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Questões Atuais em Criminologia Tulio Kahn

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Questões Atuais em Criminologia

Tulio Kahn

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APRESENTAÇÃO...............................................................................................3 CRIME E DESEMPREGO.....................................................................................4 CRIMINALIDADE E MEIOS DE COMUNICAÇÃO..................................................8 A VIOLÊNCIA BRASILEIRA.............................................................................16 OS CUSTOS DA VIOLÊNCIA ............................................................................21 A EXPANSÃO DA SEGURANÇA PRIVADA NO BRASIL: ALGUMAS IMPLICAÇÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS. ...................................................................................34 POLICIAMENTO COMUNITÁRIO NO BRASIL: UMA EXPECTATIVA REALISTA DE SEU PAPEL......................................................................................................41 ARMAS DE FOGO: ARGUMENTOS PARA O DEBATE ..........................................49 ANEXO...........................................................................................................80 VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS ..............................................................................82 BIBLIOGRAFIA ...............................................................................................88

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Apresentação Os seis primeiros artigos deste volume - "Crime e Desemprego", "Criminalidade e Meios de Comunicação", "A Violência Brasileira", "Os Custos da Violência", "A Expansão da Segurança Privada no Brasil" e "Policiamento Comunitário no Brasil" - foram originalmente escritos para o boletim Conjuntura Criminal (http://sites.uol.com.br/concrim) entre os anos de 1997 e 1999. São artigos de cunho mais jornalístico do que propriamente acadêmico pois foram escritos para serem lidos na internet, onde não é possível aprofundar temas sem cansar o leitor. Diversamente, os artigos sete e oito - "Armas de Fogo" e "Prestação de Serviço Comunitário" - são o resultado de pesquisas feitas pelo Ilanud e por isso são um pouco maiores e, quiçá, mais profundos do que os demais. "Crime e Desemprego" foi previamente publicado nos jornais Notícias Populares e O Dia; "Custos da Violência" na revista Perspectiva, da Fundação Seade e "Prestação de Serviço Comunitário" na revista do IBCcrim. Os demais textos foram parcialmente tratados em artigos na imprensa, mas podem ser considerados inéditos. Em conjunto, os artigos dão uma noção atualizada dos temas e métodos da criminologia moderna, baseada em dados empíricos e em pesquisa comparada. O desemprego e os meios de comunicação, em sua relação com a violência, são tratados nos dois primeiros artigos deste volume, que tratam de desmistificar algumas suposições correntes sobre tais questões. O terceiro artigo procura analisar a violência brasileira no contexto sul-americano e o quarto e o quinto o fenômeno crescente da "indústria da segurança" e sua expansão no país, em conexão com o aumento dos custos da violência. O texto sobre policiamento Comunitário no Brasil é uma reflexão que serviu de base para um projeto de avaliação destas experiências, proposto pelo Ilanud à Fapesp e Fundação Ford. O texto sobre armas foi escrito para um Workshop organizado pelo Ilanud em Junho de 99 e apresenta uma reflexão sobre os possíveis efeitos da proposta governamental de proibir o comércio e o porte de armas no pais. O último artigo analisa dados de uma pesquisa exploratória feita com condenados à prestação de serviços comunitários no Estado de São Paulo, avaliando o perfil dos prestadores em comparação com o perfil dos condenados às penas privativas de liberdade.

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Crime e Desemprego Nestes tempos difíceis onde taxas de desemprego e índices de criminalidade apresentam tendências de crescimento, parece razoável supor que os dois fenômenos estejam intimamente relacionados. Não é preciso fazer nenhuma pesquisa sofisticada para perceber que uma taxa elevada e constante de desemprego que se mantenha durante muito tempo tenderá a levar para o mundo do crime pessoas – principalmente jovens – que de outro modo estariam participando do mercado de trabalho. É preciso todavia que se façam algumas considerações gerais sobre como desemprego e criminalidade se relacionam, para desfazer certos equívocos, como pretender que exista uma relação direta e imediata entre ambos. Pesquisa feita em 1991 pelo instituto Datafolha com 645 presos da Casa de Detenção da Capital revelou que, no momento do crime, 27 % dos criminosos não estava trabalhando. Com os jovens infratores investigados em 1996 pelo Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua observou-se algo semelhante: 53% não trabalhava e 44% trabalhavam informalmente na ocasião da infração. O primeiro ponto que nos chama a atenção sobre estes dados é de que a maior parte dos infratores adultos e boa parte dos jovens estava trabalhando no momento do crime. Estar trabalhando é assim um elemento inibidor mas não constitui nenhuma garantia contra o cometimento do crime. Num país como o Brasil onde os salários são freqüentemente aviltantes e a qualidade do trabalho precária (trabalho informal, subemprego, ausência de garantias trabalhistas, etc.), o universo dos criminosos se confunde parcialmente com o universo dos trabalhadores. Enquanto no passado a maior parte das novas vagas abertas estavam no mercado formal, atualmente, não só ocorreu uma diminuição de vagas como uma deterioração qualitativa: a maior parte das novas vagas localiza-se hoje no setor informal da economia. Este tipo de trabalhador informal, em especial, faz parte do que a elite denominaria por "classes perigosas", porque do "bico" para o mundo do crime é um passo não muito longo a ser dado, diversamente do que ocorre com o trabalhador do setor formal da economia - onde a estabilidade e qualificação inibem o envolvimento com a ilegalidade. Nos dois estudos realizados pelo ILANUD sobre a questão do desemprego e criminalidade na Grande São Paulo– um tomando por

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base 60 meses entre 1985 e 1989 e outro utilizando 13 anos de evolução de ambos os fenômenos entre 1985 e 1997 – a constatação geral foi de que a correlação entre os dois fenômenos existe, porém é fraca, condicional e relativa. Entre as sugestões que puderam ser extraídas estão as seguintes: Em primeiro lugar, caberia lembrar que os efeitos do desemprego sobre a criminalidade não são imediatos. Ninguém normal perde o emprego num dia e torna-se assaltante de bancos no outro. O recém desempregado tentará obter uma nova colocação no mercado de trabalho durante certo tempo. No caso de não obtê-la tentará recorrer a um subemprego, às economias pessoais, ao salário desemprego, à ajuda de parentes e amigos, etc. Somente após repetidas tentativas frustradas de se colocar novamente no mercado ou quando todas as demais estratégias de sobrevivência tiverem se esgotado é que o crime passa a ser uma alternativa levada em consideração. Este processo, desnecessário dizer, pode levar meses ou mesmo anos, dependendo do indivíduo. O desemprego de hoje talvez só venha a se refletir nas taxas de criminalidade de daqui há muito tempo e a criminalidade atual é o fruto do desemprego de períodos passados. Não só a relação não é imediata como também não se manifesta em todo e qualquer tipo de criminalidade. Pesquisas realizadas em outros países e replicadas em São Paulo pelo ILANUD sugerem que o efeito do desemprego é maior sobre os crimes contra o patrimônio e dentre estes particularmente sobre o furto. Em outras palavras, existe uma, digamos assim, “carreira” criminosa que começa com os delitos menores e que só depois envereda para os crimes mais violentos. Novamente, é mais provável imaginarmos um desempregado furtando algum objeto de uma loja, ou passando cheques sem fundo do que efetuando um roubo a mão armada ou um seqüestro. De 1981 a 1983 o país atravessou uma forte recessão, com crescimentos negativos no PIB e desemprego elevado por 3 anos. De 1984 a 1986 a economia reage, observando-se uma recuperação do nível de emprego e taxa positivas de crescimento do produto. Seguindo o mesmo movimento, os furtos, que vinham aumentando entre 1981 e 1983, caem por três anos consecutivos entre 1984 e 1986. Quando em 1986, no auge do Plano Cruzado, a taxa de desemprego total na Grande São Paulo diminuiu de 12,2% para 9,6%, a taxa de furtos, também na Grande São Paulo caiu em cerca de 14%. Não por acaso, este também foi o ano de maior crescimento do PIB na década. Com o

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fracasso do Plano Cruzado em 1987, os furtos e os crimes em geral retomam a tendência de crescimento. Encontramos um exemplo inverso ao de 1986 em 1992, quando a recessão reduz o mercado de trabalho e a quantidade de furtos aumenta em cerca de 7%. Estes efeitos são mais perceptíveis em anos como estes citados, quando ocorrem mudanças abruptas – para melhor ou para pior – nas taxas de desemprego ou nos anos que marcam a inversão de tendências. Nos anos em que as mudanças são pequenas em magnitude ou que estão compreendidos dentro de um ciclo de recessão ou prosperidade, os efeitos não são tão identificáveis. Caberia lembrar ainda o problema que os economistas chamam de “inflexibilidade” quando analisam o efeito dos preços sobre a oferta e procura de certas mercadorias. O aumento do preço do cigarro não altera tanto o consumo do produto porque os fumantes tendem a ser “inflexíveis”, isto é, continuaram fumando independentemente do preço do produto. O aumento do preço do macarrão, por outro lado, tenderá a produzir uma restrição na demanda pelo produto. Pois bem, fazendo uma analogia com a economia, poderíamos dizer que existem criminosos flexíveis e inflexíveis. O criminoso profissional é de certo modo inflexível com relação às variações no mercado de trabalho. Mesmo que estejam sobrando postos de trabalho, eles não abandonarão a carreira criminosa. Portanto, as variações no mercado de trabalho só tenderão a afetar aqueles indivíduos que poderíamos qualificar de criminosos “esporádicos” ou “episódicos”, que se alternam entre o mundo do crime e o mercado de trabalho conforme a disponibilidade de empregos no mercado. Caberia lembrar também dois outros aspectos da relação entre desemprego e criminalidade. O problema do desemprego hoje é o do que os economistas chamam de desemprego estrutural. Não é mais um desemprego cíclico, que inclui e exclui temporariamente o "exército industrial de reserva" no mercado de trabalho. Existe todo um contigente desta reserva que jamais entrou ou entrará no mercado de trabalho, o que tenderá a acentuar a relação entre desemprego e criminalidade. Outro aspecto é o preconceito com relação aos egressos do sistema criminal: se para um trabalhador com "ficha limpa" já é difícil arrumar emprego, tanto mais para aquele com passagem pelo sistema criminal. Isto explica em parte que as taxas de reincidência criminal em São Paulo estejam em torno de 47%.

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Uma vez tendo ingressado na carreira criminal, fica muito mais complicado voltar ao mercado de trabalho, independentemente da qualificação anterior. Mais do que o trabalhador que perde seu emprego a certa altura de sua vida profissional, o contingente anual de criminosos é engrossado pela massa de jovens que jamais ocuparam uma vaga no mercado formal de trabalho. É aí que o desemprego revela sua face mais perversa. Para estes é que é preciso pensar numa alternativa ao crime, como por exemplo um salário-social, cursos de aperfeiçoamento profissional ou um programa de primeiro emprego, para jovens desempregados das periferias das grandes cidades. Caso contrário, num futuro não muito distante, este contingente de desempregados virá cobrar da sociedade aquilo que lhes foi negado, de uma forma ou de outra.

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Criminalidade e Meios de Comunicação As noções das pessoas sobre criminalidade nem sempre correspondem à realidade pois são, em grande parte, influenciadas pela forma como os meios de comunicação tratam o tema. Os meios de comunicação acabam muitas vezes selecionando os tipos de violência e criminalidade relevantes, selecionando vítimas, autores ou situações específicas e direcionando o modo como devem ser solucionados. (Sacco, 1995) Existe portanto uma distorção na percepção da população sobre criminosos e criminalidade causada, em parte, pela ênfase da mídia em certos tipos de crimes de interesse jornalístico, aliada a outros fatores como o preconceito social, o contato da população com filmes e livros de ficção sobre o tema ou ainda pela exploração política do tema da segurança pública. Estes e outros fatores fazem com que a percepção popular do crime guarde freqüentemente pouca relação com a realidade. Alguns exemplos corriqueiros de distorções: negros e migrantes são superestimados na população carcerária e entre os grupos criminosos; crimes violentos e contra a pessoa são superestimados com relação ao seu montante; os “índices de criminalidade” são sempre percebidos numa espiral ascendente e jamais descendente; porcentagem de “menores” envolvidos nos crimes é superestimada; porcentagem de crimes cometidos sob a influência de drogas é superestimada; violência doméstica é subestimada, etc. A lista é longa e tais distorções, desnecessário dizer, não são acidentais. A questão fica mais clara quando observamos não só a magnitude mas também o “sentido” da distorção, isto é, se ela é subestimada ou superestimada. Não é casual que os grupos de status negativamente privilegiados - negros, migrantes, desempregados, viciados - tenham sua participação nos crimes, invariavelmente, superestimada. Os crimes domésticos são camuflados e os cometidos por pessoas "de fora" são evidenciados porque vão contra a noção corrente de que o perigo vem dos outros e não de nós mesmos. É difícil aceitar que nossos familiares correm muitas vezes mais perigo em casa do que na rua. Os meios de comunicação não estão imunes a tais distorções, convertendo-se involuntariamente em fator de reforço.

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Analisando o conteúdo da mídia dedicada a cobertura criminal, percebe-se que ela fornece ao público uma mapa do mundo do crime que difere em muitas maneiras daquele fornecido pelas estatísticas oficiais. Entre outras distorções caberia destacar as seguintes: 1) as variações no volume de notícias sobre um tipo de crime guarda pouca relação com as variações reais observadas naquele crime, tanto com respeito a localização espacial quanto a variações no tempo 2) embora a maioria dos crimes seja não violento, a cobertura da imprensa sugere o contrário 3) tanto as vítimas quanto os agressores que aparecem na mídia são mais velhos do que sugerem as estatísticas criminais 4) as reportagens tendem a sobre-representar grupos minoritários ou impopulares entre os agressores 5) o retrato da atividade policial é dramatizado e parece mais eficaz e emocionante do que é na realidade 6) ignora-se os diferentes riscos de vitimização dos diversos grupos 7) há uma ausência generalizada sobre o contexto social e histórico da informação apresentada 8) existe uma concentração da atenção sobre crimes de rua, cometidos por pobres, e uma desconsideração com relação aos crimes de colarinho branco 9) dados enganosos são apresentados aos leitores, como os que reportam aumentos no número de crimes sem levar em conta aumentos no tamanho da população. A sazonalidade existente em certos crimes tampouco é considerada. Porcentagens são calculadas sob números absolutos insignificantes ( Schneider ;Sacco, 1995; Barkan, 1997). Sacco obeserva não sem certa ironia que, na prática, o único ponto convergente entre cobertura de mídia e estatísticas oficiais é o da apresentação do crime enquanto uma atividade predominantemente masculina. (Sacco, 1995) Vejamos alguns exemplos práticos do que estamos falando, utilizando para isso cobertura brasileira dos eventos criminais. Comparando a forma como o crime é representado na imprensa com os dados coletados pelos órgãos oficiais, é possível revelar a magnitude e o sentido de algumas distorções, que terminam por influenciar a imagem da sociedade sobre a criminalidade. Para

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averiguar o destaque dado à cobertura dos crimes pela imprensa, utilizamos a "análise automática de discurso - AAD". Imaginado por M. Pêcheux, o procedimento procura, a partir da análise dos "efeitos de superfície", fazer inferências sobre uma "estrutura profunda". Colocando de modo mais simples, a técnica consiste em contar - independentemente do contexto em que surge - a ocorrência da palavra ou expressão num texto. A suposição subjacente é a de que a quantidade de vezes que uma determinada palavra ou expressão surge no texto fornece uma dimensão da importância relativa que ela assume no discurso. Assim, na análise de um programa partidário de cunho liberal a palavra "mercado" deve aparecer com relativa freqüência, sendo mais raras as referências à palavra "igualdade". Num programa mais "socialista", em contrapartida, espera-se que estas proporções sejam inversas, refletindo a importância do conceito dentro dos discursos "liberais" ou "socialistas". Para saber que tipo de crime e com que intensidade os meios de comunicação retratam, pesquisamos por palavras-chave a ocorrência de sete delitos em dois jornais de circulação nacional - um de São Paulo e outro do Rio de Janeiro. Com isso foi possível obter uma idéia da importância relativa com que os vários delitos são tratados pela imprensa. Em seguida, comparamos as porcentagens com que os crimes aparecem nos jornais com a porcentagem de crimes computados pelos órgãos oficiais de segurança pública, no intuito de verificar as diferenças entre os tipo de fontes. Conforme antecipado, a correspondência entre os crimes registrados na polícia e os crimes noticiados pela imprensa é bastante tênue para certos tipos de crimes. Isto tem algumas conseqüências importantes, pois a população forma parte de sua visão da criminalidade pela leitura dos jornais, uma vez que poucos têm acesso ou interesse pelos relatórios oficiais dos departamentos de estatística. Os pequenos furtos e as lesões corporais (agressões) são, de longe, os delitos mais freqüentes nas estatísticas oficiais de criminalidade. Mas quem se interessa em ler nos jornais sobre batedores de carteira ou brigas de marido e mulher ? Estes delitos tendem a comparecer no noticiário somente quando existe algo de pitoresco e anedótico relacionado a eles. Uma carteira furtada passa a ser motivo de interesse jornalístico se a vítima é uma autoridade pública ou artista

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conhecido. Caso contrário, estes eventos continuarão esquecidos nos arquivos das repartições públicas. Regra geral, o interesse dos meios de comunicação é direcionado pelo "potencial dramático" da história, dramaticidade que é aumentada, segundo Sacco, quando a vítima ou o agressor são uma celebridade, quando o incidente é especialmente sério ou quando as circunstâncias são atípicas. Como se diz no meio jornalístico, a notícia existe quando o homem morde o cachorro e não quando o cachorro morde o homem. Se os eventos corriqueiros e estatisticamente freqüentes são esquecidos pela cobertura jornalística, na outra ponta, temos os assassinatos, chacinas, os estupros, seqüestros e ações de traficantes de drogas, todos eles cobertos numa proporção bastante superior à sua participação no mundo do crime1. Curiosamente, apenas os roubos e assaltos compareceram no noticiário jornalístico numa proporção realista em relação ao seu significado. Isto ocorre, precisamente, pela posição intermediária dos roubos em termos de gravidade para a sociedade. Tabela 1. Incidência de crimes na mídia impressa e nos dados oficiais Delito % Folha

97 % Folha 98*

% JB 97

% JB 98*

% de Crimes em São Paulo -1º trim. 1998

Furto 2,7 4,8 3,0 2,9 45,6 Lesão corporal/espancamento

3,9 2,7 4,6 2,3 27,3

Roubo/assalto 24,7 27,6 27,3 31,5 23,7 Assassinato/homicídio/latrocínio

41,5 38,1 41,5 43,9 1,7

Tráfico de drogas

9,5 10,5 14,3 13,1 1,0

Estupro 6,4 5,3 6,2 3,5 0,4 Seqüestro 10,6 10,5 2,5 2,2 0,0001 Total 7727 3437 4279 2180 247446 Fontes: Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil e Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo. * até julho de 1998. 1 Num estudo de 1980 realizado por Doris Graber com artigos sobre crimes, a autora revelou que o Chicago Tribune dedicava 26% de suas matérias a casos de homicídios, embora os homicídios somassem apenas 0.2% de todos os casos registrados pela polícia de Chicago. Sobre o tema, ver Barkan, 1997, p.29.

