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A arte que vem da margem: das galerias aos sacolões Em busca da pintura esquecida E MAIS Ricardo Ohtake, Regina Casé, Janete Costa, Sergio Vidal, José Nêumanne Pinto, João Mauricio de Araújo Pinho, Marcelo Rosenbaum, Julio Landmann, Isabel Cribari, Paulo Vasconcellos, Gringocardia e muitas telas e tintas Sem terra, mas com arte cultura do brasil • novembro 2007 • r$ 7,50 • www.revistaraiz.com.br RAIZ 8 arte e periferias • novembro 2007 RAIZ

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A arte que vem da margem: das galerias aos sacolões Em busca da pintura esquecidaE MAIS

Ricardo Ohtake, Regina Casé, Janete Costa, Sergio Vidal, José Nêumanne Pinto, João Mauricio de Araújo Pinho, Marcelo Rosenbaum, Julio Landmann, Isabel Cribari, Paulo Vasconcellos, Gringocardia e muitas telas e tintas

Sem terra, mas com arte

cultura do brasil • novembro 2007 • r$ 7,50 • www.revistaraiz.com.brRAIZ8

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RA

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sumário.

radicais. Andamento 08 Acontecimentos artísticos que fazem parte da pauta cultural do país

Figuras 12 Dona Teté, a família dos Arturos e Dona Zefinha e a homenagem ao Samba carioca

Figura especial 16 O Brasil de Janete Costa

Raiz da questão 18 Um bate papo com intelectuais sobre cultura popular brasileira

tronco.atos.................................................MST é igual a MCA 24 Os novos planos culturais do MST

O Caleidoscópio Popular 38 A periferia é antídoto, semana de arte e musa dos artistas

sons................................................Mantra de Matracas e Pandeirões 48 O Boi no Maranhão

viagens.......................................... Na terra das montanhas desponta um vale 54 É o lendário Vale do Jequitinhonha, Norte de Minas, que vai abrigar um museu a céu aberto

Estrada Colonial no Planalto Central 60 Projeto resgata trecho da mais extensa estrada colonial

ícones.............................................Do barro viemos 64 As loiceiras da Paraíba

copa.mercado....................................... Tesouro Escondido 68 Está na hora da pintura popular brasileira mostrar seu valor

políticas........................................ Aos mestres com carinho 82 Lei dos Mestres e o Patrimônio Imaterial no país

frutos. Gastronomia da Ilha de Santa Catarina 88 Sabor, aroma e tradição como destino

MOVIMENTO DOS SEM TERRA, MAS COM ARTEGrupos de teatro, de música e cultura popular estão pipocando dentro do MST por Leonardo Melgarejo

RAIZ 7

No ápice do individualismo e do concentrado mundo dos lucros e aquisições, algo no ar parece dar uma volta no sentido gregário mais primitivo do homem. Numa ponta, a Internet, em geral e a chamada Web2.0, em particular, crescem solidamente baseadas na cultura do coletivo. Em outra ponta a Economia Solidária, coletivos criativos economicamente integrados como é uma Escola de Samba, ou uma Troça de Frevo, ou um forno comunitário no Alto do Moura em Pernambuco. Manifestações que mobilizam bairros, cidades e países. Como nós, que temos na RAIZ, uma produção artística coletiva histórica do artesanato, Teatro de Arena e hip-hop contemplamos os novos paradígmas econômicos e sociais?

Assim, fomos mergulhar nos campos com o MST, na periferia paulista pelas mãos da Semana de Arte da Periferia. Nos campos e na cidade, a periferia tão temida revela toda sua poesia e oportunidades para o futuro. A periferia como centro aprofunda nossa compreensão de como é marcadamente forte nosso viés social, tribal, "da comunidade".E como somos bonitos por natureza. No mergulho nas 12 horas da rave do Boi Maiobá nos mostra um universo lúdico único, cheio de tradição e descobertas. O famoso Boi maranhanse ultrapassa em muito o mito e estigma do conhecido Bumba-meu-boi. Nos remédios apresentados pelo ANTÍDOTO do Itaú Cultural pelas receitas de diferentes periferias. Vemos uma cultura viva também pulsando na caminhada dos Griôs para formar novos mestres; nas ações públicas em reconhecimento desses nossos mestres – nosso “Fareinhet 495” desde sempre e tão importante para uma cultura oral, pois analfabeta.

