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Questões de direito à luz de questões de fato O que sabemos sobre a biologia da identidade de gênero e que relevância isso tem para a harmonia social Eli Vieira Araujo-Jnr CV: genetici.st Twitter: @EliVieira FB: fb.com/elivieira

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Questões de direito à luz de questões de fato

O que sabemos sobre a biologia da identidade de gênero e que relevância isso tem para a harmonia social

Eli Vieira Araujo-Jnr

CV: genetici.stTwitter: @EliVieiraFB: fb.com/elivieira

A navalha de Hume e as “quids” de Kant

• Uma separação fundamental na filosofia, importante para organizar o pensamento

• Interações entre os dois lados dessa separação são importantes: o campo de visão deve estar limpo.

Hércules na encruzilhada. Escola umbriano-sienesa, ~1505.

“É”“Questões de fato”

“Deve ser”“Questões de direito”

Somos seres biopsicossociais

• Biologicamente moldados para a cultura

• Culturalmente moldados em nossa biologia

Conceitos e realidade

• Embora identidade de gênero e orientação sexual sejam conceitualmente distintas, os recursos biológicos associados a ambas podem ser relacionados. Distinção de conceito não implica completa distinção real.

O. S. I. G.

Maioria de homossexuais apresenta algum tipo de não-conformidade de gênero durante a infância.

Mais conceitos importantes: sexo biológico e gênero• O que é “sexo” na biologia não se parece

muito com o que é sexo para a maioria das pessoas• Nem todo macho na natureza tem pênis

• Nem toda fêmea cuida dos filhotes

• Gênero traz a complexidade cultural e psicológica da espécie humana a uma base pré-existente de sexo biológico

1895/1900 (catálogo de von Gloeden)

Joan Roughgarden

• “Gênero, como tamanho de gametas, não se limita a dois.”

• “Gênero é aparência, comportamento e história de vida de um corpo sexuado.”

• Joan aplica o conceito de gênero para além da espécie humana

Apenas um caso: vespas intersexo

Um caso notável

Esclarecidos os conceitos, quais são as questões de fato?

• A identidade é de gênero. Se há biologia na transexualidade, deve haver biologia nos gêneros.

• Há diferenças biológicas entre o gênero masculino e o gênero feminino?

Figura andróginado início da eracristã, Mesopotâmia.Museu britânico.

Sim

• Nos fetos, cerca de 50 genes são ativados de forma diferente entre os sexos

• Já no berço, bebês dos diferentes sexos biológicos mostram diferenças de comportamento

• Algumas dessas diferenças estão presentes em espécies aparentadas a nós

• Infelizmente, a maioria dos resultados com pessoas que crescem cis ainda não foi reproduzida com pessoas que crescem trans

Uma velha tensão: tendências centrais e dispersão (variação)• Houve épocas em que na biologia era

mal visto “criar sistemas”, ou seja, teorizar, generalizar. Lamarck foi vítima dessa norma.

• Hoje, a imagem de ciência dos cientistas presta grande tributo ao foco nas tendências centrais e nas generalizações.

• Ambas as atitudes devem ser valorizadas e contam algo sobre a complexidade dos fenômenos.

• Importantes nas questões de fato, trazem ambas riscos nas questões de direito.

Eventos importantes no desenvolvimento

• Genitália se forma nos primeiros 2 meses: a feminina é o “default”

• Última fase da gestação: desenvolvimento dos circuitos cerebrais relacionados ao gênero e à orientação sexual que só se ativam completamente na puberdade.

• Períodos críticos em que a concentração de testosterona é maior em XY do que em XX: por volta do período da metade da gestação, e primeiros 3 meses após o nascimento.

Caso notável

• ‘Extrofia cloacal’: cirurgia geralmente leva à construção de vagina, apenas 65% continuam cisgêneros – sem disforia, 47%.

• A bexiga e os órgãos genitais se desenvolvem expostos, alguma reconstrução é necessária

Transexualidade ‘cromossomal’

• Insensibilidade completa a androgênios: • Maioria mulheres cis XY,

maioria hétero.

• 1-3% são homens trans (100 a 300 vezes mais chance que o resto da população)

• Causada por mutações no gene que codifica para um receptor de androgênios (AR).

Condições enzimáticas

• Fetos XY com deficiência em duasenzimas modificadoras da testoterona

• Categorizadas como meninas com clitóris grande. Quando chega a puberdade, esse ‘clitoris’ se desenvolveem pênis completo e testículosdescem.

• Entre 6-12 semanas, desenvolvimento da genitália é influenciado pela dihidrotestosterona, hormônio derivado da testosterona

• Aromatase

INAH-3

Mudanças durante a história de vida podem ocorrer

• No entanto, INAH-3 e BSTc, as duas regiões hipotalâmicas em que há evidência de diferença de gênero incluindo pessoas trans, não se mostraram maleáveis à influência de hormônios durante a vida adulta

Lição importante

• O desenvolvimento do sexo biológico genital é desvinculado temporalmente do desenvolvimento do sexo biológico cerebral

• Inclusive, há evidência de que diferentes fatores biológicos influenciam os dois processos –genitália nos dois primeiros meses, e organização/ativação de circuitos de identidade de gênero mais tarde

• Independência de influências biológicas sobre genitália e gênero

• A biologia também não permite genitalizar identidades!

Lições da história: o caso David Reimer

• Nascido no Canadá (1965-2004)

• Perdeu o pênis aos 7 meses de idade numa cirurgia de fimose

• Médico John Money, que acreditava em determinismo cultural da identidade de gênero, recomenda criá-lo como menina

• A intervenção incluiu um processo transexualizador induzido, incluindo remoção dos testículos

• Aos 14 anos David rejeitou a identidade imposta: disforia de um menino cis.

Ai-Min Bao & Dick Swaab

• “As observações apoiam a teoria neurobiológica sobre a origem datransexualidade, isto é, de que são os tamanhos, número deneurônios, funções e conectividade de estruturas cerebrais, não osexo dos órgãos sexuais, certidões de nascimento ou passaportes,que correspondem à identidade de gênero”.

Virtude da humildade: reconhecer ignorância

• Quando o conhecimento é incompleto, a cautela é recomendável. Nem sempre ser cauteloso é ser conservador.

• Nós ainda não sabemos o suficiente. Os conhecimentos em biologia da identidade de gênero jamais devem servir para discriminar!

Verdadeiro & útil

• “Aqueles que vêem a homossexualidade como enraizada na biologia tendem a favorecer a extensão de direitos a gays e lésbicas.”• L. M. Overby. Journal of Homosexuality 2014.

• Síndrome de Gabriela: eu nasci assim, eu cresci assim. É a verdade?

Obrigado!