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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP Raquel Quirino Piñas Prêmio e Castigo no Colégio Arquidiocesano de São Paulo (1908-1963) Mestrado em Educação São Paulo 2014

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Page 1: Raquel Quirino Piñas Prêmio e Castigo no Colégio ... Quirino... · “Scène de Classe” (Cena de aula) Chibourg, 1842. Figura 25. Ecole Chrétienne à Versailles” (Escola Cristã

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Raquel Quirino Piñas

Prêmio e Castigo no Colégio Arquidiocesano

de São Paulo (1908-1963)

Mestrado em Educação

São Paulo

2014

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Raquel Quirino Piñas

Prêmio e Castigo no Colégio Arquidiocesano de

São Paulo (1908-1963)

Mestrado em Educação

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Educação: História, Política, Sociedade, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Katya Mitsuko Zuquim Braghini.

São Paulo

2014

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Banca Examinadora

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Dedico esse trabalho a Rodrigo, meu grande amor.

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AGRADECIMENTOS

_______________________________________________________________

Para que as intenções de pesquisa se convertessem nesta narrativa, o

apoio de muitas pessoas foi fundamental, por isso agradeço:

À Prof.ª Dr.ª Katya Braghini, por sua orientação clara e constante, e

insistência amiga que me aproximaram do âmbito acadêmico. Ao Prof.º Dr.º

Kazumi Munakata que acolheu o projeto e ofereceu excelentes indicações, e à

Prof.ª Dr.ª Maria do Carmo Martins pelas contribuições valiosas.

À CAPES pela bolsa de estudos que garantiu a realização do trabalho.

Aos professores do EHPS pelas aulas enriquecedoras, e à Elisabeth Adania

por todo o auxílio. Aos queridos José Mauricio, Luna Bocchi, Maria Rita de

Castro, Raquel D´Alexandre, Regina Maria da Silva e Talita Amâncio pelas

boas conversas e indicações. Ao amigo Ricardo Pedro com quem compartilhei

todas as alegrias e angústias que um mestrado propicia, e fez essa etapa mais

leve e feliz.

Ao Prof. Dr. Norberto Dallabrida, Ir. Arno Lunkes e às bibliotecárias

Maria de Fátima Santos (Colégio La Salle) e Gladis Schmidt (Colégio São

Luís), que gentilmente disponibilizaram livros e materiais.

Ao Prof. Ascânio Sedrez, diretor do Colégio Marista Arquidiocesano,

pelo apoio e entusiasmo com os acervos. A Leonir Dario Buzanello que zelou

pela memória do Arqui e possibilitou que outras histórias fossem escritas. A

equipe da biblioteca pelo incentivo. Aos professores da EMEF Emiliano di

Cavalcanti e gestoras Priscila Kodama e Priscilla Pillegi pela compreensão. Às

amigas educadoras Andressa de Castro Ancetti, Dóris Dias, Nice Beraldo e

Anna Luisa de Araújo que leram e ouviram muitos trechos do texto.

Aos amigos de sempre Silvia Soldi, Ellen Pereira, João Fábio Porto,

Mauricio Rodrigues, Juliana Luizetto, Natalia Ribeiro, Christian Vinci, Erico

Oliveira, Tatiana Duarte, Okan Della Torre, Marilia Soares, Sidnei Souza,

Elaine Beloto e Tamara Pompeu.

Aos grandes amores da minha vida. Meus pais Izabel e Sidney pela lição

de que o conhecimento é bem que não se perde, e a minhas irmãs Priscila e

Shirley sempre lembrando que a vida precisa de alegria e coragem. Ao meu

marido Rodrigo, por serenar meu coração e ter me apoiado com tantos gestos

de amor e generosidade.

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RESUMO

_______________________________________________________________

O objetivo deste estudo centra-se no entendimento das práticas de premiação

e punição no Colégio Arquidiocesano de São Paulo entre 1908 e 1963. A

intenção da pesquisa foi compreender qual a relação entre prêmios e castigos

na escola como práticas pedagógicas historicamente dadas, ações

escolarizadas que estimulam um tipo de formação que é de interesse particular

desta cultura escolar, além de conduta disciplinadora. A hipótese é de que os

significados das premiações e punições estão relacionados, são interdependes

e estimulados pela própria cultura escolar, a despeito da circulação de mitos

fundadores que apontam para a abolição do castigo dentro da “pedagogia

marista”. O recorte temporal está fixado entre 1908, ano de entrada dos Irmãos

Maristas na instituição e 1963, quando a principal fonte para o estudo, a

Revista Echos do Collegio Archidiocesano, deixa de ser publicada,

evidenciando a crise no sistema de internato e um refreamento na divulgação

das recompensas no colégio. O estudo constitui-se a partir da história da

educação e centra sua análise nas práticas escolares acessadas a partir dos

documentos que compõem o acervo do Memorial do Colégio Marista

Arquidiocesano de São Paulo, e no cotejamento de informações levantadas

nos registros de outras instituições escolares. Como resultado, percebeu-se

que as premiações incentivaram a competitividade tratada como qualidade da

virtuosidade masculina do varão político a ser formado.

Palavras-chave: premiação, emulação, castigo, prática pedagógica, disciplina

escolar.

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ABSTRACT

_______________________________________________________________

This study aims to focus on the understanding of reward and punishment

practices in the Archdiocesan School of São Paulo from 1908 to 1963. The

intention of this research has been to understand the relation between rewards

and punishments in the school as historically given teaching practices,

educational actions that stimulate a type of training that is of particular interest

of this school’s culture, as well as its disciplinarian management. The

hypothesis is that the meaning of the rewards and punishments are related,

interdependent and promoted by the school’s culture itself, in spite of the

circulation of origin myths that aim to abolish the punishment within the “Marist

pedagogy”. The time frame is established between 1908, year in which the

Marist Brothers entered the institution, and 1963, when the study’s main source,

the journal Echo by Collegio Archidiocesano, stopped being published,

highlighting the crisis in the boarding school system and a containment in the

disclosure of the school’s rewards. The study starts from the history of

education and focus its analysis on the educational practices accessed through

the documents that are part of the Memorial’s collection of the Marist

Archdiocesan School of São Paulo, and by the collation of data gathered from

other schools’ archives. As a result, it was noticed that rewarding encouraged

the competitiveness considered as a quality of masculine virtuosity of the

political man to be formed.

Key-words: rewarding, emulation, punishment, educational practice, school

discipline.

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SUMÁRIO

_______________________________________________________________

INTRODUÇÃO .............................................................................................pg.01

Breve histórico – Colégio Arquidiocesano de São Paulo..............................pg.09

Procedimentos de pesquisa..........................................................................pg.15

Procedimentos de análise.............................................................................pg.21

CAPÍTULO 1 – AS PREMIAÇÕES ESCOLARES NA

PEDAGOGIA MARISTA...............................................................................pg.23

O Padre Marcelino Champagnat e a fundação do Instituto dos

Irmãos Maristas............................................................................................pg.25

A expansão da Congregação Marista...........................................................pg.27

Chegadas dos Irmãos Maristas ao Brasil.....................................................pg.28

O Guia das Escolas Maristas........................................................................pg.32

A disciplina no Guia das Escolas Maristas...................................................pg.36

Emulação e recompensas no Guia de Escolas Maristas..............................pg.38

CAPÍTULO 2 – PRÊMIOS NO COLÉGIO ARQUIDIOCESANO

DE SÃO PAULO ..........................................................................................pg.46

O debate pedagógico em torno das premiações..........................................pg.46

Os alunos do Colégio Arquidiocesano de São Paulo...................................pg.49

As categorias de prêmios do Colégio Arquidiocesano

de São Paulo................................................................................................pg.53

Prêmios de honra..........................................................................................pg.53

Prêmios nas disciplinas e Prêmios diversos.................................................pg.67

As pequenas recompensas..........................................................................pg.71

As premiações de honra na educação das camadas

dirigentes católicas.......................................................................................pg.75

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Declínio na divulgação dos prêmios.............................................................pg.82

CAPÍTULO 3 – CASTIGOS NO COLÉGIO ARQUIDIOCESANO

DE SÃO PAULO...........................................................................................pg.84

O silêncio sobre os castigos.........................................................................pg.84

O que é castigar?..........................................................................................pg.85

Castigos corporais e aflitivos........................................................................pg.87

Castigos morais e vexatórios........................................................................pg.92

As punições na pedagogia Marista...............................................................pg.96

Os castigos do Colégio Arquidiocesano.....................................................pg.102

O castigo dos não premiados.....................................................................pg.111

Quando as revistas tornam-se instrumentos de castigar:

“molengões, palhaços, papagaios e lanterninhas”.....................................pg.115

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................pg.120

FONTES.....................................................................................................pg.125

REFERÊNCIAS..........................................................................................pg.127

ANEXOS ....................................................................................................pg.135

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LISTA DE IMAGENS

_______________________________________________________________

Figura 1. Edifício do Colégio Arquidiocesano no bairro de Vila Mariana, 1938.

Figura 2. Edifício do Collegio Diocesano, na Av. Tiradentes, 1906.

Figura 1. Primeira comunhão dos alunos do Colégio Arquidiocesano, 1916.

Figura 2. Cartão de boas notas do Grupo Escolar de Rio Claro, valendo 10

méritos de comportamento, aplicação e louvor, 1901.

Figura 3. Catalogo da empresa Les Fils D’ Émile Deyrolle, anos 20 ou 30.

Figura 4. Recordações de formatura do Dr. Carlos Ferraz Araújo e Dr. Durval

Soares, antigos alunos do Colégio Arquidiocesano, 1924.

Figura 5. Doutor Wenceslau Braz Pereira Gomes, 1919.

Figura 6. Monsenhor Dr. Camillo Passalacqua, 1919.

Figura 7. Snr. Paulo C. da Silveira, 1919.

Figura 8. Páginas da Revista Echos de 1910.

Figura 9. Quadro de honra de 1916. Revista Echos de 1916.

Figura 10. Sala de visitas do Colégio Arquidiocesano no bairro da Luz em

1933.

Figura 11. Hall de entrada do edifício do Colégio Arquidiocesano na Vila

Mariana, 1939.

Figura 12. Cartão de Quadro de Honra mensal do aluno Adolfo Guilherme

Lamberti, junho de 1941.

Figura 13. Revista Echos de 1941 homenagem ao aluno Bernardo Miéle.

Figura 14. Páginas dedicadas ao Prêmio Champagnat e Prêmio de Religião,

1947.

Figura 15. Prêmios do ano letivo de 1935.

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Figura 16. Cartão de Posto de honra, 1o lugar em Caligrafia conquistado pelo

aluno João Francisco Jardim em setembro de 1925.

Figura 17. Regulamento para as férias de 1924.

Figura 18. “Tableau d´élocution: la distribuition des prix” (Quadro de elocução:

a distribuição de prêmios), 1908.

Figura 19. Detalhe da página dedicada ao Externato Nossa Senhora do

Rosário, Revista Ecos, 1953.

Figura 20. Detalhe da página dedicada ao 2a serie ginasial A, Revista Ecos de

1957.

Figura 21. Medalhas de Notas Semanais, Prêmio de Catequese, Posto de

Honra, Prêmio de Religião e Prêmio de Excelência. Décadas de 1940 e 1950.

Figura 22. Palmatória utilizada para aplicar castigo na palma da mão.

Figura 23. “Tout cela est pour ton bien” (Tudo isto é para o seu bem) Paris,

1830.

Figura 24. “Scène de Classe” (Cena de aula) Chibourg, 1842.

Figura 25. Ecole Chrétienne à Versailles” (Escola Cristã de Versalhes), 1839.

Figura 26. “Um futur savant” (Um futuro cientista), 1880.

Figura 27. Placa Deus me vê.

Figura 28. Página sobre Vida em Internato, Revista Ecos de 1947.

Figura 29. Página de Quadro de honra, Revista Ecos de 1947.

Figura 30. Pátio do Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo, 2013.

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INTRODUÇÃO

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“Aquele que tem consciência, sofre reconhecendo o seu erro. É o castigo –

independentemente das galés”

Fiodor Dostoievski, Crime e Castigo, p.168.

A consciência atormentada pelos próprios atos é para o estudante

Raskólnikof seu terrível castigo. Sentimento inverso à recompensa que

esperava encontrar quando subiu as escadas do edifício onde morava uma

velha usuária, para matá-la a machadadas. Desejava mais do que o dinheiro

e objetos penhorados para aliviar sua miséria, esperava provar sua

superioridade perante os homens comuns. Ródia1 fracassa e o sofrimento

pela culpa o consome. Na prisão ampara-se na compaixão de Sônia e,

arrependido alcança a redenção.

Nosso imaginário esbarra nas representações sobre prêmios e

castigos, constituídas num emaranhado complexo no qual se fundem

narrativas de livros, os relatos de antepassados, obras do cinema e nossas

recordações. Não há quem tenha passado pela experiência de escolarização

sem nunca ter recebido uma punição ou uma recompensa de seus

professores.

Atuando desde 2006 como historiadora no Memorial do Colégio

Marista Arquidiocesano de São Paulo foi possível tomar contato com muitas

temáticas e representações do cotidiano escolar. Inicialmente, os

questionamentos eram voltados para a preservação das coleções, migraram

aos poucos para a necessidade de entender uma escola de outros tempos.

Desejava entender como era o ensino, os materiais didáticos, os espaços e a

vida dessas pessoas que aqui estiveram.

Conforme o trabalho avançava foi possível traçar um breve panorama

da trajetória institucional, identificando o que tinha permanecido e se

transformado. Entre esses fragmentos, despertou inquietação a expressiva

1 Ródia é o apelido carinhoso pelo qual o personagem Rodion Românovitch Raskólnikov é

chamado por sua mãe, irmã e amigos, no livro Crime e Castigo, escrito em 1866 por Fiódor Dostoiévski.

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quantidade de prêmios oferecidos aos alunos, registrados em publicações e

fotografias. Assim surgiram os questionamentos: Por que essa escola

premiava tanto? Qual o significado das premiações escolares para a

educação Marista?

Ao iniciar um estudo sobre as recompensas escolares, surgiu o seu

oposto, o castigo. As sanções e os prêmios são práticas diretamente

relacionadas. Pelo levantamento bibliográfico foi possível identificar os

estudos sobre premiações e castigos escolares, e entender como a temática

foi investigada pela historiografia da educação brasileira.

A seleção de textos priorizou estudos, contemplando o final do século

XIX e início do XX, onde se mencionam prêmios e castigos escolares como

traço constituidor da cultura escolar nas seguintes situações: como objeto

das prescrições legais, que tratam da paulatina substituição da violência

corporal a favor de estratégias de cunho moral, enquanto questão de disputa

entre o campo pedagógico, a legislação da instrução e o exercício da

profissão docente. As recompensas e punições escolares são definidas como

dispositivos disciplinares, que deriva de uma tradição normativa, e como ritual

escolar manejado no interior de uma determinada instituição de ensino.

Castanha (2009) e Lemos (2012) afirmam a falta de consenso no

século XIX sobre os castigos físicos, seja entre educadores ou na legislação

da instrução. A lei geral de ensino do Brasil, de 15 de outubro de 1827,

estipulava as punições de acordo com o método de Lancaster, favoráveis a

sanções morais, enquanto o regulamento da Província de São Paulo, de 25

de setembro de 1846, aponta a legalidade do uso da palmatória, como

descreve Lemos:

(...)sempre dar preferência aos castigos morais, como os mais próprios da educação dos homens livres. Sendo necessário empregar os castigos físicos usarão os professores somente da palmatória, aplicada até uma dúzia de palmatoadas conforme a gravidade da culpa (LEMOS, 2012, p.248).

Para os autores a proibição de castigos violentos é explicitada apenas

no regimento interno das escolas da corte de 1855. Castanha (2009), Dalcin

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(2005) e Fin (2008) descrevem como essa orientação foi introduzida na

legislação das províncias do Paraná, Minas Gerais e Mato Grosso 2, que

previa a manutenção da disciplina com base em um sistema de prêmios e

punições morais. As ações disciplinares dessa prescrição, segundo Fin

(2008) atingiam mais a alma do que o corpo dos alunos.

Para Dalcin (2005) a própria separação entre punição física e moral é

tênue, a violência simbólica das penas vexatórias era tão efetiva quanto a

dos golpes da tradicional palmatória, e manteve o caráter doutrinário e

disciplinador. Além disso, a transformação do discurso sobre as formas de

penalizar, não se reverteu rapidamente em uma mudança sobre as práticas.

Segundo Dalcin (2005) e Veiga (2009) o abandono dos castigos corporais

ocorreu no Brasil apenas no final do século XIX, com a promoção de hábitos

civilizados entre educadores e alunos.

O uso das recompensas se apresentava como alternativa disciplinar

mais positiva, uma vez que incentivaria bons desempenhos e louvaria os

esforços do aluno. Todavia essa estratégia também carregava certas

punições. Fin (2008) e Hoeller (2011) apontam que o sistema de premiações

promoveu uma cultura do exemplo e a categorização dos alunos, no qual:

“(...) prêmios e castigos imprimiam à infância adjetivações e distintivos que

iam de péssimo a ótimo. As premiações de alguns – que representavam o

insucesso de outros – poderiam ser feitas perante toda classe” (HOELLER,

2011, p. 5).

As questões disciplinares foram alvo de disputas envolvendo as ideias

pedagógicas, a legislação da instrução e os fazeres operados no interior das

escolas. É o que se percebe com os trabalhos de Lima (1999) e Souza

(2006) sobre a imprensa educacional paulista e mineira entre 1920 e 1960,

que desestimulava o uso de castigos e recompensas, mesmo as mais

simbólicas, mas esbarravam em contradições, como no seguinte trecho:

A questão das premiações é bastante sugestiva por evidenciar as apropriações contraditórias em relação à Escola Nova e à heterogeneidade de concepções que

2 Trata-se do regulamento nº 27 da lei nº 516/1854 da província Mineira e do regulamento da

instrução primária de 30 de setembro de 1854 da província do Mato Grosso.

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buscavam dar sustentação à modernidade escolar. Se os artigos da Revista do Ensino, órgão oficial do Estado, criticavam o uso das premiações, as legislações escolares, por sua vez, defendiam e recomendavam a utilização dos prêmios (SOUZA, 2006, 248).

Lorenset (2011) aponta o mesmo problema ao analisar o Grupo

Escolar Bom Pastor (1947)3. O regulamento pregava a favor da disciplina

fundada na afeição recíproca e na propagação de sentimentos de honra e

dever, o que significou um redimensionamento das formas de punir e

recompensar:

As provas eram medidas com notas de 0 (zero) a 100 (cem), graduadas de cinco em cinco, consta em livros de atas. Os testes serviam para classificar os alunos em “fortes”, “médios” e “fracos”. Conforme as prescrições do Decreto nº 3.735: Art. 142. Eram considerados “fortes” os alunos que obtiverem nota de 75 a 100; “médios” os que obtiverem nota de 50 a 70; e “fracos” aqueles com nota inferior a 50 [...]. Seguia o decreto a seguinte menção em negrito: “A classificação é para o uso exclusivo da direção e docência” [...]. Contudo, o que se pode verificar em entrevistas com ex-alunas é que esta classificação ficava visível quando as professoras dividiam a turma em filas “que sabiam mais” e “que sabiam menos”. Por vezes, ainda, conta Zélia Zandavalli, esta classificação era usada pelas Irmãs e Professoras para pressionar os pais para que os filhos estudassem e se comportassem melhor (LORENSET, 2011, p.91).

A utilização da classificação dos alunos por desempenho, como critério

para a organização da sala de aula e formação das turmas, demonstra a

existência de outros rituais escolares que punem e recompensam, e

interferiram inclusive na constituição do espaço escolar.

Parte das dificuldades em abandonar as premiações, relacionava-se

também à necessidade de garantir amparo material na educação da infância

pobre, conforme esclarece Souza (2006 e 2002) e Bahiense (2011). A

criação das caixas escolares, nas primeiras décadas do século XX, era

destinada a estimular a frequência dos alunos à escola, oferecendo prêmios

3 Estabelecimento de ensino primário misto, que atendeu os filhos das camadas médias e

das classes populares, na cidade de Chapecó, administrada pelas Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria Auxiliadora, Congregação fundada por religiosas de origem austríaca na Colômbia no início do século XX, cujo carisma é a missão educacional.

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ou o mínimo de assistência para garantir a permanência das crianças

desfavorecidas economicamente.

O artigo 361 do decreto nº 3.191 relaciona as atribuições e deveres da caixa escolar relativas ao fornecimento de alimento, vestuário, calçados, assistência médica, fornecimento de livro, papel e pena aos indigentes e aos mais assíduos deveria ser atribuído como forma de premiação: aquisição de livros, estojos, medalhas, brinquedos, e etc. (BAHIENSE, 2011, p.3).

A necessidade de escolarizar a infância pobre, abria exceções quanto

às recompensas e também em relação às punições. Souza (2002) afirma

que, apesar das críticas dos teóricos da educação, a reforma educacional

mineira, entre 1920 e 1930, priorizou mais a ação disciplinadora, do que a

formação intelectual na educação das camadas pobres.

Apesar de inovações no campo jurídico e intelectual, as

transformações no cotidiano escolar foram sutis. A experiência do professor e

a dinamicidade do trabalho em sala de aula exercem uma forte influência na

definição das práticas que se mantêm ou se renovam. O discurso contrário a

prêmios e castigos não se materializou no interior das escolas, e as práticas

se mantiveram de forma explícita ou implícita.

A cultura escolar de estabelecimentos confessionais católicos,

investigada nos estudos de Isaú (1999), Dallabrida (2001 e 2002),Tridapalli

(2006) e Borges (2008) indicou a utilização de prêmios e castigos enquanto

estratégias disciplinares.

Os textos de Dallabrida (2001 e 2002) apresentam as culturas

escolares do Ginásio Catarinense4, fundado em 1906, e do Grupo Escolar

Arquidiocesano São José, entre 1910-1930. Ambos foram dirigidos pela

Companhia de Jesus, e definiram seus dispositivos disciplinares a partir da

tradição expressa na Ratio Studiorum5. Contudo se o público e a missão de

cada estabelecimento variava, um dedicado às elites e o outro às classes

populares, o uso das recompensas e punições apresentavam objetivos

4 Uma cópia do livro A Fabricação das Elites, publicação da tese, foi gentilmente cedida pelo

professor Norberto Dallabrida. 5 Ratio Studiorum, regulamento para funcionamento das escolas jesuíticas foi publicado em

1599.

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similares. Desejava-se moldar a alma da juventude, produzindo

subjetividades, pelo “controle do espaço, a escanção do tempo, a separação

de alunos em classes e grupos, a emulação e a individualização das carreiras

escolares” (DALLABRIDA, 2001, p.146). Sendo assim:

A classificação dos melhores alunos era realizada por meio de provas mensais e dos exames de final de ano, constituídos de provas escritas formuladas pela direção da escola para todas as séries. Aqueles alunos que fugissem da normalização eram punidos por meio de castigos morais tais como ficar após as aulas ou nos intervalos das aulas fazendo cópias, ficar de pé por alguns momentos durante as aulas ficar de joelhos fazendo orações (DALLABRIDA, 2002, p.3).

Seguindo a mesma linha estão os textos de Isau (1999) e Borges

(2008) sobre os internatos Salesianos implantados no Brasil no início do

século XX, que descrevem suas bases disciplinares a partir do “Sistema

Preventivo” elaborado por Dom Bosco. A prevenção das faltas é considerada

mais adequada do que o uso dos castigos, dirigidas pelo princípio de

“Amorevolezza” expresso:

(...) no amor sobrenatural, misto de racionalidade e de compreensão humana, paterna e fraterna e que transforma o ambiente de educação em uma família. É a alma do sistema preventivo e reveste todo ato educativo (disciplina, correção e, até mesmo, o ato de exclusão o aluno) (ISAU, 1999, p.148).

Por esse princípio o uso das premiações era considerado legítimo para

“fortificar a vontade e incentivar a prática da virtude” (ISAU, 1999, p.397). Na

tradição salesiana era recomendado premiar em vez de castigar, “os prêmios

eram um dos meios para incentivar os estudos, garantir um bom

comportamento e promover a emulação” (BORGES, 2008, p.77). A mesma

preferência pelas recompensas escolares é identificada por Tridapalli (2006)

ao analisar a cultura escolar Marista no Ginásio Aurora, entre 1938-1945,

constituída a partir do Guia das Escolas Maristas.

Já a leitura de Souza (1998), Cabral (2002), Cândido (2007) e Silva

(2009) apresentam as recompensas escolares enquanto rituais constituidores

de uma cultura escolar, que legitimou a escola, enquanto instituição base

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para o projeto civilizador republicano, na qual se realizou a “invenção” do

aluno e, posteriormente, a formação das camadas dirigentes.

As solenidades de encerramento do ano letivo, com a distribuição de

prêmios são descritas por Souza (1998), Cabral (2002) e Cândido (2007),

como ápice no qual todos os mecanismos de motivação pedagógica eram

coroados. Momento de afirmação da relevância da escola:

Por isso, nada melhor para divulgar o seu trabalho e o seu prestígio do que o ar solene, grave, formal dessas festas, juntamente com o espetáculo, a encenação realizada pelos próprios alunos – sentido primeiro da existência da escola. A escola tornava-se palco e cenário, algumas vezes caprichosamente ornamentado, onde os alunos-atores encenavam para a sociedade o espetáculo da cultura, das letras da ordem, das lições morais e cívicas (...) As apresentações artísticas e musicais, os discursos, a presença de autoridades de destaque, os prêmios, como forma de “impressionar, emocionar e convencer” (SOUZA, 1999, p.253-255).

Causar uma forte impressão, despertar sentimentos e convencer a

audiência era necessário à escola, instituição recém-criada pela república, e

que seria baluarte de seu ideário. Premiar colaborou na constituição de rituais

escolares, que como ressalta Cândido (2007) propiciavam o aprendizado de

conteúdos, normas e comportamentos, um movimento duplo no qual os

valores da escola são reconhecidos pela sociedade e legitimados por esta.

A realização, ano após ano, do prêmio escolar revela a utilização de

um mecanismo de emulação que enaltecia o prestígio individual, a

seletividade e a distinção, aspectos percebidos por Silva (2008) com a

pesquisa sobre o Ginásio Diocesano de Lages, entre 1931- 1942 6 . A

instituição que naturalizava as ideias de dons, mérito, disposições e posições

sociais permeadas pelo discurso católico e nacionalista, instituía uma “cultura

da recompensa e do exemplo” (SILVA, 2008, p.125).

Com base nessas leituras percebe-se que prêmios e castigos são

práticas reincidentes na história das escolas, que não usufruíram de um

consenso, entre os séculos XIX e XX. Percebem-se oscilações históricas,

6 Período caracterizado pela transformação do ensino secundário em etapa obrigatória para

o ingresso nos cursos superiores.

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quanto às maneiras de aplicá-los e aos objetivos que simbolizavam. Castigos

não foram sempre a mesma coisa, se no início do século XIX, as punições

era centradas na violência física, no decorrer do XX converteram-se em

sanções morais. As percepções em torno das premiações também variaram,

sendo consideradas alternativas civilizadas aos castigos físicos,

incentivadoras do bom desempenho e disciplinamento, e criticadas por

promover rivalidades e interesses.

As escolas recompensaram ou castigaram seus alunos, independente

do modelo pedagógico adotado, do grupo social ao qual se destinavam e da

natureza do estabelecimento, público laico ou particular confessional.

Apresentam diferenças de acordo com a filosofia da escola, mas têm um eixo

em comum, fazem parte da cultura da escola, ora buscando a disciplina e o

controle corporal, ora o desenvolvimento intelectual.

Os trabalhos citados concebem as recompensas e punições escolares

principalmente como estratégias disciplinares, para moldar condutas, corpos

e mentalidades. Sem dúvida essa dimensão existe e foi amplamente

abordada a partir das formulações de Foucault (1983). A discussão do

aspecto disciplinador das recompensas e punições mostra-se importante,

uma vez que envolvem as relações de poder, o controle do tempo e espaço,

a vigilância dos indivíduos, a autoregulação de condutas, a educação da

vontade, a docilização dos corpos e o aumento de sua produtividade. A

investigação também considerou que prêmios e castigos foram acionados no

interior das escolas para a realização de seus propósitos pedagógicos, na

maneira como estimularam determinados comportamentos, promoveram

habilidades e saberes, formaram personalidades em valores morais,

coerentes com os anseios sociais e destinos que são atribuídos a indivíduos

de determinadas camadas.

A intenção desta pesquisa foi perceber prêmios e castigos como

constituidores da cultura escolar e o quanto operaram como estratégias

pedagógicas dentro de uma instituição confessional sediada na cidade de

São Paulo. A pedagogia Marista considera a emulação fator de progresso,

recomenda as recompensas escolares, condena os castigos físicos e orienta

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para o uso moderado das punições. Como essas orientações se

concretizaram dentro de uma de suas escolas?

A dissertação apresenta um estudo sobre os fazeres rituais do Colégio

Arquidiocesano de São Paulo, um estabelecimento católico que atendia

exclusivamente o público masculino em regime de internato. O objetivo é

identificar permanências, rupturas e transformações das formas de punir e

recompensar, promovidas ao longo de seis décadas, e a relação destas com

a cultura de seu período. Orientada pelas seguintes perguntas: Qual a

importância das práticas de premiar e castigar no entendimento da cultura

escolar? De que forma prêmios e castigos foram manejados no Colégio

Arquidiocesano de São Paulo? Quais os seus objetivos disciplinares e

pedagógicos perante o conjunto das práticas e saberes que a instituição

promovia? Que significado estas tinham para os alunos, educadores e

familiares?

A memória construída sobre a educação Marista apresenta um mito de

aversão aos castigos e preferência pelas premiações, interpretação que

decorre da leitura de obras que dentro da comunidade apresentam-se como

documentos-monumentos. O estudo da documentação escolar do Colégio

Arquidiocesano e do Guia Marista das Escolas apontou uma dinâmica mais

complexa na qual, mesmo diante da fundamentação pedagógica, os prêmios

não eliminaram as punições, e estas se mostraram muito bem estabelecidas

nas práticas cotidianas da comunidade escolar.

Breve histórico – Colégio Arquidiocesano de São Paulo

A origem do Colégio Arquidiocesano de São Paulo7 relaciona-se à

fundação em 1856 do Seminário Episcopal da Capital8, primeira instituição

dedicada à formação de quadros religiosos para a Igreja Católica na cidade,

7 Fundado em 1858 o Collegio Diocesano de São Paulo, em anexo ao Seminário Episcopal

da cidade, foi administrado por freis capuchinhos de Savóia e padres diocesanos durante 50 anos. Em 1908 com a elevação da diocese de São Paulo à arquidiocese, passa a ser chamado Collegio Archidiocesano de São Paulo, sendo nesse ano assumido pelo Instituto dos Irmãos Maristas, de origem francesa. O nome Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo foi adotado a partir de 1994 demonstrando a estratégia de integração das escolas da Rede Marista de Ensino. O colégio é carinhosamente chamado Arqui pela sua comunidade. 8 Atualmente o edifício original do Seminário abriga a Igreja de São Cristóvão e um complexo

de lojas popularmente conhecido como galeria das noivas.

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por iniciativa do bispo D. Joaquim Antônio de Melo, responsável pela reforma

clerical paulista no século XIX.

Segundo Martins (2006) a criação do Seminário contemplaria duas

necessidades destacada pelo bispo, imprimir na conduta clerical concepções

moralizadoras e éticas, e garantir a formação educacional das classes

dominantes em um modelo tradicional católico conforme os interesses da

monarquia (MARTINS, 2006, p. 128 e 138-139). O sistema de internato foi

adotado por ser considerado o mais eficaz para a propagação de uma

disciplina moral e ética, regime adotado desde os conventos medievais.

A construção do Seminário no bairro da Luz, mais precisamente na Av.

Tiradentes, foi estratégica. Ao longo do século XIX o bairro se destacou como

centro de negócios e circulação, no qual instituições públicas e religiosas

estavam instaladas, por isso:

A presença da instituição educativa no trajeto comercial dos fazendeiros e comerciantes poderia atrai-los no que tange à educação dos seus filhos, considerando-se que a educação apresentava-se cada vez mais eficaz às garantias de atuação política, simbolizando para os pais a posição privilegiada do filho na sociedade em expansão (MARTINS, 2006, pg. 163-164).

Inaugurado em 9 de novembro de 1856, o Seminário Episcopal de São

Paulo, dividia-se em duas categorias, o Seminário Maior dedicado à

formação sacerdotal, e o Seminário Menor destinado à instrução de leigos,

oferecendo o ensino secundário. Para Martins (2006) a ausência de escolas

públicas e particulares, valorização do ensino para ascensão social e a

obrigatoriedade de preparatórios para ingresso em curso superior,

contribuíram para o desenvolvimento do Seminário Menor (MARTINS, p.190-

191), dando origem ao Collegio Diocesano.

A Polyanthea (1906), publicação comemorativa do 1º quinquagenário

da fundação do Seminário Episcopal, atribui outra questão à criação do

Collegio Diocesano em 1858:

Em 1858, D. Antonio de Mello de harmonia com o Reitor, em vista das enormes dificuldades financeiras para a manutenção do Seminário exclusivamente destinado à

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educação do clero resolvera dividi-lo em duas secções: uma de preparatórios para todas as classes sociaes e outra somente para os alumnos do sanctuario que estivessem no curso superior (POLYANTHEA, 1906, p.130).

A procura pelos cursos parcelados do Collegio Diocesano garantia os

recursos necessários à manutenção do Seminário Maior e a formação básica

necessária aos aspirantes à carreira eclesiástica.

