quem são eles ? relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de são paulo

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Sumário RESUMO.............................................................1 QUEM SÃO ELES?.....................................................2 MÉTODO.............................................................3 DISCUSSÃO DO ENRREDO...............................................4 O Ensaio......................................................... 4 A Estréia........................................................ 6 1° Ato ‘ São Eles que mandam’ (Opressão e Passividade)...........6 2° Ato “Se não estudar vai virar Gari” (Preconceito)...........11 Bastidores...................................................... 17 “ Uma vida muito sofrida”.......................................17 “ O pior trabalho do mundo”.....................................18 CENÁRIO FINAL.....................................................20 ANEXO – DIÁRIO DE CAMPO...........................................22 0

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O presente trabalho tem como intuito apresentar o cotidiano e as relações de trabalho sob a perspectiva dos Varredores do município de São Paulo.

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Page 1: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

Sumário

RESUMO...............................................................................................................................................1

QUEM SÃO ELES?...............................................................................................................................2

MÉTODO...............................................................................................................................................3

DISCUSSÃO DO ENRREDO...............................................................................................................4

O Ensaio.............................................................................................................................................4

A Estréia.............................................................................................................................................6

1° Ato ‘ São Eles que mandam’ (Opressão e Passividade).................................................................6

2° Ato “Se não estudar vai virar Gari” (Preconceito)......................................................................11

Bastidores.........................................................................................................................................17

“ Uma vida muito sofrida”...............................................................................................................17

“ O pior trabalho do mundo”............................................................................................................18

CENÁRIO FINAL...............................................................................................................................20

ANEXO – DIÁRIO DE CAMPO.........................................................................................................22

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Page 2: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

DONATO, V. , Quem são eles?: Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo. Relatório de estágio da disciplina de Psicologia do Trabalho: São Paulo, Universidade Cruzeiro do Sul, 2009

________________________________________________________________________

RESUMO

O presente trabalho tem como intuito apresentar o cotidiano e as relações de trabalho sob a perspectiva dos Varredores do município de São Paulo. A atividade exercida por estes trabalhadores tem grande importância para a higiene e o cuidado de nossa cidade, porém existe uma carga preconceituosa relacionada à atividade e aos próprios varredores.

Para compreensão das relações de trabalho, do comportamento, do cotidiano e da identidade profissional dos varredores foram realizadas conversas espontâneas através de encontros situados em ruas e avenidas do município de São Paulo.

À partir dos encontros e do acompanhamento das atividades diárias foi possível perceber as condições precárias de trabalho ao qual estes trabalhadores estão submetidos, expostos às condições climáticas e nem sempre devidamente protegidos.

Foram também percebidos traços de opressão e submissão, aqui compreendidos como conseqüências da humilhação social advinda da desigualdade das classes, do preconceito que encontra vias para se expressar através do uniforme, pois este se torna uma marca, uma identificação de homens e mulheres que lidam diretamente com o lixo, a sujeira e indicam a pouca especialização de sua atividade, tornando assim, falseada a realidade e a opinião sobre esses trabalhadores.

Palavras Chaves: Varredores; Psicologia do Trabalho; Preconceito; Uniforme; Submissão; Humilhação Social.

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QUEM SÃO ELES?

O presente trabalho1 tem como intuito apresentar aspectos relacionados ao trabalho

profissional de varredores da limpeza urbana do Município de São Paulo. Em especial o

Município de São Paula terceiriza esse trabalho, ficando o serviço de limpeza pública a cargo

de empresas credenciadas.

O interesse por essa categoria de trabalhadores surgiu após uma palestra da qual

participei ministrada por Fernando Braga da Costa, Doutor em Psicologia Social, que

apresentava sua vivência como varredor e a realidade destes trabalhadores. O tema central de

seu trabalho apresentava questões relacionadas à Invisibilidade Social e Humilhação Social

advindas da atividade de varredor.

A partir dessas duas questões apresentadas, a Invisibilidade Social, definida por

Fernando Braga em seu livro Homens Invisíveis: Relatos de uma humilhação Social como

“(...) uma espécie de desaparecimento psicossocial de um homem no meio de outros homens.”

pg. 57 e a Humilhação Social como “(...) expressão da desigualdade política, indicando

exclusão intersubjetiva de uma classe inteira de homens do âmbito público da iniciativa e da

palavra.” pg. 63

Senti-me então motivada a questionar ‘aos olhos de quem’ estes trabalhadores se

tornam invisíveis e se de fato vivem essa invisibilidade.

Carlos Prado – Varredores – 1935

1 Estágio didático apresentado á disciplina de Psicologia do Trabalho supervisionado por Egeu Esteves que visa atender as exigências da formação do curso de Psicologia da Universidade Cruzeiro do Sul.

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Page 4: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

O surgimento do termo gari, provém do nome de Pedro Aleixo Gari. Durante o

Império, ele assinou o primeiro contrato de limpeza urbana no Brasil. Aleixo costumava

reunir, no Rio de Janeiro, funcionários para limpar as ruas após a passagem de cavalos. Os

cariocas, que se acostumaram com esse trabalho, sempre mandavam chamar a “turma do

gari”. Aos poucos e de tanto repetir, a população associou o sobrenome de Aleixo Gari aos

funcionários que cuidam da limpeza das ruas , meio–fio , praças, parques e vias públicas.

Hoje o termo utilizado para designar a atividade é “Varredor”, durante a pesquisa

tomei conhecimento que tal mudança surgiu, segundo um dos Fiscais dos Varredores, com o

intuito de minimizar o impacto e a carga “preconceituosa” que o antigo termo trazia.

O Varredor trabalha com uma vassoura especial, cuidando da higiene e recolhendo os

detritos que a cidade produz diariamente e não trata. Esse profissional é muito importante

dentro da sociedade, pois é o varredor quem faz com que o lixo não se acumule nas ruas e nos

bueiros, evitando enchentes e a proliferação de bichos e doenças.

Porém, tal importância é desvalorizada segundo destaca Ricardo2, Fiscal que

acompanha e coordena o trabalho de algumas duplas de Varredores, que além da

desvalorização do trabalho em si faz referência à invisibilidade pública que acredita assolar os

trabalhadores. “É o tipo de trabalho que todos precisam, mas que ninguém reconhece,

imagine como seria a cidade se não tivessem esses trabalhadores? Mas as pessoas nem

percebem que eles estão ali.” ( Ricardo, Diário de Campo, 25/03/09)

MÉTODO

Para compreensão das relações de trabalho, do comportamento, do cotidiano e da

identidade profissional dos participantes foram utilizados procedimentos dos quais Spink

(2008) definiu em seu artigo o pesquisador conversador no cotidiano como: “(...) conversas

espontâneas em encontros situados.” pg. 72. Tal procedimento nada mais é que a

aproximação do pesquisador de seu objeto através de encontros, conversas e troca de

experiências que possibilitam o ‘estar junto’ compartilhando o cotidiano comum.

Após investigação sobre a estruturação do trabalho de Limpeza Urbana em artigos,

documentos e diálogo com funcionários da Subprefeitura, foi possível compreender as

subdivisões e responsabilidades.

2 Todos os nomes citados são fictícios para preservar a identidade dos trabalhadores3

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O passo seguinte foi o contato com um funcionário da empresa credenciada que é o

responsável pela fiscalização do trabalho de varrição de domínio da Subprefeitura em questão.

Deste contato surgiu a oportunidade de visitar o alojamento dos varredores possibilitando uma

aproximação dos trabalhadores.

Do período de Março á Junho de 2009 foram realizados nove encontros com os

trabalhadores, conversas e acompanhamento das atividades diárias de trabalho.

Os encontros aconteceram nas ruas pertencentes aos setores de cada dupla.

Primeiramente observava à distância, logo em seguida me aproximava e estabelecia o

primeiro contato.

Durante o período da pesquisa acompanhei o trabalho de três duplas de varredores,

duas mistas (homem e mulher) e uma formada apenas por homens. Destas três duplas

aprofundei o vínculo com uma das mista. Conversei também com um outro varredor da

Subprefeitura, com dois Fiscais de duas Subprefeitura do Município de São Paulo e com um

Vigia de Rua.

Todas as informações, observações e trechos das falas dos trabalhadores foram

registradas em diário de campo.

DISCUSSÃO DO ENRREDO

Acompanhando os varredores em parte de seus trajetos, conversando, observando as

relações entre eles, deles com as outras pessoas e deles com o processo de trabalho, foi

possível identificar características destes trabalhadores e seus traços identitários comuns.

O Ensaio

Visitei o alojamento dos varredores, mais parecido com uma grande garagem ou

depósito rústico, pois os ônibus que levam os trabalhadores até seus setores e os trazem de

volta estavam estacionados junto com os caminhões das equipes de trabalhadores da

carpinagem, trabalhadores que cuidam da limpeza de praças e retirada de entulhos, Ricardo,

Fiscal que me acompanhava, explicou que estes trabalhadores depois são promovidos à

Varredores.

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Page 6: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

Neste 1° dia cheguei bem cedo, antes dos Varredores saírem para seus percursos, por

volta das 6h40 da manhã. Muitos estavam do lado de fora do alojamento, sentados no chão

tomando seu café da manhã - pão e leite com café- comprados no bar logo em frente.

Acompanhada pelo Fiscal, a sala em que os Varredores ‘batem o ponto’. Ricardo aproveitou

para me mostrar um dos Holerites dos Varredores.

Conheci o vestiário, sala de equipamentos e ferramentas. Circulei entre os varredores

conversando com algumas duplas.

Através deste primeiro encontro foi possível colher informações em relação à

organização do trabalho, divisão dos setores de varrição e trajetos percorridos pelas duplas.

Ao conversar com Mário, ele demonstrou claramente sua insatisfação em relação aos trajetos,

sobretudo aos pontos em que deve deixar os sacos de lixo, pontos estratégicos para a coleta

dos caminhões, mas que não levam em conta as dificuldades dos varredores em carregar por

longas distâncias os sacos de lixo.

Mário retirou do bolso um pedaço de papel amassado, era um mapa onde estava

marcado com canetinha as ruas que deveria percorrer naquele dia. “Tá vendo aqui?! São 25

ruas e só posso deixar os sacos em dois pontos, a gente tem que andar muito carregando

peso.” (Mário, Diário de Campo, 25/03/09).

Mário comentou que os moradores reclamam quando eles deixam o saco de lixo em

frente às suas casas, seu companheiro, Júlio, aproveita a conversa sobre o saco de lixo para

enfatizar a relação com os moradores.

A gente agüenta muito na rua, as pessoas não tem

educação, querem que a gente barra a calçada, mas a gente não

pode é, só o meio-fio, chama a gente de preguiçoso, tem

varredor que acaba xingando também, mas eu finjo que não

escuto, prefiro terminar logo o serviço. (Júlio, Diário de Campo,

25/03/09)

Este é o comportamento que Júlio afirma assumir diante das dificuldades que encontra

com os moradores, porém Ricardo, o Fiscal que me acompanhou durante a visita, comentou

que existem muitos outros problemas de relacionamento entre varredores e moradores, por ele

chamado de ‘contribuintes’, Ricardo justifica:

Eles ganham pouco, como você viu, ai têm problemas

familiares, alguns chegam bêbados para trabalhar, ou então

voltam bêbados para cá, é muito complicado. Eu procuro

conversar sempre com eles, mas é difícil, eu nunca vi aqui, mas 5

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a gente sabe também que tem problemas com drogas. Quando

estão bêbados eu geralmente suspendo eles, como falei pra

você, é uma vida muito sofrida.

