recensão d escobrindo a linguagem escrita

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Ilda Pereira

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Este livro relata uma experiência realizada numa Escola de Intervenção Prioritária, a Escola nº 2 da Buraca situada no bairro do Alto do Moinho, em Lisboa, para averiguar de que modo se pode promover o sucesso no que respeita ao ensino da leitura e escrita.

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Page 1: RecensãO D Escobrindo A Linguagem Escrita

Ilda Pereira

Page 2: RecensãO D Escobrindo A Linguagem Escrita

SUMÁRIO

SUMÁRIO ......................................................................................................................... 2 01. O Livro ........................................................................................................................ 3 ........................................................................................................................................... 3 02. A Experiência .............................................................................................................. 4 03. O meu parecer ............................................................................................................ 15 04. Bibliografia ................................................................................................................ 16

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01. O Livro

Este livro relata uma experiência realizada numa Escola de

Intervenção Prioritária, a Escola nº 2 da Buraca situada no bairro

do Alto do Moinho, em Lisboa, para averiguar de que modo se pode

promover o sucesso no que respeita ao ensino da leitura e escrita.

Parte-se do pressuposto de que o insucesso escolar tem uma

grande predominância em escolas inseridas em bairros degradados

e assenta sobretudo na dificuldade que as crianças apresentam na

aprendizagem da leitura e da escrita que se repercute depois nas

outras áreas de aprendizagem e ao longo de toda a escolaridade.

Algumas interrogações ajudam a colocar o problema. A grande

diferença entre a aprendizagem destas crianças e das que

pertencem a outros estratos sociais e, por outro, que estratégias

poderiam contrariar esta tendência.

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NEVES, Manuela Castro e MARTINS, Margarida Alves – Descobrindo a linguagem escrita: uma experiência de aprendizagem da leitura e da escrita numa escola de intervenção prioritária. 2ª ed. Lisboa: Escolar Editora, 2000. 155 p. (Cadernos de Inovação Educacional) ISBN 972-592-111-9

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02. A Experiência

A Escola é uma P3, frequentada em 89/90 por 400 alunos, sendo

36 de origem cigana e 71 de países africanos. A maior parte dos

alunos vive em barracas ou em andares de prédios sociais. A

população do bairro caracteriza-se pela existência de graves

problemas sociais, desemprego, instabilidade profissional,

alcoolismo. Os níveis de assiduidade à Escola são baixos e o

abandono precoce é alto.

A Equipa de trabalho era constituída pelas autoras e a professora

da turma, presidindo, nas análises efectuadas, as perspectivas

pedagógicas e psicológicas.

Tratava-se então de uma turma de 1º ano e frequentada por 19

crianças, sendo 5 ciganas e 4 de origem Cabo-verdiana,

pressupondo-se que os restantes são lusos. Três das crianças

tinham uma breve frequência do ano anterior, tendo duas delas

sete anos e a outra dez.

As profissões dos pais denunciavam um baixo estrato socio-

cultural e as crianças eram portadoras de histórias de grande

violência. Em todo o caso, todas as crianças pareciam

emocionalmente equilibradas, seguras de si mesmas, constituindo

um grupo calmo com quem «era muito bom trabalhar»1.

Uma abordagem às diversas concepções da aprendizagem da

leitura e da escrita que influenciaram as metodologias e práticas

nas nossas escolas, ao longo dos anos, leva as autoras a concluir

que alguns erros terão sido cometidos e que isso poderá estar na

origem das dificuldades que as crianças apresentam. Recorrendo a

vários investigadores, nomeadamente Fitts (1962) e Dowening e

Leong (1982, 1984) as autoras acreditam que as dificuldades na

aprendizagem da leitura e escrita pouco terão a ver com a 1 P.17

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aquisição de técnicas, muito usadas na escola de 1º ciclo, e que se

destinam à decifração de códigos e sons previamente preparados

com a ajuda dos manuais. Os textos assim construídos não têm

perspectiva literária nem fazem, de uma forma geral, qualquer

sentido.