Na revelação do potencial artístico de nossa produção popular fomos decifrar o barro e as cores. Das Loiceiras da Paraíba, mais uma exemplo de apropriação coletiva, ao porque da ausência da nossa pintura popular das grandes curadorias. A pintura que sai das telas e vai para os muros grafitados. A pintura onde o simbólico popular dialoga em alto nível com o contemporâneo em forma e cores.

Para finalizar fomos aos percursos continentais brasileiros. A pesca da Tainha determina toda uma cadeia de valores materiais e culturais. E fomos bater pernas no resgate do nosso mais antigo caminho colonial, de Salvador ao Mato Grosso desde 1736. Também falamos do Museu de Percursos do Vale do Jequitinhonha que nasce fruto da parceria entre a Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais, a FUNDEP e as prefeituras municipais das cidades envolvidas. Mais uma ação estruturadora da Secretaria de Cultura mineira para uma costura de várias matrizes cujo objetivo é dotar unidades museológicas como meio de preservar, difundir seu patrimônio cultural e colaborar com o seu desenvolvimento socioeconômico, turístico e cultural.

RAIZ. 8 revela um mundo de possibilidades e oportunidades, que nos oferece uma visão rica e particular de uma cultura nova, feita no Brasil. Aproveitem e cresçam a nossa "comunidade".

A PERIFERIA NOS ASSuSTA, A PERIFERIA NOS REVElA

Edgard Steffen Junior

copa.mercado

68 RAIZ RAIZ 69

Tesouro escondido

Por roberTo rugierofoTos dmiTri rugiero

Muitos são os motivos que afastaram a cultura e sobretudo a

pintura popular dos chamados “salões nobres” de nossas artes visuais.

Intelectuais, artistas, curadores e especialistas debatem o assunto.

A voltA dA pinturA populAr à BienAl

"Vilarejo" de Alina Lins

70 RAIZ

.mercado

RAIZ 71

"Mãe" de Vitória Basaia

A última Bienal de SP recolocou em pauta a contempo-raneidade da expressão popular, ao apresentar a obra do desenhista acreano Helio Melo, ex-seringueiro, escolhido pela curadora Lisete Lagnado para rediscutir o conceito de centro e periferia. O que era periférico foi transferido, com muita propriedade, para o centro do debate. Nem todos per-ceberam a sutileza da proposta, mas foi um chute na canela dos que não dão um único passo sem consultar a meteoro-logia de Nova York. Ainda outro dia encontrei o presidente do conselho da Bienal, o empresário Julio Landmann e o cumprimentei pela ousadia da proposta, ouvindo dele a surpreendente sentença: “era a melhor coisa da Bienal”.

“os primeiros meios de comunicAção do norte e nordeste forAm As xilogrAvurAs. A mAnifestAção mAis purA, políticA, religiosA e literáriA do nosso povo”.

Paulo Vasconcellos

“A Atitude de ignorAr A pinturA revelA soBretudo um enorme equívoco quAnto à compreensão do que sejAm os oBjetivos de umA mostrA de lArgo AlcAnce”.

ugo giorgeTTi

“privilegiAr umA formA de expressão é diminuir A pequenA visiBilidAde que A Arte populAr vem conquistAndo com suA Bem-humorAdA corAgem e Alegre criAtividAde”.

sérgio Vidal

“os museus e gAleriAs só exiBem o que é ApontAdo pelos curAdores, que pArecem desconhecer ou não se importArem muito com A pinturA de ArtistAs populAres”.