Alguns são muito fechados, não gostam mesmo de

conversar, outros já são mais agressivos, arrumam confusão na

rua.

(Ricardo, Diário de Campo, 25/03/09)

Ricardo comentou que estes problemas se estendem até mesmo para a relação entre

eles, segundo conta, arrumam confusão entre si, motivo pelo qual, deixa a critério dos

próprios varredores a escolha do parceiro. “Existem problemas de relacionamento entre eles,

o convívio é difícil, muitos são mal humorados, calados, eu sou muito amigo deles, faço o que

posso, lidar com pessoas não é fácil.” (Ricardo, Diário de Campo, 25/03/09)

A Estréia

A partir dessa experiência prévia no alojamento a próxima etapa foi aprofundar a

relação com os varredores, vivenciar com eles seu cotidiano de trabalho, observar o

desenvolvimento da atividade, suas dificuldades, a relação entre eles e com os moradores,

comerciantes e transeuntes, presenciar atitudes, ouvir seus relatos e percepções sobre o

trabalho e sobre a própria identidade profissional.

1° Ato ‘ São Eles que mandam’ (Opressão e Passividade)

A humilhação é uma modalidade de angústia que se dispara a

partir do enigma da desigualdade de classes. Angústia que os pobres

conhecem bem e que, entre eles, inscreve-se no núcleo de sua

submissão. Os pobres sofrem freqüentemente o impacto dos maus

tratos. Psicologicamente, sofrem continuamente o impacto de uma

mensagem estranha, misteriosa: "vocês são inferiores". (Gonçalves

Filho, 1998, pg.25)

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Page 8: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

O contato com a 1° Dupla, Joana e Almir, se deu de maneira peculiar, eu estava dentro

do ônibus e os vi depositando um saco de lixo na calçada de uma movimentada Avenida,

percebi neste instante a oportunidade de um encontro. Desci em um ponto adiante e retornei

até o local que os tinha visto.

Não os encontrei, olhei para todos os lados, perguntei para as pessoas que ali se

encontravam se avistaram uma dupla de varredores, ninguém os havia percebido, percorri

algumas quadras da Avenida e a minha sensação foi que os instantes anteriores não passaram

de ilusão. Desisti.

Os encontrei no mesmo ponto na semana seguinte, Joana varria mais a frente enquanto

Almir recolhia de cabeça baixa os montinhos que ela ia acumulando. Trabalhavam

silenciosos, quando os abordei, cumprimentando-os, levantaram o olhar, retribuíram e ficaram

parados olhando para mim, congelados naquela cena. Apresentei-me e pedi para que

continuassem, seguimos conversando.

Eles me contaram que não partem do Alojamento, que se encontram em um ponto

específico do trajeto em que guardam o carrinho, a vassoura e os materiais e seguem para a

rotina de trabalho. Segundo me contaram, percorrem as mesmas ruas juntos há 10 anos e

trabalham como varredores há mais ou menos 30 anos.

Almir comentou que trabalha na rua desde os 18 anos de idade, começou retirando

entulho das ruas e limpando praças, confessa sua insatisfação em relação à mudança para o

alojamento:

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Page 9: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

Eu e ela trabalhamos há 10 anos nesse trajeto, pra mim

é muito melhor vir direto, mas eles mandam né?, Não dá pra

gente reclamar, não posso reclamar de nada, tenho sempre meu

‘dinheirinho’ garantido no final do mês. (Almir, Diário de

Campo, 13/04/09)

Por mais que este trabalhador verbalize sua insatisfação diante da nova organização do

trabalho, demonstra sua passividade diante ‘Deles’, dos que ‘mandam’, a ele cabe apenas

acatar a decisão da empresa, pois não tem voz ou força para lutar contra esta situação, o que

vale é o dinheiro que garanta o sustento no final do mês.

O trabalho faz experimentar de uma forma extenuante o

fenômeno da finalidade devolvida como uma bola; trabalhar para

comer, comer para trabalhar... Se consideramos um dos dois como

um fim, ou ambos separadamente, estamos perdidos. O ciclo contém a

verdade ...

A grande dor do trabalho manual é que somos obrigados a

nos esforçar por longas horas seguidas, simplesmente para existir.

O escravo é aquele a quem não se propõe nenhum bem como

finalidade dos seus cansaços, a não ser a simples existência. Ele deve

então ou ser desapegado ou cair no nível vegetativo. (Weil apud

Gonçalvez Filho, 1998, pg. )

Para solucionar a questão dos trajetos longos, Ricardo comenta que em breve, mais

equipes sairão do Alojamento ao invés de seus próprios pontos fixos, que a quantidade de

varredores aumentaria melhorando a divisão dos setores.

Durante nosso encontro presenciei demonstrações de afeto e coleguismo entre a dupla

e um vigia e cumprimentos amistosos a alguns comerciantes. Em outra oportunidade pude

conversar apenas com esse vigia, o Corinthiano, este revelou que conhece a dupla há três

anos, considera muito a dupla e, em particular, Joana.

Corinthiano, percebe o trabalho da dupla como muito sofrido, os considera tranqüilos

em relação às pessoas e ao trabalho, mas muitas vezes vê que as pessoas os exploram ou os

maltratam, sobretudo os lojistas que abusam do trabalho deles, como afirma, pois sabem que

eles não podem varrer a calçada e mesmo assim pedem “ Eles não têm voz ativa para

enfrentar a situação, sabe, não respondem, abaixam a cabeça e continuam o trabalho deles.”

( Corinthiano, Diário de Campo, 28/04/09)

A afirmação de Corinthiano além de alertar para postura oprimida e submissa dos

varredores, amplia a questão. Não é apenas em relação à empresa contratante que estes 8

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varredores perdem sua voz e força, “Eles”, nas palavras de Almir, “mandam”, posso

apreender deste fato que a força opressora extende-se também em relação aos contribuintes,

às pessoas em geral.

Sobre isto Gonçalves Filho afirma:

O ambiente político da dominação começa a agir

também nas horas de trégua: age por dentro. Para os

humilhados, a humilhação é golpe ou é frequentemente sentida

como um golpe iminente, sempre a espreitar-lhes, onde quer que

estejam, com quem quer que estejam. (Gonçalves Filho, 2004,

pg. 13)

Ainda no Alojamento presenciei uma situação que alerta para a questão da opressão e

passividade, Tadeu estava com a vassoura bem gasta e nada havia reclamado sobre isso, um

de seus principais instrumentos. Ricardo ao verificar a vassoura antes deste varredor seguir

para o trajeto, pede para que ele a troque por uma nova na sala de equipamentos e comenta

comigo. “É muito difícil eles reclamarem alguma coisa, chegar em mim e dizer alguma coisa,

você viu a vassoura do Tadeu? Já estava esgarçada e eu mesmo que tive que pedir para ele

trocar.” ( Ricardo, Diário de Campo, 25/03/09)

Presenciei, em outra oportunidade, como esses trabalhadores são mutilados em sua

liberdade de expressão, o que corrobora para a passividade e submissão, configurando a

opressão ao qual são submetidos.

Avistei a dupla, Osvaldo e Kleber, eles trabalham em uma rua de um bairro de classe

média, me aproximei deles, me apresentei e comentei meu objetivo, ambos pararam o que

estavam fazendo e fizeram questão de conversar. Ambos trabalham como varredor há mais ou

menos sete anos, vindos de atividades pouco especializadas, auxiliar de serviços gerais,

pintor, segurança.

Kleber comentou que gosta do que faz por acreditar que controla seu trabalho e por se

sentir mais livre na rua.

Após pouco tempo de conversa com a dupla um dos Fiscais daquele setor parou com a

moto.

Basicamente, tomou a frente e a voz dos varredores, falando de sua experiência como

fiscal, mas principalmente, expressou o quanto considera o trabalho dos varredores sofrido e

desgastante, como ele orienta seus varredores para saírem daquela situação, como busca

ajudá-los no que for preciso, pois, segundo ele, muitos não conhecem seus direitos.

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Page 11: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

Eu vejo o trabalho deles, conheço a vida de muito deles,

são na maioria pessoas humildes sem muita instrução, - Claro

que tem os malandros, esses ai a gente percebe logo-, mas eles

não sabem muito dos direitos que tem... (Rogério, Diário de

Campo, 11/05/09)

Enquanto o Fiscal Rogério falava a dupla apenas ouvia em silêncio, não

argumentavam nem acrescentavam às falas do Fiscal com suas opiniões, em mais um indício

de opressão.

O embotamento das emoções e dos gestos, como afirma Costa (2004) são

conseqüências da sensação da força exercida sobre eles, força esta que os oprime, e as

palavras mesmo que tímidas são dominadas pelo medo, medo da represália ou de humilhações

ainda mais severas.

Rogério fez uma diferenciação entre ele e o Fiscal de outro setor para mostrar o quanto

é preocupado com os varredores, comentou que nesse outro setor o Fiscal ‘marcava em cima’

e não era próximo aos varredores, mas que lá eles:

Realmente merecem, pois não querem nada com nada,

não cumprem os setores todos, faltam sem justificativas, muito

deles tem passagem pela polícia. Fico chateado, mas não posso

fazer nada se a pessoa não quiser ser ajudada. (Rogério, Diário

de Campo, 11/05/09)

Neste encontro surgiram informações referentes ao preconceito em relação à atividade,

porém mais na fala do Fiscal do que na dos próprios Varredores. Rogério afirmou durante

nossa conversa, que o trabalho é desvalorizado, mas que isso se dá pela postura dos próprios

trabalhadores. Ele pensa que os trabalhadores estão em uma situação muito ruim, por isso

incentiva que façam cursos e se especializem, mas acredita que pouco pode fazer por eles,

pois ‘eles não se ajudam’.

Foi possível perceber que, embora mais uma vez o trabalho seja visto pelos fiscais

como sofrido e desgastante, um deles comentou que os Varredores precisam de ajuda, mas

que a maioria deles não estão nem ai para suas dificuldades.

Porém, como o próprio Fiscal impediu que eles se expressassem, ficou a questão:

Será que são ouvidos sobre o quê necessitam? Ou sempre existe alguém dizendo para eles o

que devem ou não necessitar, pensar e agir, antes mesmo que consigam se expressar? Assim

eles mesmos acabariam acreditando que não devem e nem tem o direito para tal.

Como afirma Gonçalves Filho:10

Page 12: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

A opressão no campo e na cidade refreou os gestos, alienou o

trabalho, impediu a ação e o governo, inibiu o riso e a voz,

desmoralizou as religiões e as idéias dos oprimidos. Infestou o

sentimento, a imaginação e a lembrança dos pobres por mensagens

senhoriais ou patronais, mensagens de comando e desprezo... a

humilhação social é sofrimento ancestral e repetido. (Gonçalves

Filho, 2004, pg. 13)

À partir do encontro com outra dupla, Jacira e Roberto,desta vez mista, outro indício de

humilhação social pode ser percebido.

