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Trabalho Individual realizado no âmbito da UC4 – Tendências e Desafios no Mundo e na Europa, da Pós-graduação em Prospectiva, Estratégia e Inovação (2011/2012)

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Page 1: Quo Vadis EUA

Marisa F. Silva

Janeiro de 2012

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Pós-graduação em Prospectiva, Estratégia e Inovação �

�� � � ��������� ��Trabalho Individual realizado no âmbito da UC4 – Tendências e Desafios no Mundo e na Europa

Page 2: Quo Vadis EUA

Tendências e Desafios no Mundo e na Europa

Marisa F. Silva

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Considere a seguinte frase:

“A Globalização funcionou nos seus trinta e poucos anos de existência tendo como centro os

EUA com a sua capacidade económica e tecnológica, o seu papel de intermediação financeira

à escala global e a sua superioridade militar, nomeadamente após o colapso da URSS.

Tendo os EUA contado neste período com a complementaridade económica com a Ásia

Pacífico, cujos estados principais também não lhe colocaram desafios estratégicos

significativos. Esses Estados da Ásia Pacífico contaram com os EUA para garantir a segurança

de abastecimento energético, graças à sua presença dominante no Golfo Pérsico e nas linhas

de comunicação marítima que ligam esta região à Ásia Pacífico.”

QUESTÃO: Considera que na próxima década se vão manter estes factores de predominância

dos EUA? Justifique a sua opinião explicitando os factores mais decisivos para que ela se

venha a verificar.

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Tendências e Desafios no Mundo e na Europa

Marisa F. Silva

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Quo Vadis, EUA?

If its individual citizens, to a man, are to be believed, [America] always is depressed, and always

is stagnated, and always is in an alarming crisis, and never was otherwise.

Charles Dickens

Well, here we are on top of the world, and we have arrived at this peak to stay there forever.

There is, of course, a thing called history, but history is something unpleasant that happens to

other people. We are comfortably outside all of that I am sure.

Arnold Toynbee, historiador Inglês

Durante muito tempo foi verdade inquestionável que o Sol girava à volta da Terra. Da mesma

forma, o império romano durou séculos e no século XIX a Grã-Bretanha era o império

dominante. Mas, sabemos, Ptolomeu estava equivocado, Roma desmoronou-se e a História

aconteceu à Grã-Bretanha. A questão dominante nos dias de hoje é – irá a História acontecer

também aos Estados Unidos da América (EUA)? Está já a acontecer?

O declínio do império americano não é, contudo, tema novo e o debate em torno do mesmo

alimenta fortes posições – sobretudo agora que a nação se confronta com altos níveis de

desemprego, uma dívida externa sem precedentes e um sério impasse político. O cenário

parece tão mau que até a revista Foreign Affairs chegou a publicar um artigo sob o tema “Is

America Over?”1. As dinâmicas em mudança em todo o mundo conduziram à ideia, entre o

próprio povo Americano inclusivamente, de que a hegemonia americana está a retroceder.

Porém, poderá ser prematuro ditar o seu fim.

De acordo com Nye2, o poder distribui-se num padrão semelhante ao de um complexo e

tridimensional tabuleiro de xadrez, abrangendo o poder militar, o poder económico e a

densidade/força das relações transnacionais. Para um melhor entendimento da posição dos

EUA enquanto superpotência no mundo, analise-se então cada uma destas dimensões.

���������������������������������������������������������������Foreign Affairs, edição de Novembro/Dezembro 2011�

��“The Future of American Power: Dominance and Decline in Perspective”, Joseph S. Nye Jr, Foreign

Affairs, edição de Novembro/Dezembro 2010�

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Marisa F. Silva

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Na esfera militar, encontra-se com larga vantagem sobre os rivais. De resto, muitos atestam

que as dificuldades sentidas no Iraque ou no Afeganistão, por exemplo, não são reflexo da sua

capacidade militar mas antes de estratégia militar. Não obstante, apesar da sabedoria

convencional postular que o estado com o maior poder militar prevalece, num mundo baseado

na informação como agora sucede, a real noção de poder pode não ser tão linear quanto o era

antes.

No que respeita ao domínio económico, é sabido que a força económica de um País determina

a sua capacidade para se afirmar no sistema internacional. Nesta matéria verifica-se a

existência de vários pólos e actores económicos, sendo de destacar a rápida ascensão da

China ao lugar de segunda economia mundial, bem como das restantes economias asiáticas

emergentes, que sustentam ainda estão uma posição forte. Com efeito, se há décadas atrás

era inegável a hegemonia económica americana, cada vez mais esta surge fragilizada, muito

devido às recentes crises financeiras, do estoirar da bolha das dotcom à problemática do

subprime. Muitos observadores interpretaram, de resto, a crise financeira global de 2008 como

o início do fim para os EUA.

