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1 Boletim da Associação Mineira de Psiquiatria • O-QNP OquedeNovo emPsiquiatria Federada a __________________ Boletim Oficial da Associação Mineira de Psiquiatria | AMP Número 2 | Vol. 1 12/06/2012 A CORTISOLEMIA PODE AJUDAR NA AVALIAÇÃO DO EPISÓDIO MANÍACO O que há de novo em Transtorno Afetivo Bipolar Rodrigo Machado-Vieira e Wagner F Gattaz | PÁGINA 3 BASES CEREBRAIS PARA UMA VISÃO DIMENSIONAL DO TDAH O que há de novo em Pedopsiquiatria Arthur Kummer | PÁGINA 4 O NOVO BOLETIM DA AMP Leitura fácil, textos com discussões atuais e temas abrangentes, esse é o boletim da Associação Mineira de Psiquiatria. Saiba O que há de novo em Psiquiatria. PERFIL DE EFETIVIDADE E SEGURANÇA DOS ANTIPSICÓTICOS ATÍPICOS EM OUTROS TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS O que há de novo em Psicofarmacologia Filipi Leles da Costa Dias | PÁGINA 5 ________________________ EXAMES DE IMAGEM COMO MARCADOR PROGNOSTICO DE UM PRIMEIRO SURTO PSICÓTICO O que há de novo em Neuroimagem Helio Lauar e Cynthia Guedes Alvim | PÁGINA 6 ________________________ UMA VACINA É A ESTRATÉGIA FARMACOLÓGICA MAIS PROMISSORA PARA O TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA À COCAÍNA O que há de novo em Adictologia Frederico Duarte Garcia | PÁGINA 7 ________________________ QUAIS OS RISCOS DA EXPOSIÇÃO PRÉ-NATAL A COCAÍNA E O QUE FAZER NESTES CASOS O que há de novo em Adictologia Heloise Delavenne Garcia | PÁGINA 8 Boletim_OQNP_AMP_Numero2.indd 1 08/06/2012 14:47:12

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1 Boletim da AssociaçãoMineira de Psiquiatria • O-QNP

OqueHádeNovoemPsiquiatria Federada a__________________

B o l e t i m O f i c i a l d a A s s o c i a ç ã o M i n e i r a d e P s i q u i a t r i a | A M PNúmero 2 | Vol. 1

12/06/2012

A CORTISOLEMIA PODE AJUDAR NA AVALIAÇÃO DO EPISÓDIO MANÍACOO que há de novo em Transtorno Afetivo BipolarRodrigo Machado-Vieira e Wagner F Gattaz | PÁGiNa 3

BASES CEREBRAIS PARA UMA VISÃO DIMENSIONAL DO TDAHO que há de novo em PedopsiquiatriaArthur Kummer | PÁGiNa 4

O NOvO bOLEtim da amP Leitura fácil, textos com discussões atuais

e temas abrangentes, esse é o boletimda Associação Mineira de Psiquiatria.Saiba O que há de novo em Psiquiatria.

PERFIL DE EFETIVIDADE E SEGURANÇA DOS ANTIPSICÓTICOS ATÍPICOS EM OUTROS TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOSO que há de novo em PsicofarmacologiaFilipi Leles da Costa Dias| PÁGiNa 5

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EXAMES DE IMAGEM COMO MARCADOR PROGNOSTICO DE UM PRIMEIRO SURTO PSICÓTICOO que há de novo em NeuroimagemHelio Lauar e Cynthia Guedes Alvim| PÁGiNa 6

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UMA VACINA É A ESTRATÉGIA FARMACOLÓGICA MAIS PROMISSORA PARA O TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA À COCAÍNAO que há de novo em Adictologia Frederico Duarte Garcia| PÁGiNa 7

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QUAIS OS RISCOS DA EXPOSIÇÃO PRÉ-NATAL A COCAÍNA E O QUE FAZER NESTES CASOSO que há de novo em Adictologia Heloise Delavenne Garcia| PÁGiNa 8

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2 Boletim da AssociaçãoMineira de Psiquiatria • O-QNP

DIRETORIA EXECUTIVA

PRESIDENTEMaurício Leão de Rezende

VICE-PRESIDENTEHumberto Correa da Silva Filho

SECRETÁRIO GERALAlexandre de Aguiar Ferreira

SECRETÁRIO ADJUNTOHelian Nunes de Oliveira

TESOUREIRO GERALAntônio Marcos Alvim Soares Júnior

TESOUREIRO ADJUNTOPaulo Roberto Repsold

COMISSÕES

COMISSÃO CIÊNCIA E ENSINOCoordenadorMarco Aurélio Romano SilvaSuplenteFernando Silva Neves

COMISSÃO DE EXERCÍCIO PROFISSIONALCoordenadoraSandra Maria Melo CarvalhaisSuplentePaulo de Tarso Rodrigues Alves Affonso

COMISSÃO DE PUBLICAÇÃO E DIVULGAÇÃOCoordenadoraGilda Maria Paoliello NicolauSuplenteHelio Lauar de Barros

COMISSÃO DE RELAÇÕES SOCIAISCoordenadoraMarília Brandão Lemos MoraisSuplenteFrancisco José dos Reis Goyatá

COMISSÃO DE SAÚDE MENTALCoordenadoraMaria Cristina Oliveira ContigliSuplenteLuciana Nogueira de Carvalho