“O humilhado atravessa uma situação de impedimento para sua humanidade, uma situação

reconhecível nele mesmo – em seu corpo e gestos, em sua imaginação e em sua voz – e também

reconhecível em seu mundo – em seu trabalho e em seu bairro.” (Gonçalves Filho, 1998, pg. )

Já havia feito contato e conversado com essa dupla em semanas anteriores e tendo os

encontrado na Avenida, no horário do almoço, questionei onde haviam almoçado, Jacira deu a

seguinte resposta “No curralzinho... Não é onde os bichos comem?!” (Jacira, Diário de

Campo, 16/06/09). Tendo em vista que o local indicado pela varredora é a garagem de um

Sacolão de frutas e verduras, observei o local e havia muitos caixotes, lá eles utilizaram

alguns dos caixotes vazios como cadeira e apoio para a marmita e se sentam na calçada bem

em frente ao portão da garagem.

Apesar de os varredores receberem, vale refeição, conforme afirmou o Fiscal Ricardo

na visita ao alojamento e depois confirmado por esta mesma dupla, Jacira afirmou que quando

está com esse parceiro prefere trazer a comida de casa e a marmita fica guardada no fundo do

carrinho, prefere assim, pois economiza os vales para utilizar em outras ocasiões segundo a

necessidade como em uma viagem, passeio aos finais de semana, ou quando o orçamento

aperta.

2° Ato “Se não estudar vai virar Gari” (Preconceito)

Reconquistar o que se perdeu é muito difícil: difícil é o

caminho da volta às coisas, de volta ao mundo da vida pré-categorial

e pré-reflexiva, para reencontrar os fenômenos face a face. Esse

caminho pede um alto grau de tomada de consciência da vida em si

que começa na recusa do estabelecido, na suspensão da validade

mundana. (Ecléa Bosi, 2003, pg. 116)

11

Page 13: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

Dos pontos destacados e observados durante a pesquisa foi possível verificar algumas

características comuns a esses trabalhadores. Em sua maioria são pessoas oriundas de diversos

tipos de trabalho subalternos, braçais e com pouca especialização.

Rogério relata que os Varredores sentem vergonha de dizer o que fazem, porém em

seu discurso fica claro que esse preconceito está relacionado á sua própria questão, como

quando comenta a dificuldade que enfrentou no começo do relacionamento com sua esposa.

No começo todos diziam para ela, sai dessa, o cara

dirige caminhão de lixo, não tem nada na vida, você é muito

melhor do que ele. Se comigo é assim imagine com eles, eu

ganho 1200 reais, mas hoje em dia você não é você, você é o

que você tem. (Rogério, Diário de Campo, 11/05/09)

No contato com os varredores foi possível perceber que a questão do uniforme está

diretamente ligada ao preconceito que se instala em relação à atividade e que se estende para

os trabalhadores. Pois, como afirma Goffman:

A sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e

o total de atributos considerados como comuns e naturais para os

membros de cada uma dessas categorias: Os ambientes sociais

estabelecem as categorias de pessoas que têm probabilidade e serem

neles encontradas. (Goffman, 1988, pg. 12)

12

Page 14: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

Quando conheci a dupla Jacira e Roberto, a mulher se mostrou muito extrovertida,

simpática, fez questão de comentar que gosta muito de se atualizar, lendo jornais e revistas.

Tem 42 anos e trabalha há 3 anos como varredora. Sempre foi dona de casa e por conta de

dificuldades financeiras que sua família estava enfrentando à época decidiu buscar emprego.

Comentou que no início foi difícil se adaptar à atividade, trabalhar na rua exposta ao tempo e

ao preconceito das pessoas: “Parece que as pessoas sentem nojo, elas olham, acho que para o

uniforme, as luvas, e se afastam, ou então olham pra gente e acham que vamos pedir alguma

coisa” (Jacira, Diário de Campo, 05/05/09).

Em outro momento em que acompanhei Jacira e André durante o horário de trabalho

Jacira comentou que no lugar onde guardam o carrinho, um posto de gasolina, deram um

armário para eles, e que eles se trocam lá, o uniforme fica guardado nesse armário assim

como os materiais que o fiscal entrega. Acompanhei os dois até esse local na hora de ir

embora, depois que Jacira tirou o uniforme olhou para mim e disse: “Olha só, nem parece

mais aquela mulher que você estava conversando, viu? Sou uma pessoa normal” (Jacira,

Diário de Campo, 19/06/09).

Outra informação que Jacira relatou é que considera interessante quando ela passa sem

o Uniforme nos lugares que geralmente passa quando está trabalhando, casa das pessoas e

banca de jornal ela diz que os outros não a reconhecem.

Ainda em relação ao uniforme, outro varredor compartilhou sua percepção sobre a

questão. Comentou que estando uniformizado para o trabalho quando pega ônibus sente que

as pessoas evitam sentar ao seu lado.

Eu olhava para mim, mas eu não estava sujo, mesmo

assim acho que as pessoas evitam sentar perto, porque quando

pegava ônibus com roupa de sair nunca vi acontecer igual.

(Leandro, Diário de Campo, 05/06/09)

A razão para tal atitude das pessoas, segundo ele, está relacionado ao que Jacira

também mencionou em sua fala, o nojo das pessoas, relativo ao que representa o uniforme

indica o tipo de trabalho que aquela pessoa executa, que são varredores, que lidam

diretamente com a sujeira, com os restos jogados nas ruas.

“No trato com as pessoas isso acontece frequentemente. Elas

nos aparecem como que embaçadas pelo esteriótipo, e é preciso

tempo e amizade para um trabalho paciente de limpeza e

reconstituição da figura do amigo, cujos contornos procuramos

13

Page 15: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

salvar cada dia do perigo de uma definição congeladora.” (Ecléa

Bosi, 2003, pg. 117)

Porém, Leandro demonstrou claramente sua indignação em relação a esse preconceito,

comentou que vê realmente muitos varredores com o uniforme desgastado e aspecto

descuidado e, em relação a isso disse: “Não é só porque varre o chão tem que ser sujo como

ele.” (Leandro, Diário de Campo, 05/06/09).

Este comentário de Leandro em relação á ser simplificado ao trabalho que executa e a

conseqüência sofrida é o que Ecléa Bosi (2003) define como percepção social falseada.

Segundo a autora comenta ignoramos exceções e tendemos a simplificar elementos que

recobrem a realidade não nos permitindo o real contato com a experiência possivelmente pela

complexidade dos objetos sociais.

Quanto a essa afirmação em relação ao uniforme, em meus encontros com diferentes

varredores e de diferentes regiões também tive a mesma percepção. A 1° dupla com que

conversei e acompanhei usavam uniformes bem gastos, com o mesmo aspecto mencionado

por Leandro, contudo, a meu ver, pelas falas e atitudes desta dupla, como já comentado, são

trabalhadores que apresentam traços de opressão. Já outra dupla, Osvaldo e Kleber, que são

varredores de um setor em que as ruas são de um bairro de classe média, aliás, esse é o

mesmo bairro do Leandro, os uniformes pareciam mais conservados. Alguns varredores

comentaram que podem pedir a troca de uniformes fora do período que a empresa padroniza,

de seis à dez meses, porém muitas vezes é em vão, André comenta que se o sapato fura, ou o

uniforme gasta, eles têm que dar um jeito, remendando, costurando com dinheiro do próprio

bolso, pois fazem a solicitação e demora tanto que acaba no mesmo prazo da troca

padronizada.

Olha só, eu já furei o sapato com um prego dos grandes,

até machuquei o pé, e você acha que trocaram meu sapato?

Fiquei uns dois meses ou mais enchendo o saco do fiscal pra

trocar o sapato. Minha mãe colou um pedaço de uma borracha

onde estava o furo. Mas o sapato só veio no período da troca

mesmo, depois de quatro meses, sabe? Não adianta. (André,

Diário de Campo, 19/06/09)

André tem 20 anos, há dois anos trabalha como varredor, atualmente estuda Gestão

Ambiental e seu intuito é fazer Engenharia Ambiental. Em suas palavras comentou que este é

o ‘pior trabalho do mundo’. Porém, comentou que tanto os horários quanto a liberdade da rua

14

Page 16: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

e o salário no final do mês são o que dão condições para que ele possa pagar seus estudos e

poder comprar o que quiser.

Leandro, tem 32 anos, trabalha na empresa há 4 anos, após vários outros trabalhos como

ajudante geral, pedreiro, ajudante de serralheiro.

Segundo o que comentou, disse que a maioria das pessoas não gostam do que fazem, na

verdade se acostumam porque não tem outro jeito, Antônio disse que voltou a estudar no

período da noite porque quer melhorar e não apenas ficar reclamando. Pensa em terminar o

ensino médio e fazer curso técnico em contabilidade, pois gostaria de trabalhar em um

escritório, vestido de social, segundo suas palavras “ acho que as pessoas me respeitariam

mais”. (Conversa com varredor Leandro, Subprefeitura, 05/06/09).

André, tem vergonha de dizer para as pessoas que é varredor, quando perguntado

apenas diz que presta serviços para a prefeitura, quanto a isso justifica que prefere não dizer,

porque geralmente as pessoas ficam com pena, segundo ele.

É engraçado, mas uma vez uma senhora me disse na rua

depois que peguei a sacola dela que caiu no chão: Nossa, que

pena, um menino tão bonito, tão novo, você estuda?... Mal ela

sabe que estou quase me formando em Gestão Ambiental, sou

bem diferente dos outros varredores. (André, Encontro com a

Dupla Jacira e André, 19/06/09).

Leandro e André são dois varredores que parecem não se identificar e nem se

reconhecer com os outros semelhantes de sua profissão, para eles a atividade vai além do

‘ganho pão’ e do simples sustento, André vê a atividade como temporária, tem 20 anos e

comenta que vê a empresa como uma porta de entrada para atuar na área que está estudando.

Já Leandro, mostrou-se ainda esperançoso em continuar os estudos e almeja trabalhar

dentro de um escritório, pois busca o reconhecimento e acredita que apenas trabalhando em

um escritório vestido com roupas ‘sociais’ conseguirá tal desejo.

Roupas ‘sociais’ e não um uniforme que pode ser compreendido como um estigma, uma

marca daqueles que trabalham com o lixo, daqueles que não possuem ‘capacidade’ de

executarem outras atividades com mais valor ‘social’.

Falo em ‘capacidade’ referindo-me ao episódio que o próprio Leandro vivenciou e

comentou em nossa conversa. O varredor conta uma situação da qual foi vítima do

preconceito de um morador em relação à sua atividade.

Segundo Leandro, todos os dias em que passava para varrer uma rua um menino de 10

anos atirava pedras nele e em seu companheiro. Um dia se aborreceu e correu atrás do menino 15

Page 17: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

para tirar satisfação. O pai apareceu e disse: “Você não é ninguém para fazer isso, é um burro

que só serve para varrer rua” (Leandro, Diário de Campo, 05/06/09).

O varredor comentou que o homem ligou para a Subprefeitura e como conseqüência foi

suspenso e mudaram ele de setor. Hoje em dia Leandro comentou que evita discussões, ignora

os ‘ataques’ das pessoas, pois precisa do emprego.