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Observe-se a regularidade com que os crimes são apresentados de um ano para outro e a semelhança de cobertura entre os jornais das duas metrópoles. As semelhanças de cobertura são notáveis, exceto pelo destaque proporcionalmente maior dado aos seqüestros pela Folha de S. Paulo, tanto em 1997 quanto em 1998. A questão do tráfico de drogas - como esperado em função do tipo de organização encontrado no Rio de Janeiro - recebeu por seu lado uma cobertura mais extensa por parte do Jornal do Brasil. Embora não exista uma pesquisa exaustiva sobre outros meios de comunicação, é bastante provável que a televisão e o rádio reproduzam estes mesmos padrões de cobertura criminal. Uma análise preliminar de como os crimes são tratados pelos noticiários de televisão sugere a existência das mesmas distorções encontradas na mídia escrita. O Ilanud gravou durante uma semana, entre 2 e 8 de agosto de 1998, a programação de 27 telejornais exibidos pelas 7 emissoras de canal aberto existentes no país. No total assistiu-se a 1211 cenas de crimes nestes noticiários, assim distribuídos: Tabela 2. Incidência de crimes na televisão e nos dados oficiais Delito Freqüência Porcentagem % de Crimes em

São Paulo -1º trim. 1998

Furto 5 0,4 45,6 Lesão corporal/espancamento

153 12,6 27,3

Roubo/assalto 75 6,2 23,7 Assassinato/homicídio/latrocínio

714 59,0 1,7

Tráfico de drogas 30 2,5 1,0 Estupro 141 11,6 0,4 Seqüestro 10 0,8 0,0001 Outros (latrocínio, atentado violento ao pudor, uso de entorpecente, fraude, dano em carro)

83 6,8

Total 1211 100 247.446 Fonte: Ilanud e Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo Em que pese a influência de casos específicos durante o período - naquela semana os destaques foram os casos do Maníaco do Parque,

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do policial "Rambo" e a ação de um policial carioca que matara dois assaltantes de banco numa motocicleta - a tabela mostra com nitidez a preferência dos noticiários de televisão pelos crimes violentos contra a pessoa e das ações espetaculares, como seqüestros, em detrimentos dos crimes contra o patrimônio, como o furto. Estas distorções, no sentido de superestimar os crimes violentos e organizados, certo tipo de criminosos ou circunstâncias do crime, são compartilhadas também por políticos e membros das forças policiais e, não raramente, acabam se refletindo em políticas públicas igualmente destorcidas: orientações para tratar com maior rigor os negros e migrantes, criação de grupos especiais anti-seqüestro, leis mais repressivas contra drogados ou contra crianças e adolescente etc., quando, na realidade, a sociedade está mais carente de instituições para lidar com a violência doméstica ou com batedores de carteira. Em suma, a forma com a mídia retrata a criminalidade, autores e vítimas, tem influência na realidade social, na administração da justiça e na legislação penal, influência em geral mais poderosa do têm as pesquisas de criminologia. (Schneider) É preciso adequar as políticas públicas à realidade do crime. Propostas como as que deram origem aos "crimes hediondos", que desrespeitam garantias e direitos clássicos dos envolvidos, surgiram, quase sempre, após um surto de exposição de casos ou incidentes simbólicos relatados pela mídia, surtos por vezes imaginários, ao invés de surgirem da reflexão sobre tendências reais da criminalidade. Propostas de introdução da pena de morte, redução da maioridade legal, e outras medidas repressivas, surgem no bojo destas "ondas de criminalidade"2. Talvez o caso recente mais pitoresco seja o de alguns acidentes ocorridos em poços de elevadores, que deve ter vitimado no máximo uma dezena de pessoas nas últimas décadas, mas que, destacados nos meios de comunicação, deram origem a um lei obrigando a colocar um aviso, em todas as portas de todos os elevadores do Estado, alertando as pessoas para verificar se existe realmente um elevador antes de tentarem tomar algum ... 2 Estes surtos imaginários de criminalidade são muito comuns nos Estados Unidos, onde vários exemplos foram estudados. O mais famoso é o dos "ataques contra idosos", mas há também os casos dos "serial killers", das "crianças desaparecidas" ou ainda o dos "doçes de Hallowenn envenenados". Todos estes casos, quando confrontados com as estatísticas oficiais, revelaram-se claramente exagerados.

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É compreensível que, diante da pressão pública, as autoridades procurem soluções emergenciais para tais problemas, pois mesmo que o "surto" exista somente na cabeça de alguns responsáveis pelas pautas dos meios de comunicação, o temor da população diante do fenômeno é bastante real. Diversas pesquisas, entre elas a pesquisa de vitimização realizada pelo Ilanud em 1997, que o medo do crime e da violência não tem relação com as reais probabilidades de vitimização: embora os jovens corram riscos maiores de vitimização, o sentimento de insegurança entre eles é menor do que o manifestado pelos mais velhos, cujo risco de vitimização é menor.3 Outras pesquisas captaram o mesmo fenômeno: mulheres e pessoas idosas temem mais serem vítimas de crimes violentos cometidos por desconhecidos, embora o risco de vitimização destes grupos sejam inferiores à média. (Schneider, ???) Embora as pessoas não recebam acriticamente as informações passadas pelos meios de comunicação sobre a criminalidade - e filtrem estas informações de acordo com sua própria experiência com o crime, com a percepção de credibilidade no meio de comunicação ou segundo a preocupação prévia sobre sua segurança pessoal - diversos analistas trabalham com a hipótese de que existe uma relação entre exposição de crimes na mídia, especialmente homicídios, e medo do crime. (Barkan, 1997) Por isso é importante que os meios de comunicação que se dedicam a cobertura de violência e criminalidade façam a coleta e análise sistemática e periódica de dados sobre estas questões, para que possam dar a sua audiência uma imagem fidedigna do que está acontecendo na realidade, sem exagerar a relevância do evento apresentado. Aumentos explosivos de criminalidade e "surtos" de crimes específicos são fenômenos mais raros do que aparentam ser. Não há dúvida de que existe o fenômeno do "contágio" ou "efeito dominó", onde a aparição de uma modalidade ou forma diferente de praticar um crime induz a imitação por parte de outros, provocando assim uma "onda". Mas quando se analisa friamente a evolução dos crimes no tempo, percebe-se, ao contrário, que as taxas de

3 Uma hipótese plausível para este fenômeno é a de que o sentimento de insegurança está mais relacionado à fragilidade da vítima - sua incapacidade de se defender da violência - do que com a experiência concreta de vitimização.

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criminalidade são na verdade bastante estáveis. A realidade do crime, ao menos aqui no Brasil, já é ruim o bastante por si só, sem que precisemos contribuir para isso. Sempre que possível, mesmo com as limitações do meio, deve-se procurar fazer uma apresentação contextualizada dos eventos criminais. Este tipo de apresentação pode sem dúvida tirar um pouco da dramaticidade do fato, mas é a única forma de ajudar a recolocar a discussão sobre as políticas públicas para lidar com o crime nos seus devidos eixos, sem provocar o pânico na sociedade ou favorecer as "saídas mágicas", tão ao gosto aos legisladores brasileiros.

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A Violência Brasileira Os brasileiros, principalmente habitantes das grandes cidades, sentem que vivem numa sociedade e numa época violentas. Esta sensação é confirmada pelas histórias contadas pelos mais velhos, dos tempos em que não se precisava trancar a porta de casa e podia-se ir a noite para qualquer lugar, sem medo de ser assaltado. Qualquer um que tenha mais de 30 anos lembra também por experiência própria que morar no Brasil já foi algo mais tranqüilo. Existe assim uma referência temporal que toma por base o passado como exemplo de sociedade que mantinha padrões toleráveis de violência. Em algum momento na década de 80 a situação parece ter fugido ao controle. Se existem referências razoavelmente seguras para inferirmos que a sociedade brasileira tornou-se violenta com o tempo - e diversos indicadores apontam neste sentido - existem todavia poucas comparações com outros países para que tenhamos uma noção precisa do quão violenta ela é. A exiguidade de comparações internacionais se deve principalmente a dois fatores: falta de uma definição precisa para o termo "violência" e carência e imprecisão de dados. Como saber se somos mais ou menos violentos que outros países ? Com quais países estabelecer a comparação ? Quais os indicadores adequados para mensurar o conceito de violência ? Onde encontrá-los, calculados da mesma forma e para os mesmos períodos? Na ausência de um indicador mais preciso, convencionou-se utilizar como medida de violência a taxa de homicídios dolosos por 100 mil habitantes. Embora a correlação não seja estritamente verdadeira, aceita-se que a taxa de homicídios seja uma medida resumo da violência existente no país e que uma sociedade onde morrem muitas pessoas é também uma onde ocorrem outros tipos de crimes. A escolha da taxa de homicídios dolosos por 100 mil habitantes, se não é perfeita, tem alguns méritos: os homicídios não sofrem tanto com o problema da subnotificação quanto os outros crimes e não existe praticamente sociedade que não tenha um registro sobre as causas de mortalidade de seus habitantes. Do mesmo modo, se existem divergências sobre o que é uma agressão sexual ou um assalto de uma legislação para outra, existem poucas sobre o que é um assassinato.

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Para efeitos de comparação internacional, portanto, trata-se do melhor indicador possível de "violência", ao lado das pesquisas internacionais de vitimização. Aceitando-se com algumas ressalvas que a taxa de homicídios dolosos por 100 mil habitantes seja um indicador de violência, resta o problema de onde encontrar dados abundantes e confiáveis. Os organismos internacionais, principalmente os vinculados as Nações Unidas, constituem o maior manancial para este tipo de informação. No que se refere a taxa de homicídios, localizamos quatro diferentes estudos recentes (anos 90), dois deles com informações relativas ao Brasil: são eles United Nations Survey on Firearm Regulation (UNSFR, 1997, 36 países), o estudo patrocinado pelo U.S Center for Disease Control (CDC, 35 países) , o United Nations Surveys of Crime Trends and Operations of Criminal Justice System (TRENDS, 1990-1994, 59 países) e o International Crime Statistics (ICS, 1994, 84 países), elaborado pela Interpol. No total, foi possível coletar informações sobre taxas de homicídio para 108 países. Quando a informação para um país existia em mais de uma fonte, extraiu-se uma média dos dados. Uma vez escolhido o indicador a partir do qual analisar quão violento é o Brasil em comparação a outros países e encontradas as fontes, resta ainda uma questão crucial para a análise: violento comparado a quem ? Entre os países pesquisados existem nações ricas e pobres, socialmente igualitárias e desiguais, culturalmente tradicionalistas e modernas, urbanizadas e rurais, super e sub povoadas, religiosas e laicas, politicamente repressivas ou liberais, entre outras variedades. Todas estas diferenças implicam em diferentes graus de violência (e violências de natureza diferente) e só faz sentido comparamos países que tenham algum grau de semelhança entre si. A taxa média de homicídios para os 108 países investigados foi de 8,5 por 100 mil habitantes, o que eqüivale a cerca de um terço da taxa brasileira, estimada em 24,1 por 100 mil. Quando separamos os países pelo grau de desenvolvimento industrial, observamos que uma taxa elevada de homicídios é característica das nações em desenvolvimento, sendo mais baixa tanto nos países menos desenvolvidos quanto nos países industrializados.

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Tabela 1. Taxa de homicídios por grupo de países Grupo Homicídios

por 100 mil N° de Países

Menos desenvol. 4,2 14 Em desenvol.. 12,7 52 Industrializados 4,7 42 8,5 108

Fontes: United Nations Survey on Firearm Regulation / U.S Center for Disease Control / United Nations Surveys of Crime Trends and Operations of Criminal Justice System / International Crime Statistics. Resultados semelhantes são obtidos quando dividimos os países pelo seu nível de desenvolvimento humano ou ainda pelo PIB per capta: os níveis intermediários de desenvolvimento são sempre mais violentos do que os níveis muito baixos ou muito altos. Neste sentido, a evolução do fenômeno da violência parece seguir a forma de sino e não uma forma linear: ultrapassado certo limiar de desenvolvimento a violência emerge, voltando a cair novamente quando o país ingressa no grupo das nações desenvolvidas. Mesmo quando comparado com o grupo de países em desenvolvimento a violência brasileira chama a atenção, pois apresenta quase o dobro da taxa destes países, estimada em 12,7 por 100 mil. Muitos países em desenvolvimento estão localizados no mundo árabe ou no continente asiático, países onde a cultura e o sistema político e religioso constituem-se em fatores de inibição da violência. Tabela 2. Taxas de homicídios por regiões Regiões Homicídios

por 100 mil N° de Países

África Sub-Saariana 13,0 17 estados Árabes 1,7 12 Este da Ásia 5,5 4 Sudeste Asiático 5,6 9 Sul da Ásia 2,2 7 América Latina e Caribe 19,8 20 América do Norte 6,1 2 Europa Oriental 8,6 16 Europa Ocidental e do Sul

1,9 18

8,7 105 Fontes: United Nations Survey on Firearm Regulation / U.S Center for Disease Control / United Nations Surveys of Crime Trends and Operations of Criminal Justice System / International Crime Statistics.

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Questões Atuais em Criminologia

Quando separamos os países por regiões, percebem-se as enormes diferenças inter-regionais, com a América Latina sobressaindo-se como uma das áreas mais violentas do planeta, seguida pela África Sub-Saariana e pela Europa Oriental. Com quase 20 homicídios por 100 mil habitantes, a média latino-americana é bastante próxima da brasileira, o que sugere que não somos uma caso tão desviante de violência quando nos comparamos apenas com a média dos países da região. Analisando separadamente os países da região, o Brasil aparece como o quarto mais violento, superado apenas por Colômbia, Honduras e Jamaica. Nem mesmo países que passaram recentemente por guerras civis ou que convivem com a guerrilha política - como Venezuela, Peru e Nicarágua - apresentam taxas tão elevadas. Tendo em conta que o Brasil é o país mais populoso do grupo, em termos absolutos somos os líderes em mortes por homicídio. Sendo correta a estimativa de 24 homicídios por 100 mil, numa população de cerca de 154 milhões de habitantes em 1994, isto representa algo em torno de 37.000 assassinatos todos os anos. Vendo de outro modo, o Brasil concentraria nada menos que 38,5% de todos os homicídios ocorridos na América Latina e Caribe. Tabela 3. Taxas de homicídios por país Países Homicídios por

100 mil N.º de mortos (estimativa)

Colômbia 78,44 27077 Honduras 63,58 3624 Jamaica 28,96 722 Brasil 24,10 37047 Venezuela 22,14 4826 Guiana 19,85 163 Nicarágua 19,02 837 Bahamas 18,98 52 México 17,58 16350 Paraguai 15,61 780 Panamá 13,97 360 Chile 11,04 1544 Trinidad Tobago 10,57 137 Equador 10,31 1156 Granada 7,78 7 Barbados 6,83 20 Costa Rica 5,72 175 Argentina 2,87 993 Peru 1,41 325

Fontes: United Nations Survey on Firearm Regulation / U.S Center for Disease Control / United Nations Surveys of Crime Trends and Operations of Criminal Justice System / International Crime Statistics.

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Chamamos a atenção finalmente para o fato de que as médias nacionais encobrem diferenças internas elevadas. O problema da violência concentra-se principalmente nos grandes centros urbanos destes países: tomadas isoladamente, cidades como Rio de Janeiro (74,2:100 mil) ou São Paulo (44,3:100 mil) apresentam taxas muito mais elevadas. A taxa média brasileira cai para 24 porque as taxas nas cidades menores são bem mais baixas. A explicação para a violência generalizada na região é complexa e vai além da pobreza, como vimos. O passado "autoritário" do país tampouco é condição suficiente para explicar adequadamente a violência atual uma vez que ex-ditaduras como Peru (1963-1980), Equador (1968-1979) e Argentina (1976-1983) estão entre os países com violência mais baixa do continente. Uma combinação explosiva de modernização e urbanização aceleradas, desigualdade social, padrões de consumo de primeiro mundo, liberdade política e ausência de freios morais e religiosos parecem ser os maiores responsáveis pelo fenômeno da violência latino-americana, sem mencionar a produção de drogas e a economia estagnada em vários países. O Brasil, neste sentido, ao lado da Colômbia e do México, seria apenas um dos casos onde estas variáveis se apresentam de modo mais extremo.

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Questões Atuais em Criminologia

Os Custos da Violência

Quanto se gasta ou deixa de ganhar por causa do crime no Estado de São Paulo 4

Uma combinação explosiva de modernização e urbanização aceleradas, desigualdade social, padrões de consumo de primeiro mundo, liberdade política e ausência de freios morais e religiosos parecem ser os maiores responsáveis pelo fenômeno da violência crescente na América Latina, ao lado da produção de drogas e da economia estagnada em vários países. O Brasil, ao lado da Colômbia e do México, é um dos casos onde estas variáveis se apresentam de modo mais extremo e portanto onde a violência tem mais crescido nas últimas décadas. Este aumento da violência tem um impacto não desprezível sobre a economia do país. Neste artigo procuramos avaliar os custos da violência tomando como base o estado de São Paulo, onde a questão da criminalidade se apresenta de maneira aguda.

A violência custa caro, tanto para o país como individualmente.

Custa caro porque "segurança" é um bem desejado por todos, mas cada vez mais escasso. Para garantir este bem, executamos todos os dias dezenas de atos de precaução e adquirimos outros tantos bens no mercado: seguros de toda espécie, cães de guarda, quinquilharias eletrônicas, travas, grades e cadeados de todo tamanho e função.

A preocupação com a segurança afeta nossas decisões de

uma maneira que já é quase imperceptível e autômata para os moradores dos grandes centros urbanos como São Paulo e Rio: sem que o percebamos, deixamos de viajar para determinadas cidades, de morar em certas vizinhanças, de estacionar o carro nesta ou naquela rua, de comprar carros conversíveis ou morar em casas. Em função da violência reordenamos parte de nossa vida e de nossos negócios.

Para o poder público, segurança converteu-se também num

dos maiores itens orçamentários e em objeto de preocupação prioritária. Pesquisas de opinião pública revelam que, ao lado do

4 Diversas pessoas ajudaram a compilar os dados para este artigo, entre elas, principalmente, Cristina Barbosa, Flávia Piovesan, José Alves dos Reis, Rafael Rabinovici, Renato Sérgio de Lima e Tatiana Bicudo. Nenhum deles tem qualquer responsabilidade pela forma como os dados foram interpretados.

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desemprego, a questão da violência aparece entre as maiores inquietações da população". Cada ano a população exige mais policiais, mais viaturas e armas, novos presídios, juízes, promotores, rádios comunicadores, computadores.

O Estado vem investindo quantias significativas na área de

Segurança Pública desde 1995. O efetivo da Polícia Militar aumentou em 12% desde janeiro de 1995, contando hoje com 82.021 policiais. Os pisos salariais para os soldados de 1° e 2º classes aumentaram em mais de 200% neste período. Por conta destes investimentos, os gastos com o pagamento do efetivo da Polícia Militar passaram de R$ 47 milhões em abril de 1995 para R$ 91,7 milhões em fevereiro de 1998, representando um aumento de 95%. A Polícia Civil, por sua vez, nomeou cerca de 5 mil novos policiais entre 95 e 98. Foram adquiridas 4.466 viaturas para aparelhar a polícia estadual, a um custo de R$ 94,9 milhões. Outros R$ 18,7 milhões de reais foram utilizados na compra de 14.849 coletes, 22.500 revólveres, 6.000 pistolas, 5.000 cacetetes, além de capacetes, escudos, munição e espingardas. Na área da administração penitenciária foram construídas 21 penitenciárias em regime fechado e 3 em regime semi-aberto, a um custo de R$ 230 milhões de reais, para retirar os presos condenados mantidos ilegalmente nas delegacias de polícia. Mas, apesar de todos estes investimentos, sem dúvida necessários, a criminalidade está aumentando no estado de São Paulo.

Se pegarmos como período base o 3º trimestre de 1995 e como

período de comparação o último trimestre de 1998, veremos que, com exceção do estupro - que está sujeito a bruscas variações em função da baixa notificação - todos os crimes monitorados pelas estatísticas da Secretaria de Segurança Pública aumentaram nos últimos 4 anos. Os ritmos de crescimento variam de crime para crime: o destaque fica por conta dos roubos de carro, que cresceram nada menos do que 123%. Os homicídios culposos (13,8%) e o tráfico de entorpecentes (15,2%), por outro lado, foram os crimes que menos cresceram de 1995 para cá. Todas as taxas de crescimento de crimes são maiores do que a taxa de crescimento populacional no período, que ficou em torno de 5,8%. O Índice de Criminalidade - medida resumo que indica a média ponderada de 4 crimes selecionados, com base na população - apresentou um aumento de 63% desde 1995.

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Questões Atuais em Criminologia

Tabela 1. Taxas de Criminalidade em São Paulo (Estado) Variação da Criminalidade -1995 a 1998, no Estado de São Paulo

3º Trim. 1995

4ºTrim. 1998 Variação 1995-1998

Homicídio doloso 2302 2.953 28,28 Homicídio culposo 1128 1.284 13,83 Tentativa de homicídio 1496 2.347 56,89 Lesão corporal 57687 75.081 30,15 Latrocínio 101 148 46,53 Estupro 1153 1079 -6,42 Tráfico de entorpecentes 1911 2.202 15,23 Roubo 25559 52.017 103,52 Roubo de Veículo 9472 21.136 123,14 Furto 69218 98.884 42,86 Furto de Veículo 19787 28.309 43,07 População do Estado 33427929 35367254 5,80 hom.dol. Por 100 mil 6,89 8,38 21,74 Lesão corporal por 100 mil 172,57 213,15 23,51 roubo por 100 mil 76,46 147,67 93,14 furto por 100 mil 207,07 280,73 35,57 Índice de Criminalidade 1021,63 1664,13 62,89

Fontes: Fundação SEADE: População / Secretaria da Segurança Pública: dados de criminalidade

Qual é o preço que a sociedade paga por este crescimento dos

índices de criminalidade ? Estes investimentos tem se revelado compensadores para a sociedade ? Haveriam outras formas de investir estes mesmos recursos mais eficazmente ? Foi para responder estas perguntas que se criaram diferentes fórmulas e metodologias para estimar os custos da violência. Não há consenso sobre a melhor fórmula, o que se deve incluir ou deixar de fora dos cálculos, qual o peso de cada fator. Os custos podem ser classificados em preventivos e curativos, diretos e indiretos, perdas materiais e perdas humanas, tangíveis e intangíveis, econômicos e financeiros, custos para a sociedade ou para o cidadão, de curto ou de longo prazo, perdas pelo que se gasta ou pelo que se deixa de ganhar e assim por diante.

A variedade de métodos só não é maior do que a variedade de

fontes utilizadas: estatísticas oficiais de criminalidade, pesquisas de vitimização, orçamentos governamentais, tabelas de seguradoras, pesquisas de opinião pública, estimativas feitas por especialistas no setor público e privado e toda uma série de meios formais e informais que possam servir como base para o cálculo.

