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P?blico Público Sexta-feira 22 Abril 2011 Quase 7 mil milhões E agora? JOAQUUIM GUERREIRO

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P?blico

Público • Sexta-feira 22 Abril 2011

Quase 7 mil

milhões E agora?

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2 • Público • Sexta-feira 22 Abril 2011

Demografia

7.000.000.000 Quantos mais suportará a Terra?População mundial continua a crescer, porém mais lentamente, sendo cada vez mais idosa e mais urbana. A sociedade vai mudar. Por Ricardo Garciaa O demógrafo norte-americano Joel Cohen, chefe do Laboratório de Populações da Universidade Rockfeller, costuma dizer que todas as pessoas vivas nascidas até 1965 testemunharam um evento extraordinário: a população mundial mais do que duplicou. Há meio século, cifrava-se em cerca de 3,3 mil milhões de habitantes. Hoje, aproxima-se dos sete mil milhões, marca que será alcançada ainda este ano ou em meados de 2012, segundo diferentes estimativas. “Isto nunca aconteceu antes e é improvável que aconteça novamente”, escreveu o investigador, num artigo recente.

O que Cohen quer dizer é que o número de pessoas sobre o planeta não voltará a crescer tão depressa como até agora. A explosão demográfi ca de que tanto se fala está a amainar. Já passámos pelos picos máximos de incremento relativo, em percentagem anual, e de crescimento absoluto, em número de pessoas adicionadas à Terra. Estes indicadores, assim como o número de fi lhos por mulher, têm vindo a cair.

Mais lentamente, a população continua, ainda assim, a subir. E o que se espera não deixa de assustar. Em 2050, segundo o cenário médio da Divisão de População da ONU, seremos mais de nove mil milhões. Os novos habitantes viverão, quase todos, nas cidades dos países em desenvolvimento e aspirarão a um estilo de vida próximo do que existe hoje nos países ricos, e que está para além do que a Terra pode sustentar indefi nidamente.

Pergunta sem respostaQual é afi nal o limite do planeta? Num livro dedicado ao tema, Joel Cohen reúne quatro séculos de estimativas, que vão desde mil milhões até a um bilião de pessoas. A mais antiga é do holandês Anton van Leeuwenhoek, o “pai” do microscópio, que em 1679 calculou, com base na densidade populacional da Holanda e no que seria a superfície não habitada da Terra, que nela não caberiam mais do que 13,4 mil milhões de pessoas.

O mesmo raciocínio hoje daria um resultado diferente. Se os sete mil milhões de habitantes do globo fossem reunidos num único espaço, com um metro quadrado para cada pessoa, ocupariam uma área equivalente à do distrito de Évora.

Fórmula complexaO número de pessoas sobre a Terra é apenas uma componente de uma fórmula mais complexa. “Não é esse o elemento fundamental da equação”, afi rma a demógrafa Maria João Valente Rosa, da Universidade Nova de Lisboa e directora do projecto Pordata-Base de Dados de Portugal Contemporâneo. “O problema é ao nível dos estilos de vida e dos hábitos de consumo”, completa.

Estimar o limite populacional da Terra implica pensar que tipo de mundo é que queremos agora e no futuro – o que pretendemos comer, de que objectos necessitamos, que tipo de mobilidade, o que nos diverte, o que nos preocupa. “Não se pode dizer que haja uma estimativa científi ca para um tamanho sustentável da população”, conclui Joel Cohen.

Mesmo sem respostas defi nitivas, a organização não-governamental britânica Optimum Population Trust lançou, há dois anos, uma campanha sugerindo aos casais para não terem mais de dois fi lhos.

“É uma gigantesca aldrabice”, reage Fernando Ribeiro e Castro, presidente da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas, que tem cerca de dez mil sócios, com uma média de 4,2 fi lhos por casal. “Não estou a dizer que a Terra não esteja em perigo, mas não é por causa da população.”

O impacto populacional sobre os recursos pode ser maleável. Mas outras tendências demográfi cas não. O envelhecimento é uma delas. Actualmente, a população mundial está dividida ao meio entre quem tem mais e menos de 28 anos. Em 2050, a idade mediana será de 38 anos, segundo a mais recente avaliação da ONU. Em 27 países, metade dos seus habitantes estará

então acima dos 50 anos.O envelhecimento, diz a ONU,

“é um processo sem precedentes na história da humanidade”, que promete alterar radicalmente a sociedade, e não só nos domínios mais óbvios, como o da segurança social. Um estudo do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais – uma organização norte-americana – aponta diversas consequências geopolíticas, como a perda de infl uência internacional de muitas nações desenvolvidas, fruto de uma população menor e mais idosa no futuro. O estudo prevê um risco de maior instabilidade em países de população mais jovem e aponta os anos 2020 como “a década de máximo perigo geopolítico”.

Reacção lentaSegundo Maria João Valente Rosa, a sociedade está a reagir lentamente a isto. “Continuamos organizados da mesma maneira”, afi rma. “O envelhecimento não é uma doença contagiosa. É uma oportunidade que pode ser bem ou mal aproveitada.” Para isto, será preciso adaptar o modelo social actual, aumentando, por exemplo, as oportunidades de formação e distribuindo melhor o trabalho ao longo de um período mais extenso da vida.

“Estamos à beira da implosão demográfi ca. O Estado deve criar condições para que os casais tenham os fi lhos que desejam”, diz, por sua vez, Ribeiro e Castro.

Mesmo com políticas neste sentido, difi cilmente se travará o comboio da queda da fertilidade, que é um corolário do desenvolvimento económico e da melhoria da condição social das mulheres.

“O principal contraceptivo em termos de controlo demográfi co é o desenvolvimento”, refere Valente Rosa. Se a fertilidade voltasse a subir no mundo para níveis equivalentes aos do passado, seria, segundo a demógrafa, um sintoma de retrocesso social: “Eu fi caria preocupada.”

O que acontece aos mais de 10 milhões de portug Os números revelam que poucas pessoas são som ao cinema, mas bastante menos à ópera

A população portugue

65

15

chegam à idadeda reforma

325

chegam à idadeactiva

298

106.000

casamentos são realizados

111

casais divorciam-se

72

anos

A B C Da b c d

pessoas vão a consultas

médicas

vão às urgên 28.00

-

286pessoas morrem

273bebés nascem

Fontes: Pordata, INE, ICA

Público • Sexta-feira 22 Abril 2011 • 3

Cada vez maisA população mundial deverá atingir os sete mil milhões de pessoas este ano ou em 2012, segundo diferentes projecções. Passaram-se apenas 12 anos desde que chegámos aos seis

mil milhões. O crescimento é, porém, desigual - maior nos países em desenvolvimento, menor ou negativo no mundo industrializado. No futuro, a população mundial poderá cair.

População mundial

Fonte: ONU

Milhões6,9

0 1000 2010

ueses num dia? O PÚBLICO recolheu os dados mais recentes (2009) e fez as contas. adas à população, que há 7 divórcios para cada 11 casamentos e que vamos muito

sa em 24 horas

estão reformados2,1 milhões

vão para a escola ou para a universidade

2,4 milhões

de pessoas vão para o trabalho

5 milhões

são internadas2564

13 kWh de electricidade...

...e 4 litros de petróleo

2

vão ao cinema43.000

vão a concertos15.000

vão ao teatro5000

vão à ópera263

ARROZ

uma taça de vinho

e ainda...

412gde cereais

302gde carne

41g 1/2ovo

Uma garrafa de água de

250ml

247gde batatas

99g 58g

óleo

353gde produtos

lácteos

328gde frutas

Cada pessoa come...

fala...

Consome Rejeita

deita fora...

Gasta...

e levapara o ecoponto

minutosao telefonepela rede

fixa minutosao telemóvele envia 7 sms

6

gramas de lixo no caixote

1231185g

145 litros de água

135 litros de esgotos

cias0

AÇÚCAR

16 pessoas são presas

15 presos são libertados

42 29novos habitantes, resultantes da diferença entre imigrantes e emigrantes, somam-se ao saldo entre mortes e nascimentos

pessoas é o aumentodiário da população,segundo as estimativas mais recentes

=+m

Cada pessoa

Cátia Mendonça

total1416

Filme mais visto: Avatar1.206.162 de espectadores

4 • Público • Sexta-feira 22 Abril 2011

Envelhecimento

Francisco passa os dias entre laranjeiras e alfaces. Maria pinta hortênsias e faz voluntariadoVivem mais sós do que o resto da população. São mais vulneráveis à pobreza. Participam menos em actividades políticas. Como é a vida depois dos 65 anos? Dois casos. Ele vive no campo, no Alentejo. Ela, na capital. Por Andreia Sanches

a Francisco Pulquério Sesinando, 72 anos, vive na vila de Beringel, em Beja. “Chamam-me ‘Chico dos Tomates’. É como toda a gente me conhece, porque fui um homem que fez muito tomate aqui na região.” Encontramo-lo às dez da manhã em cima de um tractor, a “preparar a terra”. Minutos depois está a dobrar um arame, em forma de arco, que agarra com força, uma ponta em cada mão, para demonstrar a sua técnica para encontrar água. Dá uns passos devagarinho. Depois pára à beira de uma oliveira. “Olhe, já está puxando! Quando há água, a terra puxa o arame para baixo. Isto foi um dote que Deus me deu.”

Esta reportagem, havemos de lhe explicar, é sobre a velhice e sobre como é vivê-la numa grande cidade, como Lisboa, ou num meio rural, como Beringel. E Francisco explicará que os seus dias são assim: nos seus cinco hectares de terra produz agriões, batatas, favas, couves e alfaces. Vende tudo para uma grande rede de supermercados.

Tem 20 ovelhas. Mais galinhas,

Francisco Sesinando, 72 anos, convoca os bichos com gritos de chamada; Maria Isabel Silva, 71, vive num 7º andar em Lisboa, com vista para Monsanto

pintos, patos e perus – chama-os aos gritos: “Piiiiiiiiiiiiii, piiiiiiiiiiii, piiiiiii.” E de repente há 20 bicos de pato, galinha e peru a apontar na sua direcção, como se o estivessem a ouvir atentamente. “Às vezes, à noite, dou-lhes um brado e as ovelhas, que por aí estão espalhadas, vêm todas.”

Depois de almoço, a mulher, também reformada, como ele, irá, como sempre, ajudá-lo no campo. E ao fi m do dia – “Não temos horários” – regressarão a casa, na vila, jantarão com o fi lho (que é segurança e vive com eles). À noite, Francisco gosta de ver as notícias e, se não adormecer, também a telenovela. Se adormecer, é uma pena, porque já não pode, no dia seguinte, trocar impressões com a mulher sobre o enredo.

Não trocava esta velhice por outra, na cidade, garante.

Mais pobresNão há uma defi nição sobre que ponto marca a entrada na chamada “terceira idade”. Mas muitos estudos sobre envelhecimento traçam a linha nos 65 anos. Siga-se

o critério. Em 2009, 17,6 por cento dos portugueses tinham 65 ou mais anos. E até 2060 a proporção de idosos continuará a aumentar – passará para 32,3 por cento, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE).

As estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU) – que considera que Portugal já é o oitavo país mais envelhecido do mundo – remetem para um cenário não muito diferente. Em 2050, ano máximo para o qual a Divisão da População da ONU faz projecções, um terço dos portugueses e um em cada cinco europeus terá pelo menos 65 anos.

A esperança média de vida em Portugal não tem parado de aumentar: era de 73 anos em meados dos anos 80; de 76,7 no início dos anos 2000; é de 78,8 actualmente (as mulheres podem aspirar a mais anos de vida, quase 82).

Estes números são positivos, mas também signifi cam que existe hoje toda uma geração de idosos que “não pensava que iria viver tanto tempo”, diz António

Fonseca, professor da Universidade Católica Portuguesa, autor de vários estudos sobre envelhecimento em Portugal. Resultado: nem sempre se prepararam convenientemente. Como assim? O professor exemplifi ca: muitos vivem em casas velhas que não trataram de cuidar, porque achavam que não iam envelhecer com elas, ou simplesmente acreditavam que algum fi lho acabaria por recebê-los – o que nem sempre aconteceu.

Em média, na União Europeia (UE), 42,1 por cento das mulheres com mais de 65 anos e 19,5 por cento dos homens da mesma idade vivem sozinhos.

Na Suécia e na Dinamarca chega a ser metade da população com esta idade. Em Portugal, acontece com três em cada dez mulheres idosas (e com 11 por cento dos homens).

As estatísticas do Eurostat, o gabinete de estatística da UE, mostram, de resto, que os mais velhos tendem a ser mais atingidos pela pobreza, a viver mais isolados e a estar mais arredados de uma série de actividades – participam menos em actividades políticas

Público • Sexta-feira 22 Abril 2011 • 5

Mais velhosA esperança de vida média dos portugueses em 1970 era de 67 anos. Uma pessoa nascida hoje pode contar com 79 anos de vida. No planeta como um todo, o número de pessoas com mais

de 60 anos já é maior do que o de crianças com menos de cino anos. O país, a Europa, o mundo em geral ainda não sabem como lidar com uma população cada vez mais envelhecida.

HojeUm cidadão que nasça por estes dias em Portugal pode esperar viver em média até aos 79 anos. Se for mulher, poderá almejar uma vida um pouco mais longa, até aos 81,8 anos, e, se for homem, até aos 75,8 anos. É muito baixa a probabilidade de morrer com menos de 15 anos (menos de um por cento) e muito alta a de viver para além dos 65 anos (quase 80 por cento dos óbitos acontecem já passada a fronteira da convencionada terceira idade), referem dados do Instituto Nacional de Estatística (INE).

