quando Às vezes vida nos devolve para dentro de nÓs mesmos

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livro do lampoemas,motemas de IRINEU VOLPATO

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Page 1: Quando Às vezes VIDA NOS DEVOLVE PARA DENTRO DE NÓS  MESMOS
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às vezes vida nos devolve...

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Irineu VOLPATO

Quando Às vezes VIDA NOS DEVOLVE PARA DENTRO DE NÓS

MESMOS

RENARD

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às vezes vida nos devolve...

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DIREITOS RESERVADOS V961P

VOLPATO Irineu, 1933... ÁS VEZES VIDA NOS DEVOLVE...Poesia, 2010®

Santa Bárbara d´Oeste, SP, BRASIL Renard ediç. 112 p. 21 cm.

1. Literatura brasileira 1. Título

CDD: 968.615

Foto das Capas: do autor Papeis:

Capa Chamois 180 Miolo Polen 80

Tipos: Emgravers MT/Arial/Georgia /Times new Roman

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às vezes vida nos devolve...

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“ Porque o extraordinário não consegue convicção e, sim, encantamento (ekstasis)

do ouvinte; o que nos arrebata a admiração é, em todo sentido, superior àquilo que é

convincente e agradável “.

Longino

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largo que Verdi conduza este domingo

de sol nos campos que eu cuido dos avessos

ia na noite de olhares

medrontados de outras sombras

de primeiro levaram-nos os sonhos largaram nossa infância

pinchada por quiçaça

nossas vozes que às vezes ficam demoradas em casa que mudamos

o vôo das garças no fechar da tarde

e desses silêncios que se prestam

eternam-se as palavras quando internam-se em nós

não me venhas embalada de contrastes

mentida de sutis inúteis

por que culpar-te do júbilo perdido incógnita revolta que sobrou-me ?

que verdades da pureza humana

Climério urdira com seus naives burrinhos coloreados ?

se foi o temporal ?

vamos atrás dos perdidos dos quebrados

já é tempo se varrerem os cacos das estátuas em que tempo nos partiu

meu berço era bacia de zinco

forrada de trapos que sobravam

e as saudades que lhe iam descarnando pelas rugas as idades...

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guardou durando toda uma sessão de filme

vazia uma cadeira ao lado sonhando ela viria

vez em quando trazias cara

dessas fotos mal focadas

cadê meu cheiro de infância quando eu pisava esta terra ?

é preciso vez em quando

ir em gavetas catando-nos

minha alma já nasceu arregaçada a encantações

eram fumos de glória demasiado pra um minuto

e dês sobrou silêncio imenso

esse coro de bocas oprimidas sem trombetas aos gritos e humilhações

ô vida que nos obriga conjugar subjuntivos

dessas vagas quando invadem os porões de nossas almas...

quanto tempo passamos rabiscando a vida

sem um esboço quase de emendar

nossa candeia... às vezes descuidamos seu petróleo

se um dia me vires tristemente

embala-me nas horas de teus braços

deu-se num fugaz agosto o amor resistira suas calendas um dia nosso poema desistiu

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ousar caminhos até a loucura de alcançá-los

e que interessa à fome

o nome da comida ?

meu dia se esgueirou feito bandido entre ramas de cedrinhos... era à tarde

esses ocos intervalos loucos

entre nossas emoções e alguns cenários

ah pudéssemos trocar de nossos sonhos...

quantas vezes passam

pisando-nos lembranças

felicidade seria esse sorrir que nos pôs desistir desesperar ?

circunscreve de silêncio

tua última pergunta

quando veio vida descorando-nos já ventos cansavam nossos dias

mesmo porque nem mais somos

personagens que valham narrativas

céu rabiscou dia de coriscos e apagou-os seguidinho derrubando tempestade

assegura que teus gritos não mintam

além do que vai de tua dor

continuas ainda te esperando antigo

pelas tardes ?

se carecer levanta o tampo dos signos pra que digam algo de ti

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por que demorar-se além da nostalgia ?