COMISSÃO DE FORMAÇÃO CONTINUADACoordenadorRodrigo NicolatoMembrosArthur KummerDante GalileuFrederico GarciaGustavo KasherMaila CastroTiago Couto

EXPEDIENTEEdiçãoFrederico Duarte GarciaMaurício LeãoHumberto Correa Gilda Maria Paoliello NicolauHelio Lauar de Barros

Membros do Corpo EditorialArthur KummerDante GalileuFernando NevesHumberto CorreaMarco Aurélio Romano SilvaRodrigo NicolatoTiago Couto

Projeto gráfico e diagramaçãoWagner Perche

Tiragem1000 exemplares

ISSN

AMP | Associação Mineira de PsiquiatriaAvenida João Pinheiro, nº 161 Sala T08.Centro - 30130-180 - Belo Horizonte - MGTelefone 31 (31) 3213-7457www.ampmg.org.br

OqueHádeNovoemPsiquiatriaBoletim Oficial da Associação Mineira de Psiquiatria | AMP

Editorial

A Psiquiatria se viu por décadas dividida por debates em torno da primazia da mente versus cérebro, do biológico versus psíquico.

Hoje, sabemos que nada mais falso do que esse debate. Nosso substrato biológico, gerando nossa psiquê, é por ela moldado e modificado. Uma rela-ção dialógica se estabelece entre nosso cérebro, que produz nossos pensamentos, nossas emoções nos-sos comportamentos e, ao mesmo tempo, por eles é reconstruído. Há não muito tempo, na história da psiquiatria, era difícil imaginar como nossos genes influenciavam nosso comportamento, nossos senti-mentos, nossas emoções.

Mas hoje sabemos, que, além disso, esses mesmos genes estão em constante modificação, provocados pelos eventos de nossa vida, pelo nosso próprio comportamento (e as reações por ele provocadas no “outro”), pelos próprios pensamentos e emo-

ções por eles produzidos. Hoje, sabemos que uma boa psicoterapia pode alterar de forma profunda, o funcionamento de nossos genes, a plasticidade neu-ronal, e assim, nosso comportamento, nossa psiquê. Hoje sabemos que Mente-Cérebro é uma única e complexa entidade.

Nesse número do OQNP, que será lançado ao mesmo tem Congresso da Associação Mineira de Psiquiatria, aproveitamos para discutir um pouco mais sobre os mais novos resultados dentro deste intrigante tema. Convidamos colegas colegas e pesquisadores de mi-nas e de outros estados para discutir essas questões, sem perder de foco o interesse maior do OQNP, que é fazer uma atualização científica de qualidade feita

por psiquiatras, para psiquiatras.

____________________________________________

Maurício Leão Humberto CorreaPresidente da AMP Vice-presidente da AMP

O Que Há de Novo em Psiquiatria Geraes

Chegamos à segunda edição do OQNP. Esse número será lançado junto ao Congresso Mineiro de Psiquia-tria e traz alguns textos abordando temas atuais e inovadores dentro da psiquiatria.

Destacando a importância da prevenção nas depen-dências químicas, a Doutora Heloise Delavenne abor-da as os riscos da exposição intra-uterina à cocaína e aponta algumas diretivas para a prevenção das pos-síveis consequências nas crianças expostas à droga.

Sobre diagnóstico e prognóstico temos os resultados de pesquisa dos Professores Rodrigo Machado-Viei-ra e Hélio Gattaz, que apontam para uma utilidade clínica da cortisolemia na avaliação prognóstica do transtorno bipolar. Seguindo a mesma linha de ava-liação e prognóstico, o Professor Lauar mostra que

novos dados de neuroimagem sugerem fortemente que em algum tempo poderemos utilizar este tipo de exame em pacientes com um primeiro episódio esquizofrênico.

Abordando a terapêutica, o Doutor Filipi Leles mostra que, apesar das evidências ainda não serem conclusi-vas, os antipsicóticos atípicos podem ser usados com eficácia e segurança em outras indicações que aque-las para as quais eles foram inicialmente aprovados.

Mais uma vez asseguramos a qualidade técnica e didática do nosso boletim e esperamos que vocês gostem e aproveitem ao máximo o OQNP.

____________________________________________

Frederico GarciaEditor

A Psiquiatria se viu por décadas dividida por debates em torno da primazia da mente versus cérebro, do biológico versus psíquico.

Hoje, sabemos que nada mais falso do que esse debate. Nosso substrato biológico, gerando nossa psiquê, é por ela moldado e modificado. Uma rela-ção dialógica se estabelece entre nosso cérebro, que produz nossos pensamentos, nossas emoções nos-sos comportamentos e, ao mesmo tempo, por eles é reconstruído. Há não muito tempo, na história da psiquiatria, era difícil imaginar como nossos genes influenciavam nosso comportamento, nossos senti-mentos, nossas emoções.

Mas hoje sabemos, que, além disso, esses mesmos genes estão em constante modificação, provocados pelos eventos de nossa vida, pelo nosso próprio comportamento (e as reações por ele provocadas no “outro”), pelos próprios pensamentos e emo-

ções por eles produzidos. Hoje, sabemos que uma boa psicoterapia pode alterar de forma profunda, o funcionamento de nossos genes, a plasticidade neu-ronal, e assim, nosso comportamento, nossa psiquê. Hoje sabemos que Mente-Cérebro é uma única e complexa entidade.