As principais causas de morte do Portugal da actualidade são o resultado do envelhecimento crescente da população e da adopção de estilos de vida como o sedentarismo, a falta de actividade física diária, uma alimentação desequilibrada ou o tabagismo.

As doenças cardiovasculares representam a principal causa de morte – com o enfarte do miocárdio e o acidente vascular cerebral à cabeça –, seguida dos cancros.

No passadoA esperança média de vida de um português nascido, por exemplo, em 1960 ficava-se pelos 63,5 anos (66,4 anos no caso das mulheres, 60,7 nos homens). Nessa data, só metade dos óbitos eram de pessoas que já tinham ultrapassado os 65 anos e a probabilidade de morrer ainda criança chegava quase a 25 por cento. Luís Graça, professor da Escola Nacional de Saúde Pública, lembra que até à década de 1940 a principal causa de morte no país eram as diarreias e enterites nas crianças, devido às más condições de vida da população, nomeadamente

a falta de acesso a água potável (aquelas representavam 14 por cento das mortes no período entre 1934 e 1940). Nos adultos, era a tuberculose (10 por cento dos óbitos) e as pneumonias (oito por cento).

A década de 1960 é uma altura de mudança dos padrões de mortalidade, com a diminuição das doenças transmissíveis para as não transmissíveis. É nesta época que se assiste a algumas melhorias nas condições de vida e no acesso à vacinação e ao parto hospitalar. Em 1958, é criado o Ministério da Saúde. É também uma altura de grande êxodo para as cidades e para o estrangeiro. Mas, nota Luís Graça, o 25 de Abril apanha Portugal ainda com uma taxa de mortalidade infantil de 35 mortes em cada mil (em 2009 esse valor era de 3,13 em cada mil). Catarina Gomes

e culturais, dão-se menos com amigos...

Portugal confi rma a tendência. Por exemplo: um em cada quatro idosos tem rendimentos abaixo do limiar a partir do qual se é considerado pobre – qualquer coisa como 414 euros por mês. É uma taxa dois pontos acima da média nacional.

Dias diferentesMaria Isabel Silva Pinto é uma das que engrossam as estatísticas dos idosos que vivem sós. É apenas um ano mais nova do que Francisco. Tem 71 anos, mora em Lisboa, num 7.º andar de um prédio com vista para outros prédios e para Monsanto.

Foi professora durante 40 anos – primeiro de Matemática, depois de Religião e Moral – e há seis anos reformou-se. Tem os dias preenchidos de uma forma muito diferente daquela que Francisco usa para preencher os seus.

Frequenta aulas de Pintura – gosta de pintar fl ores, sobretudo fl ores que sejam muito coloridas, como as hortênsias – e de natação.

Faz voluntariado, participa num grupo de leitura e em dois grupos de refl exão cristã. Tenta ir ao cinema com regularidade. Vai quase todos os dias à missa. Gosta de beber chá com as amigas, de almoçar fora duas, três vezes por semana. De ir a concertos, ao teatro, ao ballet. De conduzir. De receber amigos e fi car a conversar até tarde.

Conhece os vizinhos, o senhor do café, da padaria, o guarda-nocturno. Sente-se segura e não trocava Lisboa pela calma vida do campo. “Sou cem por cento cidade”, diz.

E, agora que está reformada, aprecia o que a cidade tem para dar. Diz que tem “genes felizes” e gosta muito da vida, pelo que aproveita todos os segundos – “Costumo dizer que envelhecer é como subir uma montanha. Para lá chegar há muitos obstáculos. Mas lá em cima respira-se melhor, vê-se mais longe.” E conta tudo isto com um sorriso sereno.

A pensão de reforma de professora, “sendo muito menor do que noutros países”, permite-

Vidas mais longas, outras doençasEm poucas décadas, as principais causas de morte alteraram-se radicalmente

DANIEL ROCHA ENRIC VIVES-RUBIO

População portuguesa

Fonte: INE

Milhões

20602010

65 ou mais anos

15 - 64 anos

0 - 14 anos3,4

1,91,6 1,2

5,8

7,1

6 • Público • Sexta-feira 22 Abril 2011

Envelhecimento

lhe manter um certo estilo de vida, explica ainda, na sua sala de estar, cheia de fotos de família, presépios de todo o mundo que os amigos e familiares lhe trazem das suas viagens e quadros pintados pelo pai.

Sabe que há muita solidão entre os mais velhos. Convive com ela quando faz voluntariado em lares da cidade e encontra pessoas que têm muitos fi lhos, mas só são visitados no Natal, na Páscoa e no dia de aniversário. “A muitas [pessoas] falta a rede familiar. E muitas não souberam fomentar amizades, criar redes de amigos. Nesse aspecto é pior na cidade do que no campo.”

A sua experiência pessoal é, contudo, diferente: “Eu e os meus fi lhos somos muito unidos. Sinto-me permanentemente acompanhada. Se digo ‘ai’, tenho-os aqui em casa. E tenho uma rede de amizades excelente. Não tenho problemas com a velhice. A idade relativiza muito tudo o que não é essencial.”

Reforma de 300 eurosÉ certo que o envelhecimento da população coloca desafi os à estabilidade dos sistemas de protecção social da Europa. Mas é o próprio Eurostat que recorda, num dos seus últimos relatórios (Europe in Figures 2010), que estas pessoas, que vivem até cada vez mais tarde e com mais saúde, constituem um grupo de consumidores que pode ser “um estímulo para a economia”. Pessoas como Maria Isabel que, com os fi lhos criados, têm mais tempo e disponibilidade para comprar, estudar, viajar... – “Desde que me reformei tento fazer uma viagem por ano.”

“Os americanos chamam-lhe indústria da reforma”, explica António Fonseca. “Passa pela criação de bens e serviços especifi camente destinados a pessoas reformadas, como o turismo sénior ou as universidades

No futuro

Lisboa, Janeiro de 2090

Nasci em Lisboa em 2010 e faço hoje 80 anos. Vivo sozinha, tenho uma filha com 52 anos e um neto com 20 anos, que me visitam de vez em quando. Sinto-me bem, com saúde e ainda com energia para escrever e continuar a trabalhar.Sandra L.

Criar um cenário prospectivo a 80 anos é algo que os especialistas pouco arriscam, especialmente se envolve a antecipação de mudanças sociológicas que dificilmente se poderão prever para um horizonte tão longínquo. Antever o que poderá vir a ser a

velhice dos que agora acabam de nascer não deixa de ser estimulante, mas é um exercício arriscado.

Em demografia, a construção de cenários prospectivos tem tido algum sucesso, porque assenta nas tendências dos fenómenos cujas mudanças se processam lentamente. Não acontecem perturbações repentinas, a não ser que ocorram catástrofes de grandes dimensões. Já o mesmo raciocínio não é aconselhável para a vida social, como são as condições e os modos de vida. E quanto mais longínquo for o horizonte prospectivo, mais difícil se torna a construção de cenários.

Ora, o envelhecimento das

populações é uma tendência inquietante. Todos temos vivido ou presenciado o grande envelhecimento e a vulnerabilidade que a marca dos anos vividos deixa na fisiologia dos organismos humanos. Mas vejamos: hoje por cada 100 activos (15-64 anos) existem 26 pessoas com 65 ou mais anos. Em 2045, as projecções indicam um aumento de 88% de pessoas com 65 ou mais anos, isto é, teremos 49 idosos por 100 activos (www.eurostat.ec). Esta projecção, elaborada para um cenário médio a 35 anos, supõe a continuidade evolutiva das tendências demográficas observadas na actualidade.

A grande questão é saber

que impactos vai ter o aumento do número de pessoas idosas e muito idosas. Mais escolarizados, mais aptos a gerir e potenciar as condições de saúde, os idosos do futuro viverão trajectórias de vida mais incertas, quer sob o ponto de vista familiar, quer de trabalho. Serão menos a ter filhos e tenderão a viver com maior autonomia, mas muitos viverão sós uma boa parte da sua vida.

Prevê-se que a esperança de vida aumente até aos 85 ou 86 anos, limiar que indica que muita gente conseguirá atingir os 100 anos, ainda que com défices de funcionalidade e autonomia. Quem vai cuidar? Sabemos que haverá menos filhos e a população

activa estará a diminuir, apesar da imigração africana e asiática. As pensões serão muito baixas e as respostas sociais insuficientes e de má qualidade. As mulheres sobreviverão aos homens, mas mais doentes, com pensões inferiores e com uma frouxa rede familiar...

Este é o cenário que é possível esboçar face às tendências actuais. Um quadro optimista exigiria outras tendências que não identificamos na actualidade.

Ana A. Fernandes Socióloga e demógrafa, Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa e CesNova/UNL

Trajectórias de vida mais incertas para os idosos

Regresso a Beringel: “Já viu esta vista?”, pergunta Francisco parado no alto do monte. Há décadas que tem esta propriedade, mas ainda hoje lhe dá para parar lá no alto e estender a mão para os montes e gabar o que os olhos alcançam. “É aqui que passo os meus dias até que a morte venha.”

O lazer, para Francisco, que tem uma reforma de 300 euros, parece ser pouco mais do que isto: respirar fundo lá no alto. Até porque lhe sobra pouco tempo para fazer outras coisas que não passem pelo trabalho no campo. Excepto, talvez, ver televisão, essa fi el “amiga” dos mais velhos – que vêem cerca de cinco horas de TV por dia; mais duas horas e 20 minutos do que a população em geral.

Francisco não precisa de tanto para se manter informado. Mas está nos seus planos “aprender a Internet” – oito em cada dez idosos já concretizaram esse desejo e usam-na –, o que deverá acontecer quando “se retirar”. E deverá retirar-se em breve. Está tudo planeado: fez sociedade “com um rapaz” que à tarde o vai ajudar no campo e que aos fi ns-de-semana leva os fi lhos que ajudam também. “Uma sociedade em que ele dá o trabalho.” Anda a ensinar-lhes o que aprendeu ao longo da vida, para que possam ser eles a assumir a lida do campo.

O campo e a cidadeAlguns autores, como António Fonseca, têm estudado a velhice nos meios urbanos e rurais. O que Fonseca descobriu, num estudo recente, foi que os idosos rurais tendem a ser mais activos e autónomos. E que os da cidade são mais ansiosos e vivem mais tolhidos pela insegurança de sair à rua, pelo medo de ser assaltado, de escorregar ao descer umas escadas, por exemplo. “As nossas cidades são ainda muito hostis.”

Mas nem tudo são rosas no

campo, apesar de uma visão romântica que ainda possa imperar. Os idosos que vivem nas zonas rurais deparam-se muitas vezes com a ausência de serviços sociais, de saúde e de transportes, apresentam difi culdades económicas evidentes para aceder a serviços e equipamentos afastados da sua zona residencial, e a migração do mundo rural para zonas urbanas despovoou as comunidades e afastou potenciais cuidadores familiares, diz Fonseca.

Francisco não se queixa. Se precisa de um médico, vai à extensão de Saúde. Se precisa de um hospital, o de Beja fi ca ali, a cerca de 13 quilómetros. Depois, tem a família por perto. Um dos fi lhos vive com ele. O outro tem a sua própria terra e também é agricultor. “É como se vivêssemos todos juntos.” Para além disso, na vila toda a gente o conhece e ele dá-se bem com toda a gente. É, afi nal, “o Chico dos Tomates”.

A julgar pelos dados do Eurostat, a proximidade dos idosos portugueses com a família, amigos e vizinhos parece, de resto, ser maior do que noutros países (ver infografi a). De novo os números: mais de um terço dos portugueses que ultrapassaram a barreira dos 65 dizem que têm contacto diário com amigos (a média da UE é de apenas 14,9 por cento) e 39 por cento garantem relacionar-se diariamente com familiares (contra 21 por cento na UE). Se for preciso algum tipo de ajuda, apenas sete por cento dizem que não podem pedir apoio. A média da UE é 13,2 por cento.

António Fonseca lembra, contudo, que isto não signifi ca que a solidão não marque a vida de muitas destas pessoas. Até porque o que os estudos revelam também é que muitas não são completamente sinceras quando respondem a perguntas do tipo: “Com que regularidade vê os fi lhos?” Tendem a pintar a realidade mais cor-de-rosa do que ela é.

da terceira idade. Há 30 anos, uma universidade sénior em Portugal seria um disparate. Hoje são um sucesso, são frequentadas por milhares de pessoas.”

Cada vez mais os idosos tenderão a preocupar-se com outras coisas que não a mera satisfação das necessidades básicas, continua este doutorado em Ciências Biomédicas. “Somos mais escolarizados, mais exigentes e, se hoje há um milhão de pessoas com reformas abaixo dos 300 euros, isso tenderá a mudar. Os idosos vão viver com mais qualidade do que a actual geração de idosos, até porque o ponto de partida é muito baixo... E as pessoas também estão mais prevenidas, sabem que vão viver mais.”