Os Capuchinhos de Savóia, congregação de origem francesa,

chegaram à Província de São Paulo para atuar no Seminário por ordem do

Sumo Pontífice (MARTINS, 2006, p.173). Entre os religiosos que

compunham o primeiro grupo destacavam-se Frei Eugênio de Rumilly (reitor),

Frei Firmino de Centelhas (vice-reitor) e Frei Germano D’Annecy (professor

de álgebra, geometria e física), personalidade reconhecida no meio cientifico

da época, como proeminente matemático e astrônomo.

A congregação atuou no Seminário e Collegio Diocesano de 1856 a

1878, ano da transferência desses religiosos para a cidade de Franca no

interior do estado de São Paulo. Com a saída dos capuchinhos, Seminário e

Colégio foram administrados pelos padres diocesanos de 1879 a 1907. O

cargo de reitor foi ocupado pelo Cônego João Alves de 1879 a 1890, período

em que atuaram como professores alguns dos primeiros religiosos formados

pelo Seminário, como o arcediago Dr. Francisco de Paula Rodrigues e o

Cônego Ezequias Galvão Fontoura. O novo corpo docente, diferente dos

antecessores, não vivia em comunidade como internos na instituição, e

acumulava as atividades de ensino com as funções religiosas.

No ano de 1904 o bispo D. José de Camargo Barros dividiu o

Seminário em três instituições independentes: Collegio Diocesano, Seminário

Menor, transferido para a cidade de Pirapora, no interior paulista, e Seminário

Maior, que permaneceu na capital (POLYANTHEA, 1906, p.136). No mesmo

ano o Instituto dos Irmãos Maristas recebeu o primeiro convite do bispo para

administrar o Collegio Diocesano, proposta recusada pelo Ir. Adorátor em

razão do reduzido número de religiosos atuando no país.

Um pequeno grupo formado por seis Irmãos Maristas havia

desembarcado no Brasil em 1897, tendo como missão uma obra educacional

em Congonhas do Campo, MG. No ano de 1899, seguiram para a cidade de

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São Paulo, assumindo a administração do Collegio Nossa Senhora do

Carmo, instituição pertencente à Ordem Terceira do Carmo, e fundaram em

1902 o Collegio Nossa Senhora da Glória.

D. Duarte Leopoldo e Silva, nomeado bispo de São Paulo em 1907,

renova o pedido à congregação Marista sobre o Diocesano. No dia 21 de

janeiro de 1908 é assinado o contrato entre a diocese de São Paulo e o vice

provincial Marista, Ir. Adorátor (anexo 1). O Instituto dos Irmãos assumiu o

Collegio Archidiocesano de São Paulo9, tendo em sua direção o Ir. Isidoro

Dumont.

Em carta endereçada ao arcebispo D. Duarte Leopoldo e Silva, o

primeiro reitor Marista, saúda a elevação da diocese de São Paulo à

arquidiocese e descreve a entrada dos primeiros irmãos professores na

instituição, como lemos no seguinte trecho:

(...) Ao mesmo tempo venho dar-lhes uma breves notícias do Collegio Diocesano, cuja direção teve a bondade de nos confiar. Entramos no dia 17 de fevereiro; uns sessenta meninos dormiram no Collegio na 1ª noite; o número deles subiu pouco a pouco até 160; o máximo deste ano será provavelmente de 170 a 180 presentes. Logo no 1º dia notamos muito respeito, uma grande submissão por parte de todos, grandes e pequenos, para com os professores. Passamos um mez interno sem dar nem uma reprehensão. Seja qual for a causa de tao bom procedimento, auxiliou-nos muito para ganharmos a afeição dos alumnos, dando-nos os meios de prodigalizar-lhes louvores merecidos, tratal-os com benevolência e mostrarmo-nos paes, mães, antes do que mestres (CARTA DE ISIDORO DUMONT, 23 de março de 1908, p.1 - 2) (Anexo 2)

A carta de Ir. Isidoro cita uma boa acolhida dos alunos, todavia Azzi

(1997) relata problemas no início da atuação dos Irmãos, uma vez que:

A mudança foi bastante sentida pelos antigos alunos do colégio, habituados a um regime escolar de maior liberdade. Com a vinda dos maristas, foi implantada uma disciplina bastante rígida, e os alunos obrigados a um ritmo mais intenso de estudos. Por isso não faltam reações de inconformismo nos primeiros anos por parte dos veteranos. Mas a firmeza dos religiosos franceses tornou-os

9 A denominação Collegio Diocesano muda para Collegio Archidiocesano de São Paulo,

devido à elevação da diocese da cidade a arquidiocese, ocorrida no ano de 1908.

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rapidamente senhores da situação, e os jovens acabaram amoldando-se ao novo padrão educacional, sobretudo após a expulsão de alguns mais rebeldes (AZZI, 1997, p.151).

Nos dois primeiros anos os Irmãos Maristas dirigiram o

estabelecimento de ensino pertencente à diocese, que em 1910 foi

definitivamente transferido para a congregação. De acordo com Azzi (1997)

entre 1908 e 1917 o colégio recebeu cerca de 250 alunos internos.

No ano de 1929 teve início a construção de uma nova sede em terreno

adquirido no bairro de Vila Mariana, pela União Brasileira de Educação e

Ensino, grupo pertencente à Província Marista do Brasil Central. O projeto

elaborado pelo escritório de Álvaro Salles de Oliveira, baseava-se nas

prescrições legais e o que se concebia como mais sofisticado em arquitetura

escolar. O imponente edifício, com 12 mil m2 de área construída, foi

inaugurado no dia 25 de janeiro de 1935, na presença de autoridades civis e

religiosas, sendo abençoado pelo arcebispo D. Duarte Leopoldo e Silva.

Pelas plantas arquitetônicas, fotografias e o atual edifício em pleno

funcionamento, percebe-se a magnitude do conjunto. Com capacidade para

até 500 alunos internos a edificação é constituída em quatro pavimentos, com

amplas salas de aula, laboratórios bem equipados, museu escolar, quatro

campos de futebol e aparelhos esportivos, biblioteca, salão nobre,

enfermaria, dormitórios, e uma capela ricamente decorada com mármore

colorido e 13 vitrais vindos da França. Interligado por galerias duplas

apresenta-se um segundo edifício que completava as dependências com

cozinha, seis refeitórios e as instalações para os empregados.

Este estabelecimento confessional católico dedicou-se à formação de

meninos e jovens do sexo masculino advindos de famílias residentes no

interior de São Paulo e em outros estados. Os alunos recebidos eram

matriculados em sistema de semi-internato e principalmente de internato,

modalidade extinta no ano de 1968. Ao concluírem o ensino secundário,

cursavam carreiras de grande prestígio como direito, medicina e engenharia,

e ocupavam posições de destaque na política, administração pública e

grandes companhias.

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Figura 1. Edifício do Colégio Arquidiocesano no bairro de Vila Mariana, 1938. Fonte: Acervo do Memorial do Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo.

Nos seus registros os Irmãos Maristas destacavam o Colégio

Arquidiocesano em relação aos demais estabelecimentos mantidos pela

congregação. A estrutura monumental do edifício e o público seleto que este

internato masculino recebia eram considerados modelo para a execução

perfeita de sua missão educacional. Os Irmãos professores dedicaram

especial atenção na educação destes alunos, empregando premiações e

castigos como parte de suas práticas pedagógicas. Desejava-se formar

indivíduos distintos socialmente e caracterizar o ensino ofertado como

excelente.

A delimitação do recorte cronológico contemplando o período entre os

anos de 1908 a 1963 foi definida com base na trajetória do Colégio

Arquidiocesano de São Paulo e nas fontes selecionadas para este estudo. O

ano de 1908 marca o início da presença Marista na instituição como parte do

movimento de expansão do catolicismo em São Paulo, promovido pelo

arcebispo D. Duarte Leopoldo e Silva. No mesmo ano começa ser publicada

a Revista Echos do Collegio Archidiocesano de São Paulo, divulgando a

atuação desses religiosos e as ações desenvolvidas durante o ano letivo. A

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leitura revelou a existência de um sistema de premiações coerente com o

Guia de Escolas Maristas e a legislação em voga10.

O ano de fechamento do trabalho recai em 1963 e, com o fim da

revista Echos, a divulgação das premiações foi refreada. Esse fato não

significa que os prêmios escolares deixaram de ser ofertados, na memória

dos antigos alunos e em outros registros da instituição, percebe-se a

permanência dessa prática até meados da década de 80. Entretanto, o

encerramento do periódico, principal meio divulgador do cotidiano escolar, é

indício de transformações de ordem pedagógica e social que levaram ao fim

regime de internato, em 1968.

Procedimentos de pesquisa

A escola enquanto construção histórica foi moldada por conflitos,

negociações, relações de poder e dominação. Ao longo do tempo suas

práticas sofreram alterações o que torna necessário compreender sua

gênese e desenvolvimento, determinados por circunstâncias e fenômenos

sociais (VIÑAO FRAGO, 2008, p.33-37). Por isso esse estudo tem por

referências os seguintes autores, interessantes ao entendimento de como a

premiação e o castigo podem ser entendidos dentro do universo de

negociações históricas que lhes deram significados: Pineau (2008), Viñao

Frago (2008), Hamilton (2001) e Vincent, Lahire e Thin (2001).

A existência do castigo, emulação e premiação mostra-se tão antiga

quanto a origem da escolarização, e dessa maneira como parte da cultura

escolar, é fenômeno histórico de longa duração, interessante de ser

estudado. Adotando Julia (2001, p.10-11), conceber essas ações como parte

da cultura escolar significa considerar as tensões e conflitos que envolveram

a concretização dessas estratégias no interior da escola.

Por cultura escolar compreendemos como é apresentada por Viñao

Frago (2008, p. 22), um compartilhamento de ações regulares que são

10

A utilização de recompensas e castigos para a manutenção da disciplina nos colégios Maristas foi regulamentada pelo Guia das escolas para uso nas casas dos Pequenos Irmãos de Maria de 1853. A Reforma Benjamin Constant (1890) determina para o Ginásio Nacional, em seu Art. 47, a distribuição de prêmios aos alunos mais distintos nos exames e a constituição de um “Pantheon” no qual serão fixados os seus retratos em local de destaque. O Ginásio Nacional determinou o funcionamento dos demais estabelecimentos de ensino.

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sedimentadas ao longo do tempo em teorias, ideias, normas, pautas, rituais,

inércias e práticas. Para o autor a cultura escolar reside nos aspectos

naturalizados da escola: “se trata de práticas que se dão por assentadas,

que se considera que são aquelas que devem ter as escolas, que não se

questionam, e cuja existência às vezes nem sequer se repara” (VIÑAO

FRAGO, 2008, p.20).

A cultura escolar, apesar de determinada pelos contextos sociais,

econômicos e políticos, goza de autonomia para criar suas formas de fazer e

pensar e constituir uma sociedade escolarizada. Ao elaborar a pesquisa com

ênfase no seu estudo, pretendeu-se compreender os aspectos internos da

escola, conforme definido por Pineau (2008, p.93-98), instituição modeladora

dos indivíduos, legitimadora de modelos sociais, implicada com a ideia de

Progresso, pensada como instância de repressão e de liberação de sujeitos

que têm de pertencer à sociedade.

Sobre as fontes selecionadas Viñao Frago (2008, p.29-31) defende

que a cultura escolar não reside apenas nos modos de fazer e pensar, na

organização, rituais e representação de uma instituição escolar, mas também

em seus aspectos materiais, presentes na disposição e usos dos espaços e

tempos; nos objetos de uso corriqueiro; nos materiais didáticos e nos itens

produzidos pela instituição entre fotografias, prospectos e peças publicitárias.

Como pesquisa na área de história da educação o trabalho centrou-se

na seleção, leitura e análise de fontes documentais realizando o cotejamento

dessas a partir das obras eleitas como de referência. A respeito dos

documentos históricos Julia (2001, p. 17) nos lembra que “o historiador faz

flecha com qualquer madeira”, todo vestígio das ações humanas pode ser

problematizado como fonte e servir à investigação histórica. Nas últimas duas

décadas os historiadores têm ressaltado a pertinência de uma concepção

abrangente sobre documento histórico. É importante ter em vista que como

centro de documentação e memória, o Memorial do Colégio Marista

Arquidiocesano manteve os itens que a instituição ao longo de décadas

considerou dignos de serem preservados, mas muitos outros se perderam, e

no processo de conversão do registro das atividades em documento de

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acervo, estes foram organizados dentro de outras lógicas e ganharam novos

significados.

Considerou-se também pertinente a consulta às normativas,

publicações educacionais, imagens e documentos da instrução pública,

contemporâneas ao recorte cronológico, ou mais recuadas no tempo. Essas

fontes foram pontualmente cotejadas com os documentos referentes ao

Colégio Arquidiocesano de São Paulo, para a localização de suas práticas e

orientações em um contexto educacional mais amplo.

Esta pesquisa priorizou o acervo do Memorial do Colégio Marista

Arquidiocesano de São Paulo, eleito como essencial ao trabalho. As

comemorações do sesquicentenário do colégio, e centenário da presença

Marista em 2008, incentivaram um projeto dedicado à salvaguarda da

memória escolar, a partir das fontes documentais.

A constituição do Memorial originou-se das demandas de sua

comunidade escolar, por isso a reconstrução da trajetória da instituição

definiu-se pela expectativa em torno de itens que ela elegeu como de

importância histórica. Os resultados das primeiras ações (pesquisa histórica e

cronologia inicial, documentação organizada e acessível) foram alvos de usos

e apropriações.

Implantado em 2007, o Memorial tornou-se parte integrante da

Biblioteca Santo Tomás de Aquino, e com isso foram traçadas suas linhas de

atuação que tomaram por base três objetivos principais: preservar e oferecer

documentação à pesquisa, fazer uso do acervo como instrumento

pedagógico para atividades educativas e culturais e salvaguardar itens que

estão fisicamente integrados ao cotidiano escolar.

O Colégio Arquidiocesano reuniu expressivo acervo sobre sua

trajetória, com mais de 30 mil itens, entre revistas institucionais, fotografias,

registros de secretaria escolares, material publicitário, medalhas, troféus e

artefatos que compõem o Museu escolar. Essa documentação é marcada

pelos reflexos das políticas educacionais brasileiras e ideias pedagógicas

adotadas, bem como pelo movimento de divulgação do ensino católico nos

últimos dois séculos.

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A leitura dos documentos selecionados considerou que são itens

produzidos no interior de uma instituição no qual o Padre Marcelino

Champagnat, fundador da Congregação Marista, é santo11. Todos os textos

que se referem a ele, ao Instituto dos Irmãos Maristas e sua missão

educativa evangelizadora revestem-se de uma áurea mítica, podendo ser

enquadrados no que Le Goff (2006) classificava como documentos-

monumentos, e estes nunca são neutros, são construções, conscientes ou

não, dos períodos e sociedades que os produziram, e passaram por

alterações no decorrer de épocas. Este é o caso dos documentos do Colégio

Arquidiocesano, que foram alvo de reincidentes apropriações pela

comunidade escolar na elaboração de memórias para suas efemérides,

como por exemplo, o sesquicentenário da instituição, o centenário da

presença Marista e os setenta anos da sede na Vila Mariana, entre outras

data celebradas.

Cabe ao historiador não tomá-los como prova irrefutável do passado,

mas sim compreender os interesses e disputas na constituição daquele

registro, assim como sua transformação em fonte. Dentre os documentos

recolhidos para a investigação sobre “prêmios” e “castigos”, foram analisados

principalmente a normativa marista, as revistas institucionais, fotografias e

materialidades.

O Guide des Écoles ou Guia das Escolas Maristas, publicado

originalmente em 1853, reúne as diretrizes para o funcionamento das casas

de educação sob os cuidados dos Irmãos Maristas, contemplando métodos

de ensino, de disciplina, formação religiosa e a preparação dos jovens

Irmãos. O estudo sobre essa normativa foi definido pela importância para a

obra Marista, considerado primordial desde sua primeira publicação até o ano

de 1960, quando o Concílio Vaticano II estabeleceu novas orientações para a

educação da juventude. A obra é composta por três partes, tendo a leitura se

11 O Padre José Bento Marcelino Champagnat foi canonizado Santo pela Igreja Católica em

18 de abril de 1999 em cerimônia realizada pelo Papa João Paulo II. A canonização é o último estágio de reconhecimento da santidade atestada pelas obras e pela comprovação de três milagres. A beatificação de Champagnat foi assinada em 1955, contudo o início do processo data de 1888. http://www.pucrs.br/pastoral/print.php?p=champagnat-2.2-4 acesso 08/01/2014.

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concentrado na primeira, sobre organização e disciplina escolar e na última,

dedicada ao uso da emulação.

A Revista Echos do Colégio Arquidiocesano de São Paulo (1908-

1963), editada anualmente, foi eleita a principal fonte para esse estudo, tendo

sido consultados os 54 exemplares publicados durante sua duração.12 Este

periódico institucional, destaca-se no conjunto de fontes que compõem o

acervo do Memorial, tanto por sua longa duração, como pelo seu conteúdo,

descrevendo os fatos mais marcantes do ano letivo, como uma “prestação de

contas” às famílias, distantes geograficamente em razão do regime de

internato. Os exemplares também circulavam entre alunos, antigos alunos,

autoridades políticas e religiosas como forma de promover a instituição no

cenário educacional paulista como exemplo de excelência intelectual no

ensino. A revista também colaborou na propagação dos valores associados à

formação do “caráter”, “solidez moral”, como inatos à educação Católica, e

elegendo condutas a serem endossadas pela família.

Desde o primeiro número os exemplares apresentam refinado projeto

gráfico, ricamente ilustrado com fotografias, não tão comuns para revistas

educacionais do período, impressões douradas e delicados trabalhos de

ornamentação. Nas páginas dedicadas à descrição do cotidiano escolar

percebem-se: o direcionamento estatal dado à educação, a relação entre o

pensamento dos membros religiosos do colégio e as determinações laicas,

governamentais, as inovações do pensamento educacional, a discussão em

torno da ciência e da fé e os comportamentos adequados para a juventude

católica. A publicação propagava o modelo de estudante que se desejava:

“bons cristãos e virtuosos cidadãos”.

A pesquisa priorizou a leitura das seguintes seções e temas:

Pantheon das melhores notas; quadros de honra; prêmios Champagnat,

melhores notas, religião, Carlos Reis; galeria ilustre; alunos que realizaram

trabalhos de férias; de honra em notas e procedimentos; alunos participantes

da maratona intelectual; notas e exames; discursos de formatura;

12

A contagem não corresponde exatamente a um exemplar por ano, pois a edição de 1908-1909 foi feita em apenas um exemplar, e durante os anos de 1942 a 1945 a revista não foi publicada em decorrência da 2ª Guerra Mundial. A revista é chamada Echos do Collegio Archidiocesano de São Paulo até o ano de 1937. A partir de 1938 é publicada como Ecos do Colégio Arquidiocesano de São Paulo. Optou-se por trabalhar com as duas nomenclaturas.

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recordações de antigos alunos, resumo do ano letivo; vida escolar; palavras

de alunos e professores; orientações para atividades nas férias; palavras do

Irmão Reitor.

A Revista O Arquidiocesano (1952 e 1961)13, surge inicialmente como

publicação bimestral do Grêmio Estudantil Arquidiocesano, e no ano de 1953

tornou-se boletim oficial do Colégio Arquidiocesano. Destaca-se pela

divulgação de textos e atividades de alunos, evidentemente sob supervisão

dos irmãos professores e coerente com os valores da filosofia Marista. A

investigação centrou-se nas seções dedicadas aos prêmios, quadros de

honra parcial, melhores nota e melhores médias, notas sobre a vida escolar,

entrevistas com antigos alunos, seção humorística e alguns textos produzidos

por alunos que fazem menção às premiações e castigos.

As fotografias escolares, datadas de 1908 a 1962, foram produzidas

majoritariamente para a Revista Echos, contudo a observação desses

originais relevou detalhes ocultos na impressão e algumas imagens

desconhecidas. Os registros fotográficos ocuparam um papel de destaque

nas ações de implantação do Memorial. Para a comunidade escolar,

detentora da memória a ser preservada, a imagem não é somente registro,

mas também “comprovação” literal e inquestionável de seu passado.

As fotografias selecionadas para a pesquisa referem-se a: prêmios

oferecidos, festividades de formatura, solenidades de entrega de medalhas,

registros do quadro de honra, e recordações de antigos alunos. Essas últimas

foram muito vinculadas nos dois periódicos, uma vez que a trajetória e

posição social dos antigos alunos eram divulgadas pelo Colégio

Arquidiocesano como maneira de afirmar-se enquanto instituição de

formação dos homens dirigentes da nação.

A quantidade expressiva de registros fotográficos sobre premiações é

um dado relevante, como nos esclarece Leite (1988), pois nem todos os

momentos da vida eram dignos de serem retratados, somente os

cuidadosamente selecionados que refletiam, mesmo que em traços muito

13

A Revista O Arquidiocesano era publicada bimestralmente em quatro edições anuais, contudo, alguns exemplares não foram preservados, foram consultados os 37 exemplares remanescentes no acervo do Memorial.

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tênues para nosso olhar, as relações, posicionamentos e ideais de um

determinado grupo.

Os boletins, cartões de quadros de honra e medalhas, datados dos

anos 30 aos anos 60, foram pontualmente cotejados com as demais fontes,

pois explicitam que as formas de premiar constituíram-se também em

materialidade ofertada pelo colégio aos alunos, como símbolos de vitória, a

exemplo do que esclarecem Souza e Fiscarelli (2007). É importante ressaltar

que muitos desses artefatos não estavam presentes no colégio, visto que

eram ofertados aos alunos vencedores do quadro de honra e prêmios

Champagnat, honra ao mérito, excelência e catecismo. Chegaram ao

Memorial como doações de antigos alunos e seus familiares, como forma de

marcar para a posteridade suas trajetórias individuais, e estão impregnados

por memórias.

Procedimentos de análise

Quanto aos procedimentos de leitura, adotou-se o indicado por

Ginzburg (2002) com base no exame dos pormenores e gestos corriqueiros,

interpretando os dados marginais, em atitude de decifração, a análise,

comparação e categorização dos indícios pontuais para o entendimento de

aspectos essenciais e a constituição histórica das realidades complexas

(GINZBURG, 2002, p.153). Sobre os castigos são raras as materialidades e

imagens, e pouco se explica sobre a sua necessidade ou uso nos registros

escolares. Por este motivo, a investigação recaiu principalmente sobre as

publicações e teve que ser buscada de forma sutil.

Com base nas orientações de Julia (2001, p. 15) tentou-se evitar o

equívoco que considera a escola em dois extremos, instituição imutável ou de

absoluta inovação, pela identificação das sensíveis transformações que

ocorrem no seu funcionamento interno, em meio às permanências

aparentemente estáticas. A leitura dos documentos priorizou o entendimento

das práticas existentes na escola, o funcionamento do sistema de

premiações e as estratégias de punição articuladas em seu cotidiano.

A partir da análise foi possível entender que prêmios e castigos são

faces opostas diretamente relacionadas, mas não são equivalentes,

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apresentam posições e objetivos distintos. Além de manejadas para impor

disciplina, foram utilizadas no Colégio Arquidiocesano com propósitos

pedagógicos. Identificou-se também um desequilíbrio nos usos, era preferível

recompensar em vez de castigar.

O texto foi organizado em três capítulos. O primeiro aborda as

premiações dentro das prescrições Maristas, situando-as como traço de sua

escolarização e história. Para isso, centrou-se no estudo da tradução do

Guia de Escola Marista, em suas seções dedicadas à emulação e às

recompensas escolares, cotejadas com normativas, de períodos mais

recusados, e os debates promovidos pelo campo pedagógico entre o final do

século XIX e início do XX.

A segunda parte dedica-se ao estudo das premiações oferecidas pelo

Colégio Arquidiocesano de São Paulo. Amparando-se nas publicações

institucionais, os principais prêmios são descritos nos seus critérios e

objetivos visando o entendimento de uma instrução para a erudição e o

catolicismo. A materialidade que os envolve, seja em medalhas ou cartões de

quadro de honra, é apresentada como símbolo de vitória e sucesso. Buscou-

se também o significado dessas distinções promovidas em uma instituição

dedicada à educação dos futuros homens dirigentes da nação.

No terceiro capítulo são apresentados os castigos que eram aplicados

nesse estabelecimento de ensino. As poucas fontes e informações foram

entendidas como uma ausência proposital, que decorre de dois aspectos, a

natureza dos documentos selecionados para a pesquisa e o lugar ocupado

pelas punições na escola. O ato de castigar é expresso em diferentes ações,

por isso o texto apresenta uma breve tipologia de castigos. A falta de

registros sobre as penalidades está diretamente relacionada ao debate

educacional do período em torno dos prêmios e castigos escolares, e a

intenção do colégio em se propagar como lugar de excelência no ensino, o

que tornou necessária uma busca “a contra pelo” de fragmentos nas

entrelinhas dos documentos, que remetessem tanto ao papel disciplinar como

pedagógico que as penalidades desempenharam.

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CAPÍTULO 1 – AS PREMIAÇÕES ESCOLARES NA

PEDAGOGIA MARISTA

______________________________________________________________

Percebe-se que prêmios e castigos se mantiveram por todo o período

que se denomina “Escolarização moderna”, mas passando por mudanças em

seus critérios, usos e representações.

Pineau (2008, p.84), Viñao Frago (2008, p.37) e Hamilton (2001, p.51)

definem a escolarização como processo originado com as instituições

surgidas a partir do século XVI, uma das maiores invenções da modernidade,

e ao mesmo tempo, a responsável pelo seu triunfo: “A Modernidade ancorou-

se na escola e a escola ocupou-se da modernização” (PINEAU, 2008, p.85).

Para Vincent, Lahire e Thin (2001) indica o surgimento de uma forma

escolar: “A escola como instituição na qual se fazem presentes formas de

relações sociais baseadas em um enorme trabalho de objetivação e

codificação, e o lugar de aprendizagem das formas de exercício do poder”

(VINCENT, LAHIRE e THIN, 2001, p.30), presente nas normativas que

regulam as relações entre os sujeitos. Dessa forma tanto castigos como

premiações, apresentavam-se como expressões de um código, que

permaneceu apesar da mudança nas regras.

Parte considerável da bibliografia sobre prêmios e castigos associa a

utilização das recompensas como alternativa disciplinar mediante a proibição

das punições corporais nas escolas. Entretanto, uma prática não substituiu a

outra, pelo contrário, por muito tempo as duas modalidades coexistiram.

É o que se percebe na leitura das primeiras normativas para

instituições educacionais católicas, caso, por exemplo, da Ratio Studiorum14,

elaborada em 1599 pelos padres jesuítas e da Conduite des Ecoles

Chretiennes15 de João Baptiste de La Salle datada de 1720. Nesses dois

14 Para esse estudo foi utilizada a tradução em espanhol do texto original da Ratio Studiorum

de 1599, feita por Gustavo Amigó e revisada por Dr. Daniel Alvarez, S.J. O texto em pdf encontra-se disponível no site: http://www.danielpallarola.com.ar/archivos/ratiostudiorun1599.pdf. acesso 10/05/2013. 15

Traduzido como Guia das Escolas Cristãs, segundo o prefácio, foi inicialmente manuscrito em 1706, e publicado em 1720, após a inclusão da introdução e prefácio que circulavam entre os Irmãos do Instituto das Escolas Cristãs na forma de manuscrito no início de 1700.

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textos o uso de castigos físicos e morais, assim como das recompensas

escolares são detalhadamente prescritos, sem que o uso de um seja

apontado em substituição a outro.

Segundo Laeng (1978) recompensar é qualquer consequência

agradável a um ato realizado, com função motivacional. Em sentido

pedagógico é digno de recompensa ou ato meritório, desempenhar uma ação

ou comportamento, livremente escolhido, que o faça sobressair aos demais,

tornando-o merecedor de honras. O ato de recompensar é o reconhecimento

que provém da vontade da autoridade educativa (LAENG, 1978, p.241). A

pesquisa não diferencia semanticamente o que é recompensar e premiar,

mas adota a palavra prêmio para o reconhecimento expresso em titulo e

materialidades.

A passagem do século XVIII para XIX na França é marcada por

processos revolucionários, que resultam na ascensão da burguesia ao poder,

a expansão do conceito de cidadania e transformação dos direitos

individuais. Foucault (1983) descreve a transição operada nesse período, no

qual as formas de punição centradas no corpo foram paulatinamente

substituídas pelo controle e vigilância dos indivíduos, dando origem a uma

sociedade disciplinar.

No decorrer do século XIX os movimentos de restauração das

monarquias na Europa, estenderam-se para a Igreja que objetivava reaver o

poder perdido em virtude da laicização promovida durante o processo

revolucionário francês. Dallabrida (2001) afirma que desse catolicismo

restaurado emergiram novas congregações religiosas masculinas, pautadas

em discursos pedagógicos com fortes princípios disciplinares, caso dos

Salesianos e seu Sistema preventivo, e dos Irmãos Maristas com o Guia das

Escolas (DALLABRIDA, 2001, p.151).

Foi neste contexto que se concretizou a atuação do Padre Marcelino

Champagnat, fundador da Congregação Marista, responsável pela

administração do Colégio Arquidiocesano de São Paulo desde 1908 até a

presente data. A principal normativa da congregação, o Guia das Escolas

Tradicionalmente creditado a São João Batista de La Salle, a obra foi formulada também a partir dos manuscritos dos irmãos datados de 1691 e 1694.

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Maristas, apresenta como prêmios e castigos foram prescritos e

possivelmente aplicados em seus estabelecimentos de ensino.

O Padre Marcelino Champagnat e a fundação do Instituto dos

Irmãos Maristas

Joseph Benoit Marcellin Champagnat16 nasceu no dia 20 de maio de

1789 em Marlhes na França. Filho de uma família de agricultores

extremamente católica recebeu de sua mãe e tia os primeiros ensinamentos

nas letras e na religião. Durante a juventude recebe a visita de um padre em

busca de vocações para o clero, desestruturado após o processo

revolucionário francês. Apesar de ter abandonado precocemente a escola, e

ser praticamente analfabeto, o jovem Marcelino aceita a carreira sacerdotal.

No ano de 1805 Champagnat ingressa no Seminário Menor em

Verrières, enfrenta dificuldades, mas, conclui os primeiros estudos. Continua

sua formação no Seminário Maior em Lyon, no qual se ordenou em 1816. No

mesmo ano o Padre Marcelino Champagnat tornou-se vigário da paróquia de

La Valla, na qual tomou contato com a carência religiosa e intelectual das

crianças. É por meio dessa experiência que pôs em andamento o plano de

fundar uma sociedade de Irmãos reunida na devoção à Virgem Maria.

Esse episódio marca o início da história do Instituto dos Irmãos

Maristas das Escolas17, no ano de 1817. A constituição de uma sociedade

de Irmãos e não de Padres, expressa a preocupação do fundador em ter

religiosos totalmente desobrigados da ministração dos sacramentos, e assim

integralmente dedicados ao trabalho missionário.

Nas palavras do Padre Marcelino Champagnat percebe-se a quem se

destinava a obra e a influência recebida dos lassalistas: “... senti a urgente

necessidade de fundar uma Sociedade que pudesse, com poucos gastos,

proporcionar às zonas rurais o ensino que os Irmãos das Escolas Cristãs

ministravam nas cidades” (MISSÃO, 2000, p.97). O Instituto dos Irmãos

16

Existem divergências sobre a tradução do nome do pai fundador da congregação Marista. Em algumas obras é citado o nome José Bento Marcelino Champagnat, em outras Marcelino José Bento Champagnat. 17

Conhecido também como Les Petit Marie Frater (os pequenos irmãos de Maria).

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Maristas surge com seu “carisma” 18 , sua missão essencial, dedicado

exclusivamente à educação, sendo o objetivo principal a instrução e

evangelização da infância pobre e camponesa, posteriormente alargada a

todos os grupos sociais.

A trajetória de Marcelino Champagnat foi escrita em biografias como

mito no qual se fundamentam os pressupostos da missão dos Irmãos

Maristas, pautada na pedagogia da presença19. Uma delas relaciona-se às

regras disciplinares nas escolas mantidas pelos Irmãos Maristas, justificadas

pela negativa experiência de escolarização vivenciada pelo fundador, e

expressa nas seguintes memórias captadas pelo seu biógrafo:

No primeiro dia de aula, como era tímido, e não ousava sair do lugar, o mestre o chamou junto a si para a leitura, mas outro aluno apresentou-se e postou-se à frente de Marcelino. O mestre, tomado de nervosismo, pensando talvez em agradar ao jovem Marcelino, deu uma bofetada no rapaz que se adiantara e o mandou chorando para o fundo da sala. Tal atitude não era de molde a tranquilizar o novo aluno, menos ainda levá-lo a curar sua timidez. Ele diria mais tarde que tremia todo e tinha mais vontade de chorar do que ler. Essa brutalidade revoltou-lhe o espírito de justiça. Pensou consigo: não volto à escola de tal mestre. (...) Não me interessam, pois, nem suas lições e menos ainda seus castigos. De fato, apesar das insistências dos pais não quis mais voltar a estudar com aquele professor (FURET, 1999, p.5).

