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49 RPCV (2015) 110 (593-594) 49-53 Quimioterapia metronômica em cães: revisão de literatura Metronomic chemotherapy in dogs: a review Valeska T.M. Barros 1 * Cláudia S.F. Repetti 2 1 Clínica Cirúrgica e Anestesiologia de Pequenos Animais da Universidade de Marília - Brasil 2 Universidade de Marília-Brasil Resumo: O tratamento do câncer em cães e gatos evoluiu sig- nificativamente nas últimas décadas, principalmente em decor- rência da utilização de diferentes fármacos antineoplásicos. A administração metronômica proporciona baixos e contínuos níveis circulantes dos fármacos antineoplásicos, garantindo efeitos citotóxicos, antiangiogênicos, além de proporcionar baixos índices de efeitos colaterais e de resistência aos quimio- terápicos. As principais indicações da quimioterapia metronô- mica envolvem o controle paliativo de neoplasias recidivantes, irressecáveis ou metastáticas e o tratamento de pacientes extre- mamente debilitados ou cujos proprietários rejeitam as terapias convencionais em decorrência dos riscos de efeitos adversos. Os antineoplásicos mais utilizados em vários estudos de qui- mioterapia metronômica incluem a ciclofosfamida, clorambu- cil, lomustina, metrotexato, antinflamatórios não esteroides, entre outros. Na oncologia veterinária, alguns autores relatam sucesso na terapia paliativa de cães com osteossarcoma me- tastático, carcinoma prostático metastático, histiocitose malig- na, hemangiossarcoma, sarcomas de tecidos moles, carcinoma mamário e melanoma. A quimioterapia metronômica é uma modalidade terapêutica que se encontra sob investigação, sen- do necessários mais estudos clínicos para avaliar as melhores combinações de fármacos contra os diferentes tipos de neo- plasias, bem como as doses mínimas efetivas. O baixo custo, a conveniência dos protocolos e a baixa ocorrências de efeitos adversos revelados até o momento tornam promissora a utili- zação dessa modalidade terapêutica na oncologia veterinária. Palavras-chave: oncologia veterinária, câncer, quimioterapia metronômica, antineoplásicos, cão, angiogênese Summary: The treatment of cancer in dogs and cats evolved significantly in recent decades, mainly due to the use of di- fferent anticancer drugs. The metronomic administration pro- vides continuous and low circulating levels of antineoplastic drugs, ensuring cytotoxic effects, antiangiogenic, and provide low rates of side effects and resistance to chemotherapy. The main indications of metronomic chemotherapy involve pallia- tive control of recurrent cancer, unrespectable or metastatic and treatment of extremely debilitated patients or whose ow- ners reject conventional therapies due to the risk of adverse effects. The most widely used antineoplastic agents in several studies metronomic chemotherapy include cyclophosphamide, chlorambucil, lomustine, methotrexate, non-steroidal anti-in- flammatory drugs, among others. In veterinary oncology, some authors have reported success in palliative therapy in dogs with metastatic osteosarcoma, metastatic prostatic carcinoma, ma- lignant histiocytosis, hemangiosarcoma, soft tissue sarcomas, breast carcinoma and melanoma. The metronomic chemothera- py is a therapeutic modality that is under investigation, requi- ring more clinical studies to evaluate the best combinations of drugs against different types of cancer as well as the minimum effective doses. The low cost, the convenience of protocols and the low occurrence of adverse effects revealed till now make the utilization of this therapeutic modality very promising in veterinary oncology. Keywords: veterinary oncology, cancer, metronomic chemo- therapy, antineoplastic, dog, angiogenesis Introdução O tratamento do câncer em cães e gatos evoluiu sig- nificativamente nas últimas décadas, principalmente em decorrência da utilização de diferentes antine- oplásicos. Existem inúmeros fármacos citotóxicos que são utilizados rotineiramente na oncologia vete- rinária, sendo empregados no tratamento de neopla- sias hematopoiéticas, em terapias adjuvantes para o controle de micrometástase em potencial, na preven- ção de recidivas de tumores sólidos e no tratamento paliativo de tumores irressecáveis ou metastáticos (Rodigheri e de Nardi, 2013). A administração metronômica proporciona baixos e contínuos níveis circulantes dos fármacos antine- oplásicos, garantindo efeitos citotóxicos, antiangio- gênicos e imunomoduladores, além de proporcionar baixos índices de efeitos adversos e de resistência aos quimioterápicos (Hanahan et al., 2000). Revisão de Literatura Quimioterapia clássica versus quimioterapia metronômica A terapia metronômica oferece um novo conceito no tratamento do câncer, além de um protocolo ci- totóxico diferente do convencional. Regimes de qui- mioterapia tradicionais baseiam-se na administração de medicamentos em doses elevadas para remover o máximo de células tumorais. Estes tratamentos estão *Correspondência: [email protected] Telefone: 55-14-981187014