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Antes que alguém comece a levar demasiado a sério os cálculos aqui apresentados, é preciso dizer que por trás da aparente sofisticação metodológica das estimativas dos custos do crime existe uma boa dose de "adivinhação". Trata-se, todavia, de adivinhação bem informada e assume-se aqui ser melhor trabalhar com elas do que com nada. Trata-se de ter alguma estimativa, por precária que seja, para auxiliar no processo decisório na esfera da segurança pública, uma orientação que ajude na hora de optar por alternativas, como investir na repressão ou prevenção do crime.5

Já existem algumas tentativas de mensuração de custos da

violência feitas no Brasil. Um pesquisa feita pelo BID estimou que a violência custa 84 bilhões de dólares ao Brasil ou 10,5% do PIB nacional. O economista Ib Teixeira, da Fundação Getúlio Vargas, calcula em 60 bilhões o valor gasto ou perdido, ou 8% do PIB. Somente no município do Rio de Janeiro, segundo o ISER, a violência custou aos cidadãos cerca de 2 milhões de dólares, ou 5% do PIB municipal de 1995. O problema é que estas estimativas não são comparáveis porque usam metodologias, unidades geográficas e anos diferentes. Nenhuma é necessariamente certa ou errada.

Para esta pesquisa, optamos por dividir os gastos em 3 diferentes

categorias: 1) gastos feitos pelo cidadão indiretamente, através de impostos e que são alocados direta ou indiretamente no combate ao crime; 2) gastos feitos diretamente pelos indivíduos ou empresas para a compra do bem "segurança" ou perda de patrimônio direta em função do crime e 3) valores que deixam de ser produzidos ou ganhos pela sociedade em razão do medo da violência / outros custos intangíveis. 61) gastos feitos pelo cidadão indiretamente através de impostos e que

são alocados no combate ao crime Tabela 2 . Gastos Indiretos com Violência Item Valor Porcent

5 Para tomar um exemplo concreto: o governo, através das Secretarias da Administração Penitenciária e do Trabalho, iniciou em 1997 um programa de prestação de serviços à comunidade, para aqueles que foram condenados a cumprir penas alternativas. Nesta modalidade de pena um prestador custa ao estado cerca de 50 reais mensais e trabalha gratuitamente 8 horas semanais. Se estivesse cumprindo pena em regime fechado, custaria R$ 620 mensais aos cofres públicos. 6 A explicação detalhada das fontes e cálculos não cabem no limite deste artigo, mas podem ser obtidas no Ilanud, onde a pesquisa foi desenvolvida.

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Questões Atuais em Criminologia

. Secretaria da Segurança Pública - 1998 3.585.094.695 85,4 Secretaria da Administração Penitenciária - 1998

471.007.971 11,1

Tribunal de Alçada Criminal - 1998 72.874.153 1,7 Internação de crianças e adolescentes infratores - 1988

38.390.760 0,9

Tribunal de Justiça Militar -1998 14.617.586 0,3 Ministério Público - 1998 (somente gastos com salários, na capital)

5.529.600 0,1

Procuradoria Geral do Estado - 1998. (somente gastos em salários, na capital)

3.060.000 0,05

Guarda Civil Metropolitana (somente gastos com salários, na capital)

2.700.000 0,06

Pensões pagas para famílias de policiais, mortos em serviço. (Dados da Resolução 168, publicados no Diário Oficial de 21-5-98)

2.175.800 0,05

Internações hospitalares na rede pública : somente gastos com "homicídios e lesões provocadas intencionalmente por outras pessoas / outras violências" (DATASUS, 1997)

1.310.595 0,03

Total 4.196.761.160 100

Fontes: Diário Oficial / DATASUS / Serviço de Relações Públicas do Comando da Guarda Civil / COSESP

Os gastos dos órgãos diretamente relacionados com o combate da criminalidade, como Secretarias de Segurança Pública e Administração Penitenciária, foram retirados do orçamento estadual de 1998. Do orçamento da Secretaria de Segurança Pública deduzimos apenas os valores relativos ao Corpo de Bombeiros, cujas atividades não dizem respeito ao controle do crime (exceto no caso de incêndios provocados intencionalmente). Para outros órgãos públicos que só dedicam parte de seu orçamento ao problema do crime, cálculos diferentes foram necessários. Assim, por exemplo, o valor das internações dos menores infratores não eqüivale aos gastos integrais da Secretaria de Assistência e Bem Estar mas é o resultado da multiplicação de 3.485 internos em junho de 1998, ao custo unitário de R 918,00 por mês.

Para estimar os custos no Ministério Público averiguamos que,

somente na Capital, existem 256 promotores de Justiça com atribuições criminais e tomamos como salário base, no início de carreira, o valor de 1.800 reais, tanto para promotores quanto para procuradores. O valor é sabidamente subestimado pois não leva em conta os promotores no interior, os gastos administrativos e os acréscimos salariais. O mesmo

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é válido para a Procuradoria do Estado: somente parte do trabalho do órgão é despendido no trato de questões criminais. Na Capital atuam 105 procuradores na área criminal, além de 65 espalhados pelo interior. Somente foram levados em conta os gastos com salários, minimizando os custos efetivos do Ministério Público e da Procuradoria. Na ausência de informações precisas, ao calcular os custos da violência é preferível pecar por falta do que por excesso.

Na Guarda Municipal de São Paulo, segundo o serviço de

relações públicas do Comando da Guarda Civil, trabalham 4.500 policiais, com vencimentos brutos, na categoria base, em torno de 600 reais mensais. O custo aqui é novamente subestimado pois só leva em conta os gastos com salários e no município de São Paulo.

Além dos salários dos operadores do direito - policiais, carcereiros, juízes, promotores e procuradores - é preciso levar em conta o pagamento de seguros e indenizações públicas às vítimas da violência. Desde 1998, as famílias dos policiais que morrem em serviço recebem como indenização, em média, R$ 50.600 reais. Em 1997 morreram em serviço 40 policiais militares e 3 policiais civis e é sobre esta base que computamos os gastos com seguro apresentados na tabela. Desde junho de 1996, quando este tipo de seguro foi criado, 151 famílias receberam o equivalente a 7 milhões e 200 mil em indenizações da Cosesp, Companhia de Seguros do Estado.

O INSS, por sua vez, pagou em São Paulo 449.933 pensões por invalidez e 908.880 pensões por morte em 1996, mas não soubemos avaliar quantos dos mortos por homicídio e inválidos no Estado receberam tais pensões, de modo que optamos por não incluir os gastos do INSS no cômputo. (INSS, 1996). Como a maior parte dos mortos pela violência são jovens, sub empregados e não raramente desempregados, é possível que boa parte das famílias não receba indenizações do INSS. Quanto aos gastos ambulatoriais com as vítimas da violência, (93% dos homicídios em São Paulo são cometidos por armas de fogo) finalmente, estimamos que São Paulo representa 46,4% dos gastos nacionais no quesito "internações hospitalares por violência na rede pública", tomando como base a proporção de gastos no Estado com atendimento específico em urgência e emergência. Faltaria acrescentar ainda os gastos em São Paulo da Polícia Federal, para completarmos o quadro, mas não foi possível obter tais informações. O efetivo da polícia federal é pequeno se comparado ao efetivos das polícias estaduais, de modo que o resultado final não está demasiado distante da realidade.

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Questões Atuais em Criminologia

Os gastos neste primeiro grupo de custos, que chamamos de indiretos, são sabidamente subestimados, mas mesmo assim perfazem 4 bilhões e 200 milhões de reais, com o orçamento da Secretaria de Segurança Pública, como era previsível, representando o maior dispêndio proporcional nesta categoria.

2) gastos feitos diretamente pelos indivíduos ou empresas para a

compra do bem "segurança" ou perda de patrimônio direta em função do crime

Tabela 3. Gastos e perdas diretas com Violência Item Valor Porcent

. Segurança Privada: 400.000 guardas no Estado (Sesvesp, somente salários)

2.880.000.000 60,6

Veículos furtados 839.772.000 17,6 Seguros: automóveis 495.681.600 10,4 Veículos roubados 340.404.000 7,1 Cargas roubadas (DIVECAR, SETECESP, 1998) 116.472.180 2,4 Perda de patrimônio em arrombamentos residenciais (excluindo o custo dos danos, somente Região Metropolitana de São Paulo)

41.337.021 0,8

Perda direta de bancos com roubos em agências (DEPATRI, 1998)

30.000.000 0,6

Outros roubos e furtos, excluindo veículos, bancos e cargas

10.437.750 0,2

Sepultamento das vítimas de homicídio 2.496.800 0,05 Equipamentos de segurança para carros 692.300 0,01 Total 4.757.293.651 100

Fontes: SESVESP / Secretaria de Segurança Pública / DIVECAR / SETECESP / DEPATRI / Serviço Funerário Municipal / ILANUD

Os valores estimados para este segundo grupo de itens somam 4 bilhões e 757 milhões de reais anuais entre gastos e perdas diretas da população. São quantias em dinheiro ou bens que mudaram de mãos, no caso dos crimes consumados, passando do setor legal para o ilegal da sociedade. Quantias, nos caso da prevenção, que os indivíduos certamente prefeririam estar investindo em outras coisas, como lazer, ao invés de usá-las para se precaver de perigos em potencial. Deste grupo, o item de maior peso é o investimento em vigilância privada, um dos únicos setores do país para o qual não existe crise. Depois dos gastos em vigilância privada aparecem em importância os gastos relativos a veículos: somados, os custos com roubos, furtos, seguros, equipamentos de proteção de veículos

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representam no final um rombo considerável no orçamento dos indivíduos. Poderíamos agregar ainda a este grupo de custos os seguintes itens: • Custos e honorários advogatícios. • Perdas com os "crimes de colarinho branco". • Horas de trabalho perdidos: convalescência física e psicológica,

registro de queixa policial; testemunho em processos criminais, etc. • Quebra de produtividade de funcionários vítimas de violência. • Tratamento médico e psicológico das vítimas na rede privada. • Investimento em equipamentos para segurança própria,

empresarial ou residencial, como armas, grades, câmeras, alarmes, etc.

Infelizmente, com relação a estes itens, só dispomos de alguns

elementos para base de cálculo, de modo que não foram incluídos neste levantamento. Entre estes elementos, valeria mencionar: quanto aos custos advogatícios, o site da OAB na internet divulga uma pesquisa feita em escritórios de advocacia, com os seguintes preços mínimos: na fase do Inquérito Policial - diligências R$300; acompanhamento R$500 ; instauração R$700. Na fase da Ação Penal: defesa R$1.000; defesa em júri R$2.000; habeas corpus R$500, etc. Os custos com advogados aparecem geralmente no caso de crimes cometidos entre pessoas que se conhecem, ou nos casos de crimes financeiros ou de "colarinho branco", raramente aparecendo no caso dos crimes de rua, como roubos e assaltos. Note-se também que deixamos de fora - e todos os cálculos de custos da violência o fazem - as perdas para a sociedade com os crimes de "colarinho branco", como corrupção, falências fraudulentas, prevaricação, golpes na praça em geral. Em geral, as pesquisas sobre custos da violência preocupam-se exclusivamente com os crimes violentos, ou crimes de rua, deixando de lado os crimes não violentos cometidos pela classe média. Um só destes escândalos financeiros, porém, provocados por criminosos de classe média, pode implicar em prejuízos equivalentes a milhares de roubos e furtos, cometidos por ladrões pobres.

Com relação a quebra de produtividade no trabalho das vítimas

da violência, segundo a Brasiliano e Associados, o rendimento cai de 20% a 35% nos dias posteriores ao crime. É preciso computar também as horas de trabalho perdidos pela vítima com a convalescência física e

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Questões Atuais em Criminologia

psicológica, registro de queixa policial, testemunho em processos criminais e outras atividades envolvidas na fase judicial.

Finalmente, como relação aos investimentos em equipamentos de segurança residencial feitos pela população, sabemos, através de pesquisas de vitimização feitas na capital, que 8% das residências têm arma de fogo em casa; 27% fechaduras especiais para portas; 31% cão de guarda; 32% janelas e portas gradeadas e 36% grades altas. (Ilanud, 1997). Este tipo de investimento se faz uma só vez, sendo difícil calcular o custo em base anual. Especificamente em relação aos automóveis, sabemos que 28% dos carros da capital têm alarme e 23% trava de direção ou câmbio, e que 27% têm algum mecanismo de corte de combustível ou corrente elétrica. (Ilanud, 1997). Uma vez que a frota no Estado era de 7.937.980 veículos em 1997, isto significa que foram comprados para a proteção da frota atual cerca de 2.222.634 alarmes, 2.143.254 corta correntes ou de combustível e 1.825.735 travas. Os valores mencionados na tabela acima com "equipamentos de segurança para carros" foram estimados com base no incremento anual da frota.

3) valores que deixam de ser produzidos ou ganhos pela sociedade

em razão do medo da violência / outros custos intangíveis

Este último grupo de custos é o mais difícil de ser estimado, seja pela precariedade de dados, seja pela subjetividade de algumas categorias. Em termos relativos, sabe-se que a maior perda é representada pelas mortes prematuras e incapacitações permanentes. As vítimas da violência são em geral jovens enquanto a expectativa de vida no Estado é de 65 anos para os homens e 73 para as mulheres. São milhares de anos de vida potencialmente produtiva, de 11.000 pessoas mortas todos os anos, que deixam de ser aproveitadas. O ISER avalia que tais custos econômicos por morte prematura e incapacidade representam de 83% a 91% dos custos da violência. Este e outros custos não estão sendo computados aqui, pois representam perdas potenciais.

Apenas para dar uma dimensão do quanto se perde com mortes prematuras no Estado, podemos fazer um cálculo aproximado, levando em conta que 93% das vítimas são homens e os seguintes valores:

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Tabela 4. Anos de vida perdidos por morte prematura Faixa Etária Homens Mulheres Anos perdidos

Homens Anos Perdidos Mulheres

46 a 100 (6,9) 708 53 - - 39 a 45 (8,2) 840 63 16800 1764 36 a 38 (4,4) 458 34 12366 1190 33 a 35 (7,5) 773 58 23190 2204 30 a 32 (11,0)

1131 85 37323 3485

27 a 29 (11,0)

1131 85 40716 3740

24 a 26 (14,3)

1469 110 57291 5170

21 a 23 (14,2)

1452 109 60984 5450

18 a 20 (14,2)

1452 109 65340 5777

16-17 (5,7)

590 44 28230 2464

0 a 15 (2,0)

212 16 10600 928

N = 11.000 10.230 770 352.840 32.172

Fonte: DHPP / SEADE - Porcentagens por sexo e idade baseadas nas 4145 vítimas de homicídios analisados pelo DHPP em 1997 e extrapoladas para as cerca de 11.000 vítimas no Estado. Os limites máximos de cada faixa foram utilizados para calcular a diferença entre a idade da morte e a expectativa de vida para cada sexo.

Apenas para efeito de cálculo, se supusermos que estas pessoas

ganhavam pelo menos um salário mínimo mensal (R$ 1.440 por ano) e que continuariam a ganhar o mesmo pelo resto de suas vidas, chegamos a uma perda por mortes prematuras no valor de R$ 508.089.600 reais para os homens e de R$ 46.327.680 reais para as mulheres, totalizando R$ 554.417.280 reais, somente com as pessoas mortas por homicídio num único ano.

Entre outros custos intangíveis por vezes computados em estudos

sobre custos da violência valeria a pena mencionar: • Turismo nacional e internacional desviado para outros locais menos

violentos. • Oportunidades empresariais perdidas: fábricas e lojas instaladas

em outros locais. • Perda de qualidade de vida: estresse, medo. • Mudanças de estilo de vida: habitantes da cidade saem menos de

casa, consomem menos em bares, cinemas, restaurantes, etc.

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Page 31: Questões atuais em Criminologia

Questões Atuais em Criminologia

Alunos que deixam de freqüentar cursos noturnos e empregados de trabalhar em turnos noturnos.

Estes valores são os mais difíceis de estimar pois são quase

sempre hipotéticos. Oferecemos aqui apenas alguns indícios e variáveis que deveriam ser levados em conta caso uma pesquisa completa conseguisse estimá-los: em relação ao turismo, o economista Ib Teixeira, da FGV do Rio, calcula que o Brasil deixou de ganhar 20 bilhões de dólares entre 1988 e 1998, ou cerca de 2 bilhões de dólares por ano. Uma vez que se estima que cada 1000 dólares gastos por turistas no país gera de 2 a 3 empregos, o problema do desemprego no Brasil praticamente desapareceria nas regiões turísticas se este fluxo de visitantes fosse canalizado para cá.

Sobre os aspectos subjetivos da violência e seus efeitos comportamentais, desnecessário apontar o quanto nossa rotina é alterada: somente a título de exemplificação, a pesquisa de vitimização do Ilanud levantou que, na Capital, 45% dos habitantes costuma evitar certas ruas, locais ou pessoas por questão de segurança; 49% sentem-se um pouco ou muito inseguros ao andar na vizinhança depois que fica escuro; 35% acha muito provável ou provável ser vítima de tentativa de arrombamento nos próximos 12 meses. Com relação a mudança de hábitos, 52% da população da capital costuma pedir a vizinho ou vigia para olhar a casa quando sai (Ilanud, 1997). Conclusões

É preciso ficar atento para o fato de que estes gastos também implicam numa redução da criminalidade e que porque eles são feitos um grande número de crimes deixa de ocorrer . Nem todas estas rubricas - especialmente os gastos com polícia - podem ser considerados como "custos", se pensarmos no seu papel preventivo. Se os gastos feitos em segurança ajudam a prevenir crimes que de outro modo ocorreriam, trata-se na verdade de um bom investimento; se não ajudam, ou não tanto quanto deveriam, a questão muda de figura. Assim como no caso dos carros ou cargas roubadas descontamos os recuperados, um cálculo ideal deveria levar em conta - e subtrair dos gastos - estes crimes prevenidos. O problema é que este cálculo é impossível de ser feito, superestimando de certo modo os custos da violência. Tenha-se em mente também que, na maioria dos casos, dinheiro e bens roubados mudam de mãos, mas não desaparecem simplesmente da economia: o dinheiro gasto em salários

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de policiais e vigilantes, por exemplo, entra de novo na economia quando estes consomem outros bens.

O PIB nominal do estado de São Paulo foi de 241,58 bilhões de

dólares ou de 292, 31 bilhões de reais, em valores de 1997, segundo o SEADE. Os custos da violência aqui levantados, em caráter provisório, atingem a cifra de 8 bilhões e 96 milhões de reais, ou cerca de 3% do PIB estadual. É difícil julgar se esta é uma proporção elevada ou não em comparação com outros estados ou países, mesmo porque não existe comparabilidade metodológica deste estudo com os demais. Mas é sem dúvida um gasto elevado quando comparamos com o que é investido em outros setores: representa, por exemplo, 2,7 vezes o gasto feito com a Secretaria da Saúde e 21,7 vezes o gasto com a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social em 1998.

Assim como em outros serviços prestados pelo Estado na área

da educação e da saúde, também na área da segurança acaba ocorrendo uma espécie de "dupla-tributação" para aqueles que não querem depender somente dos serviços públicos. Tributação dupla porque, apesar de pagar através de impostos o custeio de escolas, hospitais e segurança pública, o cidadão que desejar ensino de boa qualidade, atendimento médico adequado ou melhor segurança, vai ter que pagar caro no mercado por estes produtos. Do mesmo modo como, em função da perda de qualidade, o ensino e a saúde públicos foram privatizados no país, a deterioração na qualidade do serviço de segurança pública está levando à privatização do setor. Escolas, hospitais e policiamento públicos serão, cada vez mais, serviços prestados a quem não pode pagar pelos serviços privados. Esta tendência deve ser ainda mais acelerada na área de segurança pois, diferentemente das demais, freqüentemente são as mesmas pessoas que atuam na segurança público e na privada: como trabalham com base em escalas, os policiais - treinados com recursos públicos - são aproveitados pelas empresas de segurança privada, boa parte das quais, diga-se de passagem, são de propriedade de policiais de altas patentes nas polícias Civil e Militar.

Este custo da violência até agora tem sido "repartido" pelo

Estado (cuja fonte são os impostos pagos pela sociedade), pelas vítimas da violência e por aquelas empresas ou indivíduos que pretendem diminuir seus riscos de vitimização. Existem, por outro lado, dois ramos industriais específicos que tem parcela indireta de responsabilidade pelos elevados custos da violência mas que não

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contribuem de maneira proporcional para custeá-los: estou me referindo especificamente à industria de armas e de bebidas alcoólicas. Obviamente não é a arma ou a bebida que causam isoladamente a violência, assim como não é o cigarro o único responsável pelo câncer em fumantes. Não há como negar, todavia, o impacto da disponibilidade de armas e do consumo de álcool sobre a criminalidade e seus custos, assim como não se pode mais negligenciar os efeitos indiretos do fumo sobre a incidência de câncer ou problemas cardíacos na população. Pesquisa realizada pelas Nações Unidas em 1995 mostrou que no Brasil as armas de fogo são utilizadas em nada menos que 88% dos homicídios, colocando-nos como o país com maior proporção de homicídios por armas de fogo em todo o mundo. Os homicídios por armas de fogo transformaram-se, em outras palavras, num problema de saúde pública. No Rio de Janeiro, os médicos plantonistas já recebem treinamento dados aos médicos que cuidam de vítimas de guerras, em virtude na quantidade e qualidade dos ferimentos. Nos Estados Unidos, a indústria do fumo reconheceu sua parcela de culpa por uma série de doenças e está entrando em acordo com o governo para pagar parte dos gastos na área de saúde que o Estado tem por causa do cigarro. Como contrapartida, não seriam aceitas ações individuais por danos contra as indústrias ligadas ao fumo. Acordos semelhantes estão sendo estudados em algumas comunidades com relação aos fabricantes de armas. O princípio invocado é o mesmo: o ônus com o tratamento das vítimas da violência não deve caber apenas ao Estado ou as vítimas. Se o álcool e as armas de fogo tem parcela de responsabilidade pela violência e mesmo lucram com ela - como é o caso da indústria de armas - eles deveriam arcar de alguma forma com os seus custos.