O Ir. Jean Baptiste Furet ao relatar esse fato, na obra Vida de São

Marcelino José Bento Champagnat, publicado originalmente em 1856,

recorda que tal incidente foi muitas vezes narrado pelo pai fundador, como

forma de alertá-los sobre como “as correções intempestivas podem afastar as

crianças da escola, indispô-las contra os professores e levá-las a detestar as

lições” (FURET, 1999, p.5). O fato narrado estabeleceu-se como mito

18

Na teologia católica abrange três sentidos: todo dom da graça com os frutos que produz no homem; uma graça transmitida pela imposição das mãos; e a graça livremente concedida pelo Espírito Santo em vista do bem comum e da Igreja. A estrutura fundamental da Igreja é o carisma. Na Igreja dão-se conta também de estados carismáticos, como o de Apóstolo, Profeta, Mestre, Evangelista e Pastor (Porto e Schlesinger, 1995, p.152). 19

Na publicação Missão Educativa Marista aparece o conceito de Pedagogia da Presença, o “jeito de educar” segundo as palavras de Marcelino Champagnat, nas quais a presença atenta e acolhedora dos educadores junto às crianças e jovens era incentivada (Missão, 2000, p.55-56). Atualmente é a base ideológica da atuação dos professores das escolas do Instituto Marista.

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fundador da atuação dos Irmãos que deveriam educar sem fazer uso dos

castigos corporais e evitar outras punições, estabelecendo uma relação de

afeição recíproca e utilizando recursos mais atrativos, como as premiações,

para garantir adesão ao seu modelo escolar.

A preocupação em manter as crianças assíduas à escola, obedientes

a seus mestres, e empenhadas em suas atividades e deveres, estavam além

do esforço pela educação intelectual, eram maneiras de difundir a missão

evangelizadora Marista: “Tornar Jesus Cristo conhecido e amado”.

Em La Valla foi fundada a primeira escola em 1817, acolhendo

crianças pobres, gratuitamente ou mediante pequena contribuição, segundo a

documentação pesquisada. O Padre Champagnat insistia na formação de

Irmãos para a instrução no meio rural. Nos anos seguintes foram fundados

casas de educação em Marlhes, Saint-Sauveur e Tarentaise. Mello (1996,

p.51) descreve o currículo do curso primário: instrução religiosa, ensino de

leitura, elementos da gramática francesa, cálculo, desenho linear, sistema

legal de pesos e medidas, elementos da Geometria, canto e elementos de

História e Geografia.

Com a expansão das escolas nas regiões rurais, surgem os convites

de outras dioceses para que os Irmãos atuassem também nas grandes

cidades, assim surgem escolas em Bourg Argental e Lyon. Em 1824 é

erguida a casa sede da congregação Notre Dame de L’Hermitage. A missão

de difundir o carisma Marista resultou na expansão de suas obras. No ano de

1840 quando faleceu o padre Champagnat, aos 51 anos, deixava 280 irmãos

maristas e 47 escolas primárias em funcionamento que atendiam cerca de 7

mil crianças na França.

A expansão da Congregação Marista.

Segundo Mello (1996) a expansão da missão Marista para outros

continentes começa com a transferência de três Irmãos para Oceania (1836),

e posteriormente o envio de religiosos para Inglaterra (1852), Bélgica (1858),

Irlanda (1862), União Sul Africana (1867), Turquia (1868), Austrália (1871),

Nova Caledônia (1873) e Nova Zelândia (1875). A presença Marista na

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América tem início com a chegada ao Canadá (1885), Estados Unidos

(1886), Brasil (1897), Colômbia e México (1899), Cuba e Argentina (1903).20

Para a autora a expansão Marista se relaciona a três questões

contextualizadas no decorrer do século XIX. O movimento ultramontano

europeu, no qual a Igreja incentivou o deslocamento de ordens religiosas

para diversos países, como forma de combater o protestantismo e demais

credos, e impor um catolicismo mais erudito e centrado nas designações da

Santa Sé (MELLO, 1996, p.65).

A política imperialista francesa, empreendida na Ásia e África, foi

outro ponto relevante. Os Irmãos teriam recebido apoio nesses territórios, de

outras sociedades missionárias e do próprio governo, que acabaram por

garantir sua permanência e atuação (MELLO, 1996, p. 60 e 89). O Estado

francês havia reconhecido a congregação em 1851, o que levou à parceria

com o Instituto, e contribuiu para a expansão de suas escolas.

As boas relações entre o Estado francês e a Igreja tornaram-se tensas

no final do século XIX, o que acarretou a expulsão da Congregação Marista

do país. Segundo Mello (1996) no ano de 1881 o governo francês impôs a

laicização do ensino a todos os estabelecimentos oficiais, tendo os Irmãos

que recorrer a muitos artifícios para manter suas escolas. Em 1889 a lei

tornou o serviço militar obrigatório para os religiosos, dificultando a atuação

docente. Somando-se a estes fatos, em 1903 o governo decreta a dissolução

completa da congregação, resultando na transferência da casa-mãe para

Grugliasco na Itália (MELLO, 1996, p.60-64).

Chegadas dos Irmãos Maristas ao Brasil

O estudo sobre um estabelecimento de ensino confessional como o

Colégio Arquidiocesano, precisa considerar a transferência de religiosos

pertencentes a congregações europeias ao Brasil, como parte do processo

de romanização da Igreja Católica. Para Monteiro (2011) a intelectualização

dos quadros eclesiásticos tornou o catolicismo mais erudito e atraente às

elites e camadas médias urbanas, além de ter contribuído para a distinção

20

Atualmente o Instituto dos Irmãos Maristas está presente nos cinco continentes, em 80 países.

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cultural das classes privilegiadas. Entre as congregações católicas que se

estabeleceram no país para atuação educacional, entre o final do século XIX

e início do XX, estão Irmãs de Chamberry, Lazaristas, Jesuítas, Beneditinos,

Salesianos e os Irmãos Maristas.

A presença Marista no Brasil data de 1897, com a chegada dos

primeiro grupo de religiosos ao Colégio e Externato Bom Jesus na cidade de

Congonhas do Campo, Minas Gerais. Eram estes os Irmãos Andrônico,

Aloísio, Basílio, Luís Anastácio, Afonso Estevam e João Alexandre. Azzi

(1997, p.57-58) esclarece que a vinda desse grupo foi fruto das solicitações

de D. Silvério Gomes Pimenta, bispo de Mariana, em sua passagem por

Roma em 1895, desejoso da vinda a Minas Gerais de mais congregações

católicas dedicadas à educação. A recomendação da Santa Sé foi acatada

pelo Ir. Teofânio, na ocasião superior do Instituto dos Irmãos Maristas.

No ano de 1899 a congregação aporta na cidade de São Paulo a

convite do Monsenhor Camilo Passalacqua, temeroso com o avanço do

ensino leigo e da escola protestante (AZZI, 1997, p.115). A primeira obra

assumida foi o Colégio Nossa Senhora do Carmo, dirigido pelos Irmãos e

financiado pela Venerável Ordem Terceira do Carmo. No ano de 1902 era

fundado o primeiro estabelecimento de propriedade Marista, o Colégio Nossa

Senhora da Glória, no bairro do Cambuci, no qual ofereceram o ensino

primário essencialmente aos filhos de operários de origem italiana. Em 1908

os Maristas assumem o Colégio Arquidiocesano de São Paulo.

As negociações para essa transferência haviam começado quatro

anos, entre o superior do Instituto dos Irmãos Maristas no Brasil, Ir. Adorátor

e o bispo de São Paulo Dom José de Camargo Barros. Em suas memórias

sobre os 20 primeiros anos de atuação no país, Ir. Adorátor (2005) assim se

recordava desse período:

Se naquele momento, em que a timidez revestia tudo com selo de grandeza e de algo extraordinário, me dissessem: “Este Colégio, que hoje o impressiona e lhe parece estabelecimento de primeira ordem, será seu dentro em breve”, ter-me-ia parecido inverossímil, e apenas o riso descrente teria sido a minha resposta (IR. ADORÁTOR, 2005, p.485).

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Figura 2. Edifício do Collegio Diocesano, na Av. Tiradentes, 1906. Fonte: Documentos para a Equiparação. Acervo do Memorial do Colégio Marista Arquidiocesano de

São Paulo.

Ir. Adorátor (2005) considerava que o Colégio Diocesano ultrapassava

os modestos meios que a congregação dispunha em São Paulo. A

resistência foi cedida perante a insistência do bispo D. Duarte Leopoldo e

Silva e o aconselhamento do Ir. Isidoro Régis, mais conhecido como Ir.

Isidoro Dumont.

Para Azzi (1997) a nomeação de Ir. Isidoro Dumont para o cargo de

reitor, homem de vasta cultura e experiência na direção do Colégio do

Carmo, expressava o desejo em comandar um estabelecimento que se

distinguisse pela seriedade nos estudos, e no qual o sistema de internato

auxiliaria na realização plena do projeto educacional Marista (AZZI,1997,

p.151).

Segundo Mello (1996, p.131) entre as primeiras medidas à frente do

Colégio Arquidiocesano, os Maristas promoveram a substituição do corpo

docente anterior formado por leigos, utilizando a mesma estratégia da

congregação na França, investir na formação de Irmãos em estudos mais

avançados para exercício da docência. Para a autora essa atitude demonstra

que os Maristas estavam a serviço do clero romanizado de São Paulo e

desejavam imprimir uma nova diretriz ao ensino confessional católico. Além

disso, Mello (1996) e Azzi (1997) afirmam que os irmãos justificavam a

necessidade de uma homogeneidade na postura dos professores como

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forma de enfrentar a resistência dos alunos a um padrão disciplinar mais

severo, fato ressaltado pelo Ir. Adorátor:

O jugo da obediência é duro para quem não foi talhado desde a infância. Assim, entre os jovens brasileiros não é raro encontrar recusa formal à submissão. Esses casos de rebeldia contra a autoridade espantam e revolucionam os jovens professores; mas salvo raras exceções, são apenas movimentos espontâneos da natureza, que a razão e a reflexão reprimem facilmente. A falta de homogeneidade no pessoal leva os alunos a recorrer muitas vezes ao diretor. Quando o corpo docente é de uma congregação, isso não acontece pelo simples fato de que não há nada que esperar (IR. ADORÁTOR, 2005, p.492).

O fragmento citado indica um esforço dos Irmãos no início de sua

atuação no Colégio Arquidiocesano para impor aos alunos os critérios que a

congregação reconhecia como necessários ao ensino e ao bom

funcionamento de suas casas de educação.

Figura 3. Primeira comunhão dos alunos do Colégio Arquidiocesano, 1916. Ao centro o arcebispo de São Paulo, D. Duarte Leopoldo e Silva. Na lateral direita, o Ir. Isidoro Dumont,

reitor do colégio. Acervo do Memorial do Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo.

Esta necessidade justificou também uma mudança do corpo docente,

as poucas exceções de professores leigos admitidos foram feitas para o

ensino de música e instrução militar (MELLO, 1996, p. 132-136), disciplinas

com carga horária reduzida, e nas quais os Irmãos não poderiam lecionar. A

principal preocupação era tornar o discurso e atuação dos professores

coerentes com a missão educacional da congregação e para isso a presença

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essencialmente Marista seria fator imprescindível. Todos os docentes seriam

seguidores dos princípios deixados por Marcelino Champagnat e orientados

pelo Guia das Escolas Maristas.

A elaboração do Guia das Escolas Maristas data de um período

anterior à vinda dos Irmãos Maristas ao Brasil, no início da expansão do

Instituto. Não é um tratado teórico, mas manual prático e metodológico em

um momento em que a congregação se espalhava. Os eventos enfrentados

pela congregação no final do século XIX na França teriam colaborado para a

consolidação dessa normativa. Tornou-se necessário garantir uniformidade

na execução dos objetivos lançados pelos sucessores do Padre

Champagnat, e promover rápida formação dos Irmãos professores,

independente do distanciamento geográfico da sede da congregação.

O Guia das Escolas Maristas

O Guia das Escolas Maristas21, publicado originalmente em 1853, foi

um dos textos elaborados no decorrer das reuniões do 2º Capítulo Geral do

Instituto dos Irmãos Maristas, que ocorreu nos meses de maio de 1852,1853

e 1854, e prevaleceu como documento orientador desde sua primeira

publicação até o ano de 1960, quando o Concílio Vaticano II, propôs uma

reorganização da Igreja Católica e novas diretrizes educacionais.

A normativa contempla as diretrizes para o funcionamento das casas

de educação sob o cuidado dos Irmãos Maristas, entre as quais, os métodos

de ensino, de disciplina, formação religiosa e a preparação dos jovens

Irmãos. A maior preocupação não estava nas teorias pedagógicas, mas na

necessidade de responder à urgência que a congregação tinha com a

promoção de certa unidade em suas escolas.

Sem dúvidas o Guia das Escolas Maristas parte de uma tradição das

escolas católicas expressa em suas normativas, e à semelhança destas, foi

formulada pela experiência escolar que se transformou em código. O Guia se

elaborou de dentro para fora, esclarecendo os fundamentos da filosofia

21

O título original da obra é Guide des Écoles traduzido como “Guia das Escolas para o uso dos Pequenos Irmãos de Maria, redigido segundo as regras e as instruções do Senhor Padre Champagnat Fundador deste Instituto”.

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Marista, indicando os métodos pedagógicos, e prevendo situações a serem

geridas pelos Irmãos no conjunto das escolas mantidas pela congregação.

Tridapalli (2006) e Dallabrida (2001) percebem aproximação entre a

Ratio Studiorum dos jesuítas e o Guia das Escolas Maristas, identificada nas

práticas disciplinares impostas sobre o corpo dos alunos e nas relações de

poder implícitas na formação destes. Conhecida como primeiro método

pedagógico dos padres da Companhia de Jesus, a Ratio traz uma detalhada

normatização em torno do funcionamento dos seus colégios.

A Ratio é a primeira normativa escolar a descrever o ato de premiar

alunos distintos e as diferentes modalidades de disputa como meios de

ampliar conhecimento e incentivar a formação intelectual. Para Varela e

Alvarez-Uria (1991) a emulação e a valorização do mérito individual nos

colégios jesuíticos indicam o surgimento de uma cultura escolar em ruptura

com as formas de aprendizado operadas antes da modernidade:

Todo este processo competitivo e de emulação se reforça com debates e exames públicos, aos quais assistem as autoridades locais, as famílias e os colegiais. Compreende-se facilmente que o mérito individual e o êxito escolar encontram aqui um ambiente propício em contraste com as universidades medievais, onde o esforço individual não obtinha recompensas imediatas e os escassos exames eram tão apenas uma formalidade para os que frequentavam os cursos (VARELA E ALVAREZ-URIA, 1991, p.33).22

As estratégias emulatórias e categorias de prêmios indicadas pela

Ratio foram incorporadas pelo Guia de Escolas Maristas com expressiva

similaridade. A influência da Conduite des Ecoles Chretiennes, publicada em

172023, também foi significativa, visto que foi adotada nos 35 primeiros anos

de funcionamento das escolas do Instituto dos Irmãos Maristas, sendo

substituída após a formulação do seu próprio documento. A Conduite

apresenta as regras destinadas aos estabelecimentos de ensino sobre

22

Livre tradução. No original: “Todo este proceso competitivo y de emulación se refuerza con debates y exámenes públicos, a los que asisten las autoridades locales y las familias de los colegiales. Se comprende fácilmente que el mérito individual y el éxito escolar encuentren aquí su caldo de cultivo en contraste con las Universidades medievales donde el esfuerzo individual no obtenía recompensas inmediatas y los escasos exámenes eran tan sólo una formalidad para los que asistían a los cursos”. 23

A versão consultada nesse trabalho refere-se a tradução em língua espanhola do texto de 1720, publicada no Peru, no ano de 1997, sob o nome Guía de las Escuelas Cristianas.

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direção dos Irmãos Lassalistas, que segundo Julia (2001, p.13 e 28) eram

dedicados à educação das classes marginalizadas, formaram um dos

modelos de constituição do espaço, das diretivas escolares e da figura do

irmão-professor. A educação nessas instituições tinha o seguinte objetivo:

Para essas categorias urbanas desfavorecidas, entre as quais a escrita não tinha penetrado – ou tinha pouca penetração – a formação de um habitus cristão será baseada em uma pedagogia escolarizada nos mínimos detalhes: emprego do tempo, curso gradual de aprendizagem da leitura e da escrita, tecnologia de transmissão e de disciplina, centros de formação para os mestres (JULIA, 2001, p.28).

Assis (2013) esclarece que “apesar de aspectos comuns, pode-se

dizer que o Guia das Escolas Maristas surge de uma derivação da

experiência escolar e da divergência metodológica com relação à Conduite”

(ASSIS, 2013, p.90). A normativa lassalista creditava maior importância às

práticas punitivas, detalhadas em 32 páginas, enquanto as recompensas

ocupavam apenas três. Em relação à Conduite, o Guia de Escolas Maristas,

conferiu incentivo ao uso da emulação e recompensas, e diminuiu

significativamente os atos punitivos, principalmente os centrados no corpo.

Por outro lado, a normativa Marista, como texto elaborado por uma

congregação católica francesa, fortemente inspirada na missão de La Salle,

partilhou da preocupação com a valorização das virtudes cristãs acima da

ciência, e a formação de uma personalidade submissa às instituições e

hierarquias, reforçando também a educação como instrumento de

propagação da fé e adequação do individuo aos valores promovidos pela

Igreja e Estado (HAMILTON, 2001, p.69).

Isso significa que o Guia das Escolas Maristas não deve ser lido,

somente de forma evolutiva, como um aprimorado da Ratio ou da Conduite.

O Instituto dos Irmãos Maristas posiciona-se dentro de uma tradição de

escolas católicas e tomou para si, de forma seletiva, nos textos normativos

consagrados, as orientações que julgou pertinentes à sua missão educativa.

É necessário considerar que os estabelecimentos de ensino

confessionais não se encontravam isolados das demais instituições

educativas. Existe forte relação dessas prescrições perante o conjunto de

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ideias pedagógicas do período. Assis (2013) esclarece que o Guia das

Escolas Maristas expressa coerência com as tendências educacionais de sua

época, ao indicar o uso do método intuito e a preocupação com a educação

dos sentidos.

No que diz respeito a prêmios e castigos, muitas orientações

presentes no Guia são similares ou idênticas às encontradas em legislações

da instrução brasileira ou em tratados sobre educação, reafirmando a

circulação de ideias e teorias que caracterizam o campo pedagógico. Como

Hamilton (2001, p.47) nos adverte, o processo de escolarização não pode ser

lido de forma linear ou evolutiva, isso limitaria a relevância das fontes e

decorreria em anacronismos.

A leitura do Guia das Escolas Maristas teve por objetivo compreender

como prêmios e castigos foram prescritos e possivelmente aplicados nos

estabelecimentos de ensino dirigidos pela congregação. A codificação dos

saberes em torno dessas práticas, apresenta-se como um caminho para

entendimento desses traços na constituição da cultura escolar do Colégio

Arquidiocesano São Paulo.

Para esse estudo foi utilizada a tradução feita a partir do texto de

185324. Existe uma expressiva diferença em relação à tradução de 2009,

elaborada com base em uma versão francesa publicada em 1932 25.

Na tradução escolhida, o Guia de Escolas Maristas é composto por

três partes. A primeira dedicada à organização e à disciplina da escola. A

24

Essa tradução feita pelo Ir. Luís Silvério foi publicada no Brasil no ano de 1994, pelo Centro de Estudos Maristas de Belo Horizonte. Como parte dos documentos confeccionados pelo 2º Capítulo Geral do Instituto dos Irmãos Maristas 1852-1853-1854, no qual o Guia das Escolas Maristas aparece como Anexo 2. O documento é composto também pelo Histórico do 2º Capítulo, Regras Comuns, Regras de Governo e o Estatuto do Instituto dos Irmãos Maristas. Pela natureza do texto sua circulação esteve restrita aos religiosos. A escolha por essa versão foi definida pelo fato do conteúdo ter formado o pensamento da congregação até o início do século XX. Como complemento foi consultada também a tradução do Guia das Escolas Maristas, feita em 2009. 25

Além de diferente organização, definida em quatro partes e trinta capítulos, o texto de 2009, apresenta certas modificações em relação ao conteúdo. No capítulo dedicado aos meios disciplinares, as punições morais e físicas foram suprimidas. Há duas hipóteses para essa variação, o texto elaborado para o Guia em 1932 não levantar nenhuma argumentação sobre castigos vexatórios ou corporais, ou o fato da tradução de 2009 ter excluído esses trechos, uma vez que foi elaborada essencialmente para a consulta dos leigos Maristas em atuação nas escolas, que provavelmente não entenderiam com historicidade essas orientações.

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segunda aborda o ensino religioso e a educação, e a terceira fala sobre o

ensino primário contemplando o uso da emulação e recompensas. A leitura

se concentrou na primeira e última parte, avaliadas como mais pertinentes a

esta investigação.

A disciplina no Guia das Escolas Maristas

Na parte 1 do Guia são apresentadas as prescrições em torno da

organização e questões disciplinares. As orientações apresentam uma

detalhada definição sobre a admissão e conduta dos alunos, a postura dos

professores e o cronograma escolar. O capítulo XI aponta a disciplina como

qualidade essencial para a educação, sendo assim definida pelo Guia das

Escolas (1994):

É a alma de uma casa de educação. Tudo anima, ordena, regula e ilumina nos caminhos a seguir. Estabelece a ordem harmoniosa, a regularidade perfeita, a beleza de conjunto, e a uniformidade que constituem a glória e a honra de uma casa de educação e lhe granjeiam a confiança pública. Preserva a saúde do mestre, protege a fé e a piedade dos alunos, resguarda sua inocência e os bons costumes, garante seu progresso, previne as faltas e, como consequência, evita os castigos. Fortalece a vontade e comunica-lhe força para resistir ao mal e para combater as más inclinações; preserva-a da inconstância e do capricho, forma-a para o bem e dota-a de energia; faz-lhe adquirir o hábito do dever, torna-a ágil e aberta aos estímulos da graça (GUIA, 1994, p.181).

Por esse trecho verificamos que a disciplina é diretamente relacionada

aos valores morais. Apresentam-se duas preocupações sobre o aluno, sua

formação católica, expressa na proteção da inocência, fé, piedade e bons

costumes, e a constituição de um indivíduo obediente à instituição escolar, a

partir de ideias como regularidade, constância e vontade.

A disciplina é uma das condições para o domínio da vontade, tratada

como a virtude que ama a regra e se sujeita espontaneamente ao

cumprimento do dever (GUIA, 1994, p.198-199). A boa disciplina é atribuída

às funções de manter, prevenir e reprimir. A aplicação do regulamento é

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reforçada como forma de garantir a uniformidade do conjunto das formas de

controle.

A vigilância é apresentada como um dos pilares para a educação,

condição para manutenção da ordem, e para evitar as transgressões que

maculam a inocência dos meninos. Por isso deve ser constante nos diversos

espaços escolares como salas de aula, corredores, pátios, capela e

sanitários e estender-se para as relações pessoais, evitando o excesso de

familiaridade e amizade perigosas entre alunos e, quando possível,

ultrapassar os limites físicos da escola, como no retorno a casa, caminho no

qual “os meninos se pervertem e aprendem o mal” (GUIA, 1994, p.184). Para

vigiar com eficácia é necessário persuadir de que são permanentemente

observados.

Atrelado a essa preocupação o Guia orientava o mestre a

recompensar os alunos mais notáveis com cargos de grande confiança e

distinção, como por exemplo, as funções de sineiro, monitor, recitador de

orações, repetidores, varredores e porteiros. A nomeação desses “oficiais da

escola” auxiliaria na manutenção da ordem e da disciplina, promovendo a

emulação entre alunos e premiando os mais destacados. Mas também por

liberar o docente da constante observação das condutas, transferindo parte

dessa função aos próprios estudantes (GUIA, 1994, p.168).

Os monitores eram os responsáveis pela vigilância do comportamento

de seus colegas, o controle da frequência à escola, a anotação de boas e

más notas para premiação e a fiscalização das correções instituídas pelo

Irmão professor (GUIA, 1994, p. 169-175). Semelhante aos censores,

recomendados pela Ratio Studiorum aos colégios jesuíticos, os alunos

monitores exerceriam o controle disciplinar imprimindo uma aura de

imparcialidade à aplicação dos castigos e prêmios. A escola delimita o papel

do aluno, e entre suas características, o torna vigilante dos colegas.

Contudo, vigiar e observar constantemente o regulamento são

classificados pelo Guia como insuficientes sem a devida repressão. A

correção é obrigação dos encarregados da educação da criança, uma vez

que a falta é considerada aspecto inerente da personalidade humana que

precisa ser eliminado.

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O Guia das Escolas Maristas afirma que “O homem, em razão da

corrupção de sua natureza, está sujeito ao pecado; e a criança, em virtude de

sua pouca idade e leviana natureza é, com maior razão, mais propensa a

incorrer em faltas e erros” (GUIA, 1994, p.185). Negligenciar a correção

significa uma grave omissão, ser conveniente com a falta é promover o

pecado. Ao relacionar o erro à ideia de pecado, afirmava sua missão de

formar os alunos na virtude por meio dos ensinamentos de Jesus, exemplos

dos santos e mártires. Dessa maneira o castigo se reveste de aura sacra,

devendo o aluno recebê-lo e aceitá-lo como proveniente do desejo de Deus.

Segundo o texto a razão do menino, assim como seus sentimentos de

amor e dever, era insuficiente para manter a disciplina. O temor se faz

necessário e a punição é naturalizada, como na seguinte frase: “Não há

governo que não recorra a sanções para punir os culpados; e o próprio Deus

julgou que eram necessárias à prevalência das leis” (GUIA, 1994, p.186). Por

isso a necessidade de meios que promovessem a conduta exemplar pelo

aluno e sua adesão escolar.

No capítulo XII, sobre as punições, descreve as sanções admitidas nas

escolas Maristas e prescreve um extenso rol de maneiras de emular os

alunos com o objetivo de fazê-lo: primar pela conduta, cumprir seu dever,

estimulá-los ao trabalho, mantê-los em estado de alerta e em constante

estudo. Para distinguir os alunos laureados eram definidas premiações.

Emulação e recompensas no Guia de Escolas Maristas

O Guia de Escolas Maristas atribuiu ao uso da emulação e das

premiações escolares caráter disciplinar e pedagógico. Na terceira parte do

Guia, dedicada ao ensino primário, são detalhados os meios para estabelecer

e manter a emulação. O capítulo IX, Da emulação, divide-se em cinco

seções. Na primeira seção justifica a emulação como fator de progresso, uma

vez que os meninos são preguiçosos, inconstantes e acomodados,

necessitando de estímulos para dedicarem-se às atividades, que apresentam

dificuldades desagradáveis, uma vez que ainda não compreendem os

benefícios da educação. A competição mostra-se então necessária pois :

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O amor-próprio, a estima pelos louvores, pela aprovação, por recompensas e o desejo de se distinguirem são naturais nos meninos como nas pessoas adultas dotadas de bom senso, porque são tendências inatas. Ora, essas tendências, quando dirigidas por mão habilidosas, transformam-se em remédio contra sua indolência, fazendo-os conceber uma alta estima pelo merecimento dos outros, inspirando-lhes a coragem necessária para vencer as paixões, corrigir os defeitos, visando um merecimento semelhante e, até mesmo superior (GUIA, 1994, p.285).

O trecho carrega um discurso que naturaliza e legitima a emulação,

como qualidade inata do bom senso, propagando a necessidade de igualar-

se ou superar os eleitos “melhores”. Aliado à ideia de “remédio contra a

indolência” aponta o perfil de aluno que se deseja formar, alguém que se

sujeita sem resistência aos valores da instituição escolar. A pedagogia

Marista se posiciona contra a inatividade, desatenção e a negligência do

aluno.

Segundo o Guia a emulação tem por vantagem aproximar

afetivamente o menino da escola, e pode ser exercitada por meio de: “ 1º) as

promoções nas lições e os lugares de honra; 2º) os exames e os concursos;

3º) as batalhas e os dois campos;4º) recompensas” (GUIA, 1994, p.285).

Na segunda seção são apresentadas as promoções nas lições

indicadas para incentivar o empenho nos deveres e trabalhos. Os exames

determinavam a mudança de classe ou divisão, classificando os alunos de

acordo com capacidade e nota. Os conteúdos escolares examinados seriam

leitura, escrita, aritmética, ortografia e memorização, e aqueles que

demonstrassem maior progresso passariam para as lições seguintes.

Os concursos são descritos na terceira seção e privilegiavam os

mesmos conteúdos e aptidões avaliados nas lições. Nessa modalidade o

mestre propõe o exercício a todos os alunos da classe, e a partir do número

de erros faz a classificação. Poderiam ser conferidos pontos de premiação ou

uma posição privilegiada na sala de aula. Era prescrito que nas classes

inferiores os alunos ocupariam as carteiras na sequência determinada por

essa listagem, colaborando para o constante remanejamento dos lugares.

A quarta seção dedica-se às batalhas que tinham por objetivo

estabelecer a competição numa mesma classe entre os alunos considerados

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mais fracos e os mais adiantados, por meio do desafio feito entre estudantes.

O vitorioso como recompensa passa a ocupar o lugar do vencido e recebe

seus pontos de premiação.

Podem ser disputas também em torno de categorias como limpeza,

assiduidade, pontualidade e participação nos ofícios religiosos. Essa

modalidade aumenta a cobrança sobre os vitoriosos, e impõe a adequação

de acordo com preceitos de ordem, higiene e religiosidade.

Na modalidade de emulação chamada dois campos, apresentada na

quinta seção, a classe é dividida em duas equipes, cada uma com seu chefe

e repetidor, eleitos pelos alunos e com o direito de escolher os componentes

de sua equipe. A peleja entre os dois campos centra-se na declamação de

lições decoradas, e todos os pontos obtidos nos concursos e batalhas por um

estudante, são conferidos a todo o seu “campo”. No final do mês ou trimestre

o grupo com maior somatória de pontos é premiado com posição primeira

nas filas, uso de cruzes de honra e colocação de símbolos de vitória

(bandeira e placa) do lado vencedor.

Essa modalidade de emulação não deve ser confundida com as

disputas prescritas pela Ratio Studiorum, que tinham por objetivo propiciar o

exercício retórico, no qual a rivalidade ocorre em torno da defesa e refutação

do argumento. O texto da Ratio previa também a realização de torneios e

desafios das aulas, no qual os alunos divididos em equipes rivalizariam, e os

vitoriosos seriam contemplados com postos de honra.

O Guia das Escolas Maristas esclarece não ser recomendado o uso

simultâneo de tantos recursos de emulação, bastaria a aplicação de um que

fosse eficaz para estimular os alunos nos estudos. O uso excessivo da

emulação decorreria em rivalidades acirradas e diminuiria a eficácia do

sistema.

O Capítulo X, Sobre as recompensas, argumenta a favor dos bons

efeitos obtidos pelas mais singelas expressões de reconhecimento. O Guia

das Escolas Maristas defende que o estudo em si não apresenta um atrativo

natural para as crianças, ainda inconscientes dos benefícios da instrução,

dessa forma os prêmios convertem as lições e deveres em atividades lúdicas.

Os prêmios oferecidos pela escola seriam: “1º Pontos de premiação e

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bilhetes de resgate; 2º menções de honra ao mérito; 3º objetos de piedade,

como santinhos, medalhas, terços, livros, etc. Para meninos indigentes,

poder-se-á dar roupas ou material escolar” (GUIA, 1994, p.292).

Os “pontos de premiação” ou “bons-pontos” eram pequenos cartões de

papel atribuídos aos meninos por sua assiduidade, aplicação, bom

comportamento e dedicação às tarefas. Poderiam ser utilizados para saldar

um castigo leve, ou, em obter outra modalidade de recompensa, como por

exemplo, os “leilões trimestrais e anuais”, nos quais os cartões de “bons-

pontos” se converteriam em créditos para arrematar estampas, livrinhos ou

objetos religiosos, tornando-os muito valorizados.

Os “leilões trimestrais e anuais” seriam promovidos preferencialmente

a partir de doações feitas pela comunidade. As prendas disponíveis poderiam

ser arrematadas a quem oferecesse o maior lance, ou escolhidas a partir dos

pontos acumulados, dessa forma o aluno que reunisse o maior número de

“bons-pontos” escolheria primeiro, e assim sucessivamente até o último item.

Quem não reunisse cartões suficientes para um prêmio, poderia guardá-los

para um próximo evento.

As “menções” ou “cruzes de honra” são distinções públicas atribuídas

pela boa aplicação e procedimento exemplar. Deveriam ser conferidos nos

domingos antes da missa e permaneceria com o aluno por oito dias, quando

passariam para o aluno de maior merecimento. A possibilidade de manter a

distinção serviria como estímulo a um empenho ainda maior.

Os critérios para as duas categorias dignas de premiação indicam o

que se concebia por esses termos. A “aplicação” refere-se ao desempenho

nos estudos, mensurável pelos bons-pontos em lições e tarefas escolares. O

“procedimento” relaciona-se à conduta, ter obtido bons-pontos em piedade,

silêncio e comportamento, qualidades que formavam o perfil do aluno ideal.

Segundo o Guia, todavia, a premiação de final de ano deveria ser a

mais cobiçada de todas, reconhecimento da notável trajetória no decorrer do

ano letivo. Na prescrição é reforçado o cuidado para que a cerimônia invista-

se da solenidade da qual era digna, mas com o máximo de simplicidade

material, de acordo com a filosofia da congregação Marista. Deveria

contemplar o maior número de alunos, exaltando o empenho e não a

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capacidade. Estabeleceria também a necessidade de reconhecer os alunos

de menor desempenho, os de maior frequência e permanência na instituição.

Nos prêmios por matérias contemplariam o primeiro aluno e os que tivessem

alcançado maiores progressos. Como presentes deveriam ser oferecidos

livros selecionados por seu conteúdo edificante.

