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7º Encontro Paulista de Professores de Jornalismo
Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Bauru
20 e 21 de maio de 2016
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Quando o jornal entra para a festa: posturas editoriais e imagens do
Brasil na cobertura do The Guardian durante a Copa do Mundo 20141
Maria Carolina VIEIRA2 (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Bauru, São Paulo)
Resumo Megaeventos esportivos do porte de uma Copa do Mundo têm como um de seus legados esperados a projeção da imagem (especialmente positiva) de seu país-sede em escala global. A propagação e formação desta imagem passa, por sua vez, necessariamente pela atuação da mídia internacional. Pensando nestas dinâmicas, este artigo propõe o estudo das posturas editoriais do jornal inglês The Guardian durante a cobertura sobre o Brasil na Copa do Mundo 2014, procurando entender suas características, de que forma elas foram se configurando na rotina jornalística e como podem modificar o entendimento do veículo estrangeiro sobre o Brasil e a Copa do Mundo. Palavras-chave Jornalismo internacional; The Guardian; Copa do Mundo; Brasil.
A cobertura internacional na prática jornalística
Enquanto o jornalismo segue buscando maneiras de lidar com as transformações
do mundo contemporâneo, com a editoria internacional não é diferente. Embora a
globalização traga maior sentido – e importância – a este setor especializado da mídia,
ele é um dos que mais sofre as consequências do jornalismo de mercado: pouco rentável
comercialmente e com um público seleto, os investimentos provindos das empresas
midiáticas diminuem ano após ano. Mesmo com problemas em se sustentar
financeiramente, contudo, o jornalismo internacional se mantém como uma editoria
importante no quadro geral dos veículos de comunicação, muito pelo fato de que
“publicar notícias sobre outros países sempre foi associado a prestígio para o veículo
jornalístico que as divulgasse” (LINS DA SILVA, 2011, p. 25).
Neste contexto, não podemos esquecer da importância do repórter inserido na
produção de conteúdo para o noticiário internacional, tão envolto de particularidades
que recebe outro nome: correspondente. O correspondente, “jornalista sediado em um
país que não o seu de origem com a missão remunerada de reportar fatos e
características dessa sociedade em que vive para a audiência da sua nação materna por 1 Trabalho apresentado no GP Produção Laboratorial – Impresso, do 7º Encontro Paulista de Professores de Jornalismo, realizado na UNESP-Bauru, em 20 e 21 de maio de 2016. 2 É mestre em Comunicação Social pelo PPGCOM da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da UNESP-campus Bauru. Email: [email protected]
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meio de um veículo de comunicação” (LINS DA SILVA, 2011, p. 15), é por muitos
considerado um orientador cultural. Além disso, o correspondente não fica ileso das
restrições financeiras das empresas midiáticas, o que acaba exigindo uma maior
qualificação deste já especialista. Uma saída mais drástica, mas, ainda assim, cada vez
mais frequente, é o corte do repórter alocado em outro país, que vem a ser substituído
por profissionais que trabalham direto da redação. Mesmo que pareça uma troca
desfavorável ao noticiário internacional, que não terá olhos in loco para cobrir os fatos,
Natali (2004) consegue ser otimista graças ao que ele chama de revolução trazida pela
internet:
Ela fez com que o redator abandonasse seu papel passivo diante dos telegramas das agências. Deu a ele um poder de intervenção inimaginável na elaboração mais pessoal de um texto noticioso. (...) Vejam que o uso da internet não substitui a existência de uma boa rede de correspondentes. Mas a falta dessa boa rede é em parte compensada por profissionais familiarizados com os múltiplos recursos disponíveis na rede mundial de computadores. (NATALI, 2004, p. 57-59).
Mesmo diante de certas mudanças no jornalismo internacional, uma
característica permanece praticamente intacta: sua gigantesca guilhotina da notícia. É a
maneira de Natali (2004, p. 10) de dizer que nenhuma outra editoria precisa utilizar
critérios tão refinados e qualificados de seleção noticiosa, já que, segundo ele, “nem
tudo o que é notícia aparece no noticiário internacional” (NATALI, 2004, p. 12). Então,
quais os grandes valores-notícias que norteariam o jornalismo internacional na
comunicação contemporânea?
