questÕes territoriais e identitÁrias: construÇÃo de usinas … · construção de usinas...

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1 QUESTÕES TERRITORIAIS E IDENTITÁRIAS: CONSTRUÇÃO DE USINAS HIDRELÉTRICAS E POPULAÇÕES RIBEIRINHAS Lara Cristina Freitas Rosa¹ Núcleo de Estudos e Pesquisas Socioambientais (NEPSA) Universidade Federal de Goiás – Campus Catalão [email protected] Estevane de Paula Pontes Mendes² Núcleo de Estudos e Pesquisas Socioambientais (NEPSA) Universidade Federal de Goiás – Campus Catalão [email protected] Resumo O artigo visa estudar o processo de desapropriação de populações ribeirinhas atingidas pela construção de usinas hidrelétricas, especificamente as remanejadas para áreas urbanas, e o reflexo sobre seu contexto social e a construção da identidade. Seu objetivo é promover uma discussão teórica a respeito das temáticas território e identidade a fim de estabelecer uma melhor compreensão dos conceitos. Através dos estudos dos conceitos território e identidade, numa perspectiva histórica e dialética, compreende-se que mudanças territoriais causam transformações na identidade. Palavras-chave: Identidade. Território. Usinas Hidrelétricas. Introdução O processo de globalização³, intensificado no Brasil na década de 1970, ampliou a variabilidade econômica, cultural, religiosa e lingüística entre outras características. Como consequência, multiplicou e modificou os modelos de produção e consumo, tanto qualitativa como quantitativamente (SANTOS; SILVEIRA, 2008). Este é o pano de fundo das transformações territoriais ocorridas nos últimos decênios no Brasil. Tais transformações são consequência, mas também condições para os novos modelos econômicos, culturais, sociais e políticos. A dinâmica da globalização complexificou a relação espaço-tempo, que passou a ser caracterizada por uma mobilidade constante, tornando a questão territorial ainda mais importante. Dentre os Grandes Projetos de Investimentos 4 voltados à transformação do modelo econômico e de produção brasileiro destaca-se a construção de usinas hidrelétricas (CRUZ; SILVA, 2010). Desde a década de 1970, a construção de hidrelétricas tem sido considerada indispensável para o desenvolvimento do Brasil. O aumento do potencial hídrico utilizado para a geração de energia é tido como necessária para

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QUESTÕES TERRITORIAIS E IDENTITÁRIAS: CONSTRUÇÃO DE USINAS HIDRELÉTRICAS E POPULAÇÕES RIBEIRINHAS

Lara Cristina Freitas Rosa¹ Núcleo de Estudos e Pesquisas Socioambientais (NEPSA)

Universidade Federal de Goiás – Campus Catalão [email protected]

Estevane de Paula Pontes Mendes²

Núcleo de Estudos e Pesquisas Socioambientais (NEPSA) Universidade Federal de Goiás – Campus Catalão

[email protected] Resumo O artigo visa estudar o processo de desapropriação de populações ribeirinhas atingidas pela construção de usinas hidrelétricas, especificamente as remanejadas para áreas urbanas, e o reflexo sobre seu contexto social e a construção da identidade. Seu objetivo é promover uma discussão teórica a respeito das temáticas território e identidade a fim de estabelecer uma melhor compreensão dos conceitos. Através dos estudos dos conceitos território e identidade, numa perspectiva histórica e dialética, compreende-se que mudanças territoriais causam transformações na identidade. Palavras-chave: Identidade. Território. Usinas Hidrelétricas.

Introdução

O processo de globalização³, intensificado no Brasil na década de 1970, ampliou a

variabilidade econômica, cultural, religiosa e lingüística entre outras características.

Como consequência, multiplicou e modificou os modelos de produção e consumo,

tanto qualitativa como quantitativamente (SANTOS; SILVEIRA, 2008). Este é o pano

de fundo das transformações territoriais ocorridas nos últimos decênios no Brasil.

Tais transformações são consequência, mas também condições para os novos modelos

econômicos, culturais, sociais e políticos. A dinâmica da globalização complexificou a

relação espaço-tempo, que passou a ser caracterizada por uma mobilidade constante,

tornando a questão territorial ainda mais importante.