A título de conclusão deste artigo, gostaria de reafirmar a

precariedade dos dados aqui apresentados e de lembrar que a cifra de 3% do PIB é uma estimativa conservadora para o custo da violência em São Paulo, uma vez que deixa de computar diversos itens importantes. E é acima de tudo uma estimativa que não leva em conta um valor incalculável, de uma bem que não tem preço: o valor da vida das vítimas da violência e suas famílias; da dor e do sofrimento humano que a violência representa.

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A expansão da segurança privada no Brasil: algumas implicações teóricas e práticas. Teoricamente, segundo a clássica definição de Max Weber, o Estado é o detentor do monopólio da violência legítima dentro de um determinado território. Desde que os cidadãos abdicaram de seus "direitos naturais" em favor do Estado, somente ele tem o poder e o dever de zelar pela segurança externa e interna, policiando, julgando e punindo os infratores da lei. Julgar e punir criminosos ainda é monopólio estatal em quase todos os países civilizados, não obstante a freqüência das tentativas populares de fazer "justiça com as próprias mãos", quando avaliam que o estado atua ineficazmente. Mas linchamentos, vigilantismo, violência policial e esquadrões da morte, felizmente, são atividades ilegais em qualquer canto: existem na prática, contando não raramente com a aprovação popular quando as vítimas são "criminosos", mas ainda são competência exclusiva do poder público. O poder de polícia, por outro lado, deixou há várias décadas de ser um tipo de atividade monopolizada pelo Estado. Neste setor, como assinala Bayley, (Bayley, 1994) ocorreu uma erosão do monopólio público, provocada tanto pelas iniciativas comunitárias de autodefesa como principalmente pela expansão das atividades da indústria da segurança. Hoje a função de policiamento é repartida entre o Estado e a sociedade, e esta última vem adquirindo cada vez maior proeminência. Em diversos países do mundo, desde os anos 70, o número de vigilantes privados superou em quantidade o de policiais treinados e pagos pelo Estado: nos Estados Unidos existiam, em 1990, cerca de três vezes mais seguranças particulares (2 milhões) do que policias, estimados em 650 mil. A projeção norte-americana é de que nos anos 90 os agentes de segurança particulares cresçam anualmente ao dobro da taxa dos policiais. Na Inglaterra e no Canadá a situação é a mesma: existem duas vezes mais seguranças particulares do que policiais e a taxa de crescimento do setor privado é mais rápida do que do setor público. Os dados existentes para São Paulo revelam uma tendência parecida. Em todo estado existem cerca de 400 mil vigilantes privados, em comparação com 120 mil policiais civis e militares, numa proporção de 3,3:1.

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As causas desta erosão do monopólio estatal sobre o policiamento ? Aumento do crime, do sentimento de insegurança e o reconhecimento de que o poder público - se pode prestar um serviço de segurança básico, não atende às necessidades específicas de segurança demandadas pelo mercado. Este mesmo processo, é preciso lembrar, ocorreu em outros setores típicos da atividade estatal, como saúde e educação. Em países, como o Brasil, onde os serviços médicos e educacionais públicos são precários, aqueles que podem procuram comprar estes serviços no setor privado. Com a exceção de algumas "ilhas de excelência", a qualidade da segurança, educação e saúde públicas no Brasil deixa muito a desejar, criando neste vácuo a oportunidade para lucros elevados no setor privado: as indústrias de saúde, educação e segurança privadas, não por acaso, estão entre os ramos mais lucrativos nas últimas décadas7. Ao pobre nada mais resta do que lutar pelas vagas nas escolas do município ou do estado, mofar na fila dos hospitais públicos e depender da escassa proteção policial, que simplesmente não pode estar em todos os lugares, o tempo todo. A classe média, em compensação, pode ser dar ao luxo de colocar seus filhos na escola particular, internar-se na rede privada de saúde e contratar porteiros e vigilantes para cuidarem de seus bens, mas na verdade acaba sendo duplamente tributada: já paga e caro, através dos impostos, por saúde, educação e segurança, mas quase nunca pode utilizá-los, sendo obrigada a comprar estes bens e serviços no mercado quando precisa de um atendimento de qualidade. O problema não é só o da qualidade do atendimento. Algumas empresas ou setores da sociedade desejam ter segurança 24 horas por dia e o estado não tem a obrigação nem o dever de atendê-los, pois isto significaria a privatização, em benefício de alguns, de um serviço que deve ser de todos. É o caso, por exemplo, dos espaços privados freqüentados por grande número de pessoas, como shopping centers , clubes, bancos, edifícios de escritórios, condomínios, etc. Não é possível nem desejável colocar um policial em cada um destes locais e por isso eles são quase que exclusivamente policiados por seguranças particulares, ainda que a jurisdição legal seja da polícia.

7 0 salário médio de um vigilante foi estimado em R 600,00 mensais. O setor de vigilância privada movimentou 1 bilhão de reais no Estado de São Paulo, entre abril de 1996 e maio de 1997 (Sesvesp). Cerca de 29% da população da capital diz ter vigia ou guarda de segurança para olhar a casa (Ilanud, 1997)

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A indústria da segurança prospera no Brasil, como em outros grandes centros urbanos, e a priori não há qualquer problema nisto. Existem todavia algumas características específicas na prestação deste serviço no Brasil que tornam a situação algo problemática. Em primeiro lugar, uma simbiose por vezes suspeita entre o setor público e o privado na área da segurança. Ainda que não seja legalmente permitido, é público e notório que muitos dos proprietários de empresas privadas de segurança pertencem aos quadros superiores das polícias: geralmente delegados de polícia civil ou oficiais superiores da polícia militar, embora as empresas estejam legalmente em nome de familiares, como esposas e filhos. O mesmo ocorre com relação aos empregados, geralmente policiais civis ou militares. Numa tese sobre a caracterização do policial militar no Estado de São Paulo, Álvaro da Silva Gullo (Gullo, 1992)encontra indícios claros desta simbiose: segundo dados levantados na ocasião, 33% dos policiais tinha algum trabalho remunerado fora da PM e a proporção era tanto maior quanto menor o posto ou graduação. Dos que tinham algum outro trabalho remunerado, cerca de 1% eram empregadores (obviamente os estratos superiores), 20% trabalhavam como autônomos e 12% como empregados assalariados. Este "bico", como revelou a pesquisa, garantia rendimentos iguais ou mesmo superiores aos auferidos na atividade policial. Em alguns casos a atividade policial se torna secundária em detrimento do bico. Não se sabe ao certo quantos destes 33% que possuem outro trabalho atuam na área de segurança privada, mas estima-se que seja a maior parte. A primeira vista não há problema em que um policial de rua, que trabalha com base numa escala, tenha outra atividade e que esta atividade se dê também na área da segurança. Segurança é o assunto que ele conhece, tem afinidade e para o qual foi treinado. Além disso, professores da rede pública também dão aulas particulares e médicos do serviço público mantém consultórios particulares, para ficarmos apenas nestas duas áreas básicas. A situação é mais complicada para os policiais que não estão na rua e portanto não trabalham com escalas, pois nestes casos só é possível exercer uma atividade paralela em detrimento do serviço público. Outra questão complicada: os policiais são treinados durante meses pelo Estado - defesa pessoal, tiro, legislação, investigação, etc - com o dinheiro público, e todo este treinamento é aproveitado pelas empresas particulares que utilizam esta mão-de-obra, sem que tenham que pagar nada por isso. Se, por um lado, isto significa uma qualidade superior no serviço de vigilância privada, por outro lado representa uma apropriação privada de um

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"bem" público. Há o problema do stress: os policiais, ao invés de estarem repousando de uma atividade estressante, estão na rua exercendo mais uma vez uma atividade perigosa, de modo que voltam ao trabalho tão ou mais exaustos que antes, prejudicando o trabalho policial. Existe também o problema das perversões, que são casos isolados, mas que levantam sérias dúvidas sobre a compatibilidade entre prestação pública e privada dos serviços de segurança: casos de policiais que deixam de policiar determinadas áreas da cidade para se aproveitar da insegurança e oferecer proteção particular; uso de armamento, viaturas e outros equipamentos públicos pelos policiais, durante a atividade particular; extorsão pura e simples de dinheiro de comerciantes em troca de "proteção"; prestação de serviços de segurança a pessoas envolvidas em atividades ilegais, como "banqueiros do bicho"; uso de "informações privilegiadas", como dados sobre criminalidade e operações policiais, para fins privados, etc. A solução para o problema da simbiose suspeita está talvez na oficialização do bico, mais do que na sua proibição, que é inútil, uma vez que os baixos salários levam os policiais a procurarem outras atividades. Para lidar com o problema, algumas unidades policiais norte-americanas criaram uma espécie de Fundação da Polícia, que recebe as solicitações de serviços particulares de segurança e aponta policiais em folga para exercê-las. Parte do lucro vai para o policial e parte para a própria polícia, que passa a exercer também alguma fiscalização sobre o trabalho paralelo de seus membros. A questão da fiscalização das atividades dos seguranças particulares tem sido esquecida pela sociedade, que se concentrou em grande parte na atuação das atividades policiais, em função do histórico de violações aos direitos humanos das polícias brasileiras. O monitoramento das atividades policiais é atualmente feito tanto pela polícia como pela sociedade e várias iniciativas foram colocadas em prática para diminuir os abusos eventualmente cometidos pela polícia: corregedorias internas, ouvidorias, cursos de direitos fundamentais, divulgação de estatísticas envolvendo confrontos com civis, serviços de acompanhamento psicológico a policiais envolvidos em confrontos que resultaram em mortes, mudança do alvo, nos treinamentos de tiro, para partes não letais do corpo, além da existência de códigos e regimentos internos específicos e uma série de outros mecanismos para que a sociedade acompanhe a atividade daqueles que ela incumbiu da seríssima responsabilidade policial. Trata-se afinal de funcionários públicos muito especiais, porque, diferentemente dos demais, tem o

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poder, em determinadas circunstâncias, de utilizar a força letal, em nome da sociedade. Em contrapartida, o que se faz para fiscalizar a atividade dos vigilantes particulares ? Muito pouco, afora algumas exigências legais simples como ter bons antecedentes, porte de arma e aulas elementares de legislação e tiro. São pessoas que andam armadas e exercem funções similares ás funções policiais mas que não estão nem de longe submetidas aos mesmos constrangimentos. O resultado desta política tem sido o envolvimento crescente de seguranças particulares em confrontos letais, dos quais não raramente o próprio segurança é a vítima. Vejamos alguns dados com relação a estes confrontos: o anuário de 1997 do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa - que apura os crimes dolosos contra a pessoa de autoria desconhecida - informa que, nos 40 homicídios múltiplos ocorridos na Capital, 25% dos autores identificados exerciam a profissão de vigilante. Um quarto dos envolvidos e estamos falando apenas das chacinas e de casos de autoria desconhecida, que excluem, por exemplo, casos célebres noticiados pela imprensa, de seguranças envolvidos em tiroteios em pleno trânsito, quando protegiam seus clientes de assaltantes nos semáforos. Não existem estatísticas sobre a profissão dos autores dos homicídios de autoria conhecida mas a suspeita é de que boa parte deles sejam também vigilantes. Esta suspeita é confirmada quando analisamos a situação em que se encontravam os policiais militares mortos em confrontos. Contrariando a lógica, o número de policiais militares mortos é maior em folga - quando estão exercendo o bico - do que em serviço. Isto significa que eles se envolvem mais em confrontos letais quando estão trabalhando como vigilantes (em tese, uma situação passiva) do que quando estão policiando a cidade, procurando criminosos e respondendo a chamados de crimes (uma situação ativa). Desde metade de 1995 até o final de 1998 morreram nada menos que 53 policiais civis e 1043 policiais militares. Baseando-se nas estatísticas da Ouvidoria de Polícia para os anos de 1990 a 1998, cerca de 23 % das mortes dos policiais militares ocorrem quando o policial está de serviço e 77 % de folga, geralmente exercendo uma segunda profissão. Na polícia civil o padrão se inverte, com a maior parte das mortes (71%) ocorrendo durante o serviço. Os feridos são ainda mais numerosos: 230 policiais civis e 2.856 militares. Como no caso das mortes, a maioria dos ferimentos acontece com o policial em folga ( cerca de 70%,

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segundo dados de1995 a 1997). Somente em janeiro último foram 12 policiais em serviço e 17 durante o bico. A explicação para esta mortalidade elevada durante a folga é complexa e passa pela violência dos criminosos brasileiros, elevada disponibilidade de armas na sociedade, falta de equipamentos de segurança, falta de preparo e treinamento para o enfrentamento de situações de alto risco, dupla jornada de trabalho a que muitos são obrigados a enfrentar para complementar sua renda, stress emocional, etc. Durante o bico o policial está mais vulnerável porque atua sem a presença de outros policiais e sem os equipamentos de segurança. O criminoso, por outro lado, torna-se mais ousado pois geralmente não sabe que se trata de um policial treinado ou então sabe e aproveita para se vingar quando o policial está sozinho. Mas é possível especular também que a ausência de maiores constrangimentos para o uso da arma de fogo explique o elevado envolvimento de vigilantes (policiais no bico) em homicídios e a alta proporção de policiais militares mortos fora de serviço. O segurança particular envolvido em confronto armado talvez tenha que responder a um processo criminal. O policial, por outro lado, está sujeito a outras medidas: investigação pela corregedoria ou ouvidoria, acompanhamento psicológico, afastamento do policiamento de rua e conseqüente perda do bico, pressão dos superiores ou da opinião pública, etc. Existem mais entraves a que se puxe o gatilho na condição de policial do que na condição de segurança particular. A regulamentação do bico através de uma Fundação da Polícia ou outro meio, neste sentido, poderia implicar numa menor vitimização tanto de civis como de policiais, uma vez que o policial, mesmo a serviço privado, poderia contar com algum tipo de apoio material ou logístico por parte da corporação. É necessário também reforçar o treinamento preventivo dos seguranças particulares, com aulas sobre como abordar suspeitos sem se expor ao risco, curso de direção defensiva (várias mortes ocorrem por acidentes de trânsito, durante perseguições), alertá-los para o elevado risco que correm quando estão atuando isoladamente como vigilantes privados, da necessidade de manter sempre os hábitos e equipamentos de proteção. É preciso, em resumo, voltar um pouco os olhos para o que acontece no setor privado de prestação de segurança, que tende a se expandir ainda mais velozmente nas próximas décadas. A sociedade e os

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clientes destas empresas tem que saber como eles são treinados e fiscalizados em caso de abusos. Os padrões devem ser semelhantes aos exigidos das forças policiais. A elevação dos padrões de atuação dos seguranças particulares contribuirá para melhorar o serviço prestado aos clientes e reduzirá o número de incidentes fatais envolvendo seguranças, tanto como algozes quanto como vítimas. Um vigilante despreparado e não fiscalizado em sua atuação é um perigo para os clientes que contratam proteção, para a população como um todo e para si próprios, além de um mal negócio para as empresas de segurança. Se a sociedade consente com que os vigilantes andem armados e exerçam atividades que são função policial, ela também pode exigir que eles se adeqüem aos constrangimentos legais exigidos das forças policiais.

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Policiamento Comunitário no Brasil: uma expectativa realista de seu papel Projetos de "policiamento comunitário", "policiamento interativo", "policiamento solidário" ou "polícia cidadã" - como quer que o conceito seja entendido e aplicado - existem atualmente em cerca de 14 estados brasileiros. A eclosão destes experimentos sugere que causas comuns são provavelmente as responsáveis pelos mesmos efeitos: desde que, passado o período autoritário, as polícias foram confrontadas com problemas relativos à sua eficiência e imagem junto a população, tentativas de adotar uma nova filosofia de atuação emergiram quase espontânea e simultaneamente em diversos lugares. Regra geral, em todo o mundo, quase sempre os projetos de policiamento comunitário emergiram em conseqüência da deterioração da imagem policial frente a comunidade. Este "vício de origem", todavia, não significa que devamos deixar de comemorar estas mudanças recentes que estão ocorrendo na filosofia do policiamento no Brasil. Na pior das hipóteses, mesmo que tais projetos não venham a contribuir significativamente para a redução da criminalidade nos grandes centros urbanos, eles podem implicar num novo patamar de relacionamento entre a polícia e a comunidade, contribuindo para a melhoria no relacionamento entre ambos, o que já não é pouco, uma vez que a população, atualmente, desconfia da polícia, tendo muitas vezes mais medo dela do que dos próprios criminosos. Quase todos os programas atuais baseados na filosofia do policiamento comunitário surgiram na polícia militar, mas diferem bastante entre si em vários aspectos, desde abrangência a definições doutrinárias. Além de São Paulo, existem diversas experiências que podem ser qualificadas de "comunitárias", nas polícias de 14 Estados: Espírito Santo, Pará, Paraná, Sergipe, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Ceará, Pernambuco, Paraíba, Minas Gerais, Santa Catarina e Bahia. (Cerqueira, 1998) No Ceará, as primeiras iniciativas que podem ser equiparadas ao policiamento comunitário datam de 1986 e em Minas Gerais desde 1993 procura-se implementar a filosofia comunitária nos níveis estratégicos e práticos do policiamento. A Polícia Interativa do Espírito Santo remonta a 1993 e hoje está em andamento em 70% dos municípios do Estado. Outros Estados vem replicando o modelo de polícia interativa, que foi premiado pelas Fundações Getúlio

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Vargas e Ford no Concurso de Gestão Pública e Cidadania. O Estado do Pará instituiu o Projeto Povo (policiamento ostensivo volante, que associa atendimento comunitário ao policiamento tradicional. No Paraná a polícia militar colocou em prática, entre outros, os projetos de Policiamento Ostensivo Volante (Povo) e de Policiamento Solidário. No Distrito Federal, uma experiência de policiamento comunitário começou em 1995, realizada pelo 11 batalhão da PM na cidade satélite de Samambaia. O primeiro projeto de policiamento comunitário no Rio de Janeiro é também de 1995, montado com o auxílio do Viva Rio. Como avalia Elisabeth Sussekind, do Viva Rio, "el proyecto, instalado en los barrios de Copacabana y Leme, donde vivían más de 170 mil personas y hay cinco favelas, funcionó por apenas por un año y siete meses. No sobrevivió al nuevo gobierno del Estado, que lo desmovilizó, afirmando que se trataba de una vigilancia policial para elites y que los efectivos envueltos en él serían más útiles realizando operaciones en las favelas." (Boletim Polícia e Sociedade Democrática nº 1). O projeto de "Polícia Cidadã" da Bahia começou também em 1995 e vários bairros de Salvador - como Pituba e Amaralina - vêm operando segundo as novas diretrizes, inspiradas na polícia comunitária. Santa Catarina editou em 1998 um "Plano de Implementação da Segurança Interativa" e manuais de capacitação para agentes multiplicadores. Até outubro daquele ano haviam sido treinados 7812 policiais, estando em andamento 74 projetos piloto de policiamento comunitário, abrangendo 219 municípios. Pernambuco planeja colocar em prática um projeto experimental de policiamento comunitário em João Pessoa e para este fim já começou a montar cursos de instrução sobre o tema (Cerqueira, 1998). Inserido no contexto desta "onda comunitária", em 30 de setembro de 1997 a Polícia Militar do Estado de São Paulo adotou experimentalmente a filosofia do policiamento comunitário, definida como " filosofia e estratégia da organização que proporciona a parceria entre a população e a polícia". Atuando dentro de um território específico e voltada também para os aspectos preventivos do crime, a experiência tem implicado numa parceria entre polícia, comunidade local, autoridades eleitas e empresários locais, entre outros grupos. Inicialmente, foram instaladas 42 Bases Comunitárias de Segurança, 11 na Capital e 31 no interior. Cerca de 16.000 oficiais e praças já passaram por cursos multiplicadores ou estágios de Polícia Comunitária e a proposta era de ampliar o projeto para mais 44 Companhias.