Em vez disso, propõe-se que a criança, antes de mais, descubra a

funcionalidade da leitura de forma a entender o que é, para que

serve e que estilos existem. É essencial que o aluno saiba para que

lê e deseje ler e nesse sentido devem ser desenvolvidas as

estratégias necessárias que poderão passar pelo hábito de praticar

os diversos tipos de leituras com sentido e estimular as crianças a

reflectir e a praticar sobre a possibilidade que as linguagens têm de

se representar.

Os pressupostos colocados à partida estabeleciam, por um lado,

que a leitura era um acto cognitivo devendo o leitor conhecer a sua

natureza e funções e, por outro, que as crianças quando chegavam

à Escola já traziam fantasias construídas por elas acerca da

linguagem escrita que depois tinham que confrontar com as noções

aprendidas na sala de aula.

A verificarem-se, estes pressupostos remetem para uma

variedade de situações tendo em conta as experiências, os

contactos e as relações pessoais de cada criança. Na turma em

estudo, um primeiro diagnóstico revela que nenhuma criança

mostra qualquer interesse em aprender a ler porque não atribui à

leitura qualquer utilidade. A maior parte nunca tinha ouvido

alguém ler e relacionava a leitura com avisos de polícia ou

obrigações escolares.

Facilmente se constatou que a grande diferença que separa, de

outros, as crianças deste meio é que para estas são escassas as

oportunidades de contacto com o texto escrito e inexistentes as

representações orais de quaisquer registos. Não se descobrem

hábitos de leitura nas famílias das crianças e os textos escritos não

ganham qualquer significado. No próprio bairro não se vêem

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cartazes nem qualquer outra manifestação que apele à leitura, com

excepção dos nomes das ruas ou de qualquer aviso de ocorrências.

O pouco material escrito existente nas suas casas é constituído

pelas embalagens de produtos, recibos de água ou da luz, boletins

de totobola, material que é visto com indiferença e não desperta

qualquer interesse para que possa conduzir a alguma

aprendizagem.

As actividades propostas foram então no sentido de conduzir as

crianças a uma familiarização com a linguagem escrita e à

descoberta das suas funções. Fez-se a promoção sistemática da

recolha de material com registos escritos e a criação de todo um

ambiente escolar rico em escrita, integrando o método usado pela

Professora da turma para iniciação à leitura e escrita, o Método

Natural.

Inicialmente as crianças não corresponderam aos pedidos de

recolha de materiais escritos, que tivessem em casa, ainda que

feitos vivamente e com a promessa de que se destinariam a um

jogo. É curioso verificar que muito do material existente em suas

casas, embalagens vazias, não eram identificadas como material

escrito e só com grande insistência e com referência ao material

concreto é que começaram a aparecer.

Tudo foi sendo desenvolvido de forma lúdica e estimulante. A

participação dos pais na tarefa da recolha e identificação de nomes

nos rótulos, a colocação em placards, a separação dos objectos e a

sua relação com eles, e as palavras que afinal lá estavam nesses e

nos outros objectos que se lhes seguiram, porque todos os dias

passaram a descobrir letras em tudo que viam.

Progressivamente foi aumentando o grau de complexidade das

actividades. Os exercícios propunham situações como a

identificação de nomes em conjuntos de palavras muito

semelhantes, a dramatização de actos da vida real, como o brincar

às lojas, onde a prática da leitura e da escrita passava pela

entoação silábica das palavras dos apregoadores, pela repetição das

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mesmas pelos compradores, pelo registo dos vendedores e pela

animada conclusão final do negócio.

As visitas ao Bairro a que as crianças pertenciam constituíram

uma actividade interessante e produtiva. Intencionalmente a

primeira visita destinava-se a conhecer o percurso que as crianças

faziam para a Escola e descobrir as palavras escritas que

encontrassem pelo caminho. Embora isto fosse sendo lembrado

nunca, na ida, qualquer palavra escrita foi identificada. Depois de,

finalmente se indicar uma, sucederam-se outras e no regresso via-

se que todos iam tomando consciência da escrita que os rodeava.