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RPCV (2015) 110 (593-594) 49-53

Quimioterapia metronômica em cães: revisão de literatura

Metronomic chemotherapy in dogs: a review

Valeska T.M. Barros1 * Cláudia S.F. Repetti2

1Clínica Cirúrgica e Anestesiologia de Pequenos Animais da Universidade de Marília - Brasil2Universidade de Marília-Brasil

Resumo: O tratamento do câncer em cães e gatos evoluiu sig-nificativamente nas últimas décadas, principalmente em decor-rência da utilização de diferentes fármacos antineoplásicos. A administração metronômica proporciona baixos e contínuos níveis circulantes dos fármacos antineoplásicos, garantindo efeitos citotóxicos, antiangiogênicos, além de proporcionar baixos índices de efeitos colaterais e de resistência aos quimio-terápicos. As principais indicações da quimioterapia metronô-mica envolvem o controle paliativo de neoplasias recidivantes, irressecáveis ou metastáticas e o tratamento de pacientes extre-mamente debilitados ou cujos proprietários rejeitam as terapias convencionais em decorrência dos riscos de efeitos adversos. Os antineoplásicos mais utilizados em vários estudos de qui-mioterapia metronômica incluem a ciclofosfamida, clorambu-cil, lomustina, metrotexato, antinflamatórios não esteroides, entre outros. Na oncologia veterinária, alguns autores relatam sucesso na terapia paliativa de cães com osteossarcoma me-tastático, carcinoma prostático metastático, histiocitose malig-na, hemangiossarcoma, sarcomas de tecidos moles, carcinoma mamário e melanoma. A quimioterapia metronômica é uma modalidade terapêutica que se encontra sob investigação, sen-do necessários mais estudos clínicos para avaliar as melhores combinações de fármacos contra os diferentes tipos de neo-plasias, bem como as doses mínimas efetivas. O baixo custo, a conveniência dos protocolos e a baixa ocorrências de efeitos adversos revelados até o momento tornam promissora a utili-zação dessa modalidade terapêutica na oncologia veterinária.

Palavras-chave: oncologia veterinária, câncer, quimioterapia metronômica, antineoplásicos, cão, angiogênese

Summary: The treatment of cancer in dogs and cats evolved significantly in recent decades, mainly due to the use of di-fferent anticancer drugs. The metronomic administration pro-vides continuous and low circulating levels of antineoplastic drugs, ensuring cytotoxic effects, antiangiogenic, and provide low rates of side effects and resistance to chemotherapy. The main indications of metronomic chemotherapy involve pallia-tive control of recurrent cancer, unrespectable or metastatic and treatment of extremely debilitated patients or whose ow-ners reject conventional therapies due to the risk of adverse effects. The most widely used antineoplastic agents in several studies metronomic chemotherapy include cyclophosphamide, chlorambucil, lomustine, methotrexate, non-steroidal anti-in-flammatory drugs, among others. In veterinary oncology, some authors have reported success in palliative therapy in dogs with metastatic osteosarcoma, metastatic prostatic carcinoma, ma-lignant histiocytosis, hemangiosarcoma, soft tissue sarcomas,

breast carcinoma and melanoma. The metronomic chemothera-py is a therapeutic modality that is under investigation, requi-ring more clinical studies to evaluate the best combinations of drugs against different types of cancer as well as the minimum effective doses. The low cost, the convenience of protocols and the low occurrence of adverse effects revealed till now make the utilization of this therapeutic modality very promising in veterinary oncology.