Dentre os Grandes Projetos de Investimentos4 voltados à transformação do modelo

econômico e de produção brasileiro destaca-se a construção de usinas hidrelétricas

(CRUZ; SILVA, 2010). Desde a década de 1970, a construção de hidrelétricas tem

sido considerada indispensável para o desenvolvimento do Brasil. O aumento do

potencial hídrico utilizado para a geração de energia é tido como necessária para

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melhorar a infraestrutura do país, além de proporcionar progresso à região onde são

construídas (OLIVEIRA; ZHOURI, 2007).

No entanto, esses objetivos econômicos e expansionistas deixam a mercê questões

territoriais e identitárias que sofrem modificações em decorrência da implantação das

usinas. A busca pela compreensão dos efeitos acarretados pela construção das obras

restringe, na maioria das vezes, a questões ambientais. É necessário, também, avaliar

os efeitos causados no território e a população que nele se habitavam.

A redefinição da dinâmica espaço-temporal criou novas configurações territoriais que,

consequentemente, afetaram o processo de construção de identidades individuais,

sociais, culturais e territoriais. Entender as relações exercidas nestes novos territórios

implica a compreensão do conceito de identidade. Isto fica evidente em estudos de

autores como Hall (2006)/Haesbaert (1999, 2006)/Le Bossé (2004), que evidenciam a

relação identidade/território.

A definição sobre território não é consensual. Existem vários autores trabalhando esta

temática, mas cada qual aborda uma perspectiva diferente (referencia). Abordar um

conceito tão impreciso quanto complexo como o de território implica em um debate

abrangente, com uma ampla gama de interpretações e significados, além de envolver

outros construtos como territorialização, desterritorialização e identidade territorial.

Assim como a temática territorial, discutir o conceito de identidade é complexo,

devido seu caráter processual, que o torna uma categoria de análise polissêmica,

associada a uma multiplicidade de sentidos e terminologias. Os estudos sobre a

identidade podem ser divididos em duas vertentes: uma essencialista e outra não-

essencialista (VIEIRA; ZEN, 2000). Nesta pesquisa o enfoque é os estudos

sóciohistóricos e psicossociais, que corroboram com esta última vertente, a qual

acredita num ser humano móvel, ativo e transformador.

Neste artigo, as temáticas território, identidade e suas relações são estudadas a partir

da análise da população atingida pela formação do Reservatório da UHE Serra do

Facão. Este reservatório atingiu uma área de 200km² e abrange terras da bacia

hidrográfica do rio São Marcos pertencentes aos municípios de Catalão, Davinópolis,

Campo Alegre de Goiás, Ipameri e Cristalina, no Estado de Goiás, além da cidade de

Paracatu em Minas Gerais.

O artigo visa estudar o processo de desapropriação de populações ribeirinhas atingidas

pela construção de usinas hidrelétricas, especificamente as que são remanejadas para

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áreas urbanas, e o reflexo sobre seu contexto social e sobre a construção da identidade.

Busca-se assim, averiguar se as transformações territoriais influenciam mudanças na

identidade da população afetada.

A metodologia pautou-se na revisão da literatura das temáticas território e identidade,

a fim de estabelecer uma melhor compreensão dos conceitos.

O Caráter histórico e dialético do território e da identidade

O conceito de território é central nos estudos da Geografia. No entanto, ele não é

consensual. Existem diversas abordagens que estudam tal conceito, cada qual numa

perspectiva diferenciada (CRUZ; SILVA, 2010). Essa diversidade proporciona alguns

entrecruzamentos, algumas definições acabam sendo complementares.

Dentre a ampla gama de autores que abordam o conceito de território, neste artigo

foram escolhidas as concepções de Raffestin (1993), Haesbaert (1999, 2006), Santos e

Silveira (2008)

Raffestin (1993) destaca que território e espaço não são equivalentes. O território é o

espaço apropriado, portanto, produzido a partir do espaço e projetado pelo trabalho

humano. Surge da ação programada do homem que se apropria do espaço de forma

concreta ou abstrata. Tem caráter histórico e se constitui por relações de poder, logo,

cada território possui suas particularidades e significados.

Segundo Haesbaert (2006) existem três vertentes nos estudos sobre território: a

política, a cultural e a econômica. Na primeira, território é definido pelas relações de

poder exercidas num espaço delimitado, ou seja, um espaço controlado. Na segunda, o

território é produto das relações simbólicas do espaço vivido, há valorização das

subjetividades. A última vertente, caracteriza o território como produto do confronto

entre as classes social.