Nesse número do OQNP, que será lançado ao mesmo tem Congresso da Associação Mineira de Psiquiatria, aproveitamos para discutir um pouco mais sobre os mais novos resultados dentro deste intrigante tema. Convidamos colegas colegas e pesquisadores de mi-nas e de outros estados para discutir essas questões, sem perder de foco o interesse maior do OQNP, que é fazer uma atualização científica de qualidade feita

por psiquiatras, para psiquiatras.

____________________________________________

Maurício Leão Humberto CorreaPresidente da AMP Vice-presidente da AMP

OqueHádeNovoemPsiquiatriaAcesse o boletim na internet | www.OQuEHadENOvOEmPsiQuiatria.cOm.br

Leia na integra todos os texto desta edição e encontre as referências para os artigos publicados no OQNP.

Federada a__________________

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3 Boletim da AssociaçãoMineira de Psiquiatria • O-QNP

O que há de novo em transtorno afetivo bipolar

O nível de cortisol sérico pode ajudar a diferenciar pacientes no episódio maníacoRodrigo Machado-VieiraChefe, Grupo de Transtornos de Humor, Laboratório de Neurociências, LIM27, IPq, USP; Professor do Programa de Pós-Graduação em Psiquiatria, USP

Wagner F. GattazProfessor Titular e Presidente do Conselhor Diretor, Departamento de Psiquiatria, USP; Diretor do Laboratório de Neurociências, LIM27, Instituto de Psiquiatia, USP

Alterações no eixo hipotalâmico-hipofi sário-adrenal (HPA) têm sido amplamente descritas na fi siopatogenia do Transtorno Bipolar, porém pouco se conhece sobre a regulação deste eixo associadas a grupos de sintomas es-pecífi cos. Um estudo recente de nosso grupo identifi cou subtipos de sintomatologia maníaca associados a altera-ções neurobiológicas específi cas.

Nosso estudo publicado recentemente no Journal of Af-fective Disorders avaliou uma amostra de pacientes bi-polares nunca medicados em primeiro episódio maníaco, grupo este especialmente relevante quando se estuda neurobiologia em face da ausência de varáveis confun-didoras como tempo e evolução de doença, efeito farma-cológico e outras.

Níveis mais elevados de cortisol (e potencialmente maior ativação do eixo HPA) foram observados em pacientes com quadro maníaco disfórico, com predomínio de irritabilida-de, enquanto que pacientes com quadro maníaco clássico, com predomínio de humor eufórico e elação, apresenta-ram níveis mais baixos de cortisol. Assim, mesmo não foi observada relação com a severidade global do episódio maníaco, o aumento de cortisol foi associado com a apre-sentação clínica que pode predizer o prognóstico.

Este achado enfatiza o que vem sendo preconizado recen-temente por instituições de renome internacional como o National Institutes of Health, dos Estados Unidos, que sugere a importância de se tentar direcionar no futuro o diagnóstico clínico com base na identifi cação de grupos de pacientes com achados neurobiológicos similares. As-sim, este contexto apresentado neste nosso estudo, refor-ça o conceito pode prover ao diagnóstico clínico um po-tencial maior valor preditivo quando da decisão sobre o melhor tratamento da cada paciente. Neste sentido, pode ser mais bem inserido no conceito moderno de medicina personalizada com foco em psiquiatria.

Sugere-se que o cortisol possa ajudar na identifi cação e diferenciação de quadros maníacos com predomínio de irritabilidade, sintomas atípicos e ansiedade de outros com predomi-nância de sintomas maníacos inseri-dos no quadro clássicos. Além disso, a medida do cortisol pode ajudar na tomada de decisão quanto a escolha da farmacoterapia para cada caso.

Assim, achados neurobiológicos fo-cados na avaliação de grupos ou sub-tipos de sintomas como aqui exem-

plifi cados pelo cortisol, poderão também ajudar a defi nir abordagem terapêutica. Os quadros com predomínio de disforia tendem a apresentação maior prevalência de ci-clagem rápida, quadros mistos e pior resposta ao lítio.

Nos quadros maníacos, assim como observado com corti-sol, outros estudos tem visado identifi car perfi s neurobio-lógicos poderão prover dados para apoiar uma adequação do paradigma clínico para o DSM-5, associando uma abor-dagem dimensional ao tradicional diagnóstico categórico para estudos neurobiológicos no Transtorno Bipolar. A importância de do estudo da neurobiologia dos estados maníacos disfóricos vem de encontro ao anúncio recente da Associação Americana de Psiquiatria defi nindo que o DSM-5 incluirá no diagnóstico de mania um especifi cador misto, sendo item defi nido como “disforia proeminente”.

Este achado de aumento de cortisol na disforia pode estar relacionado à hiperatividade do eixo HPA, diminuição dos receptores glucocorticóides e menor feedback negativo no sistema, reforçando o conceito de estudos anterio-res sugerindo que mania disfórica pode ser um estado afetivo distinto. O cortisol sérico pode auxiliar a diferen-ciar pacientes no episódio maníaco, no contínuo entre a normalidade até a doença e os diversos níveis e subtipos clínicos na doença. Mesmo sendo um mar-cador pouco específi co, modulado por inúmeras variáveis ambientais num sistema complexo como o eixo HPA, este resultado sugere que mania disfórica pode ser uma forma biológica atípica e talvez mais severa da doença com maior impacto neurobiológico e sensibi-lidade ao estresse biológico.

Rodrigo Machado-Vieira

Wagner F. Gattaz

Plasma cortisol in fi rst episode drug-naïve mania: differential levels in euphoric versus irritable mood. J Affect Disord. 2012 Apr;138(1-2):149-52.