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Como em outros lugares, a evidência de que o mero endurecimento das leis penais e do rigor policial não produziam necessariamente reduções nos índices de criminalidade e tampouco contribuíam para o relacionamento com a população, despertaram a atenção das autoridades policiais paulistas para a questão do policiamento comunitário. Neste estilo de policiamento, de acordo com Barkan, a polícia atua de forma bastante próxima com os residentes dos bairros em várias atividades direcionadas a redução do crime, como programas voltados para os jovens (laser, educação pós-escola, primeiro emprego, etc.) ou mutirões para a limpeza e conservação de determinadas áreas deterioradas. (Barkan, 1997) Entre outras mudanças importantes, na maioria dos programas de policiamento comunitário existentes, as patrulhas feitas com viaturas são substituídas pelo patrulhamento feito a pé. A presunção teórica é a de que, trabalhando a pé, os policiais mantém maiores e melhores contatos com os moradores, favorecendo o entrosamento mútuo e humanizando a relação entre população e policiais, nem sempre baseada na confiança. Uma vez estabelecida uma relação de confiança, a população estaria mais disposta a colaborar com o trabalho policial, notificando os crimes de que foi vítima, fornecendo informações sobre pessoas suspeitas e trabalhando em projetos comunitários. Além desses efeitos sobre a comunidades, as patrulhas a pé também permitem que os policiais verifiquem se existe lixo nas ruas, vidraças quebradas, pixações, terrenos baldios, ruas mal iluminadas e uma série de outras situações que contribuem para a deterioração da vizinhança. A hipótese subjacente é conhecida como hipótese da "janela quebrada", segundo a qual uma incivilidade atrai outra, pois mostra que a comunidade não se importa com o que acontece ao seu redor. Assim, uma janela quebrada por uma pedra logo atrai outra pedra, mas se a janela é logo concertada, demostra a preocupação das pessoas pelo que acontece ao redor. Um bairro que demostra estar preocupado com os pequenos desvios - lixo acumulado, pixações, jogos de azar, etc.- dá sinais de vitalidade comunitária e de que não tolerará os grandes desvios, como o tráfico de drogas ou atuação de gangues juvenis. A polícia comunitária tem um papel importante nesta fiscalização da qualidade de vida do bairro, com reflexos sobre os níveis locais de criminalidade.

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Além destas atividades, existe uma série de outras que costumam estar associadas ao estilo comunitário de policiamento, como por exemplo: organização de grupos de "fiscalizadores de vizinhança" (ou "fiscalizadores de quarteirão", em locais densamente povoados), na casa de moradores do bairro; organização de encontros com a comunidade em locais públicos, onde se discutem os problemas específicos daquela área e propostas para lidar com eles; visitas "porta a porta" durante o dia, onde os policiais se apresentam aos moradores ou comerciantes da comunidade e aproveitam para colher informações e passar dicas sobre segurança; 190 reverso, onde os policiais transmitem informações sobre criminalidade e formas de preveni-la para lideranças locais, por fax ou e-mail e inúmeras outras práticas. Assim, não existe um só modelo de polícia comunitária mas vários, com diferentes práticas, que compartilham os mesmos princípios. As pesquisas criminológicas tem procurado responder se estas teorias e práticas sobre os efeitos do policiamento comunitário são válidas ou não. Os resultados são contraditórios, dependendo em boa parte das vezes do que exatamente se esta medindo no processo de avaliação. Bayley apontou que o patrulhamento a pé e outros aspectos do policiamento comunitário fazem os residentes se sentirem melhor sobre a sua vizinhança e reduzem o medo do crime (Bayley e Skolnick, 1986). Não existem evidências seguras, por outro lado, de que o policiamento comunitário tenha contribuído em alguma medida para a diminuição da criminalidade: alguns estudos encontraram esta relação, enquanto outros não (Barkan, 1997; Sherman, 1998). Com efeito, existem hoje sérias dúvidas de que qualquer forma de policiamento, comunitário ou não, possa ter um impacto significativo sobre a criminalidade porque, frente ao enorme e estrutural problema da violência, a policia exerce uma influência marginal. O problema da mensuração da eficácia da polícia comunitária através dos índices de criminalidade é bastante complexo porque se depara com a questão das chamadas "cifras negras". Na medida em que a maior confiança na polícia incentiva a notificação de crimes pela população, um dos efeitos do policiamento comunitário pode ser o aumento dos índices oficiais de criminalidade, mesmo que esta venha objetivamente caindo. Se escolhermos para análise um bairro onde antes ocorriam 100 crimes por mês e apenas 50 eram notificados e que, posteriormente à introdução do policiamento comunitário, ocorressem 90 crimes mas 70 deles fossem notificados, seriamos erroneamente levados a crer que a criminalidade aumentou de 50 para

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70, quando na verdade teria diminuído de 100 para 90. O problema das cifras negras serve para nos chamar a atenção para a complexidade do problema de mensuração na avaliação do policiamento comunitário. Como notou Neild, "se han documentado casos donde un alza en llamadas de emergencia y denuncias en las comisarías no significa que la incidencia de crimen vaya en aumento, sino que la gente siente mayor confianza y tiene mayor capacidad de diálogo com la policía a raíz de los programas de policía comunitaria. En este caso, el aumento en el número de denuncias es un indicador positivo, no negativo, de las relaciones com la comunidad (Neild, 1998) Outro complicador importante diz respeito à ausência de informações sobre a população existente em cada área de atuação policial, tornando difícil o cálculo de coeficientes por 100.000 habitantes. Uma comparação séria sobre a eficiência de um método de policiamento sobre outro precisa necessariamente levar em conta o tamanho da população, novamente para evitar correlações espúrias. Suponhamos, por exemplo, que o bairro A, onde existe policiamento comunitário e 100.000 habitantes apresente no período de um ano 100 roubos e o bairro B, onde existe policiamento convencional e residem 200.000 mil habitantes apresente 150 roubos. Se compararmos os bairros somente por número absoluto de roubos diríamos que o bairro A é menos violento, mas se utilizarmos, como seria correto, as taxas de roubos por 100.000 habitantes, concluiríamos o inverso. Recentemente, Lawrence Sherman fez a pedido do congresso norte americano uma reavaliação da literatura existente sobre polícia comunitária afim de testar a hipótese, entre outras, de que existiriam menos crimes quanto maiores e melhores fossem os contatos entre polícia e cidadãos (Sherman, 1998). De acordo com a literatura, os eventuais efeitos preventivos do policiamento comunitário sobre o crime se manifestariam de 4 diferentes formas:

1) Fiscalização comunitária (Neighborhood Watch): aumentando a fiscalização voluntária dos bairros residenciais feita pelos próprios residentes reduzir-se-ia a criminalidade porque os criminosos saberiam que a vizinhança está atenta. 2) Inteligência baseada na comunidade: os encontros comunitários formais e os contatos informais da polícia com os moradores e trabalhadores locais aumentaria o fluxo de informações sobre crimes e suspeitos, da população para a

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polícia, aumentando também a probabilidade de punição dos criminosos. Este aumento do fluxo de informações seria útil também para as estratégias preventivas contra o crime. 3) Informação pública a respeito do crime: revertendo a hipótese anterior, esta hipótese supõe que o aumento do fluxo de informações da polícia para a comunidade aumenta a capacidade de auto-proteção da população. A polícia informaria as instituições do bairro sobre os padrões e tendências da criminalidade local e quais as medidas mais adequadas para preveni-las. É a idéia de um telefone 190 às avessas, pelo qual a polícia informa lideranças locais por fax ou outro meio sobre a atividade criminal na área. 4) Legitimidade policial: a hipótese aqui é de que uma polícia vista como legítima, justa e confiável, incrementaria uma obediência generalizada à lei, inclusive por parte de policiais circunstancialmente a violam.

A avaliação de Sherman de todas as evidências disponíveis em estudos que colocaram a prova o policiamento comunitário não é exatamente otimista. Segundo pode constatar, as evidências falam contra a eficiência dos "fiscalizadores de bairro" e dos programas baseados no fluxo de informações da polícia para a comunidade. As outras práticas são no máximo promissoras e nenhuma teve sua eficiência comprovada, ao menos no que diz respeito ao problema da redução da criminalidade. O objetivo primeiro de quase todo novo programa policial, em última instância, é a redução da criminalidade, mas não é o único objetivo colimado. O policiamento comunitário não foge à regra e acima vimos algumas razões do porque dever-se-ia esperar que a introdução do experimento implicasse em menores índices de criminalidade. A dúvida metodológica, entre outras, é quanto tempo é razoável esperar até que o programa esteja consolidado e produza impactos sobre a criminalidade, e sobre que tipo de criminalidade. No caso brasileiro, os projetos talvez sejam demasiado recentes e incompletos, de modo que seria uma expectativa irrealista e mesmo desleal esperar para já um impacto significativo sobre os índices de criminalidade, se é que devamos ter alguma expectativa neste sentido. Como todo novo projeto, trata-se de um processo lento de maturação, cujos resultados talvez venham a ser visíveis somente em muitos anos.

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É verdade que quase todos os estudos que procuraram avaliar a eficácia do policiamento comunitário até aqui (Sherman, 1997) chegaram a conclusão de que, por si só, o policiamento comunitário tem um impacto limitado e marginal sobre as taxas de criminalidade. Mas por outro lado, " los programas de policía comunitaria tienen un inpacto significativo en reducir el miedo al crimen y la percepcíon comunitária del crimen". (Neild, 1998, p.13) Nossa expectativa também é de que, pelo menos por enquanto, seja pequeno ou mesmo nulo o impacto do policiamento comunitário sobre os índices de criminalidade, não só porque este impacto também não se verificou em outras experiências, como porque a experiência brasileira é recente e incompleta. O maior impacto do policiamento comunitário no Brasil se fará sentir, provavelmente, ao nível subjetivo, tanto na população-alvo como entre os policiais envolvidos. É possível esperar também alguma melhoria no que diz respeito a práticas policiais abusivas, como a tortura ou uso excessivo do poder letal. Mas, como dissemos no início, se o policiamento comunitário contribuir só para melhorar este relacionamento com a população ele já terá feito o bastante. Se é verdade que a polícia comunitária nem sempre é mecanismo eficaz para a redução do crime, por outro lado, seu potencial de violação aos direitos dos cidadãos é muito menor, quando comparada ao policiamento convencional. Na literatura, é raro encontrar caso de agressões, tortura ou homicídios que tenham sido cometidos por policiais envolvidos no policiamento comunitário, entre outras razões em função do maior envolvimento do profissional com a população local, seu perfil psicológico e o treinamento recebido. Estes ítens - aumento da confiança da população na polícia, diminuição dos casos de abusos policiais - precisam seriamente ser levados em consideração em qualquer tentativa de avaliação que se faça do policiamento comunitário no Brasil. Estes são fatores que nem sempre foram levados em conta nas avaliações feitas em outros países, porque as corporações policiais dos países desenvolvidos já atuam, na maior parte dos casos, dentro dos parâmetros de uma polícia democrática, que respeita os direitos básicos da população. Nos países desenvolvidos a polícia pouco tortura ou se utiliza de seu poder letal no combate ao crime, de modo que as questões giram quase que exclusivamente em torno de sua eficiência. No Brasil e outras sociedades latino-americanas, o policiamento comunitário deve ser pensado, por outro lado, não apenas como uma instrumento de eficiência no combate ao crime, mas também como um

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modelo de policiamento democrático, que substitua o medo por uma relação de confiança mútua entre polícia e sociedade. Esta confiança, por sua vez, é a base para o policiamento eficaz, pois a informação sobre crimes e criminosos, que é a base do trabalho de investigação policial, só é fornecida voluntariamente pelos cidadãos se estes respeitam e confiam na polícia que tem.

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Armas de fogo: argumentos para o debate 8 A constatação feita pelas Nações Unidas de que o Brasil ocupa o primeiro lugar em termos de homicídios praticados por armas de fogo, somada a visita recente do presidente Fernando Henrique Cardoso à Inglaterra - que desde 1997 proíbe a posse de armas de fogo pelos cidadãos - e os incidentes envolvendo adolescentes que atiraram em colegas e professores em escolas norte-americanas reabriram o debate sobre a contribuição das armas de fogo para a violência. Por iniciativa do governo federal, o Congresso discute no momento um projeto de lei versando sobre a proibição de venda e posse de armas de fogo no país. A proposta vem sendo debatida também pela sociedade e nos meios de comunicação, provocando reações intensas entre os contendores, que polemizam sobre seus efeitos práticos e legais. Muitas "pesquisas" e "dados" estatísticos são invocados para ilustrar os argumentos contra ou a favor da medida. Não é preciso dizer que estas pesquisas e dados são muitas vezes distorcidos em favor dos argumentos que se procura provar e quase sempre são omitidas as fontes e a metodologia com que foram obtidos. Deixando para os juristas e para os filósofos as questões legais e morais envolvidas no debate9, neste artigo procuramos alinhavar 8 Texto para discussão preparado para o Workshop "Armas de Fogo: regulação e controle", organizado pelo Ilanud no Centro de Direitos Humanos da Academia de Polícia de São Paulo, em 25 de junho de 1999. Agradeço pelos comentários feitos ao texto a Cristina Barbosa, Denis Mizne, Ignácio Cano, José Marcelo Zacchi, Oscar Vilhena Vieira e Renato Sérgio de Lima. 9 Com relação ao direito inalienável e sagrado à legítima defesa, invocado pelos defensores das armas de fogo, gostaria de tecer o seguinte comentário. Nem mesmo o direito a vida é um princípio absoluto em nossa ordem jurídica, uma vez que a Constituição prevê a possibilidade da pena de morte, em situação de guerra. Assim, o direito de portar arma, como os demais, também deve ser e é regulado juridicamente. Com base em que fundamento, perguntarão ? Respondo que com o mesmo fundamento que justifica que o estado obrigue aos motoristas utilizarem o cinto de segurança ou os motociclistas a usarem capacete. Mas porque, perguntarão, se dirigir sem capacete ou sem cinto de segurança são decisões individuais que prejudicam apenas as próprias vítimas que optarem pelo descuido? É aí que reside a falácia. Toda a sociedade perde com os acidentes de trânsito, assim como com os incidentes com armas de fogo. Gastos hospitalares, funerários, judiciais, anos de vida produtivos perdidos por morte precoce, etc.. Multiplique-se isto por 35.000 anualmente e

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algumas pesquisas acadêmicas e dados oficiais que até o momento foram produzidos no Brasil sobre a questão das armas de fogo, avaliando o que existe de seguro ou de nebuloso sobre o tema. De acordo com Barkan, as pesquisas sobre armas de fogo e controle de armas costumam concentrar-se em torno de algumas questões, como: 1) quantas armas de fogo existem, de que tipo e qual o perfil dos usuários; 2) Quão envolvidas estão as armas de fogo nos crime violentos; 3) As armas de fogo detém o crime ou tornam a violência com armas mais provável e, finalmente, 4) Em que medida o controle sobre as armas de fogo reduz a disponibilidade de armas e seu uso nos crime violentos. Nos próximos tópicos seguiremos este roteiro de questões, comparando, sempre que possível, a situação brasileira com a de outros países.

1) Quantas armas de fogo existem, de que tipo e qual o perfil dos usuários ?

O contrabando, a subnotificação dos dados oficiais e a ausência generalizada de dados na área criminal no país tornam difícil responder a esta questão básica, de modo que os números aqui apresentados serão bastante imprecisos. As inconsistências são várias, mas ainda assim é possível fazer algumas estimativas, se assumirmos como verdadeiras algumas pressuposições. Se considerarmos como verdadeira a suposição de que a quantidade de armas vendidas legalmente em cada Estado guarda relação com a teremos uma medida aproximada dos custos relacionados a armas de fogo no país. É por isso que a sociedade se julga no direito de impor aos motociclistas que usem capacete, aos motoristas de usem o cinto de segurança e aos usuários de armas de fogo que freqüentem cursos de habilitação, conversem suas armas em local seguro, utilizem bloqueadores de gatilho, etc. Não poderia afirmar com segurança se o Estado brasileiro tem o direito de proibir radicalmente o uso de armas pelo cidadão (embora a constituição brasileira não mencione explicitamente este direito, como a norte americana). Deixo estas questões para os juristas e já ouvi bons argumentos dos dois lados. Mas é certo que o poder público tem o direito de regular por quem e a forma com as armas são utilizadas, como aliás já o faz. Até mesmo nos Estados Unidos esta capacidade do estado é reconhecida pela sociedade.

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quantidade total de armas existentes naquele Estado, e tomarmos os dados da polícia civil de São Paulo, que falam na existência de 1,5 milhões de armas registradas no Estado, desde 193810 (Coordenadoria de Análise de Planejamento da SSP), então existiriam algo em torno de 7, 5 milhões de armas no Brasil, assim distribuídas:

10 Outras fontes falam em até 3,7 milhões de armas no Estado de São Paulo. A estimativas para o Rio de Janeiro é de 1 milhão de armas registradas.

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Tabela 1 - Estimativa de Armas de Fogo em Circulação no País Estados

Armas vendidas em 1997/98

% de vendas

Estimativa do número absoluto de armas

AC 5 0,007 562,02 AL 877 1,314 98.577,72 AM 172 0,257 19.333,37 AP 177 0,265 19.895,39 BA 2.062 3,090 231.775,67 CE 1.100 1,648 123.643,67 DF 1.506 2,257 169.279,42 ES 1.271 1,904 142.864,64 GO 1.381 2,069 155.229,00 MA 2.760 4,136 310.233,20 MG 6.043 9,056 679.253,34 MS 393 0,588 44.174,51 MT 738 1,106 82.953,66 PA 1.220 1,828 137.132,07 PB 539 0,807 60.585,40 PE 1.245 1,865 139.942,15 PI 1.234 1,849 138.705,71 PR 7.280 10,910 818.296,27 RJ 9.530 14,282 1.071.203,76 RN 534 0,800 60.023,38 RO 639 0,957 71.825,73 RR 152 0,227 17.085,31 RS 8.493 12,728 954.641,51 SC 3.381 5,067 380.035,67 SE 893 1,338 100.376,18 SP 12.953 19,412 1.455.960,37 TO 146 0,218 16.410,89 TOTAL 66.724 100 7.500.000,00 Fonte: Taurus

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Estas estimativas dizem respeito apenas às armas registradas, excluindo portanto as contrabandeadas, mas não levam também em conta que muitas das armas registradas no passado estão efetivamente fora de circulação. Lembre-se que os registros, ao menos em São Paulo, começaram a mais de 60 anos e que boa parte das armas registradas estão atualmente obsoletas. A análise da tabela será retomada adiante, em outros tópicos, para não fugirmos da questão da quantidade de armas. Se considerarmos como válidas - ao menos para uma estimativa das armas legais11 - as respostas dadas em pesquisas de vitimização e de opinião pública realizadas em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, sobre posse de arma de fogo na residência, então, em média, 7% dos domicílios brasileiros tem armas de fogo em casa. Uma vez que existem cerca de 39,6 milhões de domicílios particulares permanentes no país (IBGE, 1996), isto representaria a existência de 2.771.934 armas legais. As pesquisas de vitimização perguntam a uma amostra de entrevistados quantos tem armas em casa, de que tipo e com que finalidade, mas não fornecem uma estimativa totalmente correta pois, mesmo se tratando de uma pesquisa com garantias de anonimato, parece certo que boa parte dos proprietários de armas - especialmente as ilegais - tenderão a omitir estas informações. Estas estimativas, portanto, são provavelmente subestimadas, pois referem-se principalmente as armas legais e é preciso levar em conta que a maioria destas pesquisas foi feita com amostras dos grandes centros urbanos12. Na pesquisa de vitimização realizada pelo Ilanud / Datafolha em 1997 na cidade de São Paulo, assumiu-se a existência de armas de fogo em 8% das residências, sendo o revolver (6%) o tipo de arma mais comum.

11 Tomando como base as vistorias realizadas pela Polícia Militar de São Paulo em agosto de 1999, cerca de 42,2% das armas vistoriadas estavam em situação legal. Sendo correta esta estimativa (que eu acredito ligeiramente superestimada, uma vez que a polícia não para aleatoriamente qualquer indivíduo nestas operações) existiriam em São Paulo 2.370.000 armas de fogo. 12 É difícil dizer se existem mais armas na zona urbana ou na zona rural. Na zona urbana é provável que existam mais armas adquiridas para fins de proteção contra o crime, enquanto na zona rural podem existir mais armas compradas para prática de caça, defesa contra animais, esportes, herdada de antepassados, etc.

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Com 9.155.934 domicílios em 1996, isto representa cerca de 732 mil armas legais no Estado. A mesma pesquisa foi realizada no Rio de Janeiro em 1996 e encontrou armas em 9% das residências. A Organização Pan-Americana de Saúde organizou também uma pesquisa de opinião pública em 1996 englobando, entre outras cidades do mundo, Salvador e Rio de Janeiro e constatou a existência de armas de fogo em 5,6% das residências na primeira cidade e 4,6% das casas cariocas. 13

Uma primeira questão de interesse é saber se este percentual de armas encontrado nas pesquisas de vitimização é reduzido ou elevado em comparação com outros países. A tabela abaixo sugere que o problema brasileiro não é tanto o da quantidade de armas (ao menos a quantidade assumida pelos habitantes), mas antes sua utilização excessiva. Dos 13 países listados, 7 tem proporcionalmente mais armas que o Brasil, mas apenas 2 tem taxas de homicídios por 100 mil maiores e nenhum deles tem uma proporção tão grande de homicídios cometidos com armas de fogo. Tabela 2 - Porcentagem de Armas nas residências X porcentagem de homicídios cometidos com armas de fogo. % de residências

com armas (1996)

Taxa de Homicídios por 100 mil (1995/96)

% de homicídios cometidos com armas de fogo (1995/96)

Romênia 2,3 4,32 2,75 Eslováquia

3,3 2,38 14,96

Polônia 4,6 2,61 10,35 Filipinas 5,0 16,89 21,39 Hungria 5,3 4,07 11,44 Brasil 8,0 29,17 88,33 Estônia 8,3 22,11 27,66 África do Sul

12,4 64,64 41,20

13 Uma pesquisa do tipo "self-repport crime" realizada com 1800 adolescentes pela Faculdade de Medicina da USP, perguntou aos alunos das escolas públicas e particulares quantos tinham levado armas para a escola no último ano. Nas escolas particulares, 3% dos estudantes confessaram ter levado uma arma de fogo, porcentagem que se eleva a 5% entre os estudantes da rede pública. (Folha de S.Paulo, 10/01/99, C3.p4) Em ambos os tipos de escola, portar arma constitui-se em comportamento tipicamente masculino.