As prescrições a respeito do uso da emulação e das recompensas

escolares apresentadas no Guia das Escolas Maristas estavam amplamente

relacionadas às legislações e ideias pedagógicas do período. Castanha

(2009) credita ao regimento interno para as escolas da corte de 1855,

práticas, como por exemplo, passagem do lugar inferior para superior na

classe, inscrição do nome no quadro chamado de honra, proclamação dos

nomes dos melhores alunos na aula do sábado à tarde, e comunicação do

professor desses resultados às famílias (CASTANHA, 2009, p.253 apud

BRASIL. Portaria do Ministério do Império de 1855, p. 350). O regulamento

estabelecia também que esses prêmios fossem conferidos em solenidades

públicas, e previa recursos para a aquisição de prêmios entre os quais, livros,

medalhas e diplomas (CASTANHA, 2009, p.254).

As publicações educacionais do final do século XIX e início do XX,

apontam a existência de críticas ao sistema de premiações, mas mostram-se,

em geral, entusiastas dessas práticas. Antônio de Almeida Oliveira, no livro

“O Ensino Público” (1874) e Joaquim Pires Machado Portella, em “Curso

Práctico de Pedagogia” (1874), aprovam o recurso como forma de estímulo

para a boa manutenção da ordem: o elogio do professor; as boas notas26;

lugares obtidos pela perfeição de trabalho; medalhas; bilhetes de satisfação e

o quadro de honra (PORTELLA, 1874, 81-86).

Os discursos sobre os malefícios dos castigos versus benefícios das

premiações estavam amplamente difundidos entre os educadores do período.

26

Segundo Portella as boas notas correspondiam a pequenos cartões divididos nas categorias: notas ordinárias (correspondente a uma unidade) e notas coletivas (equivalem a 20 entre as primeiras). Deveriam ser distribuídas aos sábados para recompensar boa aplicação e comportamento. O aluno com maior número de boas notas de trabalho ou comportamento da classe recebe a medalha de mérito e a usará até a próxima semana. No final do mês aquele que reunir entre os alunos de sua classe a maior soma das boas notas recebe o bilhete de satisfação, e tem o nome inscrito no quadro de honra. Os cartões de boas notas também poderiam ser trocados pelo perdão de faltas leves. (Portella, 1874, p. 81-83)

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É o que notamos no relatório do Professor Jeronymo José Domingos Junior

endereçado à Instrução Pública de São Paulo, em 1896:

Felizmente já vão longe os tempos em que os alunos com passos temidos, caminhavam forçados para a eschola, de onde os desviavam os castigos physicos e a monotonia fastidiosa do ensino. Hoje, dirigem-se elles pressarosos a eschola, para onde são attrahidos pela (assiduidade/amnimidade) do ensino e harmonia de seus (hymnos), pela emulação dos prêmios e boas notas, com as mais belas manifestações de alegria e contentamento (INSTRUÇÃO PUBLICA DE SÃO PAULO, 1896, s/p.). 27

O relato é registro oficial endereçado a uma instância

hierarquicamente superior, na qual o professor deve descrever o cotidiano à

luz dos conceitos educacionais que já são consenso. Nota-se uma pequena

mudança em meio às permanências, a punição em decorrência do erro dá

lugar à valorização do acerto ou do bom resultado.

As concepções a respeito da emulação e das premiações escolares

presentes no Guia da Escola Marista não devem ser entendidas como uma

inovação. Além da influência das primeiras normativas católicas é nítida a

similaridade perante as concepções pedagógicas do período, expressa em

legislações ou tratados para o ensino. Isso revela que estas ações estavam

difundidas em diferentes modelos escolares, e é indicativo da circularidade

das ideias educacionais.

A partir das prescrições do Guia das Escolas Maristas percebe-se a

relevância creditada ao ato de emular e premiar nas escolas dos Irmãos. O

caráter disciplinar nessas ações é claro, em virtude do contraponto que

exerciam com as punições e a maneira com que controlavam as condutas e

obtinham adesão do aluno à instituição escolar. Mas o fato destas

orientações estarem na terceira parte do Guia dedicado ao ensino primário, e

o tipo de exercício escolar proposto por elas é indicio de que eram definidas

essencialmente como estratégias pedagógicas. As premiações valorizavam a

competitividade, o amor e dedicação ao trabalho, à adequação moral, à

27

Arquivo Público do Estado de São Paulo. Fundo: Secretaria do Interior da Instrução Publica. Relatórios da Instrução Pública do Estado de São Paulo (Capital) 1889-1896 (caixa 13 ordem 4931).

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formação da vontade, a classificação dos alunos, o aprendizado das relações

entre sujeitos, e a construção do espaço escolar.

Os exercícios de emulação propostos pelo Guia das Escolas Maristas

por meio de promoções, concursos e batalhas, revelam preocupação de

caráter intelectual e moral. A seleção da leitura, escrita e lições decoradas

como critérios para a avaliação dos alunos é indicativo dos saberes e

habilidades valorizados no contexto educacional de expansão das escolas

Maristas e influenciou na elaboração do currículo e modelo pedagógico

introduzido em seus estabelecimentos de ensino em diferentes países. A

declamação das lições decoradas, por exemplo, refere-se às habilidades de

memorização e oratória, bastante valorizadas em um ensino que mantinha

traços da herança humanística que caracterizou os primeiros colégios.

As preocupações com ordem, frequência, higiene e religiosidade,

revelam o esforço pedagógico para a adequação em preceitos morais. A

ideia de higiene mais do que preocupação com a saúde, é considerada no

período, questão em torno do cuidado com o corpo e do espaço

compartilhado entre indivíduos.

A religiosidade é a finalidade essencial de uma escola confessional,

sendo constantemente associada aos objetivos de instrução intelectual e

adequação da conduta. Ao promover a disputa entre alunos “fracos” e

“fortes”, identificamos o objetivo de igualá-los em desempenho, e impor a

homogeneidade como critério para definição das classes e turmas. A cultura

dos resultados individuais e seletividade em um ambiente na qual o

aprendizado das relações ocorre de maneira coletiva.

A emulação e a premiação influenciaram na construção de um espaço

escolar carregado de significados, no qual os bancos da frente foram

consagrados aos alunos com melhores resultados, enquanto as últimas

carteiras, o “fundão” era ocupado pelos alunos de pior desempenho e

conduta.

Os “leilões trimestrais e anuais”, ou as “menções”, também dotaram a

escola de materialidades, como por exemplo, os chamados “objetos de

piedade”, imagens de santos, gravuras com orações, que cumpriam a função

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de presentear, ao mesmo tempo, que reforçavam a formação católica que se

desejava empreender.

As ações de emulação elaboraram os critérios para que as

recompensas fossem conquistadas. O principal prêmio constituía-se na

vitória obtida nas competições realizadas, ou em ser reconhecido como o

melhor perante os demais alunos. A premiação trouxe para o interior da

escola uma série de pequenos artefatos, que apesar da não serem recursos

didáticos foram entendidos como materiais pedagógicos, caso dos cartões de

“bons-pontos” e das “cruzes de honra”.

A análise do Guia das Escolas Marista foi selecionada pela

importância que possuía para o conjunto da obra Marista, tendo determinado

o funcionamento das escolas mantidas pela congregação, caso do Colégio

Arquidiocesano de São Paulo. A leitura permitiu o entendimento sobre como

as ações de emulação e premiação dos alunos destacados foram prescritas.

Contudo, essa pesquisa constitui-se como estudo sobre a cultura escolar, e

interessa também a maneira como essas orientações reverteram-se em

práticas no interior da escola. As formas de fazer tomam outras direções no

cotidiano, em meio à interação dos sujeitos e o contexto no qual estão

colocados. Por isso a investigação recorreu ao estudo das recompensas a

partir dos registros escolares, como revistas institucionais, fotografias e

outras materialidades, analisadas no próximo capítulo.

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CAPÍTULO 2 – PRÊMIOS NO COLÉGIO ARQUIDIOCESANO

DE SÃO PAULO

______________________________________________________________

O debate pedagógico em torno das premiações

As primeiras décadas de atuação dos Irmãos Maristas no Colégio

Arquidiocesano de São Paulo correspondem a um período de intenso debate

no campo pedagógico brasileiro. A renovação dos métodos de ensino e

formas de se conduzir o processo educativo eram justificadas perante as

novas preocupações de como o papel social da escola e a formação dos

indivíduos eram definidos.

Não havia consenso entre os educadores sobre estimular os alunos à

emulação e conferir premiações aos mais destacados. A prática de premiar

era bem difundida nas escolas paulistas no início do século XX. O relatório do

inspetor Tancredo do Amaral a respeito do Grupo Escolar Luis Leite de

Amparo em 1900, descreve: “Esses exames mensais têm a vantagem de

provocar a emulação nos alunos, e dão sempre bons resultados. Os cartões

de mérito, distribuídos aos sábados também avançam a aplicação”

(INSTRUÇÃO PÚBLICA DE SÃO PAULO, 1900, s/n). 28

Os cartões de mérito eram muito populares, foram solicitados em

listas de materiais escolares como giz, lápis, lousas e réguas, pelo Grupo

Escolar Alfredo Pujol de Pindamonhangaba (figura 4) (INSTRUÇÃO

PÚBLICA DE SÃO PAULO, 1901, s/n), 29 e pelo inspetor escolar José

Monteiro Boanova do Grupo Escolar Coronel Joaquim Salles:

Tenho a distincta honra de solicitar de v. excia, a necessaria ordem para que sejam enviados a este Grupo escolar os seguintes objetos: 150 exemplares da vida infantil pelo Dr. Mario Bulcão, 2 mappas do E. de S. Paulo de Achilles Montalvão ou qualquer outro mais claro que os que vieram de Oléary; 1 esqueleto ósseo; 1 coleção de quadros parietais de historia natural de Menezes Vieira; 500 cartões de 10

28

Arquivo Público do Estado de São Paulo. Fundo: Secretaria do Interior da Instrução Pública. Maço 98 (1900 – 1906). Caixa 100 Ordem 6705. Almaço 1900 Junho – Instrução Pública 9ª seção 2ª sub directoria. 29

Arquivo Público do Estado de São Paulo. Fundo: Secretaria do Interior da Instrução Pública. Maço 98 (1900 – 1906). Caixa 100 Ordem 6705. Almaço 1900 Junho – Instrução Pública 9ª seção 2ª sub directoria.

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comportamentos cada um, 500 ditos de 10 aplicações cada um, 1000 ditos de louvor, 1500 ditos de 1 mérito cada um, de comportamento (INSTRUÇÃO PÚBLICA DE SÃO PAULO, 1903, s/n). 30

Figura 4. Cartão de boas notas do Grupo Escolar de Rio Claro, valendo 10 méritos de comportamento, aplicação e louvor. 1901. Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo

31.

Figura 5. Catálogo da empresa Les Fils D’ Émile Deyrolle, anos 20 ou 30. Fonte: Acervo do Colégio Marista Nossa Senhora da Glória.

As solicitações indicam que o cartão de mérito era considerado um

recurso para o aprendizado. O caráter pedagógico conferido às premiações

aparece na comercialização de objetos escolares. A empresa Les Fils D’

Émile Deyrolle, especializada nesse ramo, oferece a venda de medalha de

honra ao mérito, entre itens para alfabetização e leitura (figura 5).

30

Arquivo Público do Estado de São Paulo. Fundo: Secretaria do Interior da Instrução Pública. Maço 98 (1900 – 1906). Caixa 100 Ordem 6705. Almaço 1900 Junho – Instrução Publica 9ª seção 2ª sub directoria. 31

Arquivo Público do Estado de São Paulo. Fundo: Secretaria do Interior da Instrução Pública. Maço 98 (1900 – 1906). Caixa 100 Ordem 6705. Almaço 1900 Junho – Instrução Pública 9ª seção 2ª sub directoria

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48

No campo educacional brasileiro as críticas aos prêmios como

causadores de presunção, ódio e inveja entre estudantes, datam do início do

século XX.32 O artigo “Causas perturbadoras da disciplina escolar”33 mostra-

se contrário ao uso de recompensas, por ser um “sistema de virtudes

materializadas”, e a competição igualmente prejudicial:

Na práctica é uma emulação que não se generaliza, restringindo-se ao limitado circulo da elite intelectual de cada classe. Nem mesmo os “victoriosos”, os “distinctos”, deixam de sentir as influencias perniciosas do systema. A victoria cara lhes sáe. Ficam doentios quando não pagam com a vida o primeiro logar na escala de esforço (ANNUARIO, 1908-1909, p.19).

O texto acusa as premiações de perturbação da ordem da aula,

causada pelo professor, visto que: “Sua atenção é distrahida a cada passo

com o acrescimento ou diminuição de notas ali bem patentes aos olhos de

todos, naquelle pelourinho de nova espécie” (ANNUARIO, 1908-1909, p. 19).

Os sentimentos de humilhação, rivalidade, tensão e vexame dos

alunos perante a lógica competitiva foram motes muito utilizados. Sampaio

Dória 34 (1914) define emulação e prêmios, como recursos enganosos,

expressões de uma metodologia ineficiente e afirma:

Noutras, é a emulação a isca, o com que se tenta conseguir o aproveitamento, não obstante levar, nas suas farpas, o veneno excitante da vaidade. É a escola das figurações, das “fitas”, das aparecias enganosas. Em todas ellas, os processos didáticos em uso se inquinam de um vício sem cura. Devem desaparecer em nome da bôa formação do caráter humano (DÓRIA, 1914, p.107-108).

32

Considerando livros e revistas selecionadas para a pesquisa, no acervo Paulo Bourrol e Macedo Soares, obras raras da Biblioteca da Faculdade de Educação da USP. 33

Publicado no Annuario de Ensino do Estado de São Paulo 1908-1909, o artigo não apresenta o nome do autor. 34

Antonio de Sampaio Dória (1883-1964) foi Diretor da Instrução Pública de São Paulo entre 1920 e 1921, tempo no qual realizou uma reforma do ensino público, fortemente criticada por romper com o caráter intelectualista do ensino primário ao diminuir o tempo de curso de quatro para dois anos, viabilizando o combate ao analfabetismo pelo acesso a escolas pelas camadas mais populares.

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O texto de Mendes Viana35 (1930) classifica a emulação, geradora de

rivalidade e julgamentos externos, propondo um modelo centrado na

cooperação, solidariedade e fraternidade, no qual “não há vencidos e

vencedores”. Já educadores como Firmino Costa36 (1920) e Afro do Amaral

Fontoura37 (1949) eram favoráveis ao uso das premiações. Costa (1920)

afirma que a eficácia do uso sistema decorria da imparcialidade do mestre,

que se beneficiaria da estima dos alunos:

Assim como a grosseria aliena sympathias, irritando ou atemorizando os meninos, assim a polidez torna-os de bom humor, alegres e pacientes. A justiça, não distinguindo entre os alunos mais que o merito proprio de cada um, distribuindo imparcialmente prêmios e penas, ganhará para o professor a confiança de seus discipulos (COSTA, 1921, p.80).

Os Maristas se posicionaram favoráveis ao uso da emulação e ao ato

de premiar, e perante as críticas que existiam, justificavam a utilização

dessas estratégias.

Os alunos do Colégio Arquidiocesano de São Paulo

Alvaro Loyolla Junqueira, Bernardo Miéle, Cide Villar Mercadante, Enio

Brucchioni, José Salles, Hiroshi Katayama, Linneu Diacopulos Rondon, Luiz

Lara Esten, Nabil Ghirayeb, Nelson Kobal, Octavio Augusto Speranzini,

Ricardo Scaff, Walter Albuquerque Gomes, são alguns dos alunos que

cursaram o Colégio Arquidiocesano no período desse estudo. Na busca por

sua origem, posição e projeção social as revistas escolares ofereceram

valiosas pistas que foram cotejadas com outras investigações.

35

Francisco Furtado Mendes Viana (1876-1935) foi professor e autor de livros para o ensino de leitura, livros didáticos da Série “Leituras Infantis”, publicados pela Livraria Francisco Alves (RJ) entre 1908-1919 e com sucessivas reedições até os anos 60, tendo circulado em diferentes estados brasileiros. O texto foi publicado no Boletim da Escola Pública no ano de 1930 como resultado na palestra proferida pelo autor em 1928. 36

Firmino Costa atuou como diretor do Grupo Escolar de Lavras, diretor técnico do Curso de Aplicação, com relatórios e matérias publicados no Boletim Vida Escolar e na Revista do Ensino. 37

Afro do Amaral Fontoura, educador com extensa produção de manuais pedagógicos, reconhecidos por exercerem grande influência na formação de professores, entre 1940 e 1970, no Brasil. Amaral Fontoura lecionou nos cursos normais no Rio de Janeiro, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e na Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Atuou também como Técnico de Educação e Delegado do governo junto às escolas normais.

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Os estudos em educação caracterizam o curso secundário, nas

primeiras décadas do século XX, como modalidade de prestígio, acessível a

poucos, e responsável pela formação das elites, caso de Souza (1998),

Dallabrida (2001) e Silva (2008). Almeida e Nogueira (2002) têm

interpretação similar, indicando a escolha do estabelecimento como

estratégia para a manutenção do status quo das camadas privilegiadas.

Já Minhoto (2007) afirma que o secundário paulistano não esteve

restrito à chamada elite, fosse econômica, política ou intelectual, e acolheu

frações significativas da classe média e até das camadas pobres (MINHOTO,

2007, p. 33):

Frequentar a escola secundária era um símbolo de status na sociedade paulista da época, o que, de modo geral, significa a presença de jovens de famílias que dispunham previamente de posições confortáveis e de alguma riqueza. No entanto, esse fato não confirma imediatamente a suposição de que o grupo ginasiano, e de seus familiares, constituíssem elite social, econômica ou a classe dirigente, bem como a suposição de que a simples frequência na escola secundária equivalesse a rota franqueada para a inclusão na elite – estratégias como as uniões matrimoniais parecem ter sido mais eficazes que o longo caminho da escolarização. No entanto, deve-se reconhecer que uma das estratégias das famílias bem colocadas socialmente foi a valorização dos laços com um legado cultura distintivo (MINHOTO, 2007, p. 113).

A autora analisou a origem social e econômica dos alunos do Colégio

Arquidiocesano entre as décadas de 1930 e 1940, e identificou um número

significativo de jovens interioranos, sendo metade deles, filhos de

empresários. Os demais tinham pais que desempenhavam profissões de

nível médio e superior, enquanto apenas 8% descendiam de trabalhadores

em ocupações básicas (MINHOTO, 2007, p. 89 – 91).

Para Minhoto (2007) ser aluno do Colégio Arquidiocesano propiciava

uma experiência distinta de escolarização. Residir como interno em um

edifício imponente, receber visitas ilustres e participar de eventos cívicos e

religiosos ofereciam o aprendizado de boas maneiras imprescindíveis para

saber viver “naturalmente” em sociedade (MINHOTO, 2007, p.133-134).

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Nas festas de encerramento do ano letivo o prestígio do colégio era

reafirmado na presença de paraninfos como Mario Mazagão em 1937 38 ,

Alceu Amoroso Lima39 em 1938, Ademar de Barros40 em 1939 e Ernesto

Leme 195241, como se verifica nos quadros de formandos da instituição.

Eram comuns as visitas do arcebispo de São Paulo D. Duarte Leopoldo e

Silva, do Superior da Congregação Marista e do Embaixador da França. A

instituição se posicionava como bem alinhada com o poder político paulista,

os altos quadros eclesiásticos e a intelectualidade católica.

O destino social desses alunos era constantemente proclamado nas

páginas da revista Echos, em homenagens aos antigos alunos aprovados em

exames do ensino superior, e nos retratos dos formandos na Academia de

Direito, no curso de Medicina e na Escola Politécnica.

Aos alunos do Colégio Arquidiocesano era atribuída a missão de

continuar com brilhantismo a trajetória de seus antecessores. A instituição

apresentava-se orgulhosamente como responsável pela formação de homens

de destaque na política brasileira, como os presidentes Wenceslau Braz e

Jânio Quadros, e da Igreja Católica, caso dos Monsenhores Camilo

Passalacqua e Francisco de Paula Souza.

Na revista Echos as fotografias desses antigos alunos eram expostas

ao lado das gerações mais recentes, homenageados pelo sucesso alcançado

em conformidade com o exemplo partilhado. O aluno era educado para

assumir sua posição como futura camada dirigente, expressa em hábitos

refinados, na boa formação intelectual e no desenvolvimento de uma moral

38

Catedrático da Faculdade de Direto do Largo São Francisco. http://www.oabsp.org.br/portaldamemoria/vultos-da-advocacia/mario-masagao/ Acesso em 10/06/2004. 39

Advogado, jornalista e professor universitário. Eleito membro da Academia Brasileira de Letras em 1935. Adotou o pseudônimo de Tristão de Ataíde. http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=69&sid=359 Acesso em 10/06/2014. 40

Interventor do governo de São Paulo entre 1938 e 1941. Governador de São Paulo entre 1947 e 1951. . http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/biografias/ademar_de_barros Acesso em 10/06/2014. 41

Professor da Faculdade de Direito do Largo São Franciso, Reitor da Universidade de São Paulo entre 1951 e 1953. Membro da Academia Paulista de Letras. http://www.academiapaulistadeletras.org.br/acad%C3%AAmicos-anteriores/77-cadeira-n%C2%BA-15/399-ernesto-de-moraes-leme.html Acesso em 10/06/2014.

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católica. É perante esses objetivos que as premiações conferidas aos alunos

do Colégio Arquidiocesano de São Paulo precisam ser analisadas.

Figura 6. Recordações de formatura do Dr. Carlos Ferraz Araújo e Dr. Durval Soares, antigos alunos do Colégio Arquidiocesano. Fonte: Revista Echos de 1924, p.34.

Figura 7. Doutor Wenceslau Braz Pereira Gomes, Sr. Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil no quadriênio de 1914-1918. Antigo aluno do Collegio

Archidiocesano onde estudou de 1881 a 1884. Fonte: Revista Echos, 1919, p.21.

Figura 8. Monsenhor Dr. Camillo Passalacqua. Antigo aluno, professor, diretor espiritual e reitor do Seminário Episcopal (agora desdobrado em Seminário Maior, Seminário

Menor e Collegio Arqchidiocesano). Fonte: Revista Echos, 1919, p.22.

Figura 9. Sr. Paulo C. da Silveira. Formado em Odontologia em 1917. Talentoso aluno do Collegio Archidiocesano onde se distinguiu por brilhantes estudos preparatórios.

Fonte: Revista Echos, 1919, p.27.

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As categorias de prêmios do Colégio Arquidiocesano

Amparado no Guia das Escolas Marista, o Colégio Arquidiocesano fez

uma intensa utilização das formas de premiar. O uso desse recurso foi

prescrito em prospectos, e divulgado com destaque nas publicações

institucionais, como a Revista Echos do Collegio Archidiocesano de São

Paulo (1908-1963) 42 e O Arquidiocesano (1952-1961), registrado em

fotografias (1909 - 1959) e em medalhas e cartões de quadro de honra (anos

1930 e 1940).

No decorrer da trajetória do Colégio Arquidiocesano de São Paulo,

notam-se prêmios que foram criados e suprimidos, alguns tiveram longa

duração, passando por transformações de seus critérios e relevância,

enquanto que outros apareceram pontualmente, imprimindo uma marca

social momentânea na escola.

Para a realização desse estudo, julgou-se necessário a categorização

das premiações em três grandes grupos: Prêmios de Honra (Excelência,

Quadro de Honra e Religião) formando as mais altas distinções; Prêmios

Diversos (Disciplinas, Assiduidade, Constância, Educação física, Música e

Trabalho de férias); e as Pequenas recompensas (singelos privilégios,

passeios, momentos de lazer e cargos). Essa divisão foi estabelecida com

base na classificação divulgada pela escola em periódicos e prospectos, e

nos critérios e objetivos percebidos em cada prêmio43.

Prêmios de honra

Por prêmios de honra foram consideradas as distinções de maior

prestígio, celebradas com ampla publicidade, e que objetivavam o bom

42 A revista é chamada Echos do Collegio Archidiocesano de São Paulo até o ano de 1937. A

partir de 1938 é publicada como Ecos do Colégio Arquidiocesano de São Paulo. Optou-se por trabalhar com as duas nomenclaturas. As revistas apresentam páginas numeradas no período de 1909 a 1932, e de 1936 a 1941. Por isso a indicação do número da página nas citações referentes aos demais exemplares foi substituída pela indicação (s/n.). 43

A Revista Echos não classificava as premiações de forma rígida ao longo de suas edições. No entanto, os exemplares dos anos 1930 apresentam uma categorização que auxiliou na divisão dos prêmios proposto por este trabalho. As revistas apresentavam categoria Prêmios de Honra (Quadro de Honra e Excelência), Prêmios de Religião, Prêmios nas diferentes disciplinas e Prêmios diversos (assiduidade, constância, esporte ou educação física, mmúsica ou canto ou violino ou piano, e trabalho de férias).

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desempenho escolar aliado à educação moral cívica e católica. No caso o

Quadro de Honra, Prêmio de Excelência e o Prêmio de Religião.

O Quadro de honra constitui-se como premiação de destaque na

história da instituição. A documentação revela seu oferecimento de 1908 a

1970, e como a distinção mais valorizada até os anos 1930.

Segundo Castanha (2009) o Quadro de honra foi prescrito no

regimento interno das escolas da Corte em 1855, e posteriormente na

legislação das províncias brasileiras. O uso do Quadro de honra foi sugerido

no Guia das Escolas Maristas e em textos pedagógicos do final do século

XIX, caso das obras de Portella (1874) e Almeida (1874). Em 1890 a Reforma

Benjamim Constant estabelece prêmios no Gymnasio Nacional, conforme o

artigo:

Art. 46. Dentre os alumnos do estabelecimento approvados com distincção em todos os exames do anno a congregação escolherá os tres melhores e conferir-lhes-ha solemnemente tres premios, com a classificação de 1º, 2º e 3º. Além disto, em uma sala de honra do externato e outra do internato, denominada Pantheon, serão collocados os retratos dos alumnos, que se houverem tornado credores desta alta e excepcional distincção pelo seu talento, amor ao trabalho, procedimento exemplar e mais virtudes. A congregação será o juiz soberano nesta escolha (BRASIL. Decreto 981, de 8 de novembro de 1890).

O Pantheon, também chamado Prêmio Benjamin Constant,

configurava-se como premiação máxima, nos regulamentos para o Gymnasio

Nacional de 1891 e 1894 44 , instituição à qual o Colégio Arquidiocesano

desejava se equiparar. Por esse motivo a prospecto de 190545 do Collegio

Diocesano apresenta as seguintes determinações:

Art. 81 Para estimular os alumnos dispõe o Collegio de premios e recompensas, como sejam: 1º Notas boas. 2º Inscripção no quadro de honra. 3º Dous passeios por mez.

44

Publicado na Revista Pedagogica de 1891 pg. 226, e de 1894, pg. 40. 45

O prospecto compõe o rol de documentos anexados à Equiparação de 1900. Esse conjunto documental encontra-se no Arquivo Nacional. As cópias foram gentilmente cedidas pelo pesquisador Ricardo Tomasiello Pedro.

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4º Medalha de prata. 5º Medalha de ouro. 6º Retrato na sala de honra do estabelecimento. Art. 82 Terá direito ao retrato de que fala o artigo anterior, o alumno que obtiver a nota de grande distincção no exame de madureza; à medalha de ouro, o que obtiver a de distincção no mesmo exame; e à de prata, o que obtiver a nota de distincção em qualquer anno do curso. Art. 83. O Collegio dispõe, além disto, de um grande premio, que é tomar a seu cargo os estudos superiores do alumno que obtiver nota de distinção, em todos os exames do curso e no de madureza (PROSPECTO COLLEGIO DIOCESANO, 1905, pg.15).

Nesse documento o Pantheon e a inscrição no Quadro de honra são

reconhecimentos distintos. O primeiro é expresso na fotografia dos melhores

alunos em sala de honra, enquanto o segundo na inscrição do nome dos

destacados em quadro especial. No caso do Arquidiocesano o Quadro

passou a contemplar tanto a inscrição como a exposição da fotografia. Ao

prescrever essas homenagens no regimento escolar, indicava que a

promoção dessas práticas era considerada necessária tanto ao bom

funcionamento da escola quanto à realização de seus objetivos pedagógicos.

No primeiro número da Revista Echos do Collegio Archidiocesano de

São Paulo, 1908-1909, era divulgada a listagem intitulada Galeria Illustre,

com o nome dos “Alumnos que durante todo o ano lectivo obtiveram

inscripção no Quadro de Honra”. Nas páginas dedicadas ao primeiro

semestre de direção Maristas no Colégio Arquidiocesano, são ressaltados os

bons resultados em notas e o prêmio: “Os boletins mensaes, todos cheios de

lindas notas, o quadro de honra repleto dos nomes de tão grande numero de

bons alunos, são provas sobejas do afinco ao trabalho e do bom

comportamento de todos” (ECHOS, 1908-1909, p.10).

Na edição seguinte o periódico justifica a premiação para excitar a

aplicação dos alunos e recompensar seus esforços, e apresenta seus

critérios: “Lembramos que para ter o nome inscripto no Quadro de Honra, um

estudante deve ganhar notas optimas de procedimento e aplicação e uma

media de 6 pontos ao menos nas disciplinas da aula” (ECHOS, 1910, p. 36).

As notas adotadas eram as dos exames oficiais, o grau 10 equivalia ao ótimo

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com louvor, ou aprovação com distinção, de 9 a 6 aprovados plenamente e

de 5 a 4 aprovados simplesmente (ECHOS, 1922, p.48).

Figura 10. Páginas da Revista Echos de 1910, com Galeria Ilustre do Quadro de Honra e fotografias dos alunos inscritos durante o ano letivo.

A premiação era conquistada sem necessidade de rivalizar com os

colegas, não havia um limite para o número de contemplados por sala ou

divisão46, todos que se enquadrassem nos critérios obtinham a inscrição.

A partir da edição de 1914 o Quadro divide folha com o “Pantheon de

homenagem aos distinctos bacharéis”. A divulgação em meio aos resultados

dos exames oficiais, como por exemplo, na Revista Echos de 1922, afirmava

o status da premiação, e associava o sucesso do estudante a uma futura

aprovação nas carreiras superiores.

A Galeria Illustre apresentando o Quadro de Honra anual era a única

folha do periódico decorada com impressão dourada sobre papel especial

(figura 10). As fotografias dos alunos agraciados com o prêmio eram

exibidas nas páginas seguintes. Distinguir os vencedores era necessário.

46

Os alunos do Colégio Arquidiocesano eram divididos em três e, posteriormente, quatro divisões de acordo com a série cursada: menores (equivalente ao primário e admissão), submédios (primeiras séries do ginasial), médios (últimas séries do ginasial) e maiores (curso colegial ou científico).

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A imagem de 1916 (figura 11) desejava explicitar que aqueles eram os

melhores alunos. A solução foi compor a cena com tabuleta marcada

“Quadro de honra”. A ampliação do original revelou no lugar da inscrição

apenas garranchos simulando palavras, e o efeito simbólico que se desejava.

Os nomes e rostos daqueles vitoriosos estavam gravados para posteridade.

Figura 11. Quadro de honra de 1916. No detalhe ampliado o artifício usado para simbolizar que os nomes dos melhores alunos estavam gravados para a posteridade.

Figurar na seção de honra era uma vitória conquistada ao longo do

ano letivo. O prêmio era atribuído mensalmente e envolvia um detalhado

controle sobre notas e condutas, uma vez que ser penalizado resultava na

perda da inscrição, como descrito no seguinte trecho:

Nosso titular é o Irmão Caetano Gil, algumas vezes muito calmo, sorridente, outras, mais severo, mas sem chegar a sair do justo. Também, nossa aula não é das mais quietas, prova disto, está em que ninguém conseguiu todos os Quadros de Honra, todos os meses (ECOS, 1959, s/n).

Por esse motivo o perdão das faltas, oferecidos em meses como Maio

e Agosto47, era ansiosamente esperado:

47

O mês de maio na tradição católica é dedicado ao culto à Virgem Maria. No dia 15 de agosto é celebrada a festa de Nossa Senhora da Assunção (ou Nossa Senhora da Glória), padroeira do Instituto Marista. O mês de agosto era de intensa comemoração nas escolas da Congregação.

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Remate condigno desta festa de caracter particularmente intimo, foi a absolvição geral e remissão total e imprevista de todos os castigos que por acaso uns ou outros houvessem merecido. Concedeu-a o nosso bondoso Director Espiritual. E algumas consciencias se sentiram repentinamente alliviadas e com animo rejuvenescido para o mez de Agosto, apenas começado e talvez um tanto compromettido, lhes acenasse de novo, propicio e fagueiro, com optimas notas no fim e o dourado bilhete de entrada no Quadro de honra, chi ló as? (ECHOS, 1915, p.26)

A entrada no Quadro era feita com base na proclamação das notas

mensais, somatória das notas semanais conquistadas nas sabatinas

realizadas aos sábados, último dia de aula. Os resultados eram divulgados

na segunda-feira, pois, acreditava-se que o aluno informado no início da

semana sobre as notas se empenharia em sua melhora ou manutenção.

