir das publicadas na Collection des Universités de France, Les Belles
Lettres), no sentido de as tornar acessíveis e modernas. Depressa compreendemos que
este estudo se destina também a um público não especialista, o que se inscreve plenamente
no espírito da colecção Realia. Este facto explica a ligeireza com que alguns assuntos
são tratados e a exclusão de outros, designadamente a questão homérica (cf. n. 5 à primeira
parte). Por outro lado, é uma obra razoavelmente bem documentada, mas esperávamos,
por vezes, mais rigor da parte da autora; por exemplo, em que texto fundamenta a
afirmação da p. 28 sobre o poeta Simónides? De entre as afirmações mais questionáveis,
salientamos a da p. 85, onde escreve que as mulheres gregas viviam encerradas no gineceu,
uma teoria que nos últimos anos tem sido vigorosamente criticada.
A Grécia inventou (ou desenvolveu) as principais técnicas de comunicação—o
alfabeto e a retórica— e os espaços de comunicação. Desde o nascimento da escrita, a
importância da palavra na sociedade homérica, os rituais da hospitalidade, os espaços de
convívio, as instituições políticas atenienses, a elaboração e difusão do texto escrito, os
sofistas, a retórica, as viagens... são muitos os assuntos abordados no âmbito de um
estudo geral sobre comunicação na Grécia arcaica e clássica. Sentimos, por vezes, uma
certa dispersão ou afastamento em relação ao assunto principal, mas parece-nos que os
objectivos de C. Coulet são plenamente alcançados: numa linguagem precisa, acessível
e agradável, a autora consegue levar junto de um público, que se adivinha maioritariamente
não especialista, um estudo de conjunto sobre o funcionamento da polis grega e das suas
principais instituições. E, portanto, uma obra útil, que interessa não só a iniciantes, como
também a quem já tem conhecimentos nesta área do saber.
335
MáRIO DE CASTRO HIPóLITO, MOEDAS GREGAS ANTIGAS. Ouro, Museu Calouste Gulbenkian,
Lisboa, 1996, 168 páginas, ilustrado.
Numa iniciativa a todos os títulos louvável, o Museu Calouste Gulbenkian acaba
de publicar um catálogo-guia da sua colecção de moedas gregas antigas de ouro. Coube a
responsabilidade da sua elaboração a Mário de Castro Hipólito, o investigador que mais se
tem distinguido em Portugal na área da numismática grega. Este especialistajá antes havia
participado na publicação do catálogo da colecção completa da numária grega (ouro e
prata) da Fundação Calouste Gulbenkian, empreendimento iniciado em 1971 com a edição
do primeiro volume, no qual colaborou com E. S. G. Robinson, e concluído em 1989, com
a publicação do segundo, desta feita em co-autoria com K. Jenkins.
A obra em apreço encontra-se estruturada em duas partes: a Introdução ao
Catálogo e o Catálogo. Na primeira (pp. 17-40), MCH começa por debruçar-se
sucintamente sobre o papel do ouro no contexto da amoedação do mundo grego, no qual
procura enquadrar devidamente os numismas em exposição na Fundação. Seguidamente
(pp. 40-85), desenvolve alguns comentários sobre os tipos monetários, dando especial
ênfase aos aspectos artísticos e à sua evolução entre o séc. IV e meados do séc. I a.C,
período cronológico que abarca a esmagadora maioria dos espécimes em ouro da colecção.
Não são igualmente descuradas as questões relativas aos aspectos técnicos do fabrico
das moedas antigas, à iconografia ou à dimensão político-religiosa de algumas emissões.
Vem depois o Catálogo (pp. 90-151), onde são descritas as 143 moedas de ouro
da Fundação, ilustradas uma a uma, exceptuando aquelas cujos tipos se repetem. Na sua
elaboração foi tomada como referência principal a ordenação cronológica, combinada
geralmente com um critério geográfico.
Para aquilatarmos do valor histórico-numismático deste conjunto monetário,
apesar do número relativamente modesto de exemplares que o integram, basta referir
que nele se encontram os únicos exemplares conhecidos do estater de Anfípolis (Catálogo,
na 21) e do estater cunhado em local incerto da Iónia, talvez em Figela, cidade cujas
emissões de bronze ostentam tipos similares (Catálogo, ns 58).
No entanto, na colecção encontram-se vários outros exemplares notáveis pela
sua raridade, de que nos permitimos destacar, a título de exemplo, os dois numismas da
Federação Calcídica (Catálogo, na 22-23), uma fracção de Clazómenes (Catálogo, n9
24), uma moeda de Cio (Catálogo, ns 56), um estater de Pérgamo (Catálogo, na 57), uma
dracma de Caristo (Catálogo, n9 108), uma moeda atribuída a Ptolemeu I (Catálogo, n9
110), um duplo shequel de Tiro (Catálogo, n9 138), etc.
Um pormenor que atraiu a nossa atenção foi a inclusão de uma moeda de ouro
de Roma, de c. 216 a.C, numa selecção de moedas gregas (Catálogo, n9 106).
Reconhecendo, embora, que este critério é discutível, MCH justifica-se argumentando
que na base de tal opção se encontram factores como a técnica, a iconografia ou o estilo,
336
claramente dominados pela vertente cultural helénica.
A obra termina com a apresentação de um Glossário (pp. 153-160)- instrumento
de consulta da maior utilidade para o público menos familiarizado com a terminologia
numismática e com a iconografia antiga - e dos índices, nos quais se incluem um índice
de Tipos (pp. 161-163) e um índice Geográfico e de Governantes (pp. 164-165).
A valorização desta publicação é ainda realçada com a inclusão de um mapa do
mundo antigo (pp. 14-15), no qual vêm assinalados todos os centros emissores
mencionados no Catálogo.
Sem pretendermos menosprezar a valia científica e pedagógica da obra em apreço
gostaríamos, contudo, de fazer alguns reparos.
Assim, em primeiro lugar, MCH afirma que a obra se destina ao público em
geral, não pretendendo mais que «ser um simples guia para visitante não previamente
informado» (p. 10), alegando que para os mais interessados e para os especialistas em
Numismática existe um catálogo geral da colecção, onde se pode encontrar toda a
informação científica relevante e a informação bibliográfica. Embora esta postura seja
aceitável, somos de opinião que se justificava a indicação da bibliografia, nomeadamente
por uma questão de necessária actualização da mesma, uma vez que está praticamente
decorrida uma década sobre a publicação do volume II do catálogo da colecção e mais
de duas já transcorreram sobre a publicação do volume I .
Em segundo lugar parece-nos que, da ficha técnica de cada moeda, deveriam
constar também a denominação, o eixo e a referência à publicação que serviu de base à
respectiva descrição e classificação.
Por fim, não obstante a obra possuir uma óptima apresentação gráfica - sendo de
assinalar a excelente qualidade das reproduções -, a sua qualidade final é, de alguma
forma, ensombrada por uma falha tipográfica ocorrida na impressão de algumas páginas,
concretamente nas pp. 98-99, 102-103, 106-107 e 110-111.
Como já fizemos questão de salientar, não têm estas observações a finalidade de
diminuir o desempenho de Mário de Castro Hipólito, a quem nos cumpre felicitar pelo
trabalho altamente meritório que acaba de ser dado à estampa, uma lufada de ar fresco
num país onde as publicações na área da Numismática Antiga são infelizmente escassas
e de divulgação restrita.
JOSé DA SILVA RUIVO