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4 Boletim da AssociaçãoMineira de Psiquiatria • O-QNP

O que há de novo em Pedopsiquiatria

bases cerebrais para uma visão dimensional do tdaHArthur KummerProfessor de Psiquiatria da Universidade Federal de Minas Gerais

Os transtornos psiquiátricos costumam se apresentar dentro de uma grande dimensão sintomatológica, com áreas “cinzentas” entre a ausência de doença e os quadros claramente patológicos. Os sintomas do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) também se situam dentro de um grande con-tinuum de gravidade, sem limites precisos entre o transtorno e a normalidade.

Os estudos de neuroimagem realizados até recente-mente revelavam diferenças estruturais e funcionais no cérebro de pessoas com TDAH. Entretanto, esses trabalhos frequentemente lançam um olhar categorial sobre o TDAH, sem atentar para o espectro de gravi-dade do transtorno. Shaw et al., em um dos trabalhos mais importantes de 2011, tentaram revelar justamen-te a relação entre o continuum de apresentação de sin-tomas do TDAH e sua base neurobiológica (1).

Os pesquisadores focaram seu estudo apenas sobre os sintomas de hiperatividade e impulsividade. Como se sabe, os sintomas que definem o TDAH (i.e.: de-satenção, hiperatividade e impulsividade) possuem trajetórias desenvolvimentais diferentes. Além disso, os sintomas podem ocorrer de modo independente, dando origem a subtipos de TDAH de acordo com a predominância desses sintomas. Com relação à hi-peratividade/impulsividade, esses sintomas podem ser vistos como resultado de um transtorno do de-senvolvimento do controle impulsional e da ativida-de motora. Conceber o TDAH como um transtorno desenvolvimental nos auxilia a entender o porquê de haver tantas comorbidades (desenvolvimentais, ressalte-se), como transtornos de aprendizagem, de coordenação motora e autismo.

Shaw et al. estiveram particularmente interessados em avaliar a taxa de afilamento cerebral no cérebro de crianças com TDAH e com desenvolvimento normal, nas quais os sintomas de hiperatividade/impulsivida-de se apresentam em um continuum de gravidade, ainda que subclínicos. Durante o desenvolvimento cerebral, há um período no início da infância em que a espessura cortical aumenta até atingir um pico. Esse

pico é atingido mais tardiamente pelas crianças com TDAH. Posteriormente, o cérebro entra em uma fase em que ocorre uma diminuição progressiva da espes-sura cortical. Estudos anteriores mostraram que essa trajetória de adelgaçamento cortical ocorre de modo atrasado nas crianças e adolescentes com TDAH. In-clusive, alguns autores consideram a possibilidade de que um certo número de pessoas com TDAH pode-riam ficar livre dos sintomas ao final da adolescência, quando a maturação cerebral dessas pessoas se apro-ximasse das pessoas sem TDAH. Apesar de isso ainda ser bastante controverso, sabe-se que pelo menos os sintomas de hiperatividade tendem realmente a remi-tir com a entrada na adolescência em uma proporção significativa dos pacientes.

Os autores fizeram um estudo longitudinal de 193 crianças com desenvolvimento típico e 197 crianças com TDAH. As imagens de ressonância magnética fo-ram realizadas com intervalo temporal irregular, de modo que foi possível construir modelos estatísticos que explicassem a relação entre a taxa de afilamen-to cortical e outras variáveis individuais, como idade e sintomas de hiperatividade/impulsividade. Como resultado, observou-se uma correlação inversa entre a gravidade de sintomas e a taxa de afilamento cor-tical, particularmente do córtex pré-frontal (dorsola-teral, medial e órbito-frontal). Ou seja, quanto mais graves os sintomas de hiperatividade/impulsividade, maior o atraso na maturação cerebral. As crianças e adolescentes com TDAH tinham a taxa mais lenta de afilamento cortical.

Esse é, portanto, o primeiro estudo a exibir uma base neurobiológica para a apresentação clínica dimensio-nal dos sintomas de hiperatividade/impulsividade. Além disso, reforça a visão do TDAH como um transtor-no do neurodesenvolvimento. Entretanto, os exames de neuroimagem ainda não possuem utilidade clínica para o diagnóstico de TDAH. Esses trabalhos são im-portantes para compreendermos melhor o transtorno com o qual lidamos cotidianamente, mas uma boa for-mação clínica ainda é essencial para o diagnóstico e tratamento adequados do TDAH.

PONTOS FORTES

O TDAH se apresenta em um grande continuum de gravidade.

A taxa de afilamento cortical é um marcador de maturação cerebral.

A gravidade dos sintomas de TDAH é inversamente propor-cional à taxa de afilamento cor-tical, particularmente do córtex pré-frontal.

O TDAH é um transtorno do neu-rodesenvolvimento caracteriza-do por um atraso na maturação de certas regiões cerebrais.____________________________1- Shaw P, Gilliam M, Liverpool M, Weddle C, Malek M, Sharp W, Greenstein D, Evans A, Rapoport J, Giedd J. Cortical develop-ment in typically developing children with symptoms of hyperactivity and impulsivity: support for a dimensional view of atten-tion deficit hyperactivity disorder. Am J Psychiatry 2011; 168:143-151.