O primeiro fator a se considerar é o leitorado dessa editoria. Natali (2004) afirma
que o leitor desta editoria faz parte de um segmento minoritário, metropolitano e mais
bem informado do público, o que consequentemente o faz mais exigente. Outro fator
citado pelo autor é a acessibilidade, tanto geográfica quanto editorial, à notícia. Critérios
de noticiabilidade clássicos como importância, interesse, brevidade, qualidade da
história, uma composição equilibrada do noticiário, material visual disponível,
exclusividade, entre outros listados por Murad (2002) são acompanhados por fatores
que chegam com destaque nos dias de hoje: a atualidade – trazida pelo aumento da
velocidade provinda das tecnologias digitais – e a frequência, que se caracteriza pela
atualização constante das informações, a fim de “promover sua audiência por meio de
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uma continuidade da cobertura informativa” (MURAD, 2002, p. 6).
Por último, mas não menos importante, vemos hoje com certa frequência no
jornalismo internacional um embate entre o interesse público (com significado político,
social, cultural...) e o interesse do público (aquilo que pode despertar curiosidade). Na
maioria das situações, vê-se que o interesse do público acaba ganhando, já que “a
pressão do mercado e da concorrência impõe, muitas vezes, na prática, a subvalorização
da importância, isto é, a subordinação do interesse público ao interesse do público”
(BIANCHI e HATJE, 2006, p. 174). Assim, a partir destas dinâmicas e características é
que se molda o jornalismo internacional hoje: embora passe pelas mesmas mudanças e
obstáculos do jornalismo em geral, consegue visualizar que tem um papel fundamental
em “transformar cidadãos nacionais em cidadãos globais” (LINS DA SILVA, 2011, p.
10), transformação necessária em um cenário que, segundo o autor, exige cada vez mais
que as pessoas estejam informadas, especialmente sobre o que acontece além de suas
próprias fronteiras.
O jornal The Guardian
No cenário do jornalismo inglês, é possível distinguir alguns tipos de
publicações impressas, em especial as consideradas tabloides – mais sensacionalistas e
populares – e de referência – com maior peso jornalístico e qualidade. De acordo com a
classificação de Dalpiaz (2013), o The Guardian encaixa-se no segundo tipo, podendo
ainda ser chamado de quality newspaper (jornal de qualidade), devido à “quantidade de
reportagens sobre política e economia, com qualidade de análise e opinião editorial, que
abordam ainda educação, artes e pautas em discussão” (DALPIAZ, 2013, p. 96). Molina
(2007), vai além da Inglaterra e coloca o The Guardian entre os maiores jornais do
mundo. Este posto é conquistado por uma soma de fatores, desde a relevância atual até a
importância histórica, a influência – normalmente, maior do que o próprio lucro – na
formação da esfera pública e pelo jornal se constituir de um “repertório de informações
que, muitas vezes, os historiadores recorrerão a seus arquivos (hoje, vários já são
digitalizados) para fazer pesquisas” (MOLINA, 2007, p. 12).
O The Guardian foi fundado em 1821, em Manchester, na Inglaterra, e desde
suas origens carrega uma tendência à defesa dos valores liberais. Sua história mostra
que, muitas vezes, ele foi capaz de colocar seus ideais acima de qualquer questão
mercadológica ou de descontentamento do público com suas escolhas jornalísticas,
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consolidando “seu prestígio como um jornal que arriscava a sobrevivência para manter
os princípios” (MOLINA, 2007, p. 356). Uma frase célebre e que reflete os ideais do
The Guardian é creditada ao editor do jornal por 57 anos, CP Scott, que diz: “o
comentário é livre, mas os fatos são sagrados. A voz dos oponentes, não menos do que a
dos amigos, tem o direito de ser ouvida”. Assim, o The Guardian é, inclusive, muitas
vezes visto como um “jornal das minorias”, rótulo que, segundo Molina (2007), estaria
se desfazendo gradualmente para focar no leitor comum.
Transformações recentes acabam surgindo para adaptar a publicação aos novos
leitores e aos tempos da internet, mudança que tem se provado eficiente, já que “sua
edição on-line é a mais visitada entre os jornais ingleses (...) e é considerado o melhor
jornal eletrônico do mundo, melhor do que o do The New York Times e The Washington
Post” (MOLINA, 2007, p. 370). Os investimentos na sua plataforma on-line são
decorrentes da queda das vendas do impresso – nos meses de junho e julho de 2014,
período que esta pesquisa abrange, a circulação da publicação ficou na média de 183
mil exemplares diários, segundo dados da ABC – e de um esforço em ser um jornal que
ultrapasse as fronteiras da Inglaterra, atendendo a um público cada vez mais
internacional.
