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Tiragem: 41360
País: Portugal
Period.: Semanal
Âmbito: Informação Geral
Pág: 20
Cores: Cor
Área: 26,96 x 31,12 cm²
Corte: 1 de 1ID: 45487628 04-01-2013 | Ípsilon
É músico e fotógrafo. Acaba
de ser considerado pelo crí-
tico norte-americano Mark
Corroto como um dos me-
lhores autores de 2012, pe-
lo seu disco Burning Live.
Faz fotografia como toca música:
ao sabor do improviso, andando
ao acaso nas cidades onde a músi-
ca o leva, captando a imagem do
momento sem reflectir sobre o que
vê. A selecção, o pensamento so-
bre aquilo que a câmara captou,
vêm depois.
Falamos de Rodrigo Amado, que
acaba de assinar um livro conjun-
tamente com Gonçalo M. Tavares:
Un certain malaise, editado pela
Documenta, acompanha uma ex-
posição a decorrer na Sala do Cin-
zeiro da Fundação EDP até 10 de
Fevereiro. As imagens, paisagens
urbanas obtidas em quatro cidades
do norte da Europa — Berlim, Mos-
covo, Varsóvia e Copenhaga —, pos-
suem em comum a luz pálida que
associamos aos meses frios do In-
verno setentrional. “Esta série co-
meçou há cerca de sete anos, e
acompanha o meu trabalho como
músico. Ando de cidade em cida-
de, e vou fotografando o que vejo”,
diz o autor. Estes périplos incluí-
ram também Nova Iorque (que foi
objecto de uma série autónoma
apresentada há alguns anos), Paris,
Londres e Amesterdão. Mas quan-
do, há ano e meio, Rodrigo Amado
começou a tentar reunir uma série
entre as centenas de imagens de
que dispunha, notou que estas (e
outras, que ficaram fora do livro e
da exposição) possuíam algo em
comum: “As personagens não eram
tão interessantes como na Améri-
ca, e estas imagens das cidades
europeias possuíam uma vibração
diferente: mais soturnas, mais car-
regadas, mais cheias de solidão.”
Por esta mesma razão, acabou por
excluir as imagens de Paris e Lon-
dres desta selecção, e por se focar
em ambientes relacionados com a
história da ex-URSS ou da Repúbli-
ca Democrática Alemã, com excep-
ção da fotografia de uma soberba
estufa quase vazia nos Jardins Re-
ais de Copenhaga.
“Vibração” é uma palavra que
surge com frequência no discurso
de Rodrigo Amado a propósito da
sua obra fotográfica. É também
aquela que permite realizar uma
ligação com a sua actividade de
músico: “Quando vou tocar, faço
improvisação total. Aliás, fazemos
todos. Eu confio profundamente
no instinto. Ainda agora fiz um
concerto com dois músicos com
quem nunca tinha tocado, e prati-
camente fomos para cima do palco
sem nos termos falado antes! E as
coisas funcionam.” À parte isto,
não acha que existam muitos pon-
tos de contacto entre as duas prá-
ticas, embora tenha usado parte
delas em projecção quando deu
um espectáculo no Centro Cultural
de Belém (CCB) para assinalar o
Dia Mundial da Poesia em 2011.
À procura de um conceito que
agregasse as fotografias que pro-
curava, Rodrigo Amado lembrou-
se de Os Passos em Volta, de Her-
berto Helder, e das peregrinações
que as diferentes personagens re-
alizam nessa obra. Aliás, tanto a
exposição como o livro Un Certain
Malaise começam com uma citação
desse poeta: “Escrevo o poema —
linha após linha, em redor do pe-
sadelo do desejo, um movimento
da treva, e o brilho sombrio da mi-
nha vida parece ganhar uma uni-
dade onde tudo se confirma: o
tempo e as coisas.” Mas não só:
Amado interessa-se também “pela
própria pessoa que o Herberto é:
uma pessoa que se auto-desadap-
tou da realidade, porque quer ser
assim”. “Há coisas na personalida-
de do Herberto que têm a ver co-
migo”, insiste.
Quando era novo, aí pelos 17, 18
anos, Rodrigo Amado fez quatro
viagens de InterRail sozinho. Foi
uma das experiências mais incrí-
veis da sua vida. “Conhecem-se
pessoas. Se estás sozinho, é mais
fácil convidarem-te para jantar em
casa. E depois há a parte da língua.
Não se pode mesmo falar portu-
guês, o que cria um isolamento
particular. Eu sempre me senti
bem neste papel solitário, embora
houvesse momentos muito duros:
dormidas em estações de comboio,
viagens de dois dias em que não
falava com ninguém.” E remata:
“Eu desconfio que o Herberto Hel-
der é também um pouco assim.”
Abrir o sentidoDesde o espectáculo que deu no
CCB, Rodrigo Amado nunca mais
mexeu na selecção de imagens:
“Isto diz-me alguma coisa sobre a
sua unidade.” Quando, durante a
preparação da exposição, surgiu a
oportunidade de fazer o livro, teve
também a certeza de que não que-
ria que o texto fosse escrito por um
crítico: “Queria que fosse uma coi-
sa mais criativa, que abrisse o sen-
tido das fotografias. Não queria
uma coisa formal, queria um livro
que voasse.” Lembrou-se então de
ter ouvido falar de umas aulas que
Gonçalo M. Tavares tinha dado so-
bre interpretação da imagem, na
Faculdade de Motricidade Huma-
na, onde pedia aos alunos que fic-
cionassem sobre o que viam. “Man-
dei-lhe um email; estava com medo
que não respondesse, mas respon-
deu, aceitou e fez o texto. Foi in-
crível. Só o encontrei uma vez an-
tes de o projecto estar termina-
do!”
Ao contrário do que sucede na
maioria das fotografias, quase to-
dos os textos referem corpos: cor-
pos mortos, de costas, corpos que
esperam ou correm por túneis sub-
terrâneos, degradando as imagens
silenciosas que devolvem o nosso
olhar. “Não há corpos, mas há ves-
tígios”, diz Rodrigo Amado a pro-
pósito destas suas ruínas de uma
Mitteleuropa em permanente de-
saparecimento. “E apesar de não
haver corpos, há sempre uma for-
ma que nos permite projectá-
los.”
Uma exposição a solo (Un Certain Malaise, na Fundação EDP) e um livro homónimo com Gonçalo M. Tavares: Rodrigo Amado não é apenas músico.
Luísa Soares de Oliveira
Um livro que voasse