é o que me apavora

apresentar ao espelho este velho

que não se acredita mais

abre tua janela para que ventos tragam sortilégios

tremularem tuas cortinas

escreve como que arrancando ossatura desses termos

este inverno se achegou tão pobrezinho

que nem roupa lembrou-se de trazer

um barco - esse gesto docemente que navega águas que sonhamos

e adiantou os deuses projetarem-nos eternos?

um dia inventamos a mentira de morrer...

outubro/novembro quando as cigarras tornavam inaugurando cantos

domingo dói outro dia

que segunda leva embora

aprendi quando as coisas me ardíam ir gastando umas demoras de pincel

apesar da crueldade

como sabem porem-se épicas as águas tempestades

ah – os amores moleques

que como águas de rio mal molham

nem demoram passam

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preocupar-me com eterno se malemal cumpro-me efêmero ?

e aqueles sobrados poitados

onde rua pregueava-se em morro

o jeito é insistir teimando que os fados um dia possam errar

e acolher-nos em seus mantos

- não tô dizendo sozinha – vô estou falando meu outro

(minha neta que nem leva inda 3 anos)

ainda me enroscam sons uns sinos de convento

tece as palavras

assim vestidas de noivas

vamos gostar deste vinho na varanda enquanto tarde inda se ostenta

e não importa se nada sobrar-nos pra dizer

inda bem que mãe-vida propicia-nos às vezes recomeços

vamos nos despir de ácidos da vida

e salvar no coração vozes de mel

que andam se apagando em nós tintas palavras

pobre história a dele

dum jeito tão pungida

bom seria se nossa vida se assentasse em risos e verdades sem tristezas cópias

despentear por que as flores

que nascem amáveis arrumadas ?

naquele estágio em que nem vale mais trocar de máscaras...

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já é tempo de cuidar

desses que mastigam a própria fome senão virão cobrar em breve a porção que deles roubamos

e punha-se ao espelho ver

se via virem de volta suas saudades

céu de nuvens repolhudas em cansaço de dia teimosamente

acho que já me conhecia aquela casa que tristemente me olhava

hei-de um dia aprender

esperar pelas horas dumas coisas

é só vacilar que o tempo vem almoçar vida da gente

que sorte a nossa

por tanta gente ter errado antes de nós

larga as cigarras fatiando a tarde

que o mundo continua se inconsútil

era um trator cavando violando alma do chão

me sinto em estado de glória

quando poema me veste

quanto é doce um rostinho lambrecado de pitangas

amoras nuns felizes olhos

seria que mania de perfeito fazia de meu pai parnasiano

e eu não entendia ?

como amava ver o mar à tarde levando sol pra ir dormir

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e passou vida a escutar vozes

das próprias arestas

enquanto voltam visitar-nos solidões

tornei à antiga casa velha bastante

de me judiar saudade

de nosso vale ficou-me monótono monjolo cachoando em vale

água dum corgo

e quando eu me encontrar entre meu declínio e o nada ?

e minhas rapsódicas vertigens infantis

larguei-as penduradas em tábuas duma porteira em Z

ah – ver um sonho

abastardar-se realidade

há quanto não me lembra olhar estrelas ?

mais que moveis pontes estradas casas submersas de enxurradas punge-lhe dor de mudo olhar

que perdeu tudo

mareia mar sem descansar de desenhar-se em praia

compassam distantes daqui

colinas embaçadas de mais longes

quem não lembrava das quireras risadas cariadas na cara duma Odila ?

e a gente de repente já não tinha

mais a “nonna” e a doce sua vó/zinha

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dessas gentes simplesmente mas que são bonitas de bondades

magrinha alma empenada Antonieta filha da vizinha

e ficou manhã inteira

em derrubado de morro malhando ardido seu canto

a siriema

dessas dores pingadas levianinhas a judiar do coração

há um tempo da tristeza doer

até se coar devagarzinha

era quando mãe derrubava seus olhos de sorrisos

na alegria dos filhos ali brincando

... e “nonna” que morria: - Iaco (seu filho - meu pai) stà zito

que voglio ascutá os barulho desto indo

encontrei Marilis - nossa infância judiada tão velhinha

ah – desses infaustos

que levam a gente de fasto até acontecer se encontrar

como uma saudade parada

minha irmã toda perdida de dor diante do que sobrou

de seu gato assassinado

por que se importar com ruins de em volta se dentro da gente alumiam-se alegrinhos ?

amava pisar descalça sentindo pele do chão

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tornaram os fumos da Usina a corrigir de estragado

o cheiro de nossos matos

de quando tudo na gente ressente que nosso barco

já anda embicando estuário...

dessas gentes que mal um gole na goela é conta pra ser ruim

quando se vai perdendo desenho

do corpo temperos da alma e tudo na gente empaca...