Contabilizava também as boas notas de aplicação e procedimento,

conforme definido pelo Guia das Escolas Maristas. A aplicação era

mensurável pelas lições e tarefas escolares realizadas, o procedimento a boa

conduta, manutenção do silêncio e bom comportamento. O prêmio era

expresso também em materialidades, a Echos de 1912 confirma a existência

física do Quadro de honra:

Na portaria não nos demoramos. É a salla das lembranças. Muitas gerações deixaram seu retrato. Há frades regulares, muitos sacerdotes seculares, leigos, maristas, presidindo as turmas de bacharéis nos seus quadros artísticos. (...) No mesmo salão fica o Quadro de Honra. Digam aquelles que sabem quaes nomes vêm escriptos nelle, si é fácil ou custoso passar dez mezes atraz daquele vidro (ECHOS, 1912, p.21).

As fotografias mostram o objeto exposto na sala de visitas do colégio

na Av. Tiradentes, em 1933, e no hall da sede na Vila Mariana no início dos

anos 1940. A posição nos dois edifícios é estratégica, entre as salas de

diretoria e secretaria escolar, em meio a iconografias religiosas e quadros de

formandos (figuras 12 e 13).

O Quadro de honra era constituído em madeira nobre e delicada

ornamentação. Ao centro destacam-se o nome “Collegio Archidiocesano”,

acima o brasão da congregação Marista e abaixo o símbolo da República,

decorado com representações de materiais escolares, ao centro estavam as

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listagens com os nomes e séries dos alunos inscritos no mês ou bimestre,

divididos por curso e série.

Figura 12. Sala de visitas do Colégio Arquidiocesano no bairro da Luz em 1933. No canto lateral direito o Quadro de honra. Fonte: Documentos para equiparação do Colégio

Arquidiocesano.

Figura 13. Hall de entrada do edifício do Colégio Arquidiocesano na Vila Mariana,

1939. O mesmo artefato é exposto. Fonte: Documentos para equiparação do Colégio Arquidiocesano.

A publicação das fotografias e entrega de medalha, ocorria apenas no

final do ano letivo para quem obtivesse todas as inscrições. O Quadro de

honra enquanto artefato cumpria três funções. Lembrar permanentemente o

prêmio. Oferecer os resultados parciais aos alunos, e principalmente aos pais

e visitantes, e homenagear os pré-colocados, orgulho da instituição e

sucessores das honras dos antigos alunos.

Assim a conquista do Quadro mensal ou parcial também era celebrada

com a entrega de cartões finamente impressos, assinados pelo Ir. Reitor,

com o nome do aluno e a inscrição. Disputado mensalmente criou um ritual

na vida escolar dos alunos. Os prospectos de 1936 e 1941 indicam que o

posto conquistado era marcado no boletim enviado às famílias, permitindo

controle apesar da distancia geográfica.

Os cartões de Quadro de honra mensal (figura 14) não compunham

originalmente o acervo da instituição, chegaram ao Memorial como doações

de antigos alunos e familiares, depois de décadas de guarda e relatos sobre

a carga afetiva que os envolve. Recordação da trajetória escolar, esses itens

expressam parte da identidade que esses indivíduos criaram a partir de

ideias de mérito e esforço pessoal.

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Figura 14. Cartão de Quadro de Honra mensal do aluno Adolfo Guilherme Lamberti, junho de 1941. Acervo do Memorial do Colégio Arquidiocesano de São Paulo.

A conquista do Quadro mensal estendia-se, às vezes, para outras

pequenas recompensas que assinalavam o prestígio que esses alunos

usufruíam na instituição, como no seguinte exemplo:

Á noite cinema Zeiss Ikon Sonoro para os alunos que em Setembro tiveram o nome no Quadro de Honra. Assistiram a sessão o Exmo. Snr. Dr. Alvaro de Salles Oliveira, Frei Lourenço, D.D. Vigário da Saúde, Revdom. Frei José Maria Audrin O.P. Tudo correu bem (ECHOS, 1931, p.35).

Recompensar os alunos com uma sessão de cinema sonoro, não era

pouco, tratava-se de uma novidade no campo do entretenimento 48, muito

atraente. A premiação dependia de um intenso processo de avaliação, com

notas equiparadas aos dos exames oficiais, o que evidencia uma relação

entre as avaliações externas e as premiações escolares.

Figurar entre os distintos que conquistaram o prêmio ao longo do ano

era propagado pelo periódico Echos como motivo de orgulho para alunos,

familiares e professores, prova dos esforços da escola em adequar a

mocidade para a competitividade da vida adulta:

48

O primeiro filme sonoro foi “O cantor de Jazz” da Warner Bros, lançado em 1927. Dois anos depois, em 1929, o filme Melodia da Broadway inaugurou o gênero dos musicais, e venceu o Oscar de melhor filme do ano. http://www.planocritico.com/plano-historico-uma-introducao-ao-cinema-sonoro/ Acesso 24/062014

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Honra lhes seja dada! Mas honra também às famílias que vasaram em moldes de bronze esses caracteres intemeratos e delicados, fortes e gentis! Honra aos mestres, nossos predecessores, que os acolheram religiosamente aqui e os formaram e armaram para futuros combates (ECHOS, 1913, p.30).

A escola por meio dessas afirmações promovia sua filosofia às

famílias. Segundo a Echos de 1923, o estudante que obtivesse no curso

ginasial todas as inscrições no Quadro de Honra receberia o Prêmio de

Honra, estendido também àqueles que realizassem os estudos primário e

secundário no colégio. A nova categoria visava incentivar a permanência do

aluno, em um período quando os exames para as carreiras superiores eram

prestados sem necessidade de concluir o secundário.

O aumento dos alunos no colégio nas décadas seguintes acarretou

também em um maior número de premiados. A edição da Echos de 1930

apresenta 222 inscritos no quadro de honra na proclamação de notas do mês

de março (ECHOS, 1930, p.36), e três anos depois passa a divulgar a galeria

Ilustre de cada classe. Perante o caráter seletivo que caracterizava o ensino

secundário, os Irmãos se justificaram:

É sempre com renovado prazer que apresentamos nas páginas do Quadro de honra, grupos de alunos das diversas aulas que se distinguiram no exato cumprimento de seus deveres de bons alunos. Sejam essas páginas um consolo para o devotamento dos educadores, pais e mestres, cujo único desejo é de verem aumentar cada vez mais o número daqueles que merecem tão valioso prêmio – sem que isso signifique uma queda no valor do padrão; mas , pelo contrário, um aperfeiçoamento cada vez maior da personalidade total dos homens de amanhã (ECOS, 1949, s/n). 49

Apesar das negativas, o número maior de matriculados resultou em

mudanças no caráter das premiações, inclusive com a criação de novas

categorias e sua ampla divulgação. O Quadro de Honra deixou de ser o

49

Os exemplares da Revista Echos do Collegio Archidiocesano de São Paulo apresentam número de páginas entre as edições de 1908 a 1931 e 1936 a 1941. Nas demais essa notação não foi inserida, por isso foi adotada a indicação (s/n).

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maior reconhecimento de mérito escolar, com a promoção do Prêmio de

Excelência, todavia, continuou valorizado e divulgado com exaltação:

Dentre os bons, eis os melhores. Como numa árvore há frutos mais lindos e saborosos, assim em cada aula encontramos elementos mais destacados no trabalho e na conduta. O Colégio distingue-os com a inscrição no Quadro de Honra e neles deposita suas melhores esperanças (ECOS, 1953, s/n).

O Prêmio de Excelência foi citado pela primeira vez na edição de 1922

da Revista Echos com as suas condições: não ter perdido nenhuma hora de

aula e nenhuma nota em aplicação e procedimento durante o ano letivo

(ECHOS, 1922 , p. 26).

A Echos de 1935 indica o oferecimento do Prêmio de Excelência ao

aluno com a melhor colocação na pontuação geral de cada classe, e que

geralmente coincidia com o primeiro colocado na inscrição do Quadro de

Honra anual. As edições dos anos 1940 e 1950 trazem informações sobre a

quem se destinava: “Conferido em cada turma ao aluno que mais se

distinguiu no cumprimento de seus deveres escolares e nos resultados

obtidos no conjunto das disciplinas” (ECOS, 1948, s/n). O aluno deveria

empenhar-se com perfeição, cumprir todos os deveres de estudante e

cristão, e obter os melhores resultados de sua classe (ECOS , 1951, s/n).

O Prêmio de Excelência tornou-se a maior distinção a ser alcançada.

Categoria mais exclusiva e desejada tornou-se a mais difícil de ser

conquistada, reservada apenas ao primeiro colocado de sua classe:

“Uma multidão de almas vulgares vale menos que uma só alma perfeita”. Tanto mais grato e apetecido é o galardão quanto mais árdua a peleja. O prêmio de excelência, que todos ambicionam, é reservado ao melhor da classe. Para vós e para muitos de vossos competidores exerceu verdadeira fascinação e somente Deus sabe quanto esforços terá provocado. Se o prêmio, pelo seu alto significado, é por todos ambicionado, e foi por muitos procurando em luta porfiada, todos vós o conquistasteis na verdade, porque sois hoje melhores do que éreis ontem e lançados, assim, na luta por mais caráter e mais saber, elevasteis o teor de vossa personalidade que deve atingir a estatura dos homens perfeitos, dos homens de que a Pátria precisa, dos homens que a Igreja espera, dos homens que a salvação do mundo

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requer. “Quanto mais cada um se elevar tanto mais elevará o mundo”(ECOS, 1951, s/n).

O trecho aponta a preocupação com a formação dos grandes homens

da nação, identificados por se embrenharem em lutas constantes. A

exaltação dos premiados é legitimada como reconhecimento merecido pelo

vencedor e positivo aos colegas.

Nota-se uma alteração, o Quadro de honra estava ao alcance

daqueles que se enquadrassem nos seus rígidos critérios, como por

exemplo, no caso da 2a série C de 1952: “Sérios todos nós...Vejam!...21

conseguiram todos os Quadros de Honra no correr do ano. Na média por

mês éramos 28 a 30 que o tínhamos” (O ARQUIDIOCESANO, 1952,

novembro, p.45). Já o Prêmio de Excelência permitia apenas um vencedor. A

disputa entre alunos intensificou-se e marcou o cotidiano escolar como

narrado na Ecos:

Jair Queirós Mourão corria na frente de todos os companheiros, com vários corpos de vantagem sobre o 2º colocado. Ninguém o ameaçava. Porém, no 2º semestre, um novato, Paulo Bara, logo no primeiro mês, ficou apenas a 2 pontos dele. Jair, para não perder o lugar começou a estudar nos recreios. O mesmo fêz Bara, tanto para ver se deixava para traz o Jair, como para se livrar dos perseguidores: Carlos de Luca e Paulo Valarelli. Tudo, entretanto, acabou bem com o Jair no 1º posto e o Bara no 2º, HONRA AOS DOIS! (ECOS, 1954, s/n).

Nesse exemplo os êmulos são descritos como exemplos de

superioridade. Aos colegas de classe, cabia legitimar o embate e reconhecer

o mérito dos melhores. Na descrição sobre as habilidades dos que

conquistaram a distinção de ser o 1º aluno da turma, surgem quais

capacidades e condutas eram desejadas pela escola:

Jair, ou antes, Dr. Jair de Queiroz Mourão, prefere estudar dia e noite a tirar o segundo lugar. Nas chamadas orais, pensa que o tempo é só dele, não deixa o professor abrir a boca e diz a lição de ponta a ponta. Nas sabatinas ganha do professor, suas provas não têm uma vírgula a menos que o livro (C.R.N.) e, acrescenta F.B. Lacerda, só não decora desenho porque não é “decorável” (ECOS, 1956, s/n) .

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O melhor aluno era o que estava constantemente dedicado aos

estudos. As formas de avaliação apontam os exercícios de memorização e

declamação como essenciais na educação dos alunos do Colégio

Arquidiocesano. Habilidades que eram símbolo de boa erudição, expostas

em discursos durante a visita de autoridade, nas festas escolares e reuniões

da Academia Estudantil Literária Eduardo Prado.

A emulação explicitava as desigualdades. Os alunos que se

sobressaíam aos demais por uma “capacidade privilegiada” prejudicavam a

ideia de dedicação constante, como no caso do aluno José Jaime Juvenal

Ayres:

A presença de uns poucos alunos muito dotados, deixam longe a média da aula, sendo de notar que o 1º colocado soma, sozinho, mais que o 2º e 3º juntos. É o JOSE JAIME JUVENAL AYRES. Aluno notável! O 2º posto está mais para o DURVAL EUSÉBIO DE OLIVEIRA, companheiro assíduo dos livros e também da bola de futebol (ECOS, 1954, s/n).

A solução era reconhecer a disparidade. O mesmo foi feito com o

aluno Bernardo Miéle que encerrou o ano de 1941 com média 94. A Ecos do

mesmo ano como homenagem dedicou-lhe uma página inteira, por ter obtido

durante todo o curso ginasial a primeira colocação:

Figura 15. Página em homenagem ao aluno Bernardo Miéle. Revista Echos de 1941.

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Bernardo Miéle foi aprovado na Escola Politécnica, mas abandonou o

curso para seguir a carreira de sacerdote, fato que envaideceu a comunidade

de Irmãos do Colégio Arquidiocesano (O ARQUIDIOCESANO, 1953,

nov./dez., p.30). O antigo aluno em visita ao colégio celebrou missas e fez

discursos homenageando os estudantes premiados.

O Colégio Arquidiocesano utilizava as premiações de honra para

aprimoramento intelectual do catolicismo. O Prêmio de Religião oferecido a

partir de 1925 era dividido em duas categorias: Catecismo para as três

primeiras séries do ensino primário e Religião ou Instrução religiosa para os

demais anos e curso ginasial. Figurava nas listas de premiação nas

disciplinas escolares, sendo pré-requisito para a obtenção das categorias de

Honra, relevando os meandros na promoção da filosofia Marista.

No ano de 1941 o Certame de Instrução Religiosa, com provas

escritas e orais selecionou os três melhores alunos de cada classe, num total

de 51 finalistas. Os vencedores conquistavam a medalha de religião,

entregue na solenidade de distribuição de Prêmios. A divulgação ressaltava o

exercício intelectual que animava o cotidiano escolar:

A maneira feliz com que os concorrentes desenvolviam as questões do programa e a perspicácia e sabedoria com que respondiam as questões, às múltiplas perguntas, às vezes capciosas dos examinadores, deixou em todos a impressão profunda do grande preparo e do são desenvolvimento intelectual desses alunos (ECOS, 1941, p.22)

O trecho indica que o Prêmio de Religião fazia uso da emulação, como

ferramenta para evangelização na fé católica. No ano de 1946 a Ecos

concedeu destaque ao Prêmio Religião e esclareceu a quem era atribuído: o

primeiro colocado de cada classe, em ensino do catecismo ou instrução

religiosa, classificado pela somatória das médias mensais da disciplina e nas

duas provas anuais sobre o tema (ECOS, 1948, s/p). A premiação passa ser

divulgada na seção de honra da Ecos, ao lado do Prêmio de Excelência e o

Quadro de Honra 50.

50

Todas essa premiações além de figurar nas páginas especiais, constavam na Proclamação dos Alunos Premiados em cada Disciplina, impresso no final da revista Ecos no fim dos anos 30 e década de 40.

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Em 1947 foi instituído o Prêmio Champagnat concurso sobre a vida e

obra do fundador, realizado no aniversário de seu falecimento. Divulgando os

princípios de virtude que fundamentam a obra Marista, a Maratona

Champagnat foi promovida entre alunos dos colégios da Província do Brasil

Central (O ARQUIDIOCESANO, 1957, p.23 e 38).

Figura 16. Páginas dedicadas ao Prêmio Champagnat e Prêmio de Religião, Revista Ecos 1947.

As páginas dedicadas ao Prêmio de Religião e Champagnat de 1947

exibem as fotografias dos alunos agraciados, em poses altivas e

cerimoniosamente acomodados no mobiliário da diretoria. A imagem foi feita

no hall de entrada, no qual figurava o Quadro de Honra, ao lado de

estatuetas de Jesus e Champagnat. A formação intelectual Marista passa

pela aquisição dos saberes da fé católica:

O mérito dos premiados em Religião é duplo: o esforço reconhecido e recompensado, e a excelente lição que eles ministram aos companheiros. Estudiosos que são de todas as disciplinas do curso, a condecoração, outorgada mostra que puseram em primeiro plano a ciência orientadora da vida. Críticas acerbas são assentadas à indiferença religiosa, cuja fonte maior é a ignorância. Quanto individuo se preocuparia com as cousas do espirito se recebera instrução religiosa! O homem precisa voltar para Deus, e a primeira condição desse retorno é o conhecimento do Criador. Há de se precaver o nosso estudante – sobretudo aquêle cujo horizonte da idade e da vida se alarga – contra a frieza religiosa: encontra ambiente hostil ou desdenhoso no mundo que Jesus anatematizou. E por isso que, ao louvar os que

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merecem encômios, chamamos, de modo amigo a atenção de quantos foram confiados a educadores de quem a primeira missão é o ensino da ciência de Deus (ECOS, 1951, s/n).

O Prêmio de Religião expressava com excelência a missão do Instituto

dos Irmãos Maristas, “tornar Jesus Cristo conhecido e amado”. Colaborava

na formação de uma personalidade sensibilizada para a devoção, que não

colocaria a ciência acima da fé.

A adequação do caráter do aluno à lógica católica romanizada51 exigia

o aprimoramento amplo na espiritualidade. Não bastava o conhecimento

teórico, o exercício da fé estava na participação dos ritos, como confirmado

pelo aluno C. Luca: “Para tirar nota boa em Religião não bastava saber a

lição, era preciso também responder bem às orações e ter uma postura

correta” (ECOS, 1957, s/n).

Como colégio em regime de internato, no Arqui a frequência diária à

missa era obrigatória, assim como os sacramentos da eucaristia e crisma. As

atividades de adesão voluntária eram os retiros espirituais e a participação

nos grupos de formação religiosa52.

Os Prêmios de Religião, Excelência e Quadro de Honra compunham a

tríade das premiações de honra, que nos seus critérios e objetivos,

expressavam a missão do Colégio Arquidiocesano, formar os alunos como

“Bons cristãos e virtuosos cidadãos”.

Prêmios nas disciplinas e Prêmios diversos

A proclamação das notas nas disciplinas escolares, constância,

assiduidade, esporte, música e trabalho de férias, feita durante a solenidade

de encerramento de ano letivo foi mencionada pela primeira vez na Echos de

1923. As premiações foram amplamente divulgadas nas edições de 1934 a

1953, chegando a ocupar cerca de 2/3 das páginas, que apresentavam os

51

O movimento de romanização da Igreja Católica segundo Monteiro (2011) desejava banir os traços do catolicismo caboclo e sincrético tão comum no Brasil. Para isso dedicou-se à formaçao de quadros intelectualizados no interior da Igreja e incentivou a vinda de congregações religiosas estrangeiras. 52

Cruzada Eucarística, Milícia Angélica, Legião Branca e Congregação Mariana.

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vencedores dos 1º prêmio, 2º prêmio, menção honrosa, e menção de cada

classe.

Figura 17. Prêmios do ano letivo de 1935. Revista Echos 1935.

As disciplinas escolares foram primordiais na constituição de um

sistema de premiações, sendo base para os conteúdos examinados, e

avaliações que definiam os desempenhos em dados mensuráveis. Foram

oferecidos prêmios em todas as disciplinas cursadas, aos alunos que

alcançaram as maiores notas. A semelhança do Quadro de honra, a

conquista de uma boa posição em uma das disciplinas, era atestada com

cartão de Posto de honra mensal:

Figura 18. Cartão de Posto de honra, 1o lugar em Caligrafia conquistado pelo aluno

João Francisco Jardim em setembro de 1925. Acervo do Memorial do Colégio Marista Arquidiocesano.

As sabatinas constituíram um ritual escolar, no qual o aluno era

publicamente avaliado e seus resultados compunham as notas nas

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disciplinas. Nem sempre as médias esperadas eram fáceis de serem obtidas.

Os alunos do 2o ginasial C de 1956 apontam o grau de dificuldade para

alcançar boa classificação: “A bendita Matemática do Irmão Álvaro, a asa

negra do Colégio, só em uma sabatina alinhou 30 zeros” (ECOS, 1956, s/n).

Nas páginas humorísticas das revistas eram divulgados os pequenos

sacrifícios para bons resultados, como no exemplo: “O Bernardo começa a

por a chuteira para o futebol, mas depois larga tudo só de pensar na sabatina

de História. O Renê estudou treze horas seguidas durante a Semana Santa”

(O ARQUIDIOCESANO, 1958, junho, p.43).

O Prêmio na disciplina visava a dedicação permanente do aluno ao

estudo dos conteúdos didáticos. A forma como a sabatina era conduzida

variava conforme a etapa de ensino. Nota-se maior flexibilidade como o curso

de admissão, etapa de cunho preparatório para o ingresso efetivo no colégio.

Neste caso a avaliação semanal era empreendida com outros objetivos:

O Irmão Mario é severo, mas é justo. Na nossa aula ninguém pode entrar de quedes. Quem tiver nota abaixo de cinco nas sabatinas tem que recomeçar. (A.C.M.) (...) Quando o Irmão Reitor vem nomear as notas a gente fica gelado...mas tudo passa. (A.V.S.) (ECOS, 1956, s/n).

Estabelecer um critério de avaliação é parte da verificação do

aprendizado. Porém, nas séries iniciais, era mais importante adequar o aluno

ao processo. As notas obtidas nas disciplinas escolares definiam a aprovação

ou retenção do estudante e as Premiações de honra.

O Prêmio em Assiduidade visava garantir a frequência absoluta nos

dias letivos (ECHOS, 1926, p.61), apontada como condição imprescindível

para o bom aprendizado. Nem todos os alunos estavam matriculados em

regime de internato, alguns cursavam o semi-internato, e reforçar o seu

retorno no dia seguinte era preciso. Já o Prêmio de constância indicava

esforço em fidelizar o aluno à instituição e era oferecido com uma medalha

de prata àqueles que realizaram todo o curso secundário no Colégio

Arquidiocesano. (ECHOS, 1923, p.31 / ECHOS, 1927, p.48).

As premiações em esporte e música apresentaram poucas

informações, apesar dessas modalidades estarem registradas em fotografias

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desde a década de 1910. Os Prêmios nos esportes incluíam em 1923 a

ginástica e o tiro de guerra (ECHOS, 1923, p.31). No ano de 1933 passa a

ser chamado Prêmio de Educação Física e dividia-se em: Prêmio de

ginástica, Competições diversas (cesto-ball, volleyball, pingue-pongue) e

Provas de atletismo (corridas rasas de 75 e 100 metros, salto em altura, salto

com vara, corrida de revezamento e cabo de guerra) (ECHOS, 1933, s/n.). O

Prêmio de música incluiu canto, piano, flauta e violino (ECHOS, 1923, p.31/

ECHOS, 1925, p.30 / ECHOS, 1934, s/n.).

O Prêmio por trabalho de férias mostra a preocupação com a conduta

moral do aluno fora da escola. A edição da revista Echos de 1910, já

esclarecia a necessidade de atenção aos estudos até no recesso escolar:

Mesmo durante as férias, o bom estudante não larga totalmente os livros. A inteligência, assim como o corpo, precisa de seu alimento, o pão da sciencia que não se adquire sinão pelo estudo; não fareis como certo meninos inactivos que enchem o estomago e deixam jejuar a intelligencia numa completa ignorância durante mezes e anos(ECHOS, 1910, p.12)

O período de férias era considero nocivo ao estudante pela instituição

escolar, o aluno teria acesso aos perigos que eram “filtrados” pelo internato,

como maus livros, ociosidade e má companhia (ECHOS, 1915, p. 39). O

regulamento para as férias, publicado na Echos de 1924, determinava ao

aluno: cumprir os deveres cristãos, visitar o vigário e ir à missa, respeitar os

pais, fazer a catequese de crianças pobres e não frequentar reuniões

anticatólicas.

O Prêmio por Trabalhos de férias foi divulgado pela revista Echos de

1934 até 1955. A publicação em 1952 justifica: “E, se onde há trabalho há

progresso, podemos afirmar que estes adolescentes não saíram das férias

como nelas entraram – porque souberam trabalhar, produzir, melhorar-se”

(ECOS, 1952, s/n). No texto de Luiz Guilherme Torres, do 2a ginasial C, com

iniciativa é apresentada como bem vista pelas famílias dos estudantes:

Meus pais leram a revista e gostaram muito, principalmente de “Nóbrega” e da reportagem da Assunção de Nossa Senhora aos céus. Outra coisa que muito os alegrou foi

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quando viram meu nome duas vezes entre os alunos meritórios: uma vez entre os quais apresentam melhores trabalhos de férias e outra vez no meio dos que fizeram mais aplicados os trabalhos escritos do 1º semestre. Meus pais acham que deviam sempre publicar esta reportagem, pondo os alunos que mais se distinguiram durante o mês ou em qualquer outro trabalho (O ARQUIDIOCESANO, 1953, nov./dez., p.10).

Figura 19. Regulamento para as férias. Revista Echos de 1924.

Por meio dos Prêmios nas disciplinas e Prêmios diversos nota-se um

uso generalizado da emulação no oferecimento das premiações, acionada

em relação tanto dos saberes difundidos, quanto do comportamento, ou

religiosidade esperada, incluindo até mesmo as capacidades físicas e

habilidades artísticas. Pedagogicamente a escola desejava produzir

indivíduos cultos, católicos, com corpos fortes, sensibilidade aguçada, hábitos

refinados e forte espírito competitivo.

As pequenas recompensas

As pequenas recompensas não estavam registradas nos regimentos

ou fotografias, nem produziram artefatos dignos de nota, mas eram sugeridos

pelo Guia das Escolas Marista como formas de animar os alunos. Por isso as

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informações foram pinçadas, em meio às linhas sem grande destaque nas

revistas institucionais. Não se identificou uma periodicidade para a oferta,

todavia os meses de maio e agosto pareceram mais propícios.

A oferta dependia do Irmão regente, e podia ser feita aos seus

melhores alunos, ou estendida a toda a classe, no caso de uma atitude

coletiva louvável. Apesar da realização pontual, revela alguns dos

mecanismos acionados para a organização da vida em internato e são

exemplos da autonomia docente no cotidiano escolar.

Algumas dessas recompensas eram bastante singelas, como

percebemos no seguinte trecho da Revista Echos de 1914:

Nem por serem altos e com competente bigodinho, não deixam de estimar o doce. Este não é do club sinão totalmente devido á bondade do Ir. Vigilante que de quando em vez, raro, quer recompensar o ardor dos combatentes. É prêmio, que de estimulo, elles pouco precisam: ninguém os excede na gentileza, na bôa vontade (ECHOS, 1914, p.37).

Na opinião dos Irmãos professores, a oferta de outras premiações

inesperadas aos alunos, surtia excelentes efeitos para a manutenção da

constante dedicação, como verificamos nos seguintes trechos:

Na divisão dos Medios – foi aquella saída que ninguém por certo esperava. E é justamente por não ser esperada que alguns a perderam: não se tinham preparado. Mas para o anno, o aviso há de servir. Não haverá excepção lastimosa. Todos, fazendo questão de ter no mez de maio um procedimento e uma applicação exemplar, estarão prevenidos e merecerão todos a recompensa que se der, seja qual for.(...)Devido ao bom comportamento no mez de maio, o nosso Irmão Vigilante resolveu levar ao passeio no Butantan os alumnos que durante todo o mez mariano tiraram um A (ECHOS, 1915, p.16 e 20).

Esses pequenos agrados não devem ser considerados um

reconhecimento menor. Para crianças e o jovens internos, uma sobremesa

ou um passeio surpresa, constitui um elemento aliviador para a privação do

convívio familiar e distanciamento em relação ao lar. Confere também uma

suave individualidade em um espaço de convívio coletivo.

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O mesmo se nota em relação à conquista de certos postos de

confiança. Ser chaveiro, porteiro, auxiliar do professor era privilégio. Na carta

atribuída ao aluno Carlos as vantagens do cargo são descritas: “Como a

senhora sabe, estou na divisão dos menores. O Irmão regente não está para

brincadeiras, mas é muito bonzinho. Eu sou chaveiro. Abro a porta do estudo.

É bom porque assim não devo andar na fila” (ECOS, 1947, s/n).

Por meio dessas atividades existia a possibilidade de ocupar o tempo

e aproximar o aluno de seus colegas e professores, de uma maneira

considerada produtiva e adequada pela escola, amenizando o sentimento de

solidão, conforme explicitado nas homenagens aos bacharelandos de 1948, a

respeito do aluno Edson Kachan: “Não esquecerá o primeiro dia de Arqui:

chorou diluvianamente! Quando parou foi para assumir todos os ofícios:

zelador, secretário, etc” (ECOS, 1948, s/n).

Havia também a preocupação em valorizar aos bons resultados

obtidos nas disputas que o docente estabelecia na sua classe de regência.

As pequenas recompensas incentivavam a adesão às formas de emulação e

carregavam sua porção de castigo, como relatado na Ecos de 1956:

A aula do Irmão Miguel Egídio pode ser nomeada entre as mais bem comportadas do Colégio. E com a atenção vem o progresso nos estudos, nos esportes e nas obras de caridade. Os alunos gostavam do professor e correspondiam a seus esforços. Aqui os testemunhos de alguns deles. (...) Havia êmulos nas aulas. No fim de cada mês os vencedores iam para o campo de futebol. Os vencidos que ficavam na aula alongavam as vistas pelas janelas para ver se lhes ficava uma “esperançazinha” para o outro “mês” (R.F.) (ECOS, 1956, s/n).

Agraciar o aluno como uma atividade fora do espaço de sala de aula,

significa a ruptura no trabalho árduo e oferece um especial momento de

diversão, enquanto o aluno “derrotado” deve, como castigo, ocupar-se com

atividades escolares, o que não lhe é prazeroso. O professor assim

reconhecia que o amor ao estudo não era qualidade natural dos meninos,

mas algo ligado à virtude, o sacrifício que precisava ser recompensado.

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As saídas previstas para os matriculados em regime de internato

poderiam ser convertidas em prêmio ou castigo, dependendo do rendimento

e postura atestada pelos professores:

Com o consentimento das famílias, os alumnos poderão sahir e de acordo com as disposições seguintes: 1º No primeiro Domingo do mez, incondicionalmente. Todavia, os alumnos que, no mez anterior, obtiverem medias excessivamente baixas ou que durante a semana tiveram comportamento muito reprehensivel, a juízo do Reitor, ficarão retidos no collegio. 2º No segundo Domingo, quando tiverem inscripção no Quadro de Honra. 3º No terceiro Domingo, si obtiverem, no conjunto das três notas semanaes, um total de 24. 4º no quarto Domingo, quando no conjunto das notas da 4ª semana alcançarem a somma de 27. Outras sahidas possíveis: a) para os alumnos mais pontuaes nas entradas de março (fevereiro, para o curso primário) e de julho – b) para os que apresentarem os melhores trabalhos das férias – c) Em casos especiaes de por Decisão do Reitor (PROSPECTO, 1936, p7).

A possibilidade de saídas extras relaciona-se diretamente com

premiações de maior destaque como o Quadro de Honra, e a conquista das

melhores notas semanais.

As pequenas recompensas não devem ser entendidas como inferiores

aos prêmios diversos ou de honra. Apesar da menor publicidade, cumpriam

importante função no controle das tensões entre os sujeitos e instituição em

um regime de internato. Além disso, apresentam-se como indícios dos

afazeres no interior da escola, que para além das normas, constituem-se por

estratégias desenvolvidas perante as necessidades cotidianas.

Esses prêmios, na maioria das vezes, beneficiavam os alunos que

tradicionalmente se destacavam nos prêmios de honra, entretanto, em razão

de exigências mais brandas, e muitas vezes coletivas, eram mais facilmente

usufruídas pelos demais. Partilhados de forma mais ampla, indiretamente

legitimavam entre os estudantes o incentivo, a competição e o direito dos

melhores à distinção.

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As premiações de honra na educação das camadas dirigentes

católicas

Os prêmios de honra foram assim denominados pelas revistas

escolares por homenagear os alunos de maior destaque em notas, postura

disciplinar e vivência religiosa. As páginas dedicadas aos vencedores dessas

categorias acompanhavam discursos que homenageavam o aprimoramento

intelectual e da personalidade cívico-católica.

Os trechos selecionados referem-se aos alunos premiados, como

merecedores do seu destino social, compondo a futura camada dirigente

católica. Nas entrelinhas das homenagens, nota-se uma preocupação em

legitimar a juventude distinta e bem posicionada formada pelo Colégio

Arquidiocesano.

Na divulgação do Quadro de honra de 1952 o reconhecimento do

mérito individual está em exceder aos demais, definido como prova

incontestável do valor e superioridade:

Há algo de constante no homem: é a sua própria inconstância. Os jovens, incriptos no quadro de honra, participam de uma nobreza: a nobreza do heroísmo, feito de esforço e perseverança. As ações vistosas, com serem raras encontram sempre o estímulo do elogio, pela atenção que despertam. A vida, porém, é um tecido de um número de atos comuns e incolores que se fazem na obscuridade e que não despertam nem admiração nem atenção. Sustentar esta batalha fria, por longas semanas, meses e anos é grande heroísmo. “Honra, pois, aos heróis, que pelo seu procedimento irrepreensível e pela aplicação sustentada”, fizeram jus, durante o ano letivo de 1952, a ter o nome inscrito no Q. de H. Os professores lhes entregam, com satisfação, o raminho de loureiro para que saboreiem esta vitória na vida e se animem a outras conquistas com as quais tecerão no fim dos seus dias a coroa da imortalidade (ECOS, 1952, s/n).