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Croácia 14,4 4,26 58,85 Costa Rica

19,1 5,52 46,56

Colômbia 19,1 70,92 76,13 Rep. Checa

21,2 2,80 32,75

Argentina 29,5 3,83 39,13 UNICRI, 1996 - Pesquisas de vitimização. Dados do Brasil são para a cidade de São Paulo, 1997. A quantidade de casos é pequena para que se tente fazer correlações estatísticas mas parece existir uma relação, ainda que fraca, entre disponibilidade de armas de fogo e taxas de homicídio cometidos com armas de fogo (coeficiente r de Pearson = 0.46). Além do registro oficial de armas cadastradas pela polícia e das pesquisas de vitimização, é possível ter uma idéia da quantidade de armas em circulação a partir dos dados de apreensão de armas ilegais feitas pela polícia. Considerando-se apenas os Estados de São Paulo e Rio, (que juntas representam 33% das compras de armas no país) as apreensões remontam a cerca de 3.000 armas por mês ou 36.000 armas por ano. Note-se que a média de apreensões mensais sobe em São Paulo no período em foco, ocorrendo o inverso no Rio de Janeiro. Tabela 3 - Apreensão de armas pela polícia / média mensal Apreensão de armas pela polícia / média mensal

1995 1996 1997 1998

São Paulo (Divisão de Produtos Controlados *)

306 344 372 433

São Paulo 2280 2447 2597 2937 Rio de Janeiro 772 678 587 - Fontes: Secretarias de Segurança Pública de São Paulo e Rio de Janeiro * armas não vinculadas a inquéritos policiais / descontadas as devoluções Se for correta a estimativa de 2,5 milhões de armas registradas somente em São Paulo e Rio, neste ritmo seriam necessários 70 anos para retirá-las de circulação, sem falar nas não registradas. Nem os registros oficiais nem as pesquisas de vitimização, como vimos, abrangem o universo das armas clandestinas. Seria possível chegar a uma estimativa se soubéssemos quantas armas legais a polícia

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encontrou nas investigações e não apenas as armas apreendidas. Mas mesmo esta estimativa seria enviesada pois a polícia não para aleatoriamente qualquer pessoa, mas antes pessoas "suspeitas", o que poderia inflar artificialmente a proporção de armas ilegais em circulação. Em outras palavras, a amostra policial é enviesada. Tipo de arma Os meios de comunicação prestam demasiada atenção aos crimes cometidos por bandos organizados, com armamento pesado, citando freqüentemente a apreensão de fuzis AR15 ou submetralhadoras Uzi pela polícia. Não obstante o poder letal superior destas armas, são as armas de pequeno calibre as mais utilizadas nos homicídios e outros crimes violentos. Segundo o Estudo internacional das Nações Unidas sobre regulamentação das armas de fogo, realizado em 69 países, cerca de 40.000 dos 50.000 homicídios cometidos anualmente no Brasil (80%) são praticados com armas de pequeno calibre (handguns). Na análise feita pelo Iser com 19.626 armas apreendidas pela polícia do Rio de Janeiro entre novembro de 1996 e março de 1999, constatou-se a preponderância absoluta dos revólveres (59%) e pistolas (19%) e a participação diminuta de armas de grosso calibre, como metralhadoras (1,5%) ou fuzis (4,7%). O argumento de que os crimes não são efetuados com as armas legais mas sim com as armas contrabandeadas, de calibre grosso, é falacioso. Outra pesquisa feita pelos sociólogos Leandro Piquet Carneiro e Ignácio Cano, do ISER, revelou que 78% das armas apreendidas pela polícia, são de procedência nacional, e geralmente roubadas. Segundo a Divisão de Produtos Controlados da Polícia Civil, cerca de 77.000 armas foram roubadas (24.673), furtadas (46.869)14 ou extraviadas (5.509) em 1998, apenas no Estado de São Paulo, realimentando o mercado ilegal. E provavelmente a quantidade é maior, se lembrarmos que os proprietários de armas ilegais e mesmo muitos proprietários de armas legais deixam de registrar a ocorrência na polícia. Se levarmos em consideração que as armas atualmente nas mãos dos criminosos são armas que um dia foram legais e que foram roubadas ou furtadas, então, teoricamente, uma diminuição geral na quantidade de armas legais poderá ocasionar também uma queda na

14 Minha hipótese é de que o elevado número de roubo e furto de armas seja um reflexo indireto do elevado número de furto e roubo de carros no Estado, já que muitos proprietários costumam guardar sua arma no interior do porta-luvas.

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quantidade de armas ilegais em circulação, caso esta demanda não seja suprida pelo contrabando. De fato, existem indícios de que isto já esteja acontecendo: a queda no volume de compras de armas legais em São Paulo fez com que diminuíssem os roubos e furtos de armas nas mãos de pessoas jurídicas (bancos, empresas de vigilância, etc.) A média anual de roubos e furtos de armas de pessoas jurídicas no Estado de São Paulo caiu de 225 por mês, em 1997 e 1998, para 165 por mês, até junho de 1999.

Perfil dos proprietários de armas

Com relação ao perfil das residências onde existiam armas de fogo, levantado pela pesquisa de vitimização em São Paulo, constatou-se que sua existência era proporcionalmente maior quando os moradores eram mais ricos e escolarizados: somente 4% dos entrevistados com escolaridade até o 1º grau afirmaram ter arma de fogo em casa, em contraste com 15% dos entrevistados com formação superior. Com respeito a renda familiar, somente 3% dos entrevistados com renda até R$ 780,00 disseram possuir armas, em contraste com 19% dos entrevistados com rendimentos superiores a R$ 2340,00. Ao menos no que diz respeito às armas "confessáveis", sua existência é claramente maior entre os mais ricos e escolarizados, que, não por acaso, são as maiores vítimas dos crimes contra o patrimônio e os que mais temem ser vítimas de crimes. Quando perguntadas sobre os motivos pelos quais tem uma arma de fogo, 58% dos proprietários afirmou tê-las para proteção ou prevenção contra o crime. Parece existir assim uma relação entre posse de arma de fogo na residência e probabilidade de vir a ser vítima de crime contra o patrimônio. Por outro lado, o perfil dos usuários das armas ilegais difere em diversos aspectos do perfil levantado nas pesquisas de vitimização, segundo dados da Acrimesp15. Os homens ainda são os maiores proprietários das armas ilegais, mas principalmente os de baixa escolaridade, ao contrário do que ocorre entre os proprietários de armas legais. Cerca de 77% tinham o primeiro grau incompleto. 15 Levantamento com base em 1775 casos de flagrante de porte ilegal de arma, entre março e outubro de 1998, pela Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo.

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2) Quão envolvidas estão as armas de fogo nos crime violentos ?

O Brasil é não só um dos países que tem uma das maiores taxas de homicídios por 100 mil habitantes como também é o país com a maior proporção de homicídios cometidos com armas de fogo. Num estudo preparado pelas Nações Unidas abrangendo 69 países desenvolvidos e subdesenvolvidos, constatou-se que nada menos que 88,39% dos homicídios brasileiros são cometidos com armas de fogo, o campeão entre todos os países pesquisados: dentro de um universo de cerca de 50.000 homicídios perpetrados em 1996, 45.000 o foram com armas.16

Esta proporção é corroborada por outras fontes: o anuário 1997 do DHPP de São Paulo, que trata somente dos homicídios de autoria desconhecida, informa que, naquele ano, a arma de fogo foi o instrumento utilizado em 91% das mortes (4255 em 4684 homicídios). Esta mesma pesquisa apontou que 90% dos roubos praticados no Brasil o são com a utilização de armas de fogo (225.000, num universo de 250.000 roubos e furtos em 1996). Esta proporção faria do Brasil um dos países com maior proporção de roubos com armas de fogo, entre os 69 pesquisados. Lembre-se todavia que estamos falando dos roubos notificados e que existe uma tendência de notificação maior dos crimes mais sérios, como os cometidos com armas de fogo. Isto pode explicar

16 Com relação ao vínculo entre crime organizado e homicídios: qualquer um que tenha contato com o tema sabe que, quanto mais organizado o grupo criminoso, menor o uso da violência física. Quando uma quadrilha organizada precisa matar, é porque a organização fracassou. Há muito o crime organizado descobriu que "em polícia não se atira, se compra". Com efeito, a corrupção é a arma por excelência do crime organizado e não as armas. O melhor exemplo disso no Brasil, é o Jogo de Bicho, que atua em conluio com o Estado. (presidentes da república chegam a assistir desfiles de escolas de samba em camarotes pagos por bicheiros...). Os únicos momentos de maior violência se dão quando grupos rivais disputam mercado, em crises de liderança, etc. De todo modo, a violência é excepcional entre as organizações criminosas, e não a regra. A violência é muito mais generalizada entre os pequenos bandos, pouco organizados. As mortes provocadas por pequenos traficantes no Brasil acontecem justamente porque a venda de drogas aos usuários é fragmentada e diversos grupos disputam pelo mercado. É um erro grosseiro, portanto, querer atribuir a elevadíssima taxa de homicídios brasileira apenas ao "crime organizado".

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as diferenças entre as taxas oficiais e as encontradas nas pesquisas de vitimização. Com efeito, as pesquisas de vitimização fornecem alguns outros indícios do uso das armas de fogo nos crimes violentos contra o patrimônio. As vítimas de assalto entrevistadas em 1997 disseram que em 69% dos casos os agressores tinham uma arma qualquer (inclusive arma branca) durante o crime e em 40% dos casos esta arma era um revólver, proporção inferior à encontrada no estudo das Nações Unidas, que utiliza estimativas oficiais. As vítimas de agressões físicas (lesões corporais) reportaram na pesquisa de vitimização o uso de armas pelo agressor em 44% dos casos e armas de fogo, especificamente, em 25% dos casos. As mulheres vítimas de ofensas sexuais (que englobam de assédio a estupro) relataram a existência de armas em 8% dos casos, mas em apenas 3% tratava-se de um revólver. Na pesquisa internacional das Nações Unidas, por sua vez, estima-se que 20% das ofensas sexuais tenham sido cometidas com armas de fogo (2.200 num universo de 11.000 ofensas sexuais notificadas). A explicação para a baixa proporção de armas de fogo nos casos de ofensas sexuais pode residir no relacionamento entre vítima e agressor: em ambos os casos, os agressores são, em boa parte das vezes, conhecidos da vítima, como colegas de trabalho, amigos, namorados ou ex-namorados, parentes, etc. A ofensa sexual, diferentemente dos assaltos, ocorre quase sempre dentro da casa ou no trabalho da vítima. Com a possível exceção das ofensas sexuais, a armas de fogo estão claramente envolvidas em muitos crime violentos no Brasil, especialmente homicídios, lesões corporais e roubos.

Perfil das vítimas e dos autores dos homicídios

As maiores vítimas das armas de fogo são os homens, jovens e pobres, moradores da periferia. O citado anuário do DHPP aponta que 93% das vítimas de homicídio por autoria desconhecida em São Paulo eram do sexo masculino (4471 dos 5145 mortos). A maior parte destas mortes esteve concentrada nas faixas entre 18 e 26 anos de idade (42%). Estes dados são bastante conhecidos de modo que não é preciso

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repisá-los aqui. O ponto intrigante é o seguinte: se é verdade que o uso de armas pelo cidadão comum tende a se voltar contra ele ou membros de sua família e, por outro lado, se também é verdade que são as classes mais abastadas as que proporcionalmente mais tem armas (quase 20% dos entrevistados com rendas superiores), como explicar este perfil das vítimas de homicídio ? Não deveríamos esperar uma proporção maior de indivíduos de outras faixas etárias, classe social e gênero entre as vítimas de homicídio ? Esta aparente contradição entre perfil dos proprietários e perfil das vítimas só pode ser compreendida se lembrarmos que 1) este perfil esboçado pela pesquisa de vitimização diz respeito aos proprietários das armas legais. As armas ilegais, por outro lado, - como corroboram as apreensões feitas pela polícia - encontram-se em grande parte, precisamente, nas mãos de homens, jovens e pobres, moradores de periferia. 2) É preciso também ressaltar novamente a questão do contexto: não é a mera quantidade de armas, per si, que provoca a violência, mas sim a existência de armas num contexto violento. Assim, mesmo que existam mais armas entre os mais ricos, eles não precisam ser necessariamente as vítimas preferenciais da violência. Armas, assim como bebidas ou drogas, são fatores criminógenos, que podem ou não contribuir para a eclosão da violência. Quanto mais violenta for a sociedade em questão, maior o dano potencial destes fatores.

3) As armas de fogo detém o crime ou tornam a violência com armas mais provável ?

As pessoas compram armas, de acordo com o que vimos na pesquisa de vitimização, com a finalidade principal de se proteger e se prevenir contra crimes. Não é certo contudo se a posse de arma cumpre com esta finalidade ou se, ao contrário, torna a violência mais provável.17 É preciso distinguir em primeiro lugar, de que violência estamos falando.

17 Os jornais e o próprio ministro da justiça do Brasil tem citado dados de uma pesquisa realizada pela OAB, segundo a qual apenas uma em cada 16 pessoas que reagem com armas a um assalto é bem sucedida. Não se sabe ao certo, contudo, como, quando ou por quem foi feita esta pesquisa, amplamente divulgada. É preciso saber se a pesquisa levou em conta somente os assaltos que foram notificados à polícia, deixando de fora os assaltos que foram evitados (e, por isso, não notificados).

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A expectativa generalizada entre os criminólogos é de que os efeitos do controle das armas de fogo sejam maiores nos crimes de natureza passional, cometidos entre pessoas que se conhecem, do que nos outros tipos de crimes. Assim, o efeito do controle sobre as armas de fogo será tanto maior quanto maior for a proporção de vítimas de crimes com determinantes domésticos, emotivos ou familiares: é mais provável que o controle de armas reduza os crimes violentos no Peru, onde em 80% dos assassinatos existia uma relação doméstica ou familiar entre o agressor e a vítima, do que nos Estados Unidos, onde em apenas 12% dos homicídios havia relação deste tipo entre agressor e vítima (segundo dados da pesquisa da ONU, 1997 casos, num universo de 16.524 homicídios com arma de fogo, em 1994). Os Estados Unidos, alias, diferem da Europa com relação a este aspecto, onde é muito maior a proporção de homicídios entre conhecidos18. Isto significa que é preciso ser cuidadoso com o uso de dados norte-americanos ou outros que sugerem reduzido efeito do controle de armas nos crimes violentos, simplesmente porque o perfil dos assassinatos e de outros crimes é diferente de país para país. Além disso, como vimos, a porcentagem de homicídios cometidos com armas de fogo varia conforme o país: nos Estados Unidos - para ilustrar novamente as diferenças e o perigo de "importar" pesquisas sem atentar para o contexto - 66,1% dos homicídios (13000 em 19645) foram cometidos com armas de fogo, enquanto esta proporção no Brasil é superior a 88%. Significa também dizer que, qualquer que seja o efeito geral do controle das armas de fogo sobre os homicídios, eles serão maiores no Brasil do que nos EUA. Mesmo nos Estados Unidos, todavia, estudos sugerem que a existência de armas de fogo em casa aumenta a probabilidade de violência letal. Conforme Barkan, muitos estudos feitos nos EUA encontraram uma correlação, ainda que pequena, entre disponibilidade de armas e homicídios. No Brasil, encontramos esta relação entre taxa de homicídios por arma de fogo por 100 mil e número de armas vendidas por 100 mil para o ano de 1998 (r =.40) mas não encontramos esta correlação quando correlacionamos com os dados de vendas de 1997. 19 Na tabela 2, com países em desenvolvimento, a correlação foi 18 Segundo a Educational Fund to End Handgun Violence, 28% dos homicídios norte-americanos tiveram origem em discussões ("arguments"), 9% ocorreram durante roubos, 6% estiveram relacionados a gangues e 6% a drogas. 19 Lembre-se que é uma estimativa da quantidade de armas legais e que toma

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corroborada (taxa geral de disponibilidade de armas nas residências X % de homicídios cometidos com armas de fogo: r = 0.46). Martin Killias também encontrou uma correlação significativa entre porcentagem de casas com armas de fogo e porcentagem de homicídios por 1 milhão de habitantes cometidos com armas de fogo, analisando os dados de 16 países desenvolvidos (r = 0.47)

por base as vendas de 1997 e 1998, já afetadas pela legislação e pelas campanhas de desarmamento.

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Tabela 4 - Porcentagem de Armas nas residências X porcentagem de homicídios cometidos com armas de fogo. - Países desenvolvidos País % de casa

com armas Homicídios com armas de fogo, por milhão de habitantes

Inglaterra & Gales 4,4 0,8 Escócia 4,7 1,1 Irlanda do Norte 8,4 21,3 Países Baixos 1,9 2,7 Alemanha 8,9 2 Suíça 27,2 4 Bélgica 16,5 8,7 França 22,6 5,5 Finlândia 25,2 7,4 Noruega 32 3,0 EUA 48 44,6 Canadá 24,2 8,4 Austrália 15,1 6,6 Espanha 13,1 3,8 CSSR 5,2 2,6 Itália 16 13,1 Nova Zelândia 22,3 4,7 Suécia 15,1 2,0 Fonte: Martim Killias, 1992. Mas, como lembra o autor, correlação estatística não significa necessariamente causação, de modo que não é certo se a relação significa que a disponibilidade de armas aumenta os homicídios, ou simplesmente que mais pessoas tem armas em áreas de maior criminalidade. Minha suspeita é a de que ambas as suposições sejam verdadeiras. A análise dos dados sobre Brasil (tabela 1), países em desenvolvimento (tabela 2) e desenvolvidos (tabela 4) sugere que a mera disponibilidade de armas não é condição suficiente para provocar índices elevados de violência. No Brasil, encontramos diversos Estados com elevadas taxas de armas por 100 mil habitantes, mas com taxas não tão elevadas de homicídios com armas de fogo, bem como Estados com poucas armas e muitas mortes.

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Nas duas outras tabelas que tomam os países como unidades de análise, encontramos também casos desviantes: entre os países em desenvolvimento, Filipinas tem muitas armas e reduzida taxa de homicídios enquanto na Costa Rica e Argentina a situação se inverte. Entre os desenvolvidos existe o caso clássico da Suíça, onde cerca de um terço das casas tem armas e as taxas de homicídio são pequenas e o caso oposto da Irlanda do Norte. Todos estes casos sugerem que, tão ou mais importante do que a quantidade de armas é o contexto dentro da qual elas se inserem. O mesmo número de armas produz efeitos muito mais danosos em países desiguais e injustos como o Brasil e os Estados Unidos, onde existe uma aceitação cultural da violência e a vida perdeu seu valor, do que em países "pacificados" como a Suíça. A arma é apenas uma substância crimogênica, como o álcool e as drogas, e seu perigo é tanto maior quanto piores as condições circundantes. Isto explica porque mesmo sendo os mais ricos que possuem proporcionalmente mais armas, sejam os pobres as maiores vítimas dos homicídios, porque a Suíça não é a campeã mundial de assassinatos ou o Rio Grande do Sul20. Para corroborar a afirmação de que a disponibilidade de armas aumenta a probabilidade de violência letal, é preciso deixar de lado as correlações ecológicas21 e pensar em outros "desenhos" de pesquisa. Um tipo de pesquisa mais adequado para estas inferências é o que acompanha os incidentes letais em famílias similares em vários aspectos, exceto no que diz respeito à posse de armas de fogo. Barkan relata um destes experimentos, realizado em 1993: tal estudo comparou residências com armas e sem armas na mesma vizinhança, formando pares por idade, sexo e raça dos moradores. As casas com armas tinham 2.7 vezes mais probabilidade do que as outras de ter alguém da casa assassinado, usualmente por um membro da família ou conhecido. Esta relação mostrou-se verdadeira mesmo quando se controlou o experimento pelo uso de álcool, drogas e histórico de

20 A elevada taxa de armas por 100 mil habitantes no Rio Grande do Sul pode ser explicada de várias maneiras. Trata-se de uma região de fronteira, com tradição militar e, não por acaso, é onde estão localizadas as maiores indústrias de armas do país. 21 As pesquisas do tipo ecológicas ou espaciais trabalham com dados agregados de grandes unidades de análise, como Estados ou países, como fizemos acima nas correlações de armas existentes em determinada região com taxas de homicídio ou suicídio.