1/2 tarde é quando verão costuma arrebanhar pelas corcovas do céu

dessas nuvens invocadas para escarcéu de chover

... e nossa eternidade nesta vida

é como água de rio num sempiterno estar

de sempre se indo embora

era desses que levam n´alma muita ronha de impiedade

também os marimbondos têm os seus favos de mel

ia noite derrubada

e dormíamos à latada dum bambuzal

... enfiados de viagem

que os céus me emprestassem velhice sem miseriá-la de sonhos

foram dias de muitos dias

encarreirados de mata até que lá nos cataram perdidos

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quanta saúva andou desmanchando horta e plantados nossos em Ressaca

até de ser-se feliz

alma carece de manhas

a gente nasce briga sonha padece existindo e num dia sabe-se lá quem

vem e rouba lumeio de nossa candeia...

por mais desornado da existência sempre sobra em cada um toquinho de competência

ia naquela estação em que as pernas

já estranham peso da gente

montoeira de caras consumidas em adro de ermida a rezar terço

rogando milagre do santo nenhuma trazendo traço

que desenhasse pra gente remota obra de Deus

dumas dessas vantagens que nós velhos

derrubamos sobre os jovens: guardamos em baús muitas saudades

para em tempo gastá-las de ir contando

lembrava namorada imaginando-a - ô Paraopebas longes desta terra !

em vôo vadio gavião rascunha

desenhados em chão do céu

eram de família tão tristezas que todos desenhavam-se cansados

eram 10 eram 100 quantas eram

nossas fomes em desnome de pobreza ?

ah – geografias que já fomos

dum sono repetindo-nos antigos

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quanta vez nossa solidão

foi catar cores em flores desses campos ?

desses risos desgraçados que nos trombam quando vida negaceia-nos mentiras

candeeiro levitando sobre nós e nossas vozes breves que apagavam-se dormir

tarde de nuvens estragadas

assim pobres trapos em varais

nossa casa na Ressaca não guardava nas paredes

nem estampa de santo

ô distâncias demoradas que até tristezas desbotam

nossos nomes que gravamos

numas cascas de figueiras ... de tão magra duração

não me olhe como antigo salmo

que ninguém mais decora recitar

alma não envelhece derruba-se judiada àsvezesmente

que seria desses humanos rebotalhos que brigam de viver não fossem mãos

piedosas com que orapronobis lhe valessem

engoliu sozinho seu roçado sem prever fome dos filhos e dos filhos de seus filhos

é que a vida não perdoa

à-toa vai-nos todos desflorando

tinha alma e trato dum tronco todinho paineira - de espinhos

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como eram contentes dias

de nossa infância mesmo rés a tanta pobreza

desses filhos resultados

de saudade catada em paixão

março trepando ano tempo da gente ir pensando

não ser derradeiro ir-se embora

quem é que não se encalha em Deus quando se está bem madurando

esse verde demais depois do chuvaral duns já três meses

com sorriso de tersa malícia

seus olhos brenhavam na gente

assim como quem sai duma briga de afeto carregando brasas atoladas no peito

é quando a gente acha que o mundo deveria

de guardar algum silêncio solidário à nossa dor...

era inteiro um homem bom

seu Oclides

quando é que alguém sentiu uma tristeza o ajudando ?

dessas gentes que costuma

ir alimando os beiços com a serpente da língua

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na roça se tira leite aquele tantinho pro gasto que o resto resta no pasto

em tetas das vacas para sustento das crias

extêmporas sempre sobram

nestas quebradas umas cigarras fringindo

quanto as pessoas velhecem quando apartadas da gente

guardara da mocidade

aquele carão guzerá

desses sonhos que acordam vestidos de suas felizes risadas

bom quando alma da gente consegue

nesses calmos se enxugar

certo é que minha sombra sobrará sempre comigo

dessa gente que passa pela gente e num estalar de dedo de repente

desfazem-se embora

sempre achei que qualquer outro lugar andava à espera por mim

amanhã quem vai adivinhar

onde estaremos o que seremos e se alguém cuidará

do que já fomos ?

desses que se levantaram outrora nossos precursores...

celebremos

unge-te com pedras que as palavras mesmo as persignadas

não te devolverão às perplexidades

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quantas vezes sapateamos nossos pés pelas loucuras

enquanto coração moi-se de espinhos

sonde vez em quando voz que lhe intervala o coração

sovai bem as palavras

que quando forem aplicadas não se despojem

do que intentavas dizer

de quem cobrar nossos brinquedos da infância sonegados ?