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5 Boletim da AssociaçãoMineira de Psiquiatria • O-QNP

O que há de novo em Psicofarmacologia

Qual o perfil de efetividade e segurança dos antipsicóticos atípicos em transtornos para os quais seu uso não é aprovadoFilipi Leles da Costa DiasMédico Psiquiatra, Mestre em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto – Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais

O uso de antipsicóticos atípicos ou de segunda geração (ASG) para condições em que não há aprovação das agên-cias reguladoras tem aumentado consideravelmente nos últimos anos. São esparsas e, até o momento insuficien-tes, as informações sobre a efetividade e a segurança do uso de ASG para determinadas condições tais como os sintomas comportamentais e psicológicos da demên-cia (BPSD), transtornos ansiosos, transtorno obsessivo--compulsivo (TOC), transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), transtornos alimentares, de personalidade e de abuso de substâncias.

Diante desse cenário, pesquisadores da Califórnia fizeram uma revisão sistemática e meta-análise de ensaios clíni-cos que avaliaram ASG nas citadas condições, concernindo tanto sua eficácia quanto sua segurança (1). Foram ava-liados 162 ensaios clínicos para medida de eficácia e 231 estudos observacionais para avaliação de efeitos adversos.

A eficácia sobre os BPSD foi avaliada em três aspectos: melhora do escore global, dos sintomas psicóticos e da agitação. Apesar do pequeno tamanho de efeito, aripi-prazol, olanzapina e risperidona atingiram significância estatística e mostraram-se eficazes no tratamento destes sintomas, mas não se conseguiu evidenciar diferenças entre as drogaste.

No tratamento do transtorno de ansiedade generalizada, somente a quetiapina (em doses que variaram de 50 a 300mg/dia) mostrou ser eficaz, aumentando 26% a chan-ce de resposta ao tratamento. Quando em dois estudos ela foi comparada com escitalopram e com paroxetina, ela foi igual ou mais eficaz que estes antidepressivos.No tratamento do TOC, a risperidona em doses de 0,5 a 2,25mg/dia prescrita com o tratamento usual aumenta 4 vezes a chance de resposta. O somatório dos dados sugere um benefício à adição de quetiapina, contundo não alcançou significância estatística, o que os autores atribuíram a heterogeneidade das amostras estudadas. Esta mesma droga em um estudo, quando comparada à clomipramina no aumento de inibidores seletivos da recaptação de serotonina, mostrou-se superior a este já consagrado tratamento.

Outras condições que foram alvo de um número menor de estudos tiveram resultados inconclusivos. Ainda assim mostrou-se não haver evidência que justifique o uso de

olanzapina no tratamento de transtornos alimentares, nem de outros ASG em transtornos de abuso de subs-tâncias. Para o tratamento de transtornos de personali-dade as evidências são conflitantes, mas em contraste, evidenciou-se grau moderado de evidência para o uso de risperidona no TEPT.

Os efeitos adversos relacionados aos ASG em idosos de-menciados recebem mais atenção desde 2005, quando o FDA, agência reguladora norte-americana, lançou um aviso do aumento da mortalidade naqueles usando a dro-ga ativa quando comparada ao placebo. Os autores do trabalho em estudo encontraram mais duas grandes coor-tes que confirmaram estes achados. Além do aumento na mortalidade, encontrou-se ainda associação entre o uso de risperidona e olanzapina com sintomas cardiovascu-lares, edema, vasodilatação, sintomas extrapiramidais e aumentos no apetite e no peso, sendo a primeira ainda implicada em maior risco de acidente vascular cerebral. Risperidona, olanzapina e quetiapina se relacionaram a sintomas do trato urinário, a declínio cognitivo e a seda-ção, sendo este último relacionado também ao aripipra-zol. Comparando-se as drogas individualmente, olanzapi-na demonstrou maior chance de sintomas neurológicos como tonteira e convulsões do que risperidona.

Em pacientes não idosos o perfil de efeitos colaterais en-contrado se mostra semelhante. Aripiprazol, quetiapina, risperidona e olanzapina se relacionaram ao aumento de peso, com destaque para a última droga, que também foi ligada ao diabetes. Todos os ASG se associaram a sedação e, com exceção da risperidona, se relacionaram a fadiga. Acatisia foi um efeito encontrado em associação apenas ao aripiprazol que, junto de quetiapina e ziprasidona se relacionaram a efeitos extrapiramidais.

Desta forma conclui-se que os antipsicóticos atípicos apre-sentam benefício, ainda que modesto, no tratamento de condições para as quais ainda não contam com aprovação das agências reguladoras e que, não infrequentemente, causam efeitos indesejados. Diante disto os autores reco-mendam que, antes de se prescrever antipsicóticos para pacientes com tais condições levem-se em conta os sinto-mas alvo, a efetividade de outras intervenções possíveis, o impacto da esperada melhora sintomática, a susceptibi-lidade individual, as possíveis consequências dos efeitos adversos e os objetivos mais amplos do tratamento.

PONTOS FORTES

Aripiprazol, olanzapina e ris-peridona, apesar do modesto tamanho de efeito, mostra-ram-se eficazes no tratamento dos sintomas comportamen-tais da demência.

Quetiapina determinou be-nefícios no tratamento do transtorno de ansiedade gene-ralizada.

A adição de risperidona aos tratamentos usuais acarretou melhora dos sintomas do TOC.

Efeitos adversos de maior ou menor gravidade são comuns com o uso de atípicos, deven-do ser levados em conta na decisão de prescrevê-los.