Keywords: veterinary oncology, cancer, metronomic chemo-therapy, antineoplastic, dog, angiogenesis

Introdução

O tratamento do câncer em cães e gatos evoluiu sig-nificativamente nas últimas décadas, principalmente em decorrência da utilização de diferentes antine-oplásicos. Existem inúmeros fármacos citotóxicos que são utilizados rotineiramente na oncologia vete-rinária, sendo empregados no tratamento de neopla-sias hematopoiéticas, em terapias adjuvantes para o controle de micrometástase em potencial, na preven-ção de recidivas de tumores sólidos e no tratamento paliativo de tumores irressecáveis ou metastáticos (Rodigheri e de Nardi, 2013).

A administração metronômica proporciona baixos e contínuos níveis circulantes dos fármacos antine-oplásicos, garantindo efeitos citotóxicos, antiangio-gênicos e imunomoduladores, além de proporcionar baixos índices de efeitos adversos e de resistência aos quimioterápicos (Hanahan et al., 2000).

Revisão de Literatura

Quimioterapia clássica versus quimioterapia metronômica

A terapia metronômica oferece um novo conceito no tratamento do câncer, além de um protocolo ci-totóxico diferente do convencional. Regimes de qui-mioterapia tradicionais baseiam-se na administração de medicamentos em doses elevadas para remover o máximo de células tumorais. Estes tratamentos estão *Correspondência: [email protected]

Telefone: 55-14-981187014

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associados a elevada toxicidade e requerem um perío-do de repouso para permitir a recuperação dos tecidos normais com elevada taxa de proliferação celular. Em contraste, a administração metronômica de fármacos citotóxicos envolve a administração contínua, sem pausa, por um longo período de tempo e com dose muito mais baixa do que a utilizada convencionalmen-te, o que minimiza o risco de toxicidade (Lara, 2012).

A maior parte da administração quimioterápica clássica baseia-se no conceito de dose máxima tole-rada e é considerada como não específica na medida em que pode provocar danos e toxicidade tanto em tecidos neoplásicos quanto em tecidos sadios (princi-palmente medula óssea e epitélio intestinal), pois afe-ta preferencialmente populações celulares com rápi-da divisão mitótica (Mutsaers, 2009). Deste modo, na quimioterapia clássica ocorre a administração da má-xima dose que o paciente possa tolerar, seguindo-se um período de intervalo que é necessário para permi-tir uma observação de potenciais efeitos secundários, assim como para a instituição de um eventual trata-mento de suporte (Mutsaers, 2007; Mutsaers, 2009).

O conceito de quimioterapia metronômica se ba-seia na observação de que certos agentes citotóxicos convencionais, quando administrados em baixas do-ses, podem exercer efeitos anti-angiogênicos (Polton, 2014). Sua utilização em pacientes humanos foi pri-meiramente demonstrada no ano de 2000 a partir dos trabalhos de Folkman (1971) que propuseram a im-portância de fatores pró-angiogênicos na oncogênese (Polton, 2014).

Os tumores de crescimento progressivo e metastáti-cos são capazes de estimular a angiogênese. A admi-nistração contínua de doses baixas de quimioterápicos, sem interrupções prolongadas, tem mostrado ser um meio eficaz para inibir a angiogênese tumoral. A dosa-gem metronômica baseia-se no fato de que as células endoteliais são mais sensíveis à exposição contínua de baixas doses de quimioterápicos e menos susceptíveis a sofrer mutações genéticas, que desenvolvem resis-tência à droga de ação rápida (Elmslie et al., 2008).

A palavra metronômica é derivada da palavra “me-trônomo”, um relógio que mede o tempo musical, produzindo pulsos de duração regular, ajustáveis em batimentos por minuto. Estes pulsos representam um pulso sonoro fixo e regular. A quimioterapia metro-nômica baseia-se na administração de fármacos ci-tostáticos em doses abaixo da dose máxima tolera-da e sem pausas prolongadas entre administrações. Assim, alcança-se um baixo nível de concentração sanguínea do fármaco sem efeitos colaterais tóxicos significativos. A administração do quimioterápico metronomicamente permite a eliminação de períodos longos entre doses, períodos durante os quais podem surgir alterações oportunistas nas células tumorais (Mutsaers, 2007).

Segundo Polton (2014) existem vários mecanismos de ação propostos para a quimioterapia metronômica.

O primeiro é um efeito antiproliferativo para células precursoras endoteliais que são liberadas da medula óssea e migram para o local do tumor em desenvolvi-mento. Estas células precursoras endoteliais não são neoplásicas, porém tornam-se elementos estruturais críticos que permitem o crescimento de células ne-oplásicas, tanto no local do tumor primário quanto em metástases distantes. A administração contínua de baixas doses de quimioterápicos permite um controle efetivo destas células.