ah – úmidas tardes de nossas confidências

desses nossos subsolos açoitados de censuras

vez em quando vinham visitar-me viúvas solidões de antigas mágoas

vamos cuidando deste chão vão que um dia nos aguarda

se trazia com mulher

3 tranqueirinhas de filhos cão feiinho

e nos todos olhos deles tanta fome

esses sonhos de esperanças que nos chegam

já meio ladroando-nos

quanta gente se contenta só com vésperas

será que eles bandidos guardam

alma alguma dentro deles ?

tanto era-lhe o medo que a resposta se veio em dissezinho

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eram demais tristezas

em prantos aquela gente

quanto grátis nos oferta a vida sem a gente proveitar

passou tropa de mulos em-vindo-indo

ecoando cascos seus tons

de quantos cânones vida nos empilha ?

foi bom desmanchá-la numa ausência

antes de loucar-me outro afeto

quanta vez deu-nos Deus brinquedo que nem aprendemos um dia brincá-lo ?

levantou se abotoou de roupa

e foi respirar manhã duma sacada

até que um dia obriga-se apear desta vida e doar nosso eito em mutirão

íamos

por nós passaram uns morros 4 pontes mais seus rios...

foi um dia árduo de chegar

dessas pessoas programadas pobremente que brigam enraivadas pela vida

é quando olhos da gente se pincham em nosso dentro à cata duns escuros

naquela hora da tarde

em que ventinhos sobem ê-vindo de vale conversando com folhas

e árvores vizinhas

e eu que pensei que 48 anos de trabalho iriam me descansar

dengozinho em varanda sonhejando...

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sei lá que resultou depois de meus 40 sei-me que travessei fantasmas

e por anos - mais errei do que acertei

será que Deus às vezes faz de conta que não ouve e dá as costas

ao gemer de nossas preces... de interesses ?

é quando vai-se à caça doido com a sorte

e erramos personagens que escolhemos...

safa-te da fama essa fronteira do desdém

dessas coceiras esperas de vésperas proibindo-nos dormir

que metro vai medir-nos as fantasias

dessas gentes que se empacam de palavras

mas guarda atento aceso olhar...

já não é tempo de trocar os sabores desses vinhos

e odores vizinhos desse fado ?

sempre um âmago trágico se esconde em cada lenda

e foram na cidade 2 janelões

de ido sobrado que me aprenderam ver a rua

com seus líricos cenários

quantos proibidos foram consumindo nossas ternuras de infância

sufocadas de silêncios ...

como doem saudades nesses quietos

vamos devolver-nos de crianças a brincar sorrir coçar...

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um dia nos levaram pau de tronco em que a gente se arrimava...

dessas crianças nuvenzinhas

que lá sobre passam sombrando nossas coisiquinhas esperanças

e lá um dia na gente se arrebentam

forças dormidas com que a vida se alumeia e vem nos acordando horizontes

de repente num cotó de minuto

por nervosias incontidas estragam-se tantos duma vida inteira

nessa hora de céu se consolar

do calorão esperto sobre meio dia

num tempo em que nossa alma lagartixa vivia de inventar pecados em cada

uma dessas nossas vizinhas castidades

que micra de profetas permeia nosso sangue

que nos apeia àsvezesmente entre vozeios pentateucos ?

quem não sonha

com sua graça acontecida ?

houve um tempo que nos adestraram ir com(o) as demais vacas agradecidos pelos pastos

até achar a verdade

na rubra razão dos desesperos...

... e tomara quando achá-la não nos troquem em tempestade

dona duns olhos negros que quando passavam

até manchavam na gente

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fica sempre um espinho atravessado de afeto que por nós andou

tenho que os céus nos misturaram

a certas almas pequenas da gente ir aprendendo

se humildar na caridade

Pinhão - nosso burro avinhado decorou todas ruindades de estradas

que costumava trepar

naquelas arestas do morro Barbosa os ventos xingavam com vozes trastinhas

janeiro tempo dos rios passarem babados de espumas no lombo

quando nossa alma salta fora da baínha

sem tempo da gente nem pensar

havia no Quadrado beirando nossa casa engenho de pau em pé

onde nunca se moeu uma cana de garapa

era tempo de abril trocar-se maio com neblinas dormindo nas baixadas

vamos lembrar minha amada

do futuro que seremos

ermos conseguir o que dos desenganos ?

ah – regatos com suas águas afogadas

vamos tornar a nosso vale catar vozes de infância

lá enterradas

quantos estigmas restam machucando dobras rejuntadas de nossa alma

meninos - quantas vezes

fingimos homens feitos...