Quando se pediu para desenhar o bairro e escrever alguma das

palavras que viram, os alunos fizeram desenhos de aspectos do seu

bairro, mas não escreveram uma palavra. Segundo as autoras, ainda

faltava um longo caminho até a apropriação da escrita.

Nas visitas seguintes multiplicaram-se as descobertas,

estabeleceram-se relações entre as palavras conhecidas,

identificaram-se sons e ensaiavam-se outras combinações.

Tomando em conta que a proximidade com os livros e as leituras

se poderão traduzir em aprendizagens e facilitar as vias do sucesso

escolar, de acordo com alguns investigadores, uma das actividades

propostas foi a leitura de contos não só na Escola como em casa.

Era importante que a criança sentisse o prazer que a leitura pode

proporcionar e adquirisse noções relacionadas com a especificidade

da linguagem escrita, o sentido da leitura e a imagem que as

palavras deixam. O conto era lido em casa e recontado na Escola

pelas crianças e trabalhado de variadas formas: dramatização,

legendagem de personagens, pesquisa de palavras e sílabas,

discussão sobre o conteúdo, sistematização do que se ia

descobrindo.

O manuseamento de materiais escritos, como tiras de papel com

nomes, e a possibilidade da sua decomposição e recomposição

constituiu uma actividade seguida com muito entusiasmo pelas

crianças, nomeadamente se se tratava de nomes próprios. Foi

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interessante reparar como elas identificavam com relativa

facilidade quer os seus quer o dos outros alunos, situação que se

podia verificar no momento da distribuição das tiras de cartão com

os nomes e que era feita rotativamente. Alguns exercícios

conduziam não só à consolidação das aprendizagens feitas como à

descoberta e aquisição de novos sons, novas sílabas, o papel das

vogais, o papel das consoantes, o valor da posição dos grafemas,

algumas regras e algumas dificuldades, também. Quando isto

acontecia, a estratégia usada era a de provocar uma situação de

conflito cognitivo para que o aluno pudesse avançar.

É interessante reparar na evolução que se opera, do ponto de

vista das autoras, quando a criança passa da fase da garatuja para a

escrita e o que isso representa em termos estruturais. Logo na

entrada para a Escola é visível a descontinuidade entre a garatuja,

bem aceite no meio familiar ou pré-escolar, e a escrita que a escola

impõe desde logo com a representação de letras ou palavras ou

mesmo frases com que preenchem os cadernos. As autoras

propõem uma referência a alguns investigadores, como E. Ferreiro;

Teberosky, (1980), Ferreira Gomez-Palácio e col. (1989), Martins &

Mendes (1987) para fundamentar a passagem da fase da pré-escrita

onde nenhuma garatuja terá qualquer significado até à fase da

leitura onde se percebe que a escrita encerra uma mensagem e tem

uma relação com a linguagem oral. Mas muito importante é

verificar que a evolução nestas fases pode acontecer mais cedo se

houver interacção com os adultos sobre esta matéria. Quando

entram na Escola as crianças trazem percursos diferentes e as que

se encontram em fases mais avançadas, no que respeita às

aquisições da escrita alfabética, estão em clara vantagem sobre os

outros e sobretudo porque tudo aconteceu num meio que lhes era

familiar, sem avaliações, sem medo de errar, de forma natural.

A escrita aparece então, progressivamente, de uma situação de

caos, vencendo cada etapa em compreensão, em significado e

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sobretudo com intencionalidade, para se clarificar, mais tarde,

como forma de expressão.

As autoras tinham decidido, desde o início, escrever diante das

crianças, tendo em conta as aprendizagens que esse tipo de

exercício proporciona, valorizadas se, depois de escrever, se lê o

que se escreveu. Deste modo as crianças podem perceber que a

oralidade tem uma representação escrita, uma forma e uma

orientação. Mais tarde as crianças foram desafiadas também a

escrever o que diziam através de cópia da frase escrita à sua frente.

Seguiu-se um período de grandes dificuldades. Diversificaram-se os

exercícios neste domínio, utilizaram-se diferentes materiais e

inventaram-se novas estratégias para ajudar os que sentiam mais

dificuldade ou nos casos de letras que naturalmente se prestam a

confusões. A cópia foi, durante algum tempo, o seu exercício de

eleição e que se veio a revelar importante na apropriação dos

mecanismos da escrita.