Em relação às brigas com os moradores, Jacira afirma que prefere se manter em

silêncio também, como Leandro, e apenas fazer seu trabalho:

Eu não tenho obrigações, eu tenho responsabilidades é

assim que vejo o meu trabalho, dependendo da situação, ou a

forma como a pessoa pede posso até fazer algumas coisas, mas

sei o que tenho que cumprir, sei o que tenho que fazer. (Jacira,

Diário de Campo, 05/05/09).

Todos os varredores com que conversei, sem exceções, justificam o silêncio diante das

situações que lhes desagradam, como por exemplo, as brigas com os moradores, ao fato de ao

menos estarem empregados e recebendo seu salário no final do mês.

Jacira afirmou que para ela ser varredora é um trabalho como outro qualquer e assim

como os outros participantes justificou que é deste trabalho que tira seu sustento.

Em outro momento comentou que este trabalho cabe bem às necessidades básicas, e

afirmou “Se o cara tiver a cabeça boa, com nosso salário consegue até sua casinha própria”

(Jacira, Diário de Campo, 19/06/09).

Acrescido a esta justificativa existe a questão da própria empresa contratante reforçar a

importância de respeitar o contribuinte, os moradores e penalizar o trabalhador que

desrespeitar essa simples regra. Como comenta André, a empresa investe bastante em

palestras para que os varredores saibam conviver e respeitar os moradores, mas pouco oferece

para o aprimoramento pessoal dos trabalhadores, ou sequer permitem um espaço para que eles

façam reclamações ou sugestões.

Basicamente, o contato que estes trabalhadores tem com a empresa é através do Fiscal,

ficam a mercê da boa vontade e empenho deste. São expostos, desta forma, a todo tipo de

humilhação, desde o medo de requerer uma vassoura nova quando a sua já está gasta, até

ouvir silenciosamente que é ‘burro e apenas serve para varrer ruas’.

Gonçalves Filho (2004) comenta: “São mensagens arremessadas em cena pública...São

gestos ou frases dos outros que penetram e não abandonam o corpo e a alma do rebaixado”

pg. 26

16

Page 18: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

Bastidores

“ Uma vida muito sofrida”

Durante a pesquisa, os momentos em que passei com esses trabalhadores,

acompanhando as atividades, as conversas que ao longo desse artigo foram apresentadas, é

fato constatar que o trabalho do varredor é desgastante, sofrido no sentido de estarem na rua

enfrentando sol, chuva e frio. Andam por trajetos longos, carregam peso, vassouras gastas que

exigem mais esforço e atrelado á isso o desrespeito já mencionado em algumas situações de

algumas pessoas para com estes trabalhadores, além do vínculo abismal que existe entre esses

trabalhadores e a empresa e também a falta de valorização pelo trabalhador por parte da

mesma como afirma Leandro quando desabafou sobre o episódio de sua briga com um

morador, “Trocam a gente como se a gente fosse roupa suja” (Leandro, Diário de Campo,

05/06/09).

Existem situações complicadas em se tratando do relacionamento entre eles mesmos,

como afirmou Leandro: “Cada um é de um jeito, tem gente que é muito chata, calada, faz

coisa errada” (Leandro, Diário de Campo, 05/06/09). Comenta sobre o vício alcoólico de

alguns e até o que considerou como ruim no comportamento de alguns varredores, como

‘enrolar no trabalho’ dados estes já comentados anteriormente e citados pelos fiscais Ricardo

e Rogério, e outros varredores.

17

Page 19: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

Jacira, em uma de nossas conversas, confessou que o Fiscal Ricardo é muito bem quisto

por todos os trabalhadores, é bem próximo e facilita a vida dos varredores.

Segundo Jacira, Ricardo faz de tudo para melhorar a relação entre eles, é sempre solícito

quando alguém adoece, é flexível, permite que eles encontrem a melhor forma de

trabalharem, desde que cumpram os trajetos.

Nós aqui podemos parar para tomar um cafezinho, uma

água, ele não fica em cima, é bem diferente do Fiscal do outro

Setor, ninguém quer ir para lá, o controle de horário e trajeto lá

é muito grande, rígido, aqui não, e todo mundo faz o trabalho.

(Jacira, Diário de Campo, 05/05/09)

A dupla mista, Jacira e Roberto, ressaltaram que para o dia render é preciso

camaradagem entre os companheiros.

Quando aprofundei meu vínculo com Jacira e seu outro companheiro, André, foi

possível identificar e presenciar algumas estratégias e comportamentos adotados para tornar

suportável e até mesmo vantajosa a rotina e as relações estabelecidas da atividade de varredor,

por isso a camaradagem entre eles passa a ser primordial.

“ O pior trabalho do mundo”

Embora, Jacira afirme que algumas pessoas são grosseiras, tem muitas amizades por

onde passa segundo ela. Em outra oportunidade a varredora comunicou que se sente

incomodada pelo fato de olharem para ela, o uniforme e as luvas e até pensarem que quer

pedir algo, porém contou com certa naturalidade que em determinados momentos e de acordo

com a relação com as pessoas troca favores com elas.

Tem um barzinho no outro bairro que eu faço no sábado,

a dona é muito amiga minha, eu chego logo pela manhã e ela

me dá o café com leite e pão na chapa, em troca eu varro a

calçada dela, pegos os sacos de lixo e mais outras coisas, ai não

custa nada né?! Ela é legal comigo, nunca teve um acordo, ela

que me via e me oferecia o café, então passei a ajudar também.

(Jacira, Diário de Campo, 19/06/09).

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Page 20: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

Jacira contou também que muitos moradores sabem exatamente o dia e o horário em

que passam, alguns param para conversar, outros oferecem água, suco e até bolachas e bolo.

Em muitos casos sente-se até vigiada.

Em um dos dias em que acompanhei esta dupla pude verificar esquemas que, de certa

maneira, evitam o desprazer da monotonia e mecanicidade em relação à atividade. Jacira e o

companheiro André comentaram que preferem chegar um pouco mais cedo, meia hora antes

do horário, 6h30 da manhã, durante o trabalho fazem apenas uma pequena pausa para o café

para poderem sair mais cedo e almoçar em casa.

Verifiquei o trajeto e percebi que havia muitas ruas, por mais que fizessem o trabalho

um pouco mais rápido e sem pausas não daria para terminar todo ele até o horário que

informaram. Então, durante o trajeto percebi que eles pularam algumas ruas, e em outras,

Jacira varria apenas um lado da rua. Questionei sobre isso e a varredora respondeu:

Ah, agente sabe como fazer, não dá pra fazer isso sempre,

já te disse, os vizinhos ficam de olho grande na gente, um dia a

gente pula uma, na outra vez a gente pula outra e vai

revezando. (Jacira, Diário de Campo, 19/06/09).

André comentou que esse esquema de pular as ruas e dar um jeito de sair mais cedo, é a

forma que encontra para ter tempo de fazer os trabalhos da faculdade e também para aliviar o

cansaço da rotina. Já Jacira comenta que assim tem tempo para cuidar da casa também.

Durante esse dia a dupla também revelou que existe um certo acordo informal entre os

varredores, em hipótese alguma eles devem sair de seus trajetos com o uniforme,

principalmente fora do horário. Tal dado foi revelado porque comentei que um dia peguei um

ônibus por volta das 11h30 da manhã e me sentei ao lado de um varredor. André comentou:

Ai não pode né? O cara ta queimando a gente, o que um

varredor ta fazendo as 11h30 dentro de um ônibus? Todo

mundo tem seus esquemas sabe?! É por causa desses ai que a

gente se ferra, se um fiscal da prefeitura pega, já era. (André,

Diário de Campo, 19/06/09).

Jacira comentou que eles têm que tomar muito cuidado, pois além do fiscal da empresa,

existem os fiscais da Subprefeitura: “Com esses daí não tem conversa” (Jacira, Diário de

Campo, 19/06/09).

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Page 21: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

CENÁRIO FINAL

Durante a pesquisa alguns pontos tornaram-se relevantes para a compreensão dos

aspectos envolvidos em relação à atividade dos varredores, assim como às conseqüências

sofridas, parte pela exposição destes trabalhadores a elementos físicos –condições climáticas

como o sol, a chuva, riscos por estarem na rua, trabalhando no meio fio de avenidas

movimentadas sem instrumentos realmente adequados– e parte pelo impacto direto da pressão

exercida pela desigualdade das classes sociais.

Os traços de opressão e submissão percebidos em maior ou menor grau nos

varredores estão diretamente ligados à humilhação social a que estes trabalhadores estão

submetidos. André, que a princípio mostrou empenho em reivindicar sapatos novos, porém

com o descaso da empresa uma conformidade foi percebida e revelada no final através da fala

de André: “Sabe, não adianta”. Conformidade que resultará na passividade fruto da opressão

percebida em alguns trabalhadores que passam a não ter atitude nem para pedir uma vassoura

nova quando a sua já está gasta. Também como no caso de Jacira que se compara à ‘bicho’

quando relata onde geralmente almoça, junto à caixotes de verduras e legumes, aí pode-se

perceber os traços da humilhação social.

A opressão e a submissão, aqui compreendidas como conseqüência da humilhação

social, advinda da desigualdade das classes, como afirma Gonçalves Filho (1998), também

tem como causa o preconceito, sobre tudo como foi percebido em relação ao uniforme dos

varredores. O uniforme tem em sua origem uma dupla função, proteger o trabalhador, quando

adequado, e ao mesmo tempo identificá-lo.

Segundo comentam os varredores as pessoas olham para o uniforme e sentem ‘nojo’

e/ou ‘repulsa’, pois através da identificação do uniforme esses trabalhadores passam também

a estarem associados ao lixo e a sujeira, como maneira reducionista de percepção. O uniforme

surge então como uma marca estigmatizada onde o preconceito encontra vias para se

expressar.

20

Page 22: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bosi, E. (2003) O tempo vivo da memória: Ensaios de Psicologia Social. São Paulo: Ateliê

Editorial

Costa, F.B. da (2004) Homens Invisíveis: Relatos de uma humilhação Social. São Paulo:

Globo.

Goffman, E. (1988) Estigma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. Rio de

Janeiro: LTC.

Gonçalves Filho, J. M. Humilhação social - um problema político em psicologia. Psicol. USP.

1998, vol.9, n.2, pp. 11-67.

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Page 23: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

ANEXO – DIÁRIO DE CAMPO

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Page 24: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

Alojamento dos Varredores 25/03/09

1° Encontro

Logo que acordei ás 5:00 da manhã pensei “ Que vida dura dos varredores” Cheguei

ao alojamento por volta das 6:45, encontrei alguns trabalhadores do outro lado da rua e

perguntei onde poderia encontrar o Ricardo, apontaram para o portão me dirigi até ele, o

portão estava fechado, me identifiquei ao porteiro que logo passou um rádio para o Fiscal.

Ricardo me recepcionou, me apresentei novamente e agradeci pela atenção e

oportunidade, ele pediu para que eu entrasse, havia muitos trabalhadores no local. É um

espaço aberto parecido com uma garagem de ônibus, haviam alguns estacionados no local.