Quanto ao domínio das relações internacionais, os EUA assumem aí figura proeminente já que

o seu poder, ao contrário dos impérios tradicionais, é mais baseado em alianças do que em

expansões territoriais. Esta posição, consistente com a cultura de abertura ao exterior, traduz-

se num factor importante, sobretudo num mundo em que as redes e alianças estratégicas

complementam, ou até mesmo substituem, o poder hierárquico. É de notar, sobre este tópico, a

condição que os EUA detêm no seio da ONU ou da NATO, sinal claro da sua predominância no

cenário geopolítico, e não deve ser descurado o facto de que as duas entidades no mundo com

rendimentos per capita e economias sofisticadas similares às dos EUA serem a União Europeia

e o Japão – ambos aliados dos EUA.

Importa ainda referir as características específicas subjacentes à lógica de domínio configurada

pelos EUA – estes não são apenas uma superpotência em busca dos seus interesses, são

também um produtor da ordem mundial. Ao longo dos tempos, com as suas capacidades,

interesses e ideais, os EUA conseguiram construir um “projecto Americano” com um alcance

global sem precedentes, fruto da globalização. E, se é certo que o “american dream” não tem já

a mesma força de outros tempos, continua ainda a ser uma imagem de marca do País, com

capacidade para continuamente atrair as mais brilhantes mentes do mundo.

Sendo uma espécie de estabilizador da ordem mundial, não deixa também de ser fundamental

ressalvar que a complexidade e interdependência do mundo não permitem líderes isolados e,

em muitos aspectos da vida económica e política, os EUA dependem fortemente de outros

Países. Emmanuel Todd resume bem esta situação, afirmando: "At the very moment when the

rest of the world -- now undergoing a process of stabilization thanks to improvements in

education, demographics, and democracy -- is on the verge of discovering that it can get along

without America, America is realizing that it cannot get along without the rest of the world."

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Efectivamente, a estagnação económica actual, o cenário de crise financeira e o galopante

crescimento da dívida norte-americana evidenciam esta interdependência e, na opinião de

alguns analistas, a predominância da China e do Médio Oriente na procura dos títulos do

Tesouro norte-americanos vai acentuar-se, cabendo a estes a última palavra sobre o

"imperialismo baseado na dívida" da superpotência. A par desta problemática, os EUA assistem

também ao colapso das suas instituições políticas, associado ao declínio da confiança pública

nas instituições governamentais e ao desgaste da legitimidade do modelo capitalista, de que os

EUA são fiel representante.

Assim, os EUA enfrentam desafios externos e internos, que, se considerados em absoluto ou

isoladamente, denunciam uma fragilidade que pode ser difícil de reparar e que poderão dar

origem a uma nova distribuição de poder, ao abrir caminho ao surgimento ou reforço de

posição de outros players mundiais.

Dentre estes, muito se especula sobre a ascensão do grupo de Países BRIC (Brasil, Rússia,

Índia e China), com muitos “profetas” a anunciarem a China como o actor capaz de ultrapassar

o poder americano ou, pelo menos, desafiá-lo. Acredita-se que no curto prazo, a China

pretenda substituir a preponderância americana no Extremo Oriente e que, a médio prazo,

postule á posição de potência mundial dominante, como novo epicentro da economia. De facto,

o crescimento económico exponencial da China nas últimas décadas constitui um caso de

estudo impressionante e, a continuar a verificar-se aquela tendência, representa uma potencial,

senão real, ameaça ao poder americano.

Todavia, não obstante ter vindo a afirmar-se como destacado actor no que ao poder económico

respeita – é actualmente a segunda economia mundial -, tem ainda caminho a percorrer para

igualar os recursos norte-americanos e apresenta alguns obstáculos internos ao nível do

desenvolvimento económico. A este nível, note-se que o rendimento per capita é muito díspar

entre os dois países, verificam-se desigualdades regionais, e é expectável que a política de

filho único venha a apresentar as suas consequências, ou seja, embora a economia chinesa

apresente um crescimento assombroso tal não se reflectiu ainda ao nível do desenvolvimento

do País.

Além da projecção externa dos seus capitais, a China está apostada na afirmação internacional

do yuan, a moeda chinesa, o que é significativo de uma mudança de posição geopolítica que

no futuro poderá acentuar-se. A este propósito, realce-se o facto de que muitos analistas

acreditam que o futuro venha cada vez mais a ser o de um sistema de multi-moeda, a que não

será alheia esta intenção da China.