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veteranos – acabamos abobando-nos outramente

uns meninos

há-que-se aprender da vida quando é o minuto

quando a hora azada

e dia chegou já lavado de suas chuvas e roncos de trovões

no céu a trovejar

dessas palavras que sem dono sobram

vale esse preço a paz que tão buscamos ?

coisas pequenas sempre amei-as

humildes me emprestadas

vem que lumiaremos nossa noite de poemas que nos limpem de outros males

até quando ficaremos resistindo-nos

Casimiro aos oito anos ?

se ergueu baita lua arredondada atrás dos morros assim de alguém

que vem querer poitar nosso sozinho

é quando se deixa silêncio compridando pra se ter tempo de rachar um pensamento

morreu e não havia um lume-lhe vizinho

ajudasse no caminho que sua alma ia escolher

quanta vez nos ermos de Extrema

ficava a namorar as tardes reformando umas saudades

pouco lembro dos m´emboras

que troquei em tantos indos

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já nos-quando mexericas apetecem-se em abril

e de apás e ferramentas vieram os operários

deflorar nossas colinas - inventavam uma estrada

meu sentimento do mundo

nesse dia ia tão inho que cabia em minha sombra

ao ½ dia

fumejam chaminés na paisagem - tempo das canas moerem açúcar e álcool

esse círculo de luz que trago aceso

agonia em mim palavras presas que se livram só quando

poema me porfia

quanta vez vida é-nos mais sádica que épica ?

ah heróis que somos todos

peitando as enxurradas

meus olhos aprenderam ver o céu entre trapos conchegados a uma bacia

em dias que minha mãe alvava roupas atolada em ribeirão

morrer é quando nos sobra o nem do nada

dessas fotos mal tiradas

em álbuns de família onde cada um se adivinha

sempre alguém

longe onde vento punge sentimento de paisagem

outono e o desmentir de cores

de folhas despojadas

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vinhos e seus múltiplos vermelhos novos... velhos

vou jejuar umas férias

em minha senda de ser gente

esses que fogem de silêncio de nunca se encontrar

por que se envenenar

castigalmente dúvidas ?

quantos fantasmas já topei a sorrir de meus fracassos

veredemos as vertigens vez em quando a surpreender a vida em seus arcanos

é bom treinar lidar inquietações

de quando elas chegarem não doer se arranharem

há dias que a gente sente alma todinha de pedriscos por angústias derramadas

nem teças arrogante tuas estrofes

que os símplices da vida é que evocam

quando um dia aprendemos polir ásperos que rangiam nossos colóquios

nossos mundos já não convergiam

cansou de se judiar de sustos e passou a margear bordas da vida

onde conseguisse congregar outros distantes

não deixa teus olhos se poírem esperas aveluda tua boca doutra estrofe

de quando idade vem nos apagando

com silêncio volúpias que trouxemos da alvorada

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essa vontade minha traquinas de passar pé em carreiro de saúvas

enquanto seguem seu ofício comportadas...

velhice foi como a vida se tramou de oposição à pressa

por que achar que versículos da Bíblia

apocalipsam o que singelo autor queria dizer ?

de fininho ocaso passou aqui de trás

que nem tempo deu ao sol para abluções antes do sono

o que levam de comum

as gentes que se enforcam além da corda ?

esperança – esse branco intervalo

da emoção que nos rouba de cenário

dessas lembranças que contamos muitamente inventadas

meu vizinho tem um cão cuja feiúra é de desenho canhestramente naif

tamanhos dos nossos sonhos

importa é cevar os que nos sobram ardendo em nossa vida

havia um poste que estorvou nosso namoro ali na esquina

ando cumprindo minha parte

na saga desta vida - dizendo do quanto me estorva

outonas andam as folhas

de ipês já desistindo

fiquei demorando nuns olhinhos nem ainda seus 3 anos

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atolados em vão de porta que teimavam sobre mim

hoje passei viver

à procura de entender-me gostosamente escrevendo

quanta vez não cabemos em nosso instante

sou desses de palavras empacadas

inda bem que grisalho

consigo me reinventando

nuns dias em que nem promessas acodem animar-nos de consolo

já não é tempo de parar e escutar o que esta vida vem tentando nos dizer ?