Levou-me até o escritório onde ficava a máquina do ponto, foi me apresentando á

alguns varredores que estavam circulando por ali, estava muito movimentado. Observando os

ônibus e caminhões no local, perguntei sobre eles, se aqueles ônibus traziam os trabalhadores,

Ricardo então respondeu que eles vinham de suas casas e que aqueles ônibus e caminhões

levavam os trabalhadores até seus percursos, e que no final do turno por volta das 15:00 horas

voltava para buscá-los e trazê-los de volta ao alojamento. Os caminhões pertenciam às

equipes dos mutirões. Questionei então quais trabalhadores eram do Mutirão e quais as

diferenças entre eles e os varredores.

O Fiscal apontou para alguns que estavam de amarelo indicando que eram aqueles,

continuou dizendo:

“Aqueles são os amarelinhos, todos começam como eles, fazem o serviço de

carpinagem, recolhem entulhos, lavam as praças, fazem a pintura do meio fio. Depois de

algum tempo são promovidos para varredores e passam a ganhar 100 reais a mais.”

Observei que não haviam mulheres no local, questionei então se elas não compunham

as equipes, Maurício respondeu que faziam parte sim, mas por causa do alojamento que ainda

não está pronto não dava para acolher todas as equipes, a maioria das mulheres ficam em um

alojamento em Itaquera. Perguntei se haviam equipes mistas, ele respondeu que sim, mas que

deixa á critério dos varredores escolherem suas duplas, surgiu em mim então uma dúvida a

respeito dessa autonomia, então Maurício completou:

“Existem problemas de relacionamento entre eles, o convívio é difícil, muitos são mal

humorados, calados, eu sou muito amigo deles, faço o que posso, lidar com pessoas não é

fácil.”

23

Page 25: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

Andamos pelo alojamento enquanto conversávamos paramos próximo a um grupo de

varredores cumprimentei-os e me apresentei. Ricardo pediu para que eles me mostrassem o

material que usavam, me mostraram o carrinho em que carregam os sacos, a vassoura e a pá,

ao olhar ele percebeu que uma delas estava bem gasta, pediu para que o trabalhador trocasse

por uma nova. Pediu também para que me mostrassem o mapa de seus percursos, um deles

tirou do bolso o papel amassado, o percurso estava pintado com canetinha, eram muitas ruas,

perguntei seu nome e me disse que era Mário, continuou dizendo que os trajetos eram muito

longos, que não podiam colocar os sacos de lixo em qualquer ponto, tem que carregar os

sacos e isso acaba deixando eles mais cansados ainda. Mário tira o papel do bolso e me

mostra

“ Tá vendo aqui?! São 25 ruas e só posso deixar os sacos em dois pontos, a gente tem

que andar muito carregando peso.”

Então perguntei se eles se revezavam, seu companheiro então respondeu que sim, um

dia cada um. O Fiscal então completou dizendo que dependia da dupla, tem uns que preferem

varrer, outros já preferem puxar o carrinho, afirmou que prefere deixar que eles escolham.

Mário voltou a questão dos sacos de lixo, disse:

“ A gente poderia deixar o saco em cada rua, mas por causa do trajeto do caminhão

que recolhe não dá, mas tem muito problemas com os moradores, eles não gostam que a

gente deixe os sacos lá, mas querem que a gente limpe tudo.”

Seu parceiro completou:

“ A gente agüenta muito na rua, as pessoas não tem educação, querem que a gente

‘barra’ a calçada, mas a gente não pode é só o meio fio, chama a gente de preguiçoso, tem

varredor que acaba xingando também, mas eu finjo que não escuto, prefiro terminar logo o

serviço.”

O fiscal interrompeu dizendo que logo que o alojamento ficasse pronto as coisas iriam

melhorar, pois teria mais varredores e os trajetos iriam diminuir.

Perguntei ao Mário quanto tempo ele trabalhava me respondeu sorrindo que já

trabalhava há 20 anos, que já havia passado por muitas empresas. Questionei ao Ricardo

como era feita as contratações, que explicou que eram feitas por indicação, preferência das

empresas para evitar problemas, Ricardo disse:

Eles faltam muito, não fazem o trabalho direito,

arrumam confusão entre si, com as pessoas na rua. Por

exemplo, o Filho do Tião que trabalha com a gente está

desempregado, então ele é indicado e entra como 24

Page 26: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

carpineiro, os amarelinhos, mesmo sendo indicado ainda

sim dá muito problema, pra você ver 4 faltas não

justificadas dá justa causa, brigas dá suspensão.

Ricardo me disse que estava na empresa há dois anos, mas que já trabalhava como

fiscal há 16 anos.

“ As empresas saem e os funcionários ficam, é mais fácil manter os que já trabalham,

pois conhecem o serviço, claro que ficam os que são bons, que não dão muito problemas.”

Neste momento o ônibus já estava de partida, Ricardo sinalizou para os que estavam

com a gente entrar no ônibus, nos despedimos e os varredores seguiram para a rua.

O relógio marcava 7:20, segui com o Ricardo até o escritório, lá ele me mostrou o

Holerite de um dos trabalhadores, o salário de um varredor é em torno de 430 reais, e de um

carpineiro é de 330, neste momento perguntei como ele via o trabalho dos varredores, então

ele me disse que via como um trabalho muito sofrido, em todos os sentidos, eu ainda estava

com o Holerite nas mãos e ele apontou para o papel dizendo que o salário era muito baixo e

que o trabalho era muito pesado, o que ajudava muito era o vale refeição, o plano de saúde e a

cesta básica que recebiam.

“ É o tipo de trabalho que todos precisam, mas que ninguém reconhece, imagine

como seria a cidade se não tivessem esses trabalhadores? Mas as pessoas nem percebem que

eles estão ali.”

Perguntei se os varredores reclamavam quanto à isso, Ricardo então me disse que eles

não são de reclamar de nada:

“ É muito difícil eles reclamarem alguma coisa, chegar em mim e dizer alguma coisa,

você viu, a vassoura do Tião já estava esgarçada e eu mesmo que tive que pedir para ele

trocar.”

Perguntei sobre os principais problemas que ele considerava no dia a dia dos trabalhadores.

São muitos, a segurança é um deles, no mês passado

dois morreram, e foi de dia, os dois estavam varrendo o

meio fio de uma avenida e o caminhão simplesmente

passou por cima, por isso eles usam aquele colete

iluminado sabe, mesmo de dia, semana passada uma

mulher foi atropelada, quebrou até a vassoura, a empresa

toma todas as providências quanto á isso, mas é difícil,

eles correm muitos riscos na rua.

25

Page 27: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

Eu acompanho o trabalho deles de moto, faço os

percursos pra ver se estão mesmo no local, ou se estão

precisando de alguma coisa, mas as pessoas são horríveis

mesmo, eu corro risco de moto também, os carros não

respeitam a gente.

Continuou dizendo outros problemas, principalmente entre eles, muitas brigas,

discussões:

Eles ganham pouco, como você viu, ai tem problemas

familiares, alguns chegam bêbados para trabalhar, ou

então voltam bêbados para cá, é muito complicado eu

procuro conversar sempre com eles, mas é difícil, eu

nunca vi aqui, mas a gente sabe também que tem

problemas com drogas, quando estão bêbados eu

geralmente suspendo eles, como falei pra você é uma vida

muito sofrida. Alguns são muito fechados, não gostam

mesmo de conversar, outros já são mais agressivos,

arrumam confusão na rua.

Era 7:45 e o Ricardo me disse que precisava cuidar de algumas coisas antes de sair

para a rua, eu agradeci novamente por ele ter me recebido e me apresentado alguns dos

trabalhadores, ele se colocou à disposição, disse que eu poderia acompanhar o trabalho deles,

indo até o alojamento e saindo com eles nos ônibus. Nos despedimos e eu fui embora.

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Page 28: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

Dupla Joana e Almir 13/04/09

Semana passada, no dia 1° de abril, estava voltando de meu atendimento na clínica

escola da faculdade, dois pontos antes de descer, avistei, ainda dentro do ônibus, uma dupla

de Varredores, um homem e uma mulher, estavam depositando sacos de lixo na calçada.

Desci no ponto seguinte com o intuito de fazer uma aproximação com esta dupla,

voltei á pé até o local onde estavam, porém não os encontrei, perguntei para algumas pessoas

que estavam no ponto se sabiam da dupla, se alguém tinha visto, as respostas foram negativas,

ninguém havia notado. Continuei, olhando para dentro dos bares e das lojas com a esperança

de encontrá-los.

A Avenida possui alguns cruzamentos, olhei para as ruas e para o meio fio com a

intenção de encontrar uma pista sobre a dupla, mas não tive sucesso.

Hoje resolvi voltar à esta Avenida no mesmo horário da semana passada com a

esperança de encontrar novamente a dupla. Fiquei parada em um ponto de ônibus, perguntei

ao Camelô se ele conhecia ou já tinha reparado em uma dupla de Varredores que passava por

ali, ele disse que sim, que passavam todos os dias, mas não sabia exatamente o horário.

Poucos minutos depois percebi a dupla se aproximando, acompanhei-os com os olhos

e esperei que passassem por mim. Fui atrás deles e os cumprimentei os dois levantaram os

olhos e retribuíram o cumprimento, me apresentei como estudante de Psicologia, contei sobre

meu interesse a respeito do trabalho deles, informei que já havia conhecido outros

trabalhadores quando visitei o alojamento e perguntei se poderiam me ajudar. Ambos

concordaram, estavam parados olhando para mim então pedi que continuassem que eu os

acompanharia e que não queria atrapalhar.

Seguimos conversando pela rua, Joana tem 51 anos, trabalha desde os 22 anos como

Varredora. Perguntei sobre o trajeto deles, ela me informou que começam as 7:00 da manhã

na mesma Avenida, varrem toda ela e algumas outras ruas nas intermediações, voltam as

15:00 horas e deixam o carrinho e as vassouras em um estacionamento localizado na mesma

Avenida.27

Page 29: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

Perguntei, então se não iam até o alojamento, Joana disse que não, mas que daqui um

mês teriam que ir até lá para “bater o cartão”

“Vai ficar muito ruim ter que ir até lá, vai demorar muito, é melhor do jeito que está

porque venho direto da minha casa para cá, mas fazer o que né?!”

Perguntei onde ela morava e me disse que era no Jardim da Conquista. Ela continuou

varrendo mais a frente e me aproximei do homem que puxava o carrinho, seu nome é Almir,

tem 53 anos e trabalha como varredor desde os 18 anos de idade. Ele me disse que morava ali

mesmo no bairro e que também achava ruim ter que ir até o alojamento:

“Eu e ela trabalhamos há 10 anos nesse trajeto, pra mim é muito melhor vir direto,

mas eles mandam né?, Não dá pra gente reclamar, não posso reclamar de nada, tenho

sempre meu ‘dinheirinho’ garantido no final do mês”

Estava garoando, por esta situação, perguntei como era pra ele trabalhar na rua exposto

a estas situações:

“É normal, to acostumado, a gente só para se começar a chover muito, se continuar

essa garoa a gente coloca a capa e segue ‘trabaiando’

Perguntei se já havia passado por alguma situação difícil na rua, como acidente, por exemplo,

ele me disse que não.

Perguntei á ele se poderia me dizer como era um dia ruim em seu trabalho:

Não tem dia ruim não, Desde que aceitei Jesus eu

vejo que tudo é bom, não brigo com ninguém, faço o meu

trabalho, tenho muita fé... Me converti tem 9 anos, minha

vida era sofrida vivia bebendo, jogado pelos cantos, não

queria saber de muita coisa, mas agora eu ando com

Jesus e sou feliz.