Ao remeter à “batalha fria” travada ao longo de um ano letivo o

discurso remete às qualidades para a formação da vontade. O esforço

empreendido é indicativo da maturidade do aluno, da aquisição do espírito de

luta e perseverança, como descrito na página dedicada ao Prêmio de

Excelência:

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A conquista deste valioso prêmio requer dotes de inteligência e de caráter aproveitados com tenacidade e constância durante todo o ano letivo – condições que provocam, entre os primeiros de cada classe, uma sadia emulação, e os habilita para as lutas de uma competição honesta, leal e magnânima, na vida de amanhã. E deste modo, o Prêmio de Excelência é partilhado por todos os candidatos, vencedores e vencidos – pois, não há vencidos entre os que lutaram e o mais belo premio é a conquista de uma personalidade harmoniosa e bela – um tesouro para si e para os outros – para o tempo e a eternidade (ECOS, 1949, s/n).

Os alunos agraciados eram classificados como “ótimos entre os bons”,

selecionados pela competitividade, característica social à qual o homem

estaria sujeito. A meta do indivíduo é sobressair aos demais, como neste

exemplo:

“O maior mérito está em exceder o dever”! Os inscritos no quadro de Excelência são os que têm o maior mérito. Cremos que premiá-los é mais que justiça: é dar uma lição viva. O ler e contemplar esta página é um convite e exortação a todo aluno. Que êle considere bem o seu significado. Vá além da mera curiosidade: um colega seu é bom aluno, é exemplar, é diligente nos estudos. É assim que mereceu este registro que não deixará de alegrar sua família (ECOS, 1950, s/n).

O Prêmio de Excelência é apresentado nesse trecho apenas como

justo reconhecimento. O trecho indica os padrões moldados pela escola, com

apoio da família, que construiu uma representação sobre o sucesso escolar,

associada ao trabalho, inteligência privilegiada e conduta exemplar:

Este galardão cabe ao melhor aluno de cada aula. Um, entre muitos. É a conquista do ano letivo. São estes os ases do trabalho sustentado, os ases da inteligência, os ases do bom comportamento. Estes alunos, ainda jovens, fixaram bem alto o seu ideal. E como a vida é a realização do ideal da mocidade, alimentamos as mais fagueiras esperanças para o futuro destes estudantes. Perseverai e “sereis uma apologia viva da vida cristã (ECOS, 1952, s/p).

A educação religiosa é defendida como aspecto fundamental por

“...desempenhar no jovem, papel primordial na formação da consciência, do

coração, do caráter em geral, e que tão eficazmente pode contribuir para a

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formação cabal do indivíduo” (ECOS, 1941, pg. 22). A virtude do aluno é

meta dessa pedagogia:

“Vos estis lux mundi” são palavras de Jesus aos seus Apóstolos. Também vós, queridos laureados do Colégio Arquidiocesano, estais hoje aqui em evidencia para servirdes de luminar e de modelo aos vossos colegas. Lembrai-vos, porém, que somente Deus é luz e que só dêle podeis receber o esplendor que vos permitirá irradiar, no pequeno mundo que vos rodeia, a luz da verdade, o calor do exemplo, e o fogo da caridade. Qualquer sentimento de soberba ou vaidade haveria de empanar essa irradiação moral e obscurecer o brilho dos dons de Deus, que hoje contemplamos agradecidos nas nossas frontes radiantes do entusiasmo da mocidade. Dessa mocidade da alma que aumenta com os anos, que transforma o jovem de hoje no homem virtuoso e forte de amanhã, e o ancião, coberto de angélica mansuetude, no herdeiro da eterna glória (ECOS, 1948, s/n).

O estudante perfeito é aquele que conquista as melhores notas,

demonstra comportamento exemplar e carrega a promessa de um futuro

promissor com total humildade. A figura 20 apresenta uma ilustração sobre a

entrega de prêmios que expressa esse ideal:

Figura 20. “Tableau d´élocution: la distribuition des prix” (Quadro de elocução: a distribuição de prêmios) , 1908. Fonte: Centre National de Documentation Pedagogique -

Museé National de l´Education de Rouen

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Na cena retratada três adultos proclamam, aplaudem e premiam um

jovem, que mesmo vitorioso, humildemente se curva para receber das

autoridades os símbolos do seu mérito: o livro e a coroa de louros 53. A

homenagem acontece em uma tribuna ornada com bandeiras da França e

arranjos de palmas54. A presença de numerosa plateia indica-se que o mérito

público é a maior distinção a ser conferida.

A imagem manifesta também a preocupação constante da escola com

a preservação da virtude do estudante. Ser virtuoso neste caso tem uma

visualidade quase religiosa, os louros, mesmo nessa imagem republicana,

carregam esse significado. E destaca a condição moral que a ação

pedagógica deveria promover. Virtude é a capacidade e potencia moral que

caracteriza homem de bem, reconhecido pelo espírito de justiça, prudência,

temperança e fortaleza, valores essências para exercer o bem coletivamente

e afastar-se do mal 55.

O Prêmio de Religião também operou para conferir ao saber espiritual

e a devoção maior relevância do que as disciplinas ministradas e aptidões. O

debate sobre ciência e fé, é constante nas palavras do diretor, nos discurso

dos paraninfos e nas páginas dedicadas aos alunos premiados:

Parabéns aos vencedores do Prêmio de Religião. Provastes que conheceis bem a doutrina. Praticai-a. Volvei-a com denodo e entusiasmo. Sêde cristãos autênticos que de pagãos batizados estamos fartos. Cristãos conscientes, cristãos fortes, almas de fogo, corações altivos. Cada um de vós, se viver profundamente o ideal cristão, será o criador

53

O louro é símbolo de imortalidade, por sua árvore uma das poucas que permanece verde no inverno. Simbolismo adotado pelos romanos quando fizeram do louro o emblema da glória tanto das armas como do espírito. O louro é consagrado à Apolo simbolizando a imortalidade adquirida pela vitória. E por isso sua folhagem é usada para coroar os heróis, os gênios e os sábios (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1982, p.561). 54

Utiliza-se em representações a palma de tâmara. As antigas civilizações já faziam uso desse símbolo. O deus Assur dos mesopotâmicos era representado com coroa de palma, e os egípcios colocavam ramos de palma nos sarcófagos. A simbologia judaico-cristã deriva do livro dos Salmos (91, 13) “O justo florescerá como a palma”. Na tradição cristã Jesus ao regressar a Jerusalém é acolhido e saudado com ramos de palma, que passa a representar com frequência a “palma da vitória” do mártir e a palma verdejante do paraíso. Por seu tronco fino que sustenta uma coroa exuberante é associada à ascensão, vitória e ao renascimento. A lenda de que a palma cresce sob um peso que lhe é imposto, remete ao fortalecimento pelas dificuldades (BIEDERMANN, 1993, p.278). 55

Consultado em : ABBAGANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998, pp.1003-1004. MORA, J. Ferrater. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Edições Loyola, 2001, pp.3028-3029.

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dum mundo novo. Basta que a vossa alma contenha Deus, para conter mais que tudo o que foi criado. E fazer reinar Deus numa única alma não será mais que criar um universo? Não é Deus mais do que conjunto da criação? (ECOS, 1952, s/n).

A direção do Colégio Arquidiocesano desejava legitimar a educação

católica como modelo para alunos e suas famílias:

Por certo, há de ser com o maior prazer que as mães cristãs verão seus esforços coroados com êxito. A semente do bem por elas depositado em corações puros e mui queridos, viceja e frutifica, mercê de Deus e da boa vontade dos seus caros filhos. Entre os quais mais se distinguiram no estudo da Religião e conquistaram correspondente prêmio (ECOS, 1946, s/n).

A mocidade deveria ser adequada aos valores cívicos e católicos que

moldariam o caráter dos grandes homens de amanhã. Muito além do sucesso

pessoal, se atribui aos alunos destacados pelo Quadro de Honra de 1951

uma missão para com a nação:

Com alegria renovada, Ecos publica anualmente a fotografia e o nome dos alunos mais distintos de cada classe pela boa aplicação e pelo ótimo procedimento. São almas viris que sabem sustentar a luta de cada dia para alcançar aquelas personalidades marcantes de que tanto carece a hora presente. “Caracteres bem temperados amanhã estarão no mundo como colunas. Servirão de apoio à massa dos fracos, dos hesitantes, dos inativos”(ECOS, 1951, s/n).

O trecho indica quais as qualidades que a pedagogia Marista

desejava. A virilidade é apontada como aspecto que falta à sociedade. A

resposta dos Irmãos é apresentar a construção de uma masculinidade com

valores de liderança, solidez moral e religiosidade. Louro (1995) percebe a

produção de sujeitos masculinos e cristãos no Guia Marista.

A missão desses jovens será conduzir a nação ao progresso, e

comandar as camadas subalternas formadas por “fracos” e “vagabundos”,

massa amorfa sem posição política, ou pior, pendente para as ideologias da

esquerda. Nas entrelinhas percebe-se o discurso conservador católico,

legitimando as diferenças sociais e as relações de dominação.

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O Arquidiocesano como instituição confessional respondia às críticas

promovidas pelos defensores da escola pública, laica e liberal. Afrânio

Peixoto (1923)56 responsabilizou o ensino secundário pela constituição de

uma elite dirigente dos mais ricos, e pedia por um sistema de ensino que

garantisse a conclusão dos estudos pelos jovens mais capazes. Por isso

condenou a exaltação dos méritos individuais e ações de emulação:

Suprimamos esses exames, todas as variedades de provas, de si tão pouco educativas porque o estímulo se dá pela competição pessoal, em si ou comparada, em vez de se fazer pela vantagem mesma dos conhecimentos, sem ameaças, sanções ou prêmios. O prêmio da virtude diz-se que é a mesma virtude, o mérito de aprender é conhecer e não apenas uma condecoração e um certificado (PEIXOTO, 1923, p.181-182).

Como defesa o Colégio Arquidiocesano esforçou-se em atestar a

superioridade de seus alunos e demonstrar que a excelência escolar estava

ao alcance de todos. Os periódicos também publicavam o Quadro de Honra

do Externato Nossa Senhora do Rosário57 que ofereceria curso primário

gratuito a duas classes: “Os 98 alunos que as compõe são oriundos de boas

famílias, na maioria necessitadas. Os pais muito se interessam pela formação

dos seus filhos” (ECOS, 1960, s/n). E as seguintes prerrogativas: “Cada fim

de ano, cerca de 20, dentre os melhores alunos matriculam-se no Colégio

Arquidiocesano, onde cursam o Ginásio e Cientifico” (ECOS, 1959, s/n).

A escolha desses melhores alunos não ocorria apenas com base nos

resultados alcançados. A realização de batalhas, entre Arqui e Rosário foi

56

Julio Afrânio Peixoto (1876-1947) médico, educador, e crítico-literário. Destaca Roballo (2009, p.4) que no plano da educação foi Diretor da Escola Normal do Rio de Janeiro em 1915, onde lecionou História da Educação no curso de formação de normalistas. Atuou também como Diretor Geral da Instrução Pública do Distrito Federal em1916. No ano de 1935 tornou-se o primeiro reitor da Universidade do Distrito Federal (UDF). Foi também autor de manuais pedagógicos, entre os quais, Ensinar a Ensinar (1923), utilizado nesse estudo, e Noções de História da Educação (1933). 57

Os registros escolares apontam a fundação do Externato Nossa Senhora do Rosário em 1938 e seu funcionamento até meados da década de 60, em anexo ao Colégio Arquidiocesano. A instituição ofereceria curso gratuito a duas classes de 3º e 4º primário. Percebe-se na Revista Echos de 1958 uma grande intenção em “captar”, entre os alunos, vocações para os Juvenatos Maristas, dedicados à formação de Irmãos. A vida religiosa era apresentada como uma possibilidade de carreira muito promissora para crianças de origem humilde que desejavam continuar os estudos.

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mencionada pelo 3º ano primário: “De modo especial, apreciamos e

gostamos muito das sabatinas e batalhas frequentes; até tivemos três

grandes batalhas contra o Externato” (ECOS, 1961, s/n). Para os

matriculados no Rosário a emulação mostrava-se mais acirrada, não bastava

destacar-se entre os iguais, era necessário equivaler-se aos oponentes do

colégio.

Octavio Augusto Speranzini foi exemplo do aluno meritório agraciado

com os estudos. Prêmio de Excelência desde o ingresso no 3o ano primário

do Externato Nossa Senhora do Rosário em 1953 até o encerramento do

curso colegial no ano de 1962. 58

Figura 21. Prêmio Excelência Octavio Speranzini e Darli Cusin, detalhe da página dedicada ao Externato Nossa Senhora do Rosário, Revista Ecos, 1953.

Figura 22. Prêmio Excelência Octavio Augusto Speranzini, detalhe da página

dedicada ao 2a série ginasial A, Ecos de 1957.

O peito estufado e olhar altivo de Octavio Speranzini ao exibir tantas

medalhas indicam o orgulho por sua conquista. Cada condecoração

materializa publicamente uma peleja vencida, nas muitas categorias que os

alunos disputavam. Ostentar esses símbolos de distinção era parte das

recompensas conferidas aos meritórios.

As medalhas funcionaram como importante recurso à educação

postural do corpo. Incentivando a pose ereta, o rosto inclinado ao alto, como

devem permanecer os homens dignos de admiração. O corpo desenvolve

técnicas na interação com os artefatos que o cercam, moldando gestos e

58

No ano de 1961 revista Ecos publicou pela última vez as premiações escolares, na qual Octavio Augusto Speranzini, no 2º ano colegial é homenageado na Galeria Ilustre.

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formas de expressão. O valor social agregado a essas comendas moldou o

aspecto físico daqueles que as exibiram.

Figura 23. Medalhas de Notas Semanais, Prêmio de Catequese, Posto de Honra, Prêmio de Religião e Prêmio de Excelência. Décadas de 1940 e 1950. Fonte: Acervo do

Memorial do Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo.

Ser presenteado com uma condecoração, foi por muito tempo,

homenagem destinada ao gênero masculino, referente às vitórias militares.

Ao conferi-las aos jovens estudantes sinalizavam o destino que cabe aos

homens, vencer as batalhas, reais ou simbólicas.

Octavio Speranzini foi apresentado como gênio da raça, escolhido

entre tantos, como merecedor de cursar o Colégio Arquidiocesano.

Ao oferecer como prêmio a continuação dos estudos reforçava o

discurso que atribuiu ao ensino secundário, a formação dos mais capazes,

naturalizou o mérito individual, e defendeu igualdade de condições,

independente das origens socioeconômicas.

Declínio na divulgação dos prêmios

A instituição utilizou-se da premiação dos alunos também como

propaganda, tornando públicas as proezas de seu corpo discente e êxitos

institucionais. Entre 1956 e 1961 os resultados parciais do Quadro de honra e

Prêmio de Excelência, foram publicados bimestralmente na revista O

Arquidiocesano. No ano de 1958 a Ecos publicou a edição comemorativa ao

centenário do Colégio Arquidiocesano e cinquentenário da presença Marista,

e nesta última ofereceu com riqueza de detalhes informações sobre

premiações.

Em 1959 o periódico reformulou seu projeto gráfico, e diminuindo o

número de páginas. Os relatos sobre prêmios foram drasticamente reduzidos,

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e a partir de 1962, não foram mais noticiados. O que não significou o fim das

práticas de premiação verificadas em boletins e medalhas, até meados da

década de 80.

A diminuição da publicidade pode ser creditada a vários fatores: os

elevados custos de produção das revistas; 59 o corpo discente ser nesse

momento composto principalmente por residentes na cidade de São Paulo; e

a crise no sistema de internato, impondo uma nova relação entre os sujeitos

e a instituição escolar.

***

As premiações promoveram os conteúdos didáticos das diferentes

disciplinas escolares, o conhecimento teórico da religião católica, e a vivência

espiritual em seus ritos, a educação do corpo pelo exercício esportivo e a

educação dos sentidos pelo aprendizado musical. Atividades que visavam o

desenvolvimento de habilidades intelectuais e sensibilidades, tais como a

capacidade de memorização, declamação, oratória, concentração,

competitividade, preocupação com trabalho, produção e aprimoramento

constante.

O sentido pedagógico dos prêmios era formar o indivíduo masculino,

moralmente virtuoso, católico praticante, intelectualmente erudito, com corpo

viril, sensibilidade refinada e altamente concorrencial: o Varão, a quem

caberia como destino social, ser elite dirigente católica.

59

A Revista O Arquidiocesano de 1961 esclarece que problemas de ordem técnica impediam que certas matérias saíssem na Revista Ecos. A ultima edição da Revista Ecos de 1963 apresenta a seguinte justificativa das expressivas mudanças: “Infelizmente os tempos de penúria e de vida difícil para todos, até para os “ECOS” não nos permitem ofertar-lhes uma revista mais volumosa, com maior número de fotografias, de instantâneos, de atividades”.

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CAPÍTULO 3 – CASTIGOS NO COLÉGIO ARQUIDIOCESANO

DE SÃO PAULO

_____________________________________________________________

O silêncio sobre os castigos

O silêncio sobre os castigos apresentou-se como desafio na

elaboração deste capítulo. O contato com as fontes produzidas pelo Colégio

Arquidiocesano de São Paulo revelou escassez de informações a respeito

dessas práticas. Essa ausência é lida como proposital, conforme nos

esclarece Dallabrida (2001). Diferente do caráter público das premiações, as

punições foram mantidas dentro das escolas.

As fontes escolhidas para a pesquisa também impuseram essa

limitação. O acervo do Memorial do Colégio Marista Arquidiocesano

preservou os documentos que a comunidade elegeu como dignos de sua

memória. Sem o cuidado de examinar a escola com historicidade, o registro

lido como “polêmico”, “negativo” ou “ultrapassado” foi descartado, caso dos

cadernos de ocorrências e das anotações dos Irmãos. As revistas

institucionais e fotografias, relatos oficiais e acessíveis ao público externo,

centraram-se na exaltação das solenidades, dos bons alunos e das

qualidades que a instituição gostaria de ver propagada para o leitor. Por esse

motivo procurou-se encontrar o castigo por outros caminhos.

O que é castigo escolar? O termo no campo jurídico relaciona-se a

pena para o delito cometido. Na teologia é associado à penitência, sofrimento

pelo pecado. Por ser o estudo da cultura escolar de uma instituição católica

identificou-se a relação com essas concepções.

O castigo escolar é geralmente apresentado pela historiografia como

um conceito autoexplicativo, mas constitui-se de um conjunto amplo de

práticas, com graus de violência e objetivos distintos. Por isso foi elaborada

uma breve tipologia com base na bibliografia, normativas, textos

pedagógicos, legislações educacionais e imagens sobre a escola.

O Guia das Escolas Maristas apresenta como o Instituto dos Irmãos

concebia as punições, e qual objetivo demandava a elas. Os prospectos do

Colégio Arquidiocesano (1905, 1925, 1936 e 1941) descrevem quais eram as

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sanções admissíveis. A leitura dos periódicos Echos do Collegio

Arquidiocesano e O Arquidiocesano buscou o castigo a “contrapelo” nos

dados marginais. A narrativa se desloca temporalmente, com o cruzamento

dessas informações, pinçadas em períodos distintos, buscando identificar as

práticas e sua finalidade pedagógica.

O que é castigar?

O ato de castigar envolve um conjunto amplo de ações distintas em

seus objetivos. O campo jurídico define o conceito de pena como castigo

como aquele que decorre em infração, crime ou falta, atendendo a prevenção

de condutas semelhantes ou simples punição. Alland e Rials (2012) afirmam

que pena e castigos são conceitos indissociáveis, porém, a partir do século

XVIII, Diderot, define a pena como procedente da autoridade soberana

enquanto o castigo emana de qualquer autoridade (ALLAND e RIALS, 2012,

p.1314).

Para França (1977) no direito clássico a pena é a compensação pelo

delito por meio de um sofrimento, definição que expressa o princípio religioso

e filosófico da época (FRANÇA, 1977, p.400). Lacoste (2004) aponta a pena

socialmente como ato contra o criminoso, e na religião, o castigo como

sofrimento pelo pecado (LACOSTE, 2004, p.1378).

O cristianismo define o pecado como transgressão da lei ou condição

moral que desagrada a Deus. Porto e Schlesinger (1995) apontam diferentes

simbolismos para o ato de pecar como: errar o alvo, seguir caminho tortuoso,

rebelar-se, ser infiel, mudo, vazio e hipócrita. O homem nasce carregando o

pecado original cometido por Adão e Eva, e por isso deve retomar a aliança

com Deus. Lacoste (2004) aponta o batismo como sacramento para perdão

deste pecado, enquanto as demais necessitam de arrependimento e

penitência (Lascoste, 2004, p.1382). Pecar é afastar-se ou ofender a Deus,

tornar-se alheio à fé, o que somente pode ser expiado por meio do sacrifício

ou sofrimento (PORTO e SCHLESINGER, 1995, p.2012-2013).

A penitência é a mortificação voluntária para obtenção do perdão pelos

pecados, não é ato momentâneo, mas um progredir em etapas: o exame da

consciência, o arrependimento sincero, o bom propósito de não incorrer em

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outras falhas, a confissão reconhecendo o erro, o cumprimento da obra de

caridade ou piedade (PORTO e SCHLESINGER, 1995, p.2025). Lacoste

(2004) indica que no cristianismo, quando Deus pune, trata-se de um bem

autêntico:

Já o castigo humano deve estar ao serviço de fins que testemunhem a conservação ou a redenção do mundo; é assim que existem “benefícios” ou vantagens da pena, que demostram a benevolência de Deus para com a sociedade quando ela se define moralmente a si mesma (LACOSTE, 2004, p.1379).

A Igreja administrou e fez uso de violência na formação de seus

quadros. Lanzieri Jr (2009) esclarece que o castigo físico era prática comum

na educação monástica medieval com o objetivo de atingir a elevação

espiritual pelo distanciamento dos valores mundanos. Os golpes com varas,

açoites e jejuns eram ações legítimas para incutir sobriedade e disciplina nos

discentes, (LANZIERI, 2009, pg.2), e justificadas na seguinte forma:

(...) se no começo de sua formação o homem é carne e não compreende a elevação espiritual, deve-se utilizar a linguagem que ele é capaz de absorver. Assim, é no corpo que ele sofre primeiro para entender as reais dimensões dos desacertos cometidos (LANZIERI, 2009, pg.5).

O uso da violência era justificado, pois a mão que açoitava era a do

mestre que amava e ensinava: “quem ama educa, mas também corrige e

pune. Uma punição para formar, preparar e salvar” (LANZIERI, 2009, pg.8).

A Regra de São Bento orienta a formação do monge pelo aprendizado

das virtudes que deve exercitar: obediência, silêncio e humildade. A punição

era apresentada como necessária. Aos mais jovens repressões com vara e

privação de alimento, no caso dos mais velhos deveria atingir a consciência.

O ato de castigar é uma constante no processo de escolarização

moderna, constituída ao longo do tempo, relevando uma violência em

camadas: o suplício da carne, a posição aflitiva, o confinamento, a

humilhação pública e a exclusão do grupo. Recursos utilizados com os

propósitos pedagógicos.

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O termo castigo foi adotado para diferentes ações e objetivos por isso

é apresentada uma breve tipologia. As práticas foram divididas em duas

categorias: castigos corporais e aflitivos e castigos morais e vexatórios. A

linha que separa essas ações é tênue, e o campo educacional apresentou

dificuldades em diferenciá-los. O objetivo não foi propor uma definição, mas

organizar a apresentação das ações de punição encontradas ao longo da

pesquisa. Para isso foi considerada a maneira como o ato punitivo era

concretizado e os conceitos de dicionários jurídicos.

Castigos corporais e aflitivos

Por castigo corporal foram consideradas as práticas que ferem

diretamente a carne, produzindo sensação de dor física. A historiografia da

educação aponta o uso e legalidade dessas ações do surgimento da

escolarização moderna no século XVI até o final do século XIX. Lemos (2012)

confere à palmatória o status de artefato que simboliza a cultura escolar do

século XIX:

Palmatória, férula, santa-luzia, menina dos cinco olhos, ou como narrou Pilar em Contos de Escola, os cinco olhos do diabo, muito nomes para um objeto que assim como o livro, a

carteira, as penas, marcou sua presença na escola e no imaginário da sociedade sobre a escola (LEMOS, 2012, p.628).

Figura 24. Palmatória utilizada para aplicar castigo na palma da mão. Os furos funcionavam como ventosas que a cada golpe provocavam dor e inchaço. Acervo do Centro

de Referência Mario Covas da Educação60

.

60

http://www.crmariocovas.sp.gov.br/txt_html/mem/obj/obj_a/f08_08b.html acesso 10/06/2014

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O uso da violência física foi recomendado na Conduite des Ecoles

Chretiennes e na Ratio Studiorum. Entre os jesuítas punir fisicamente era

parte das obrigações pedagógicas: “No dia da investidura como símbolo da

sua missão disciplinadora, recebia oficialmente o professor um chicote”

(FRANCA, 1952, p. 60).

A aplicação da punição não deveria ser feita pelo religioso, mas por

um corretor, homem moderado e sério sempre orientado pelo mestre, e na

presença de testemunhas. Os golpes de chicote ou palmatória não poderia

ultrapassar o número de seis, nem atingir a cabeça ou a face, não deveria

ferir ou humilhar, mas causar a dor (RATIO, p.43).

A Conduite dos Irmãos Lassalistas justificava ser a correção dos

alunos uma das questões mais importantes para a escola, e ser necessário

castigar inspirando-se no exemplo dos santos (LA SALLE, 1997, p.149). A

palmatória seria utilizada nos seguintes casos: não ter feito a lição, ter feito

barulho, chegar atrasado e não ter obedecido ao primeiro sinal. O uso da

vara e do chicote destinava-se aos que não obedeciam com presteza;

costumavam não fazer a lição; ficavam rabiscando a folha em vez de

escrever; aqueles que brigavam na rua ou na escola; não rezavam na igreja;

não guardavam a modéstia na missa; e ausentavam-se da missa ou do

catecismo (LA SALLE, 1997, p.152 -156). A punição deveria ser aplicada da

seguinte maneira:

Depois deste sinal, o aluno irá ao centro da classe, se colocará de joelhos, com as mãos juntas, o rosto virado para a sentença que tenha transgredido e, sem levantar muito a voz, pedirá perdão a Deus pela falta que tenha cometido e aceitará de boa vontade, por amor a Ele, a correção que vai receber. O professor lhe mostrará o lugar onde se aplicam os castigos e ele irá com modéstia, braços cruzados. Logo chegando ali, se disporá a recebê-los, de tal maneira que o professor não tenha que castigá-lo senão quando ele chegue. Além disso, se colocará de tal maneira que não seja visto de maneira pouco digna pelos outros estudantes (LA SALLE, 1997, p.172).61

61

Livre tradução. No original: “Después de esta señal, el alumno irá al centro del aula, se pondrá de rodillas, com las manos juntas, el rosto vuelto hacia la sentencia que ha transgredido y, sin levantar mucho la voz, pedirá perdón a Dios por la falta que ha cometido y aceptará de buena gana, por amor a Él, la corrección que va a recibir. El maestro le mostrará el lugar en donde se aplican los castigos y él irá con modestia, brazos cruzados. Apenas

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Os golpes de palmatória, vara e chicote foram utilizados em diferentes

modelos pedagógicos, e inspiraram representações visuais sobre a escola.

Como nas ilustrações da coleção de postais do Centre National de

Documentation Pedagogique - Museé National de l´Education de Rouen.

Figura 25. “Tout cela est pour ton bien” (Tudo isto é para o seu bem) Paris, 1830. Fonte: Centre National de Documentation Pedagogique - Museé National de l´Education de

Rouen.

No primeiro postal (figura 25) o professor pune o aluno com

palmatória, em uma cena que faz menção à educação doméstica e ao

método individual. O mestre foi retratado como figura monstruosa, cujo olhar

e sorriso expressam uma satisfação cruel perante o horror do menino. Sobre

a mesa a ausência de objetos chama a atenção, não há livros ou folhas,

apenas o tinteiro com pena e um chicote, simbolizando que instruir é castigar.

A caricatura faz a crítica à utilização dos castigos físicos, mas também ao

modelo de ensino, que estabelece uma relação estreita entre os sujeitos,

representada como nociva e viciada, fato reforçado pela legenda.

O segundo postal (figura 26) apresenta uma classe “multisseriada” na

qual um mestre escola utiliza-se de um instrumento de correção para castigar

duas crianças. O uso do método individual faz com que cada criança esteja

dedicada a uma atividade, enquanto um recebe o ponto, outro escreve, um

grupo lê e há quem sonhe fugir pela janela. O banco e materiais escolares

tombados ao chão fornecem indícios da falta cometida. As reações

haya llegado allí, se dispondrá a recibirlos de tal manera que el maestro no tenga sino que dárselos cuando él llegue. Se dispondrá, además, de tal modo que no pueda ser visto de manera poco decente por ninguno de los estudiantes”.

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antagônicas dos alunos castigados indica a existência de punições de acordo

com gênero e idade.

Figura 26. “Scène de Classe” ( Cena de aula) Chibourg, 1842. Fonte: Centre National de Documentation Pedagogique - Museé National de l´Education de Rouen.

A escola é retratada como lugar no qual dor pelo castigo é imposição

ao aprendizado. Além disso, o método individual de ensino foi caracterizado

nas imagens pelo espaço improvisado e desorganização, intenção que não

pode passar despercebida, pois parecem propagar um pedido por outro tipo

de organização escolar, menos conturbada.62

No início do século XX a legislação de ensino brasileira proibia, mas a

punição física permanecia. Um inquérito foi aberto por Benedito H. Marques

Jr., diretor do Grupo Escolar de Jaboticabal, que apurou a denúncia contra o

professor Canuto Horman, que admitiu ter puxado a orelha do aluno André

Serafim (INSPETORIA GERAL DE ENSINO, 12/08/1908, s/n). 63

As críticas e a proibição do uso de castigos corporais contribuíram

para o aperfeiçoamento de outras formas de penalizar. As punições aflitivas

utilizavam táticas que reuniam violência física, humilhações e exercícios

mentais, mas não deveriam ferir diretamente o corpo.

62

"Método individual de ensino" (verbete). Dicionário Interativo da Educação Brasileira - EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2002, http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=276, acesso em 15/01/2014. 63

Arquivo Público do Estado de São Paulo. Fundo: Secretaria do Interior. Inspetoria Geral do Ensino. Ordem 7030. Caixa 425. Ano 1908.

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A penitência é um exemplo, considerada benéfica na Conduite, por

não deixava as marcas de açoitamento, que, às vezes, desagradava às

famílias. Consistia basicamente em ficar um longo tempo de joelhos,

permanecer muito tempo em pé, decorar páginas de um livro, entre outros

(La Salle, 1997, p.175-176).

A divulgação do método Lancasteriano feita por Hipólito da Costa no

Correio Brasiliense de 1816 64 , sugeria castigos que, teoricamente,

eliminariam a cruel dor física e proporcionariam mais aflição pela vergonha:

Quando a reprehensão deixa de produzir effeito por ser muitas vezes repetida, se põem ao pescoço do menino um pedaço de páo, com que volta para o seu assento. Se este castigo não basta, ha uma espécie de grilhão de páo que se põem n'uma perna; e ás vezes se põem dous ou três, de maneira que o menino tem difficuldade em andar: neste estado he obrigado a andar duas ou três vezes ao redor da salla, e mostrar-se a seus condiscipulos; de maneira que o delinqüente se acha feliz em ver-se livre daquelle trabalho, e voltar á sua occupação ordinária. Algumas vezes se põem os grilhoens em ambas as pernas, e por fim se lhe ata também um braço; e este castigo he mui próprio aos rapazes, que deixam sem necessidade os seus lugares para ir vadiar. Outro castigo mais áspero he metter o menino em uma gaiola, que se suspende no meio da salla, por meia hora, ou uma hora, segundo a sentença; ali serve elle de exemplo visível aos demais; e por isso he o mais sensível castigo que se pôde dar ao menino, que tem chegado á classe de decurião (BASTOS, 2005, p.222).

Não foi encontrada nenhuma evidencia que essas ações tenham sido

adotadas em escolas, mas verifica-se que técnicas de tortura foram

sugeridas, não sendo na época consideradas exemplo de violência física.

Essas punições caracterizam um tipo específico de castigo. A aflição do

colega, pública e espetacularizada, a semelhança de um auto de fé,

promoveria o aprendizado das condutas pelo exemplo.

Antônio de Almeida Oliveira no livro “O ensino publico” (1874) 65 ,

defendia a exemplo da Suíça, o encarceramento dos alunos em salas

64

Este documento digitalizado é anexo do texto de BASTOS, Maria Helena Câmara. A Educação Elementar e o Método Lancaster no Correio Braziliense (1816). História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 17, 2005, abr., pp. 193-195.

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especiais na escola. O modelo indica a punição pela “penitência”, por meio

do confinamento e privação de alimentos:

Logo que um tem commettido faltas, de que não se emenda por admoestações e outros meios, é levado a uma sala, que se chama sala de reflexão. Se elle ahi grita ou se revolta contra o castigo ou se passado o tempo da reflexão é posto em liberdade, mas não se mostra corrigido, levam-no para outra sala já inferior à primeira, onde passa o dobro do tempo que esteve nesta. (...) Se nesta succede o mesmo diminuem-lhe a comida e passam-no para uma sala pequena e quasi escura, mas nem por isso sem arejo, onde elle fica recluso dois ou mais dias, tendo por leito um duro enxergão. Com estes castigos tenho ouvido dizer que não ha gênio que se não dome, obstinação ou índole que se não vença. (OLIVEIRA, 1874, p.192-193)

A proposta de “escola-prisão” foi execrada, como verifica-se no livro

“Curso Practico de Pedagogia” (1874) de Joaquim Pires Machado Portella, 66

como indigno ao aluno e professor. Todavia a prática de confinar crianças

nas escolas, em salas e até armários, é descrita em memórias. Retirar a

liberdade de um estudante na forma de penitência significa que o castigo

escolar almejava a expiração da culpa, conforme o campo jurídico e religioso

a entendiam, o erro prescinde de reparação.