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violência doméstica da casa. Com notou um pesquisador, "este estudo confirma que as armas são mais prováveis de serem usadas quando você está bebendo e tem uma discussão com alguém que conhece. Ele indica que as pessoas tendem a usar a arma não pela razão pela qual elas foram trazidas para dentro de casa, mas em brigas com membros da família e amigos" (Barkan, p.278) Estes estudos são metodologicamente mais adequados do que os estudos ecológicos porque permitem o controle de uma número maior de variáveis ligadas a violência e tratam com unidades (no caso, residências vizinhas) que são mais homogêneas. Infelizmente, eles custam caro e demoram anos para que obtenhamos alguma conclusão.22

22 Uma das principais críticas a More Guns, Less Crime, do prof. Lott, feita por Jens Ludwig, professor da Universidade de Gergetown, é a de que as taxas de criminalidade, inclusive de homicídios, são cíclicas, isto é, aumentam e diminuem a cada 5 ou 10 anos. As taxas de criminalidade e de homicídios nos EUA vem caindo nos últimos anos em todos os estados americanos e isto não tem relação com as leis sobre armas mas sim com as taxas de emprego, mudança na estrutura etária da população e acomodação de quadrilhas que disputavam a venda do crack. Além disso, como argumenta Ludwig, em estudos do tipo ecológico como o de Lott, é quase impossível exercer controle sobre todas as variáveis relevantes para a explicação da criminalidade. Assim, os estados comparados são bastante diferentes em termos de pobreza, gangs, drogas, práticas policiais e todas estas variáveis influenciam as taxas de criminalidade e não foram levadas em consideração no modelo explicativo do autor. Crítica semelhante é feita por David Hemenway, professor da Universidade de Harvard: as variáveis analisadas por Lott não são boas preditoras dos ciclos de crime, seu modelo não leva em conta efeitos históricos e existem falhas em seus dados em pelo menos duas variáveis básicas: a porcentagem de adultos com armas de fogo é subestimada (39% em 1996 e não 25%) bem como os dados sobre mortes acidentais (600 e não 200 casos, em 1988). Dan Black (universidade de Kentucky) e Daniel Nagin reanalizaram os dados de Lott e não encontraram qualquer evidência de que as leis do gênero "right to carry" reduzam o crime, refutando com testes estatísticos as conclusões do autor. Em resumo, suas conclusões são no mínimo prematuras e não se aplicam aos homicídios em geral. Para corroborar a afirmação de que a disponibilidade de armas aumenta a probabilidade de violência letal, é preciso deixar de lado as correlações ecológicas, como a de Lott, e pensar em outros "desenhos" de pesquisa. Um tipo de pesquisa mais adequado para estas inferências é o que acompanha os incidentes letais em famílias similares em vários aspectos, exceto no que diz respeito à posse de armas de fogo.

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Quanto a natureza dos homicídios, no Brasil, os dados são esparsos, mas sugerem a existência de um elevado percentual de mortes cuja autoria não pode ser imputada a criminosos, mas antes a pessoas comuns, sem antecedentes criminais, mas que perderam a cabeça num momento de tensão. Segundo o sociólogo Guaracy Mingardi, autor de uma pesquisa sobre a violência na Zona Sul de São Paulo, 48,3% dos homicídios naquela região decorriam de motivos fúteis, como discussões em bares, brigas de trânsito ou conflitos de vizinhança. Pesquisa recente do Iser com crimes violentos cometidos no Rio de Janeiro no mês de março de 1998 revelou, com base em 164 ocorrências com vítimas fatais, que em 58 casos existia um relacionamento entre autor e vítima, ou seja, 35,4 % dos casos. Algumas outras características dos homicídios, como dia da semana e horário em que acontecem, sugerem a mesma interpretação: o anuário do DHPP de 1997 mostra que 40% dos homicídios acontece nos finais de semana, entre 23:00 e 03:00 da madrugada. A não ser que se consiga demonstrar que, por algum motivo obscuro, os criminosos atuam mais nas madrugadas dos finais de semana, estas características temporais levam a crer que se trata em boa parcela de homicídios de autoria passional ou por motivo fútil, em decorrência da ingestão de bebida alcoólica ou mesmo de drogas. Existe um outro dado curioso e que ilustra bem a natureza passional ou fortuita de boa parte dos crimes contra a pessoa: tradicionalmente, as taxas de reincidência das pessoas que cometeram crimes contra a pessoa (homicídios e lesões) são menores do que as das pessoas que cometeram crimes contra o patrimônio. A explicação para isso é a de que, entre os condenados por crimes contra a pessoa, temos muitas pessoas sem antecedentes criminais, que eventualmente cometeram crimes, cumpriram sua pena e retornaram à sociedade e jamais voltaram a cometer crimes. São estes crimes passionais, fúteis, ou como quer que se os chame, os tipo de crimes que podem ser reduzidos com o desarmamento da população, e não são poucos.23

23 No Estado de São Paulo ocorrem cerca de 3000 homicídios por trimestre: 3% deles estão relacionados a chacinas (homicídios múltiplos) 5 ou 6% a latrocínios (170 no último trimestre) e outros 3% aos embates na rua entre policiais e criminosos (96 casos no último trimestre). No total, apenas cerca de 11 ou 12% dos homicídios tem relação direta com o crime.

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Com relação a violência cometida por criminosos, campanhas de desarmamento voluntário - como a campanha Sou da Paz - ou leis que obriguem a todos a entregarem suas armas são óbvia e sabidamente inócuas. Tais campanhas e leis tem como alvo os cidadãos de bem pois é evidente que os criminosos não entregarão suas armas em virtude de campanhas ou novas leis. Este tipo de violência - latrocínios, roubos - não será muito afetada com a proibição legal das armas porque criminosos, por definição, agem fora da lei. A idéia da lei que proíbe totalmente a venda e o porte de armas não é a de acabar com a criminalidade, mas antes reduzir os níveis de violência interpessoais. Os efeitos sobre a criminalidade em geral, se existirem, serão indiretos, provocados pela redução na quantidade total de armas disponíveis na sociedade. Até agora nos detivemos na relação entre disponibilidade de armas de fogo e crimes, relação que, como vimos, é controversa. Bem menos polêmica é a associação entre disponibilidade de armas de fogo e quantidades de suicídios e lesões acidentais. Entre as 42.900 pessoas mortas por armas de fogo em 1995 no Brasil, 1200 (2,7%) envolveram-se em acidentes e 700 (1,6%) cometeram suicídio. Tanto as taxas de acidentes quanto as taxas de suicídio são maiores entre os profissionais que trabalham armados, como os policiais, e estes incidentes estão associados não só ao caráter estressante da profissão como principalmente à disponibilidade de armas de fogo. No Rio de Janeiro as taxas de suicídio entre os policiais militares é 7 vezes maior do que entre a população em geral e em São Paulo, cerca de 5 vezes maior, girando em torno de 26 por 100 mil. Todos passam por momentos de angústia mas para pessoas com acesso a uma arma é mais fácil passar da intenção ao ato. Martin Killias, comparando a disponibilidade de armas em 18 países desenvolvidos com as respectivas taxas de suicídio por milhão de habitantes, encontrou que a porcentagem de suicídios cometidos por arma de fogo aumenta dramaticamente com o aumento na disponibilidade de armas ( r = .92, Killias, 1992). A correlação entre disponibilidade de armas e suicídios é tão forte que vários autores, incluindo Killias, sugerem que, na ausência de informações sobre quantidade de armas de fogo numa região, as informações sobre suicídio com armas de fogo podem mesmo ser utilizadas como um substituto (tecnicamente, uma variável "proxi").

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Correlacionando a taxa de armas de fogo por 100 mil habitantes com a taxa de suicídio com armas de fogo por 100 mil habitantes nos Estados, encontramos uma correlação positiva e significativa entre os indicadores (.53), corroborando assim o encontrado em outras pesquisas. 24

4) Em que medida o controle sobre as armas de fogo reduz a disponibilidade de armas e seu uso nos crime violentos.

24 Diversas pessoas apresentam o caso japonês como evidência de que armas de fogo não tem relação com suicídio, uma vez que no Japão as taxas de suicídios são elevadas e existem poucas armas em circulação. Contra argumentando, podemos dizer que em pesquisa costumamos falar em "condições necessárias" e "condições suficientes". O Japão e outros casos desviantes são evidência, sim, de que uma grande quantidade de armas não são condição necessária para a existência de um elevado índice de suicídios. Por outro lado, países como Itália, França e Espanha, apresentam taxas de suicídios menores do que deveríamos esperar em relação a quantidade de armas em circulação nestes países, o que sugere que armas, per si, tampouco são suficientes para um elevado índice de suicídios. Fatores culturais e o contexto histórico e social de cada país podem explicar estes desvios negativos e positivos. (Quanto ao Japão, basta lembrar as instituições do sepucu e araquiri) A existência de casos desviantes, contudo, não anula a relação geral entre os dois indicadores. Com relação aos 27 estados brasileiros, também podemos encontrar casos desviantes negativos e positivos. Mas quando avaliamos em conjunto todos eles, a relação estatística aparece. No mundo existem mais de 180 países e é fácil encontrar casos isolados que confirmem ou rejeitem as hipóteses. Por isso a necessidade de avaliar grupos de países, estados ou cidades. Quem vê apenas a árvore não consegue perceber a floresta. Ainda com respeito aos suicídios, sugiro a leitura de Martim Killias (Guns Ownership, suicide and Homicide: an international perspective) onde sugere a inexistência do efeito "displecement" . Se as pessoas que querem se suicidar o fazem de qualquer maneira (displecement), independentemente da existência de armas de fogo, então, nos países com poucas armas de fogo, as taxas de suicídio por outros meios deveriam ser tão ou mais elevadas do que as taxas de suicídio em geral. Comparando 18 países desenvolvidos e suas taxas de disponibilidade de armas de fogo e de suicídio, Killias conclui que as taxas de suicídio, por qualquer meio, são menores nos países com menos armas. Ou seja, a ausência de armas inibe o suicídio, que não se deslocam para outros meios mas simplesmente deixam de acontecer.

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Até fevereiro de 1997, o porte ilegal de armas de fogo no Brasil era apenas uma contravenção penal, punida sem muita severidade. A partir do início daquele ano, de acordo com a Lei nº 9437/97, o porte de arma de fogo sem registro e sem autorização competente transformou-se em crime, sendo punido com maior rigor. A lei previa o prazo de alguns meses para que as pessoas regularizassem a situação de suas armas, que de outro modo se tornariam ilegais. O efeito da lei, ao menos no que se refere ao recadastramento das armas existentes, limitado no Rio e relativamente eficaz em São Paulo. Cerca de 399 mil das cerca de 1,5 milhões de armas registradas no Estado de São Paulo foram recadastradas, ou 26,6% do total. No Rio de Janeiro as cifras são bem inferiores. Segundo o antropólogo Rubens César Fernandes, do Viva Rio, apenas 1,5% dos armamentos registrados foi recadastrado. A se fiar na proporção de recadastramentos, - que tornou todas as armas não registradas em armas ilegais - é fácil prever que a lei que torna ilegal a posse de qualquer arma de fogo não será respeitada por boa parte dos proprietários. Ao contrário, o anúncio da provável lei gerou um efeito inverso ao esperado, provocando um aumento da procura por armas nas lojas de armas. Pessoas que pensavam em comprar armas estão antecipando a compra, temendo um eventual fechamento das lojas, mesmo que isto venha a implicar numa ilegalidade no futuro próximo. O maior efeito deu-se provavelmente sobre a expedição de novos portes de armas: em São Paulo foram emitidos 2.115 portes de armas em 1998 e 700 até junho de 1999, em comparação com 68,3 mil concedidos em 1993 (dados da Divisão de Produtos Controlados). No Rio de Janeiro apenas 120 portes foram emitidos em 1998. Tirar porte de arma ficou não apenas mais difícil como também mais caro, custando cerca de R$ 900,00. (Isto É / 1548 - 2/6/99). O custo elevado foi provavelmente o fator responsável pela diminuição na expedição de portes, mais do que as exigências legais. Uma maneira alternativa de avaliar o efeito da nova lei é atentar para os números de vendas de armas, que caem abruptamente de 1995 para 1998, em quase todos os Estados, com exceção do Acre, Amazonas, Alagoas e Rio de janeiro. No país como um todo, segundo a Associação Nacional de Armas e Munição, as indústrias venderam 86.857 armas em 1995. Em 1997 as vendas caíram para 41.424 unidades e no ano passado, segundo a fabricante de armas Taurus, as lojas revenderam para o público apenas 17.531 armas em todo o país,

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além de 8.000 mil para empresas de segurança, totalizando 25.531 armas. (Isto É/1548, 2/6/99). Isto significa que, qualquer que tenha sido o efeito da legislação, não foi ela a única ou a principal razão da queda em todos os Estados pois a lei que transformou o porte ilegal de contravenção em crime é de fevereiro de 1997, enquanto que as reduções nas vendas começaram pelo menos desde 1995.

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Tabela 5 - Venda de Armas, por Estado Estados 1997 1998 Variação AC 1 4 300,0 AL 422 455 7,8 AM 46 126 173,9 AP 89 88 -1,1 BA 1209 853 -29,4 CE 719 381 -47,0 DF 1050 456 -56,6 ES 971 300 -69,1 GO 967 414 -57,2 MA 2010 750 -62,7 MG 3120 2923 -6,3 MS 240 153 -36,3 MT 449 289 -35,6 PA 687 533 -22,4 PB 356 183 -48,6 PE 725 520 -28,3 PI 1037 197 -81,0 PR 4519 2761 -38,9 RJ 4086 5444 33,2 RN 455 79 -82,6 RO 427 212 -50,4 RR 77 75 -2,6 RS 5591 2902 -48,1 SC 2182 1199 -45,1 SE 570 323 -43,3 SP 9318 3635 -61,0 TO 101 45 -55,4 TOTAL 41424 25300 -38,9 Fonte: Taurus Quando observamos os registros e concessões de armas do Estado de São Paulo, fica evidente que as quedas no volume de armas legais em circulação começaram pelo menos 3 anos antes da mudança legal. O ponto de inflexão no Estado foi 1995, quando as concessões caem dramaticamente, em função de uma determinação do governo estadual.

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Tabela 6 - Homicídios, registro e concessão de armas em São Paulo - 1994-98 1993 1994 1995 1996 1997 1998Homicídios dolosos no Estado de São Paulo / média mensal

- - 782 868 880 988

Registro de armas no Estado de São Paulo

29.615

42.090

31.781

22.025

8.904

6.714

Concessões de porte na Capital *

68.358

69.136

10.137

8.399 3.509

2.115

Fonte: Divisão de Produtos Controlados e Sec. da Segurança Pública. * em 1998, o Deinter e o Demacro expediram também 916 portes Até o momento, está diminuição no número de registros e concessões de portes não parece ter afetado a quantidade de homicídios dolosos cometidos no Estado, uma vez que estes continuam aumentando gradativamente. Mas isto não é necessariamente uma prova da inefetividade do controle de armas, como argumentam os que se opõem ao projeto de lei governamental. Pensando contrafactualmente, é possível imaginar que os aumentos nos homicídios teriam sido ainda maiores do que de fato foram, caso mais armas estivem em circulação. Os homicídios, aliás, vem crescendo desde as duas últimas décadas, quando a legislação sobre armas de fogo era bem mais flexível. Em outras palavras, a liberalidade no registro e porte, mesmo de armas ilegais, não implicou em menores taxas de homicídios, mas antes no contrário. É preciso lembrar também que, não obstante as apreensões feitas pela polícia e a redução de registros e concessões, o estoque atual de armas é bastante elevado e muitos anos serão necessários para que ele diminua substancialmente. Finalmente, as dificuldades na obtenção de armas legais pode ter incrementado o comércio ilegal de armas, sobre o qual não existem estimativas: em suma, pode ter ocorrido de fato um aumento no volume total de armas, apesar da diminuição no número de armas legais. Uma característica adicional da lei proposta pelo governo federal é a compra das armas pelo Estado por um valor em torno de R 150,00, que é o custo de um revólver usado no mercado paralelo. Se, numa hipótese remota, todas as 7,5 milhões de armas cadastradas fossem

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entregues, isto representaria um gasto de 1,1 bilhões de reais. Trata-se de um bom investimento dos recursos públicos ? Os resultados de programas de "gun buyback" feitos em três cidades norte-americanas não se revelaram muito animadores. Em 1991, a cidade de Sant Louis conseguiu comprar 7500 armas e em 1994 mais 1200. Em 1992 Seattle adotou um programa semelhante. Em nenhum dos três programas houve uma redução nos homicídios, assaltos ou ferimentos por arma de fogo. Sobre as razões do fracasso, Sherman pondera que 1) eles acabaram por atrair armas de áreas distantes e não necessariamente reduziram a quantidade de armas na cidade; 2) atraíram armas que ficavam guardadas em casa e não as utilizadas na rua e, finalmente, 3) algumas pessoas chegaram a utilizar o dinheiro da venda para a compra de outras armas mais novas e danosas, pois o valor oferecido pela arma velha superava o valor de mercado. Com base nas informações disponíveis, Sherman avalia que existem poucas razões para investir em experimentos deste tipo. Estes três experimentos são ilustrativos mas são bastante diferentes do que se propõe aqui. A proposta governamental concilia proibição e recompra; é uma proposta nacional e não local, de modo que é indiferente de onde as armas estejam sendo atraídas e, com o valor pago, qualquer que seja ele, não será possível adquirir armas legais no mercado, uma vez que o comércio estará igualmente proibido. Não se pode portanto inferir a priori que a recompra será malsucedida, caso implementada. Em todo caso, Sherman sugere a existência de meios mais efetivos para combater a violência com armas de fogo, como os colocados em prática em Kansas e Boston. Nas duas cidades a polícia reforçou a busca de armas ilegais em grupos de risco, em locais e horas de risco. Em Kansas, as apreensões de armas ilegais aumentaram 60% na área enfocada e os crimes com armas de fogo diminuíram 49%. Em Boston, onde a ação foi centrada nos jovens, também reduziram-se os crimes perpetrados com armas de fogo. Além das apreensões de armas feitas pela polícia em locais e horas "quentes", no âmbito legal, existem nos Estados Unidos diversas propostas alternativas ao banimento total de armas, uma vez que a constituição americana - diferentemente da brasileira - garante expressamente aos cidadãos o direito de portar armas. Entre as

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propostas que tramitam atualmente nos legislativos dos Estados norte-americanos, estão, por exemplo: • Checagem de antecedentes criminais dos compradores. • Cursos de utilização segura de armas de fogo (não apenas cursos

de mira). • Fabricação de armas com dispositivos que indiquem quando estão

carregadas. • Limitação de venda: "uma-arma-por pessoa-por mês", para evitar

grandes compras dirigidas ao mercado clandestino. • Limitação na propaganda de armas de fogo, alertando para os

perigos, como outros produtos perigosos, como álcool, drogas e tabaco.

• Períodos de espera de 3 dias (o número de dias pode variar), antes da entrega da arma ao comprador.

• Requerimentos especiais para a compra de grandes quantidades de munição.

• Sentenças mais rigorosas para crimes cometidos com armas de fogo.

• Taxação da manufatura, venda ou importação de munição. • Vendas obrigatórias de dispositivos de segurança para crianças

(bloqueadores de gatilho, cadeados, etc.) junto com a venda de armas.

Além destes medidas, inúmeras outras foram propostas no Workshop sobre Regulamentação de armas de fogo para as Américas, organizado em São Paulo pelo Ilanud, em 1997. Com relação à legislação nacional, os participantes fizeram as seguintes recomendações:

(a) Condições de propriedade e/ou posse de armas de fogo:

Com base na sua prática e nas deliberações realizadas no workshop, os participantes definiram orientações gerais para a regulamentação das condições de posse e/ou propriedade, que incluem: idade; propósito de utilização, antecedentes criminais, antecedentes com abuso de drogas ; saúde mental, antecedentes em violência doméstica, conhecimento do uso de arma de fogo e saúde física;

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(b) Procedimento para o início da regulamentação das armas de fogo:

Os participantes recomendaram que os procedimentos para a emissão de licenças para armas de fogo sejam determinados conforme o nível de sofisticação administrativa presente em cada região. Para uma região que possua sistema de regulamentação limitado, os países recomendaram que o processo de regulamentação de armas de fogo comece com uma intensa campanha de mídia que incite a população a registrar suas armas de fogo. Entretanto, em países onde já exista procedimentos de regulamentação desenvolvidos, foram formuladas as seguintes recomendações:

(i) Comprovação de residência;

(ii) Comprovação da familiaridade dos residentes com a legislação de armas de fogo e as condições de uso através de um processo de comprovação prático, como por exemplo um exame escrito;

(iii) Inspeções periódicas;

(iv) As idades mínimas e máximas como critério para a posse de arma de fogo: O limite de idade máxima foi considerado importante porque encontra-se associado tanto com a habilidade mental quanto física da pessoa. A discussão também tratou da freqüência dos exames médicos conforme o envelhecimento das pessoas licenciadas. Foi recomendado a exigência do exame médico uma vez por ano para pessoas licenciadas com mais de sessenta anos de idade.

(v) Considerações sobre diferenças regionais: em alguns países com grandes diferenças culturais e geográficas, um sistema uniforme pode ocasionar dificuldades ao modelo de regulamentação e sua aplicação. Por tal razão, foi recomendado que as regras sejam estabelecidas em conformidade com as condições culturais locais. Isso também significa que uma cooperação mais próxima entre as

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polícias nacionais e a dos países fronteiriços deve ser reconhecida com a finalidade de suprir necessidades técnicas e de treinamento.

(vi) Foi dada ênfase ao treinamento do uso de armas de fogo: Onde possível deve haver um sistema de credenciamento de instrutores de armas de fogo;

(vii) Foi também recomendado com ênfase a necessidade de se checar os antecedentes das pessoas que pretendam a licença de arma de fogo;

(viii) Limitar o número de armas de fogo que a pessoa pode comprar.