Almir andava com a cabeça baixa recolhendo os montinhos de lixo que a Joana

juntava ao longo do meio fio, falou muito sobre a Igreja que freqüentava, que eu deveria me

converter também. Eu disse que a família do meu namorado também era evangélica e que eu

havia ido a um culto de Páscoa, ele levantou a cabeça, olhou para mim e sorriu dizendo:

“isso mesmo, tem muita maldade na vida, as pessoas só querem o mal uma das outras,

só Jesus pode salvar a gente, mas não adianta ir lá idolatrar ídolos, tem que ser em Jesus

Vivo”

Como ele havia me dito que começou como varredor com 18 anos, perguntei como foi

o início para ele e porque começou como varredor. Almir disse que seus outros irmãos

estavam quase todos encaminhados, um era policial, outro trabalhava como auxiliar 28

Page 30: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

administrativo em uma subprefeitura, ele não tinha estudado e percebia que não teria outra

chance. Ficou muito tempo como ajudante, limpando as praças, carregando entulho, só depois

passou a só varrer, mas que não se arrependia do caminho que havia seguido. Hoje entende e

é feliz e pensa mais na Família.

Perguntei se ele era casado, Almir respondeu que hoje tinha uma companheira, que era

separado e que tinha um filho desse casamento antigo, mas não sabia onde a ex-esposa e seu

filho moravam.

Olhei para o carrinho e vi que o saco de lixo estava quase cheio, perguntei então como

eles faziam com os sacos. Joana se aproximou e disse que assim que eles enchem os sacos

amarram e deixam na Avenida, geralmente nos mesmos pontos. Eu disse que outros

varredores reclamaram sobre essa questão do saco de lixo, ela então afirmou que em seu

trajeto não tinha problema, eles podem deixar os sacos em qualquer ponto da Avenida.

Neste momento um homem se aproximou, cumprimentou Almir e abraçou a Joana, ela

o chamou de “ Corinthiano” ficaram conversando por um tempo, eu e Almir continuamos

andando. Aproveitei a situação e perguntei como era a relação dele com as pessoas ali da

região. Ele informou que era boa, conhecia quase todo mundo, a maioria das pessoas eram

educadas, que nunca teve problema com ninguém.

Joana nos alcançou novamente e então eu perguntei para ela quem era aquele homem,

ela então informou que era o segurança que olhava os carros para algumas lojas, fiz a mesma

pergunta para ela em relação ao relacionamento com as pessoas, Joana compartilhou da

mesma opinião de Almir.

Perguntei para Joana como ela via o seu trabalho:

“ É um trabalho como outro qualquer, tenho meu horário para entrar e para sair, se a

gente faltar a rua vira um lixo só, sou muito querida por algumas pessoas daqui, não tenho

do que reclamar.”

Questionei se ela poderia me dizer como era um dia ruim de trabalho, Joana disse que

seria relacionado a brigas com o companheiro ou com as pessoas, mas que havia muito tempo

que isso não acontecia, seu relacionamento com Almir era bom, mas que no passado isso era

constante com outros companheiros homens e mulheres. Considera-se muito tranqüila e sua

preocupação é fazer seu trabalho. Assim como Almir considera-se uma pessoa com muita fé,

é Católica e vai a Igreja todo sábado, acredita também que a religião é muito importante e que

isto ajuda muito no dia-a-dia.

Era quase meio-dia e a dulpa logo iria parar para almoçar, eu perguntei se poderia

voltar outro dia para acompanhá-los no trajeto e continuar com a conversa, ambos se 29

Page 31: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

colocaram á disposição. Almir pediu para que eu voltasse no dia seguinte, pois queria me

entregar uma água ungida, eu aceitei e agradeci pela ajuda da dupla e me despedi.

Vigia de Rua 28/04/09

Fiquei esperando pela Dupla Joana e Almir no mesmo ponto em que havíamos

combinado, esperei por uns 15 minutos, percorri algumas quadras da avenida, mas não os

encontrei. Decidi conversar com o vigia amigo da dupla.

Fui até ele e me apresentei, informei sobre o trabalho que estou realizando e perguntei

como era o relacionamento dele com a dupla. Corinthiano informou que os conhece há muito

tempo, mais ou menos 3 anos, considera a Joana como sua mãe, que esta é muito doce e

atenciosa, gosta muito de conversar com ela.

Vê o trabalho deles como sofrido, principalmente pela relação com as pessoas, apesar

de ambos serem muito tranqüilos, percebe que muitas pessoas, e alguns lojistas os tratam mal,

ou ignoram, até mesmo explorando, sabem que eles não podem varrer a calçada, mas sempre

arrumam confusão.

“Eles não tem voz ativa para enfrentar a situação, sabe, não respondem, abaixam a

cabeça e continuam o trabalho deles.”

Informou que sempre que pode os ajuda, compra alguma coisa para eles comerem,

água, suco. Quando percebe algum abuso por parte das pessoas ele os defende como pode.

Corinthiano disse que não poderia ficar muito tempo conversando comigo, que tinha

que ficar andando olhando os carros para a loja de roupas. Eu agradeci pelas informações nos

despedimos e fui embora.

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Dupla Jacira e Roberto 05/05/09

1° Encontro

Fiquei esperando pela dupla na esquina da Rua que Corinthiano me indicou, logo os avistei. Aproximei-me da mulher me apresentei e falei a respeito do meu trabalho, perguntei se ela poderia me ajudar. Seu parceiro estava mais adiante puxando o carrinho e logo se aproximou, me apresentei também.Eu disse para ambos que não queria incomodar o trabalho deles que eu poderia acompanhá-los, ambos disseram que não tinha problema, e ficamos parados na esquina da rua.

Logo a mulher se apresentou seu nome é Jacira tem 42 anos e trabalha como varredora há 3 anos. Informou que sempre foi dona de casa e que após uma crise financeira percebeu a necessidade de ter também seu salário. Muito falante e simpática essa fez questão de dizer que gosta de se manter informada, gosta de ler livros e revistas. Disse que foi difícil para se adaptar no começo, sente preconceito por parte das pessoas quando por exemplo entra em uma padaria.

“Parece que as pessoas sentem nojo, elas olham acho que para o Uniforme, as luvas, e se afastam, ou então olham pra gente e acham que vamos pedir alguma coisa”

Jacira informou também, que seu filho mais velho é também varredor, em outro ponto ela faz dupla com ele. O filho está fazendo faculdade, Gestão Ambiental, e pretende futuramente fazer Engenharia Ambiental.

A varredora diz que sente esse trabalho como um outro qualquer, é dele que tira boa parte de seu sustento, algumas pessoas são realmente grosseira, mas procura fazer amizade por onde passa sente-se até mesmo vigiada em alguns momentos pelos moradores:

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“Eles estão sempre de olho no horário que a gente está passando, se está fazendo o percurso todo, as pessoas são engraçadas, tenho mais amizade com um do que com outros, sei onde posso pedir meu copo d´agua”

Jacira contou que quando tem alguma briga com moradores ou transeuntes ela prefere se manter em silêncio, não discutir, afirmou saber do seu trabalho, geralmente as reclamações são porque querem que eles varram as calçadas ou tirem lixo que não é da responsabilidade deles, assim ela diz:

“Eu não tenho obrigações, eu tenho responsabilidades é assim que vejo o meu trabalho, dependendo da situação, ou a forma como a pessoa pede posso até fazer algumas coisas, mas sei o que tenho que cumprir, sei o que tenho que fazer.”

Jacira informou que gosta muito do Fiscal, Ricardo, sente que ele é bem próximo dos trabalhadores, faz de tudo para melhorar a relação entre eles, é sempre solícito quando alguém adoece, é flexível, permite que eles encontrem a melhor forma de trabalharem, desde que cumpram os trajetos.

“Nós aqui podemos parar para tomar um cafezinho, uma água, ele não fica em cima, é bem diferente do Fiscal do Brás, ninguém quer ir para lá, o controle de horário e trajeto lá é muito grande, rígido, aqui não, e todo mundo faz o trabalho.

Outra questão que Jacira abordou foi referente ao uso de protetor, disse que o trabalho é sofrido nesse sentido, pelas condições do ambiente mesmo, que é muito difícil no verão, com muito sol, como essa dupla ainda não vai para o alojamento o protetor é por conta deles, mas que este é muito caro, mas mesmo que eles passassem no alojamento antes de sair para a rua, durante o turno de trabalho o protetor perde sua ação.

Pensa ser ruim, assim como seu parceiro, ter que ir até o alojamento para pegar o material e bater o ponto.

“Vamos perder muito tempo, até esperar o ônibus, vamos ter que fazer tudo correndo depois, eu acho que alguns setores vão ficar sujos, porque temos horário para pegar o ônibus de volta, não sei como vai ser não”

Neste momento Jacira convidou-me para acompanhá-la em dia de trabalho

“Você pode acompanhar eu e meu filho no outro trajeto, só assim você sentiria na pele tudo o que eu digo, eu estou no setor de Bairro, geralmente as mulheres fazem Avenida, porque é mais tranqüilo, mas você pode me acompanhar, sentir o sol, como as pessoas são”

Eu aceitei disse que conversaria com Ricardo sobre a possibilidade do uniforme, Jacira diz que acha engraçado, pois alguns varredores tem ciúmes de seus instrumentos, as pás e vassouras, não gostam de emprestar.

Roberto, seu parceiro, disse que era melhor com o uniforme, porque talvez as pessoas achariam estranho alguém trabalhando sem a roupa.

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Ele tem 40 anos, começou a trabalhar novo no Interior de São Paulo, mas como carpineiro, depois veio para São Paulo, fez pequenos trabalhos como carpinteiro e há 10 anos é varredor

Outra informação que Jacira relatou é que considera interessante quando ela passa sem o Uniforme nos lugares que geralmente passa quando está trabalhando, casa das pessoas, banca de jornal ela diz que os outros não a reconhecem. Neste momento citei o trabalho do Fernando, que ele teve a impressão contrária, ao vestir o uniforme sentiu-se invisível. Jacira comentou que já tinha ouvido falar neste trabalho, que concorda que existe o preconceito por parte das pessoas sim, disse que seu filho acha o trabalho “quase o fim do mundo”, mas que ela sempre diz que é através deste trabalho é que eles tiram o sustento e que ele pode estudar.

Ambos os varredores informaram que para o dia render mais o importante é o relacionamento com o companheiro, pensa que o tempo passa mais rápido se tem conversa se as pessoas se dão bem, sem fazer corpo mole. Mas que é muito difícil, Jacira disse que já trabalhou com uma mulher, mas não gosta, tem muita fofoca e intriga, prefere trabalhar com homens nem que para isso tenha que pegar o setor dos bairros que geralmente é direcionado aos homens.

Estava quase no horário do almoço deles, nos despedimos combinando o próximo encontro que seria agora com o Filho de Jacira.

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Page 35: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

Dupla Osvaldo e Kleber 11/05/09

Encontrei a Dupla próximo à um Hipermercado de um bairro de classe média, me

aproximei e me apresentei, ficamos parados em frente ao Hipermercado.