Esta tendência atual pode ser considerada reflexo de uma forte tradição no
jornalismo internacional no The Guardian, onde “os assuntos internacionais, inclusive a
América Latina e sua luta pela independência, receberam, desde o início, uma boa
cobertura” (MOLINA, 2007, p. 351). Focando no Brasil e em tempos mais próximos, o
The Guardian mantém correspondentes na região desde a década de 90. Hoje, o
correspondente internacional da América Latina do The Guardian é o jornalista
Jonathan Watts. Ele encontra-se sediado no Rio de Janeiro, Brasil, e é o único
correspondente fixo do jornal em todo o território latino-americano. Para a cobertura da
Copa do Mundo 2014, no entanto, o The Guardian, obviamente, mobilizou mais
profissionais além de Watts. Foram listados 20 autores diferentes a escreverem sobre o
Brasil ou os brasileiros no período estudado, entre eles jornalistas que publicavam seus
textos da Inglaterra, correspondentes e enviados especiais que escreviam direto do
Brasil, convidados – tanto ingleses quanto estrangeiros – e freelancers, além de
matérias assinadas pelo Staff (o que poderíamos chamar de “direto da redação”) ou por
agências de notícias. Um ponto interessante é que pelo menos uma jornalista foi
declaradamente deslocada para produzir material que fugisse da cobertura do evento
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esportivo em si. É o caso de Hadley Freeman, enviada especificamente para escrever
matérias além do futebol. Em um artigo posterior à Copa, intitulado “Minha improvável
tarefa da Copa do Mundo: ‘hey, foi apenas como a Semana de Moda!” (no original: My
unlikely World Cup assignment: hey, it was just like fashion week!), ela relata a
experiência como a “única correspondente a não saber que a Copa do Mundo era
realizada a cada quatro anos”. Ainda se nota que muitos correspondentes ou jornalistas
escrevem, neste período, sobre temas de sua área de especialidade: Catherine Balson,
por exemplo, é blogger de comida e fala sobre a nova “onda” de restaurantes na favela;
Jonathan Jones é crítico de arte e escreve sobre arte de protesto nas ruas e um ensaio
que compara a derrota do Brasil para a Alemanha por 7x1 nas semifinais do torneio a
um teatro trágico.
Metodologia e corpus de pesquisa
Williams (1992), ao falar sobre métodos para o estudo de cultura, cita a análise
de conteúdo – a qual chama de técnica de observação sistemática – como uma das mais
adequadas para este tipo de pesquisa. Seguindo os argumentos do autor, a escolha de tal
método de análise para este trabalho deve-se à sua capacidade de gerar dados
quantitativos acerca de um problema de pesquisa, em especial um que conta com uma
vasta quantidade de material, ao mesmo tempo em que possibilita a posterior
interpretação dos resultados, baseada no contexto em que eles estão inseridos. Bardin
(1977) afirma que a análise de conteúdo “oscila entre os dois polos do rigor da
objetividade e da fecundidade da subjetividade” (BARDIN, 1977, p. 9), caracterizando-
a como:
Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens. (BARDIN, 1977, p. 42).
Desta forma, com o objetivo de estudar a atuação do The Guardian durante a
realização da Copa do Mundo 2014, um megaevento esportivo, a Análise de Conteúdo
foi considerada a metodologia mais adequada. Como ela propõe, em um primeiro
momento foi realizada uma leitura flutuante de todas as matérias publicadas na versão
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impressa do jornal (acessadas no endereço on-line www.theguardian.com, no qual o
jornal impresso é disponibilizado na íntegra e gratuitamente) no período entre os dias 29
de maio de 2014 – duas semanas antes do início da Copa do Mundo – e 20 de julho de
2014 – uma semana após o encerramento da Copa do Mundo – que tivessem alguma
menção sobre o Brasil, chegando a um número de 168 textos. Deste total inicial, porém,
foram consideradas apenas as matérias que não apenas mencionam, mas têm como tema
principal o Brasil e/ou os brasileiros, excluindo-se também aquelas que mantém foco no
relato e resultado de jogos, discussões sobre escolhas e preparação técnicas da seleção
nacional ou resenha dos shows de abertura e encerramento. Levando estes fatos em
conta, o corpus de pesquisa ficou constituído por 53 matérias.