Outro mecanismo de ação proposto é um aumen-to na produção e liberação de inibidores da angiogê-nese. Múltiplos fatores antiangiogênicos endógenos foram identificados, um dos quais, em particular, a trombospondina-1, que induz a apoptose das células endoteliais. A trombospondina-1 é regulada positi-vamente em resposta a dose baixa de ciclofosfamida com consequente apoptose das células endoteliais e a supressão do crescimento tumoral (Bampi, 2014; Polton, 2014).

Lara (2012) descreve que o efeito antiangiogênico desta terapia é resultante de três fatores, sendo que a quimioterapia metronômica afeta células endoteliais de uma maneira muito mais direta e seletiva em re-lação a outros tipos de células e tecidos. Segundo a autora, as células progenitoras endoteliais derivadas da medula óssea são alvo direto da ação da quimiote-rapia metronômica, a qual inibe os fatores de cresci-mento angiogênicos.

Desta forma, a quimioterapia metronômica difere da quimioterapia citotóxica convencional na frequên-cia da dose, farmacocinética, células-alvo, intenção de tratamento e toxicidade para o paciente. Na qui-mioterapia metronômica, a administração é em dose contínua; a dose é inferior àquela adotada em proto-colos convencionais de dose máxima tolerada; ocor-re concentração plasmática do fármaco mantida no organismo ao longo do tempo; as células endoteliais dos vasos sanguíneos do tumor em crescimento são as células alvo do quimioterápico; a toxicidade para o paciente é significativamente menor, com diminui-ção da necessidade de terapia de suporte; a intenção do tratamento é o controle do tumor. Na quimiote-rapia convencional, os fármacos são administrados com intervalos de duas a três semanas; as doses são elevadas; ocorrem aumento e diminuição da concen-tração plasmática do fármaco; as células alvo são células tumorais em proliferação; toxicidade para o paciente constitui-se num grave problema; o objetivo do tratamento é realizar a erradicação do tumor (Bahl e Bakhshi, 2012).

As principais indicações de quimioterapia metronô-mica envolvem o controle paliativo de neoplasia reci-divantes, irressecáveis ou metastáticas e o tratamento de pacientes extremamente debilitados ou cujos pro-prietários rejeitam as terapias convencionais em de-corrência dos riscos de efeitos adversos (Rodigheri e De Nardi, 2013).

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Figura 01 - Diferença de conceitos entre a quimioterapia clássica e quimioterapia metronômica. Considerar que, neste esquema, o tamanho da seta corresponde à quantidade de fár-maco administrado e o número de setas indica o número de ad-ministrações ao longo do tempo (adaptado de Mutsaers, 2007).

Vantagens e desvantagens da quimioterapia metronômica

As vantagens da quimioterapia metronômica sobre a quimioterapia clássica podem ser descritas como maior atividade contra o parênquima e estroma da ne-oplasia, maior atividade pró-apoptótica e antiangiogê-nica, menores efeitos secundários sistêmicos e menor toxicidade aguda; menor probabilidade de resistência à quimioterapia. Destacam-se também a possibilidade de combinação com outros citostáticos, possibilidade de administração por longo período, além de menor custo e maior facilidade de aplicação (Gasparini, 2001; Kerbel e Karmen, 2004; Lana et al., 2007; Mutasers, 2007).

As desvantagens estão relacionadas, sobretudo com o fato de até ao momento, a seleção das doses metro-nômicas e a combinação com outros agentes ser feita empiricamente, surgindo a necessidade de determinar a dose biológica ótima. Existem ainda muitos desafi os na defi nição de protocolos efetivos de quimioterapia metronômica e na realização de uma avaliação mais sistemática, nomeadamente quando são utilizadas combinações de fármacos, em que pode existir dife-rentes mecanismos de ação envolvidos (Kerbel, 2007; Elmslie et al., 2008; Burton et al., 2011).