promessa é quando nossa alma

se enfeitiça de preguiça e dispensa de lutar

as pernas das mocinhas em nosso tempo

quanto substantivas as sonhávamos

dessas cuneiformes palavras das crianças inventando-se falar

ah – esses de repente docemente

duns olhos que demoram-se nos nossos

moramos um Caiapiá com mato a querer entrar

nos vagos de nossa casa

sustentou-se quanto pode impoluta até que amor botou-a de fogo ateado

era quando se pensava

que tudo se dava loguinho sem muita dor de esperar

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e a gente que nem sabe

onde nossa alma começa

órfão é última lição dos pais quando nos largam sós na vida

aos 15 somava mais maldade

que sua idade

e você mata uma árvore desses tamanhos portentos

sem um fisgado de dor nessa sua alma danada ?

e a gente vai aprendendo

que nas viagens de ir só estorvam as bagagens

sei lá se já não estou a termo de largar

dessas sombras que me levam

de repente o imensamente de gente no teatro do colégio

eu a recitar Castro Alves

aprendi de silêncio em silêncio acostumar-me comigo

e se nada amanhã sobrar

de tudo isso valeu o sacrifício ?

se ao menos qualquer dia

neblinassem aqueles olhos varrendo deles esses ódios

quando a gente se acha só

cercado duns nunca mais...

ele partiu ela ficou cada um cumpriu-se judiado

nas pontas duma saudade

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continuaremos sendo as velhas fábulas ainda que versões delas

se lambuzem de inovadas

a vida - esse sopro sempre a tentar apagar nossa candeia

o ódio já nasce machucado aos cacos

por que não respeitar vontade de morrer dessas taperas obrigando-as a história ?

Ícaros quanta vez sol nos pinchou

aos nossos prosaicos de volta

ah ter que deixar envelhar outro domingo fresquinho

há uns dias que nos cercam

desertos de nós mesmos

dessas vidas que só romanceiam desgraças

e há gente que inda ama tais paisagens

vestidas cor de maleita em outono

a gente parece que ouvia silêncio subindo do mato quando noite acontecia

... mas as árvores

é que inventaram o mato

ali que podreciam as águas que eram largadas de enchente

nas várzeas de Cuvitinga

quando voltou da cidade trouxe trouxas de sonhos

para um tempo sem fim de gastar

alguém desenhou araucária nesses gestos de rezando

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de redor de nosso sítio pastavam bois xucros

com olhos quentes de raiva

de entremeio nadava Araquá com sol lustrando suas águas

estirava as mãos inocentes a nascer verbo impossível

que o conseguisse dizer

além do pólen trocado que outro gesto de afeto

doam-se as flores se amando

passaram nadando o rio umas trombas capivaras

aquele encurvado do vale proibiu do rio se encurtar

e a rutilância das risadas

que só crianças conseguem desenhar...

tinham uns olhos tão jabuticabas os seus dois anos...

e aqueles olhinhos soslaios já se ensaiando trapaça ...

quanta pena pesa mão da mãe

ao cariciar nosso sono ?

umas águas de cara assustada remoinhavam no encontro dos rios

quando às vezes a gente

se perde nesses rastros de tristeza

essas paredes de casa que como a gente andam velhando

nunca deixe que te roubem o humor

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tempo outra vez das cigarras

retornarem inauguradas de cantos

é que nem sempre a sorte ama nossa companhia

vestir-me da azeda cara de Sócrates

vai eleger-me filósofo ?

vamos felizes juntar nosso feijão e se um dia conseguirmos strogonoff

vamos comê-lo sem dor alguma na alma

de repente jardineira foi levando tantos vizinhos pra cidade

secando o Paraíso

se mudou para Tungal onde serra se empina

ali nasceram as meninas e um filho que o fez pagar

os seus pecados na vida

e quando é que os rios vão conseguir-se aprontados ?

e grilo não desistia

de incomodar nossas noites

foi quando negros aqui chegaram trazendo noite na pele

e uns olhos em que doíam outras vozes

e os trovões ensinaram nossos índios esconderem-se nas matas com medo do céu desabar

cantar foi o jeito que se achou de limpar a alma dos trapos

velhos das nossas dores

no só do vale dormia uma casinha em finzim de caminho que tocava pra lá

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quantos eram os mandamentos

dos índios antes dos frades degredados governadores chegarem ?

e que o silêncio me fique escutando

ah - fora fácil esta vida

se pra tudo se arrumasse mandinga ?