Com o intuito de tornar a pesquisa mais dinâmica e seguindo as propostas da
Análise de Conteúdo em trabalhar com categorias, as 53 matérias foram divididas em
cinco, de acordo com seu tema principal. As categorias, sua descrição e a quantidade de
matérias pertencentes a cada uma delas consta na tabela a seguir:
TABELA 1 – CATEGORIAS DE ANÁLISE
TEMA DESCRIÇÃO Nº DE MATÉRIAS PORCENTAGEM
Aspectos culturais Matérias que dizem respeito à cultura e a manifestações culturais do Brasil, tais quais música, artes, danças, costumes,
dia a dia, etc.
13 24.55%
Aspectos políticos Matérias que dizem respeito à rotina política do país, ao governo, a notícias sobre a situação ou manobras políticas,
etc.
2 3.77%
Aspectos sociais Matérias que dizem respeito a problemas ou situações que vivem o
povo brasileiro, manifestações populares, etc.
11 20.75%
Impressões sobre a Copa
Matérias que dizem respeito à visão do jornal sobre a Copa do Mundo 2014 e
sua realização no Brasil.
10 18.86%
Relação do Brasil e brasileiros com o
futebol
Matérias que dizem respeito à relação que o Brasil e os brasileiros têm com o
futebol e a Copa do Mundo.
17 32.07%
TOTAL 53 100%
Em um primeiro momento, constatou-se que os temas brasileiros que mais se
destacaram na cobertura da Copa do Mundo pelo The Guardian foram (em ordem
decrescente) 1- Relação do Brasil e brasileiros com o futebol os culturais, 2- Aspectos
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culturais, 3- Aspectos sociais, 4- Impressões sobre a Copa e 5- Aspectos políticos. Para
saber a postura do The Guardian diante de cada um deles, foram levantadas unidades de
registro referentes a tais temas, ou seja, “unidades de significação a codificar e que
correspondem ao segmento de conteúdo a considerar como unidade de base” (BARDIN,
1977, p. 104), que podem ser palavras, expressões, temas ou frases, por exemplo.
Enumerando-as de acordo com sua aparição e ocasional frequência, com o cuidado de
relacioná-las a um subtema quando há a necessidade, é possível não só visualizar as
percepções do veículo inglês sobre o Brasil no momento da realização da Copa do
Mundo, mas também observar as escolhas e caminhos editoriais que levaram o jornal a
realizar determinada cobertura, a qual envolve certa seleção de fatos e histórias e suas
respectivas representações.
A postura editorial do The Guardian na Copa do Mundo 2014
Enquanto a realização de uma Copa do Mundo, em um primeiro momento,
possa se classificar apenas como um evento esportivo, alguns autores propõem enxergar
este tipo de megaevento como fenômenos midiáticos. Para Mezzaroba; Messa e Pires
(2011), os megaeventos já são planejados pensando que a maior parte das pessoas terá
acesso a eles pelos meios de comunicação, o que pode trazer consequências à “imagem
externa a ser construída pela mídia internacional” (MEZZAROBA; MESSA; PIRES,
2011, p. 28). De fato, a perspectiva de possíveis legados dos megaeventos, em especial
sobre a imagem do Brasil, ganha um capítulo exclusivo no livro Legados de
megaeventos esportivos, elaborado pelo Ministério do Esporte e publicado em 2008,
Membros do Grupo de Pesquisa e Estudos Olímpicos da Universidade Gama Filho
listam alguns fatores que são esperados em relação às representações do país após este
sediar o torneio esportivo, entre eles a projeção da sua imagem do país e das cidades-
sede dentro e fora de seu território (VILLANO et al, 2008, p. 48).
De uma forma que a magnitude inata destas ocasiões se une aos olhares
mundiais atentos às suas narrativas, não é à toa que Gurgel (2009) enxerga o papel
estratégico de um megaevento esportivo como a Copa do Mundo 2014, denominando-a
de “ápice do processo de construção de imagens espetaculares, que são midiatizadas de
forma massiva” (GURGEL, 2009, p. 204). Mais uma vez colocando a atuação dos
veículos de comunicação em destaque, ele ainda diz que “os espetáculos dos
megaeventos são produzidos duas vezes: uma pelo conjunto de agentes que, de fato,
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atuam na competição esportiva e uma outra por todos aqueles que reproduzem estas
imagens (a mídia)” (GURGEL, 2009, p. 204). Assim, estudar a cobertura de um jornal
estrangeiro neste período não só traz à luz representações e imagens externas sobre o
Brasil, mas também ajuda a entender de que maneira posturas editoriais podem
influenciar nesta construção midiática.