A concepção de território trabalhada por Haesbaert (2006) tem caráter integrador,

nesse sentido é um espaço político-econômico-cultural. Segundo o autor: Podemos então afirmar que o território, imerso em relações de dominação e/ou de apropriação sociedade-espaço, “desdobra-se ao longo de um continuum que vai da dominação político-econômica mais ‘concreta’ e ‘funcional’ à apropriação mais subjetiva e/ou ‘cultural-simbólica’’’ (HAESBAERT, 2006, grifos do autor).

Logo, para Haesbaert (2006), território relaciona-se a poder. Porém, a noção de poder

trabalhada pelo autor vai além do poder político, trata também do poder simbólico, de

apropriação e dominação. O autor afirma que o território é constituído pela dualidade

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de elementos simbólicos e concretos. Haesbaert (1999) considera o território um

conjunto de relações de apropriação exercidas num espaço, portanto, corresponde ao

conjunto de experiências vividas e ao sentimento de pertencimento.

Para Santos e Silveira (2008) “o território é a interdependência e a inseparabilidade

entre a materialidade, que inclui a natureza e o seu uso, ou seja, a ação humana, que é

o trabalho e a política [...]” (SANTOS; SILVEIRA, 2008,). Portanto, o foco dos

estudos sobre o território deve ser voltado ao seu modo de utilização. As

configurações territoriais se constituem e se revelam através de ações presentes e de

ações passadas, conservadas nos objetos (SANTOS; SILVEIRA, 2008). Essa relação

entre espaço e ações é o que caracteriza o território como histórico. Ainda para estes

autores o território é um espaço concreto, onde a população que possui sentimento de

pertencimento a ele constrói dimensões simbólicas.

Pode-se concluir que, apesar das particularidades, as três concepções dos autores

(RAFFESTIN, 1993; SANTOS e SILVEIRA, 2008; HAESBAERT, 2006), têm o

caráter histórico do território como uma característica comum. Vêm o território

produzido e produtor do homem. Suas análises incluem a ação humana.

Assim como o conceito de território, o de identidade será trabalhado a partir de

perspectivas que abordam este caráter histórico e dialético. O que justifica a

importância em pesquisar a relação entre território e identidade.

Para Marx (apud ANDREY, 1999, p. 403), “a compreensão do homem implica na

compreensão de sua relação com a natureza, pois é nessa relação que o homem

constrói e transforma a si mesmo e a própria natureza [...]”. O homem é, pois, produto

e produtor. É um ser social e histórico. Marx nega, então, a concepção de uma

natureza humana pronta, imutável, resultado de algo exterior e independente ao

próprio homem. Nega também, a noção de essência. Para ele, o homem é um ser ativo,

envolvido num processo contínuo de construção de si e da natureza.

A crença nesta interação indivíduo/sociedade influencia na construção de novos

conceitos sobre a identidade, que até então mantinha uma tradição essencialista. Num

primeiro momento, o sujeito era visto como isolado, inato e estático e a identidade

pensada como traço imutável que define o ser. Com as influências do materialismo

histórico e da dialética marxista, o indivíduo passa a ser pensado enquanto sujeito

social e a identidade passível de transformações. Indivíduo e Sociedade não são tidos

como dicotômicos, mas sim como uma relação de imbricamento e transformações

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mútuas. Dentro desta perspectiva, destacam-se os estudos sociohistóricos e

psicossociais.

A identidade é uma das categorias fundamentais dos estudos Psicossociais. É

abordada como uma categoria de análise que leva a um conhecimento da

singularidade do indivíduo que se exprime nas relações com o outro. Aqui, acredita-se

que as relações grupais são condição essencial para a identificação ou para a

diferenciação com o outro (LANE, 2006). Ou seja, o sujeito se constitui dentro das

relações sociais, além disso, é criativo e transformador.

Nesta perspectiva, Ciampa (2005) trabalha com a ideia de identidade como

metamorfose. Não se trata de metamorfose como processo natural, mas de um

processo histórico e social. Metamorfose não significa necessariamente um processo de fragmentação e retotalização com nova orientação, mas sim, mudança substancial de um estado do ser compreendida nas suas relações estruturais consigo mesmo, com a sociedade [...] (LOPES, 2002, p. 22).