bandeirantes não respeitaram as preguiças do Brasil

ah - não fosse essas velhinhas

e suas rezas enredeiras com seus dedos em nós dos terços

pra amansar os bofes de Deus...

ah - por que nos estragam de medo e depois inventam de vir curar a gente ?

duns pecados que só se curam

com setenta orapronobis

ai compadre Almeida Júnior me pinta com caras ladinas outros caipiras matreiros

amarrou sua paciência

à espera dum afeto

um nosso amigo morreu como uma frase apagando-se

pendura ali no silêncio dos fumeiros

essas saudades malemal de resolvidas

vou largar vida aprendendo que aos 70 nem treinei quase viver

esse ser habitual que a gente é...

senão como sustentar-se continuando ?

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nunca te exponhas vísceras nesses varais da vida

por que sair doando-nos bisonhos ? e se amanhã tornarem os espantos

pedindo repetir-nos ?

prosaico derramava-se vivendo simplesmente

por não veludar-nos àsvezesmente

maciados dos ásperos e ácidos a que nos obrigam o escalar da vida ?

eternidade ...

acaso somamos validade até transpô-la ?

e o triste de se ir procurando nos trecos perdidos de aís?

manhã acordou desses perfumes

quase amargos de madeira

descores os campos dormem hibernos de inverno

um dia diário - jeito de se vagar

ao sabor de mentiras consteladas

há mais ecumênica palavra que a latina etecetera ?

ter por que piedade da miséria sem a caridade de adestrá-la ?

ruim que nossos ontens acabam

sempre voltando resmungar em nosso hoje

saber-se incógnita quimera

que se trocou de cores no caminho

aquela ausência fizera-se cansaço valia ainda buscar por outras margens ?

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e o dia vai catando

o que a noite derramou

edifica afeto que caiba além dos olhos

em teu peito

um dia nosso endereço irá morar numa placa de bronze

ou num desses envelopes frios de mármore

ah – a gente entendesse as entrelinhas da sorte que viaja a nosso lado

essas cores lindas lendas de quando a gente nasce e que a vida vai trocando

sempre os tons...

triste o dia em que a gente passa sentindo-se cinzas

duns restos que se queimou

dessas saudades que a gente anda trombando e não sabe depois como cuidar

quantas lembranças nossas careciam

se limpar das teias desses vinhos sem nobrezas

as virtudes de meus pais :

- driblar rudeza da vida manter alto o mastro da honra

mesmo que afagos mal sobrassem entre eles ainda nos lecionavam

travessia de pinguela

nunca pemita espiem-lhe a alma

acrescentar por que outras palavras se na prosa não sobra mais que dizer ?

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dê-me o silêncio que eu devolverei muitas saudades

sem fé – em que segurar-se-ia

nossa essência ?

ah essa paciência nos doada destreinada...

é quando nosso vôo de amor

não mais se inventa

quantas vezes nos obrigam enroupar de novo a vida

minta que foram os pássaros

que acordaram a manhã não o grito do sol madrugando

será que um dia juntos outra vez

iremos semear nosso trigal?

iam comigo as ruas de madrugada quantos sonos ficavam

a espiar-me das janelas ?

esqueceu os olhos perdidos na areia que lhe escorria da mão

quando enfim aceitarei cumprir-me

senda que a sorte esculpiu ?

o trágico da gente - ganhar da vida uma história pra viver

e ornar de mentira mesma história ao contar

não estaria de novo

em tempo de se caiar nossa fé ?

ah – maldosa idade que fez daqueles rindo lindos lábios dela esses vincados beiços tristecidos

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houve tempo em que se amava o veludo dum colóquio

passa o vento a cariciar o costado da lagoa que dengosa se arrepia

que sorte das paisagens

que não padecem de humores

quanta vez vida é esse branco que nos encalha ao partir

viemos escoando quantidade

de Deus que havia em nós ... e agora que zeramo-nos de nada ?

inda bem que a vida nos deixou

esse poço de inventando espera de silêncio

após última pergunta...

e a briga de nossa alma conseguir fina harmonia da orquestra...

que minhas necessidades

não almocem meus princípio

foi se deixando endurecer acostumado à solidão do mato

não me afronte com tua maldade risada

lá onde tudo é importante mesmo a mentira da gente

deixou sorriso de seus dentes lindos

demorando dó naquela despedida

e nos varais a farra das roupas a balangar de vento

que soprava desbocado

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- pai – como era mesmo Araquá que inventei ?

uns símplices meus olhos

ah – tivessem insistido minha singeleza...

foi ruim levar a vida a comer um feijãozinho mais arroz

torresmo ovo frito e vez em quando um virado incrementado ?

você já bebeu água de mina

em corgo catada no conco da mão ?

num aquele vasto minuto duma espera

de quantas ruas nossos passos infiéis

mais não se lembram ?

e os nossos gestos caipiras em que fiamos...