Ao analisar a cobertura do The Guardian sobre o Brasil durante a Copa do
Mundo 2014 por meio de categorias e unidades de registro, chegou-se a três traços
característicos significativos, que acabam por moldar também a postura editorial do
jornal diante do assunto: 1) a pluralidade de temas e representações abordada nas
matérias; 2) a divisão clara entre um The Guardian crítico e um The Guardian torcedor;
e 3) a relação entre o perfil dos jornalistas e as abordagens das reportagens.
1. Pluralidade de temas e representações
Assim como o corpus de pesquisa, constituído de 53 matérias, foi dividido em
cinco categorias-base, estas próprias categorias também geraram novas classificações. A
partir delas, podemos perceber que a gama de assuntos abordados pelo The Guardian
sobre o Brasil durante a Copa do Mundo é tão plural e diversificada quanto a
comparação entre favelas e indústria musical. Na tabela a seguir, observamos quais
temas ganharam destaque na cobertura do jornal inglês no período analisado (sem
distinção de qual categoria fazia parte), levando em consideração menções a eles na
forma de unidades de registro:
TABELA 2 – TEMAS SOBRE O BRASIL ABORDADOS PELO THE GUARDIAN
TEMA NÚMERO DE MENÇÕES
RELAÇÃO COM FUTEBOL OU COPA
Relação do Brasil com a Copa e o futebol 54 Sim Infraestrutura e obras da Copa 44 Sim
Atmosfera e apoio à Copa 44 Sim Cidades-sedes 39 Sim
Festas e torcida 32 Sim Estado emocional dos jogadores 31 Sim
Favelas 27 Não Características sociais gerais 26 Não
Protestos 23 Sim Povo/população 21 Não
Avanços econômicos e tecnológicos 18 Não Geografia 17 Não
Greves 14 Não Relação da política com o futebol 14 Sim
Música 13 Não Turismo 12 Não
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Desigualdades 11 Não Visões gerais sobre a Copa 10 Sim
Arte de rua anti-Copa 7 Sim Situação política 5 Não Gastos da Copa 4 Sim
Governo 4 Não Público 4 Sim
Segurança 4 Sim Voluntários 4 Sim
Figurinhas da Copa 3 Sim Idioma 2 Não TOTAL 512 -
A primeira coisa que podemos observar sobre os 27 temas encontrados – além
da própria diversidade em si – é que eles se equilibram entre os que diretamente dizem
respeito ao futebol e à Copa do Mundo (15 deles) e os que não tratam do assunto mais
em voga no momento da cobertura (constituindo-se de 12 temas). Isso mostra,
independentemente da preposição do The Guardian em ampliar sua área de cobertura, a
capacidade que megaeventos esportivos possuem de trazer aos holofotes da mídia
aspectos sobre o país-sede que, muitas vezes, não teriam tanto destaque em outros
períodos.
Por sua vez, as visões encontradas dentro de cada um dos temas também
continuam plurais e, muitas vezes, até contrastantes, gerando, em certos aspectos, uma
imagem de um Brasil que se assemelha a uma “colcha de retalhos” de representações.
Como exemplo, seguem na próxima tabela as representações do tema “Atmosfera e
apoio à Copa”, que variam da ideia de um clima festivo a uma população cética em
relação ao evento:
TABELA 3 – REPRESENTAÇÕES QUANTO À ATMOSFERA E APOIO À COPA
REPRESENTAÇÃO-CHAVE QUANTIDADE DE MENÇÕES Clima festivo, de alegria e diversão 13
Apoio público baixo; clima pouco festivo 8 Ceticismo quanto à Copa 8
Humor conflitante 7 Preparação e decorações tradicionais 4
Animação por conta do turismo 2 Atmosfera doméstica, tipicamente brasileira 2
TOTAL 44
Esta gama de representações segue existindo em outros temas e revela um The
Guardian que propõe uma cobertura diversificada sobre o Brasil. Ainda que algumas
vezes o que se destaque sejam ideias bastante diferentes entre si – em parte, resultante
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da própria complexidade do Brasil como nação – o veículo tentou fugir do foco padrão
apenas no esporte, trazendo assuntos fora deste espectro de atuação.