Castigos morais e vexatórios

Entre fins do século XIX e início do XX eram intensas as discussões

entre educadores sobre os malefícios das punições físicas, que deveriam ser

abandonadas e substituídas por castigos morais. Dalcin (2005) afirma

dificuldade em definir essas punições: inclui os bancos de castigo, a

humilhação pública, ter o nome escrito abaixo do termo vadio, a classificação

e a comparação entre alunos (Dalcin, 2005, p.93-104).

65

O nome completo do livro é “O ensino publico : obra destinada a mostrar o estado, em que se acha, e as reformas que exigem a instrução publica no Brasil”. 66

O nome completo da obra é “Curso Practico de Pedagogia destinado aos alumnos-mestres das Escholas Normaes Primarias e aos Instituidores em exercicio”. Trata-se de uma tradução feita da obra de Mr. Daligaut, diretor da Escola Normal Primaria de Alencon, autor que segundo Joaquim Pires Machado Portella, era o referencial para o funcionamento de várias instituições de formação docente francesas. O “Compendio de Pedagogia Prática”, 1886, de Joaquim José de Araujo, para a provincial de Maceió, também é traducão de um livro de Mr. Daligaut.

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Em “Lições de pedagogia” (1907) Antonio Figueirinha afirma que para

a alma infantil existem dois estímulos – a vergonha ou a glória. Hipólito da

Costa sugeriu formas de punição na qual os colegas seriam mobilizados

como corretores:

Os meninos, que reiteram suas culpas são todos junctos n'uma cadea pelo pescoso; e assim se obrigam a andar para trás no meio da eschola; castigo que lhes he ignominioso, quando se dá ao mesmo tempo em que outros estão recebendo prêmios. Alem disto ha labeos, que se penduram ao pescoço dos meninos, e em que se descreve o seu crime; e também uma mitra de papel com a conveniente inscripção. A isto se chama proclamar o delicto em publico. Se o menino vem para a eschola sujo; uma das meninas vem lavar-lhe a cara em frente de toda a eschola; e he instruida a dar-lhes alguns bofetoens, um só castigo desta sorte faz que os meninos venham todos limpos para a eschola por todo o mez seguinte (....) O castigo mais exemplar, que se usa nestas escholas he se Baixa de três caudas (tem-se inventado nomes para os differentes castigos; o que he mui útil, e deve ser apropriado ao gênio e rifoens de cada língua.) Ha para isto nas escholas um certo vestido que se mostra como cousa mui ridicula; e o menino sentenciado a este castigo, toma o tal vestido, e sentase em um lugar conspicuo da eschola, com um labeo em letras grandes chamando-lhe o Baixa de três caudas (BASTOS, 2005, p.222-223).

Ficar preso aos colegas em exercício torturante, ser lavado em

público recebendo bofetadas, obrigado a trajar-se de forma ridícula, provam

que há punições mais detestáveis do que ferir a carne. Hipólito da Costa

defendeu as penas sugeridas como melhores que os açoites, por não causar

prejuízo à saúde dos meninos, e produzirem efeito no espírito dos colegas. A

educação pelo horror é negada pelo autor:

Em uma palavra, na educação da mocidade he necessário dirigir o espírito, e não atemorizallo: a pena corporal inspira terror, a pena espiritual conduz à reflexão: a dôr física he temporária; a afflicção moral he duradoira: a obstinação resiste ao soffrimento do corpo, mas o ente que reflecte cede à igonominia da opinião (BASTOS, 2005, p. 223).

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O trecho é elucidativo, a dor física é momentânea e atinge apenas o

castigado, que sofre sozinho, enquanto a desonra e a infâmia pública,

marcam o sujeito socialmente. A punição é partilhada pelos colegas,

produzindo medo e também desencadeando rejeições em relação ao punido.

Esses elementos vexatórios eram símbolos compartilhados e valorizavam um

certo sadismo grupal.

As imagens sobre o castigo do “signo” trazem pistas sobre como era

aplicado:

Figura 27. Ecole Chrétienne à Versailles” (Escola Cristã de Versalhes), 1839. Fonte:

Centre National de Documentation Pedagogique - Museé National de l´Education de Rouen.

No terceiro postal (figura 27) uma aluna é castigada, de joelhos, com o

signo remetendo à falta cometida, e o livro como tarefa que compõe a pena.

A cena acontece em uma sala de aula de escola católica para meninas. A

religiosa que recebe de um pai a filha a ser instruída, afirma a concordância

de ambos com a punição. A sala com imagens religiosas lembra a vigilância

e o exemplo de santidade pelo sofrimento. A aluna aceita a correção,

enquanto as colegas realizam tarefas sem lhe dirigir o olhar. O ensino

coletivo, simultâneo é representado como organizado e racional.67

67

O método simultâneo foi criado por São João Baptista de La Salle (1651-1719) e inicialmente adotado nas Escolas Cristãs dos Irmãos, visando atender um grande número de alunos, divididos em subgrupos de acordo com seu desenvolvimento. A cada professor cabia atender até três classes. O método simultâneo superou o ensino individual. http://historiadaeducacaobrasileira.wordpress.com/modelos-de-organizacao-escolar/ acesso em 15/01/2014. “Método simultâneo" (verbete). Dicionário Interativo da Educação Brasileira - EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2002, http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=277, acesso em 15/01/2014.

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Permanecer de joelhos apresenta-se como um habitus entre os

castigos, presente em diferentes prescrições e períodos. Estar ajoelhado

coloca o indivíduo em posição de penitência religiosa, na qual se expressa

sua submissão em razão da inferioridade moral.

Figura 28. “Un futur savant” (Um futuro cientista). 1880. Fonte: Centre National de Documentation Pedagogique - Museé National de l´Education de Roeun.

O quarto postal (figura 28) é uma cena escolar feita por Jules-Henri-

Jean Geoffroy 68. A pintura apresenta um menino com um chapéu de papel

com a inscrição “asno”. A criança constrangida esconde o rosto, ao lado,

seus colegas comem, escrevem e divertem-se com seu castigo. A ilustração

sugere que esse é um horário de lanche, de convivência entre pares, o que

justifica a ausência de adultos.

A punição pela exposição apresenta-se como “sistema” no qual

colegas participam como algozes, mesmo que o poder de castigar esteja na

mão do professor. Existem gestos de crueldade na cena e na legenda,

reproduzindo a ironia das brincadeiras infantis.

68

A imagem constitui uma série de cenas escolares feita por Jules-Henri-Jean Geoffroy (185? – 1924) pintor francês. Produziu também cenas sobre infância e vida doméstica, temática na qual se insere a gravura analisada. http://historiadaeducacaobrasileira.wordpress.com/o-olhar-de-jean-geoffroy/ Acesso:15/01/2014

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As punições na pedagogia Marista

O Guia das Escolas Maristas ofereceu entendimento sobre como os

Maristas concebiam a necessidade de castigar e serviu de parâmetro para a

atuação docente. A segunda parte do texto apresenta o que o Instituto dos

Irmãos entendia por educação. Algo além da simples instrução que envolvia

o desenvolvimento integral do menino da seguinte forma:

Educar um menino é desenvolver, fortalecer, aperfeiçoar todas as faculdades da sua alma; é, sobretudo, formar o coração, a consciência e o discernimento. Para se formar o coração e o caráter do menino é necessário inspirar-lhe amor à virtude e corrigi-lo de seus vícios e defeitos (GUIA, 1994, p. 217).

Educar segundo a filosofia Marista significa a formação do espírito e

da consciência, o que torna a correção dos vícios e defeitos uma medida

essencial. Para castigar é preciso considerar a natureza da falta, a

maturidade do menino e as intenções: “As mentiras, as desobediências

premeditadas, as palavras e ações indecorosas, o furto e as faltas contra

Deus requerem especiais cuidados na correção” (GUIA, 1994, p. 218).

Percebe-se nesse trecho que a falta decorre do que se concebe por

pecado, partindo dos 10 mandamentos, considerados pelos cristãos deveres

dos homens para com Deus, o próximo e a Igreja.69

O Guia ao relacionar o erro à ideia de pecado interpreta a falta não

com valor pedagógico, mas como falha moral, que precisava ser extirpada. A

correção para a pedagogia Marista garantiria o bom funcionamento da escola

e a missão de formar uma consciência virtuosa.

Os temas organização e disciplina da escola são abordados na

primeira parte do Guia das Escolas Maristas. O capítulo XII - Sobre as

Punições, traz na 1a seção os deveres dos mestres relativos aos castigos:

prevenir as faltas, punir pouco e aliar brandura e firmeza.

69

Para o cristianismo os 10 mandamentos da lei de Deus são: 1º - Amar a Deus sobre todas as coisas; 2º - Não usar o santo nome de Deus em vão; 3º - Guardar o domingo e dias santos; 4º - Honrar pai e mãe; 5º - Não matar; 6º - Guardar castidade nas palavras e nas obras; 7º - Não roubar; 8º - Não levantar falsos testemunhos; 9º - Guardar castidade nos pensamentos e nos desejos; 10º- Não cobiçar as coisas do próximo.

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A prevenção depende da vigilância constante e do procedimento

exemplar do docente, o silêncio deve ser observado e a atenção aos alunos

deve ser constante (GUIA, 1994, p.187). Punir o menos possível, já que

vários erros são cometidos por distração da idade e devem ser perdoados.

Nunca o irmão professor castiga a pedido dos pais (GUIA, 1994, p.188), é

necessário separar o âmbito escolar do familiar.

Castigar com brandura e firmeza significava sem excessos que

gerassem revolta contra a escola, ou com tanta mansidão que resultassem

na indiferença do aluno. Ambas seriam prejudiciais à autoridade docente

(GUIA, 1994, p.189-190). No ato de punir o mestre deve dominar-se: “Um

Irmão não deve recear em dizer a um menino: Hoje não o castigo por que

estou zangado com você” (GUIA, 1994, p.190).

O Guia de Escolas Maristas legitima o castigo operado na escola como

um prolongamento do poder temporal e espiritual e justifica sua aplicação,

quando proveniente de intenções puras do mestre, para os seguintes casos:

1º o bem do aluno que se afastou do dever, o desejo de corrigir seus defeitos e torná-lo melhor; 2º o proveito dos outros alunos, quando a impunidade poderia, no caso, escandalizá-los e incitá-los a praticar os mesmos atos; 3º a manutenção da boa ordem e disciplina na escola (GUIA, 1994, p.191).

Os benefícios dos castigos nessas situações dependeriam também

dos critérios indicados na 2a seção do Capítulo XII, entre os quais, ser justo,

proporcional, moderado, tranquilo, honesto, voluntário, respeitoso e

silencioso (GUIA, 1994, p.191-193). De acordo com a 3a seção, antes da

aplicação dos castigos o Irmão deve fazer a correção por palavras, sob a

forma de advertência, repreensão ou ameaças de punição:

É tão necessário ser cauto e prudente nas ameaças e promessas feitas aos meninos, quanto fiel em manter a palavra empenhada em relação a punições e recompensas; perde-se a confiança dos meninos se se lhes falta com palavra empenhada, porque são naturalmente sinceros e autênticos. Se não quisermos que venham a perder tão preciosas qualidades, todas as palavras que lhes forem

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dirigidas devem fazê-los amar a verdade (GUIA, 1994, p.194).

O trecho aponta a relação entre prêmios e castigos na escola, e a

importância creditada a ambas. Não se deve correr o risco de perder a

eficácia desses métodos por uma dificuldade em concretizá-lo.

O Guia apresenta na 4a seção – os pensums: as linhas70. O aluno

penalizado perde o recreio e deve executar uma lição ou exercício, que

consistia em copiar ou decorar um determinado número de linhas de alguma

lição, poesia ou lembrete de obrigação e que era descrita como punição

agradável de aplicar, benéfica aos alunos e bem vista pelos pais. As linhas

expressam o aprendizado pela repetição e memorização de conteúdos. Para

a execução desse castigo era fundamental a figura do monitor, auxiliar do

docente, responsável por anotar e receber as tarefas.

O capítulo XII do Guia das Escolas Maristas, sobre as punições,

apresenta na 5a seção os castigos admitidos em suas escolas:

1º Nota de comportamento e de desempenho. Quando um menino acumula notas baixas poderá ser punido de acordo com os critérios estabelecidos; tais notas poderão ser retificadas, e até mesmo canceladas se mudar sua conduta e melhorar o desempenho. 2º O registro de ocorrência no quadro negro. Escrevem-se os nomes dos culpados num quadro que fica à vista de todos. Tais nomes ficam expostos até que os alunos tenham reparado sua falta por um procedimento exemplar. Este castigo produz um efeito, mas deve ser muito raro; não deve ser infligindo mais de quatro ou cinco vezes ao mês. 3º A exoneração de um cargo. Este castigo é resevado aos oficiais. A deposição poderá ser definitiva ou temporária, conforme a gravidade da falta. 4º Os “pensums” a serem escritos ou memorizados. Tal castigo deverá ser aplicado principalmente aos alunos que não realizam os trabalhos escritos ou que os fazem mal. 5º Castigos como: 1º) ficar de pé no lugar ou no meio da sala de aula; 2º) fica de pé durante algum tempo com o rosto voltado para a parede; 3º) passar o tempo de recreio num canto do pátio, em pé, em silêncio, sozinho e sem poder

70

A tradução preocupa-se em esclarecer que a palavra pensum vem do latim (tarefa, ou trabalho) e foi comumente usada nas escolas Maristas na França, como lição extra imposta ao aluno como punição. O número de linhas variaria de acordo com a pena, mas nunca

ultrapassando 10 linhas. No Brasil foi traduzido como “linhas”, pois consistia em um número de linhas da lição a ser escritas ou decoradas (Guia, 1994, p.194).

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brincar; 4º) percorrer o pátio, sozinho e em silêncio, durante o tempo de recreio. 6º O “lugar de confinamento ou da desonra” é um canto da sala de aula considerado como o reduto da preguiça e do mau comportamento. Os meninos somente serão postos nesse lugar por faltas e negligências graves, e nele permanecerão o mínimo possível, a fim de inspirar-lhes o salutar temor de para lá serem enviados. 7º A colocação em posição de joelhos no meio da sala ou junto à porta, do lado de dentro, quando os alunos saem ou entram. 8º A suspensão das aulas. Este castigo só pode ser infligindo, por alguns dias, em razão de faltas muito graves e após comunicação aos pais. 9º O “signo”: o signo é um toco de madeira ou um cartão com inscrição. Pode haver um para conversas, outro para negligências, outro para falta de asseio, cada um com o letreiro apropriado: tagarela, preguiçoso, sujo. O menino que houver faltado mais vezes com o silêncio, durante dado tempo, receberá o signo da tagarelice; ficará obrigado a mantê-lo no bolso e a cuidar dele até que outro menino haja merecido o mesmo castigo e o substitua (...)Entretanto, o signo poderá ser retirado do menino quando corrigir a falta que ocasionou sua recepção. 10º A pontualidade máxima. É exigida daqueles que não são pontuais e consiste em obrigá-los a chegar entre os primeiros em determinados dias. 11º A férula ou palmatória. Far-se-á uso deste castigo tão somente quando todos os recursos disciplinares e corretivos se esgotarem. A férula servirá a uma única batida na palma da mão esquerda, em casos extremamente raros, e nunca será infligido aos alunos menores e àqueles que tiverem a mão machucada (GUIA, 1994, p.195-197).

O trecho revela o que se punia: a quebra do silêncio, a falta de higiene,

a falta de pontualidade, a preguiça, não realizar as lições escolares, ou ser

negligente com as tarefas e atividades propostas e o mau procedimento,

entendido como falta de piedade e comportamento inadequado.

A penitência está inserida nas sanções, manter o aluno de joelhos ou

em pé, forçado ao isolamento e em tarefas de repetição, indício de que há

uma associação entre erro e pecado e reincidência de práticas que ferem o

corpo e causam marcas morais. Executada de forma pública e perante a

classe, a punição era usufruída por todos e promovia o aprendizado das

condutas esperadas pela escola por meio do exemplo.

O uso dos castigos aflitivos e da própria palmatória mostra-se

incoerente com o discurso de Marcelino Champagnat. O Guia das Escolas

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Maristas adiante esclarece que o seu emprego não é autorizado, mas,

tolerado em casos extremos, e desaconselha qualquer ação dessa espécie,

apesar de prescrevê-las nos outros tópicos (GUIA, 1994, p.197) 71. O texto

adverte ser proibido bater nos meninos com mãos, pés, vara ou o sinal72,

puxar as orelhas e os cabelos, beliscá-los e sacudi-los com violência,

encerrá-los em cubículos ou retê-los na escola após a aula. Ao impor de

forma escrita essas restrições o Guia nos oferece uma amostra dos excessos

que comumente aconteciam nas escolas do período.

O Guia orienta que o castigo deve ser aplicado publicamente para que

não haja margem a argumentações, e nunca em ações que podem prejudicar

a saúde do menino: sentar no chão com pés erguidos, manter os braços

estendidos em cruz, permanecer muito tempo de joelhos ou exposto ao frio

em pátios e corredores (GUIA, 1994, pg.197).

Na 6a seção é abordada a expulsão, última e mais grave penalização,

aplicada ao comportamento licencioso e danoso para os demais, como por

exemplo, furtar, faltar aos ofícios religiosos, ridicularizar instruções e

advertências e induzir os colegas à desobediência (GUIA, 1994, p.198).

As condutas dignas de exclusão pautam-se em valores morais, Julia

(2001) lembra que a escola é lugar de adequação dos indivíduos: “A cultura

escolar desemboca aqui no remodelamento dos comportamentos, na

profunda formação do caráter e das almas que passa por uma disciplina do

corpo e por uma direção das consciências” (JULIA, 2001, p.22).

O Guia reconhece a infância enquanto etapa de maturação. A

ascendência do Irmão sobre o aluno está em ser um exemplo moral. Os

olhares e sinais cumprem funções corretivas e o aprendizado dos códigos

simbólicos da escola.

Não é o tipo de punição, mas o mestre que a conduz, que garante sua

eficácia. O regulamento estipula as sanções permitidas, mas era o professor

quem as executava a partir de seu entendimento. A preocupação estava em

ministrar o castigo em meio a parâmetros que o legitimariam como: justiça,

71

A possibilidade de castigo físico não aparece na reedição do Guia das Escolas Maristas, feito em 2009, a partir da versão francesa de 1932. 72

O sinal era um pequeno instrumento confeccionado em madeira e metal que emitia um som por meio de um estalo. Era utilizado nas escolas para marcar o início ou finalização das atividades e chamar atenção dos alunos para as ordens do professor.

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moderação, honestidade e respeito, o que indicava um esforço para a

naturalização da prática, diminuindo a resistência dos alunos.

No campo pedagógico brasileiro, intelectuais como Lourenço Filho73

(1937), José Silvestre Camargo (1935) e Sampaio Dória (1914) repudiavam o

uso das punições, como prejudiciais ao desenvolvimento da personalidade e

recurso de uma metodologia ineficaz, e afirmavam:

A necessidade de castigo está na razão inversa da valia dos métodos empregados. Em certas escolas, o castigo é o recurso de se obter a atenção dos alumnos, ainda que tão feio estilo possa tornar a sciência odiósa, e embotar o brio às crianças. É a escola do rancor e da mentira (DÓRIA, 1914, p.107-108).

A literatura educacional do período também se posicionou favorável ao

ato de castigar. Firmino Costa (1921) sugeria a disciplina pelo sistema de

relações naturais de Spencer, no qual a punição reflete a falta cometida. Afro

do Amaral Fontoura (1949) defendeu o castigo como tratamento ao aluno

desajustado, devendo ter relação direta com as recompensas escolares.

A recusa de alguns desses educadores em relação aos prêmios e

castigos evidencia a contestação frente às práticas que por muito tempo

foram naturalizadas no âmbito escolar. Ao mesmo tempo em que propunham

uma reflexão sobre o papel social da escola, os objetivos com a difusão da

escolarização, o indivíduo que se desejava formar, também questionavam

quais eram os meios legítimos a serem articulados para o êxito de suas

propostas.

73

Manuel Bergström Lourenço Filho (1897 - 1970) foi um educador e pedagogista brasileiro conhecido sobretudo por sua participação no movimento dos pioneiros da Escola Nova. Em 1922, a convite do governo cearense, assume o cargo de Diretor da Instrução Pública e leciona na Escola Normal de Fortaleza. No mesmo ano realiza reformas educacionais no Ceará. Lecionou na Escola Normal de Piracicaba durante o ano de 1924. Em seguida, assume a vaga de Psicologia e Pedagogia da Escola Normal de São Paulo, função que ocupa por seis anos, fervilhantes de pródiga produção, de muitas publicações, inclusive traduções.

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Os castigos do Colégio Arquidiocesano de São Paulo

A ideia de vigilância como prevenção à falta e consequentemente do

castigo, que foi descrita no Guia Marista deixou suas marcas na conduta dos

Irmãos professores e também na arquitetura das escolas. Não há dentro de

uma instituição católica melhor vigilante do que Deus. Nos dois edifícios que

o Colégio Arquidiocesano ocupou, a presença do sagrado se fazia constante,

na capela, em vitrais, na iconografia religiosa e em artefatos fixados nas

salas de aula.

Figura 29. A placa Deus me vê era colocada nas diversas dependências do Colégio tanto no bairro da Luz, quanto na Vila Mariana, conforme é possível verificar nos registros fotográficos da década de 30. Acervo Memorial do Colégio Arquidiocesano de São Paulo.

A placa Deus me vê foi usada nas paredes para lembrar a vigilância da

qual não se pode escapar. O retrato do Padre Marcelino Champagnat,

cumpria a mesma função, fazer lembrar a presença santa e vigilante, e

pontuar o exemplo de virtuosidade a ser seguido. Contudo, vigiar não foi

considerado suficiente, a natureza dos meninos estaria inclinada à falta, e a

necessidade de punir era inevitável.

O Prospecto do Collegio Diocesano de 1905, como foi dito

anteriormente, reproduz o regimento do Ginásio Nacional, descrevendo na

seção destinada aos meios disciplinares, as sanções admissíveis, perante o

conjunto de legislações de ensino da época:

Art. 78 – Os meios disciplinares usados pelo collegio para estimulo dos alumnos são os seguintes: 1. Notas más; 2. Copia de lições ou de sentenças moraes;

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3. Reprehensão em particular; 4. Reprehensão em público; 5. Privação de recreio 6. Privação de sahida; 7. Aviso aos paes por meio de memorandum; 8. Exclusão definitiva do collegio (PROSPECTO,1905, s/n).

As sanções não são divulgadas como forma de punir, mas de

estimular os alunos. A primeira falta lembra o sistema de premiações

existente a partir dos resultados individuais. A atividade de cópia mais do que

o reforço da escrita, desejava promover lições morais pela repetição. A

repressão pública promove o aprendizado de condutas pelo exemplo do

outro. A escola era proibida de punir com mais rigor, a família não. Aos pais

foi transferida a responsabilidade de castigar fisicamente em nome do bom

funcionamento da escola.

O Prospecto do Collegio Archidiocesano de 1925 apresenta no artigo

30 do regimento os princípios da educação, e como as disposições

disciplinares são entendidas e acionadas.

Guarda da honra e da virtude dos educandos, alma do progresso e do bem estar em toda casa de educação, a disciplina é exercida com paternidade e justiça. Guiados pelos princípios da caridade christã, os Mestres envidam os seus esforços para levar os alumnos por meios suasorios ao cumprimento do dever; estes meios por excellencia são: a formação da consciencia, o temor de Deus, o sentimento do dever e da propria dignidade (PROSPECTO, 1925, p.9).

A disciplina é nesse trecho legitimada como necessária ao progresso

do educando. A adesão do aluno às regras e deveres é fruto da sua

consciência bem trabalhada pela escola. Essa parte do discurso assemelha-

se ao dos pedagogos que defendiam a disciplina pela obediência espontânea

da criança. A diferença na proposta do Colégio Arquidiocesano se faz no

reconhecimento da fé e no uso dos prêmios ou punições como estímulo. Os

castigos admitidos são descritos no parágrafo 32 do regimento incluso em

seu Prospecto:

Os castigos admitidos são: 1º repreensão em particular ou em público; 2º lição ou trabalho para escrever; 3º lição para

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aprender; 4º privação de recreio; 5º privação da saída (PROSPECTO, 1925, p.9).

Os castigos revestem-se em tarefas, lição para escrever e aprender,

respectivamente a cópia e memorização de textos. A indisciplina é a

oposição ao bom estudo, que deve ser combatida aumentando a carga de

atividades, antídoto contra a falta de ânimo com as atividades propostas.

A escola se caracteriza pelo controle que exerce sobre o tempo, a

privação do recreio e da saída, interferem no lazer. A revista Echos de 1912

oferece informações sobre o efeito da punição: “Todos adoram o recreio. E

os infelizes que devem ficar algum tempo “de coluna”, “de barriguda”, “no

pau”, etc., o adoram ainda mais que os outros. Suspiram pela liberação, por

um bem que perderam” (ECHOS, 1912, pg.21-22).

Esse castigo era tão corriqueiro que foi ilustrado na revista Ecos em

1947. A página reproduz uma carta e fotografias sobre a vida no internato,

entre as quais, os desenhos que revelam a punição: permanecer em pé

olhando para a parede, ou isolado no recreio sem poder brincar ou falar com

os colegas.

Figura 30. A perda da diversão, a imposição da solidão e silêncio aos castigados foram ilustrados na revista Ecos de 1947, como aspecto do cotidiano em internato.

A perda dos momentos de diversão era defendida como castigo para

os meninos preguiçosos. Os novos alunos foram advertidos na edição de

1918, sobre o início do ano letivo em internato:

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Os antigos e bons alumnos vêem chegar com satisfacção, com prazer, a data de entrada; breve como outrora, distinguir-se-ão pelo exemplar procedimento e optima applicação; para os vadios, e sempre se encontram alguns, a scena é outra. Cedem estes é verdade, à necessidade; obedecem a seus paes, porém, negros e tempestuosos são os horizontes; já antevêem o árduo estudo, a labuta diária, o despertar matinal e , quiçá, horas de solidão de silencio enquanto brincam os companheiros (ECHOS, 1918, p.19).

A prática de manter o aluno em pé e silêncio não se limitava aos

recreios, era também aplicada na sala de aula, conforme descrito pelo aluno

Irineu Almeida do 3o ginasial A de 1957:

“Os Irmãos sempre nos suportavam; mas às vezes alguns alunos foram convidados a guardar a porta. O capitão da guarda era o Fernando, cargo em que o Jesuíno o revezava”. Irineu Almeida (ECOS, 1957, s/n).

A punição seria acionada para a quebra do silêncio, mau

comportamento e não fazer a lição. O castigo era também aplicado a quem

não havia estudado ou não oferecesse resposta correta, como no trecho a

seguir:

Eu como novato nada tive contra os professores e regentes, a não ser de vez em quando, ao receber um castigo, sentia uma pequena pancadinha no peito, mas logo após passava. O mais interessante é que, quando eu trazia a lição sabida, os professores não me perguntavam e quando, por uma falha do “depois eu estudo” a pergunta vinha, e eu naufragava. Falta de sorte. Benedito Chiaradia - 2ª serie ginasial B. (ECOS, 1959, s/n)

As repreensões também eram muito utilizadas pelos Irmãos e

objetivavam chamar a atenção do aluno por meio de palavras e gestos,

conforme indicado neste fragmentos:

4a série ginasial B - “Acostumados com as “broncas cientificas” do Ir. Virgílio, com os “murros” do Ir. Joaquim, com a “dor-de-cabeça” da matemática e com as “sabatinas improviso” dos Irmãos Francisco e Caledônio, nossa classe vai de vento em popa, embora às vezes mais o vento pare de soprar (ECOS, 1960, s/n)

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A dificuldade de aprender ou realizar as lições era a causa da irritação

do Ir. Regente do 2o ginasial A de 1955: “Nosso titular às vezes grita com os

mais atrasados, mas eu sei que ele estima a todos desde o 1º até o último”

(ECOS, 1955, s/n). Sobre o início de vida no internato o aluno L.A.R.P relata

o castigo recebido no primeiro dia de aula:

Nem bem havia sentado, fui logo correndo a sala com os olhos, para estudar as expressões dos meus novos companheiros. Nisto senti um “coque”, o primeiro da longa série que levaria, quando estivesse distraído no estudo. Não era dado com raiva, nem com força, nem sequer doera, mas simplesmente serviria para mostrar que eu não estava agindo direito: errara em algo (O ARQUIDIOCESANO, 1959, mar./abr., p.25).

O aluno que apresenta alguma dificuldade para aprender causa

incômodo em um ambiente que espera uma sincronização nas ações

executadas pelos alunos, e de certa forma é uma afronta à qualidade do

ensino e eficácia dos métodos pedagógicos. Os períodos institucionais eram

muito cuidadosos ao divulgar as repreensões como um bem reconhecido

pelo aluno, como nos trechos abaixo:

Admissão - Sempre houve bom espírito, bom entendimento entre o mestre e os alunos. Todos aqueles que receberam alguma repreensão viram que era para seu próprio bem. (...) 4º ano primário - Enfim apesar de algumas vezes recebermos um pito ou castigo do professor por causa de nossas diabruras, a alegria sempre reinou em nossa aula (ECOS, 1958, s/n).

Nas palavras creditadas aos estudantes, eles se reconhecem

merecedores da punição. Logicamente essas afirmativas reforçam as

concepções da instituição e nenhuma opinião contrária foi divulgada. Atingir a

disciplina considerada excelente era meta na educação das séries iniciais,

como relatado pelo 3º ano primário A de 1962:

Naturalmente, no começo, o nosso querido Professor, Ir. Rafael teve que exercer uma paciência de anjo para nos suportar, pois não estávamos habituados a guardar silêncio, a falar só quando chamados, a não sair do lugar a não fazer barulho, a escutar com atenção, etc (ECOS, 1962, s/n).

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O castigo é apontado como ajustamento aos critérios da pedagogia

Marista, estimulando a adesão aos comportamentos corretos. O parágrafo é

indicativo do ambiente ideal para o ensino e como esse é empreendido. Todo

pronunciamento é do professor ou facultado por ele. Corpo, mente e sentidos

voltam-se para o entendimento do que é apresentado. A aula é

essencialmente expositiva, na qual o aluno em atitude passiva mobiliza a

visão e audição. O silêncio e imobilidade do aluno são considerados

prerrogativas para o aprendizado, quase sinônimo de sua capacitação

intelectual.

A preocupação pedagógica é explícita também no castigo das linhas,

lição para escrever e decorar, uma das mais utilizadas no Arquidiocesano:

E logo vem a história daquele aluno que decorava tanta linha, mas tanta linha, que foi apelidado de carretel. Sim colega, depois de uma prova sempre haverá um a dizer: “era esse o único ponto que eu não sabia”. Indubitavelmente aquele cidadão era ex-aluno marista; definindo sogra, disse: é a cousa mais chata do mundo depois de decorar linhas (O ARQUIDIOCESANO, 1957, jun., p.44).

As linhas eram um castigo chato, mas tolerável. Além disso, eram

reconhecidas como extremamente positivas, em comparação com outras. O

tipo de exercício que promoviam era suficiente para corrigir e aprimorar

intelectualmente o aluno.

O texto “Um castigo que gostei de levar”, de Fabio Campos Lilla, da 2ª

série A, legitima esse castigo pela rapidez com que era cumprido e

possibilitava a memorização de um conteúdo agradável. A narrativa conta

que o aluno empolga-se cantando no salão de estudos, desrespeitando a

obrigatoriedade do silêncio:

Nesta altura, eu estava quase acreditando que se eu ainda não tinha ganho castigo não ganharia mais. Nisto, ouço a terrível frase: - “Fabio, livro de português”. Eu quase caí da cadeira, pois não esperava ter que decorar poesia. Depois de folhear o livro o Regente escolheu “O pequeno maltrapilho” do Ir. Manuel André. Aprendi em dois dias e fiquei livre. Este foi o único castigo que eu gostei de

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levar, pois aprendi que não devo bancar Elvis Presley na sala de estudo, para depois bancar Castro Alves em pé (O ARQUIDIOCESANO, 1960, mar./abr., p.21).

O fato de ser um castigo fácil, não significa que os alunos realmente

gostavam de executá-lo, havia a tentativa de burlar segundo o 2o ginasial A

de 1955:

A GRANDE LIÇÃO. É o Antonio Pinto quem conta: “Tive duas peripécias muito parecidas; a 1ª foi numa quarta-feira; eu não soubera a lição de geografia, e o Irmão mandara que eu fosse dá-la no recreio das 4 horas. Não compareci. A 2a foi numa quinta-feira, eu não soubera outra lição de geografia. Mesma ordem, mesmo “forfait”. No dia seguinte eu formava no FIVE dos Sub-médios; era jogo importante de basquete. De camisa, quedes e tudo. Eu fora escalado e estava radiante. Comecei a jogar; 10 minutos só, porque o resto...depois eu conto. Daí por diante nunca mais quis desobedecer (ECOS, 1955, s/n).

O não cumprimento das linhas resultou nesse caso na retirada do

campeonato esportivo, mas possivelmente decorreria em outras punições.