Protocolos

O fármaco citostático mais utilizado em vários es-tudos de quimioterapia metronômica é a ciclofosfa-mida (Penel et al., 2012), no entanto existem vários estudos que utilizam outros fármacos citostáticos, tais como clorambucil, lomustina, metrotexato, entre outros (Colleoni et al., 2006; Orlando et al., 2006; Tripp et al., 2011; Leach et al., 2012). Para além dos agentes citostáticos clássicos também têm sido inclu-ídas outros fármacos nos protocolos de quimioterapia metronômica, escolhidas pelas suas propriedades an-

tiangiogênicas. Dentre estas, as mais comumente usadas são os antinfl amatórios não esteroides (AINES), no en-tanto também têm sido incluídos agentes antivasculares direcionados, como anticorpos monoclonais e inibido-res do receptor da tirosina quinase (Hauck, 2011).

Na oncologia veterinária, alguns autores relatam sucesso ocasional na terapia paliativa de cães com osteossarcoma metastático, carcinoma prostático me-tastático e histiocitose maligna utilizando doxiciclina (5 mg/kg a cada 24 horas), piroxicam (0,3 mg/kg a cada 48 horas) e ciclofosfamida (25 mg/m2 a cada 48 horas) como protocolo de quimioterapia metronômica (Liptack et al, 2004).

A administração metronômica de ciclofosfamida (12,5 mg/m2 a cada 24 horas, durante 3 semanas) se-guida de etoposídeo (50 mg/m2 a cada 24 horas, duran-te 3 semanas) e piroxicam (0,3 mg/kg a cada 24 horas, durante 6 meses) em cães com hemangiossarcoma es-plênico foi tolerada como terapia adjuvante. O tempo de sobrevida do protocolo metronômico foi semelhante ao obtido como protocolos que utilizam doxorrubicina em doses máximas toleradas, entretanto, a quimiote-rapia metronômica revelou-se uma opção terapêutica atóxica e de baixo custo (Lana et al, 2007).

Em estudo realizado por Lara (2012), o uso de clo-rambucil (com ou sem tratamento simultâneo com AINEs) foi associada com uma taxa de controle clínico da doença em 70% dos cães com carcinoma de células de transição da bexiga. Em outro estudo, o benefício clínico da terapia metronômica com clorambucil em cães com uma variedade de tumores avançados (13,8% com metástases regionais e 50% com metástases à dis-tância) que falharam a terapêutica convencional foi de 58%, com tempo médio de sobrevida de 153 dias.

Baixas doses de clorambucil e ciclofosfamida são bem tolerados em protocolos de quimioterapia me-tronômica com baixa prevalência de toxicidade. A ci-clofosfamida em baixas doses pode induzir cistite he-morrágica estéril em aproximadamente 22% dos casos quando se utiliza a dose de 25mg/m2, nos estudos em que se utilizou dose entre 10 e 15mg/m2, a prevalência fi cou em torno de 10% (Lara, 2012).

Em estudo realizado por Elmslie et al. (2008), foram incluídos 30 cães com diagnóstico de sarcoma de te-cidos moles com ressecção incompleta, submetidos a um tratamento com baixas doses de ciclofosfamida 10 mg/m2/SID e de piroxicam 0,3 mg/kg/SID. Observou-se que o intervalo médio livre da doença foi superior a 410 dias. A partir deste estudo, os autores sugeriram que a combinação destes dois fármacos é efi caz na inibição da recidiva microscópica focal do tumor em cães com sarcomas de tecidos moles, podendo ser uma escolha efetiva para a prevenção da recorrência tumo-ral. Com este estudo foi ainda possível verifi car níveis aceitáveis de toxicidade associados com o protocolo metronômico escolhido. Dos animais tratados, 40% desenvolveram efeitos secundários considerados leves, sendo os mais comuns a anorexia e o vômito.

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No estudo de Leach et al. (2012), o objetivo consis-tiu em determinar a segurança e a atividade antitumo-ral da quimioterapia com clorambucil em doses baixas, 4mg/m2, via oral, diariamente, em cães com diferen-tes tumores (mastocitoma, sarcoma de tecidos moles, carcinoma tireoide, sarcoma histiocítico). Dos 36 cães avaliados neste estudo, muitos já tinham recebido an-teriormente outro tipo de terapia, como cirurgia, qui-mioterapia e/ou radioterapia, devido à malignidade tumoral. Neste estudo, o clorambucil em doses metro-nômicas foi bem tolerado pelos animais, com baixos índices de toxicidade gastrointestinal (náuseas, anore-xia, diarreia), constituindo uma opção de tratamento segura e efetiva para pacientes oncológicos.