_______________________________

Efficacy and Comparative Effectiveness of Atypical Antipsychotic Medications for Off-Label Uses in Adults - A Systematic Review and Meta-analysis. Maher, A.R. et al. JAMA, 2011;306(12):1359-1369

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6 Boletim da AssociaçãoMineira de Psiquiatria • O-QNP

O que há de novo em Neuroimagem

Exames de imagem podem identificar fatores de pior prognostico num primeiro surto psicóticoHelio LauarMédico Psiquiatra. Mestre em Psicologia UFMG. Professor Assistente PUC MINASPreceptor da Residência de Psiquiatria Forense IRS FHEMIG / parceria HC UFMG

Cynthia Guedes AlvimMedica. Trainee em Psiquiatria da Central Psíquica em Belo Horizonte

Os transtornos delirantes e ou afetivos, típicos e ou atí-picos, sempre trouxeram na história e epsiteme do saber psiquiátrico indagações sobre sua delimitação conceitual, formas de instalação, evolução e prognóstico. Nesta pers-pectiva a investigação de fatores preditivos e marcadores biológicos permite especificar terapêuticas e prever re-sultados. Depois dos anos 90, novos dados se tornaram relevantes para esclarecer as relações da psicose com o cérebro e seus neuro-circuitos (1). Assim, permanece a in-dagação se um primeiro surto psicótico pode estar acom-panhado de alterações cerebrais identificáveis capazes de predizer prognósticos.

Acredita-se que na Esquizofrenia a evolução deficitária precoce estaria ligada a lesões anatômicas cerebrais e ou funcionais cognitivos levando a sintomas negativos e que no transtorno bipolar (TAB) não estas lesões seriam tran-sitórias visto que este transtorno é caracterizado por uma evolução fásica. Essas possíveis lesões tem sido objeto de estudos realizados através do seguimento de pacientes apresentando psicoses de inicio antes 18 anos, para ava-liar características clínicas, especificidades diagnósticas, fatores e alterações fisiopatológicas no cérebro durante os dois primeiros anos após o primeiro episódio psicótico, e fatores prognósticos através de abordagens integrativas e translacionais.

Alterações cerebrais progressivas foram encontradas em adultos com esquizofrenia durante os primeiros anos após um primeiro episodio psicótico. Estas alterações do cérebro têm sido associadas a resultados mais pobres das terapêuticas, apesar deste fato ser idêntico em todos os estudos. Uma perda progressiva de volume de matéria cinzenta cortical e um aumento anormal do volume ven-tricular foi descrita em pacientes adolescentes com es-quizofrenia de início na infância com uma longa duração. Esta perda cortical, parece iniciar-se no lobo parietal, pos-teriormente se espalhando através do córtex temporal, frontal e pré-frontal na psicose de início precoce indican-do ser um marcador de pior prognóstico em pacientes, que eventualmente, desenvolvam esquizofrenia, TAB ou outras psicoses.

Um estudo longitudinal espanhol (2) comparou sujeitos com diagnóstico (DSM – IV) de Esquizofrenia (n=25), TAB (n=16) e outras psicoses (n=20) com controles saudáveis (n=70) acompanhados por dois anos empregando a res-

sonância magnética e outros instrumentos capazes de mensurar quantitativamente índices de gravidade sinto-mática. Estabeleceu-se correlações entre o prognostico e as lesões cerebrais encontradas e suas evoluções. A perda progressiva da matéria cinzenta de cérebro foi descrita na esquizofrenia desde o inicio sa infância, no entanto, é incerto se estas alterações estejam presentes em todos os sujeitos da amostra estudada com idade média de 15,3 anos acometidos por psicoses diferentes.

Sujeitos que obtiveram diagnóstico de esquizofrenia mos-traram alterações cerebrais progressivas maiores que os controles saudáveis, após os 2 anos de seguimento após o primeiro episódio de psicose. Estas alterações no volume de certas áreas cerebrais foram indicativas de pior prog-nóstico, tais como: mais semanas de hospitalização du-rante o seguimento e uma maior gravidade nos sintomas negativos no escore total da PANSS. Não se encontrou nenhuma diferença significativa em pacientes com TAB quando comparados com indivíduos saudáveis. Os dados do grupo de outras psicoses devem ser interpretados com critério, pois se trata de um grupo heterogêneo.

Assim sendo podemos dizer que este estudo mostrou a existência de alterações cerebrais progressivas durante a adolescência, com perda maior de volume de substância cinzenta em pacientes quando comparados ao grupo con-trole, em uma coorte de psicose de aparecimento precoce com idade média de aparecimento de 15,3 anos. Em todos os casos a relação foi na direção esperada, com menor redução sintomática quando existia maior perda de volu-me de substância cinzenta. Na base destes achados que correlacionam gravidade e especificidade sintomática com alterações nos volumes cerebrais estão presentes variáveis processos fisiopatológicos. Achados biológicos em estudos transversais e longitudinais em pacientes com psicose de início na adolescência permitem a formulação do conceito da psicose de início precoce como uma desordem progres-siva do neuro-desenvolvimento com anormalidades preco-ces e tardias. Alterações cerebrais progressivas, com maior perda de volume de matéria cinzenta cortical e aumento do fluxo sangüíneo cerebral no lobo frontal em relação aos controles parecem ser mais evidentes em pacientes com diagnóstico de esquizofrenia, do que naqueles com transtorno bipolar. Estas condições específicas depois do aparecimento dos sintomas psicóticos podem indicar pior prognóstico, para o tratamento._______________________________

PONTOS FORTES

Alterações cerebrais progressivas são encontradas em adultos com esquizofrenia durante os primeiros anos após um primeiro episodio psicótico.