isabela cribari

“A segregAção de umA pArte do todo representAdo pelA Arte populAr BrAsileirA é um desserviço à nossA culturA”.

anTonio fernando de franceschi

vejA A s opiniões completAs no portAl rAizwww.revistaraiz.com.br

72 RAIZ

.mercado

RAIZ 73

Desde os anos 80 a arte popular havia desaparecido desse histó-rico evento de nosso calendário cultural. Com exceção do Museu Afrobrasil, cujo acervo inclui inúmeros artistas do povo, pratica-mente nenhuma entidade cultural tem dado atenção a essa que é, com toda a probabilidade, a arte que mais se produz no Brasil, a que é compreendida tout court pelo público, e a que tem “a cara do país”.

Dentre os poucos curadores interessados, destaca-se a arquiteta pernambucana Janete Costa, responsável por recentes exposições sobre a produção popular, onde faz também a cenografia e monta-gem. Seus projetos de arquitetura de interiores são uma exceção no âmbito geral da atividade, pois ela pratica um estilo que mistu-ra, com inteligência e bom gosto, épocas e tendências – enquanto a maioria trabalha com a idéia da redundância. Janete também é conhecida por assessorar diversas entidades de apoio ao arte-sanato, como o Sebrae e a Comunidade Solidária e tem prestado relevantes serviços na divulgação de artistas e artesãos populares e na abertura de mercado para eles.

Entretanto, as curadorias de Janete trazem à tona uma grave questão: só mostram a tridimensionalidade. Seja qual for o motivo da proscrição, nem pintura, nem desenho e só muito raramente a xilogravura, tomam parte nas celebradas exposições que ela tem montado. Na mostra “SOMOS a criação popular brasileira”, feita para comemorar os 5 anos de existência do Santander Cultural, que propunha “um olhar de reflexão na expressão do imaginário do povo como código e matriz da visualidade presente nas mais diversas linguagens estéticas do país”, nas palavras da superinten-dente Liliana Magalhães, não havia nenhum quadro, nenhum dese-nho, nenhuma xilogravura, dentre as mais de 500 obras expostas. Na mostra realizada no Grand Palais em Paris, para o Ano Brasil/França, a xilogravura de J. Borges foi uma exceção, ao figurar em meio a esculturas. E só. Em outras duas montagens e curadorias da arquiteta, a Bienal de Valência e a mostra recente exibida pelo SESC Paulista, a ausência repetiu-se.

Este artigo tem como objetivo indagar sobre o papel de um curador e sobre as conseqüências da proscrição das linguagens bidimensionais no mercado cultural. Foram convidados a opinar pessoas relacionadas com arte popular: colecionadores, críticos, promotores culturais, artistas. Muitos não se manifestaram. Mas os que o fizeram forneceram bons argumentos para um debate sobre a questão, nosso objetivo.

ARTE POPULAR NÃO É FEITA SÓ DE BARROPara a Diretora de Cultura da Fundação Joaquim Nabuco, Isabela

Cribari, o fato de “alguns curadores decidirem dar as costas para esses artistas tem repercussões imensas. A primeira delas é o com-promisso com a verdade e a história. Esconder um manancial mara-vilhoso de obras bidimensionais faz as pessoas acreditarem que arte popular é apenas a feita com barro, madeira e outros materiais afins”, opinião coincidente com a do marchand Max Perlingeiro, que considera a ausência dos artistas bidimensionais “um erro histórico das curadorias”.

Para o Superintendente do Instituto Moreira Salles, Antonio Franceschi, “a segregação de uma parte do todo representado pela arte popular brasileira é um desserviço à nossa cultura, ao estabe-lecer uma hierarquia sem fundamento entre as diferentes manifes-

tações artísticas. Sem o desenho, que está na base da pintura e da xilogravura, sequer poderia haver escultura e cerâmica”.