Lana et al. (2007) avaliaram o uso de etoposídeo (50 mg/m2/SID), alternado em ciclos de três semanas com ciclofosfamida (12,5 a 25 mg/m2/SID), por via oral, juntamente com piroxicam (0,3mg/kg/SID), de forma contínua, em cães com hemangiossarcoma esplênico. Dos nove cães que foram submetidos a este tratamento, todos apresentavam doença no estádio II. A quimio-terapia metronômica foi bem tolerada durante os seis meses de tratamento previsto e a média de sobrevida livre de progressão e o intervalo médio de sobrevida foram ambos de 178 dias. Estes resultados são supe-riores aos obtidos nos animais tratados com monoqui-mioterapia clássica com doxorrubicina (30 mg/m2, IV) a cada duas semanas que foram 126 e 133 dias, respeti-vamente. No entanto as diferenças dos intervalos livres de doença não foram significativas e o estudo envol-veu uma pequena amostragem, tornando assim difícil avaliar o impacto deste protocolo nos resultados sobre pacientes com hemangiossacoma esplênico.

Marchetti et al. (2012) tratam 15 cães com metás-tases tumorais utilizando a associação de ciclofosfa-mida (25 mg/m2, VO, SID) e celecoxib (2mg/kg, PO). Destes, um teve remissão completa (7%), e a doença foi considerada estável em cinco animais (33%). A sobrevida média de todos os animais tratados foi de 3,39 meses. Uma fêmea com carcinoma mamário em estádio V apresentou a doença estável durante seis meses, e um cão com melanoma oral em estádio IV, manifestou remissão completa, beneficiando de quatro meses de sobrevida livre de doença. Todos os animais apresentaram melhoria na qualidade de vida e não exi-biram toxicidade metabólica ou hematológica que pu-desse alterar o tratamento.

Os receptores de tirosina-quinase são uma subclasse de receptores de fatores de crescimento, localizados na superfície celular, com atividade tirosina-quinase li-gante-controlada. A ativação deste receptores tem sido relacionada ao crescimento e à metastização tumoral, assim como com o crescimento de vasos sanguíneos nos tumores (Bampi, 2014).

Fármacos inibidores da tirosina-quinase são muito utilizados em pacientes humanos, porém na medicina veterinária a sua aplicação é relativamente recente. O toceranib, masitinib e imatinib têm sido utilizados com

sucesso em cães. Dois dos inibidores da tirosina qui-nase, o masitinib (Masivet) e o toceranib (Palladia), encontram-se licenciados para utilização na medicina veterinária para o tratamento de mastocitomas caninos (Cabral, 2013).

O masitinib é eficaz no tratamento de mastocitomas caninos não operáveis e mostrou evidências de me-lhorar a sobrevivência em longo prazo, independente-mente do grau do mastocitoma, retardando a progres-são tumoral. Os efeitos colaterais mais frequentes são reações gastrointestinais (vômitos e diarreia) e queda de pêlo. O masitinib está contraindicado em caso de doença renal, doença hepática, animais anêmicos ou com neutropenia (Cabral, 2013).

O toceranib também é indicado no tratamento de cães com mastocitoma de elevado grau (2 ou 3), em recidivas, ou em mastocitomas em que não é possível a remoção cirúrgica. Os efeitos secundários mais co-muns são anorexia, diarreia, vômito e indução de neu-tropenia suave, o que não parece predispor os animais a infecções bacterianas (London et al., 2012; Cabral, 2013).

De acordo com London (2009), doses baixas de toceranib (2,5-2,7mg/kg) comparadas à dose clássica (3,5mg/kg) para o tratamento de mastocitomas reve-lou atividade clínica, permitindo concluir que esque-mas de doses flexíveis e contínuas, sem a necessida-de de intervalos entre tratamentos podem também ser efetivos. (trabalho retirado da dissertação de mestrado, pagina 15)

Considerações Finais

A quimioterapia metronômica ainda é pouco utili-zada na medicina veterinária, sendo poucos os estu-dos realizados, sugerindo mais pesquisas na área, para adequar as doses efetivas dos fármacos para cada tipo de neoplasia. Apresenta vantagens sobre a quimiote-rapia clássica principalmente pela menor toxicidade ao paciente e baixo custo. As indicações da quimio-terapia metronômica são para neoplasias recidivantes, irressecáveis ou metastáticas e quando os proprietários rejeitam as terapias convencionais em decorrência dos riscos de efeitos colaterais.

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