A comunicação por escrito, o grande objectivo da experiência,

tardava em aparecer. As expectativas de que em Novembro haveria

manifestações espontâneas fracassaram e nem com estímulos

explícitos resultou. Era, então, preciso desenhar novas estratégias.

Assim nasceu o Atelier da Escrita. Funcionava uma hora por

semana e destinava-se a produzir escrita pelas crianças e pelos

adultos. A escrita começou a aparecer. Incipiente de início,

agarrada a formas simples, mas aos poucos, e com o exercício da

leitura, abriu asas e ensaiou outros voos.

Daqui partiu-se para a construção do texto colectivo. Apreciava-

se o conteúdo, aprovava-se a forma e o texto era escrito no quadro

de acordo com as palavras e frases que eram indicadas. Por este

sistema passou a escrever-se o que era de interesse comum, como

avisos, cartas, cartazes, programa de festas, descobrindo-se deste

modo as funções da escrita. Procuraram sempre transportar estes

resultados para fora da sala de aula, através das cartas aos

correspondentes, recados para casa e afixação do jornal de parede

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no átrio da Escola, dada a importância que poderá ter, para estas

crianças, a escrita funcional. As autoras valorizam neste domínio a

correspondência que se estabeleceu com outra turma de outra

Escola. As cartas eram recebidas com grande euforia, lidas e relidas

e colocadas em lugar de destaque. Foi nas que se escreveram que

os alunos expressaram sentimentos, divulgaram notícias, trocaram

experiências e desenvolveram afectos.

O Método Natural foi escolhido pela Professora da turma por ser

um método de iniciação da leitura e da escrita com o qual se

identificava. Como se sabe, é um método de Freinet e baseia-se na

utilização de textos que rodeiam as crianças, sem suporte de

manuais, utiliza a imprensa escolar ou duplicador e tem como

orientação os acontecimentos diários aos quais o professor tem que

estar atento. As duas Professoras da experiência conheciam bem o

Método e já o tinham aplicado antes, embora nunca tivessem

trabalhado num bairro deste tipo.

O espaço estava organizado de acordo com o Projecto Pedagógico

da Professora e tinha sido pensado de forma a facilitar a

criatividade dos alunos e o despontar de momentos de reflexão e

trabalho individual. A disposição das mesas facilitava o trabalho de

grupo e a existência de diversos «cantos» estimulava o interesse por

actividades relacionadas com as expressões.

O canto destinado ao acto de falar foi preparado com cuidado. É

vulgar hoje deixar que as crianças falem e que se destine algum

tempo a ouvi-las, mas criar um espaço e prepará-lo para que as

crianças possam não só comunicar facilmente mas para onde se

dirigem com o objectivo de falar, constitui um acto cheio de

intencionalidade pedagógica. A conversa decorria entre eles com

intervenções apropriadas da Professora. Sentia-se uma vontade de

cada vez falar melhor e explicar melhor, contribuindo desta forma

para a promoção e desenvolvimento da oralidade que contava

também com as actividades de expressão e a participação nas

acções de planificação, avaliação e organização da vida do grupo.

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Mas afinal como é que tudo se passa, isto é, como é que a partir

dos textos das crianças se processa a aprendizagem da leitura?

Tudo estava preparado e era objecto de reflexão. Os relatos das

crianças eram registados pela Professora e podiam ser recordados

depois. Eram então as crianças que seleccionavam e escolhiam uma

das histórias que era escrita lentamente no quadro à vista de todos.

Havia o cuidado de fazer coincidir cada palavra que se dizia com a

que se escrevia para se ganhar a noção de que tudo pode ser

escrito. Tudo era lido no fim pela Professora e pelos alunos. Alguns

deles gostavam de repetir e a sessão só terminava depois de

esgotadas todas as possibilidades.

Toda a sessão incluía exercícios que conduzissem à compreensão

do texto e à consolidação dos afectos que a ele os haviam de ligar.