O primeiro homem se apresentou, seu nome é Kleber, tem 38 anos e trabalha há 7 anos

como varredor, anterior a esse emprego disse que já foi oficial da polícia, fazia serviços gerais

mas ficou por apenas um ano, disse não ter se adaptado ao ambiente, foi pintor, segurança,

auxiliar de serviços gerais, estava desempregado quando surgiu a vaga para varredor viu uma

possibilidade de estabilidade. Disse gostar do trabalho, pois se sente livre, gosta de ficar na

rua e poder controlar o que faz.

Seu Parceiro é o Osvaldo, tem 43 anos e também trabalha há 7 anos como varredor, foi

também pintor, auxiliar de serviços gerais, trabalhou em construção civil e informou que um

dia estava no centro da cidade procurando emprego, viu uma fila em frente á uma Agência de

Emprego e entrou também na fila, só depois descobriu a vaga, preencheu a ficha e está no

Trabalho até hoje.

Neste instante uma moto se aproximou da gente, informaram que era o Fiscal,

Rogério, este me disse que aquele setor era de responsabilidade da Sub Prefeitura de Vila

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Page 36: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

Formosa- Aricanduva. Informei sobre o Trabalho que estava realizando e este brincou

dizendo:

“Ah, você que conversar com trabalhadores, ih, tem que mudar de dupla então”

Todos sorriram.

Rogério começou a falar sobre sua trajetória profissional, disse que antes era motorista

de ônibus de coleta das empresas anteriores, depois surgiu a oportunidade para ser fiscal,

disse que na verdade é registrado como Orientador, mas apenas para receber menos porque o

trabalho é o mesmo.

Falou sobre o seu relacionamento com os trabalhadores, disse que procura ser o

melhor possível, sente que todos eles necessitam de muito apoio e orientação mesmo,

principalmente no alojamento, sempre conversa com sua equipe, sobre tudo com os mais

novos, para não se acomodarem, para fazerem cursos, se especializarem para saírem daquela

situação. Considera o trabalho muito desgastante, sofrido, disse que as empresas não se

importam com o Funcionário, que o preconceito parte primeiramente delas, informou que

todas as empresas que estão relacionadas a limpeza pública é do mesmo dono.

Informou que existe em suas próprias palavras “ muita maracutáia”, propina e o descaso é

muito grande com os trabalhadores, Informou que sempre que tem a oportunidade briga junto

a Coordenação pelos funcionários:

Eu vejo o trabalho deles, conheço a vida de muito

deles, são na maioria pessoas humildes sem muita

instrução, claro que tem os malandros, esses ai a gente

percebe logo, mas eles não sabem muito dos direitos que

tem, pra você ver a empresa deposita só a metade do

nosso fundo de garantia, isso não está certo, vou me

aposentar daqui 4 anos, só quero ver, eu estou indo atrás

dos meus direitos, já estou procurando um advogado, eu

falo para eles fazerem o mesmo.

Informou que o Sindicato ( SIENCO) não faz nada por eles, sobre o fundo de Garantia

disse que informaram para procurar o direito e apenas isso, pensa que o próprio Sindicato

deve ter acordo com a empresa, para tentar fazer o menos possível.

Osvaldo informou que tem 500 reais de FGTS em 3 anos de empresa, fala para os

outros trabalhadores que isso está errado, muitos não entendem e outros tem medo de fazer

algo e perder o emprego.

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Page 37: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

Osvaldo e Kleber informaram que gostariam que os benefícios fossem melhorados,

recebem 5 reais de vale refeição por dia, 129 reais de Vale alimentação, essas coisas deixam

eles desmotivados, fora as situações que enfrentam na rua, como o preconceito das pessoas, as

grosserias.

Rogério disse que as relações pessoais da maioria dos trabalhadores é complicada,

muito deles tem vergonha de dizer que são varredores, principalmente quando vão conhecer

alguma mulher. Eu perguntei se ele teria algum exemplo ou situação para ilustrar o que estava

dizendo, este informou que o seu caso mesmo. Está casado Há 3 anos com uma engenheira da

Sub prefeitura, enfrentou muito preconceito da família da esposa, amigos entre outros.

No começo todos diziam para ela, sai dessa, o cara

dirige caminhão de lixo, não tem nada na vida, você é

muito melhor do que ele. Se comigo é assim imagine com

eles, eu ganho 1200 reais, mas hoje em dia você não é

você, você é o que você tem.

Perguntei para o Kleber se ele vivenciou uma situação parecida, ele disse que não, mas

que a mulher dele trabalha em um laboratório e ganha muito mais do que ele, mas isso entre

eles não é problema.

Osvaldo disse que é mais tranqüilo, mas os trabalhadores mais novos, sofrem sim esse

preconceito, o salário é muito baixo, querem sair e para fazer bonito ás mulheres e os amigos

gastam tudo na “ Balada “ e acabam não tendo nada, e muitos deles não dizem o que fazem

exatamente dizem que fazem serviços gerais para a Prefeitura.

Rogério comentou que procura orientá-los quanto á isso, falou sobre religião, disse

que nesse setor que está não tem muitos problemas, mas que nas outras regiões existem

muitos problemas relacionados ao álcool e as drogas. Ele antes de punir, prefere conversar

com o funcionário, dar conselhos, porque duas suspensões e o funcionário é mandando

embora por justa causa. Outros fiscais são mais rígidos, disse que na região do Brás é bem

complicado.

Rogério comenta:

“Realmente merecem, pois não querem nada com nada, não cumprem os setores

todos, faltam sem justificativas, muito deles tem passagem pela polícia, relatou que fica

chateado, mas que não pode fazer nada se a pessoa não quiser ser ajudada.”

O fiscal também relatou que existe muita informação e exigências trocadas entre as

Sub Prefeituras, que na região da Mooca, são muito rígido quanto ao Uniforme, a do

Aricanduva já não é tanto. Desse que acha ruim a falta de contato direto entre os funcionários 36

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e a empresa, pois ou saem direto de suas casas para os setores, ou vão para os alojamentos,

mas de qualquer forma essa distância prejudica no diálogo ou até mesmo para as chefias

sentirem os problemas.

“Uma coisa é eu chegar e dizer os problemas que tem, outra coisa é eles verem, mas

ninguém ta nem ai, até a assistente social lá na Matriz, fui falar com ela a respeito dos

benefícios, passei até por cima do meu coordenador, e ele deu com os ombros.”

Era quase meio-dia e a dupla informou que estava quase na hora de seu almoço, eu

então me despedi deles, Rogério disse para mim:

“Aproveita bastante essas informações, esses homens precisam de muita ajuda”

Nos despedimos e fui embora, no caminho pensei, eu informei ao Fiscal que gostaria

de conversar com os varredores, este de certa forma foi o porta-voz o tempo todo, quase não

pude dialogar com os próprios, apesar de que as informações que Fabio trouxe completaram

um pouco mais a realidade desses trabalhadores, porém este não permitiu que a dupla se

manifestasse muitas vezes.

Conversa com o Varredor Leandro – Subprefeitura 05/06/09

Conforme o combinado, fiquei aguardando pelo Ricardo na Subprefeitura, este chegou

40 minutos atrasado dizendo que teria uma reunião com a Sandra, responsável pela varrição e

que não saberia se poderia conversar comigo. Apresentou-me um varredor, seu nome é

Leandro e tem 32 anos.

Ficamos conversando no pátio da Subprefeitura próximo à saída dos carros. Este

varredor me contou que morava no Interior da Bahia e que lá passava muita necessidade. Com

23 anos decidiu morar aqui em São Paulo com seu irmão mais velho. Trabalhou como

ajudante de pedreio, ajudante de serralheiro, fez pequenos bicos até que seu cunhado o

indicou para trabalhar como varredor.

Está na empresa há 4 anos, disse que no começo quando chegou em São Paulo tinha

muita dificuldade para encontrar trabalho registrado, quando apareceu a oportunidade de ser

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varredor não pensou duas vezes, porém não gosta do trabalho, no começo demorou para se

acostumar. Atualmente faz o setor do Bairro e uma vez por semana na Subprefeitura.

Segundo disse, ia para o setor já de uniforme e no ônibus percebia que as pessoas não

se sentavam ao seu lado, só quando o ônibus já estava lotado.

“Eu olhava para mim, mas eu não estava sujo, mesmo assim acho que as pessoas

evitam sentar perto, porque quando pegava ônibus com roupa de sair nunca vi acontecer

igual”

Leandro contou que muitos trabalhadores ficam com o uniforme velho e até sujo, em

suas palavras “ Tem gente que é muito relaxada, mas eu não, pode ver” apontando para sua

roupa disse que “não é só porque varre o chão tem que ser sujo como ele”. Disse estar

sempre limpo e perfumado acredita ser melhor assim.

Foi um detalhe que também percebi, o uniforme dele, assim como dos varredores

Kleber e Osvaldo são mais conservados.

O varredor contou também que além do trabalho ser duro não gosta porque mesmo em

dupla sente-se sozinho, já teve muito problemas com outros companheiros, “ cada um é de um

jeito, tem gente que é muito chata, calada, faz coisa errada” Já trabalhou com pessoas que

considerou ruins, viciadas e que enrolam no trabalho. Disse que não se acostuma com o povo

aqui de São Paulo, pois as pessoas são ignorantes e grossas, mas alertou que não tem outro

jeito, que se não fosse esse trabalho possivelmente passaria necessidade.

Contou que já sofreu acidente trabalhando na rua, estava varrendo uma avenida onde

havia muitos carros estacionados, no vão entre um e outro passou uma moto e o atropelou,

Leandro disse que além do motoqueiro não ter parado ainda disse palavrões para ele. Quebrou

o pé, mas recebeu todo o apoio da empresa, não tem do que reclamar.

Também, segundo o que comentou, disse que a maioria das pessoas não gostam do

que fazem, na verdade se acostumam porque não tem outro jeito.

Leandro disse que voltou a estudar no período da noite porque quer melhorar e não

apenas ficar reclamando. Pensa em terminar o ensino médio e fazer curso técnico em

contabilidade, pois gostaria de trabalhar em um escritório, vestido de social, segundo suas

palavras “acho que as pessoas me respeitariam mais”.

Informou que mora sozinho, tem uma namorada que é empregada doméstica e um

filho que ficou na Bahia, contou que futuramente pensa em voltar para sua terra.

Leandro disse que possui um bom relacionamento com as pessoas, com os moradores,

relatou que tem uma senhora que no final da tarde quando ele passa para fazer sua rua ela

sempre espera ele e seu companheiro com pedaços de bolo, oferece suco, contou que faz de 38

Page 40: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

tudo para quem o trata bem, mas para que não trata ele prefere ignorar, nesse sentido

informou que já teve problemas com moradores.

Contou um caso, logo no início quando começou o trabalho, toda vez que passava por

uma rua um menino de uns 10 anos atacava pedras nele e em seu companheiro, até um dia em

que perdeu a paz e foi ameaçar o menino correndo atrás dele.

Na semana seguinte o pai deste menino foi para cima dele, o ameaçando e

humilhando, segundo ele o homem disse “Você não é ninguém para fazer isso, é um burro

que só serve para varrer rua” O homem ligou para a subprefeitura e reclamou sobre ele,

contou que foi suspenso e mudaram ele de setor.