Ademais, o crescimento do poder Chinês na Ásia é disputado pelos vizinhos Índia e Japão, o

que confere também uma vantagem aos EUA e poderá condicionar os propósitos Chineses na

sua expansão naquela zona do globo. De resto, os desequilíbrios mundiais entre países

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excedentários e deficitários estão a avolumar-se e a “estável instabilidade” actual pode romper-

se de um momento para o outro, com repercussões difíceis de conceber.

Os factores que poderão ditar o posicionamento Chinês no mundo são, porém, mais de ordem

interna do que externa. O principal desafio da China assentará na sua capacidade para

transitar para um novo modelo económico menos mercantilista (até aqui apostado nas

exportações e na moeda desvalorizada artificialmente) e mais consumista internamente, além

do alcançar de uma realidade política que se coadune com o conceito de democracia e que se

adapte à nova ordem mundial.

A par destes, será importante frisar que falta à China o poderio militar, área onde não apresenta

vantagem capaz de rivalizar com os EUA, além de que China (e também outros) dependem

ainda dos EUA como mercado para exportar e como espaço de investimento financeiro, pelo

que a eventual “vitória” da China passará sempre não pelo declínio americano mas por um

relativo equilíbrio sustentado.

É inquestionável que o poder económico é determinante e alavanca para o domínio mundial,

mas per si, não é suficiente. Com efeito, assumir uma predominância Chinesa com recurso a

projecções baseadas unicamente no crescimento económico é uma abordagem redutora e

ingénua, convergente numa visão economicista e que despreza assim toda a articulação de um

conjunto de factores que não se esgotam na área económica ou militar, mas que deverão

incluir outros como culturais, tecnológicos, ideológicos, relacionais, etc. De resto, descrever a

transição de poder a que se assiste com um convencional caso de declínio de uma das partes

será uma assunção inocente e assaz precoce.

Atendendo a esta consideração mais ampla daquilo que constitui a predominância de uma

nação sobre outras, os EUA mantêm ainda os factores determinantes que acentuam a

designação de superpotência: tem o maior número de empresas listadas na reputada Fortune

500, além de um crescente número de empreendedores (curiosamente, muitos imigrantes,

incluindo de origem Chinesa e Indiana, são agora aqueles que criam start-ups na América e

povoam Sillicon Valey); sendo uma economia essencialmente de serviços, mantém-se na linha

da frente das tecnologias ditas do futuro, como a biotecnologia ou a nanotecnologia, e é dos

Países que mais investe em investigação e desenvolvimento; as suas universidades,

especialmente nas áreas de Gestão e Engenharias, dominam os rankings globais; carece de

uma política de energia consolidada, mas explora mais recursos energéticos do que a maioria,

sendo também menos dependente de petróleo do que muitos; apresenta uma economia

debilitada mas o mundo continua de olhos postos em Wall Street; tem visto a sua ideologia e

modo de vida contestado mas é dos Países que continua a captar maior número de imigrantes,

incluindo as grandes mentes mundiais.

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Tendências e Desafios no Mundo e na Europa

Marisa F. Silva

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É inegável, como exposto anteriormente, que os EUA passam por um período conturbado e

não será despropositado acreditar que enfrentarão ainda muitas e crescentes dificuldades nos

próximos anos para manter o controlo global político e económico. Ainda assim, se numa visão

absoluta o País se encontra fragilizado, numa visão mais holística e relativa, continua muito

forte em áreas-chave de vitalidade global. Então, ainda que seja previsível que a China

continue a reforçar a sua posição através do crescimento económico e fique relativamente

próxima do poderio norte-americano, não parece ter força tal para se afigurar como alternativa

hegemónica no horizonte da próxima década.

A convicção, por seu lado, é um luxo daqueles que se encontram nas bancadas3, pelo que será

conveniente acautelar que o futuro, por definição, é sempre incerto e existem vários futuros

possíveis e nunca apenas um, ou não seria esta uma Pós-graduação em Prospectiva. Assim,

embora o cenário aqui defendido seja aquele de manutenção dos factores de predominância

dos EUA, poderão descortinar-se outras configurações, com a mais evidente a ser uma

superação pela China ou, num cenário mais improvável mas nem por isso menos real, o

surgimento de novos e inesperados actores na cena mundial.

���������������������������������������������������������������”Conviction, it turns out, is the luxury of those on the sidelines.” – A Beautiful Mind, 2001