2. Contraste entre o The Guardian crítico e o The Guardian torcedor
Enquanto pudemos perceber um esforço por parte do veículo inglês em trazer
matérias que abordassem diferentes aspectos da realidade brasileira e que, inclusive,
fugissem da sua relação com o futebol ou a Copa do Mundo, foi possível constatar uma
mudança na postura editorial do jornal entre as categorias propostas. Enquanto nas
categorias de análise que não têm relação direta com a Copa ou o futebol (sendo elas
Aspectos culturais, Aspectos políticos e Aspectos sociais) o que predomina é um The
Guardian crítico, nas outras que possuem relação intrínseca com o esporte (Impressões
sobre a Copa e Relação do Brasil e dos brasileiros com o futebol) surge em cena um The
Guardian torcedor.
É possível notar a presença do The Guardian crítico por meio de reportagens
que levantam temas “indigestos” ao leitorado, como é o caso das greves, protestos,
desigualdades, entre outros. Inclusive, assuntos ligados à Copa do Mundo, por exemplo,
gastos, atrasos nas obras e falhas na infraestrutura, recebem uma abordagem mais rígida
e apegada aos fatos. Nestas situações, predomina uma visão que procura colocar os
desdobramentos do acontecimento na realidade local e as questões sociais do país em
primeiro plano, mesmo quando o tema é tão leve quanto música ou arte de rua (nestes
casos, os assuntos foram trazidos como forma de protesto, por exemplo). Assim, dos 27
temas listados na segunda tabela, 20 deles fazem parte das três categorias sem ligação
com o futebol, constituindo-se a maioria.
Já quando o futebol aparece em cena, a postura do veículo é outra. É como se ele
entrasse na festa da paixão pelo esporte – esta que ele retrata, em vários momentos,
como algo tão típico dos brasileiros – e se deixasse levar pela emoção em detrimento da
razão. Nas categorias Impressões sobre a Copa e Relação do Brasil e dos brasileiros
com o futebol, destaca-se uma versão mais envolvida emocionalmente com os fatos,
onde as avaliações sobre o sucesso da Copa têm mais a ver com seu significado
simbólico do que com a eficiência de sua estrutura física; os aspectos sociais ou
políticos e até mesmo os escândalos e altos gastos que rondaram o evento são deixados
de lado em prol do “jogo bonito”; e, por fim, o futebol significa mais do que apenas um
jogo: entre outras representações trazidas, podemos mencionar a de que ele tem o poder
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de mexer com o emocional tanto da torcida quanto dos jogadores, que seus
desdobramentos estão relacionados aos rumos do país ou que ele seria a única forma de
tirar crianças do caminho do crime e violência. Não à toa, nestas duas categorias os
temas são menos diversificados e tendem a relevar aspectos negativos e as
complexidades sociais, econômicas, políticas e/ou culturais do Brasil para focar no
futebol em si, o que resulta em uma imagem mais simplificada do país, assim como uma
cobertura jornalística mais monotemática.
3. Escolha dos jornalistas e suas consequências na cobertura midiática
Assim como o futebol aparentemente exerce influências na maneira como a
cobertura do The Guardian sobre o Brasil na Copa do Mundo 2014 foi realizada, a
escolha dos jornalistas que atuaram nela também são um ponto a produzir mudanças.
Como já dito anteriormente, devido à sua tradição no jornalismo internacional e às
próprias exigências de um evento global de tal porte, o veículo inglês mobilizou um
número considerável de profissionais para reportar sobre o Brasil e o torneio esportivo –
20 autores no total.
Ainda que muitos deles tenham experiência na cobertura esportiva (como é o
caso de Owen Gibson, correspondente-chefe de esportes do The Guardian, autor de 10
textos analisados) ou do Brasil (na figura da escolha óbvia de Jonathan Watts,
correspondente fixo da América Latina pelo jornal), outros nada tinham a ver com o
assunto. “Deslocados” do contexto do futebol, estes jornalistas – por exemplo, Hardley
Freeman e Laura Barton, que são feature writers (que não escrevem hard news);
Jonathan Jones, escritor de arte; Catherine Balston, blogger de comida; Stuart Heritage,
crítico de filmes, música e tevê, etc. – puderam se sentir mais livres para trazer olhares
diferenciados sobre o país. Mesmo os jornalistas vinculados ao futebol ultrapassaram as
fronteiras da cobertura esportiva e escreveram reportagens que traziam à tona aspectos
menos explorados sobre o país na mídia internacional.