Dramatizações e outras formas de expressão eram sempre

sugeridas nesta altura.

Geralmente no dia seguinte o texto era duplicado no limógrafo.

Toda a operação era realizada pelos alunos desde a colocação do

stencil até à secagem dentro da lista telefónica e esta participação

considerada muito importante neste processo. A leitura que as

crianças faziam, nesta altura, não era correcta mas o importante

era que fosse adquirida a noção de palavra e de frase, passando-se

do oral para o escrito. Muitos jogos foram introduzidos para

facilitar esta aquisição e que as crianças jogavam com entusiasmo.

Distribuição de palavras em papel para os alunos dizerem,

trocarem, descobrirem, a sua e a dos outros, sentados, de pé, com

batimentos, etc.

Algumas dificuldades no reconhecimento de determinados

vocábulos só haveriam de ficar resolvidas com a relação do oral à

escrita e que começou a ser feita a partir da terceira semana de

aulas. Na escrita, a metodologia manteve-se. Sempre de forma

lúdica, movimentada e com a realização de vários exercícios.

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As autoras têm o cuidado de nos referir, no relato que fazem da

sua experiência, que não existiram, ao longo do trabalho, etapas

compartimentadas. Tudo foi decorrendo interligado porque tudo

está de facto interligado. Para quem estuda e analisa terá por certo

que separar os diferentes aspectos que o compõem e a partir daí

fazer incidir uma atenção maior naqueles que se mostram mais

problemáticos.

Os materiais a utilizar no trabalho de texto foram sempre o

quadro preto, o quadro de pregas colocado ao lado e cartões com as

palavras do texto. As crianças dispunham-se em semicírculo à

frente do quadro.

O texto escrito no quadro era reconstituído no de pregas. Nesta

reconstituição a criança ia adquirindo, para além da noção de

identificação, a noção de direccionalidade e translinearização.

Depois deste trabalho cada aluno recebia um duplicado do texto

para reconstituir no lugar.

Uma etapa importante foi quando se começou a introduzir

palavras já trabalhadas. Se não eram logo identificadas, a criança

recorria aos textos anteriores, um bom exercício para o

desenvolvimento da capacidade de procura e consulta, tendo em

conta que se tratava de crianças não habituadas a reparar ou dar

importância ao que estava escrito. É de salientar, neste aspecto,

que as etiquetas utilizadas desde o início para identificar

mobiliário e objectos da sala nunca eram referenciadas pelas

crianças e teve que se proceder diariamente à etiquetagem para

que as manuseassem todos os dias e assim reparassem nelas.

Algumas teorias procuram explicar os processos de leitura

descrevendo modelos através da observação de leitores, mas que

não explicam de forma alguma os processos que estão presentes na

aquisição da leitura. Uma coisa parece no entanto certa para as

autoras, as crianças só podem ler correntemente se conseguirem o

domínio de três estratégias: estratégia visual quando se trata de

uma palavra familiar; estratégia de descodificação para uma palavra

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não familiar e estratégia de antecipação se o contexto torna a

palavra preditível. Considerando assim que desde o início tudo se

encaminhava para o domínio das estratégias visual e de

antecipação, importava então propor actividades que facilitassem o

domínio da decifração.

O trabalho até então realizado tinha conduzido a que a criança

olhasse um texto com curiosidade, como um desafio, uma

aventura. Identificavam, comparavam, cortavam, reconstruíam,

mas também colocavam hipóteses para resolver alguma situação

difícil e acabavam por fazer descobertas às vezes surpreendentes:

palavras contidas noutras, bocados de palavras iguais…

Era importante que o aspecto grafológico estivesse sempre

relacionado com o fonológico e esse aspecto foi sempre trabalhado

com atenção e sem preocupações de seguir determinada ordem de

dificuldade. Tudo deveria acontecer conforme a descobertas que as

crianças fizessem. Foram colocadas, no canto da leitura, listas de

palavras que continham uma sílaba comum. A partir daqui alguns

exercícios apropriados conduziram à divisão silábica das palavras,

jogos de sons, escrita individual e colectiva, construção de

palavras.