O que fazem e como vivem os idosos

Participam em:

Vivem sozinhosEm percentagem

Estão com a família

Encontram-se com os amigos

UEPortugal Portugal UE

Política esindicatos

Organizaçõesrecreativas

Voluntariado

Actividadesreligiosas

48%

20%

5%

5%

1,5%

24%

30%

18%

3,5%

Vão ao cinema

15%

Todos os mesesTodas as semanas

Todos os dias

39%

70%

88%

22%

46%

74%

Todos os mesesTodas as semanas

Todos os dias

36%

66%

88%

15%

49%

79%

1120

3042

FONTE: Eurostat

Os idosos rurais tendem a ser mais activos e autónomos. Os da cidade são mais ansiosos e inseguros

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8 • Público • Sexta-feira 22 Abril 2011

Recursos

a Os portugueses vivem acima das suas possibilidades não apenas no que se refere à economia, mas também aos recursos naturais que consomem. O Estado português, por gastar muito mais do que ganha, endividou-se: no ano passado, os 37,2 mil milhões de euros de amortização da dívida pública e de pagamento dos respectivos juros comeram 21 por cento da riqueza gerada pelo país e em 2011 deverá ser ainda pior. Isto sem contar com a dívida das famílias e das empresas. Os portugueses descompensam também cada vez mais o bocado do planeta que lhes cabe: têm um padrão de consumo que requer 3,5 vezes mais recursos naturais do que o país tem capacidade de regenerar, ou seja, precisam de mais dois países e meio iguais além do que já têm.

Os portugueses esgotam os recursos naturais disponíveis ainda antes do fi m do quarto mês do ano e andam o resto do tempo em défi ce ecológico, segundo as contas da organização não governamental Global Footprint Network, que mede anualmente a pegada

ecológica dos países e das pessoas e o seu efeito sobre o planeta. Os valores divulgados no fi nal do ano passado, e que dizem respeito a 2007, comparam na prática o consumo da população com os recursos naturais disponíveis.

De um lado, está a pegada ecológica, traduzida na área de recursos biológicos, em termos de solo e água, necessários para responder ao consumo e absorver o lixo gerado. Do outro, a capacidade biológica (biocapacidade) do planeta, medida pela área produtiva disponível para repor os recursos em causa. A estas áreas, a Global Footprint Network designa por “hectares globais”. É a comparação entre estes dois lados da equação que indica se a pressão humana sobre a biosfera é ou não sustentável.

No caso português, é ainda mais insustentável do que ter uma dívida pública a pesar já 90 por cento do PIB, como acontece actualmente. Cada português teve uma biocapacidade disponível, em 2007, de 1,25 hectares globais. No entanto, o seu padrão de consumo gerou uma pegada ecológica que requer

4,47 hectares globais de área para cultura agrícola, pastagem, fl oresta, recursos marinhos, infra-estruturas e fotossíntese destinada a absorver as emissões de dióxido de carbono.

É um dos valores mais desequilibrados da Europa. Mas, ao contrário do que acontece com a crise da dívida, não há recurso à ajuda externa nem a instâncias internacionais vigilantes. A situação não deixa dúvidas de que é, no entanto, mais negra. Se a União Europeia ou o FMI interviessem em defesa do capital natural, em vez do fi nanceiro, estariam perante o maior défi ce ecológico entre os países em crise ou risco e um dos piores da Europa, ligeiramente depois da Grécia e da Espanha (3,3 países para cada um) e bem acima da Irlanda (1,8 países), que é quem mais próximo está da média europeia (1,6).

Com muitos devedores, são raros os credores ecológicos, todos localizados no Norte e Leste da Europa, como a Suécia, Estónia, Letónia e Federação Russa. Mas é claramente a Finlândia que vai à frente, não chegando a gastar metade dos recursos de que dispõe.

“Na crise fi nanceira, o capital tem propriedade; nos recursos ecológicos, não há dono. Por isso, na crise fi nanceira procura-se a recuperação e nesta não”, diz José Lima Santos, responsável pela área de Economia do Ambiente no Instituto Superior de Agronomia. E, a este ritmo de dilapidação dos recursos naturais, quando chegará a humanidade ao ponto de não retorno? “A pergunta que todos fazemos é ‘quando’”, diz Lima Santos. “Quando lá chegarmos, acabou, não há recuperação”.

Para lá da falésiaOs autores dos estudos anuais da Global Footprint Network avisam que a humanidade já passou a barreira da capacidade de renovação de recursos e que estes se encontram em colapso. É a imagem de alguém que continua a correr para lá da falésia, mas corre abismo fora e já em queda, sugere o investigador do Instituto Superior de Agronomia.

O desequilíbrio das contas ecológicas nacionais deriva sobretudo da importação de energia, medida em emissões de

Portugueses estão também em défice ecológicoO país não tem capacidade para repor os recursos naturais que a população consome. A culpa é sobretudo da alimentação, da energia e dos recursos limitados da Natureza. Por Lurdes Ferreira

ENRIC VIVES-RUBIO

Importação de alimentos conta muito para o défice ecológico nacional

Para calcular o défice ou o excedente ecológico dos países, são precisos três anos de intervalo. Assim, só em 2014 se saberá qual é o modo de vida de hoje dos portugueses. Mas tudo indica que, por causa da crise, seja menos insustentável do que em 2007, sobretudo quanto à dieta alimentar, consumo de energia e desperdício. É algo que já se nota na redução das emissões de CO2. O investigador José Lima Santos admite que será uma ajuda para o país cumprir o Protocolo de Quioto. Mas são más razões: “Isto podia ter sido tudo bem feito, mais virtuoso, se fosse uma opção da sociedade tomada conscientemente”. Por outro lado, a nível global, a poupança que os portugueses estarão a fazer agora “não resolve nada”, pois há outros a aumentar o consumo, na China, Brasil e Índia. “O nosso sacrifício é pouco útil”, conclui Lima Santos.

Sacrifício pouco útil

Público • Sexta-feira 22 Abril 2011 • 9

Mais vorazesNas últimas três décadas, o consumo total de energia cresceu 2,5 vezes em Portugal e 1,7 vezes no mundo. Utilizamos também mais água, mais minerais, mais químicos. Seria preciso um

planeta e meio para sustentar indefi nidamente o actual estilo de vida da população mundial. Nas próximas três décadas, o consumo de energia poderá subir ainda mais 36 por cento.

No futuro

Em 2050, comeremos, em média e a nível global, mais e melhor. O peso de produtos animais na dieta aumentará à medida que formos mais ricos, como se espera. Contudo, é provável que continuem a existir famintos e que continuem os problemas de obesidade e de saúde devido a má alimentação e maus alimentos.

Estima-se que seja necessário aumentar a produção agrícola em 70% para satisfazer as necessidades alimentares de 9 mil milhões em 2050, 70% a residir em cidades (50% actualmente). Serão necessários três mil milhões de toneladas de cereais por ano (2,1 mil milhões actuais) e mais 200 milhões de toneladas de carne, para atingir 470 milhões de toneladas. Estas quantidades seriam conseguidas sobretudo a partir de ganhos de produtividade (80%) nos países em desenvolvimento.

Mesmo assim, seria necessário passar a uso agrícola 70 milhões de hectares de novas terras (20% do aumento necessário), o equivalente a oito vezes o território nacional. Quanto à água, algumas estimativas apontam que, em 2050, um milhão de pessoas não terá água suficiente, se nada for feito para colocar em uso tecnologias já existentes.

A produção de alimentos terá que competir com as crescentes áreas urbanas pela terra e pela água, bem como terá ainda de participar em outras frentes, como a conservação de habitats

naturais, a preservação da biodiversidade e a mitigação das alterações climáticas. São necessárias mudanças para reduzir o risco que o sistema alimentar global pode representar para a degradação ambiental, que aliás coloca em causa a capacidade de produzir alimentos no futuro.

Quer os ganhos de produtividade necessários, quer a passagem à agricultura de novas áreas, disponíveis apenas em poucos países na África subsariana e na América Latina, serão realizados em condições sem acesso fácil aos mercados, sem capacidade de financiamento e com infra-estruturas frágeis. Nestas condições, espera-se um reforço da produção de pequena escala, familiar. Mas a produção local terá também o seu papel no mundo desenvolvido, aqui virada para o mercado e muito provavelmente cada vez mais urbana e em resposta aos fenómenos de globalização e de industrialização. Em ambos os casos, as alterações serão baseadas na informação e na inovação técnica, contudo de raiz tradicional.

Por outro lado, as biotecnologias, as variedades de plantas geneticamente modificadas e os animais clonados farão certamente parte dos sistemas de produção intensivos e de grande dimensão, que produzirão boa parte dos alimentos que iremos consumir, apesar dos riscos

envolvidos. O progresso informado e responsável nesta área será, aliás, uma das previsíveis chaves para um aumento de produção à escala do que se passou durante a revolução industrial, necessário para evitar o desastre social da falta de alimentos.

Sistemas de pequena dimensão e de cariz local e sistemas intensivos deverão coexistir e crescer, reforçando a dualidade que marca muito comummente os sistemas de produção agrícola.

A alimentação coloca um enorme desafio para a investigação científica – sobretudo nos países em desenvolvimento, onde depende sobretudo do financiamento público –, bem como a transferência de tecnologias e a regulação dos direitos de propriedade intelectual, que permitam acesso democrático às tecnologias.

Em resumo, três questões parecem ser cruciais para garantir a mais básica das necessidades humanas, duas das quais esboçadas nos parágrafos anteriores: competição por recursos naturais (dimensão ambiental) e revolução tecnológica (dimensão técnica). Há ainda que considerar a muito importante dimensão política: redução das desigualdades e redistribuição. Oxalá encontremos as respostas necessárias.

Luís Coelho Silva, perito em assuntos internacionais de agricultura

CO2, “acima do que os ecossistemas conseguem fi xar”, e também da importação de matérias-primas para consumo animal e humano, especialmente cereais, explica Lima Santos.

Estas contas revelam ainda que o défi ce detectado pela importação de combustíveis e alimentos tem mais impacto na balança ecológica do que no comércio da economia real. É porque, diz este investigador, “os termos de troca das matérias-primas ainda estão muito baratos, ainda estamos a pagar a energia barata”.

Mas não devia ser assim. “Podemos viver sem petróleo, mesmo que isso nos mude a vida e tire conforto, mas não podemos viver sem ecossistemas. Dependemos estritamente deles”, prossegue.

Com 10 milhões de habitantes e uma “oferta” biológica inferior à dos nórdicos, por exemplo, Portugal tem ainda algum espaço para melhorias no consumo de energia, através de ganhos de efi ciência e de mais energias renováveis. Mas, em outras áreas, essa capacidade é restrita – por

exemplo, na alimentação. “Os cereais são um dos sectores em que estamos mal e sempre estaremos, por falta de solos adequados”, diz o mesmo académico. Um dia, quem sabe, a produção cerealífera até pode vir a ser viável em Portugal, mas para isso será preciso que o preço aumente de modo a ser competitivo.

Discussão mundialA discussão sobre a alimentação e energia não é nacional, mas mundial, quando se sabe que a humanidade necessita hoje de 1,5 planetas para repor os recursos naturais que gasta. “Enquanto a economia mundial multiplicou por sete em apenas 50 anos, os sistemas naturais de suporte à vida mantiveram-se. O consumo de água triplicou, mas o sistema hidrológico de produção de água potável mudou pouco. A procura de peixe subiu cinco vezes, mas a relação da produção não se alterou. A queima de combustíveis fósseis quadruplicou as emissões de CO2, mas a capacidade de a natureza as absorver alterou-se pouco, levando a uma acumulação de CO2

na atmosfera e a uma subida da temperatura da Terra. À medida que o consumo humano ultrapassa as capacidades naturais do planeta, a expansão da produção alimentar é mais difícil”, avisa Lester Brown, considerado um dos pensadores mais infl uentes do mundo nesta área, no seu livro Crescer Mais do que a Terra.

Procura-se mais terra arável para responder ao crescimento populacional e ao tecto de produção alimentar. Para isso, destrói-se a fl oresta e degrada-se o solo. Na América do Sul e na Ásia, as taxas de erosão do solo são as maiores de sempre, 10 vezes acima do que é geologicamente normal.

Nos recursos de água, desvia-se a irrigação para o consumo das cidades e a disponibilidade mundial de água potável caiu 70 por cento, entre 1950 e 1995. São dados lembrados num recente estudo de uma equipa de 11 investigadores liderada por David Pimentel, investigador pioneiro da ecologia e um dos primeiros a alertar para a factura dos biocombustíveis, ainda a tormenta não se vislumbrava.

Esta equipa procurou responder

à questão sobre se os limites da Terra, em solo, água e energia, vão controlar a população. Concluiu que sim e que esse controlo até já começou, através da malnutrição, que atinge 60 por cento da população mundial.

Como se vê isso? A produção de cereais está em declínio desde 1984, a irrigação per capita cai desde 1978 e a terra arável per capita desde 1948, a produção piscícola per capita regride desde 1980, a de fertilizantes desde 1989 e a perda de colheitas por causa de doenças não melhora desde 1990.

Por isso, diz a Global Footprint Network, a contabilidade dos recursos é “tão vital para o interesse próprio de um país, estado ou cidade como a contabilidade fi nanceira. Numa era de escassez crescente de recursos, a riqueza das nações será cada vez mais defi nida em função de quem tem e não tem activos ecológicos”. Os países que dependam muito do exterior “tornar-se-ão particularmente vulneráveis a rupturas das cadeias de fornecimento e aos custos crescentes das emissões de CO2 e do tratamento de resíduos”.

O que vamos comer em 2050

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Consumo

Fonte: Global Footprint Network

1,51

1,0

20071961

Biocapacidade

Pegada

ecológica

Défice ecológicono meio da crise

Faltam credores debiocapacidade do planeta

Fonte: Global Footprint Network 2010

FrançaAlemanhaEspanhaEuropaIrlandaGréciaPortugal 3,5

3,31,8

1,63,3

2,61,6

Apenas três regiões têm mais recursosdisponíveis do que os consumidos

Nº de regiões necessáriaspara manter os padrões de consumo

Défice NãoconsumidosÁsia

Europa

ÁfricaAmérica Latina

América do NorteOceânia

Ásia

2,11,6

1,6

0,040,5

0,51,5

Nº de países necessáriospara manter os padrões de consumo

10 • Público • Sexta-feira 22 Abril 2011

Recursos

Dez milhões de habitantes podem conviver com ursos e lobos?O urso está extinto em Portugal, o lobo está em perigo. Estradas, barragens, parques eólicos e cidades reduzem o espaço disponível para os grandes predadores. Por Helena Geraldesa Gonçalo Brotas conserva há cinco anos o habitat do lobo ibérico nas serras da Freita, Arada e Montemuro, em Viseu, e acredita que a equação “ou nós, ou eles” não se põe. “O lobo tem uma grande capacidade de resistência e adaptação”, observa o coordenador técnico da Associação de Conservação do Habitat do Lobo Ibérico.

Actualmente, as alcateias estão estáveis. Desde os anos 30, a espécie desapareceu do Algarve e Alentejo e recuou até ao Norte. Hoje, a maioria das cerca de 60 alcateias concentra-se acima do rio Douro.

Mas o cenário estará a mudar. Alguns especialistas notam que a vida selvagem poderá estar a reclamar o território que tem sido deixado para trás por décadas de abandono dos campos.

“Podemos ter populações viáveis [de grandes predadores]. O lobo mostra que é possível”, diz Nuno Ferrand de Almeida, coordenador científi co do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (Cibio). Este biólogo lembra “o abandono do mundo rural e a expansão do bosque mediterrânico” no Norte como condições para uma convivência entre humanos e predador que é “mais possível agora do que há uns anos atrás”.

Ainda assim, será que o território ao abandono é sufi ciente para o regresso dos grandes predadores? Jorge Palmeirim, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, faz notar que o “verdadeiro problema é a falta de presas”, como veado ou corço, “em quantidades sufi cientes”. É daqui que nascem os confl itos com os pastores, que vêem o seu rebanho tornar-se presa do lobo. Mas este “ódio histórico” estará a desaparecer. “As pessoas já estão sensibilizadas para aceitar estes animais, desde que sejam envolvidas nos planos de conciliação de predadores com as actividades humanas”, considera Paula Castro, investigadora do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa. Mais do que isso, animais emblemáticos, como o lince ou o lobo, podem tornar-se uma distinção positiva: “As pessoas percebem que podem ser vistas como populações que preservam a biodiversidade.”

É precisamente isto que sente

Gonçalo Brotas. “Há criadores de gado que já perceberam como funciona o lobo e que não gostavam que ele desaparecesse. E os caçadores acham que é necessário para equilibrar ecossistemas.”

Miguel Araújo, da Universidade de Évora e do Museu Nacional de Ciências Naturais de Madrid, acredita que, “se não perseguirem o lobo, a espécie voltará ao Alentejo e possivelmente às serras do Algarve”. “Havendo abandono rural e recolonização dos campos por parte dos grandes herbívoros, a expansão do lobo é inevitável.”

Este regresso é algo que Francisco Álvares, investigador do Cibio, não descarta. O biólogo admite que a espécie “tem uma área potencial enorme para se expandir, a sul do Douro”. O “segredo” será “manter alguma tranquilidade para o lobo

caçar e reproduzir-se, garantir a ligação entre territórios e presas em diversidade e densidade”.

O urso de volta ao Gerês?Francisco Álvares estima que o urso desapareceu de Portugal no início do século XX e recorda os registos bibliográfi cos da época que dão conta de uma ursa com as crias na serra do Larouco. De então para cá, muito mudou. A população mais próxima, na Cantábria, Espanha, duplicou desde a década de 90. Haverá 200 ursos-pardos a viver na cordilheira cantábrica, segundo um estudo da Universidade de Oviedo, de Janeiro.

O biólogo refere que a população de urso da Cantábria parece estar a expandir-se para sul. “Mas em Portugal nunca teremos espaço territorial para o urso. O que podemos esperar é alguma incursão ocasional de populações de Espanha. Nunca poderemos vir a ter

núcleos reprodutores.”O eventual regresso do

urso, através de programas de reintrodução, é duvidoso, na opinião de Nuno Ferrand de Almeida. “O urso desapareceu devido à perseguição directa e à destruição das fl orestas. Precisa de espaços maiores do que o lobo e não é tão adaptável. A sua reintrodução seria muito difícil.”

Henrique Miguel Pereira tem alguma esperança na concretização de um sonho que, diz, alguns acalentam. “É controverso e dizem que seria um disparate”, mas, “se dentro de 20 a 30 anos se mantiverem as tendências de abandono das áreas agrícolas e pastorícias marginais, teremos condições para o regresso do urso na região montanhosa do Norte.”

O investigador da Universidade de Évora Miguel Araújo discorda: a reintrodução do urso “obrigaria à criação de áreas extensas sem

actividades humanas ou com condicionalismos”. O regresso dos habitats ao seu estado natural (conceito conhecido como rewilding) ainda é uma opção fora da discussão. “O abandono dos campos é visto pela maioria como um fenómeno a combater, o que é feito através de subsídios à ocupação do mundo rural, que custam caro ao erário público”, diz Miguel Araújo. “Mas a realidade é que é inevitável no contexto sócio-económico actual.”

Jorge Palmeirim não considera o rewilding utópico. “Há áreas que não são viáveis para a agricultura, com maus solos e pouca água. Devíamos encontrar alternativas, como o turismo de natureza.”

Miguel Araújo não tem dúvidas. “Mais tarde ou mais cedo, o conceito de rewilding, em curso na Europa, entrará em Portugal. Há ideias que, por serem poderosas, se tornam inevitáveis.”

REUTERS

Urso-pardo, da subespécie urso-cinzento, no zoo de Madrid

12 • Público • Sexta-feira 22 Abril 2011

1927 2000 milhões

1000 milhõesdesde 1804

Mais pobres, mais genteQuanto menor o PIB per capita (eixo horizontal,em dólares), maior tende a ser taxa de crescimentonatural da população (eixo vertical, em %).Dados de 2010

ÁFRICA

OCEANIA

ÁSIAEUROPA

EUROPA

635milhões

203 Fertilidade a cairna Europa e no Japão

Apesar de episódiosde grande mortalidade,progresso económico e melhoria nas condições de higiene fazem a população crescer mais depressa

1914-1918I Guerra Mundial

16 milhõesde mortos

Introdução de variagrícolas do Novo melhora oferta de ana Europa

Como chegámos até aqui? A “transição demográfica”, um processo pelo qual todo o mundo está a passar, explica o crescimento populacional. Por trás deste fenómeno está o próprio desenvolvimento humano, com a evolução da medicina, o crescimento económico e a melhoria da condição social das mulheresJoaquim Guerreiro e Ricardo Garcia

O mundo a cada mil milhõesPorque cresce a população mundial

A população mundial deverá atingir os sete mil milhões de pessoas ainda este ano, segundo estimativas da Divisão de Popula-ção das Nações Unidas, ou no primeiro semestre de 2012, de acordo com o Departamento de Censos dos Estados Unidos. O seu crescimento no século XX foi galopante e exprime-se no número de anos passados para que se somasse mais mil milhões de habitantes. Foram precisos milénios, desde o surgimento do ser humano até 1804, para se chegar ao primeiro degrau. Mais

123 anos se passaram até que o patamar dos dois mil milhões fosse atingido, em 1927. A partir daí, a aceleração foi brutal. Em 33 anos, chegou-se aos três mil milhões; 14 anos depois, a população subiu para quatro mil milhões, em 13 anos atingiu os cinco mil milhões e em 12 os seis mil milhões. Agora, passados mais 12 anos, está prestes a tocar a marca dos sete mil milhões. Mas muito provavel-mente não voltará a crescer no mesmo ritmo. Aliás, a velocidade já está a abrandar. Em 1987, foram

acrescentados 86 milhões de novos moradores à Terra. Agora, o salto está em torno de 76 milhões. E continuará a cair.Os demógrafos explicam a explosão populacional através de um processo conhecido como “transição demográfica”. Primeiro, a mortalidade e a natalidade são elevadas, e a população mantém-se estável. Numa segunda fase, a mortalidade cai, fruto de mais condições de higiene e alimentação, entre outros factores, mas as mulheres continuam a ter muitos filhos.

É nesta etapa – em que há muito menos mortes do que nascimen-tos – que a população mais cresce.O desenvolvimento económico e a melhoria da condição social das mulheres acabam por promover a queda da fertilidade. Na última fase da transição demográfica – quando os nascimentos voltam a estar ao nível das mortes –, a população estabiliza ou começa mesmo a cair.Todos os países passam pelo mesmo processo, mas em diferentes momentos. Na maior parte dos países desenvolvidos,

a população está estagnada, a cair ou a crescer exclusivamente por obra da imigração. Outros, como os países da África subsariana, estão muito mais atrás, com uma fertilidade ainda elevada.Nos cenários da ONU, a população poderá ultrapassar os nove mil milhões de habitantes pouco antes de 2050. Se as tendências se mantiverem, continuará a subir, mas a um ritmo cada vez mais lento, até começar a cair, num ponto ainda distante, para o qual não é possível saber como a humanidade estará organizada.

Transição demográfica

Portugal está claramentena última fase da transição demográfica, já com mais mortes do que nascimentos . Outros países encontram-se em diferentes fases

10.0000 20.000 30.000 40.000 50.000 60.000 70.000 80.000 90.000

-1,0

-0,5

0

0,5

1,0

1,5

2,0

2,5

3,0

3,5

2045/502010/151950/55

EUA

2010/15 2045/501950/55

Brasil

2010/15

Projecções

0

10

20

30

40

50

2045/501950/55

Portugal

2010/15 2045/501950/55

China

2010/15 2045/501950/55

Índia

Fontes: Divisão de População dos Estados Unidos; Departamento de Censos dos Estados Unidos; Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido; FMI

Países mais desenvolvidos Países menos desenvolvidos

Natalidade (por 1000 hab.) Mortalidade (por 1000 hab.)

Portugal

EUA

China

Rússia

SuíçaNoruega

Qatar

E.. ÁrabesUnidos

Brasil

Índia

Lesteeuropeu

Paísesafricanos

NígerUganda

Público • Sexta-feira 22 Abril 2011 • 13

1960

1987

1999

2365milhões

1037

737

675

596

406

347

375

276

35

21

4176milhões

Penicilina utilizadaem larga escaladepois da II Guerra

1963Ano de maior crescimentorelativo da população (ver gráfico).A média de cinco anos maiselevada foi entre 1965 e 1970

1972Conferência Mundialsobre o AmbienteHumano lança as basesdo desenvolvimentosustentável

1974Conferência Mundialsobre População, emBucareste. Foi a primeira com carácter intergovernamental

Produção de alimentosmultiplicada pela Revolução Verde,lançada nos anos 1950 e 1960

1980Varíolaerradicada

1986“Pegada ecológica” ultrapassa a capacidade de suporte da Terra

1994Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (Cairo)

2000Núm. de velhos (>60 anos) ultrapassa o de crianças(<4 anos)

2008Populaçãourbana nomundoultrapassaa rural

1987Publicado o“Relatório Bruntland”, sobre o desenvolvimento sustentável

Fertilidadea cairem África(1980-1990)

Fertilidade caiem países-chave, como China, Índia, Brasil, Egipto,Indonésia, Coreia,México e Tailândia

1955Vacina contraa polio

1917-1920Gripe Espanhola

50 a 100milhões de mortos

1939-1945II Guerra Mundial

60 a 70milhões de mortos

1920Disseminação, nosanos 20, de váriasvacinas (difteria,tétano, tosse convulsa,tifo, tuberculose)

1940-50Utilização em massa de DDTajuda a combater a malária

edadesMundoalimentos

1769Vacina da varíola

1798Malthus publica Ensaio sobre a população,postulando que, sem controlos, o crescimentodemográfico seria exponencial, sem seracompanhada pela produção de alimentos,causando enormes desequilíbrios

1650-1850População duplicouem 200 anos

1750Início da Revolução Industrial,que trouxe profundastransformações nas condiçõessociais e económicas dapopulação dos países ocidentais

3000

1974 4000

5000

6000

7000milhões

2011

The Population BombEm 1968, um livro do biólogo Paul Erich alertou para possíveis efeitos catastróficos da explosão demográfica nas décadas seguintes. A Revolução Verde afastou os piores cenários 1

2

3

4

5

6

2005-20101955-60

TóquioNova DeliSão PauloBombaimCid. México

Nova IorqueShanghaiCalcutáDacaCarachi

20111950

1,5

0

2,0

2,5 1963

Quantas pessoas maisMilhões

Taxa de fertilidade

20111999198719741960

42,4

74,686,3

76,8 75,7

19,416,615,614,713,1

2010

Em milhões

Fertilidade em quedaA taxa de fertilidade (ao lado)

tem vindo a cair em todo o mundo. O aumento absoluto

da população mundial (acima) já atingiu o pico e também

está em queda

As grandes cidades espalharam-se pelo globo

36,722,220,320,019,5

Nova IorqueTóquioLondresParisMoscovo

12,311,38,46,55,4

5,15,04,54,34,2

Buenos AiresChicagoCalcutáXangaiOsaka-Kobe

1950

Em milhões

A maior parte estava na Europa e EUA

As 30 cidades mais populosas

As 30 cidades mais populosas

Países desenvolvidos

Países emdesenvolvimento

14 • Público • Sexta-feira 22 Abril 2011

Diversidade

a Elda Nascimento, de 37 anos, professora, teve de deixar tudo o que aprendeu e aprender de novo com os alunos que encontrou nos dois andares que albergam a escola n.º 75 de Lisboa (1.º ciclo). Aconteceu no ano passado, o primeiro que ali passou. “Nunca antes tinha trabalhado com uma diversidade tão grande de culturas e línguas”, explica.

Situada na Rua da Madalena, a escassos metros do Rossio e do Martim Moniz, a escola está no coração multicultural de Lisboa. Dos seus 66 alunos, metade é de origem estrangeira, diz a professora do 2.º ano e coordenadora da escola, Elisabete Fernandes.

Os imigrantes em Portugal oriundos do continente asiático representavam, em 2009 (data dos últimos dados disponíveis), sete por cento dos cerca de 454 mil estrangeiros que então residiam no país. Mas, na escola da Rua da Madalena, eles estão em todas as salas – o lugar refl ecte o meio em volta – e, quando lá chegaram, a maioria não sabia uma palavra de português. Foi por isso que Elda

Nascimento, professora do 3.º ano, teve de deixar de parte tudo o que aprendera em 16 anos de profi ssão. Também lá estão a estudar meninos que vieram da Roménia, vários de etnia cigana, do Brasil, da Guiné-Bissau.

Os livros são transformados em cartazes que forram as paredes de todas as salas de aulas, com palavras acompanhadas por desenhos que explicitam o seu signifi cado. Elisabete Fernandes diz que eles têm de “tocar as palavras” para as apreender e poderem aprender não só o Português, como a Matemática, o Estudo do Meio e todos os outros conteúdos que lhes são ensinados nesta língua.

Em casa falam bengali, hindi, romeno, inglês, quase nunca português. É o que se passa com a pequena Ralbrita, de oito anos, que está no 2.º ano. Veio do Bangladesh. Em bengali, o seu nome parece ter o triplo do tamanho e ela assusta-se quando pedimos que o escreva: “Só sei escrever em português, na minha língua não sei como se faz”. À semelhança de muitos dos seus colegas, foi aqui que ela começou a

saíram-se bem, pela primeira vez. Para conseguir que eles ali

estejam, principalmente os romenos de etnia cigana, teve que ir várias vezes à casa da família a até ameaçar com a polícia. “Foi uma luta muito grande, mas eles perceberam que era importante as crianças estarem na escola”. Só não sabe quando voltarão a desaparecer de novo. No ano passado, foram dois meses para a Roménia e depois regressaram. Três estão na sua sala. Dizem que gostam de estudar “para sabermos as coisas melhor”. Mas Corina, de 11 anos, não quer ir além do 4.º ano. Não diz porquê.

Com 32.457 residentes, os romenos são a quarta nacionalidade mais representada entre os imigrantes que escolheram Portugal. Os brasileiros continuam em primeiro lugar.

Ralbrita conta que não gosta do Bangladesh, porque lá os amigos não gostam dela. Sharif, que está no 3.º ano, é do mesmo país: “Nasci lá, mas nunca lá fui”. É a sua forma de dizer que não se lembra.

Na escola, só podem falar português. Elisabete Fernandes

Eles aprendem numa escola onde está parte do mundo Origens diversas, experiências novas, línguas diferentes. Se existem espaços multiculturais em Portugal, estão nas escolas. Por Clara Viana (texto) e Daniel Rocha (foto)

escolaridade. Embora a língua que fala em casa seja outra, as letras que existem para ela são apenas as do alfabeto português.

Os cartazes com as palavras vão mudando quase todas as semanas, à medida que se vão consolidando as aprendizagens. À porta da sala do 3.º ano, está uma lista de “palavras mágicas”. Por exemplo: bom-dia. Já lá esteve dentro. Agora já não é necessária. Pelo menos por enquanto.

Quando os alunos voltam de férias, há reaprendizagens que se impõem. “Vão viajar?”. “Sim, vou para o Barreiro”, apressa-se a responder Rita, uma menina portuguesa de voz baixa e séria.

É o último dia de aulas antes das férias da Páscoa e a professora do 3.º ano está satisfeita. Os seus alunos realizaram as mesmas fi chas propostas nas outras escolas do agrupamento, com menor diversidade de nacionalidades, e

Alunos da escola n.º 75, situada no coração multicultural

de Lisboa, a escassos metros do Rossio e do Martim Moniz

Imigrantes em Portugal

Principais comunidades Nascimentos Casamentos

De mãe estrangeira Mistos

10%Total de imigrantes

454.191

Brasil

Ucrânia

Cabo Verde

Romênia

Angola

Guiné-Bissau

Moldávia

26%

12%

11%

7%

6%

5%

5%

Total99.576

11%

Total40.391

Fonte: SEF, INE

Público • Sexta-feira 22 Abril 2011 • 15

Mais multiculturaisOs imigrantes passaram de 0,5 por cento da população em 1980 para 4,3 por cento em 2009. Os portugueses continuam a emigrar, mas o quadro não é conhecido em detalhe. Entre

os emigrantes que saíram e os imigrantes que entraram no país em 2009, houve um saldo de 15 mil novos habitantes. Portugal vive hoje um maior intercâmbio de culturas

No futuro

Desde sempre, e particularmente na era da globalização, que a cultura se difunde mais rapidamente do que os genes. Regra geral, várias gerações (25-30 anos cada) são necessárias para que as migrações influenciem geneticamente uma população. As raras excepções de alterações substanciais foram induzidas por catástrofes que eliminaram quase toda a diversidade, como a dizimação dos ameríndios pelos europeus.

O património genético português actual resultou do encontro de vários povos que se foram cruzando ao longo de gerações, pelo menos 880, se usarmos como referência as datas mais antigas das gravuras de Foz Côa (22.000 anos). No conjunto de genes humanos, certos genes são apenas transmitidos pelas mulheres (o ADN mitocondrial), constituindo linhagens maternas, e outros apenas pelos homens (cromossoma Y), estabelecendo linhagens paternas. É assim possível estudar a história das populações transmitida independentemente pelas mulheres e pelos homens, que nem sempre é coincidente. No nosso caso, o património genético actual é basicamente europeu antigo (70-80% de linhagens que existem na Europa há 40.000-10.000 anos), enriquecido com linhagens mais recentes do leste do mediterrâneo (10-20%; neolíticos, fenícios e sefarditas), do Norte de África (10% na componente masculina e 5% na feminina) e da África subsariana (apenas na componente feminina - 11% no sul,

6% no centro e 3% no norte).No século XX a população

mundial mais do que triplicou, aumentando as migrações, nomeadamente em direcção à Europa. Nesse século, o nosso país caracterizou-se mais pela emigração do que pela imigração. Só após 1975 começaram a chegar imigrantes dos PALOP e a partir de 1990 de outros países. O censo de 2001 revelou que apenas 2,2% da população portuguesa são (eram) residentes estrangeiros, mas o seu contributo para o crescimento da população já é considerável, devido à baixa taxa de renovação da população autóctone.

Como irá ser o património genético português do futuro? Atendendo a certas características observáveis actualmente nos padrões de imigração para Portugal, podem ser extrapolados alguns cenários possíveis. Mas deve ser realçado que qualquer projecção é hipotética, uma vez que a transmissão dos genes ocorre ao acaso.

Sabemos que a vaga de imigrantes cresceu sobretudo com a vinda de indivíduos do Leste da Europa, do Brasil e ultimamente da China, apesar das comunidades dos PALOP serem ainda dominantes. Verificam-se vários níveis de heterogeneidade: de género, com predominância de mulheres do Brasil, homens da Europa de Leste e equilíbrio para os países africanos; de idade, superior em imigrantes da Europa comunitária e inferior nos restantes; e de distribuição, com concentração em Lisboa (5% da

população local; principalmente africanos), Setúbal (4%; africanos) e Algarve (6%; Reino Unido, Alemanha e Ucrânia), excepto brasileiros e chineses que se distribuem pelo país. Nota-se maior prevalência de relações férteis entre portugueses e europeus do que entre portugueses e outras nacionalidades.

Assim, é de esperar que as mudanças no património genético português sejam menos consideráveis e mais lentas do que noutros países europeus com elevada imigração. As mudanças serão tão mais rápidas quanto maior a miscigenação, facilitada a partir da segunda geração de imigrantes. É expectável que daqui a 100-200 anos, a manter-se a tendência actual, vá aumentar a desproporção de linhagens femininas africanas no sul (poderão atingir 20%) em relação ao centro e norte do país e começarão a aparecer também linhagens masculinas africanas. Uns pontos percentuais de linhagens europeias do Leste passarão a ser observáveis na componente masculina portuguesa. Mas sem dúvida que a maior novidade será a presença de linhagens do leste asiático, inicialmente baixa e talvez superior na componente feminina, introduzidas pela comunidade chinesa e por algumas mulheres brasileiras possuindo ainda linhagem ameríndia.

Luísa Pereira, investigadora do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto

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explica que a norma é necessária para os ajudar a dominar a língua. Mas, no recreio, ela tende a ser ignorada. Não muito, mas um pouco. “No recreio, eles não se dão muito com os portugueses. Ficam a falar a língua deles”, diz Ana Margarida, que está no 2.º ano. Mas tanto ela como a Rita, do 3.º ano, acham “giro” ter ali por perto tantos miúdos de sítios tão diferentes. Não sabem dizer palavras nas línguas deles, mas vão descobrindo

algumas coisas sobre as vidas que tiveram antes durante as aulas de Estudo do Meio e também nas festas realizadas pela escola.

No fi nal do ano passado, a escola transformou-se numa espécie de menu do mundo, feito de doces típicos de cada um dos países de onde vieram as crianças ou os seus pais. “Acabou com os pais a trocarem receitas”, lembra a coordenadora da escola.

A comida é uma porta segura

para conhecer outras realidades. Como a língua. Nas escolas ofi ciais das grandes cidades, o crioulo já passou há muito a fazer parte do dialecto típico dos adolescentes portugueses. Mas no Vale da Amoreira, um bairro de maioria negra da margem sul de Lisboa, tem honras de língua de sala de aula. Todos os dias da semana, durante uma hora, 19 alunos da escola do 1.º ciclo têm aulas de crioulo com Ana Josefa, uma professora de

origem cabo-verdiana. O projecto tem um nome – “turma bilingue” – e é apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian e coordenado por Dulce Pereira, do Instituto de Linguística Teórica e Comportamental.

Metade da turma é portuguesa e a outra metade é de origem cabo-verdiana ou guineense. Começaram no 1.º ano, agora estão no 3.º. O objectivo é demonstrar que o bilinguismo é potenciador de melhores aprendizagens. A

comparação com os resultados de outras turmas mostra que sim. O projecto também ajuda a valorizar a cultura das crianças de origem estrangeira, sustenta Dulce Pereira.

Os cabo-verdianos são a terceira nacionalidade mais representada entre os imigrantes em Portugal. Entre os pais dos alunos portugueses, também já há candidatos a aprender crioulo. A diversidade também acontece assim.

Os genes portugueses daqui a 100-200 anos

Imigrantes em Portugal

Fonte: Portdata

% da população

20091980

4,3

0,5

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16 • Público • Sexta-feira 22 Abril 2011

Diversidade

A História de Portugal contada pelos nossos genesA análise de certas porções do ADN humano permite recuar no tempo para ter uma ideia, geográfi ca e temporal, da origem dos portugueses actuais. Por Ana Gerschenfelda Receita genética para cozinhar um português moderno: aquecer em lume brando um “caldo” de ADN de celtas, iberos e lusitanos do início da era cristã, acrescentando umas pitadas de genes judeus vindos do Médio Oriente durante o Império Romano. De vez em quando, deitar no tacho alguns genes berberes. Esperar 700 anos e, em seguida, misturar uns punhados de genes de invasores árabes durante cinco séculos. Já no século XIII aumentar bastante o lume e reduzir a introdução de genes árabes (sem esquecer de continuar a polvilhar a mistura com mais genes judeus). A partir de meados do século XV, baixar o lume e ir deitando no caldo umas colheres de genes de escravos subsarianos. No início do século XVI, aumentar novamente o lume da Inquisição durante dois séculos, continuando a acrescentar genes africanos até ao fi m do século XIX – e sem nunca esquecer de temperar periodicamente com mais alguns genes judeus (agora chamados “sefarditas”).

Em traços largos, esta é a receita de fabrico do ADN dos portugueses de hoje à luz dos mais recentes resultados da genética das populações. É pelo menos uma história possível e foi inspirada na leitura do livro O Património Genético Português (Gradiva, 2009), da autoria da investigadora Luísa Pereira, do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup), e da jornalista Filipa Ribeiro.

Mitocôndrias, Y e CªHoje em dia, a genética moderna fornece pistas para seguir o rasto às andanças da espécie humana – e dos portugueses em particular – desde os seus primórdios.

Afi nal de contas, cada uma das células do nosso corpo guarda, no seu ADN, a história das gerações que nos antecederam. As lacunas ainda são grandes, mas os avanços das técnicas de sequenciação do ADN já permitiram obter resultados que respondem a muitas interrogações.

A genética das populações estuda as migrações humanas principalmente através das mutações acumuladas em dois bocados específi cos do património genético humano: o ADN mitocondrial e o cromossoma Y.

O primeiro é um pequeno anel de ADN que se encontra dentro de estruturas chamadas mitocôndrias, que são as “baterias” das células. Quanto ao cromossoma Y, é ele que determina o sexo masculino (as mulheres são XX e os homens XY).

Ambos estes tipos de ADN servem para estudar as características genéticas das populações, porque têm modos de transmissão hereditária muito bem defi nidos. O ADN mitocondrial tem a particularidade de ser transmitido exclusivamente por via matrilinear – ou seja, pelas mães aos seus fi lhos de ambos os sexos –, enquanto o cromossoma Y é transmitido pelos pais exclusivamente aos seus fi lhos

do sexo masculino. Isto signifi ca que o ADN das mitocôndrias de qualquer pessoa provém da mãe da mãe da mãe da sua mãe (etc.) e que o ADN do cromossoma Y de qualquer homem provém do pai do pai do pai do seu pai (etc.). E a História de Portugal revista através do prisma genético dá, grosso modo, a receita acima referida.

Segundo resultados publicados em 2004 por Luísa Pereira, António Amorim e colegas (também do Ipatimup) no International Journal of Legal Medicine, o património genético dos portugueses de hoje é composto por 70 a 80 por cento de linhagens europeias antigas. A elas vieram acrescentar-se, mais recentemente, 10 a 20 por cento de linhagens do Médio Oriente, 10 por cento de linhagens norte-africanas

masculinas (isto é, de confi gurações do cromossoma Y características dos homens do Norte de África) e cinco por cento de femininas (ou seja, de confi gurações mitocondriais características das mulheres do Norte de África). Em particular, existe em Portugal uma linhagem materna, designada U6, característica dos berberes da África do Norte e praticamente ausente no resto de Europa. O perfi l genético português fi ca completo com três a 11 por cento (conforme as regiões do país) de linhagens femininas oriundas da África subsariana.

O tráfi co de escravosUma história que fi cou claramente gravada nos genes dos portugueses actuais foi o envolvimento de

Portugal, sobretudo entre meados do século XV e fi nais do século XVIII – e em menor medida até fi nais do século XIX – no tráfi co de escravos negros africanos. A entrada de escravos em Portugal foi uma das mais elevadas de Europa – e, enquanto as outras potências coloniais europeias, como a Espanha, exportavam escravos para as suas colónias de ultramar, Portugal importava-os para a metrópole. “Em Portugal”, escrevem as autoras do livro acima referido, “a inusitada percentagem de escravos chegou a atingir 10 por cento da população do Sul do país em meados do século XVI.”

Em 2005, a mesma equipa do Ipatimup confi rmou nos genes o que a História de Portugal já contava: num estudo publicado na revista Human Biology, concluíram que existe hoje, efectivamente, uma maior frequência de linhagens africanas no património genético português do que nos vizinhos espanhóis. “Basicamente, Portugal retém mais linhagens subsarianas que a Espanha – [e] há dados históricos de que os espanhóis trafi caram escravos especialmente para a América”, diz-nos Luísa Pereira.

Muitos resultados da genética batem certo com a História – o que era de esperar. Mas, mesmo assim, já houve surpresas. Em particular, um estudo publicado em 2008 no American Journal of Human Genetics por uma equipa internacional de cientistas – entre os quais se incluía João Lavinha, geneticista do Instituto de Saúde Ricardo Jorge de Lisboa – mostrou que, em média, 35 por cento dos homens no Sul de Portugal e 25 por cento do Norte têm genes judeus sefarditas – e que os homens do Sul têm 15 por cento de ascendência norte-africana e os do Norte 10 por cento. Isto signifi ca, por um lado, que, ao contrário do que se pensava, os judeus portugueses não fugiram, quando foram expulsos pela Inquisição. Fundiram-se na população geral e misturaram-se, sobrevivendo desta forma à intolerância religiosa. E quanto à componente norte-africana, algo de semelhante poderá ter acontecido, embora em menor escala, ao contrário do que nos contam os manuais de História. Os genes dos portugueses de hoje testemunham o que realmente aconteceu...

REUTERS

O mapa das letras que compõem o código genético humano

Origem genética dos portugueses

África subsarianaNorte de ÁfricaLeste do MediterrâneoEuropa

81%

9%3%7%

56%

30%

14%

Fonte: Luisa Pereira/IPATIMUP

18 • Público • Sexta-feira 22 Abril 2011

Cidades

“Tem a melhor rede de transportes públicos do país”

Catarina da Silva AlmeidaCoimbra

“Gosto que os nossos arquitectos ganhem prémios Pritzker e de ver o Porto pintalgado

com as suas obras de arte”Diana Soares Cardoso

Porto

“Gosto dos bons museus e da Gulbenkian. Da oferta de restaurantes

e discotecas/bares”José Toscano Rico

Lisboa

“A Baixa foi deixada ao abandonoCatarina da Silva Almeida

Coimbra

“Não gosto da falta de transportes públicos que me obriga a apanhar três autocarros para ir trabalhar, se quiser deixar o carro em casa”

Diana Soares CardosoPorto

Não haver civismo noestacionamento das viaturas”

Carlos Trocado FerreiraVila do Conde

“Gostaria de ver mudaras grandes desigualdades

sociais. Há muito gente miserável” Carmo Gouveia

Porto

“Gosto dos amigos, da vista de rio, do sapal do rio Coina e da Mata da Machada”

António Correia NunesBarreiro

“Gondomar clama por um parque da cidade”

Luís AlvesGondomar

“Está aos poucos a tornar-senuma cidade moderna”

Aleksander RibeiroGaia

“A cidade tem trânsitocaótico no centro”Aleksander Ribeiro

Gaia

“Adoro os eléctricos (e o metro)”

Rodrigo AlvesLisboa

“A insegurança. Sendo uma cidade do ouro,os assaltos tornam-se, infelizmente,

parte integrante do dia-a-dia” Luís Alves

Gondomar

“Carece de uma superfície comercialde média/grande escala para satisfazer

a população jovem”João Barbosa

Barcelos

“Acho ignóbil a maneira como as pessoas, especialmente os jovens,

foram empurrados para fora da cidade”Tiago Cunha

Lisboa

“Há boas escolas estatais. Os filhos poderem ir a pé sem

arranjar quem os leve”Paulo FerrazFamalicão

“Tem uma qualidade de vida fantástica. A nível cultural existe a maior diversidade”

Bárbara GarciaGuimarães

“Gosto da proximidade com o rio Arunca e com a serra do Sicó”

Tiago NunesPombal

“Porto e Gaia estão cheios de sol, bom tempo, boas praias,

turistas e gentes simpáticas”Nuno Gonçalo

Porto

“Falta de planeamento urbanístico que se reflecte na falta

de harmonia da cidade”José Toscano Rico

Lisboa

“A proximidade do mar e Lisboa são as suas melhores qualidades”

Filipa FerreiraAlmada

“Adoro a luz natural! É uma cidade soalheira, claríssima e arejada.

Destaco a brisa marítima que torna suportável o tórrido do Verão”

Cláudia Carneiro Aveiro

“Gosto da luz e clima” Marta Amaral

Lisboa

“Tem tudo o que eu preciso:praia e mar com monumentos, espaçosverdes, agenda cultural e desportiva”

Marlene AraújoVila do Conde

“Não gosto de terem retirado espaçosverdes da Baixa. Os espaços verdes são

pequenos e dispostos de forma aleatória”Ana Maia

Porto

“Qualidade de vida e do ar, pouco trânsito. Todo o movimento

cultural e urbano mal apoiado pelo Estado”

Miguel Nunes Braga

Três em cada cinco portugueses vivem nas cidades. Pedimos aos leitores que nos dissessem o que lhes agrada e não agrada na vida urbana. Os problemas de ordenamento, como a degradação urbana, e de mobilidade, como o trânsito e o estacionamento, estão à cabeça das queixas mais frequentes. Do lado das virtudes, estão os jardins, a proximidade do mar ou dos rios, a luz, a tranquilidade das cidades menores

O que gostamos ou não nas nossas cidades

“Não gosto da ponte Barreiro-Seixal estar por construir há mais de 35 anos.”

António Correia Nunes Barreiro

Público • Sexta-feira 22 Abril 2011 • 19

Mais urbanosEm 1950, apenas 31 por cento dos portugueses viviam nas cidades. Hoje são 61 por cento e em 2050 serão 80 por cento. No mundo todo, a população urbana ultrapassou a rural em 2008.

A maior parte do crescimento demográfi co global ocorrerá nas cidades. A urbanização, com os seus benefícios e problemas, é um traço indelével da população actual.

No futuro

O que será viver numa cidade dentro de 50 ou 100 anos?

O primeiro workshop que fizemos este ano com os alunos de pós-graduação na Architectural Association (AA) foi precisamente a visão de Londres no ano 2050. Entre os 41 cenários, poucos foram os que não visionaram Londres semiafundada, o que está de acordo com as previsões de contínua subida do nível do mar devido às alterações climáticas. E a maioria destes alunos, arquitectos de vários continentes, focou-se na questão das comunicações e transportes, mais do que nos edifícios propriamente ditos.

A tendência actual indica que as ruas nos centros urbanos tendem a ser mais estreitas e os passeios mais largos – é o que já acontece em Londres com a Oxford Street. As viaturas serão certamente mais pequenas e mais ecológicas. O sistema viário será redesenhado para carros movidos a electricidade proveniente de energia renovável produzida pelos próprios edifícios. Aumentarão as soluções de mobilidade urbana mais sustentáveis, tais como os sistemas de carsharing e bikesharing, conceitos já lançados em muitos centros urbanos. As bicicletas servem muito bem sobretudo as cidades planas. Talvez para cidades como Lisboa a solução seja motociclos movidos a pequenos motores eléctricos, com pequenas baterias, também estas carregáveis nos edifícios.

A maioria das profissões nas cidades será cada vez mais de prestação de serviços. Vai-se adquirir quase tudo online e trabalharemos muito a partir de casa. Haverá menos necessidade de deslocações. Tudo isto vai afectar a organização espacial, tanto urbana como no interior dos edifícios.

Mas como serão os nossos apartamentos nas cidades? Para além de sermos uma população mais velha e que passa mais tempo em casa, seremos mais “artificiais”, cheios de próteses e cicatrizes. Estaremos ainda mais dependentes de iPods, iPads, iPhones, mp3, e por aí fora… Uma era ainda mais digitalizada e simples de operar.

Os apartamentos serão desenhados integrando touch-screens para quase tudo. Com a existência dos computadores portáteis e iPads, passamos a necessitar de muito menos espaço para livros, CD, fotografias, etc. Já não haverá

tantas estantes ou armários, nem grandes secretárias – um laptop aconchega-se num colo, quando estamos no sofá, na cama, na kitchenette… Com apartamentos mais pequenos, com mais equipamentos e a passarmos mais tempo dentro de casa, vai ser necessário extrair (ou reaproveitar) todo o calor produzido dentro dos edifícios. E se os edifícios estiverem superisolados, mais difícil será conseguir arrefecê-los, um problema que já se sente nas novas construções da Europa Central, mesmo nos edifícios residenciais.

Os edifícios, além de autónomos, e independentes da rede eléctrica pública (off-grid), integrando sistemas (fotovoltaicos ou outros) para produzir energia, serão livres de carbono. Passarão de grandes responsáveis pelas emissões de carbono para grandes produtores e fornecedores de energia. Todas as construções novas e renovadas incluirão, além dos sistemas de abastecimento-fornecimento energético, sistemas solares para o aquecimento das águas, sistemas de reciclagem, compostagem e remoção dos lixos. As grandes cidades, sobretudo as capitais, serão densas, com a maioria dos edifícios a aumentar em altura. Um dos problemas do recurso aos painéis solares e fotovoltaicos é a necessidade de grandes superfícies e as coberturas não serão suficientes. Assim, terão de ser integrados nas fachadas.

Se daqui a 50 anos a maioria dos edifícios ainda cá estará, uns renovados, outros por reabilitar, eu, se ainda cá estiver, será em estado bem caquéctico e a circular pela cidade numa scooter movida a energia solar e a passar alguns sinais vermelhos, porque talvez pelo caminho me esqueça se o vermelho era para parar ou para andar… Daqui a 100 anos, uma coisa é certa: as cidades estarão cheias de idosos ainda no activo, uma vez que estamos a viver mais tempo e a reformar-nos cada vez mais tarde, e estes velhinhos talvez se movam em miniviaturas que já parem automaticamente nos sinais vermelhos, sem dependência da nossa massa cinzenta.

Paula San Payo Cadima, Sustainable Environmental Design Programme, Architectural Association School of Architecture

Os edifícios serão grandes fornecedores de energia

“Falta de acessibilidades, trânsito assustador que atrofia o centro todos os dias”

Cátia Veloso,Trofa

“O presidente da câmara, o crescimento desenfreado, ilegal e visualmente asqueroso, o serviço da CP vergonhoso, a falta de investimento

em turismo e cultura de topo” Miguel Nunes

Braga

“Está aos poucos a tornar-se numa cidade moderna”

Aleksander RibeiroGaia

“Odeio o lixo na rua. Os cocós de cão na rua (para quando multas aos donos?)”

Rodrigo AlvesLisboa

“Problemas de segurança na Baixa -vandalismo e assaltos!”

Gonçalo RodriguesSetúbal

“Podemos criar a nossa própria agenda cultural, trazendo

connosco a cidade dentro de nós”Francisco Castelo Branco

Lisboa

“Não gosto da falta de mercearias, nem da falta de visão do comércio tradicional

em muitos bairros” Marta Amaral

Lisboa

“A cidade é demasiado car friendly”

Maria Teresa Melo Lisboa

“Gosto das idas à Baixa, cheia de gente de fora. Gente que traz sempre algo de mágico com elas”

Adriano Godinho Lisboa

“Oferece jardins, ciclovias, parques e rotas de lazer, aos quais

a população não se faz rogada ”Cláudia Carneiro

Aveiro

“Gosto de a cidade não ser muito grande e de poder ir

almoçar a casa todos os dias” Diana Soares Cardoso

Porto

“O sossego da cidade, os espaços verdes que ainda abundam”

Cátia Veloso Trofa

“Gosto da revitalização de Alfama, do Chiado e do Bairro Alto que nos fazem acreditar!”

Carlos Alves Oliveira Lisboa

“A falta de visão estratégica e o betão fizeram a cidade crescer rápido e com um desordenamento único e sádico”

Rui LeiteVila Real

“Elevada qualidade de vida e forte dinamismo empreendedor”

Hélder AguiarSão João da Madeira

“Gosto: Parque Corgo (obra do Polis) e o Teatro de Vila Real”

Rui Leite Vila Real

“É uma selva de asfalto, onde os espaços verdes são escassos.

Prédios feios e por pintar”Pedro Rodrigues

Almada

“Pouca variedade nas ofertas de emprego, na perspectiva

de evolução e formação profissional” Maria João Carvalho

Funchal

População rural e urbanano mundo

Fonte: ONU

6,3

2,8

205020001950

Urbana

Rural

0,7

1,8

Mil milhões

20 • Público • Sexta-feira 22 Abril 2011

Velocidade

a Miguel Abreu, 38 anos, passa vários meses por ano a viajar entre Paris, Londres, Milão, Madrid, Düsseldorf. Não vive sem iPhone, encurta distâncias com recurso à webcam, tem o cuidado de municiar o Facebook e os blogues de moda com as novidades da GoldMud – a marca de calçado que criou do nada e que soube catapultar para os circuitos internacionais e para as páginas da Vogue. Trabalha com o pai, numa fábrica de calçado, em Lousada, a uma dezena de quilómetros do centro de Felgueiras. Manuel António Abreu, 64 anos, à beira de fazer 65, não sabe mexer num computador e arranha mal o inglês. Cresceu num período em que o país via televisão a preto e branco e em que os automóveis eram objecto de alguns privilegiados.

Os negócios que hoje Miguel fecha com recurso à Internet em menos tempo do que o diabo leva a esfregar um olho demoravam semanas a Manuel António. Por exemplo, porque os protótipos dos sapatos tinham que andar cá e lá pelos correios até acertarem nos pormenores. Recuemos alguns anos com Manuel: “Os negócios demoravam eternidades. Tínhamos que mandar a amostra do sapato confeccionado para o cliente examinar, ele tinha que o devolver com as alterações. Tudo por correio normal ou por express mail, se a urgência fosse muita.” Recuemos mais ainda: “Há 40 anos pouca gente tinha carro. Para mandar a mercadoria era através de comboio ou de camioneta. Na altura do meu pai, ainda me recordo, as operárias faziam a pé, 12 ou 15 quilómetros até ao centro de Felgueiras, com as encomendas de dez ou 12 pares de sapatos na cabeça para entregar nos correios. Quando eu comecei, já tínhamos carros e carrinhas.”

Negócios sem telefoneInternet é que não havia. Era fax e mesmo assim. “Já era um luxo, às vezes queríamos mandar, mas a outra empresa não tinha.” Não

admira. Até 1930, as chamadas telefónicas estabeleciam-se por intermédio de telefonistas. Em 1955 havia 198.439 telefones fi xos instalados e, 20 anos depois, 760.117 mil, para uma população que ultrapassava já os nove milhões. Manuel António lembra-se bem do tempo em que a necessidade de telefonar esbarrava muitas vezes com a ausência do aparelho no destinatário e ainda lhe acontece deixar-se estontear com a velocidade a que a vida corre hoje. “É tudo muito rápido. Hoje o estar aqui, ou em Inglaterra, ou na Alemanha é a mesma coisa. Quer dizer, é mais fácil chegar hoje a Frankfurt do que era chegar a Lisboa, de automóvel ou de comboio, há 30 anos.” Que o diga Miguel Abreu, a quem acontece perder o pé no mundo. “Já dei por mim a caminho do aeroporto e a ter que parar, durante largos segundos, a perguntar-me: ‘Mas, afi nal, para onde é que eu vou?’”

Iria para Londres, Milão, Bolonha, Madrid, Berlim – os sítios do costume. Miguel é apenas uma formiga entre os 6,4 milhões de passageiros que passaram pelos aeroportos portugueses no último trimestre de 2010. Contas feitas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE): em apenas três meses, embarcaram 3,1 milhões de passageiros nos aeroportos nacionais e desembarcaram 3,2 milhões. Entre os passageiros, 80,7 por cento circulavam de ou para o estrangeiro. Neste jogo de diferenças entre o Portugal de agora e o Portugal de antes, basta lembrar que o Aeroporto da Portela não existia até 1942. O de Francisco Sá Carneiro, no Porto, só foi inaugurado em 1945. “A primeira vez que andei de avião foi uma alegria. Devia ter uns 24 anos. Creio que foi até Düsseldorf [Alemanha] para uma feira. Gostei imenso e não tenho qualquer receio”, diz Manuel António. Os dias piores para Miguel são os gastos em aeroportos, em esperas intermináveis por voos de ligação. “Já não suporto, aliás, há

dias começámos a falar em fazer algumas das viagens intermédias de comboio para evitar essas esperas.”

A alternativa seria aproveitar mais a rede de auto-estradas. Em 1992, o país dispunha de 753 quilómetros de auto-estrada. Em 2010, são 2761 quilómetros. O Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias pôs-se a fazer as contas aos automóveis que todos os dias percorrem a A1 de ponta a ponta e chegou a uma média diária de 31.593 viaturas, no fi nal do ano passado.

6,7 mil milhões de SMSMas a forma mais rápida de eclipsar distâncias é, claro está, a Internet. Se for portável, melhor. Miguel usa o iPhone para tudo. Costuma passar entre três a quatro horas por dia em conversas. Acima da média nacional que nos é dada pela Anacom – Auto-ridade Nacional de Comunicações, a partir de cujos números se compõe um retrato curioso do país ao tele-fone. Vejamos: no fi nal de 2010, havia 16,47 milhões de telemóveis, dos quais 13,5 milhões tinham utili-zação efectiva. Contada pelo INE, a população residente em território nacional é de 10,6 milhões.

Mais indicadores: entre Outubro e Dezembro de 2010, foram realizadas 2,25 mil milhões de chamadas. Dá uma média de 61 chamadas por mês e por telemóvel. Em minutos passados ao telemóvel, tivemos, no mesmo trimestre, 5,3 mil milhões. E isto sem contar com os telefones fi xos: 4,4 milhões de aparelhos instalados e a funcionar. Quanto às mensagens escritas, foram enviadas 6,7 mil milhões. Mas atenção que, para esta soma, Manuel António também

Com o pai os negócios faziam-se com fax. O filho pôs o calçado na Internet e no FacebookSão pai e fi lho, ambos empresários do sector do calçado, mas as semelhanças acabam-se aqui: Miguel vive a 120 à hora, entre Porto, Madrid, Paris, Milão. Os sapatos que concebe podem ver-se no Facebook. O pai vai espreitando, mas lembra-se bem do tempo em que o fax era um luxo. Por Natália Faria (texto) e Paulo Pimenta ( foto)

contribuiu. “Aderi ao telemóvel quase logo que eles saíram. Deixei passar aqueles calhamaços iniciais, muito pesados, e depois aderi. Hoje, mando algumas mensagens, embora use o telefone quase só para falar.” Não tem Internet no telemóvel, o que não quer dizer que não lhe reconheça importância. Pelo contrário: “Pelo que vejo é formidável. Manda-se uma fotografi a por correio electrónico e, no mesmo momento, já estão a dizer-nos as alterações que querem fazer no sapato.” Por tudo isto, este empresário, que está prestes a ser classifi cado como idoso – um rótulo que se aplica a todos os que têm 65 ou mais anos de idade –, está a ponderar tirar um curso de informática. “Sem os computadores não se vai a lado nenhum.”

Miguel concorda. E ri-se quando conta que, para o seu pai, “mexer num computador é pior do que falar chinês”. Apesar disso, é o primeiro a pedir contas quando percebe que, na concorrência, se levou mais longe as potencialidades informáticas. “É o primeiro a vir perguntar por que é que não estamos lá ou mais à frente ainda.” Miguel, como o pai, há muito que sabe que, no mundo dos negócios, o que não tiver presença virtual é como se não existisse de todo. Por isso é que a sua marca tem site e por isso é que está a trabalhar na possibilidade de incluir nele as vendas online. “As vendas online vão ser as maiores adversárias das lojas. Os sites de vendas como a Amazon ou o ebay estão a crescer muitíssimo e por isso é que já estamos também a vender nesses canais.” Escreve-se o nome Goldmud no google.pt e aparecem 140 mil referências em 19 segundos. A marca também fornece novidades que ajudam a alimentar os blogues sobre moda e tem página própria no Facebook. Em Portugal – segundo o site www.socialbakers.com, que reúne estatísticas sobre o Facebook – esta rede social tem 3.551.970 utilizadores, o equivalente a uma taxa de penetração na população

de 33 por cento. Voltando aos números da Anacom, no fi nal de 2010, 4,7 milhões de portugueses eram utilizadores efectivos de Internet. A base de dados Pordata especifi ca que 53,7 por cento dos agregados familiares dispõem de acesso à Internet a partir de casa. Miguel usa-a para fazer compras e está agora a trabalhar no desenvolvimento de um programa “que permite que os modelos sejam apresentados pelo iPad, nas suas várias cores, para que os agentes não tenham que andar com sacos atrás”.

Estas apostas absorvem o tempo que Miguel deveria ter disponível para a família. Descontados os três a quatro meses que passa em viagem em cada ano (há-de piorar quando, em vez das actuais oito feiras anuais, estiver a correr 12), Miguel costuma sair de casa entre as 8h e as 8h30, não sem antes olhar para o mar da sua janela, em Matosinhos, e prometer pela enésima vez que há-de encontrar tempo para uma hora de surf ou, pelo menos, para uma corridinha pela marginal. “Fui morar para junto do mar, que é aquilo de que eu mais gosto, para ver se conseguia, mas não consigo.” Muitas vezes, demasiadas vezes, quando regressa da fábrica, entre as 20h e as 20h30, ou seja, 12 horas depois de ter saído, Miguel está tão cansado que a única coisa que lhe apetece é descalçar os sapatos e livrar-se do relógio. Isto, quando não aproveita o serão para se reunir com o pessoal do marketing ou para jantar com um estilista ou para pesquisar na Internet ou... Para trás fi cam os jogos de futebol com o fi lho de sete anos.

O pai, que se habituou a ir para casa e a desligar do trabalho, olha para o ritmo de fi lho e lamenta a falta de disponibilidade para a família. Mas rapidamente conclui que viver depressa é uma inevitabilidade nos dias que correm, passe o pleonasmo. “Andamos depressa de mais, mas a verdade é que, se não corrermos, somos ultrapassados.”

“É tudo muitorápido. É mais fácil chegar hoje a Frankfurt do que era a Lisboa há 30 anos”

Público • Sexta-feira 22 Abril 2011 • 21

Mais virtuaisEm Portugal, há mais de 16 milhões de telemóveis, para uma população de menos de 11 milhões de habitantes. Metade das famílias tem acesso à Internet em casa. Cerca de

3,5 milhões de portugueses estão no Facebook. No mundo todo, são 500 milhões. As comunicações, as deslocações, a vida, tudo hoje é mais rápido e mais virtual.

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No futuro

Os seres humanos comunicarão com seres virtuais, robôs e objectos em 2050. Comunicarão também com animais e plantas.

Os seres virtuais mais interessantes serão os entes queridos falecidos de 2020 a 2050. Nesse período, os cidadãos interessados em se perpetuar utilizarão o seu dispositivo móvel pessoal para gravarem, em imagem e som, o seu quotidiano. Utilizando inteligência artificial, vai ser possível simular, em 2050, diálogos com os nossos parentes e amigos desaparecidos utilizando esse repositório de memórias.

Autores como Bill Joy consideram que os robôs serão mais inteligentes que os seres humanos em 2050. Nessa altura, os robôs poderão questionar se somos necessários no planeta. Daniel Wilson escreveu How to survive a robot uprising (“Como sobreviver a uma revolta dos robôs?”), preparando-nos, com humor, para essa eventualidade.

Não partilho dessa visão apocalíptica. Graças às técnicas de autofabricação, vamos ser nós a produzir os nossos próprios robôs. Podemos, no limite, criar um exército de robôs que nos defenderá dos robôs revoltosos.

Para comunicarmos com os objectos, temos que lhes dar inteligência. Há inúmeras técnicas a serem investigadas para esse efeito. Aposto na codificação de regras de interacção com seres humanos utilizando computação química. Quando em 2050 tocarmos num livro (uma espécie em vias de extinção), visualizaremos uma mensagem na capa dizendo: “Tem cuidado no manuseamento, senão desapareço para sempre.”

Para comunicarmos com os animais e plantas temos que conhecer a sua inteligência e codificar as suas linguagens. Um trabalho eterno de ecologia sensorial. Mas em 2050 poderemos pelo menos falar com

os nossos animais domésticos. A evolução da comunicação

interpessoal humana será condicionada por dois factores fundamentais: a capacidade de “ler” a actividade cerebral dos outros utilizando os nossos dispositivos móveis; e a redução dessa actividade com a idade.

Para evitar que os outros cidadãos leiam o que pensamos vão ser desenvolvidos “exo-cérebros” que disfarçam a nossa actividade cerebral. Estes dispositivos filtrarão a comunicação do que verdadeiramente pensamos. Os designers de 2050 inspirar-se-ão na série Mad Men do princípio do século e os “exo-cérebros” vão ser parecidos com os velhos chapéus.

Em 2050, graças aos avanços na medicina viveremos até aos 140 anos. Mas a nossa actividade cerebral vai-se começar a degradar a partir dos 100 anos. Na comunicação com cidadãos mais novos teremos que recorrer à inteligência artificial implantada através de chips nos nossos cérebros.

A meio do século XXI, a relação da maioria dos cidadãos com os seus governos será inexistente. Esse processo começou em 2010. Foram-se criando comunidades de pessoas com interesses idênticos que viviam seguindo os princípios da anarquia expostos por Peter Kropotkin no final do século XIX. Muitas dessas comunidades eram a expressão física das redes sociais do Facebook, a maior empresa do mundo. As comunidades distribuíam-se pelo globo. Sobreviviam ainda alguns locais que obedeciam a governos, nomeadamente quando o nível de educação da população era baixo. Esses locais transformaram-se em parques temáticos cujos visitantes eram os cidadãos das comunidades anarquistas.

António Câmara, CEO da YDreams

Robôs, implantes eanarquistas em 2050

Comunicações

Fonte: ONU

SMS/mês por assinante

20092002

137

20

Miguel e Manuel António Abreu têm uma fábrica de calçado em Lousada

a forma mais simples,económica e efi caz de terágua quente e ecológica

Olhar de GénioSoluções EnergéticasRua general Torres, n.º 1220 - lj 774400-164 Vila Nova de GaiaTlm.: +351 93 84 000 12Telf.: +351 22 37 028 61www.olhardegenio.pt

Poupe mais de 70% dos custos em energia para a produção de água quente

22 • Público • Sexta-feira 22 Abril 2011

O que revelam os últimos censos em alguns países

Os dez mais populosos e PortugalFomos ver o que dizem os censos dos dez países mais populosos do planeta e espreitar o que se espera em Portugal. Na China, os resultados só serão conhecidos este ano e ajudarão a determinar quando a população mundial irá atingir os sete mil milhões. Na Índia, no Brasil e nos EUA, o crescimento populacional está a abrandar, em termos relativos. A Europa e o Japão confrontam-se com o envelhecimentoe a Rússia depara-se com uma crise demográfica. A actual ronda de censos, que começou em 2005 e vai até 2014, já contou cerca de 79 por cento da população mundial.Por Ana Rita Faria (texto) e Célia Rodrigues (infografia)

Fontes: Divisão de População da ONU; FMI

Foram necessários mais de seis milhões de recenseadores para calcorrear um território que é 104 vezes maior que o de Portugal. Os primeiros resultados só sairão no final deste mês e permitirão perceber, pela primeira vez, onde vive realmente a população chinesa e não onde está legalmente registada. Isso permitirá contar os milhões de chineses que, nas últimas décadas, migraram para as cidades, mas não têm estatuto de residente urbano, o que lhes nega o acesso a cuidados de saúde e educação. Estima-se que quase metade da população viva nas cidades e que, em 2015, a população urbana seja já superior à rural. Os censos de 2010 vão também mostrar o grau de envelhecimento da China, com o Governo a prever que, anualmente, oito milhões de pessoas, em média, engrossem a faixa etária acima dos 60 anos.

1 China

Só há ainda números provisórios, mas os censos de 2011 revelam já mudanças evidentes. A taxa de crescimento por década abrandou de 21,5 por cento (1991-2001) para 17,6 por cento (2001-2011). No entanto, mesmo crescendo mais devagar, a Índia deverá ultrapassar a China em 2025, tornando-se o país mais populoso do mundo. Os censos mostram também um aumento da taxa de literacia, que passou de 65 por cento em 2001 para 74 por cento este ano. O recenseamento traz também motivos de preocupação: o rácio de crianças do sexo masculino e feminino está ao nível mais baixo desde a independência da Índia (1947). Por cada 1000 crianças do sexo masculino, há 914 do sexo feminino. É, provavelmente, o resultado da aplicação em larga escala do “princípio do filho homem”, através do aborto selectivo.

2 ÍndiaOs censos nos EUA, realizados em 2010, contabilizaram 308,8 milhões de pessoas, mais 9,7 por cento do que na década anterior. É a taxa de crescimento mais baixa desde a Grande Depressão dos anos 30. O facto de a população estar a crescer mais no Sul e no Oeste do que no Centro-Norte e no Nordeste do país vai ditar mudanças na Câmara dos Representantes. Nos EUA, os censos servem não só para ajudar cada estado a alocar os gastos federais em educação, habitação, segurança e transporte, mas também para redistribuir os lugares dos estados americanos naquele órgão governamental. Os censos mostraram também que mais de metade do crescimento populacional entre 2000 e 2010 se deveu ao aumento da população hispânica. Em termos raciais, foi a população asiática que mais cresceu relativamente.

3 Estados Unidos Além de ter revelado que a população da Indonésia era, afinal, superior ao que o Governo previa (237,5 milhões de pessoas), os censos de 2010 permitiram ao país monitorizar vários elementos essenciais à prossecução dos Objectivos do Milénio das Nações Unidas – uma série de metas para o desenvolvimento sustentável. Os resultados finais dos censos só serão divulgados em Agosto deste ano, mostrando quantos grupos étnicos há no território (no recenseamento de 2000 foram identificados 101, mas deverão ser bem mais). Os censos do ano passado foram os mais avançados do país, incluindo questões sobre alimentação, acesso à Internet, habitação, saúde e envelhecimento. O programa de desenvolvimento do país depende muito das informações recolhidas pelos censos, que servirão para o Governo alocar o seu orçamento aos vários sectores e regiões.

4 Indonésia

No ano passado, os censos no Brasil vieram mostrar que a população brasileira era menor do que o Governo previa em 2009: 190,7 milhões, face aos 191,5 inicialmente estimados. Entre 2000 e 2010, o número de brasileiros cresceu 12,3 por cento, abaixo do que se tinha observado na década anterior (15,6 por cento). Além disso, a população está a tornar-se cada vez mais urbana: em 2000, 81 por cento dos brasileiros viviam em áreas urbanas, agora são 84 por cento. Os censos mostraram também o crescente amadurecimento da população brasileira, com o abrandamento do crescimento da população jovem e o aumento do número de idosos. Em 2010, havia mesmo 23 mil brasileiros com mais de 100 anos. O número de pessoas por alojamento está também a diminuir. Há mais 3,9 milhões de mulheres do que homens.

5 Brasil

Os censos do Paquistão arrancaram há pouco tempo e a primeira fase só terminou no dia 19, quando os recenseadores acabaram de contar cada alojamento no país. É a primeira vez que os censos contam todos os apartamentos existentes – até agora, eram contados apenas os andares dos edifícios. A segunda fase só deverá começar em Outubro e irá recolher as características demográficas, sociais e económicas da população, incluindo a literacia, o nível de vida e o acesso à informação. O recenseamento deveria ter--se realizado em 2008, mas as mudanças no Governo, os confrontos militares e as cheias do ano passado levaram ao adiamento. Os últimos censos (de 1998) contaram 132 milhões de pessoas. Espera-se que a população supere, agora, os 175 milhões.

6 Paquistão

10,6 milhõesCensos: 2011

160 milhõesCensos: 2006

191 milhõesCensos: 2010

309 milhõesCensos: 2010

Crescimentoeconómico

PIB percapita

2,7%

48.665dólares

EUA

15.227mil milhões de dólares

PIB

6,9%

1670dólares

Nigéria268 mil milhões de dólares

-1,5%

22.157dólares

Portugal

236 mil milhões de dólares

4,5%12.423

dólares

Brasil

2422mil milhõesde dólares

Prev

isõe

s do FMI para 2011

Público • Sexta-feira 22 Abril 2011 • 23

Os censos no Bangladesh arrancaram há poucas semanas e deverão esclarecer as dúvidas quanto ao total de pessoas que vivem no país. A diferença entre as estatísticas do Governo e as das Nações Unidas chega aos 12 milhões de pessoas. Para o Governo, os resultados serão importantes, sobretudo, para mostrar o progresso do país no cumprimento de objectivos económicos, sociais e políticos em termos internacionais, já que o Bangladesh elegeu como meta tornar-se um país de rendimento médio já em 2021. Além disso, permitirá mostrar qual o nível de população urbana e rural, pois o país, que é um dos mais densamente povoados do globo, tem assistido a um forte êxodo dos campos para as cidades nos últimos anos. Os primeiros resultados sairão dentro de poucos meses, mas os definitivos só chegarão em 2013.

7 Bangladesh Os últimos censos na Nigéria, realizados há cinco anos, punham a população em 140 milhões – um aumento de 63 por cento em 15 anos. Mas acabaram por ficar envoltos em controvérsia. Os dados oficiais atestavam que os estados do Norte do país, maioritariamente muçulmanos, representavam quase metade da população, praticamente o mesmo resultado do recenseamento anterior. O estado de Kano, no Norte, tinha mais quatro milhões de pessoas do que Lagos, no Sul, uma região maioritariamente cristã e onde está o centro da economia nigeriana e, portanto, para onde se deverão ter dirigido as ondas migratórias. As acusações de manipulação de dados em termos políticos multiplicaram-se. Perguntas sobre a religião e origem étnica foram excluídas dos questionários em 2006, aumentando ainda mais a desconfiança quanto aos censos.

8 Nigéria Apesar de ainda ser considerado um país emergente, a Rússia comporta-se como um país avançado no que toca à demografia. O censo de 2010 mostrou que, apesar do boom económico da Rússia sob a liderança de Vladimir Putin, o país não está a conseguir aumentar a população. Entre 2002 e 2010, a população russa diminuiu de 145,2 milhões para 142,9 milhões. O Governo tem tentado contrariar esta tendência, receoso de que o envelhecimento da população prejudique a economia. Com os russos a reformarem-se aos 55 anos, a crise demográfica traduz-se em menos um milhão de trabalhadores por ano até 2017. A elevada taxa de mortalidade infantil e de abortos, o baixo nível de imigração e o grande número de mortes por causa do álcool estão entre as causas do declínio populacional. Estimativas internacionais prevêem que a população possa descer até aos 116 milhões em 2050.

9 Rússia

No Japão, os censos realizam-se de cinco em cinco anos. Os do ano passado eram aguardados com alguma expectativa, porque eram os primeiros desde que a população japonesa passou a mostrar uma tendência de queda. Os resultados preliminares revelaram, no entanto, que a população japonesa ainda aumentou face a 2005 (mais 288 mil pessoas), mas a subida foi de apenas 0,2 por cento, a mais baixa taxa desde os primeiros censos regulares, em 1920. Desde 2007, o número de mortes tem superado o de nascimentos, o que coloca a população japonesa em rota descendente. O ligeiro aumento populacional terá ficado a dever-se ao maior número de residentes estrangeiros no Japão (em 2008, eram 2,2 milhões, com grandes comunidades de coreanos, chineses, filipinos, brasileiros e peruanos), bem como ao facto de este último recenseamento ter permitido a resposta por email.

10 Japão

Os censos de Portugal vão fornecer um conjunto de novas informações sobre a realidade nacional. Em primeiro lugar, irão responder à questão central: quanto continua a crescer a população portuguesa? Além disso, permitirão perceber o impacto das migrações na estrutura etária do país, qual o grau de despovoamento do interior, o número de casamentos e uniões de facto e também das crianças nascidas destas uniões. São os primeiros censos onde foi possível responder através de Internet e onde estão a ser georreferenciados os edifícios, o que dará à informação uma escala 20 vezes mais pormenorizada do que até agora. A entrega dos questionários em papel decorre até esta sexta-feira e os primeiros resultados são divulgados em Julho. Os números finais só serão conhecidos no final do próximo ano.

Portugal

1350milhões (estimativa)

Censos: 2010

1210milhões Censos: 2011

143 milhõesCensos: 2010

237 milhõesCensos: 2010

167 milhões (estimativa)Censos: 2011

169 milhões(estimativa)Censos: 2011

128 milhõesCensos: 2010

9,5%

4833dólares

China

6515mil milhões de

dólares

1,4%

45.659dólares

Japão

5822mil milhões de

dólares

4,8% 13.543dólares

Rússia

1895mil milhõesde dólares

2,8%1198

dólares

Paquistão203 mil milhões de dólares

8,2%

1382dólares

Índia

1700mil milhõesde dólares

6,2%

3465dólares

Indonésia823 mil milhões de dólares

6,3%

692dólares

Bangladesh115 mil milhões de dólares

O relógio dos censos

Pessoas contadas na actual rondade recenseamentos

5.466.605.725

201413121110090807062005

Nº de países que realizamcensos

Percentagemde populaçãorecenseada

67

18

76

43

141110

27

156%

21

57

76

97 99%

da populaçãomundial

79%

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