Estas alterações estão associadas a um pior prognóstico

A perda mais acentuada da matéria cinzenta em algumas regiões cerebrais é encontrada em pacientes esquizofrênicos desde a infância___________________________________

1 - LAUAR, H. A psiquiatria: da causali-dade a verdade como causa. Belo Hori-zonte: Edições do campo Social, 2001.2 - ARANGO,C, RAPADO-CASTRO, M. e Col, Progressive Brain Changes in Chil-dren and Adolescents With First-Epi-sode Psychosis in Arch Gen Psychiatry. 2012;69 (1):16-26

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7 Boletim da AssociaçãoMineira de Psiquiatria • O-QNP

O que há de novo em adictologia

a modificação do sistema imune através de uma vacina é a estratégia mais promissora para o tratamento da dependência à cocaína.Frederico Duarte GarciaProfessor Adjunto de Psiquiatria da Universidade Federal de Minas Gerais

A dependência a cocaína e a um de seus derivados, o “Crack” é hoje um grave problema de saúde pública. De acordo com o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotró-picas (CEBRID) a prevalência do uso de “crack” dobrou nos últimos anos e inúmeras famílias tem tido dificuldades com algum próximo que sofre de dependência ao crack. O desen-volvimento de modalidades inovadoras para o tratamento e a prevenção é imprescindível para a uma melhoria desta “epidemia” com consequências devastadoras.

Um dos tratamentos mais promissores para a dependência quí-mica é uma vacina. Esta vacina, composta pela cocaína ligada a um adjuvante, faz o sistema imune a produzir anticorpos de alta afinidade e específicos dirigidos contra a cocaína. Estes anticorpos modificam a farmacocinética da cocaína, reduzin-do de 75 a 90% a fração livre da droga na corrente sanguínea. Este bloqueio impede a entrada das moléculas de cocaína no sistema nervoso central e minimiza os efeitos euforizantes e reforçadores da droga. Nos ensaios clínicos de fase I e II estas vacinas têm se mostrado seguras, eficazes na produção de uma resposta imunogênica, sendo assim capazes de bloquear os efeitos da cocaína em laboratório e em condições clínicas.

Quando comparado ao grupo placebo, mais da metade dos pacientes que produziram e atingiram altos níveis de anti-corpo conseguiram interromper o uso de “crack” (23% versus 55%)(1). Infelizmente, nos primeiros ensaios clínicos rando-mizados com usuários de “crack”, apenas 40% dos pacientes imunizados desenvolveram níveis sanguíneos de anticorpos suficientes para bloquear a ação da cocaína. Outra limitação é a curta duração dos anticorpos, que nem sempre ultrapassa 1 a 2 meses, comprometendo a eficácia em longo prazo da vacinação.

A cocaína é uma molécula pequena e por isso não é capaz de induzir uma resposta imune duradoura e de grande in-tensidade, características fundamentais para a produção de anticorpos de alta afinidade. A cocaína precisa ser ligada a um potencializador da resposta imune, chamado adjuvante. A produção e a manutenção de uma concentração suficiente de anticorpos anti-cocaína depende da qualidade do adjuvante.

Recentemente pesquisadores americanos desenvolveram uma nova estratégia imunológica para potencializar a ação

da vacina (2). Eles realizaram uma modificação na molécula de cocaína, produzindo um hapteno de terceira geração e o ligaram a um adenovírus do tipo 5 atenuado. Este tipo de vírus infecta os glóbulos brancos apresentadores de antíge-no induzindo uma resposta imune mais intensa e duradoura. Esta nova estratégia foi testada em animais e produziu uma concentração de anticorpos muito maior e mais duradora (4 meses). Quando testados em provas comportamentais, os ra-tos vacinados exibiram uma resposta muito menos intensa a ação da cocaína que aqueles tratados com placebo. Os dados destes autores sugerem que a vacina baseada em no vetor viral dAD5GNE é ainda mais promissora no tratamento imu-nológico de longa duração para a dependência de cocaína e eles já planejam um ensaio clínico.

Outras estratégias imunológicas para o tratamento das de-pendências químicas estão sendo testadas. Uma delas é a utilização de anticorpos produzidos em animais para reduzir os efeitos tóxicos da cocaína nos casos de overdose (3). A in-jeção de anticorpos bloqueia a ação da cocaína não somente no sistema nervoso, mas também no coração, prevenindo a fibrilação atrial, causa frequente de morte dos pacientes em overdose. A modificação de anticorpos anti-neuropeptídios também parece uma estratégia promissora e que pode ter uma ação adjuvante a vacina anti-cocaína.

A vacinação dentro de um programa de tratamento judicial compulsório ou a vacinação de crianças e adolescentes para tratar e prevenir o desenvolvimento dependência química res-pectivamente, tem levantado questionamentos éticos e políti-cos importantes(4). Alguns autores questionam a possibilidade de perda da “liberdade” de escolha de sentir ou não os efeitos da droga uma vez que o indivíduo estaria imunizado a ela.

A vacina anti-cocaína, mostra-se, assim um exemplo do po-tencial de estudo que existe na intersecção entre o sistema imune e o sistema nervoso central.

PONTOS FORTES

A vacina anti-cocaína é um tratamento promissor da dependência a cocaína.

Uma resposta imune suficiente e duradora ainda é o limitador do potencial da vacina anti-cocaína.