A divisão silábica passou a ser um exercício mais frequente e a

dar origem a exercícios que já eram conhecidos do trabalho

realizados anteriormente com as palavras. O recorte da palavra

passou a ser um exercício de interesse quer para a compreensão da

sílaba e do som que lhe corresponde como para a sua memorização

e visualização. Com este trabalho começaram a ser descobertas

palavras novas.

Conforme ia avançando o processo de análise começou a

justificar-se o aparecimento de outros textos que não fossem

apenas os das crianças. Esta medida foi tomada aos poucos, de

forma gradual e faseada. Os livros existentes na pequena biblioteca

do canto da leitura constituíam um bom motivo e os exercícios que

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se propunham encaminhavam para um contacto muito próximo das

crianças com os livros.

Ainda segundo as autoras os resultados verificados no final do

ano foram muito bons em qualquer dos aspectos a que se tinham

proposto com esta experiência. Os indicadores revelavam que as

crianças se tinham apropriado das funções da leitura, tinham

consciência de que a linguagem oral tinha uma representação

escrita e a maioria das crianças era capaz de ler um texto

desconhecido.

Em jeito de conclusão as autoras resumem os aspectos que terão

sido mais marcantes no trabalho apresentado e que poderiam ser

entendidas como as frases chave da experiência. Tecem também

algumas considerações sobre conclusões a que chegaram quer

através da análise das actividades propostas quer por dedução e

comparação com métodos alternativos. Fazem também referência

ao meio envolvente e às circunstâncias que, em todo o caso,

acabam sempre por influenciar os processos educativos e que não

podem nunca ser postos de lado: o tipo de bairro, a relação escola

família, os horários, a falta de assiduidade. Nestas escolas, os

Professores serão sempre os grandes inventores de estratégias.

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03. O meu parecer

Em boa hora se fez a publicação desta experiência realizada por

profissionais conhecedoras, na prática, do terreno que pisavam.

Embora destinada a profissionais de educação o livro constitui uma

leitura agradável, simples e esclarecedora e pode ser seguido com

interesse por qualquer pessoa. Em todo o caso, por se tratar de

uma boa descrição do Método Natural e porque a sua aplicação se

faz numa Escola de um Bairro degradado constitui uma leitura que

recomendo a qualquer professor do 1º ciclo.

É pena que não se tenha definido o conceito de Escola de

Intervenção Prioritária que, nesta obra, parece confundir-se com

Escola de bairro degradado.

A experiência ficou-se pelo 1º ano. Teria sido interessante ir um

pouco mais longe para se ter uma ideia melhor sobre o caminho

percorrido.

Sem nos esquecermos que uma experiência tem sempre outros

condimentos com que a prática não conta e por isso potenciadora

de outras possibilidades, a motivação parece-me ser o mais

importante e ela decorria e estava intrinsecamente ligada a toda

actividade. A forma lúdica e divertida com que tudo acontecia, a

importância dada à participação da criança e o seu sentimento de

que poderia orientar o rumo dos acontecimentos, a descoberta de

um património que existia no seu mundo e a sua valorização, a

oportunidade de se expressar e de o fazer livremente sem receio de

que o erro fosse punido, a possibilidade de assistir e, de alguma

forma, dominar o seu próprio progresso, são razões mais que

suficientes para despertar os interesses necessários ao sucesso.

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Page 16: RecensãO D Escobrindo A Linguagem Escrita

04. Bibliografia

• HISTÓRIA do Alfabeto. Disponível na Internet via www. url: www.aab.org.br/escrevo.htm . Arquivo capturado em 16 de Janeiro de 2004

• NEVES, Manuela Castro e MARTINS, Margarida Alves – Descobrindo a linguagem escrita: uma experiência de aprendizagem da leitura e da escrita numa escola de intervenção prioritária. 2ª ed. Lisboa : Escolar Editora, 2000. 155 p. (Cadernos de Inovação Educacional) ISBN 972-592-111-9

A norma utilizada para a realização da bibliografia foi a Norma Portuguesa

405-1 e o critério de ordenação das referências é o da ordem alfabética de

apelidos dos autores.

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