(c) Condições para o uso de armas de fogo:

Os participantes sugeriram que a utilização das armas de fogo deve obedecer à motivação de emissão de sua licença. Foram identificadas outras condições específicas para a propriedade de arma de fogo: Se os pretendentes demandam uma licença para caça, deve haver um requerimento para a aquisição de uma apólice de seguro nos casos de acidente ou de uso incorreto. Além disso, se o pretendente a uma licença para arma de fogo alegar como justificativa a segurança pessoal, este deverá estabelecer razões sérias e reais.

(d) Manuseio, armazenamento, e porte de arma de fogo:

O armazenamento de arma de fogo foi várias vezes discutido. Os participantes recomendaram que a exigência de condições seguras de armazenamento sejam pré-requisitos para a emissão da licença. Também houve ênfase na necessidade de os pretendentes à licença serem educados na precaução de manter armas em carros, bem como no treinamento do uso de armas de fogo.

(e) Um melhor controle sobre armas de fogo perdidas, ilegais ou roubadas:

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Questões Atuais em Criminologia

Os Estados Membros recomendaram que é essencial para o controle das armas de fogo as inspeções regulares, a supervisão apropriada, audiências periódicas e a acusação por negligência.

(f) Violações e armas de fogo:

Os Estados Membros recomendaram desde o confisco da licença de arma de fogo até severas sanções penais.

(g) Recuperação e remoção das armas de fogo:

Os participantes sugeriram campanhas nacionais populares para incentivar os cidadãos a entregar suas armas ilegais. Além disso foi sugerido:

(i) programas de anistia;

(ii) pagamento pela entrega de armas;

(iii) Proibição de coleções privadas de armas de fogo, limitando as coleções aos museus.

(h) Conscientização Pública / Programas de Educação Pública:

Os membros recomendaram o desenvolvimento de uma conscientização e de um programa de educação pública. Foi dada ênfase ao fato de que um programa de conscientização pública é dependente dos seguintes elementos:

(i) A compreensão da natureza do problema, realizada com a ajuda de estatísticas sobre a taxa de mortalidade provocada por armas de fogo, o custo dos prejuízos e a qualidade de vida perdida e como tais figuras podem ser comparadas à lei local em contraste com a legislação dos países vizinhos;

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(ii) Envolver o público em focos específicos, uso extensivo da polícia comunitária, utilização da mídia como aliada na promoção da causa;

(iii) Priorizar metas, desenvolver estratégias apropriadas e executar programas específicos;

(iv) Aproveitar o treinamento do uso de armas de fogo como um meio de se atingir os objetivos, incluindo além de cidadãos, policiais, profissionais das áreas médicas e das áreas sociais, grupos de mulheres e grupos de vítimas;

(v) Avaliações Constantes.

Efeitos indesejados do Projeto de Lei

Além dos efeitos negativos relatados na experiência do "buyback" em cidades norte-americanas - em que indivíduos entregaram suas armas ao poder público e com o dinheiro recebido compraram armas novas e mais potentes - podem ocorrer outros problemas durante a implementação da lei. 1) Muitas pessoas que já pensavam em adquirir uma arma e estavam postergando a decisão, estão aproveitando o momento atual para comprá-las, enquanto ainda são permitidas. Estabelecimentos de vendas de armas no Rio de Janeiro relataram um crescimento de 8% nas vendas desde que a questão veio a tona. 2) Do ponto de vista político, a proposta de lei gerou a organização de um lobby poderoso para combatê-la, que une indústria de armas, deputados federais, clubes de tiro e caça, etc., setores que até então estavam inertes. Embora a opinião pública seja ainda maioritariamente a favor do controle de armas, a proporção favorável parece vir diminuindo com o tempo. 3) A proibição total do comércio legal de armas para a população pode eventualmente trazer alguns efeitos indesejados, como a constituição ou fortalecimento de grupos organizados para disputar o mercado ilegal de armas, que poderá se tornar bastante lucrativo se a oferta diminuir

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Questões Atuais em Criminologia

mas a demanda por armas continuar a mesma25. Este, por exemplo, foi o efeito produzido pela Lei Seca nos Estados Unidos, no começo do século. A constituição de um mercado ilegal de venda - e seus efeitos sobre a criminalidade - é também um dos argumentos que diversos criminologistas invocam para liberar o mercado de drogas: o comércio ilegal de drogas, segundo se advoga, cria mais problemas de criminalidade do que as drogas em si. O jogo do bicho no Brasil é também um exemplo de exploração de atividade ilegal - mas para a qual existe um grande mercado - com efeitos deletérios para a sociedade, pelo poder corruptor que exerce sobre policiais e políticos. Este mercado ilegal de armas já existe no país, mas se ele tornar-se mais rentável poderá atrair outros grupos e provocar disputas pelo controle. É preciso portanto estar ciente de todos os possíveis efeitos da legislação, tanto os positivos quanto os negativos, para que a decisão que venha a ser tomada seja uma decisão bem informada. É claro que nunca se sabe ao certo quais serão as conseqüências de uma medida até que ela seja posta em prática, uma vez que os paralelos com outras tentativas similares nunca são totalmente cabíveis. O que deu certo ou errado num determinado lugar não necessariamente dá em outros. Mas é possível apreender com a experiência dos outros e nosso desejo é de que este artigo, calcado nos poucos dados disponíveis no Brasil sobre a questão, sirva para jogar alguma luz nesta complexa questão do controle das armas de fogo.

25 A lei propõe ainda que o crime por porte de arma de fogo seja inafiançável, o que também nos parece demasiado. Não tem sentido colocar na cadeia - especialmente as nossas cadeias - alguém que possui uma arma de fogo, fato que até alguns anos atrás era considerado mera contravenção penal. Uma punição mais adequada seria uma pena restritiva de direito (penas alternativas).

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Anexo UF Taxa de

hom. por arma de fogo

Taxa de suic. Por armas de fogo

Armas por 100 mil (97+98)

Armas por 100 mil - 97

Armas por 100 mil -98

AC 15,17 ,55 1,03 ,83 ,21 AM 9,92 ,67 7,20 5,27 1,93 TO 7,12 ,51 13,92 4,29 9,63 CE 5,63 ,70 16,15 5,59 10,56 PB 8,82 ,00 16,31 5,54 10,77 BA 11,88 ,15 16,44 6,80 9,64 PE 31,77 1,23 16,83 7,03 9,80 MS 26,20 2,64 20,39 7,94 12,45 RN 8,82 ,56 20,87 3,09 17,78 PA 6,38 ,31 22,14 9,67 12,47 GO 12,17 1,87 30,58 9,17 21,41 AL 19,60 ,61 32,93 17,08 15,84 MT 19,82 2,05 33,01 12,93 20,08 MG 5,41 ,96 36,24 17,53 18,71 SP 16,89 ,96 37,96 10,65 27,31 ES 25,15 ,90 45,35 10,70 34,65 PI 1,50 ,34 46,16 7,37 38,79 AP 23,45 ,53 46,65 23,19 23,45 RO 21,82 ,55 51,91 17,22 34,69 MA 4,16 ,24 52,85 14,36 38,49 SE 13,45 ,46 54,98 19,89 35,09 RR 20,23 1,21 61,51 30,35 31,16 SC 4,71 2,34 69,35 24,59 44,76 RJ 46,53 ,55 71,09 40,61 30,48 PR 9,90 2,86 80,85 30,66 50,19 DF 23,93 2,75 82,66 25,03 57,63 RS 12,13 3,17 88,12 30,11 58,01 Fontes: ISER para taxas de suicídio e homicídio com armas de fogo e Taurus para venda de armas

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Questões Atuais em Criminologia

1,000 ,886** ,955** ,193 ,537**

,886** 1,000 ,708** ,406* ,422*

,955** ,708** 1,000 ,034 ,547**

,193 ,406* ,034 1,000 ,128

,537** ,422* ,547** ,128 1,000

, ,000 ,000 ,167 ,002

,000 , ,000 ,018 ,014

,000 ,000 , ,433 ,002

,167 ,018 ,433 , ,262

,002 ,014 ,002 ,262 ,

27 27 27 27 27

27 27 27 27 27

27 27 27 27 27

27 27 27 27 27

27 27 27 27 27

AR100TOT

AR10098

AR10097

HOMARMA

SUICARMA

AR100TOT

AR10098

AR10097

HOMARMA

SUICARMA

AR100TOT

AR10098

AR10097

HOMARMA

SUICARMA

PearsonCorrelation

Sig.(1-tailed)

N

AR100TOT AR10098 AR10097 HOMARMA SUICARMA

Correlations

Correlation is significant at the 0.01 level (1-tailed).**.

Correlation is significant at the 0.05 level (1-tailed).*.

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Violência nas Escolas Diversos episódios recentes envolvendo a morte de estudantes despertaram a atenção do governo e da sociedade para o problema da violência nas escolas. Assim como as chacinas e os seqüestros relâmpagos, a violência nas escolas tem recebido uma ampla cobertura por parte dos meios de comunicação e, em conseqüência, entrou na ordem do dia. O governo federal criou, em junho último, uma comissão de especialistas encarregada de elaborar diretrizes para o combate à violência escolar, coordenado pelo Ilanud. O MEC, junto com outros órgãos, está organizando uma campanha nacional de Educação para a Paz. A sociedade também se mobiliza na forma de campanhas e projetos como o "se liga, galera", projeto paz, projeto Construa seu Grêmio, campanha Sou da Paz e inúmeras ações isoladas. As Ongs e institutos de pesquisas, por sua vez, convocam estudiosos da questão para discutir o problema brasileiro, que aliás não é recente. É no início dos anos 80, segundo Sposito, que o tema da violência na escolas entra em cena pela primeira vez e surgem então as primeira tentativas para remediá-la. Não se trata, portanto, de um problema novo, mas de um tema que voltou à tona em função de casos recentes ocorridos no Brasil e no exterior. Episódios como os do tiroteio em Denver, Estados Unidos, onde dois estudantes mataram 15 de seus colegas, feriram 28 e suicidaram-se em seguida, receberam ampla cobertura jornalística em todo o mundo, colocando tanto a questão da violência nas escolas como a das armas de fogo na pauta de preocupações de vários países. Como o tema desperta interesse na população, um número crescente de episódios violentos vem sendo relatado, em várias cidades brasileiras. Mesmo episódios que não ocorreram de fato nas escolas, mas envolveram estudantes como autores ou vítimas, estão sendo computados na categoria "violência na escola" uma vez que o rótulo cativa a atenção da sociedade. Incidentes com balas perdidas que vitimaram estudantes dentro de escolas também são adicionados, inflacionando o número de casos. Não existe, em suma, um critério claro sobre o que é ou não violência na escola nem se sabe ao certo se o que aumentou foi a quantidade de casos de violência ou apenas o interesse dos meios de comunicação pelo tema, produzindo o que os criminólogos dedicados a comunicação chamam de "onda" .

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Questões Atuais em Criminologia

Embora recebam grande destaque na mídia, os casos que resultaram em mortes de estudantes são eventos raros e concentrados em áreas específicas da cidade26. Em todo o Estado ocorreram 12 homicídios em escolas, até o momento. Levando em conta que somente as escolas públicas estaduais abrigam mais de 6 milhões de estudantes, teríamos uma taxa de homicídios de .20 por 100 mil alunos, bem inferior aos 9 homicídios por 100 mil observados no Estado de São Paulo. As mortes em escolas são ainda mais raras, do ponto de vista do risco estatístico, se incluirmos no cômputo os alunos da rede privada e das escolas municipais. Independentemente de sua pequena proporção, o temor que estas mortes provocam entre escolares e seus familiares é bastante real. A idéia transmitida pela série de reportagens sobre violência na escola é de que o risco de morte é alto e generalizado. Mais freqüentes que os homicídios, por outro lado, são os casos de tráfico de drogas, agressões, roubos, brigas de gangues e o porte de armas nas escolas. Com relação às drogas, o Denarc fiscalizou durante um ano e dois meses 2073 escolas de 1º e 2º graus em São Paulo e, neste período, realizou 409 flagrantes e 582 prisões relacionadas a drogas. Pesquisa do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP27 com 1800 alunos constatou que 7% dos alunos de escolas públicas paulistanas usaram maconha ou inalantes (12%) alguma vez na vida, proporções que elevam-se para 25% nas escolas particulares. Com relação a armas, 5% dos alunos de escolas particulares afirmaram ter levado algum tipo de arma para a escola - revólver, faca, etc. - assim como 3% dos alunos de escolas públicas. Muito mais comuns, todavia, são os pequenos atos de violência cotidiana ou "incivilidades" e quase nunca chegam ao conhecimento das autoridades escolares ou policiais: pixações de paredes,

26 O pesquisador Eric Debarbieux, em palestra no Ilanud, estimou que apenas 5% das escolas francesas têm problemas de violência e estas são precisamente as escolas das periferias dos grandes centros urbanos. Este é, provavelmente, o que ocorre no caso brasileiro, ao menos no que diz respeito aos incidentes de maior gravidade. As mortes em São Paulo este ano ocorreram, não por acaso, em escolas no Jardim Maia, Grajaú, Jardim Ibirapuera, Parelheiros e Capão Redondo. 27 "Nossos jovens segundo eles mesmos: comportamentos de saúde entre os estudantes de São Paulo". Beatriz Cotrim, Nelson Gouveia e Cynthia Carvalho.

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depredações, assédio sexual, racismo, ameaças de agressão ou extorsão, pequenos furtos e por aí afora. Utilizando novamente os dados da pesquisa da USP, nas escolas particulares, 28% dos entrevistados disseram ter pertences que foram roubados ou estragados intencionalmente e 18% envolveu-se alguma vez em briga na escola. Nas escolas públicas, estas proporções foram de 18% e 17%, respectivamente. Dados de 1982 já mostravam que 66% das escolas estaduais na cidade de São Paulo haviam sofrido alguma violência na forma de depredação, invasão ou roubos. Em 1995, pesquisa feita em 308 escolas da região metropolitana concluiu que 46% tinham sofrido depredação, 46% tinham sido invadidas e 27% vítimas de furto ou roubo. Em 1996, segundo dados da Secretaria da Educação do Estado, foram registradas 5516 ocorrências em escolas na Grande São Paulo, assim distribuídas: 28% depredações; 23,7% invasões, 8% briga de gangues; e, finalmente, 7,4% de ocorrências de agressões. Estes dados sugerem que a violência não é algo exclusivo das escolas públicas nem está relacionada necessariamente à pobreza, como comprovam, adicionalmente, os casos americano e francês. Existe, contudo, uma diferenciação de gênero e grau de violência quando comparamos escolas públicas e particulares: se o uso de droga é mais agudo nas particulares, não por acaso, todos os casos de morte e tentativas foram registrados entre alunos de escolas públicas. Para lidar com o problema da violência nas escolas - como quase sempre acontece com qualquer tema relacionado ao crime - existem, basicamente, duas posturas distintas, ainda que não necessariamente excludentes: uma repressiva e outra comunitário-preventiva. A primeira aposta na contratação de segurança privada ou na presença ostensiva de policiais dentro das escolas, revistando as alunos, paralelamente à aquisição de sistema de monitoramento, como câmeras de vídeo e mesmo detetores de metais. Inspirados nesta filosofia, tanto nos Estados Unidos como na França criaram-se escolas especiais para os alunos violentos, isolando-os dos demais. A disciplina escolar, nesta visão, diz respeito apenas aos diretores do estabelecimento, aos bedéis e aos policiais, sem o envolvimento dos demais atores. Operando uma espécie de divisão de tarefas, aos professores caberia apenas a "alma" dos alunos, ficando o "corpo" sob a responsabilidade exclusiva dos funcionários da segurança. (Devine, 1996)

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Questões Atuais em Criminologia

O modelo repressivo é bastante utilizado em escolas norte-americanas, onde a violência é endêmica. Desde 1992, 236 pessoas sofreram morte violenta em escolas norte-americanas, incluindo aí casos de suicídio. Pesquisas de vitimização e de ofensas auto-declaradas (self reported crime) revelam que nos Estados Unidos, em 1995, 45% dos estudantes foram vítimas de furtos no ano anterior, 34% tiveram bens de sua propriedade danificados, 18% foram ameaçados com alguma espécie de arma e 5% foram feridos com alguma espécie de arma. (Sourcebook of Criminal Justice Statistics, 1995). Diante destas proporções, não é de se admirar que 70% dos colégios americanos revistam seus alunos na entrada e façam inspeções inesperadas nas salas de aula (Sposito, p.58). No Brasil, a polícia tem sido chamada não só para cuidar do perímetro externo das escolas mas também para revistar os alunos, dentro da escola: estudantes de Curitiba são sistematicamente revistados em plena sala de aula e estudantes em Presidente Prudente, São Paulo, foram obrigados a ficar de cueca e agachar de cócoras por policiais em busca de armas e drogas, levantando a questão do papel e dos limites da atuação da polícia no interior da escola. Mesmo que estas medidas demonstrem-se eficazes, elas são legítimas ?28 São amparadas pela lei? Alegando ineficácia e ilegalidade dos métodos repressivos, a postura comunitário-preventiva procura envolver a comunidade escolar na resolução do problema. Comunidade é entendida aqui de forma ampla, englobando desde alunos, professores, funcionários, grêmio estudantil, policiais, familiares dos estudantes, associações de pais e mestres até moradores do bairro onde a escola se localiza. Nesta perspectiva, além da função pedagógica, os professores compartilham da responsabilidade pela disciplina estudantil. A polícia intervém de forma preventiva - inclusive na formação do estudante em questões como drogas ou gangues - e de forma repressiva apenas nos casos de infrações penais mais sérias. O papel da polícia na disciplina escolar é complementar, cabendo à própria escola o papel principal. Convém alertar que estamos lidando aqui com tipos-ideais e que, na prática, elementos dos dois modelos de tratamento freqüentemente se 28 A polícia militar de Curitiba afirma estar reduzindo a violência nas escolas com as revistas: no primeiro semestre de 1998, registraram-se 414 ocorrências em escolas da cidade. Em 1999, após a intensificação das revistas, registraram-se apenas 271 ocorrências.

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confundem. A polícia pode perfeitamente estar presente no interior da escola, mas atuando de forma preventiva, como o faz, por exemplo, a polícia feminina em São Paulo, falando sobre o problema de drogas em sala de aula. Sistemas de vigilância eletrônica nas áreas externas ou áreas comuns da escola não são necessariamente ruins, desde que se evite colocá-los dentro da sala de aula, vigiando os alunos todo o tempo. Entre a escola-presídio e a escola auto-gestionada de Janus Korjacz existe uma série de gradações possíveis. Ainda que de forma reducionista, em linhas gerais pode-se afirmar que os dois modelos para lidar com o problema vêm sendo empregados alternadamente em São Paulo desde os anos 80, conforme o caráter mais ou menos democrático da administração estadual e municipal. Entre as iniciativas formuladas pela estratégia comunitário-preventiva figuram, entre outras:

Participação dos pais nas conversas da diretoria com alunos envolvidos em episódios de violência ou vandalismo;

Colaboração de pais e parentes de alunos na conservação física do estabelecimento, limpando pixações, pintando, consertando móveis quebrados, etc. ;

Introdução de atividades extra curriculares de interesse dos alunos, como música, esportes e artes, após o horário regular;

Treinamento de professores em técnicas de enfrentamento da violência;

Construção de escolas de menor porte, de modo a possibilitar o melhor acompanhamento dos alunos e o entrosamento da comunidade escolar;

Treinamento específico para os policiais envolvidos no policiamento escolar;

Elaboração de um código disciplinar interno, onde se estabeleçam claramente quais as punições permitidas ou não, de acordo com a gravidade da infração; os alunos devem participar da elaboração do regimento;

Criação de um S.O.S professor - um número de telefone através do qual professores possam se manifestar ou denunciar agressões e situações de violência nas escolas;

Abertura da escola para a comunidade nos finais de semana, permitindo a utilização de quadras como espaço de lazer. Esta abertura deve vir acompanhada de um projeto para a utilização da área ;

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Questões Atuais em Criminologia

Mapeamento prévio dos problemas específicos de violência nas escolas pois estes variam de uma escola para outra;

Incentivo à criação de grêmios acadêmicos nas escolas ou às atividades dos grêmios onde estes já existam;

Substituição do trote violento pelo "trote social" entre os calouros das universidades;

Apoio pedagógico ao alunos "em risco", evitando que eles abandonem os estudos. Alunos envolvidos com drogas, gangues ou alunos violentos não devem ser simplesmente expulsos da escola, aumentando suas chances de marginalização.

É difícil avaliar quão eficazes serão estas medidas para a redução da violência escolar num contexto generalizado de violência na sociedade. As escolas não pairam no vácuo e não é possível isolá-las numa redoma de vidro. Como lidar, por exemplo, com o caso de alunos que alegam levar armas para a escola porque estudam de noite e moram em bairros violentos ? De que forma impedir o uso de drogas ou álcool pelos estudantes se seu uso é generalizado entre os jovens ? Estas propostas podem ajudar a diminuir o problema de uma forma talvez mais eficaz do que as medidas meramente repressivas. Mas a violência na escola, embora tenha sua especificidade, não se resolverá enquanto não se tratar adequadamente da violência mesma na sociedade.

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Page 88: Questões atuais em Criminologia

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