Assim, a identidade é concebida como processo de formação e transformação continua

do sujeito, que ocorre dentro de condições materiais e históricas estabelecidas, desse

modo, deve-se enfocar o processo de construção da identidade. Essa identidade como

metamorfose está sempre se concretizando, é a síntese de múltiplas e distintas

determinações. Tem caráter temporal, visto que sua concretude depende do passado,

do presente e do futuro (CIAMPA, 2005). O presente é o momento em que nos

reconhecemos de uma determinada maneira, o passado é a história de vida e o futuro

um projeto de vida.

A definição de identidade como metamorfose superou algumas dicotomias presentes

nas definições anteriores deste conceito. A primeira, como já foi apresentada, foi a

questão do individual/social. Além dessa, superou a dicotomia entre

igualdade/diferença e entre unicidade/totalidade (JACQUES, 2010).

Em relação a esta última questão, Ciampa (2005) acredita que personagens são partes

constitutivas da identidade. Essa é vista como um universo de personagens já

existentes e de outros ainda possíveis. Mas ao mesmo tempo, configura-se como um

todo que se cria a si mesmo, enquanto fenômeno de uma totalidade concreta. Desta

forma, o indivíduo não comparece apenas como portador de um único papel, mas sim

de diversas combinações que configuram sua identidade como totalidade. Uma

totalidade contraditória, múltipla e mutável.

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Apesar de ser definida como “aquilo que se é”, a identidade é constituída pela relação

de processos de igualdade e diferença. Ela é relacional, depende do que está fora dela

para poder existir. “O indivíduo é também determinado pelo o que não é, pelo o que

nega [...]” (CIAMPA, 2005, p. 141).

Levando-se em consideração todos estes paradigmas, a identidade pode ser definida

como “ser o um e o outro, para que cheguemos a ser um, numa infindável

transformação [...]” (CIAMPA, 2004, p.74). E é esta noção que nos possibilita

compreender o caráter processual da identidade, além de possibilitar uma melhor

compreensão do homem moderno que vive em um mundo em constante

transformação.

Na perspectiva sociohistórica, Hall (2006) estuda a identidade a partir de uma

perspectiva que a vê como fragmentada e deslocada. Para ele as novas estruturas,

geradas a partir do século XX, abala a concepção de identidade fixa e imutável.

Segundo este autor, as sociedades modernas tardias5são caracterizadas não só pela

mobilidade, mas também pela diferença. São marcadas por antagonismos sociais que

acabam por produzir diferentes sujeitos, ou seja, identidades (HALL, 2006).

Ainda segundo Hall (2006), a identidade está profundamente envolvida com o

processo de representação. Como o espaço e o tempo são influenciadores dos sistemas

de representações, a mobilidade espaço-temporal da globalização gera impactos e

efeitos na construção das identidades e a forma como são representadas.

Assim, pode-se afirmar que Hall (2006) concebe a identidade uma construção

histórica. Não é unificada, o sujeito assume identidades diferentes em momentos

diferentes. O autor ressalta que as identidades devem ser consideradas como algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento. Existe sempre algo “imaginário” ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, está sempre “em processo”, sempre “sendo formada” [...] (HALL, 2006, p. 38, grifos do autor).

Portanto, o correto e falar em processo de identificação, já que a identidade é um

processo sempre em construção. A identidade surge não tanto da plenitude dentro dos

indivíduos, mas da necessidade de ajustamentos, que é preenchida a partir de nosso

exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos ser vistos por outros, pelas

representações.

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As identidades deslocadas são decorrentes das contradições existentes dentro dos

sujeitos, que vão empurrando-os a direções diferentes, deslocando as identidades e as

mantendo em movimento contínuo (HALL, 2006). Esta afirmação nega a existência

de um indivíduo unificando e centrado.

Considerando o caráter histórico e dialético da identidade, assim como do território,

fica evidente a relação entre os conceitos. Novas relações surgidas de um novo

território influenciam a construção da identidade. Segundo MEDEIROS (2009), o

território é um espaço de identificação. Assim, como a construção de uma usina

hidrelétrica causa modificações no território, consequentemente influencia

transformações na identidade da população atingida.

Considerações finais Compreender a questão da identidade nos moldes atuais da sociedade é uma tarefa

complexa, uma vez que tem caráter dinâmico. Mas para entendê-la basta pensar o

homem como um ser multifacetado e ambíguo, cuja flexibilidade é a grande

responsável pela capacidade de reorganização, de novos “vir a ser” do homem. Ou

seja, responsável pela adaptação do homem num mundo em constante evolução.