Contou também que é bem melhor trabalhar em setor de bairro mais pobre, pois as

pessoas são mais próximas.

Depois desse episódio disse que entendeu que não adianta brigar, por mais que o

Ricardo seja legal os patrões mesmo não querem saber e em suas próprias palavras “Trocam a

gente como se a gente fosse roupa suja”

Segundo o que Leandro pensa comentou que deve ser assim em outro lugares, pois sua

namorada sempre tem problemas com as patroas, contou que toda vez que perdem alguma

coisa elas sempre pensam que foi a namorada dele.

Para almoçar disse que prefere guardar o vale refeição e geralmente leva marmita,

deixa em um bar em que o dono é seu amigo e na hora do almoço volta lá para comer, disse

que tem bom relacionamento com os freqüentadores do bar que até jogam bola de vez em

quando nos finais de semana.

Leandro me informou que já estava na hora de ir embora, agradeci por nossa conversa

e nos despedimos.

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Page 41: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

Dupla Jacira e Roberto 16/06/09

2° Encontro

Percorri algumas ruas conhecidas do trajeto da dupla, os avistei ao longe sentados ao lado de um Sacolão em uma Avenida. Fiquei observando estavam almoçando, os dois sentados em um caixote na calçada em meio à verduras e frutas, ao lado conversavam com um camelô.

Quando percebi que os dois haviam terminado de almoçar os alcancei mais adiante na avenida, me aproximei e cumprimentei. Jacira ficou surpresa e disse que eu estava sumida, reclamando que queria me ver de uniforme. Perguntou como eu estava e como estava o

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Page 42: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

trabalho. Eu disse que havia conversado com outras duplas, e que tinha um tempo que estava tentando encontrá-la novamente, mas nossos horários não batiam.

Pedi para que eles continuassem o trabalho, começamos a andar, Jacira disse que estava com um pouco de preguiça, pois havia acabado de almoçar, perguntei então onde ela havia almoçado. Neste momento ela olhou para trás e apontou para o local dizendo “ No curralzinho” Eu então perguntei porque “ curralzinho?” Jacira sorriu, Roberto permaneceu em silêncio, e então ela disse “ E não é onde os bichos comem?!” No mesmo instante disse que era brincadeira, mas que lá parecia uma fazendo, pelos caixotes de alface e tomate.

Jacira contou que pela manhã eles deixam a marmita com o pessoal do Sacolão, próximo ao horário do almoço eles voltam e a Rosana já colocou as marmitas deles no banho maria, mas eles não comem na cozinha deles. “Ah, já são muito bacanas em esquentar nossa comida” disse Jacira.

Mais a frente no caminho, presenciei um lojista reclamando com a dupla, ele saiu da loja e falou em tom áspero e com a voz alterada que a frente da sua loja estava um lixo, que eles sempre passavam lá e o lixo ficava. Roberto respondeu que eles estavam varrendo. O homem mesmo assim continuou reclamando, os dois permaneceram em silêncio, varrendo e ignorando aquele ato, quando o homem se deu conta da minha presença, parou de falar, olhou por alguns momentos e entrou em sua loja.

Roberto me disse que quase sempre é a mesma coisa, a frente da loja dele sempre tem carros parados, que é difícil varrer entre os vãos, que eles ficam sem saída, pois podem riscar os carros ao tentar tirar todo lixo, informou que na maioria das vezes é melhor ouvir o homem falar, mas não prejudicar ninguém. Contou que este é o único lojista daquela área que os trata assim, não tem do que reclamar quanto aos outros que são simpáticos.

Jacira informou que aquele era o último dia que estaria com Roberto, trocaria o parceiro para ficar em todos os setores com o filho. Combinamos então que na próxima semana eu os acompanharia desde cedo, do ponto de partida deles até o final. Jacira sorriu e perguntou se eu iria de uniforme. Contei o que o Ricardo havia me dito sobre as questões de segurança e que não seria possível. Agradeci pela conversa e me despedi da dupla.

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Page 43: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

Dupla Jacira e André 19/06/09

Encontrei Jacira e seu filho trabalhando próximos à Avenida, os observei por alguns

instantes antes de me aproximar. Ambos pareciam alegres e percebi que estavam caminhando

rápido. Um ritmo mais acelerado do que com seu outro parceiro, Roberto.

Logo que me aproximei Jacira sorriu e disse: “Achei que não iria te ver tão cedo por

aqui.” Me apresentou seu filho, André. Perguntei sua idade e como começou a trabalhar como

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Page 44: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

varredor. André revelou que tem 19 anos e trabalha como varredor há um ano, mas que antes

prestava serviço junto ao pai que é responsável por obras de saneamento básico.

Conta que se sentiu enganado pelo pai, pois quando surgiu a oportunidade da vaga o

pai lhe havia dito que era para trabalhar como fiscal. Quando entrou o pai disse que era pra

esperar até conseguir a vaga. No começo ficava apenas nas praças, o trabalho era fácil, mas

depois foi mandando para as ruas. “Foi muito difícil no começo, cheguei a trabalhar na rua de

casa, as pessoas comentavam sabe? – pelo menos não é vagabundo como os outros dessa rua.”

André comentou que com o tempo foi se acostumando, foi melhor quando começou a

trabalhar com a mãe, os dois se entendem melhor. Jacira, neste momento complementa que a

relação entre os varredores é muito complicada, muitos têm inveja deles:

Pelo meu marido ter contato com a empresa, a

gente teve certos privilégios para entrar, meu filho ficou

pouco tempo como carpineiro, logo já era varredor, isso

geralmente não acontece, a carpinagem é bem sofrida,

mais pesada e também quando a gente entrou foi pra

tapar o buraco, tinha um pessoal que estava de férias na

época em que a empresa nova entrou, então colocaram a

gente no lugar desse pessoal, mas eles também não

voltaram na data certa para a recontratação, então

perderam.

Continuamos andando pelas ruas, o sol estava bem quente pela manhã, André

comentou que quando está com a mãe eles geralmente param pouco para poderem chegar em

casa mais cedo. Comentou que está fazendo faculdade, Gestão Ambiental, e que a única coisa

que acha ‘boa’ no trabalho de varredor é que tem tempo para fazer seus trabalhos, pois chega

cedo em casa, fica na internet e não ganha ‘tão mal assim.’ Jacira completou dizendo que a

melhor sensação era poder passar em frente a uma loja e saber que tem dinheiro para comprar

algo se quiser, comentou também que “se o cara tiver cabeça boa, com nosso salário consegue

até sua casinha própria.”

Perguntei para André se em sua sala as pessoas sabiam sobre seu trabalho, o varredor

então comenta que não diz exatamente, comenta apenas que presta serviço para a prefeitura,

questionei o por quê de não revelar, André então diz que as pessoas tem precoceito e fica com

vergonha de dizer para as pessoas:

É engraçado, mas uma vez uma senhora me disse

na rua depois que peguei a sacola dela que caiu no chão: 43

Page 45: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

Nossa, que pena, um menino tão bonito, tão novo, você

estuda?...Mal ela sabe que estou quase me formando em

Gestão Ambiental, sou bem diferente dos outros

varredores.

Sobre os ‘outros varredores’ André comenta que a maioria é ‘acomodada’, a empresa

oferece pouco aprimoramento profissional, palestras, mas também quando tem ninguém se

interessa.

Perguntei para Jacira o trajeto que fariam naquele dia, ela me mostrou um mapa com

as ruas, comentou que logo dariam uma parada, pois estava muito quente e ‘uma água não

faria mal’. André relutou dizendo que precisava ir para casa logo. Neste momento Jacira

comentou que na maioria das vezes prefere chegar mais cedo e fazer tudo rápido sem parar

para sair mais cedo, por volta do meio-dia ou um pouco mais. Quando pensei sobre as ruas

que ainda faltavam me dei conta de que mesmo se eles fizessem o trabalho o mais rápido

possível e sem parar não conseguiriam sair nesse horário.

Paramos para tomar água em um comercio, o balconista já os conhecia e fez questão

de colocar um pouco de gelo no copo com água que havia oferecido para a dupla, ficamos por

uns 5 minutos no local e logo retornaram ao trabalho.

Jacira perguntou para mim se eu tinha percebido que uma senhora ficou olhando para

eles, eu então respondi que não, Jacira afirmou que aquela senhora não gostava deles. Mora

na rua do comércio em que entramos, Jacira comentou que aquela senhora vive vigiando eles,

a varredora comenta que não gosta de se sentir vigiada. Pergunto porque ela acredita que

aquela senhora não gosta dela. Jacira responde:

pelo jeito que ela me olha, e outra coisa, uma vez,

ou jogaram um cachorro morto em frente a casa dela, ou

o bicho morreu lá mesmo, não sei, e a mulher queria

porque queria que a gente tirasse o cachorro dali, eu não

sou paga para isso, discutimos um pouco sabe, mas eu me

recusei, então meu outro parceiro, tirou o cachorro da

porta dele, era pequeno até, andamos com aquele

cachorro no carrinho até o ponto em que deixamos o saco

de lixo, quando o fiscal passou a gente avisou.

Jacira comenta que existem muitas pessoas grosseiras, mas que também tem muita

amizade por onde passa, sente-se mal quando percebe que as pessoas ficam olhando para o

uniforme, para a luva a acham que vai pedir alguma coisa, porem a varredora relata:44

Page 46: Quem são eles ? Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de São Paulo

Tem um barzinho no outro bairro que eu faço no

sábado, a dona é muito amiga minha, eu chego logo pela

manhã e ela me dá café com leite e pão na chapa, em

troca eu varro a calçada dela, pego os sacos de lixo e

mais outras coisas, ai não custa nada né? Ela é legal

comigo, nunca teve um acordo, ela que me via e oferecia o

café, então passei a ajudar também.

Continuamos pelo trajeto e percebi que pulamos algumas das ruas que estava no mapa

e em outros momentos percebi que Jacira varria apenas um lado da rua, questionei sobre isso

e a varredora respondeu: “Ah, agente sabe como fazer, não dá pra fazer isso sempre, já te

disse, os vizinhos ficam de olho grande na gente, um dia a gente pula uma, na outra vez a

gente pula outra e vai revezando” André comentou que assim dá pra aproveitar mais o dia e

aliviar o cansaço da rotina.

A dupla revelou que existe um acordo informa entre os varredores, que em hipótese

alguma devem sair de seus trajetos com o uniforme, principalmente fora do horário. Tal dado

foi revelado porque comentei que um dia peguei um ônibus por volta das 11h30 da manhã e

me sentei ao lado de um varredor. André comentou:

“Ai não pode né? O cata ta queimando a gente, o que um varredor ta fazendo as

11h30 dentro de um ônibus? Todo mundo tem seus esquemas sabe? É por causa desses ai que

a gente se ferra, se um fiscal da prefeitura pega, já era.”

Fui com os varredores até o posto de gasolina onde eles guardam o carrinho, os

materiais e trocam de roupa. Jacira comentou que foi ela que pediu o lugar e que deram até

um armário velho para eles guardarem a roupa, o fiscal já sabe desse lugar e deixa sempre os

matérias para eles lá. Depois que se trocou Jacira comentou: “Tá vendo, nem pareço mais

aquela mulher que você tava conversando”. Nos despedimos e fui embora.

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