Entre as penalidades a perda das saídas era a mais custosa de aceitar. Os

prospectos de 1936 e 1941 apresentam as condições em que ficava o aluno

privado da saída e dispõe sobre a possibilidade de suspensão, ressaltando a

legalidade perante os regulamentos oficiais:

Sendo reconhecido oficialmente, o Colégio pode aplicar aos alunos díscolos as sanções previstas nos regulamentos officiaes, suspensão temporaria ou definitiva dos cursos, sendo estes actos referendados pelo inspector federal (PROSPECTO, 1938, s/p.).

De acordo com as disposições todos os alunos teriam direito à saída

no primeiro domingo do mês, mas, aqueles que apresentassem médias

baixas ou comportamento repreensível, ficariam retidos no estabelecimento..

As saídas no segundo, terceiro e quarto domingo do mês eram reservadas

para os inscritos no Quadro de honra, e os que alcançavam médias entre

sete e oito (PROSPECTO, 1936, p.7).

O impedimento de sair aos domingos era um castigo amargo aos

matriculados no internato. Punia principalmente o mau desempenho escolar

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expresso em nota, mas também aqueles que descuidavam dos limites desse

benefício, como por exemplo, o horário de retorno ao colégio, conforme

adverte a revista escolar: “Frases a prenunciar uma perda de saída. - Ora,

não vamos já para o Colégio; há tanta garota aí dando sopa. Depois a gente

passa a conversa no Irmão, tá?” (O ARQUIDIOCESANO, 1959, p. 41).

A suspensão aparece nas notas dos alunos do 2º ginasial C sobre o

ano de 1954, como resultado de traquinagens individuais e coletivas:

Outro (J.C.) buliu com material perigoso à pituitária e verificou que o resultado não correspondia aos dados previstos: Férias...forçadas de 6 dias. Um terceiro (C.K.) canoniza a turma pelo coleguismo demonstrado por um, que pediu caíssem sobre êle só, a punição suspensa sobre a cabeça de todos (ECOS, 1954, s/n).

Já a possibilidade de exclusão ocorria com faltas gravíssimas:

imoralidade; furto; desobediência grave; dissipação ou preguiça habitual no

trabalho; frequência irregular; saída não permitida ou fuga do colégio.74 O

que ferisse a moral, a propriedade e a autoridade seria motivo de

desligamento, por contrariar as premissas do cristianismo e da lei. A preguiça

habitual e a ausência rotineira também eram motivos para expulsão, e

descritas como males graves, a ser extirpados dos novos alunos:

Os antigos, com a ambição sempre crescente do conquistador, fitando o lemma sublime – “Excelsior!” – avante marcham, não desanimam nas pelejas. (...) Os vadios pelo contrario, praguejam contra a brônzea voz que os obriga a pôr termo áquelle descanso tão desejado e separar-se do bom amigo travesseiro. Felizmente, são raros taes espécimes entre os nossos alumnos e como havemos de esperar, cada mez o numero dos referidos vagarosos, dos mollengões, dos inertes, há de desaparecer aos poucos, vindos a avultar mais e mais a phalange dos diligentes, dos activos e optimos alumnos (ECHOS, 1919, p. 33).

74

A exclusão do aluno, descrita no parágrafo 33, do Prospecto de 1925, aconteceria no caso de faltas consideradas gravíssimas: “1º imoralidade; 2º desobediência grave; 3º dissipação ou preguiça habitual; 4º sahida não permitida ou fuga do Collegio; 5º hábito de fumar; 6º frequência irregular” (Prospecto, 1925, p.9) . Nos Prospectos de 1936,1938 e 1941 decorre das faltas seguintes: imoralidade, roubo, desobediência grave, descuido habitual no trabalho, fuga do Collegio.

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A saída dos alunos considerados inaptos ao colégio, por questões de

ensino ou conduta, foi exortada pelo Irmão Ático Rubini nos anos 1950:

Que saiam do colégio! Os maus alunos, aqueles que prejudicam a si mesmos e aos outros, não querendo estudar, e que não demonstram aptidões para se corrigir, que saiam do colégio e farão um grande favor aos mestres, colegas e a si mesmos (O ARQUIDIOCESANO, 1954, jun, pg.4).

Com base nos dois comentários percebe-se a expressiva seletividade

promovida pelo risco de expulsão e retenção, segundo o 2º ano ginasial B:

“(...) houve troca de alunos, isto é, alunos que saíram do Colégio para deixar

o lugar para outros mais aplicados. Assim, o resultado da aula foi bom nos

estudos; mesmo os últimos tiravam notas boas” (ECOS, 1958, s/n).

A suspensão definitiva por dificuldade de aprendizado ou baixo

rendimento escolar, não existia no regimento escolar, mas acontecia com a

reprovação. Nos avisos para o ano letivo de 1950, a renovação da matrícula

seria negada aos alunos repetentes e aos que apesar das advertências e

punições tinham aplicação e conduta censuráveis (ECOS, 1949, s/n.). A

retenção se apresentava como castigo aos alunos que não atingiram o

parâmetro da instituição.

A retenção dos alunos é justificada pelo Irmão regente do 1º ano

ginasial A, como causada pela indisciplina, preguiça e desinteresse nos

estudos. A seção dedicada às efemérides de 1952 exibem os resultados

parciais dos exames com 160 reprovados e 90 aprovados (ECOS, 1952, s/n).

A perda das férias pela necessidade do exame de 2a época é divulgada como

culpa do estudante pela falta de empenho durante o ano letivo:

Os bons alunos, pelo trabalho e aplicação constantes, superaram com valentia e decisão os multiplicados obstáculos ao trabalho intelectual; agora, no recesso do lar, no gozo de merecidas férias, sorriem-lhes os louros do triunfo. Outros, porém, não quiseram se aperceber para as lutas, e deverão expiar a sua imprevidência, com a sobrecarga de aulas particulares, só lhes restando a esperança de tentar uma 2ª época, ou pior ainda, vendo adejar nos ares o terrível espectro da repetição do ano, após uma interrupção dos estudos que nem merece o nome de férias (ECOS, 1956, s/n).

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Os péssimos resultados nos exames prestados pelo 1º colegial B de

1957 foram muito criticados pelo Reitor e Irmãos do Colégio Arquidiocesano,

que pela primeira vez usam o periódico para achincalhar uma classe inteira:

O primeiro colegial “B” em 1957 não esteve à altura das gloriosas tradições de sua congênere de 56: “estudo e seriedade”. Alguns repetentes, muitos novatos e na maioria moços com espírito infantil. Os professores se revezavam na cátedra e não faltavam directivas: “Nos cursos primário e ginasial, o professor orienta os alunos; no curso científico seu papel é colaborar com os alunos na apreensão da ciência. Os vestibulares estão a dois passos. Não vão perder em um momento o que custou anos de trabalho”. Como fazer estas ideias penetrar na sinagoga de tanta criançola que sente pungir alguns tufos de barba? A não ser o “milagre” da cola... Muitos acreditam com Joubert que “Deus ordenou ao tempo de consolar os infelizes”, e os imprevidentes também (ECOS, 1957, s/n).

A ausência de uma boa relação entre mestre e alunos é nesse trecho

apontada como atitude de imaturidade e a percepção de que estudar é sinal

de amadurecimento do jovem. Além disso, a instituição tinha no ensino

secundário sua modalidade de projeção e prestígio. Por isso a necessidade

de repreender publicamente os alunos e justificar a responsabilidade

exclusiva destes pelos resultados insatisfatórios que viriam.

O castigo dos não premiados

O Colégio Arquidiocesano fazia um intenso uso das premiações

escolares, sendo essas reconhecidas por alunos e familiares como símbolos

de distinção e vitória. O bom comportamento e notas satisfatórias eram

igualmente necessários, caso contrário perdia-se o prêmio, como esclarecido

pelo 3o ginasial A de 1957:

Sala de aula pequena abrigando apenas 30 alunos; estes já laudos, com um desenvolvimento intelectual bastante promissor. Não assim o juízo. “Foi uma das aulas mais farristas de todo o colégio. Basta notar que é a continuação das 1ªs séries “b” e 2ª série “B”, em 55 e 56, ambas famosas pela indisciplina” Luiz Smith

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“Os quadros de honra são uma raridade 3 ou 4, os mesmos de sempre: Cide Benedito, Sergio Roberto e, as vezes, o Jesuíno”. Antonio Coló (ECOS, 1957, s/n.).

A proclamação das notas mensais feita pelo Reitor demostra o quanto

se desejava conferir relevância ao processo ao que o estudante estava

submetido. O receio de não atingir os parâmetros de rendimento ou fraquejar

na disciplina, deveria servir para manter o aluno em constante alerta. A

ansiedade em relação à classificação indica que esta atestava o sucesso ou

fracasso escolar.

Dentro desta lógica tão ávida por notas e classificações, na qual os

estudantes eram categorizados em melhores e piores, não ser premiado era

ser castigado. Significava não estar entre os alunos meritórios, não ter o

nome ou fotografia registrados para a posteridade, nem ser agraciado com

cartões de honra e medalhas.

O Padre Bernardo Miéle, antigo aluno com trajetória de destaque no

Arquidiocesano, prestou homenagem aos premiados de 1957 e fez um

discurso aos demais alunos, afirmando o mérito escolar ao alcance de todos

e exclusivamente relacionado ao compromisso e competência individual:

E a vós meus outros amigos, que não conseguistes receber hoje os aplausos calorosos dos que aqui comparecem, não porque vos faltasse competência para tanto, e sim porque o futebol, as aventuras do Super-homem ou o último filme do Tarzan, não vos permitiram também conquistar uma medalha, fazei intimamente uma promessa de que no ano próximo compareceis a esse palco. Quero, queremos todos nós aplaudir-vos também. A empreitada não é irrealizável. Basta que estejais sinceramente empenhados em levá-la avante e, se por acaso, alguma vez essa decisão parece difícil, não esmoreçais (O ARQUIDIOCESANO, 1957, abril, p15).

As palavras atribuídas ao aluno Luiz Guilherme Torres reafirmam essa

interpretação sobre a conquista do prêmio escolar, mas revelam que alcançar

os padrões exigidos era mais fácil para alguns do que outros:

EM TODAS AS CLASSES PODEMOS CLASSIFICAR OS ALUNOS EM TALENTOSOS, ESFORÇADOS E VADIOS. Talentosos são os dotados de grande inteligência, com pouco esforço são senhores das matérias ensinadas. Desta

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categoria são poucos os alunos. Na minha classe observo tais, o Cristófolo. Esforçados são os dotados de inteligência média ou fraca, mas que devido ao seu constante trabalho e esforço, conseguem suas promoções e por vezes até boas classificações. Entre estes que formaram a maioria citarei: Luiz Carlos Junqueira Franco, Roberto Campos Ribeiro, José Hagges e alguns outros. Por fim temos os vadios que felizmente são poucos em nossa aula (O ARQUIDIOCESANO, 1954, out, p.7-8).

Não obter algum prêmio decorria também na perda das pequenas

recompensas, o privilégio dos cargos de confiança, os momentos de lazer

especiais e as tão esperadas saídas de domingo. Além disso, as publicações

promoviam a ideia de que o bom desempenho escolar, mensurável por meio

dessas distinções era obrigação do aluno para com a família, como pode ser

visto na página dedicada ao Quadro de Honra da Revista Echos de 1947:

Figura 31. Página de Quadro de honra, Revista Ecos, 1947.

Abaixo das fotografias e nome dos alunos vencedores do Quadro de

honra anual do Colégio Arquidiocesano e do Externato Nossa Senhora do

Rosário, a imagem de um menino triste por não figurar entre os melhores e a

seguinte legenda:

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PENSANDO BEM... Teria sido tão fácil... Para o ano serei melhor: mais aplicado e mais comportado...e prometo estar presente nestas páginas de Honra... para alegria de papai e mamãe, a quem tanto devo (ECOS, 1947, s/n).

O castigo está na frustração das expectativas do aluno, de seus

familiares, e na incoerência com o destino social que lhe é reservado. Os

periódicos do colégio constantemente propagavam sua posição na formação

dos grandes homens da nação, distintos e legitimados por suas virtudes

morais, espírito de competitividade e erudição.

A Ecos de 1958 apresenta as insatisfação do reitor, Ir. Bento Gabriel,

com a conduta inapropriada dos alunos, descrita como derrota moral:

O Colégio teve também suas páginas menos alegres, quiçá pouco gloriosas. Diretores, professores, pais e alunos contaram neste e nos anos anteriores suas dificuldades não ou mal vencidas; choraram amarguras, deploraram fraquezas e lamentaram até insucesso. E aqueles que eram talvez os maiores causadores de todo esse mal estar, os alunos, os beneficiados de tantos e tantos sacrifícios, esforços e ambições dos pais e mestres, nem sempre o reconheceram. Sim, houve alunos que desmancharam castelos, inutilizaram projetos e derrubaram edifícios, para eles esboçados, ou construídos pelos responsáveis de sua educação e instrução. Destes a revista pouco ou nada pode dizer e nem sequer mencionará os nomes. Deixa à consciência dos omissos e à perspicácia dos entendedores darem o veredicto sobre derrotas morais, ou simplesmente no campo dos estudos. A nós, educadores, cabe ainda quilar a porção de responsabilidades que recai sobre nós, Pais e Mestres não nos furtaremos a ela (ECOS, 1958, s/n).

O discurso mostra a insatisfação da instituição com alguns alunos,

atribuindo a estes a responsabilidade pelo fracasso. O desalento da escola

partilhado com a família busca legitimar suas frustrações e, ao mesmo

tempo, justificar a retenção. Como castigo os maus alunos deveriam ser

esquecidos na história do colégio. Entretanto, não é isso que se percebe a

partir dos anos 1950, o silêncio deu lugar ao deboche, e as revistas escolares

converteram-se em instrumentos de castigo.

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Quando as revistas tornam-se instrumentos de castigar:

“molengões, palhaços, papagaios e lanterninhas”

As revistas institucionais faziam a comparação entre o melhor e o pior

aluno, ressaltando as características que os diferenciava, deixando a

identificação subentendida. A partir de 1954 os castigados passam a ter

nomes e sobrenomes, acompanhados da descrição dos erros, péssimas

notas e comportamentos vergonhosos. As linhas selecionadas foram

atribuídas a seus colegas de classe, como tentativa de isentar o colégio pela

exposição.

A homenagem aos alunos mais brilhantes dividiu espaço com as notas

endereçadas aos mais medíocres. No mesmo parágrafo no qual é relatada a

acirrada disputa entre Jair Queirós Mourão e Paulo Bara pela primeira

colocação no 1o ano ginasial B, é apresentada a luta pelo erro mais crasso da

classe:

Numa das aulas de aritmética, discutiam teimosamente Maluf e Mosconi, sobre altas questões de sistema métrico. Um sustentava que a resposta era um litro quadrado e o outro que não: era litro cúbico! (aconteceu no dia 8 de novembro) (ECOS, 1954, s/n).

Na comparação entre o calouro notável e o veterano de pouca

seriedade, a escola tece seus juízos sobre os alunos e se concede o direito

de expressar seus destinos apontando aqueles que “não vão dar em nada”. A

menos, que se submetam aos valores da escola, como neste exemplo:

1º ano colegial B - Persio Carneiro, apesar de novato, lidera brilhantemente o pelotão dos mais adiantados, com esforço e inteligência que mostram o caminho dos grandes homens, enquanto o Vicente Ferrario chefia o cordão dos “alegres”. Mas, para qual caminho...? (ECOS, 1955, s/n).

O líder dos adiantados em oposição ao “alegre” dos atrasados,

definido como sem graça e perdido. O futuro grande homem e o palhaço.

Indicavam aos alunos a quais modelos seriam reconhecidos. O apelido de

palhaço também foi conferido ao estudante do 1o colegial B de 1957: “O

nosso Arrelia, o Aron, com uma espiga de milho só tem cabeça para a

brincadeira” (ECOS, 1957, s/n).

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Aos últimos colocados restava, ou abandonar a escola, ou aguentar a

humilhação. O apelido de “lanterna”75, utilizado no futebol para indicar times

no final da tabela do campeonato e próximos ao rebaixamento, foi largamente

utilizado:

2ª série ginasial B: Os primeiros da aula foram: Sergio Augusto Caporalli, Sérgio D´Asulísio, Jack Steiner, Luiz M. Nogueria. “Houve um grupo de alunos que tinham a melhor boa vontade. Mas a seu lado, os desambientados no estudo, se entregam à desordem; os “atrasados” mostravam o que sabiam em matéria de indisciplina” (P.M.). “Os portadores da lanterninha, A. Basile e E.E. Doce etc., talvez na esperança de que ela se acendesse com fogo fátuo, rondam o “Cemitério” das vontades fracassadas” (ECOS, 1956, s/n).

Os “lanternas” são acusados de não terem vontade, discurso que

isenta o professor e a metodologia de ensino de qualquer relação com o

insucesso. As comparações jocosas variavam, Eduardo Antonio Kirmayr, da

turma de Admissão A, assim definiu seus colegas:

Todos trabalham em nossa aula: alguns (os 20 últimos) como um papagaio com rabo muito comprido: nunca puderam subir. Outros (os do meio) sempre variando como um papagaio de rabo muito curto. Os primeiros como uma tôrre, nunca deixaram seus lugares. (ECOS, 1957, s/n)

A analogia divide os estudantes como barulhentos, repetidores de

bobagens e cômicos, ou personalidades sólidas que não cedem à pressão.

Um festival de ofensas foi divulgado na revista O Arquidiocesano de maio de

1953, no texto “Assim são eles” de A. da C. do 2º C:

75

Lanterna ou lanterninha é a maneira como brasileiros chamam as equipes que ficam em último lugar em uma competição. O termo original, lanterna vermelha, surgiu na França em 1903.Durante a Tour de France (Volta da França, famosa prova ciclística), os últimos colocados passaram a ser apelidados assim em referência à uma luz vermelha que ficava na traseira do último vagão dos trens, transporte muito popular naquela época.A competição é conhecida internacionalmente, o que levou a expressão a se popularizar também em outros países como Inglaterra, Portugal e Brasil. http://elasfalamdefutebol.blogspot.com.br/2010/06/seu-time-e-lanterna.html Acesso 25/06/2014.

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Na minha classe encontram-se os tipos mais característicos da divisão. Temos nela os melhores “craks” e também os mais adiantados. O Ernesto, louco por usar meias vermelhas, caçar borboletas, trazer sempre um carregamento de bugigangas para a classe. Como um dos últimos, emulo do Udine. É o fantoche da classe. Como sempre alvo da atenção dos professores. Rapaz irrequieto, vadio. Nunca sabe as lições. Tem um vício, já velho que é comer papéis. Fica a aula toda mastigando, sem prestar atenção ao que passa como se aquilo não o interessasse. Não para de mexer e incomodar os vizinhos.(...) Udine, aluno exemplar em todas as matérias, as suas médias já bateram o recorde da aula, recorde de notas baixas naturalmente.... O Newton Luciano sempre protegendo o professor e dizendo ser “bonzinho”. Nardi, carrancudo, sempre deitado na carteira com o cachecol na cabeça, falando em injustiça. Nervoso como ele só. O Cristolofo, gordo, até parece que não toma banho há um ano, pois não para quieto um só instante, como se tivesse comichão. Anda sempre com um sorriso “Colgate” nos lábios. De vez em quando perfura poços de petróleo na sua carteira. (...) Pela fama de conversador na aula temos o Waldir. Quase todas as vezes que o Irmão ouve um “zum-zum” e manda ficar de pé, lá está o Waldir sempre fiel a seu título. Ainda bem que é sincero (O ARQUIDIOCESANO, 1953, maio/jun., p.18).

O castigo aplicado aos alunos foi nomeá-los de ridículos, ignorantes,

descontrolados, agitados e barulhentos e gordos, fato que não ficou restrito à

sala de aula. Registradas, essas histórias chegaram a pessoas que nem os

conheciam, uma punição que transcendeu ao tempo e espaço escolar. Os

péssimos resultados também não foram perdoados:

Primeira série C - Aloysio Nunes Ferreira Filho sempre o primeiro; Luciano Christ, Edmauro, Percival, Paulo César e Linneu fizeram o impossível para desbancá-lo. Ilton, Claudio, Constantino e Roberto vieram do polo Antártico. Raras vezes o termômetro da média subiu a 2,5... mas logo caía para 1,5 e...menos (ECOS, 1956, s/n).

Todos esses trechos selecionados são creditados aos alunos, mas a

revista só publicava o que era conveniente à instituição. Não é exagero

afirmar que esse pensamento expressava mais a opinião dos professores do

que dos estudantes. Arnaldo da 2ª série B assim definiu sua turma: “ É a

melhor aula do colégio: nela existem santos, demônios, tagarelas,

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engraçadinhos” (ECOS, 1954, s/n). E apesar dessa diversidade de condutas

era possível que os rendimentos escolares fossem bem próximos.

O fato de um aluno indisciplinado apresentar boas notas não o

isentava de críticas. Na verdade, essa situação era contraditória ao discurso

de aplicação constante e procedimento exemplar, e precisava ser

habilidosamente invertida, como foi feito nos comentário sobre a 3ª série A:

(...) Entre os alunos se destacam pela compreensão de seus deveres e pela grande aplicação nos estudos: Marco A.B. Cruz, Alcides Ashar, Cassio Xavier de Mendonça Edson Alfredo, e embora muito levianos no procedimento, Gilberto G. Ruas e Newton Blóis. (...) Procuramos aproveitar o tempo e também a bondade de nossos queridos mestres. Entretanto alguns alunos não souberam fazê-lo. O Newton Blóis, sempre com o pensamento à maneira dos discos voadores em vôos de reconhecimento, divagando pelas ruas de sua cidade natal ou pelas plagas longínquas das gélidas montanhas lunares. Outro mais distraído é o R. Warde; quando argüido gesticula, puxa os cabelos, bate na fronte como querendo abrir a porta do cérebro, fazendo jorrar a inteligência ou soltar a língua (ECOS, 1956, s/n)

Como justificar que a falta da atenção não impediu Newton Blóis de ter

bons resultados nos exames? A saída encontrada foi ridicularizar sua falta de

concentração. A distração do aluno durante as aula era apresentada como

imperdoável, como explicitado na Ecos de 1957:

1o colegial A - Coseno de alfa mais tangente de beta... diz o Ir. Gonçalo. Relanceio os olhos: O Cavalcanti observa minuciosamente um mosquito que se debate contra o vidro da janela. O Abdala resmunga pedindo que se abaixe a cortina. O Atílio batuca um sambinha na carteira. O Eriodes entretém animado bate-papo com os vizinhos e o Amorim boceja de sono.... Edgar Fiori (...) 3ª série ginasial C- Nas horas de maior silêncio e aplicação, lá estava o Mello, futuro cirurgião, dissecando as moscas que se apresentavam espontaneamente para as suas pesquisas científicas. Por incrível que pareça, o Luiz Fróis conseguiu tirar um 10 simultâneo em Matemática e Inglês: a explicação é bem simples: 1, em matemática e 0, em Inglês. Embora ainda não tenha feito exame, o Zezé já fechou a média. O Pettená andou pelejando para arrancar um 10 em ciências (ECOS, 1957, s/n).

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As palavras duras e jocosas eram endereçadas aos alunos do curso

ginasial e do 1º ano colegial, nunca para os formandos como César Ricardo

Ceva, descrito como pessoa de muito sono e com “aptidão para resolver os

problemas por contemplação” (ECOS, 1958, s/n).

O colégio amenizava as críticas e usava expressões como “amigo do

travesseiro”, “amante do esporte e da boemia” e “sambista”, ou indicava que

não obtiveram destaque. O ataque frontal a um formando não faria mais

sentido. Além disso, concluir a trajetória escolar no Colégio Arquidiocesano

deveria ser reconhecido como distinção para poucos.

***

O castigo foi utilizado e justificado pelo Colégio Arquidiocesano com

objetivos pedagógicos: corrigir traquinagens, notas baixas, não fazer as

lições, não prestar atenção nas aulas, conversar, fazer barulho, não

permanecer parado em sua carteira, burlar as regras, danificar o edifício,

mobiliário ou materiais escolares.

As punições resultavam em perda: momento de lazer e saídas;

sessões de cinema, sobremesas e jogos; de pontos, cargos, prêmios e

medalhas, e em imposição: exercícios de memorização e declamação,

silêncio e isolamento, repetição das atividades escolares, sabatinas.

As situações que caracterizavam a falta e a correção aplicada seriam

facilmente reconhecidas pelas famílias e até alunos como legítimos. Em

nenhum momento as revistas fizeram menção à afronta à figura do professor

ou desrespeito formal às normas da escola, provavelmente por serem faltas

gravíssimas, passiveis de expulsão, e por isso nem mencionadas.

Por décadas os periódicos silenciaram a respeito dos castigados, mas

percebem-se como formas acionadas de maneira inversa às premiações,

como merecimento pelos erros, faltas, inadequações. Na metade dos anos

50 nota-se uma mudança expressiva. Os “piores” alunos, à semelhança dos

“melhores”, têm agora o nome e sobrenome registrados para a posteridade,

com adjetivações jocosas em uma publicação de transcende o tempo e

espaço escolar.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

______________________________________________________________

Prêmios e castigos são elementos próprios da escolarização,

consolidados ao longo de quatro séculos, e que permaneceram no cotidiano

das instituições de ensino. Práticas que atravessaram as mudanças de

modelos pedagógicos e a expansão da educação escolarizada. Realizaram-

se em diferentes ações, receberam novos objetivos e foram ressignificadas

pelo campo educacional resistindo assim no interior das escolas.

Prêmios e castigos são como jogos de espelho, práticas opostas, que

funcionam em correlação, a aplicação da recompensa relaciona-se à

existência da punição, seu contrário dialético. Mas não são equivalentes,

apresentam objetivos e sentidos diferentes que se entrelaçam visando os

objetivos pedagógicos da escola.

Castigar envolve atos como ferir o corpo, expor moralmente e impor a

repetição do exercício. O mesmo regulamento inclui sanções como golpear

um aluno com palmatória, pendurar em seu pescoço uma placa com a

inscrição “Sujo”, ou fazê-lo recitar um poema. As ações que caracterizam a

necessidade de punir, ora mudam, ora permanecem. Colocar o aluno de

joelhos é uma reincidência em longo período, que se destaca pelo caráter

moral religioso de seus aspectos. Castigar era necessário para criar um

espírito forte e a disposição para o aprendizado.

Pensando a cultura escolar, interpretar as punições físicas como ranço

de uma sociedade escravocrata se apresenta como uma explicação externa

a escola. Já o sadismo do professor em relação ao seu aluno, não explica

totalmente os movimentos discentes que também incriminavam os colegas. A

violência foi por muito tempo legitimada no ato educativo, em diferentes

modelos pedagógicos e por manifestações criadas e estimuladas por práticas

e interesses escolares e, muitas vezes, indicadas como códigos aceitos pela

própria comunidade.

A dor física aplicada individualmente para reparação da falta cedeu

lugar à exposição humilhante como correção pública e coletiva. Contudo as

punições de cunho moral mostraram a existência de ações piores do que ferir

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a carne. Mesmo pelo “negativismo” as ações esperadas pelo castigo eram

pedagógicas. Posteriormente o erro foi entendido como parte do processo

educativo, o que converteu castigo em prática condenável e vergonhosa. Foi

assim criticado, proibido e coibido em algumas de suas expressões, mas

nunca totalmente abolido. A escola desenvolveu seus mecanismos discretos

de punição.

O prêmio é associado ao mérito, homenagem merecida por aquele que

excedeu aos demais, por seu trabalho e capacidade superior, e não por

origem social. Interpretação que nega o peso das condições sócio

econômicas no destino dos indivíduos, e apesar e todas as críticas, se

cristalizou na mentalidade das pessoas.

A exaltação das vitórias em batalhas, do êxito nas competições

esportivas, e conquista em concursos artísticos e literários, construiu a

premissa do vencedor. A emulação foi construída como condição inerente ao

homem, algo que o acompanha desde sua gênese, legitimando assim uma

relação de concorrência com o outro, e o discurso de disposição para as

pelejas reais e simbólicas que a vida impõe.

O utilitarismo que muitas vezes se deseja conferir à escola tem sua

parcela de responsabilidade. O bom resultado em avaliações, a equiparação

aos estabelecimentos de ensino tradicionais, o reconhecimento do governo,

ocorre mediante critérios que consideram o rendimento escolar com base nos

resultados em exames, e por isso a escola foi, e continua sendo mobilizada

para atingir o que se concebe por bom rendimento escolar: notas altas,

domínio dos conteúdos didáticos, disposição para a avaliação, frequência,

entre outros.

Analisando o caso do Colégio Arquidiocesano de São Paulo, percebe-

se que o significado das práticas de prêmio e castigo foram amplas e

deixaram marcas na vida em regime de internato. Definiram no edifício os

espaços de honra destinados aos Quadros, troféus e homenagens, e os de

correção, que forçavam o isolamento e silêncio. Promoveram outras divisões

do tempo através das avaliações: sabatinas, exames, concursos. Criaram

rituais: proclamação de notas e divulgações de resultados, solenidade de

entrega de medalhas. E cadenciou os momentos de lazer e atividades

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escolares: ofertando ou suspendendo, recreios, passeios, jogos, saídas, de

acordo com a intenção de recompensar ou punir.

O Colégio Arquidiocesano manejou prêmios e castigos com objeitos

pedagógicos, promovendo saberes e habilidades que tinham por intuito a

formação integral do aluno, o que reunia diversas ações: a adequação

corporal na postura socialmente correta, ereta e contida, o aprendizado sobre

a relação dos indivíduos com os espaços, a educação das sensibilidades

refinadas, a formação moral conduzida para a virtude, o conhecimento e a

adesão ao catolicismo romanizado, a constituição de um repertório intelectual

erudito.

Pode-se inferir que o sistema de prêmios estabeleceu uma cultura

classificatória do interior da escola na qual a categorização dos alunos, era

feita em adjetivos como melhores/piores foi comum. A instituição também

produziu sujeitos que não se enquadravam entre os ótimos. Para estes o

convívio em meio a essas demandas e critérios mostrou-se muito difícil e o

castigo mais constante do que as recompensas.

O objetivo era formar o Varão, indivíduo masculino virtuoso, com

capacidade e potência moral, consciência e disposição para o bem comum. E

cuja virilidade digna do gênero, estava expressa em sua alta competitividade.

No universo masculino que caracterizava o internato do Colégio

Arquidiocesano, a emulação constante intencionava moldar o menino em

homem concorrencial, independente das relações com o conjunto de práticas

terem sido gratificantes ou odiosas. Vencer com modéstia e aceitar a derrota

com elegância são traços que deveriam ficar impressos nessas

personalidades.

Para os alunos as recompensas e punições ofereciam um aprendizado

sobre quais condutas, disposições e resultados, eram necessários para sua

boa inserção à escola e desejados socialmente. Prêmios e castigos deixaram

marcas permanentes na personalidade desses meninos como homens,

construindo suas percepções em torno de ideias como mérito, trabalho,

caráter, dever e vontade.

Aparentemente os alunos partilhavam desse jogo de exposição e

hilaridade, contudo, foram divulgados apenas os textos cuidadosamente

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selecionados. É necessário pensar que o público leitor pode não ter recebido

bem essa estratégia, que desapareceu junto com o declínio das publicações.

Toda essa exposição pode ser indicativa de que o regime do internato já

apresentava sinais de falência.

Além disso, essas práticas, prescritas com aura de imparcialidade em

normativas e regimentos, se concretizam em meio a relações tensionadas

entre os sujeitos, de acordo com seus interesses e possibilidades. O poder

do mestre em manipular as ações de recompensas e punição foi balizado

pelos parâmetros sociais. Prêmios e castigos fundamentaram-se em valores

partilhados pela sociedade. Ao tornar a família partícipe desses

mecanismos, com o envio de boletins, postos de honras e advertências por

escrito, obtinham a legitimação dessas ações. Ao extrapolar o âmbito escolar

de maneira habilmente conduzida, foram cristalizadas na mentalidade

coletiva e reconhecidas como meios para o que se definiu como modelo de

uma boa e sólida educação.

A instituição promoveu ações de premiação e punição como forma de

tornar públicas as proezas de seu corpo discente e os êxitos institucionais.

Ao divulgar as fotos dos alunos meritórios, entre os resultados de exames

oficiais e homenagens aos antigos alunos formados em Direito e Medicina,

indicava qual o destino social que se abria a seus alunos. As punições,

cuidadosamente selecionadas, indicavam os esforços para a educação de

um espírito forte e erudito. A instituição se apresentava como exemplo de

bom ensino, local de formação de grandes homens, e visava o

reconhecimento da importância das escolas particulares católicas no projeto

educacional brasileiro.

As premiações hoje não são feitas em solenidades de encerramento

de ano, com entregas de medalhas e cartões de mérito, ou em páginas de

honra nas revistas institucionais, nem os castigos colocam alunos em pé

virados para a parede, ou decorando linhas. Entretanto, ambos estão

presentes em matérias sobre os vencedores nas Olimpíadas de Matemática,

nos baixos rendimentos que se revertem em recuperações obrigatórias, nas

faixas homenageando os aprovados no vestibular e no diagnóstico de

transtornos de aprendizagem. Premiados continuam sendo homenageadas,

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enquanto os castigados são escondidos nas brechas que as ideias

pedagógicas, que constantemente mudam, vão deixando para contradições

do âmbito escolar.

Figura 32. Pátio do Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo, 2013. Os banners em tamanho gigantes são homenagem aos “Alunos Brilhantes aprovados nos Vestibulares”.

Fonte: Departamento de Comunicação do Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo.

***

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ANEXOS

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Anexo 1

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encontra-se preservado no Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo.

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Anexo 2

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encontra-se preservado no Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo.