quando o liberal e o socialista se defrontam: bastiat, proudhon e a renda do capital

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    1_ Introduo

    A revolta popular que tomou as ruas de

    Paris, em fevereiro de 1848, ao colocarem fuga a famlia real e instalar a IIRe-pblica, representaria o sepultamentodefinitivo da restaurao dos Bourbonsna Frana, erradicando os ltimos ves-tgios do longo ancien rgime.Desde 1815,aps a derrota de Napoleo ao trminodos Cem Dias, a monarquia constitucio-

    nal inaugurada por Lus XVIII, continua-da por seu irmo Carlos X, deposto pelaRevoluo de Julho de 1830e substitudopor seu sobrinho Lus Filipe I, viria a seconstituir o principal fator de diviso en-tre os pensadores liberais do pas.1

    Aqueles vinculados ao liberalismo

    aristocrtico, como o visconde de Cha-teaubriand, pretendiam conciliar a digni-dade da razo, associada Carta Cons-titucional, com a majestade de outrora,resgatada pelo poder real. Acomodandoo passado no futuro, imaginavam assimassegurar os direitos do povo sem rom-per com a tradio aristocrtica. Os li-

    berais constitucionalistas de centro, porsua vez, como o conde Mol e o duquede Pasquier, preocupavam-se em assegu-rar o exerccio dos direitos constitucio-nais, mas livres do fervor revolucionrio,perante ofait accomplide uma monarquiacuja existncia apoiava-se em costumes

    j vencidos pelo tempo. Os ditos doutri-nrios, representados por Franois Gui-

    zot e Royer-Collard, mantinham-se fiisaos princpios da Revoluo, embora re-pudiando seus excessos, e acreditavam naevoluo da sociedade rumo igualda-de plena de direitos, garantidos por umanova realeza imbuda das liberdades mo-dernas (Girard, 1985, p. 53-79).

    O movimento revolucionrio de

    1848, ao sacramentar a derrota dos aris-tocratas pela burguesia bancria e indus-

    1 Quando Paris tomadapelos exrcitos da Inglaterra,da Prssia, da ustria e daRssia, em 31de marode 1814, o Senado depeNapoleo e nomeia um

    governo provisrio chefiadopor Talleyrand, que negociacom os invasores o retornoda monarquia sob um regimeconstitucional. O Senadoredige s pressas uma primeiraverso da Carta garantindoas liberdades individuais,inclusive de culto e de

    imprensa, ratificando aindaas desapropriaes de terrasrealizadas pela Revoluo.Aps seu retorno a Paris, em3de maio, Lus XVIII, irmode Lus XVI, nomeia umacomisso de monarquistas pararedigir outra Constituio. Anova verso da Carta mantm

    as desapropriaes de terras,as garantias civis e a liberdadereligiosa, assegurando ainviolabilidade do rei. Nocampo poltico, determinaa formao de um Senado

    vitalcio nomeado pelosoberano e de uma Cmarade Deputados para a qualsomente seriam elegveisos cidados que tivessempago uma quantia mnimade mil francos em impostos,enquanto apenas aquelescom contribuio acima de

    trezentos francos estariamaptos a votar. A Cmara, almdisso, poderia ser dissolvida aqualquer instante por decretoreal. A Constituio de LusXVIIIfoi promulgada em 4 dejunho de 1814(Martin,1885, p. 1-115).

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    trial, fez com que as liberdades econmi-cas da poca se traduzissem em avanosdemocrticos efetivos, particularmen-te por meio da promulgao do sufr-gio universal e da abolio da escravatu-ra nas colnias. At ento, as instituiespolticas de inspirao liberal existen-tes na Frana do sculo dezenove apoia-

    vam-se num universo restrito de eleito-res, cujo acesso ao voto dependia dos

    nveis de educao e de riqueza (em 1848havia 240mil eleitores, o dito pays legal,para um total de 35milhes de habitan-tes). Isso significava que, at ento, a in-terferncia das massas incultas na are-na poltica se processava sob a lideranade elites esclarecidas, responsveis pe-la conduo dos processos revolucion-

    rios pretensamente deflagrados em favorda populao pobre. medida, porm,que a frente contra o absolutismo viu-se vitoriosa,2 naquele exato momentose instaura a ruptura entre as suas clas-ses constituintes, trazendo tona as con-tradies internas do iderio Iluminista,particularmente entre o individualismodo mercado e o associativismo revolu-cionrio dos trabalhadores. Os liberais,

    nesse novo mundo, haveriam de se de-frontar doravante com o mpeto con-testador de um operariado que, embo-ra imaturo e desorganizado, passava a seexpressar com a prpria voz.3At mes-mo o moderado LAtelier, jornal operriode Paris, na sua edio de 26de maro de1848, perguntava como os trabalhadores

    2 Nas eleies de 1846,o ministrio conservadorde Guizot obtm maioriana Assembleia e se mostrainsensvel aos clamores poruma reforma poltica e pelosdireitos de livre associaodos trabalhadores. Logo,

    o governo passa a sofrerfortes ataques de imprensademocrtica, multiplicando-seas acusaes de corrupo.A oposio reformista,proibida de se reunir, promoveuma srie de banquetespelo pas, denunciando afalta de representatividade

    dos deputados e exigindoa reforma eleitoral. Umbanquete programado parao dia 22de fevereiro de 1848,em Paris, mas proibido pelogoverno. No dia marcado,a populao sai s ruasconfrontando as foras

    militares. Um embate com aguarda municipal resulta emvrios manifestantes mortos,acirrando os nimos do povo.No segundo dia, a multidoergue barricadas pela cidade, orei derruba Guizot, mas nemo conde Mol ou tampouco osoposicionistas Thiers e Barrot

    conseguem formar um novoministrio capaz de aplacar arevolta. Na terceira jornadarevolucionria, a turba dirige-seao Palcio das Tulherias, e LusFilipe I, pela manh, abdica emfavor do neto, o infante Lus-Filipe Alberto. Na Cmara

    dos Deputados, tarde, apopulao desfaz a sessopreparada para empossarcomo regente a nora do rei, aduquesa de Orlans, e instauraum Governo Provisrio, sob aliderana do deputado Dupontde lEure, que, reunido maistarde na Prefeitura de Paris,

    declara o retorno da Repblicae o fim da monarquia (Stern,1869, p. 1-140).3 Como observou Hobsbawm(1982, p. 135), no tocante repercusso da Revoluo de1848: O segundo resultado foi que,com o progresso do capitalismo, o

    povo e os trabalhadores pobres[...] podiam ser cada vez maisidentificados com o novo proletariadoindustrial, como a classe operria.Portanto, um movimento proletrio-socialista passou a existir.

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    poderiam se emancipar da condio deexplorados. A resposta no deixava mar-gens dvida:

    preciso, numa palavra, que num futuroprximo desapaream as categorias dos pa-trese dos empregados,e que se tenhamapenas por todo lugar os trabalhadoresassociados.Assim a parte de cada qualno depender mais do capricho ou da avi-dez de um chefe de explorao (LAtelier, 1848,

    p. 101, grifos no original).

    Indignados com a desigualdade dariqueza herdada do antigo regime e con-fiantes no poder do Estado em coibira concorrncia irrestrita, vrios autoresfranceses da primeira metade do sculodezenove viriam se alinhar ao movimen-to socialista em construo. Se Saint-Si-mon e seus seguidores conseguiam visu-alizar a superao do sistema liberal poruma nova ordem industrial comandadapelos cientistas e pelos homens de ne-gcios, outros se apresentavam comoautnticos visionrios. Charles Fourier,por exemplo, idealizou comunidades de

    cunho cooperativo e libertrio, organi-zadas em torno de phalanstres, enquan-to tienne Cabet no s escrevia comotambm se engajava na instalao de co-lnias comunistas em terras do NovoMundo. Mais comedido, Louis Blanc

    pretendia assegurar a oferta de empre-go por meio das oficinas nacionais es-tabelecidas pelo Estado, iniciativa desa-creditada aps o seu fracasso durante ogoverno provisrio de 1848. Os radicais,como Auguste Blanqui, ambicionavama tomada ditatorial do poder antes dastransformaes sociais, faltando-lhes, noentanto, apoio efetivo das massas (Ei-chthal, 1901, p. 78-108; Hobsbawm, 1982,

    p. 127-149).Desamparados pela imprensa tra-

    dicional, os prprios trabalhadores, jem 1830, procuravam articular seus pon-tos de vista perante o pblico em jor-nais como LArtisane Le Journal des Ou-vriers.Nesses folhetos era comum que oantagonismo entre patres e assalariadosaparecesse revestido na linguagem revo-lucionria do sculo anterior, ou seja, co-mo reproduo dos privilgios e abu-sos feudais existentes entre aristocratase servos. Os direitos ao produto oriun-do do trabalho e livre associao en-tre os trabalhadores, por sua vez, eram

    geralmente apresentados como decor-rentes dos princpios fundamentais daliberdade e da propriedade defendidosem 1789, emprestando assim legitimida-de e alcance social ao discurso das clas-ses laboriosas.

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    Ao longo do tempo, outras publi-caes viriam a cimentar gradualmente anoo de um interesse comum entre asdiferentes categorias de trabalhadores,fornecendo contornos mais ntidos a ummovimento de amplitude nacional. Uma

    vez cumprido esse estgio, a proposta deuma associao capaz de congregar a ir-mandade do operariado pobre em geraltorna-se passvel de formulao, surgin-

    do como alternativa sociedade existen-te. A partir da, especialmente do ano de1840, as ideias socialistas passam a fa-zer parte dos debates nas fbricas, nosmeios literrios e na imprensa em ge-ral. Com o advento do governo provi-srio de 1848e a supresso das restries imprensa escrita e liberdade de asso-

    ciao, proliferam os jornais de todas astendncias, entre os quais inmeros vin-culados aos trabalhadores, como LAvenirdes Travailleurs, La Commune, Le Travail,La Organization du Travail, Le Bonnet Rouge(Sewell, 1980, caps. 9e 11). Como ressal-tou Schumpeter (1963, p. 465):

    [...] o cenrio parisiense, at 1848, era co-lorido pelas atividades literrias e de outrostipos dos grupos socialistas, numa extensoque no encontra paralelo contemporneoem qualquer outro lugar.

    Nesse movimento, inclusive, Proudhonteria participao ativa, editando vriosjornais, entre eles o Representant du Peu-

    ple, Le Peuple e La voix du Peuple,sendo es-te ltimo o veculo do debate objeto dopresente artigo.

    Nas novas condies polticas esociais nascidas da queda da monarquia,a oratria dos liberais franceses, por sua

    vez, viria a se guiar no mais pelo papel

    poltico do soberano, mas sim pelos pro-gressos efetivos do movimento socialis-ta que ganhava autonomia. A partir deento, a pregao liberal assume car-ter mais pragmtico do que terico, res-saltando, de um lado, a natureza utpi-ca das propostas de reforma social e, deoutro, identificando o intervencionismo

    socialista ao poder absolutista do passa-do. Doravante, os ultraliberais, na penade Charles Dunoyer e de Joseph Gar-nier, vo se contrapor a qualquer legisla-o voltada a regulamentar o mercadode trabalho a fim de no entravar as for-as da oferta e da demanda. J os liberais

    moderados, como Adolphe Blanqui, en-campam a proposta de interveno legalnas relaes entre trabalho e capital co-mo meio de atenuar as injustias sociais,sem que a residisse condenao socie-dade industrial no seu todo. Noutro ex-

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    tremo, os liberais heterodoxos, como oengenheiro Michel Chevalier, abandona-riam a tese liberal de um simples esta-do guardio para defender a execuo degrandes investimentos estatais em infra-estrutura, mas mantendo-se fiis ao prin-cpio supremo da liberdade econmica.Independentemente de sua inclinaopessoal, os autores citados entendiam aeconomia poltica clssica como a nica

    ferramenta capaz de bem orientar a aodo poder pblico, servindo, assim, co-mo garantia da ordem e fundamento l-timo da sociedade (Breton, 1985; Lemes-le, 1990; Breton e Lutfalla, 1991).

    Ao repudiarem liminarmente oidealismo socialista, os economistas in-dicados declaravam ser a economia pol-

    tica liberal a nica capaz de oferecer so-luo cientfica aos problemas sociais ede proporcionar orientao efetiva ad-ministrao pblica. Acreditavam eles,igualmente, que o ensino e a difuso doscorretos princpios do saber econmi-co, legado duradouro do influente Jean-

    Baptiste Say, teriam o poder de esclare-cer a populao inculta sobre a genunacomunho de interesses entre o capital eo trabalho. Se, no plano mais abstrato daconstruo do conhecimento, observa-se um movimento de excluso dos fatos

    polticos do campo da economia comopretenso requisito para a sua definitivaafirmao cientfica, no plano concretoda ao cotidiana, verifica-se uma firmepostura institucional dos economistas li-berais. Assim, Charles Comte e Dunoyerfundam, em 1814, a revista Le Censeuremoposio a Lus XVIIIe Carlos X. Aps aRevoluo de Julho, verifica-se maior in-terao dos liberais com o poder, quan-

    do alguns deles assumem postos minis-teriais, fato que, contudo, no aplaca suaoposio s polticas protecionistas e co-loniais do governo. De qualquer forma,os economistas franceses no cessariamde lutar pela instaurao e pelo controledas ctedras de economia poltica nas fa-culdades de Direito e, at mesmo, no en-

    sino secundrio e primrio. Alm disso,em 1841, fundado oJournal des conomis-tes,primeira revista regular especializadaem economia na Frana do sculo de-zenove e mantida sob rgida supervisoeditorial dos liberais,4seguida peloAnnu-aire dconomie Politique(1844), pelo Le Li-

    bre change(1846), editado por Bastiat, jento um dos expoentes do liberalismo poca, e pelo Dictionnaire dconomie Po-litique (1852). Eles, em acrscimo, manti-nham sob sua tutela as sees de econo-mia poltica e de moral da Acadmie des

    4 OJournal des conomistespraticamente monopolizou odebate econmico na Frana,por quase meio sculo,mobilizando grandes nomesdo pensamento econmico

    do pas e contemplandoos mais variados temas,configurando-se em verdadeirosismgrafo de seu tempo(DePaula, 2002, p. 127). Quando,em 1877, introduzidoo ensino obrigatrio deeconomia poltica nos cursosde Direito, fortalece-setambm o movimento dos

    economistas com inclinaohistrica e intervencionista,o qual culminaria, dez anosmais tarde, no lanamento deuma publicao econmicaalternativa, a Revue dconomiePolitique,por Andr Gide.

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    Sciences Morales et Politiques, precursorasda Societ des conomistes,fundada em 1842(Breton, 1985e Fontaine, 1996).

    A reao dos liberais ao levantepopular de 1848no tardaria a se mani-festar. O Journal des conomistes, em edi-torial ao seu nmero de abril do mes-mo ano, alerta o leitor sobre as ameaas doutrina liberal oriundas da ignorncia,do protecionismo e, por fim,

    das iluses socialistas, que empurram ospoderes pblicos a adotarem medidas ar-tificiais incoerentes, prejudiciais e ruinosas(Journal des conomistes, 1848, p. 2).

    Em fevereiro de 1849, Chevalier, um dosprimeiros professores de economia pol-tica no pas, apresentava a refutao das

    teses socialistas como tema de sua aulainaugural no Collge de France.Aps brevecaricatura das crticas dirigidas ao capitale propriedade, proclama ele ser a livreoperao dos mercados mera extensodas liberdades civis, enquanto o to ata-cado interesse prprio atuaria na vidaeconmica das naes de maneira anlo-ga fora da atrao gravitacional no des-locamento dos corpos celestes. Os malessociais da poca teriam origem malthu-siana e s poderiam ser superados se ocapital se multiplicasse mais rapidamenteque os homens. Os socialistas, a despeito

    de suas boas intenes, no passariam dealquimistas sociais seduzidos por visesfantasiosas: Creio poder afirmar, con-clui Chevalier (1849, p. 29-30),

    depois da exposio que vos apresentei, quea diferena [entre a economia poltica e o socia-lismo] a mesma existente entre a realidadee a aparncia, entre a verdade e a fico,entre a histria e o romance.

    Nesse contexto histrico de embate luz do dia entre a mensagem liberal e asideias socialistas em formao que te-ria lugar a controvrsia opondo Bastiate Proudhon,5a ser examinada nas pgi-nas seguintes. Transcorrida logo aps olevante de 1848, teve incio com a publi-cao de dois panfletos de Bastiat, Capi-

    tal et rente,em fevereiro, eMaudit argent!,em abril de 1849, que obtiveram certa re-percusso entre o operariado parisien-se, motivando a publicao de uma car-ta aberta por Charles-Franois Chev nojornal La Voix du Peuple,do qual era co-editor. J no ms seguinte, Bastiat ofe-recia sua rplica e, a partir desse ponto,Proudhon assumiria o lugar de Chev nacontenda, levando os dois autores a tro-carem mais dez cartas pblicas a respeitoda legitimidade da renda do capital. Como propsito de resgatar-se esse episdiodeveras instrutivo sobre a prtica da ar-

    5 Proudhon, geralmenteconsiderado anarquista,apresenta-se como socialistadurante a discusso comBastiat por divergir da doutrinaeconmica dos liberais,apesar de opor-se tambm aoutros autores socialistas e

    comunistas. nesse sentidomais genrico do termosocialista, de uso comum poca na Frana para indicaros crticos do liberalismo eda propriedade privada, queProudhon qualificado comotal no presente artigo.

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    gumentao econmica, revisam-se, noque segue, as concepes gerais da eco-nomia esposadas por Bastiat e Proudhonem suas principais obras. Adiante, apre-senta-se o prlogo do debate, compre-endendo os folhetos de Bastiat, a contri-buio de Chev e a primeira intervenode Proudhon. Na continuao, cobrem-se as questes conceituais e de mtodoopondo os dois pensadores no tocante

    aos rendimentos do capital. A seo finaldo artigo trata da polmica sobre o cr-dito gratuito propugnado por Proudhone que reverteria, no seu encerramento,numa lastimvel troca de ofensas pesso-ais entre os envolvidos na discusso.

    2_ Bastiat, Proudhon e ocapitalismo do sculo XIX

    Claude Frdric Bastiat nasce em Bayon-ne, Sudeste da Frana, no dia 19de junhode 1801, filho de um prspero ne-gocian-te da cidade. Aos nove anos, torna-se r-fo, indo residir com o av. Em 1818,

    abandona os estudos na Escola Benedi-tina de Sorze, passa a trabalhar no esta-belecimento comercial do tio e aos vin-te quatro anos herda a propriedade ruraldo av em Mugron, onde reside at 1846.Durante esse tempo, dedica-se msi-ca, literatura e ao estudo da economia

    poltica. Escreve poca inmeros en-saios sobre questes tributrias e adu-aneiras, mas com circulao local. Emmeados da dcada de 1840, inspira-dopela agitao em prol do livre-comrciona Inglaterra, Bastiat assina o artigo Delinfluence des tarifs anglais et franais,publi-cado em 1844, noJournal des conomistes,que lhe rende reconhecimento imediatodos liberais de Paris, para onde se trans-

    fere logo depois.6

    Em 1846, funda umaassociao pelo livre-comrcio, na cida-de de Bordeaux, e passa a realizar pa-lestras, cursos e propaganda em prol daabertura dos mercados. Apesar do esfor-o, a iniciativa no frutifica e se extingueem meio ao turbilho de 1848. Eleito pa-ra a Assembleia Constituinte e, aps, pa-

    ra a Legislativa, assume o posto de vi-ce-presidente da Comisso de Finanas.

    Ao mesmo tempo, dedica-se ao enfren-tamento aberto dos tericos socialistas,a quem contesta numa srie de panfle-tos. Convicto de que a evoluo natu-ral da sociedade seria capaz de resolver

    por si s os problemas materiais do ho-mem, Bastiat publica, em 1850, o primei-ro volume de Harmonies conomiques.Nomesmo ano, viaja Itlia e sucumbe tu-berculose em Roma, no dia 24de dezem-bro, aos quarenta e nove anos (Fontenay,1862, p. 9-41; Basl e Gldain, 1991).

    6 No artigo, Bastiat criticao protecionismo francs elouva a orientao liberal docomrcio exterior britnico,o que barateava os bensde consumo e o custo damo de obra no alm-Mancha, reforando, assim, a

    competitividade do pas. Comisso, as barreiras tarifriasda Frana logo precisariamde reajuste, aprofundandoainda mais o fosso dedesenvolvimento entre as duasnaes. O protecionismo e aocupao colonial levariam aosconflitos, enquanto somente olivre-comrcio garantiria a paz:

    O regime proibitivo, portanto, uma causa permanente de guerras:e direi mais, em nossos dias ela a nica[...] Mas, para abrir osmercados, no da fora que senecessita, mas sim da liberdade(Bastiat, [1844] 1862, p. 377,grifos no original).

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    A obra Sophismes conomiques, pu-blicada em 1845, uma compilao dediversos artigos de Bastiat contra as te-ses protecionistas correntes na Frana7e

    veiculados noJournal des conomistes e noLe Libre Echange.Entre eles, restaria cle-bre a criativa petio dos fabricantes de

    velas, solicitando aos deputados uma leideterminando o fechamento das janelasa fim de estimular a produo domstica

    de velas, abrigando-a assim da concor-rncia desleal do Sol. Ainda, noutra pea,Bastiat ironiza a sugesto de um cronis-ta recomendando a interrupo, em Bor-deaux, da estrada de ferro ligando Parisa Bayonne, uma vez que, se os passagei-ros e a carga fossem obrigados a parar na

    cidade, o evento seria lucrativo aos bal-seiros, aos carregadores e aos hoteleiros.Mas, se os residentes de Bordeaux vies-sem a se beneficiar de tal lacuna na es-trada de ferro, observa Bastiat, ento ci-dades como Angoulme, Poitiers, Tours,Orlans, situadas no percurso, tambmganhariam se reivindicassem a mesmacoisa, resultando em tamanho fraciona-mento nos trilhos que conformaria uma

    estrada negativa (Bastiat, [1845] 1863,p. 57-62, 93-94).

    O livro Harmonies conomiques,porsua vez, tem sido apontado como evi-dncia do otimismo ingnuo de Bastiat,por conter um repdio s predies fu-nestas da economia clssica, especial-mente o estado estacionrio ricardiano ea tese malthusiana da misria crescente(Brunel, 1901, p. 85-88). preciso ob-servar a esse respeito, no entanto, queo prprio Bastiat j concebera, num deseus mais extensos artigos, Physiologie dela Spoliation,serem as sociedades huma-nas eivadas pela tendncia do homem

    pilhagem de seu semelhante.O que previne a ordem social de alcanara sua perfeio (ao menos aquela possvel) o esforo constante de seus membros paraviver e se desenvolver a expensas dos outros(Bastiat, [1850] 1863, p. 128).

    7 O Imprio de Napoleodeixou como legado Franaa centralizao do poder e oprotecionismo. No obstante,o sucesso da unio aduaneiraalem, o Zollverein,estimulouas tratativas para a adoode medida semelhante entreFrana e Blgica, mas quefracassaram em 1837e 1842por presso dos industriaisfranceses (Ravix, 1991,p. 494-501). A polticaeconmica do perododa restaurao apoiava-se fortemente tambmnos proprietrios rurais,

    decorrendo disso resolutoapoio ao protecionismo porparte dos sucessivos governosdo pas. Como explica umhistoriador do perodo: Seinstala [na Frana] um sistemaoriginal, associando liberalismo nointerior e protecionismo extremonas fronteiras. Tal construo justificada pela opinio popularsegundo a qual a indstria podeexperimentar um crescimentocontnuo em meio a um climacompetitivo desde que o mercadonacional esteja protegido dospredadores externos(Broder, 1993, p. 63).

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    Quando assim ocorresse por um gru-po j estabelecido, explica ele com crue-za, tais indivduos criariam um conjunto

    de leis e um cdigo moral autorizan-do e glorificando o processo existen-te de espoliao. As guerras, a escravi-do, os direitos feudais, as teocracias, osmonoplios e os tributos excessivos re-presentariam distintas formas histricasde pilhagem, para as quais o nico rem-

    dio consistiria em revelar aos povos asvantagens decorrentes da troca justa deservios teis, j que, para Bastiat, pilharsignificava enganar. E enganar era per-suadir quem fosse roubado de que as-sim sucedia para a prpria vantagem. Ouseja, a vtima deveria aceitar voluntaria-mente a troca de servios efetivos por

    outros fictcios ou de qualidade inferior.Da a origem dos sofismas, fossem eleseconmicos, polticos ou religiosos, osquais deveriam ser desmistificados pe-lo entendimento universal das vantagensassociadas liberdade.

    Procure-se como quiser, verifica-se sempre

    ser indispensvel que a opinio pblica seesclarea. Esse o nico remdio (Bastiat,[1850] 1863, p. 140).

    sob tal perspectiva que deve serentendida a viso das harmonias econ-micas de Bastiat. J debilitado ao redigir

    a sua obra final, ele explica no prefciono esposar um otimismo pueril ou tam-pouco ser insensvel aos vcios e defei-

    tos da sociedade diante de si. Antes, porser o homem livre, mas ignorante, caber-lhe-ia escolher. Ao faz-lo, ele poderiase equivocar e, como consequncia, so-frer. Mas esse sofrimento, para Bastiat,possuiria carter pedaggico, porquantoensinaria os indivduos a no persevera-

    rem nos erros. A repetio dos compor-tamentos equivocados teria o poder derevelar os efeitos perversos imprevistosda ao humana, possibilitando o apren-dizado verdadeiro decorrente de atos

    voluntrios. O aperfeioamento originar-se-ia do erro e da possibilidade de repa-r-lo livremente.

    Por certo, no pensamos que tudo corra damelhor forma. Tenho f integral na sabedo-ria das leis providenciais e, por essa razo,tenho f na liberdade. A questo saber sedispomos de fato da liberdade (Bastiat, [1850]1864, p. 12).

    No corpo do livro propriamentedito, o liberal francs empenha-se na re-futao das previses cataclsmicas doseconomistas clssicos. Denunciando, pri-meiramente, as limitaes das teorias do

    valor trabalho e da utilidade, ele apresen-ta como norma reguladora da vida eco-

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    nmica a troca de servios por servios,des-cartando, assim, toda a materialidade desua anlise do valor. A partir da, con-

    cebe o fenmeno do juro como essen-cialmente justo, visto que, ao contrrioda venda, na qual a troca acompanha-da de pagamento vista, nos emprsti-mos de capital o diferimento na liquida-o do principal significaria a prestaode um servio ao devedor, demandan-

    do, desse modo, retribuio na formade juros. A tese ricardiana de aumentoprogressivo da renda fundiria, por sua

    vez, rebatida pela observao de queo progresso tcnico neutralizaria os efei-tos negativos da ocupao de lotes cada

    vez menos frteis. O aumento resultan-te no valor das terras mais produtivas se-

    ria, portanto, acompanhado pelo barate-amento dos gneros agrcolas. Apoiadoainda na experincia histrica e na teseclssica de que a acumulao de capi-tal viria acompanhada de queda conco-mitante na taxa de juros, Bastiat lembraque a participao percentual dos rendi-

    mentos dos capitais na renda total dimi-nuiria gradativamente em favor do traba-lho. A presso populacional malthusianaseria refreada, ento, pelos ganhos dasclasses inferiores que lhes permitiriam oexerccio de comedimento na multiplica-o familiar, posto que todos os indiv-

    duos almejariam melhorar a sua condi-o de existncia (Bastiat, [1850] 1864,caps. 7, 9, 13, 14e 16).

    Bastiat no parece ter sido mere-cedor de reconhecimento por parte deautores como Marx, para quem ele nopassaria de mero harmonizador e apolo-

    gista de ofcio (1985, p. 1539), ou mesmoSchumpeter que, no menos severo, con-siderava-o incapaz de manusear o aparato

    analtico da economia (1963, p. 500). Taisavaliaes, por mais apropriadas que seafigurem numa abordagem retrospecti-

    va, no chegam a fazer inteira justia aopolemista francs pela simples razo deprocurarem em suas obras algo que ele,declaradamente, nunca pretendeu ofere-cer. Noutros termos, o prprio Bastiat

    sempre se apresentou como paladino,em vez de luminar, da causa liberal.

    Nas concluses da primeira par-te de seus Sophismes,ele discorre precisa-mente sobre a sua misso vis--visaquelesque considerava verdadeiros tericos dacincia, como Say, na economia, ou La-

    place, na mecnica celestial. O saber hu-mano, segundo Bastiat, dividir-se-ia emdois campos: o primeiro, formado pe-los ramos de estudo acessveis somen-te a alguns especialistas, embora de uti-lidade geral, como a fsica ou a qumica.

    J o segundo abarcaria as reas do co-

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    nhecimento como a tica e a economiapoltica, cujos desdobramentos prticosdependeriam da difuso de seus princ-

    pios essenciais entre o pblico. Nesse ca-so, seria preciso no apenas desenvolvera cincia, mas, da mesma forma, disse-min-la entre os indivduos a fim de su-primir as concepes errneas, como oprotecionismo e o socialismo, facilmentepropaladas em meio sociedade.

    Que diferena faz que Smith, Say e deacordo com M. de Saint-Chamans , oseconomistas de todas as escolas tenham pro-clamado, relativamente s transaes comer-ciais, a superioridade da liberdade sobre acoero, se aqueles que fazem as leis e aque-les para quem elas so feitas esto conven-cidos do contrrio? (Bastiat, [1845] 1863, p. 122,

    itlicos no original).

    Passando ao segundo protago-nista do debate em questo, Pierre-Jo-seph Proudhon nasce em 15de janeirode 1809, em Besanon, leste da Frana,filho de pai cervejeiro e me cozinhei-ra. De famlia modesta, portanto, come-a a trabalhar cedo, iniciando os estudossomente aos dez anos, quando demons-tra grande voracidade de leitura. Aos de-zoito, ingressa no colgio de Gray, masl permanece por pouco tempo em vir-tude da obrigao de trabalhar. Assume,ento, um posto na grfica Gauthier, es-

    pecializada em teologia, onde atua co-mo corretor e tipgrafo, especialmentede obras religiosas. Em 1837, seu Essai

    de grammaire gnrale lhe rende o prmioSuard da Academia de Besanon, per-mitindo-lhe concluir a faculdade. Em1840, Proudhon publica Quest-ce la pro-

    prit?,que o tornaria famoso como agi-tador por conter o mote a proprieda-de o roubo. No ano de 1842, assina

    o livro Avertissement aux propritaires, ra-zo de seu indiciamento por conspira-o contra a ordem social, acusao daqual, contudo, conseguiria sair absolvi-do. J em 1846, chega s estantes a obraPhilosophie de la misre, onde Proudhonexamina os principais conceitos da eco-nomia poltica da poca e sustenta se-

    rem os mesmos incompletos e envoltosem contradio.

    Quando estoura a Revoluo de1848, ele eleito para a Assembleia Cons-tituinte, de onde atacar, no ano seguin-te, o ento presidente Louis Bonaparte,fato que lhe rende novo indiciamento e

    encarceramento por trs anos. Nesse pe-rodo, torna-se editor-chefe de algunsjornais populares, entre eles o La Voixdu Peuple,editado da priso e no qual vi-ria a travar o debate com Bastiat, tema daseo seguinte. Liberto, Proudhon con-tinua sua prolfica trajetria de escritor e

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    polemista, sendo condenado novamente priso em 1858e fugindo para Bruxe-las na ocasio. De l expulso em 1862

    por pregar a anexao da Blgica Fran-a, quando retorna a Paris por sua penaj haver prescrito. Falece em 18 de janei-ro de 1865, abatido por sequelas da cle-ra que contrara em 1854(Spoll, 1868, p.5-63; Jackson, 1963, caps. 2-9).

    EmQuest-ce la proprit?,obra sau-

    dada pelo jovem Marx como um divi-sor de guas no tratamento do assunto,8Proudhon busca demonstrar que o ni-co mundo possvel de justia integral se-ria aquele de plena igualdade, quando afico jurdica da propriedade no maisexistisse. Os pretensos fundamentos detal instituto, definido por ele como o

    direito individual de dispor de forma absolu-ta da propriedade social(Proudhon, [1840]1873, p. 45) so um a um derrubados porProudhon. Assim, a propriedade comodireito natural do homem no possui-ria carter absoluto, diferentemente daliberdade, da igualdade e da segurana,por se confrontarem a os privilgios eas vantagens decorrentes da propriedadecom o princpio social da igualdade. J aocupao original do solo como hipot-tico substrato primitivo da propriedadeno levaria em conta direito similar dosoutros homens, coagidos tambm a pro-

    ver o seu sustento mediante igual aces-so aos recursos naturais. Tampouco otrabalho poderia ser invocado como ali-

    cerce ltimo da propriedade porquanto,ao se extinguir a capacidade laboral doindivduo, cessaria o direito livre dis-posio do que fosse seu. A proprieda-de do produto, como afirma Proudhon,no assegura a propriedade do instru-mento que lhe deu forma, assim como

    o viajante no se apropria do caminhoem que passa. Nem mesmo as diferen-as de talento poderiam justificar as de-sigualdades, dado que tudo que se fazdepende de uma infinidade de produtose servios ofertados pelos outros, cadaqual devendo receber no pelo que exe-cutou, mas de acordo com as suas neces-

    sidades. Ou, como se expressa o prprioProudhon, sobre as implicaes trgicasda propriedade:

    A justia, ao sair da comunidade negati-va, chamada pelos antigos poetas idade doouro, comeou por ser o direito da fora [...]Do direito da fora derivam a explorao

    do homem pelo homem ou, dizendo doutromodo, a servido, a usura, o tributo impos-to pelo vencedor ao inimigo vencido, e todaessa famlia numerosa de impostos, gabelas,revelias, corvias, derramas, arrendamentos,aluguis etc., numa palavra, a propriedade(Proudhon, [1840] 1973, p. 209-210).9

    8 Todos os tratados de economiapoltica assumem a propriedadecomo um dado [...] Mas Proudhon

    procede a uma investigao crtica a primeira resoluta, sria e, aomesmo tempo, cientfica da base daeconomia poltica, a propriedadeprivada.Esse o grande avanocientfico que ele realiza, um avanoque revoluciona a economia poltica eque pela primeira vez torna possveluma cincia real da economia

    poltica(Marx, 1845).9 A usura, tema do debatefuturo com Bastiat, tambmconsiderada por Proudhonuma das formas institucionaisde roubo, especialmente porparte de agiotas e bancos, mastambm pelos capitalistas.Estes ltimos, contudo, porse satisfazerem com taxas de

    retorno mais modestas do queas dos financistas, foram porele ironizados como a finaflor da sociedadeem razo deconseguirem exercitar a virtudesuprema da moderao emmeio ao roubo (Proudhon,[1840] 1873, p. 207).

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    J no convoluto Systme des contra-dictions conomiques ou philosophie de la misre(1846), Proudhon mergulha nas questes

    centrais da economia poltica a fim deapresentar sua concepo do desenvol-

    vimento social. Servindo-se de uma ver-so rudimentar do mtodo hegeliano,10ressaltando a oposio entre os aspec-tos positivos e negativos de cada fen-meno, ele parte do conceito de Deus co-

    mo ideia essencial ao ordenamento daevoluo humana em seu estgio anti-go, mas que, com o passar do tempo, setornou desprovida de divindade. A eta-pa contempornea da histria estaria do-minada pelo saber cientfico que condu-ziria a humanidade a um arranjo socialregido pela igualdade. A partir da, Prou-

    dhon investe contra a economia polticae o socialismo, acusando o primeiro sis-tema de promover a misria, apesar derealista, e o segundo de ser desprovidode vis prtico, apesar de solidrio.

    Os economistas [...] so otimistas em re-lao aos fatos consumados; os socialistas

    o so com relao aos fatos a consumar(Proudhon [1846] 1972, p. 47).

    A economia poltica consistiria em nadamais do que um conjunto de discursosincoerentes e apologticos da proprie-dade, enquanto o socialismo afirmariaa ordem social como transitria e injus-

    ta, apoiada num sistema de explorao.O equvoco fundamental da primeira li-nha de pensamento, segundo o discurso

    proudhoniano, residiria na interpretaoda vida moderna como algo definitivo,incapaz, portanto, de vislumbrar o im-perativo da mudana rumo a uma orga-nizao igualitria. Os socialistas, de suaparte, pecariam por se aventurarem emespeculaes sociais fundadas na centra-

    lizao absoluta do poder.O erro do socialismo foi, at aqui, o de per-petuar o devaneio religioso lanando-se emum futuro fantstico ao invs de capturar arealidade que o esmaga, assim como o errodos economistas o de considerar cada fatopositivo um impedimento a qualquer propos-ta de mudana(Proudhon [1846] 1972, p. 128).

    conhecida a reao crtica deMarx ao livro de Proudhon, materializa-da emA misria da Filosofia (1847).Umareviso desta ltima obra escapa aos pro-psitos do presente artigo, de modo quese indica aqui apenas um ponto essencialsugerido por Marx em contraposio ao

    seu contemporneo francs. Num lingua-jar rspido, Proudhon acusado de igno-rar a genealogia histrica das categoriaseconmicas, como o valor de troca, as-sumindo-as surgidas unicamente de umrasgo de inteligncia de certos produto-res. Ao contrrio, no s as mercadorias,

    10 Proudhon no dominavao idioma alemo, tendo se

    utilizado de fontes secundrias,como a Histoire de la PhilosophieAllemandede Victor Cousin, eda verso oral de expatriadosgermnicos, como Karl Grnne Marx, para compor oque entendia ser o mtododialtico da sociedade (Jackson,1963, p. 41-57).

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    mas tambm as relaes sociais, afirmaMarx, seriam gestadas pelos homens deacordo com o estgio de desenvolvimen-

    to das foras produtivas. Da nasceriamtambm as representaes mentais, nomais na forma de princpios absolutos oueternos, mas como expresses transit-rias de determinada etapa histrica.

    O moinho movido pelo brao humano nosd a sociedade com o suserano; o moinho a

    vapor d-nos a sociedade com o capitalistaindustrial (Marx, [1847] 2001, p. 106).

    Em carta a P. V. Annenkov, de 28de de-zembro de 1846, Marx j destacara seudesdm pela suposio de Proudhon deser o desenvolvimento social manifesta-o de certa razo universal metafsica,

    a saber, o movimento rumo igualda-de entre os homens. Para o filsofo ale-mo, essa ordem de causalidade existiriaapenas na mente conturbada do escritorfrancs, incapaz de vislumbrar a conca-tenao entre as condies de produo,as relaes sociais e as ideias que lhescorresponderiam:

    Assim, pois, o Sr. Proudhon, devido prin-cipalmente sua falta de conhecimentoshistricos, no viu que os homens, ao de-senvolverem as suas faculdades produtivas,isto , vivendo, desenvolvem certas relaesentre si, e que o modo dessas relaes muda

    necessariamente com a modificao e o de-senvolvimento dessas faculdades produtivas(Marx, [1847] 2001, p. 210).

    Numa srie de artigos publicadosem 1848, reunidos mais tarde sob o ttu-lo Solution du problme social,Proudhon vaifinalmente discorrer sobre os meios efe-tivos de transformao da sociedade nocontexto do movimento revolucionriodo perodo. O igualitarismo geral por

    ele descartado sob o argumento de quea repartio dos rendimentos dos capi-talistas acarretaria a eliminao da pou-pana e do investimento, arruinando,assim, o capital nacional. Ainda, a apro-priao estatal do solo somente faria porcriar outra casta improdutiva a viver darenda da terra, porm, no seio do Esta-do. Para Proudhon, o problema efetivoda sociedade capitalista situar-se-ia nagarantia do emprego e de melhoria sa-larial dos trabalhadores. Quando consi-derados em seu conjunto, porm, os as-salariados jamais poderiam conformaruma demanda apropriada para a produ-

    o por eles criada, visto que a massa dosseus rendimentos seria insuficiente paraabsorver a oferta total, includo a o lu-cro correspondente.

    Com o objetivo de viabilizar o fi-nanciamento da demanda excedente, o

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    equilbrio dos mercados e a ampliaoconstante da riqueza e do emprego,Proudhon defende a criao de um Ban-

    que du Peuplea fim de estabelecer uma es-pcie de republicanismo financeiro. Maisespecificamente, ele pretende a derru-bada do poder absolutista do ouro co-mo lastro monetrio, substituindo-o pe-la concesso livre de crdito segundo acapacidade produtiva de cada indivduo,

    tornado scio comanditrio do bancopopular. Assim, teria fim o primado damoeda, dos juros e das crises financeirassobre a vida econmica da nao, abrin-do-se espao para o domnio final datroca de produtos por produtos e para asreformas sociais num contexto de con-crdia social. Nesse novo mundo, decla-

    ra Proudhon,

    [r]esolveremos todas as contradies econ-micas, emanciparemos o trabalho e submete-remos o capital; o trabalhador e o capitalistaestaro ambos satisfeitos e contentes um como outro (Proudhon, [1848] 1868, p. 130).

    3_ Primeira escaramua:os contendores se apresentam

    O debate objeto do presente artigo ini-cia-se com o panfleto de Bastiat intitula-do Capital et rente,publicado em fevereirode 1849, em que o autor busca demons-

    trar o carter legal do juro e sua naturezaperptua, defendendo a renda do capitaldos ataques conduzidos por Proudhon

    em seu jornal. Com isso, Bastiat preten-dia refutar no s a ideia de gratuidadedo crdito, mas toda e qualquer especu-lao socialista apoiada na crena de ojuro configurar-se roubo. Para tanto, elese serve de breves estrias que acredita-

    va serem verses simplificadas, mas re-

    presentativas, da realidade econmica.11

    Num dos exemplos descritos em seutexto, o carpinteiro Jacques confeccionauma plaina a fim de melhorar a qualida-de dos mveis que produz e obter maiorreceita. Ele reserva dez dias de trabalhopara a tarefa, projetando reaver com ga-nho os rendimentos dos quais abriu mo

    durante o fabrico da ferramenta. Ao tr-mino da empreitada, Guillaume, tambmcarpinteiro, ao deparar-se com a plainareluzente, prope a Jacques tom-la poremprstimo durante um ano, mas semnus. Jacques protesta e exige que a plai-na, caso cedida, fosse retornada nas mes-mas condies em que Guillaume a re-ceberia. Este ltimo concorda, mas serecusa a pagar qualquer coisa alm disso.

    A resposta que recebe do colega advm,ento, nos seguintes termos:

    Jacques: Penso o contrrio. Fiz a plainapara mim e no para voc. Esperava con-

    11 A abordagem praxeolgica

    de Bastiat favorece esseestilo quase ldico que,para o leitor desavisado,pode parecer ingnuo cujo objetivo facilitar oentendimento da economiapelo leigo. Considerando oautointeresse como motorda ao humana, ele analisaas reaes dos indivduosaos incentivos dados pelaconformao institucionalem que se inserem, para dadeduzir as consequnciasde seus atos. Assim, fazia-semister visualizar cenriosque representassem o cernedo fenmeno abordado,abstraindo-se os elementos

    propensos a falsear apercepo dos homens. Taisestrias, nas palavras doliberal francs, seriam umarepresentao fidedigna, o smbolode todo capital, [...] de todo o juro(Bastiat, [1849] 1873, p. 46).

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    seguir algum benefcio com ela, pois meutrabalho sendo de maior qualidade e maisbem pago, eu melhoraria minha sorte. No

    posso ced-la gratuitamente. Qual a razopara que eu faa a plaina e voc colha os lu-cros? Eu poderia da mesma forma pedir-lhea sua serra e o seu machado. Que confuso!No seria melhor que cada qual guardas-se o que fez com as prprias mos, assimcomo guardamos nossas mos? Servir-se dasmos dos outros, sem pagamento, chama-se

    escravido; servir-se da plaina dos outros,sem retribuio, pode isso ser chamado fra-ternidade? (Bastiat, [1849] 1873, p. 45, itlicosno original).

    Guillaume termina por aceitar aproposta de Jacques que, por seu tur-no, voltaria a lhe emprestar a ferramentapor muitos anos. As lies desse exem-plo, segundo Bastiat, residiriam, primei-ramente, na constatao de que, acei-tando-se como justo o pagamento peloservio prestado por Jacques ao colega,ento, como regra geral, se deveria acei-tar igualmente como natural o fato deo capital produzir juros. Afinal, o pr-

    prio tomador do emprstimo, Guillau-me, no resultaria prejudicado no ne-gcio, sendo de seu interesse entrar emacordo com o amigo. Caso a barganhafosse por demais dispendiosa, ele po-deria simplesmente encerrar a conver-sao. Assim, o emprstimo em si no

    seria responsvel por qualquer dificulda-de anterior de Guillaume, tendo a opera-o at contribudo para mitigar os seus

    problemas econmicos. Ainda, explicaBastiat, enquanto Jacques mantivesse aplaina em bom estado, ele estaria apto arenovar indefinidamente o emprstimo,fazendo jus, por conseguinte, a um ren-dimento perptuo.

    A operao toda, quando condu-

    zida em dinheiro, no obstante a trans-ferncia de valores em vez de algo ma-terial, em nada alteraria as conclusesderivadas do exemplo relatado. E, me-dida que mais e mais capitais se acumu-lassem, menor resultaria o juro a ser pa-go, favorecendo igualmente o devedor.Para isso, seria preciso estimular tudo o

    que fosse propcio poupana, no lugarde se atacar a prpria razo de ser doscapitais, ou seja, o juro. Da, para Bastiat,a origem do sofisma de Proudhon, quetomava a reduo da taxa de juros, comoocorrera historicamente com a Holan-da e outras naes europeias afluentes,

    por causa original, em vez de sintoma,do progresso social (Bastiat, [1849] 1873,p. 49).

    No ms de abril de 1849, Bastiatpublica o artigo Maudit argent!, em quecerto economista, indicado por F*, re-clama da capacidade de o dinheiro pas-

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    sar por verdadeira riqueza. Esse equ-voco, segundo o personagem, induziriafilsofos e legisladores a arquitetarem os

    mais sofisticados esquemas visando aoenriquecimento da sociedade, mas queapenas faziam por trazer sofrimento eguerras ao conjunto da humanidade. Is-so porque a identificao mercantilistada moeda com a riqueza, ao gerar medi-das de estmulo s exportaes e restri-

    o s importaes, omitia o fato de queos demais pases agiriam da forma corre-lata, causando disputas comerciais que,no mais das vezes, redundavam em en-gajamentos blicos.

    Aps extensa conversao comum amigo, ambos os personagens con-cordam sobre a inutilidade das prticas

    protecionistas, discutindo, ento, a pos-sibilidade de um aumento domstico depapel-moeda estimular a produo de ri-queza efetiva, a saber, os bens e serviosofertados e negociados entre si pela po-pulao. A certa altura, o interlocutor deF* pergunta-lhe se, em dispondo de du-as moedas em vez de uma, no estaria elemais rico do que antes. F* responde quesim, ao que o amigo lhe retruca se, nessecaso, o que se aplicava ao indivduo no

    valeria igualmente para todos, de modoque a emisso geral de moeda resulta-ria num incremento da riqueza nacional,

    como sugeria Proudhon. O economista,ctico, ensina que o mero avano na cir-culao monetria sem contrapartida na

    disponibilidade de mercadorias reverte-ria unicamente numa elevao geral dospreos, provando-se o artifcio intil pa-ra o objetivo proposto. Interessante, po-rm, a descrio oferecida por F* paraos perversos efeitos distributivos de taliniciativa, at que os preos se assentas-

    sem de vez em novo patamar:As pessoas inteligentes se preocuparo emno entregar seus produtos a menos queobtenham um nmero maior de cdulas.Noutros termos, eles demandaro quarentafrancos por aquilo que antes vendiam porvinte. Mas os simples se deixaro apanhar.Passaro anos at que o ajuste seja realiza-

    do para todos os valores. Sob a influncia daignorncia e do costume, a jornada de traba-lho de nosso campons continuar por muitotempo a um franco, quando o preo efetivode todos os objetos de consumo ao seu redorser aumentado. Ele cair numa terrvelmisria, sem poder divisar a causa (Bastiat,[1849] 1873, p. 89, itlicos no original).

    A controvrsia em si teria inciocom a contestao a Bastiat assinada porCharles-Franois Chev, um dos redato-res de La Voix du Peuple,em artigo pu-blicado em 22de outubro de 1849. Comcerta ironia, Chev declara concordar

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    com os princpios de Bastiat, ressalvan-do, porm, que os argumentos do prce-re liberal conduziriam de fato conclu-

    so oposta, a saber, a abolio do juroe da renda. E o motivo para tanto seriasingelo, de acordo com Chev, estandoradicado na confuso entre os conceitosde usoe depropriedade.Assim, no caso re-ferido de Jacques e Guillaume, em vezde um pagamento pela utilizao da plai-

    na, o segundo deveria conceder ao pri-meiro um servio equivalente, qual seja,o uso em tempo igual de uma plaina oude algo com valor de mesma magnitude.

    Nisso, raciocina Chev, residiriaa verdadeira troca de servios por ser-

    vios, como pretendido por Bastiat. Seas coisas sucedessem de tal maneira, po-

    der-se-ia dizer, ento, a rigor, ser o paga-mento de juros contrrio natureza docapital. Ademais, a figura do juro serianociva tanto ao devedor, por represen-tar espoliao, quanto ao credor, que de-la cairia vtima quando viesse a necessitarde crdito. A prpria sociedade, em seuconjunto, seria atingida pela prtica dausura devido ao aumento dos custos daproduo em geral e reduo do con-sumo, causa de desemprego e, por fim,pelo decorrente aprofundamento das de-sigualdades de renda. Ou, como descre-

    ve Chev:

    Mas no, graas renda e a sua monstruo-sa perpetuidade, o lazer proibido precisa-mente a todos os que trabalham do bero ao

    tmulo, tornando-se ela privilgio exclusivode alguns ociosos que, por meio dos juros docapital, sem nada fazer, apropriam-se dosfrutos da labuta massacrante dos trabalha-dores. Quase toda a humanidade reduzida estagnao, numa vida vegetativa e esta-cionria, na ignorncia eterna (Chev, [1849]1873, p. 102).

    Bastiat aceita de bom grado a pro-vocao. Em sua rplica, inserida noexemplar de 12de novembro de 1849deLa Voix du Peuple, lembra ele que se ouso de uma casa pudesse ser realizadosem outro requisito que no a devolu-o das chaves, existiriam, ento, apenas

    locatrios e nenhum locador. Alm dis-so, caso determinado servio devesse serpago por meio de servio igual, ou seja,se a cesso de uma residncia requeres-se a cesso recproca de outra residn-cia, no haveria motivo para a transao,pois as partes j disporiam das prpriasmoradias. Posto que Chev reconhecera

    o imperativo de retribuio por parte dodevedor, o pagamento, para adquirir sen-tido, precisaria suceder por meio de algodistinto do que foi emprestado. Mas es-se algo, que Bastiat explica haver desig-nado juro para conformar-se ao vocabu-

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    lrio econmico, tratar-se-ia, de fato, deassunto a ser acertado livremente entreas partes, podendo se efetivar na forma

    de dinheiro, de produtos ou de serviosde qualquer natureza. Assim ocorrendo,os negcios restariam verdadeiramenteestimulados, inexistindo a gravame pa-ra qualquer parte. O capital e seu ren-dimento no representariam, como ale-gava Chev, falso nus produo ou

    prejuzo ao trabalhador. Antes, o capital,o real agente de democracia da riqueza,mobilizaria as foras naturais em substi-tuio ao esforo humano, fazendo pormultiplicar e baratear os artigos de con-sumo da populao (Chev, [1849] 1873,p. 111-120).

    Proudhon entra em cena em 19

    de novembro de 1849, quando publi-ca sua primeira carta criticando Bastiatpor tentar convencer os trabalhadores da

    veracidade de suas ideias pessoais sem,contudo, conhecer as teses socialistas. Ojuro,12assevera Proudhon, apesar de lou-

    vado pelos economistas, desde o seu sur-gimento fora condenado como ilegtimopelos filsofos e pelos eclesisticos me-dievais. O capital, do ponto de vista tc-nico, teria sido em realidade fator de est-mulo ao progresso da riqueza social. Nasociedade moderna, porm, convertera-se em instrumento de explorao. A tro-

    ca da fora de trabalho pelos meios desubsistncia adiantados pelo capitalistano se apresentava voluntria, mas com-

    pulsria, regida pela necessidade. Sendoo valor oriundo do trabalho, o capital emsi resultaria improdutivo e o capitalistas o emprestaria porque, caso o manti-

    vesse em mos, [...] o capital, estril por suanatureza, permaneceria estril (Proudhon,[1849] 1873, p. 125). Destarte, essa ativi-

    dade no se configuraria como verda-deira absteno do capitalista, mas meraapropriao de trabalho alheio.

    Conforme Proudhon, a contradi-o do assunto ocultava-se no imperati-

    vo de se conciliar a supresso do abu-so representado pela prtica do juro como reconhecido direito de sua existncia.

    A partir desse impasse que se afirma-ria a proposta socialista, formulada nocontexto de avanada diviso do traba-lho, de diversificao das indstrias, decrescente circulao dos capitais e de se-gurana institucional. Em tais condies,prossegue Proudhon, a constituio deum Banco Nacional, dotado de fundosoriundos da tributao de um por cen-to sobre os capitais do pas e destinadoa concesso de emprstimos taxa demeio por cento, derrubaria os juros dastransaes comerciais e das hipotecas aomesmo patamar, tornando o crdito pra-

    12 Os autores, principalmenteProudhon, utilizam

    indistintamente os termosjuro, lucro e rendano debate. Cabe ressaltar,entretanto, que o objeto dadisputa a renda provenientedo direito sobre a propriedadeem geral, abrangendo lucros,juros e aluguis. A nfase narenda derivada da propriedade

    do dinheiro e da a utilizaodo termo juro, mesmoquando se quer dizer lucro recai por conta da propostaproudhoniana de um banconacional como soluo para acontradio da renda do capitalem geral.

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    ticamente gratuito para todos. Como, deoutra parte, os preos das mercadoriasseriam formados pela adio dos salrios

    e da renda do capital, os trabalhadoresjamais disporiam de recursos para adqui-rir a totalidade da produo, muito me-nos para o pagamento de juros, ocultan-do-se a a origem do desemprego e dasbancarrotas. Erradicando-se a usura, de-sapareceria o capital como fonte de es-poliao e de crises e, com ele, o seu pro-prietrio ocioso, restando apenas umasociedade de produtores e suas merca-dorias. Ou ainda:

    Se o crdito comercial e hipotecrio, noutrostermos, se o capital dinheiro, o capital cujafuno exclusiva circular, tornar-se gratui-to, o capital residencial tambm logo o ser;

    as casas no mais sero capital; elas seromercadorias, cotadas nos mercados como oslicores e os queijos, e alugadas ou vendidas termos convertidos em sinnimos , a preode custo (Proudhon, [1849] 1873, p. 130).

    4_ O debate se aprofunda: conflitoou harmonia de interesses?

    Aps a escaramua inicial, a controvrsiaganharia amplitude terica e metodol-gica. Bastiat, de sua parte, vai se contra-por ao uso recorrente da lgica das con-tradies por seu interlocutor, alegandono ser possvel estabelecer um deba-te honesto com um contendor capaz de

    sustentar posies ambguas. Proudhon,por seu turno, sem qualquer condescen-dncia, recorrer a toda a sorte de mu-

    nio retrica e at mesmo histrica pa-ra fundamentar sua crtica ferina usura.Cada qual, alm disso, busca limitar oconfronto sua rea prpria de argu-mentao, Bastiat, insistindo em justifi-car a existncia do juro do capital, en-quanto Proudhon mantm-se adstrito areafirmar a convenincia do crdito gra-tuito. Vejamos em maior detalhe esse es-tgio da discusso.

    Na carta de 26 de novembro de1849, Bastiat responde a Proudhon recri-minando o labirinto de contradies emque este ltimo arrastara o argumento,lembrando que os leitores desejavam uma

    resposta peremptria, isto , sim ou no,para a questo da legitimidade do juro.

    Ainda, a esse respeito, ele contesta a teseproudhoniana de que o capitalista de na-da se absteria ao ceder seu capital por em-prstimo, uma vez que, de outra forma,seus recursos permaneceriam estreis. O

    mesmo, sustenta Bastiat, poderia ser di-to de qualquer produtor, considerando-se que as suas mercadorias no lhe propi-ciariam utilidade, circunstncia essa que,contudo, no aniquilaria o valor da mer-cadoria em questo e tampouco exigiria aabolio dos rendimentos do trabalho.

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    O erro de Proudhon decorreria deuma m percepo sobre a diviso so-cial do trabalho, isto , a argumentao

    do socialista no passaria de um subterf-gio sobre um efeito necessrio da separao dasindstrias (Bastiat, [1849] 1873, p. 138).De outra parte, a concesso gratuita decrdito no deveria ser interpretada co-mo causa de enriquecimento social, masantes como consequncia de uma s-rie de condies precedentes, especial-mente a disponibilidade de capital re-al produzido por pessoas industriosase econmicas:

    A fim de que o capital circule, ele precisaexistir; e, para que ele exista, preciso queseja incentivado a nascer pela perspectiva derecompensas associadas s virtudes que lhe

    do origem (Bastiat, [1849] 1873, p. 140).

    Proudhon, na carta de 3 de de-zembro de 1849, lamenta a dificulda-de de Bastiat em compreender a filoso-fia alem, recorrendo, ento, ao mtodomais simples da distino (distinguo) pa-ra explicar ao adversrio inculto que al-

    go poderia apresentar certa propriedadeem determinadas condies e deixar depossu-la noutras circunstncias. Ou se-ja, para Proudhon, o juro fora necessrioe legtimo no passado, mas deixara de s-lo no presente em vista da possibilidadede sua centralizao democrtica numa

    instituio de mbito nacional. A preten-sa justeza da remunerao do capital dei-xava de ser relevante no momento em

    que se afigurava vivel a distribuio gra-tuita de crdito, convertendo o juro, nes-se caso, em um roubo para todo aquelecoagido a pag-lo.

    A inteno original do credor aocriar o capital, to enfatizada por Bastiat,no mais importaria quando o devedorestivesse liberto do aoite da usura e ca-paz de se servir do crdito gratuito pro-

    vido por uma instituio oficial:

    Vosso crdito lembra aquele, feito pelo cor-srio ao escravo, quando o primeiro concedea liberdade ao segundo por meio de um res-gate (Proudhon, [1849] 1873, p. 151).

    Em vez de primeiramente mudar os ho-

    mens e torn-los industriosos e poupa-dores, como preconizara Bastiat, serianecessrio livrar o mundo dos ladressustentados pelos juros a fim de que im-perasse entre todos a virtude e a felicida-de. Do contrrio, proclama Proudhon,

    [...] isso no ser uma sociedade, mas uma

    conspirao dos capitalistas contra os traba-lhadores, um pacto de rapina e assassinato(Proudhon, [1849] 1873, p. 154-155).

    Bastiat voltaria carga em 10dedezembro de 1849, agradecendo aos cuspor jamais haver lido Hegel ou Kant, da-do que sua mente no conseguiria enten-

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    der como o dia poderia ser noite ou o ju-ro legtimo e ilegtimo ao mesmo tempo.Se Proudhon buscava se livrar do Esta-

    do, a Sociedade que ele invocava co-mo responsvel pelo provimento geralde crdito seria constituda pelos pr-prios cidados credores e tomadores deemprstimos. Mesmo que os custos decirculao do capital fossem eliminadospela multiplicao dos bancos e de ou-tras facilidades monetrias, ainda assimo juro subsistiria. Nos Estados Unidos,lembrou Bastiat, os numerosos bancos

    locais eram propriedade dos trabalha-dores, que neles tambm buscavam em-prstimos, e nem por isso o juro deixara

    de existir. De resto, a proposta de Prou-dhon seria apenas uma reencarnao dosistema irresponsvel de John Law.13

    Antes, o capital real da sociedade consis-tiria de material de todos os tipos, pro-

    vises, ferramentas, mercadorias, ouro ecoisas do gnero, e seu uso sempre im-plicaria uma retribuio. O crdito fcilno mudaria a natureza humana, nem se-quer transformaria os prdigos em ava-ros ou os preguiosos em trabalhadores.O grande equalizador das fortunas, em

    verdade, seria o capital, e sua eventualabolio remeteria o homem aos temposimemoriais da barbrie, quando tudo era

    feito com as mos. Num lampejo de em-polgao, apregoa Bastiat:

    Marcha, marcha capital: segue o teu cami-nho, realizando o bem para a humanidade.Foste tu que libertaste os escravos; foste tuque derrubaste as fortalezas do feudalismo;engrandea-te ainda, subjuga a natureza;faa a gravitao, o calor, a luz, a eletricida-

    de, concorrerem para a felicidade humana;toma para ti o que degrada e embrutece otrabalho mecnico; eleva a democracia,transforma as mquinas humanas em ho-mens, homens dotados de lazer, de idias,de sentimentos e de esperanas! (Bastiat, [1849]1873, p. 167, itlicos no original).

    13 John Law (1671-1729),financista escocs exilado naFrana, defendia a substituiodo ouro pela moeda fiduciriae a converso da dvida

    pblica em ativos de umgrande conglomerado colonial.Mediante suas relaes como regente Filipe de Orlans,obtm em 1716a carta patentepara o Banque Gnrale,quealcana grande sucesso inicial.Em 1717, Law assume aCompagnie dOccident,recebe omonoplio de desenvolver a

    Louisiana e logo absorve todaa arrecadao do governo. Emdezembro de 1718, o bancode Law nacionalizado econvertido no Banque Royale,responsvel por larga emissomonetria, a qual deveria,supostamente, manter estrita

    conversibilidade com oouro. As notas originadas nainstituio saem, ento, de umpatamar de 38 milhes em abrilde 1717para atingir 2,3 bilhes

    de livresem junho de 1720.Nesse ltimo ano, a companhiae o banco so fundidos eLaw torna-se controlador-geral das Finanas da Frana.Numa de suas primeirasmedidas, ele desvaloriza a livre(unidade de medida monetriaconversvel em louis dor,odinheiro da poca), gerando

    grande indignao popularque o leva priso. Soltopouco depois, suas tentativasde reduzir o estoque de notasdo Banque Royalefracassam e,em dezembro, ele obrigado arefugiar-se em Veneza(Velde, 2004).

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    Proudhon, de sua parte, mostra-se insensvel aos arroubos de seu anta-gonista. Em carta de 17de dezembro de

    1849, reclama do fato de Bastiat no ha-ver considerado na devida conta a via-bilidade do crdito gratuito no contex-to das transformaes sociais nascidasdo movimento de 1848. Irritado, chegamesmo a sugerir o fim do debate. Mo-

    vido, todavia, pela crena no poder doconvencimento, Proudhon mantm adiscusso e procura mostrar como o ju-ro passara, ao longo da histria, da con-dio de legitimidade para a de ilegitimi-dade ou, ainda, como a usura encontrariaseu fim no instituto do crdito gratuito.Em sntese, na sua forma de ver, a liber-dade dos escravos na Antiguidade fizera

    com que o cultivo da terra pelos eman-cipados reproduzisse as prticas comer-ciais do dinheiro, de modo que o servo

    veio a dividir os frutos da colheita como proprietrio da terra, surgindo assim arenda fundiria em suas vrias formas.Com o tempo, a cobrana de juros entreos detentores de propriedade e os des-possudos espalhou-se pela sociedade,dando origem a toda a sorte de misriase de benesses entre os homens. A teoriade Bastiat serviria apenas para desmora-lizar os trabalhadores, ao procurar con-

    venc-los dos benefcios falaciosos do

    juro, oriundos, em verdade, do empregoindiscriminado do direito da fora. Prou-dhon, inspirado no seu oponente, con-

    ta, ento, a estria do homem rico traga-do por um rio e que grita por socorro aum proletrio prximo, o qual lhe exigeum milho pela ajuda. O dilogo preten-de ilustrar a desigualdade em que se en-contram trabalhadores e capitalistas nomercado e por demais interessante pa-ra ser omitido:

    Proletrio: Sim, quero um milho; meupreo derradeiro. No vou lhe forar, nofarei nada que voc no queira nem tam-pouco lhe impedir de gritar socorro e chamarqualquer um. Se o pescador, que vejo ladiante, a uma lgua daqui, lhe salvar semretribuio, recorra a ele; ser mais cmodo.

    O milionrio: Miservel! Voc abusa de minhaposio. A religio, a moral, a humanidade...Proletrio: Isso tem a ver apenas com aminha conscincia. Mas meu tempo curto.Decida-se logo. Viver proletrio ou mor-rer milionrio: qual a sua escolha, afinal?(Proudhon, [1849] 1873, p. 186).

    Na carta de 24de dezembro de 1849, Bas-

    tiat desqualifica como atpica a narrati-va de Proudhon por envolver exclusiva-mente esforo individual, e no a cessode capital, de modo que o caso obrigariaa concluir, para seguir a lgica distorci-da do socialista, pela necessria gratuida-

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    de do trabalho. Ningum ousaria negar,aduz Bastiat, que sob certas circunstn-cias fosse inevitvel sacrificar-se o capi-

    tal, o juro ou o trabalho isto , o au-tointeresse pelo bem do prximo. Taiscircunstncias, entretanto, seriam estra-nhas s transaes ordinrias da econo-mia. O juro, insiste Bastiat, seria fenme-no atemporal, verdade universal imunes eras e aos costumes, pois assentado naprodutividade tcnica do capital e no in-teresse prprio do homem. O capital so-mente deixaria de requerer remuneraoquando chegasse ao mundo espontanea-mente, sem interferncia da mo huma-na, ou se porventura ele deixasse de fru-tificar o trabalho futuro. Doutra forma,bastaria deixar o tempo agir e zelar pelas

    instituies promotoras da liberdade pa-ra que o capital crescesse naturalmentee reduzisse cada vez mais o seu prpriorendimento. Isso significaria dizer que aparcela dos salrios na produo viria acrescer, atenuando gradualmente, por-tanto, as tenses sociais (Bastiat, [1849]1873, p. 191-204).

    Em 31 de dezembro de 1849,Proudhon reclama novamente da des-cortesia de Bastiat em recusar-se a deba-ter a proposta do crdito gratuito, apesarde todos os seus esforos para tornar oargumento inteligvel mente estreita do

    liberal. A proeminncia de Bastiat nosmeios intelectuais, dispara Proudhon, se-ria infundada, porquanto o liberal, a ri-

    gor, entenderia tanto de economia polti-ca quanto de metafsica alem. Ademais,a tese de que o acmulo de capitais ba-ratearia os juros,mistificao inspida,restaria negada pelo prprio Banco daFrana que, ao longo do tempo, multi-plicara imensamente o seu lastro em ou-ro, aumentando ainda ao bel-prazer acirculao de suas notas fiducirias semque a sua taxa de desconto casse abaixode quatro por cento. Onde, ento, per-gunta Proudhon, estaria a verdade eu-clidiana propugnada por Bastiat a res-peito do carter benfico do avano docapital? Se os juros do Banco da Fran-

    a declinassem de fato, os negcios, a ri-queza e o emprego da nao progredi-riam, melhorando a condio de todas asclasses. Com base nesse raciocnio, con-clui Proudhon,

    [...] no est claro, agora, que no a mul-tiplicao dos capitais que faz baixar o juro,mas, ao contrrio, que a baixa dos juros

    que multiplica os capitais? (Proudhon, [1849]1873, p. 219).

    5_ O final do debate: o crditogratuito no centro do palco

    As etapas anteriores da controvrsia empauta, como visto, compreenderam a

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    discusso em torno de conceitos comocapital, juro e renda, mobilizando recur-sos argumentativos das mais distintas

    ordens como a filosofia alem, a lgi-ca discursiva, a histria econmica e atmesmo a religio. J a sequncia finalde correspondncias entre os dois auto-res, a partir da dcima carta assinada porBastiat, assumiria tom mais pragmtico.Por insistncia de Proudhon, a sua pro-posta de crdito gratuito passa a ocuparlugar central nos argumentos apresenta-dos, embora ao custo de um distancia-mento irreconcilivel na posio tericade ambos os autores e que transbordaria,no fechamento do debate, para o terrenomovedio das consideraes ad hominem.

    Assim, em sua carta de 6 de ja-

    neiro de 1850, Bastiat investe novamen-te contra o mtodo de Proudhon, insis-tindo que o seu contendor, no satisfeitocom a evidncia de o Sol demonstrar aexistncia do dia, exigir-lhe ainda, porobra da filosofia das antinomias, a pro-

    va de que tais condies excluam a pos-sibilidade de ser noite. Os casos men-cionados por Proudhon, ao descrever omilionrio em perigo ou os juros pratica-dos pelo Banco da Frana, no poderiamser aceitos como evidncia da iniquidadedo juro por se tratarem de situaes en-

    volvendo compensaes foradas,quando as

    transaes admitidas por Bastiat em seusexemplos contemplavam unicamente com-

    pensaes voluntrias.

    A situao do Banco da Frana,no juzo de Bastiat, envolvia o uso con-denvel de um privilgio que somentepoderia ser derrogado pela livre disse-minao de novos bancos pelo pas demodo a suprimir de fato o monoplio

    virtual da instituio no desconto de pa-

    pis comerciais. Se a tese da gratuidadedos emprstimos professada por Prou-dhon apresentasse fundamento con-creto, o sistema de liberdade nas tran-saes creditcias, por si s, haveria defazer aflorar esse resultado. Doutro mo-do, a imposio de tal ideia no mundodos negcios somente faria por desba-

    ratar os credores, arruinando o arranjoinstitucional existente. Ou, em termosmais alegricos:

    Posto que o homem no necessitar mais desuas pernas quando tiver o dom da onipre-sena, para que ele seja onipresente, corte-mos-lhe as pernas! (Bastiat, [1849] 1873, p. 235).

    Proudhon, em carta de 21de janeiro de1850, d mostras de haver esgotado suapacincia com Bastiat, acusando-o no-

    vamente de nada entender a respeito daeconomia poltica. No obstante a indis-farvel irritao, Proudhon logra en-

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    caminhar lcida digresso sobre o sig-nificado do capital que acabaria por serevelar o ponto alto de sua contribuio

    controvrsia. Assim, aps comentar aslacunas de uma srie de definies sobreo conceito enunciadas por economistasclebres como Say, Rossi e Garnier, to-das elas gravitando em torno da ideia doacmulo de objetos para uso reproduti-

    vo, Proudhon d um passo adiante e es-clarece que a existncia efetiva do capitalsomente adquiriria sentido no contextodas trocas econmicas entre os indivdu-os, ou seja, por meio da sano efetivado mercado. Em suas palavras:

    Isso quer dizer que o produto, para tornar-se capital, precisa ter passado por uma valo-rao autntica, ter sido comprado, vendido,

    apreciado, seu preo debatido e fixado poruma espcie de conveno legal. De modoque, portanto, a idia de capital indicauma relao essencialmente social, um atorecproco, fora do qual o produto permaneceproduto [...] Em sntese, a noo de capi-tal, em oposio quela do produto, indicaa situao das partes no mercado, umas

    em relao s outras (Proudhon, [1849] 1873,p. 243-244, 245).