O arquiteto Marcelo Rosenbaum, outro raro apreciador da pro-dução popular entre os profissionais dessa área, opina que “não se pode eleger uma técnica para representar a arte de um país, pois o importante na arte é a expressão do artista, o pensamento, não o suporte”, opinião semelhante à do crítico Oscar d’Ambrosio que assegura que “desde que seja autêntica, a pintura, a xilogravura e o desenho de matriz popular expressam livremente uma visão de mundo marcada pela sabedoria do povo, um dos mais criativos do planeta, no sentido de estabelecer as mais variadas soluções em termos de respostas visuais surpreendentes e de qualidade plástica”.

O resultado é que a escultura e a cerâmica dos grandes mestres do povo estão se tornando fetiches, valorizando-se constantemente e insuflando o mercado, enquanto as outras linguagens permane-cem no limbo. Trabalhos de Agnaldo, Artur Pereira, GTO, Conceição dos Bugres e outros começam a chegar perto dos escultores con-temporâneos, em matéria de preços, o que, diga-se, não é nenhu-ma má notícia. O ruim é o efeito colateral. Mesmo um pintor genial, como José Antonio da Silva, até pouco tempo apontado como “o novo Volpi”, dificilmente alcança os preços de antes. Ao contrário, seus valores caem constantemente, ou se mantêm estáveis, assim como os de todos os demais pintores populares importantes.

Isabela Cribari novamente aponta as razões: “os museus e gale-rias só exibem o que é apontado pelos curadores, que parecem desconhecer ou não se importarem muito com a pintura de artis-tas populares, não os indicando para esses espaços. O que não é exposto não sai nos jornais, as pessoas não vêem, e em conseqüên-cia não passam a desejar possuir estas obras. Com isso seu “valor de mercado”, seu “preço”, despenca. Sob esse viés, além de uma grande injustiça histórica, não expor as pinturas de artistas popula-res é uma dupla perversidade: com o público e com os artistas”.

O colecionador João Mauricio de Araújo Pinho, que por muitas décadas não adquiriu nenhum quadro, mas passou a fazê-lo recen-temente, confirma o papel dos museus no apontamento dos rumos de uma coleção, citando “o Museu do Pontal, uma casa de cultura voltada essencialmente à escultura, como o marco referencial de muitos acervos particulares no Rio de Janeiro”.

A crítica e historiadora de arte Lelia Coelho Frota, nossa mais importante estudiosa do assunto, autora de artigos e livros sobre arte popular, entre eles o recente “Pequeno Dicionário da Arte do Povo Brasileiro”, sucesso editorial e bússola para quem quer iniciar-se no conhecimento dessa vertente e, lembra a presença de artistas de todas as linguagens em seus livros e também nas curadorias sob sua responsabilidade.

Poderíamos também lembrar o acerto e o espírito democrático do Módulo de Arte Popular da Mostra do Redescobrimento, em 2001, onde Emanoel Araújo montou aquela que é considerada a mais emblemática mostra do gênero já realizada no Brasil, um ver-dadeiro divisor de águas, que repôs o conceito de arte popular e o trouxe para o centro do debate. Mas as linguagens proscritas falam por si mesmas. Não precisam mais do que ser ouvidas. Ou melhor, vistas. Nas páginas seguintes algumas imagens comunicam com muita clareza a força de sua narrativa. E reivindicam com veemên-cia seu lugar na cena.

"Mãe Solteira" de Sérgio Vidal e "Gato Bebendo no Tanque" de Ranchinho

74 RAIZ

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RAIZ 75

"Algodoal" de Agostinho B. Freitas

Detalhe de "Greve no ABC" de J. Coimbra e detalhe de "Tropeiros" de Cincinho

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RAIZ 77

"Isaura" de Mirian, "Romaria no Tiete" de Zica Bergami e "Circo" de Alcides dos Santos

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RAIZ 79

"Açude" de Irene Medeiros e "Casas na Montanha"

80 RAIZ

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"Galo" de Vitória Basaia e "Eu e Ela" de Vicente Ferreira