Através dos estudos dos conceitos território e identidade, numa perspectiva histórica e

dialética, compreende-se que mudanças territoriais causam transformações na

identidade. O território, como espaço de ação humana, ou seja, apropriação e

transformação, está em constante movimento. Como é produto e produtor do homem,

é transformado na medida em que transforma. Assim, quando o território sofre

modificação, consequentemente a população que nele vive também se modifica, ou

seja, a identidade esta se metamorfoseando.

Quando uma usina hidrelétrica é construída ela modifica o território para sua

implantação. A construção da barragem implica na inundação de uma grande área.

Nesta área vivem pessoas que desenvolvem suas atividades, que dependem desse

território para sobrevivência e de repente são obrigadas a se dispor das terras para a

implantação da hidrelétrica.

O deslocamento da população atingida as leva a uma novo território. Seus modos de

vida são modificados, seus laços afetivos rompidos, a relação e a identificação com o

território inovada. Não se trata apenas do território concreto, o território simbólico

também é afetado.

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No caso das famílias ribeirinhas atingidas pela construção de usinas hidrelétricas, a

maioria são produtores familiares ou trabalhadores rurais. A identidade destas pessoas

está intimamente ligada a terra. Essas famílias, quando remanejadas para áreas

urbanas se relacionam de uma maneira diferente com o novo território. Como os

elementos urbanos são diferentes dos elementos rurais, consequentemente irão

interferir na construção da identidade dos indivíduos.

Notas _____________________ 1Graduanda de Psicologia. Universidade Federal de Goiás – Campus Catalão. Núcleo de Estudos e Pesquisas Socioambientais (NEPSA/PIBIC/CNPq/UFG). 2Profª. Dra. do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás – Campus Catalão. Núcleo de Estudos e Pesquisa Socioabientais (NEPSA/CNPq/UFG) 3A Globalização é um fenômeno multifacetado com dimensões econômicas, sociais, políticas, culturais, religiosas e jurídicas interligadas de modo complexo. 4 Os Grandes Projetos de Investimento referem-se aos empreendimentos que mobilizam em grande intensidade elementos como capital, força de trabalho, recursos naturais, energia e território.

5 O termo “modernidade tardia” está ligado a uma série de transformações que ocorreram no decorrer do século XX – em especial na segunda metade do século – e provocaram alterações em vários níveis da vida humana.

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HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva; Guaracira Lopes Louro. 11° ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. 102 p. JACQUES, Maria da Graça Corrêa. Identidade. In: STREY, Marlene Neves. et al. Psicologia Social Contemporânea. 14° ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. p. 158-166.

LANE, Sílvia. A Psicologia Social e uma nova concepção do homem para a Psicologia. In: Lane, Sílvia; Codo, Wanderley (Orgs.). Psicologia Social: o homem em movimento.13° ed. São Paulo: Brasiliense, 2006. p. 10-19.

LOPES, José Rogério. Os caminhos da identidade nas ciências sociais e suas metamorfoses na Psicologia Social. Psicologia e Sociedade, 2002. p. 7-27. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/psoc/v14n1/v14n1a02.pdf> Acesso em: 06 jun. 2012. MEDEIROS, Rosa Maria Vieira. Território, Espaço de identidade. In: SAQUET, Marcos Aurélio; SPOSITO, Eliseu Savério. Territórios e territorialidade: teorias, processo e conflitos. São Paulo, Expressão popular: UNESP, 2009. OLIVEIRA, Raquel; ZHOURI, Andréa. Desenvolvimento, conflitos sociais e violência no Brasil rural: o caso das usinas hidrelétricas. Ambiente & Sociedade, Campinas, V. X, n. 2, 2007.Disponível em:<www.scielo.br/pdf/asoc/v10n2/a08v10n2.pdf> Acesso em: 13 jun. 2012. RAFFESTIN, CLAUDE. Por uma Geografia do poder. Tradução de Maria Cecília França. Sã Paulo: Ática, 1993. p. 269. SANTOS, Milton; SILVEIRA, María Laura. O Brasil: território e sociedade no início do séc. XXI. 12° ed. Rio de Janeiro: Record, 2008. 473p. VIEIRA, Tatiana de Santana; ZEN, Eliesér Toretta. A identidade como metamorfose: Proeja entre o prescrito e o vivido. Disponível em: <http://www.senept.cefetmg.br/galerias/Anais_2010/Posteres/GT07/A_IDENTIDADE.pdf> Acesso: 06 jun. 2012.