    Dessa perspectiva, continua Prou-dhon, considerando-se a economia comoum sistema geral de trocas, o equilbrioentre as suas inmeras partes, tendo-se

    em conta a impossibilidade de os traba-lhadores adquirirem integralmente o queproduziram graas existncia do juro e

    do lucro, somente seria possvel pela ex-tino do rendimento do capital. Nes-se novo contexto, trazido pela gratuida-de do crdito ou pela transformao doBanco da Frana numa instituio p-blica cobrando apenas uma taxa irrisriade intermediao, o que alguns perdes-sem como capitalistas ganhariam comotrabalhadores, pondo-se fim, portanto,de uma vez por todas, s odiosas distin-es de classe (Proudhon, [1849] 1873,p.243-245).

    Bastiat, em carta de 4 de fevereirode 1850, diz finalmente haver entendidoa proposta de Proudhon, a qual consis-

    tiria, unicamente, em derramar dinheirona economia. Mas essa moeda fiduci-ria, para ser aceita por todos, exigiria cre-dibilidade, ou seja, um lastro em capitalcapaz de resgat-la a qualquer momentopor seu eventual detentor. Ora, continuaBastiat, o Banco da Frana ou seu con-gnere precisaria pagar juros sobre o ca-

    pital constituinte de suas reservas, mascomo faz-lo sem repassar esse encargoaos devedores? Ainda que isso fosse fac-tvel, e aqui Bastiat avana em relao aProudhon, no seria previsvel igualmen-te que o barateamento do crdito empur-

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    raria todo o tipo de potenciais devedorespara os balces da instituio? Noutrostermos, no seria de se antecipar que, ao

    cair o preo do capital, a demanda porcrdito se ampliaria desmesuradamente,atraindo indivduos com duvidosa capa-cidade de pagamento?

    Porque, enfim, seu Banco no ter a virtudede mudar a natureza humana, de reformarnossas inclinaes perversas. Ao contrrio,

    foroso reconhecer que a extrema facilidadede se obter papel-moeda, pela simples pro-messa de trabalhar e reembolsar posterior-mente, constituir poderoso encorajamentoao jogo, aos empreendimentos suspeitos, soperaes imprudentes, s especulaes teme-rrias, s despesas imorais ou intempestivas.Trata-se de coisa grave colocar os homens emsituao de dizer: Tentarei a fortuna comos bens alheios; se der certo, melhor paramim; se falhar, pior para os outros (Bastiat,[1849] 1873, p. 275-276).

    Assim ocorrendo, alerta Bastiat,todos os devedores acorreriam ao Ban-co de Proudhon para obter recursos esaldar seus compromissos, inclusive o

    Estado, sequioso por liquidar sua imen-sa dvida a custo simblico, de sorte quepoucos relutariam em socorrer-se do di-nheiro fcil para concretizar os mais ou-sados sonhos e fantasias. Na ausnciade produo compatvel com tamanha

    expanso na demanda, o resultado se-ria um s: inflao. E no fosse isso obastante, prossegue Bastiat apreensivo,

    a continuidade de tal sistema creditciodesaguaria na insolvncia do Banco, de-flagrando uma crise financeira cujo efei-to maior consistiria no desaparecimen-to generalizado de todas as operaes decrdito, descambando a sociedade para adesordem social. Ou, como adverte o li-beral: Fique atento, senhor, vs no pretendeistornar o crdito gratuito,mas sim assassin-lo (Bastiat, [1849] 1873, p. 279).

    Em sua carta final, de 11 de fe-vereiro de 1850, Proudhon no mais secontm e qualifica Bastiat como meroanimal falante, cujo intelecto jamais pre-senciara a luz. Faltava ao liberal, na opi-

    nio do socialista, capacidade de percep-o, de julgamento, de comparao e dememria, requisitos indispensveis aoflorescimento da inteligncia.

    Quando um homem que se denomina econo-mista, que pretende raciocinar, demonstrare conduzir um debate cientfico chega a tal

    ponto, ouso cham-lo, senhor, um desesperado(Proudhon [1849] 1873, p. 294).

    A ira de Proudhon pode ser explicadapela circunstncia de haver ele tomado aargumentao de Bastiat como indicati-

    va de associao do crdito gratuito com

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    os malfadados assignats da poca da Re-voluo.14A esse propsito, Proudhon enftico ao declarar ser responsabilida-

    de do Banco do Frana, uma vez con-vertido ao novo sistema, conduzir seusemprstimos com a prudncia e a severi-dade de costume, assunto que extravasa-ria os limites do debate. De qualquer for-ma, possivelmente conhecedor da frgilcondio de sade de Bastiat por have-rem ambos integrado a Cmara dos De-putados, Proudhon comete o desatino,em suas ltimas palavras, de consideraro colega, do ponto de vista cientfico, co-mo homem morto.

    Embora a controvrsia tenha seencerrado nas pginas de La Voix du Peu-

    plecom a carta anterior, Bastiat retorna-

    ria ao assunto numa ltima contribuio,adicionada ao material completo do de-bate por ele reunido no livro Gratuit du

    crdit(1850). Assombrado com a viruln-cia de seu interlocutor, o liberal comparaas invectivas do socialista com o rito ca-tlico da excomunho, atribuindo a rai-

    va de seu antagonista falta de argumen-tos racionais. Aps resumir o contedoda discusso, Bastiat comenta ainda o fa-to de Proudhon recomendar a continui-dade da prudncia comercial na distri-buio do crdito gratuito, o que, ao fime ao cabo, significaria apenas que os ri-cos e abastados, capazes de apresentar asgarantias habituais aos bancos, usufrui-riam da gratuidade do crdito, enquan-to os pobres seriam barrados nas portas

    da instituio por incapacidade de hipo-tecarem algo alm de sua palavra. De ou-tra maneira, o caos social decorrente docrdito irrestrito acarretaria a fuga doscapitais, o desemprego, a desorganiza-o social e, como consequncia, o bar-barismo. Em contraposio, somente ocrescimento seguro e progressivo do ca-

    pital, insiste Bastiat, garantido por umaremunerao justa, porm, declinante,poderia responder no s pelos interes-ses dos capitalistas, mas, principalmente,pelos dos mais necessitados, os prpriostrabalhadores.

    14 Os assignatsforam criadospela Assembleia Nacional,em abril de 1790, para seremutilizados na compra deterras confiscadas Igreja.Pretendia-se, assim, resolveros graves problemas decaixa do governo, ao mesmo

    tempo em que se formava umamplo segmento de pequenosproprietrios fundiriosque serviriam de suporte Revoluo. As emissessucessivas dos assignats,porm,apoiadas adicionalmente nas

    terras confiscadas aos nobresevadidos e nos futuros botinsde guerra, provocaram adesvalorizao continuada dopapel, motivando tentativasfracassadas de controles dospreos (Loi du maximum gnral,1793) e desbordando, por fim,

    na hiperinflao. No ano de1796, o Diretrio criou umanova moeda, os mandats,masque teria vida curta. No anoseguinte, os assignatse osmandatsforam definitivamenteabolidos (White, 1933, p. 1-68).

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    6_ Consideraes finais

    Bastiat e Proudhon, no obstante a dis-cordncia acerca do juro, eram adeptos

    exacerbados da liberdade, tendo estadovrias vezes ombreados em votaes naCmara dos Deputados. Cada qual, con-tudo, entendia o conceito prpria ma-neira. Enquanto o liberal no via ou-tro modo de alcan-la seno por meiode um ambiente capaz de garantir o es-

    tado democrtico, a justia e a seguran-a, o socialista acreditava ser necessriaa criao de instituies que limitassemos excessos dos mercados livres, de mo-do a no ferir a igualdade de condies.Do contrrio, para Proudhon, estabele-cer-se-ia apenas uma liberdade formal eno real.

    Apanhado entre essas duas con-cepes, a figura do juro assumiria po-sio central no debate estabelecido en-tre os dois autores. Por um lado, Bastiatconcebe a renda do capital como tcni-ca e universal, proveniente tanto da ca-pacidade do instrumento produtivo de

    aumentar o resultado do trabalho quan-to do homem autointeressado, que bus-ca incessantemente melhorar sua condi-o. Sendo assim, o juro seria legtimopor configurar-se o emprstimo ato vo-luntrio, no qual o indivduo exerce o di-reito de propriedade sobre o fruto de seu

    trabalho e exige remunerao pelo ser-vio prestado. O juro, incentivo legti-mo criao de capital, faria ainda por

    aumentar a poupana e, consequente-mente, a oferta de capital, concorrendopara o avano da riqueza e da participa-o dos salrios na renda. Numa pers-pectiva temporal mais ampla, terminariapor prevalecer, segundo Bastiat, a har-monia de interesses entre trabalhadorese proprietrios.

    Proudhon, por seu turno, enxer-gava a renda do capital como historica-mente determinada. Se em tempos idoso juro fora justificado, no contexto dasociedade moderna ele deveria ser con-siderado ilegtimo, j que sua origem es-taria apoiada na coero, fruto da desi-

    gualdade de condies entre os atoressociais. Alm disso, o capitalista no seabsteria de coisa alguma ao emprestar oseu capital, vez que essa seria a nica fi-nalidade do mesmo, desaparecendo as-sim a justificativa para a retribuio porparte do devedor. O juro, quando bem

    examinado, convertera-se em empeci-lho formao de capital ao desequili-brar o balano indispensvel entre ofertae demanda, ocasionando crises econ-micas peridicas e separando a socieda-de em duas classes antagnicas, traba-lhadores e capitalistas. Haveria, por fim,

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    uma alternativa institucional superior, obanco provedor de crdito gratuito, quepreservaria o desenvolvimento produti-

    vo, resolvendo as contradies da socie-dade capitalista assentada na proprieda-de privada.

    Dessa maneira, v-se que, quandoo liberal e o socialista se defrontaram, vi-sveis tornaram-se as divergncias teri-cas e metodolgicas entre ambos acercada compreenso da realidade do perodoe, difcil, portanto, o dilogo. Mesmo emcasos como o de Proudhon e Bastiat, emque pese a aparente concordncia quan-to defesa intransigente da liberdade,suas concepes distintas sobre os me-canismos de funcionamento da econo-mia de mercado terminaram por lan-

    los em trincheiras opostas. Se Proudhonpode ser visto, em retrospecto, como umreformista social, no embate com Bas-tiat transparece sua refutao categricado discurso liberal, polarizando, assim, acontrovrsia examinada e na qual emer-gem, em sua forma abstrata, mas tam-bm pragmtica, os traos fundamentais

    de duas vises conflitantes sobre a natu-reza do capitalismo.

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