Novos adjuvantes, potencializadores da produção de anticorpos, foram desenvolvidos recentemente._______________________________________

1 . Martell BA, Mitchell E, Poling J, Gonsai K, Kos-ten TR. Vaccine pharmacotherapy for the treat-ment of cocaine dependence. Biol Psychiatry. 2005;58(2):158-64. Epub 2005/07/26.2 . Wee S, Hicks MJ, De BP, Rosenberg JB, Mo-reno AY, Kaminsky SM, et al. Novel cocaine vaccine linked to a disrupted adenovirus gene transfer vector blocks cocaine psychostimulant and reinforcing effects. Neuropsychopharma-cology. 2012;37(5):1083-91. Epub 2011/09/16.3 . Treweek JB, Janda KD. An antidote for acu-te cocaine toxicity. Molecular pharmaceutics. 2012;9(4):969-78. Epub 2012/03/03.4 . Hall W, Gartner C. Ethical and policy issues in using vaccines to treat and prevent cocaine and nicotine dependence. Current opinion in psychiatry. 2011;24(3):191-6. Epub 2011/03/25.

Legenda

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8 Boletim da AssociaçãoMineira de Psiquiatria • O-QNP

O que há de novo em adictologia

Exposição pré-natal a cocaína: quais são as consequências e como agir na praticaHeloise Delavenne GarciaMédica Psiquiatra, adictologista e hipnoterapeuta

Teratologia neuro-comportemental é o estudo do impac-to do consumo de uma droga durante a gravidez sobre o sistema nervosa central (SNC) e nas funções cognitivas de uma criança. Diversos fatores, além da droga, podem in-fluenciar o impacto teratológico neuro-comportamental. Entre eles estão os genes, a dose da droga, o consumo de várias drogas, o estado do desenvolvimento embrionário em que ocorrem as exposições, o estado nutricional da mãe e o ambiente de vida pós-natal (condições de vida pouco saudável, estresse materno, baixos níveis cogniti-vos dos pais ou internações em instituições).

Este tema foi abordado em uma revisão muito interessante publicada no Addiction Science and Clinical Practice (1). Se consumida durante a gravidez, a cocaína atravessa a bar-reira placentária e entra na circulação sanguínea fetal, da mesma maneira que as substâncias absorvidas pela mãe durante o consumo de tabaco, maconha, álcool e opiáceos. A cocaína exerce um efeito vasoconstritor nas artérias maternas e fetais diminuindo oxigenação dos tecidos de maneira difusa. Duas complicações obstétricas são mais frequentes em mães que consomem cocaína: a ruptura do saco amniótico e o descolamento placentário precoce. Os recém-nascidos expostos à cocaína intra-utero, crescem menos, eles têm menores médias de peso, comprimento e perímetro cefálico ao nascer. Além disto, a exposição pré--natal a cocaína é um fator de risco importante para a pre-maturidade e a hemorragia intraventricular cerebral fetal.

Após o nascimento, desde o período neonatal, nos recém--nascidos expostos à cocaína observam-se déficits neuro--comportementais de intensidade variável. Os déficits mais frequentes são os déficits de orientação, de estabilidade

autonômica, de atenção e sintomas de hiperexcitabilidade inespecíficos. Os recém-nascidos têm uma diminuição da expressão dos seus estados de animo durante as interações que ocorrem durante a amamentação. Na infância, as crian-ças expostas à cocaína têm baixos escores de raciocino não verbal e perceptual (e.g. resolver um problema não verbal, tal como recriar um modelo espacial com blocos coloridos em 3 dimensões). Estas crianças permanecem nos percentis inferiores de peso e altura e têm problemas de atenção e de comportamento. Além disto, os problemas de comportamen-tos exteriorizados, tais como o não respeito as regras, a agres-sividade e a irritabilidade, são mais frequentes nas crianças de 6 anos e 10 anos expostas durante o pré-natal à cocaína.

Algumas recomendações para o acompanhamento e trata-mento das crianças expostas no período pré-natal à cocaína foram sugeridas. A primeira recomendação de intervenção, deve ser inicida junto a mãe desde o seu retorno para o do-micílio. Essas intervenções, têm como objetivo de educar e ajudar as mães, melhorar o ambiente doméstico e treinar e de-senvolver as capacidades parentais. A parentalidade aparenta ser uma forte motivação para o tratamento da dependência química e/ou das comorbidades psiquiátricas dos pais. Deve--se aproveitar esse período para se reforçar a necessidade de interrupção do uso da droga. As intervenções focalizadas sobre a criança aconselhadas são a terapia individual precoce e um acompanhamento pedopsiquiátrico ao longo do crescimento afim de minizar as dificuldades de desenvolvimento cognitivo e os problemas de comportamento apresentados pela criança.

A gravidez é um tempo importante para tratar as de-pendências químicas e prevenir as consequências das exposições pré-natais à cocaína.

PONTOS FORTES

O uso de drogas durante a gravidez tem consequências obstétricas e de longo prazo na criança.

A gravidez e a parentalidade constituem momentos importantes para o tratamento de uma dependência química.

Crianças expostas a droga durante o período pré-natal necessitam de um acompanhamento pedopsiquiátrico o mais precocemente possível.

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1 . Minnes S, Lang A, Singer L. Prenatal tobac-co, marijuana, stimulant, and opiate exposure: outcomes and practice implications. Addiction science & clinical practice. 2011;6(1):57-70. Epub 2011/10/18.

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