Outro ponto a favor de uma editoria internacional mais rica do The Guardian
durante o período da Copa do Mundo foi a prevalência de jornalistas que se deslocaram
ao Brasil para realizar as reportagens. Somente assim estes profissionais tiveram a
oportunidade de ouvir fontes locais de informação – que, aliás, foram constantes e
abundantes no material analisado – entrar em contato direto com os acontecimentos e
seu contexto e, assim, criar impressões mais próximas sobre a realidade do país. Como
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consequências destas posturas editoriais que valorizaram uma equipe de trabalho
diversificada e in loco estão a realização de matérias mais aprofundadas, heterogêneas e
com toques locais na redação final – o uso de palavras em português, por exemplo, é um
recurso altamente usado pela publicação inglesa nas reportagens sobre o Brasil.
Considerações
Diante da importância das construções midiáticas para a formação e legado na
imagem internacional de um país, em especial durante megaeventos esportivos, este
artigo propôs, por meio da Análise de Conteúdo, estudar as posturas editorias e suas
respectivas consequências na cobertura sobre o Brasil durante a Copa do Mundo 2014
pelo jornal inglês The Guardian. Em um primeiro momento, trabalhando com
categorias de análise que dividiu o corpus de 53 matérias, foi possível observar que
cinco temas principais sobre o país se destacaram na publicação inglesa, sendo eles (em
ordem decrescente): 1- Relação do Brasil e brasileiros com o futebol os culturais, 2-
Aspectos culturais, 3- Aspectos sociais, 4- Impressões sobre a Copa e 5- Aspectos
políticos.
Diante destes primeiros resultados, pudemos notar a pluralidade de temas que o
The Guardian tratou durante a Copa do Mundo 2014. A tendência continua ao
observarmos os subtemas dentro de cada categoria e também as representações diversas
e, algumas vezes, até contrastantes, de um mesmo assunto. Um exemplo seria as visões
sobre a atmosfera e o clima do torneio esportivo, que passa de cético a festivo e até
conflitante de maneira natural. Ainda que a complexidade brasileira tenha influências
para essa gama de imagens que foram feitas do país, o corpo de jornalistas, que se
mostrou diversificado e também constantemente presente no local dos acontecimentos
relatados, seria um fator-chave para esta tendência.
No entanto, a postura editorial do jornal muda de crítica para “torcedora” a partir
do momento em que o futebol está envolvido. Usando a premissa de que o futebol
significa mais do que apenas um jogo, o The Guardian se envolve emocionalmente na
competição e, uma vez feito isso, gera influências em sua cobertura. Foi observado que
nas categorias de análise diretamente ligadas ao esporte (Impressões sobre a Copa e
Relação do Brasil e dos brasileiros com o futebol), o veículo inglês demonstra uma
tendência maior em relevar os acontecimentos sociais ou políticos por detrás do “jogo
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bonito”. Isso não acontece nas outras categorias, que priorizaram uma cobertura
diversificada e com olhares diferenciados sobre o país.
Com isso, podemos afirmar que o legado na imagem internacional de um país-
sede está muito mais ligado à postura editorial das mídias estrangeiras do que à
realização do torneio em si. Embora as redações estejam sofrendo cortes e a internet
continue substituindo cada vez mais o envolvimento direto de jornalistas com o fato, a
cobertura internacional do The Guardian, que valorizou o trabalho de correspondentes e
repórteres no local do acontecimento, além de escolher profissionais com experiências e
áreas de atuação variadas, provou que este é um fator que ainda faz diferença. Fugindo
do tratamento padrão com foco no esporte e usando fontes locais de informação, ele
conseguiu trazer um olhar mais próximo da realidade brasileira, diminuindo possíveis
choques culturais ou angulações simplistas e ainda incentivando reportagens que
tiveram temas não-usuais em uma editoria internacional. Uma cobertura plural,
portanto, depende também de jornalistas e fontes plurais, não apenas de um
acontecimento mais rico em fornecer diferentes leituras.
Referências
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