é quando dor desperta em nós

potestades mal dormidas

o triste duma banda batestaca é tentar afinar em fim de festa

uma berceuse

há quanto vimos nos levando nos cascos destes dias ?

sequer carece o afeto

de beleza pra instalar-se ?

é precisava ser domingo para o dia se enfeitar assim de cores ?

o triste às vezes é que a vida

não passa do prefácio

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quantos sonhos fiz largando por estradas que não queriam companhar-me ?

foi quando se deu conta que o calvário

dela se apropiara e seus dias que iam de vir

seriam de apóstrofes inúteis

velho todo teimoso nodoado me espia do quintal um cedro

como parente chegado

que meus olhos não percam de ver poema em cada gota de orvalho

nesses matos meus passos pisam mansos de inverno

na tarde quantas pombas vão

mergulhadas em vôo de indo embora ?

é que os ipês costumaram decorar de flor nossos chãos

e de arrasto com as chuvas

veio vagando verão

chuchu mamão pimentão com 4 palitos espetados

e mais um curral já prontinho

costumava demorar-se no verão suas tardes na sacada lá de casa

e 1/2 copo de pinga à mão assistia outro dia que se ia

abraçada a tronco dum coco

me sorri ½ vermelha bromélia

que sina a da cigarra cantar até se secar

... e o sol que desenha redes

nas caras dos pescadores

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acaso céus vêm-nos questionar se somos impuros ou malditos

se margaridas ou putas quando em suas noites dormimos ?

quando secam capins pelos barrancos

é que outono sonegou orvalho

de quando ventos chegam assanhando as virgens saias das plantas

apaguemos a candeia

que a lua cheia quer entrar nossa janela

ouço na noite fome das saúvas

devorando meu pomar

que é tempo dos coquinhos pestearem chãos dos nossos pastos

era tempo da gente nas noites de roça

posar de sombra em paredes enquanto doía inverno lá fora

há um point aqui vizinho em que urubus crocitam-se

pulinhos

essa mania das copas dos bambus vergarem-se orando...

Deus às vezes tem cada uma conosco

- largar doenças reiunas feitar feiúras avessas

numas maldades cruéis

largou alma se goivando ao sol num desses varais de quintal

que pecado ensinar as crianças

aprenderem-se assustadas

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pobres daqueles que desacreditam de si

e se acodem em igrejas...

tenho que alho sativo mezinha pra toda obra

(num destempo de Ressaca) só não curava dores de amores sofridos

foi quando brasou naquele olhar

olhos de ódios ergueu-se desafeto pelos ares

e saiu lobo a ulular por rua e lua

é lá me importa alguém

que herde minha voz para canção nunca ser interrompida ?

minha cidade não gosta de saudade

vive a trocar cores das casas a cada ano e derrubar lindas velhices

... onde vão sobrar suas histórias ?

dessas tardes bonitamente tardes sem carecer adjetivos advérbios

ah – espelho não erre em meu rosto

rugas de meu pai

nunca confia na perfeição das coisas

os retratos dos “nonnos” em parede da sala eram receita de perpetuar

vigilância às nossas vidas ?

nos beirais moravam ervas festando vetusteza do telhado

naquelas horas em que ruas

descansam de andar na madrugada

quando expunha suas idéias

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a gente nele percebia dessas ruins engrenagens

de motor que demora um sem fim para engrenar

Deus é muito mais fácil

que explicados de fé

será mesmo que algum dia esse deusinho pai nosso passou por este caminho

onde sobrou-nos tranqueira ?

outra vez agosto e os eucaliptos se despem sãofranciscos envergonhados

não entorte esses meus ventos

eles sabem bem o endereço de minhas saudades encalhadas

se forem proibidas no céu dessas risadas

por que pra lá levaram tia Izabel cujos sofridos da vida

ela os brincava sorrindo ?

por que empurrar meu sonho pra lá do dia que existo ?

uma pracinha preguiçando

ao sol do ½ dia seus retalhos de silêncio

aquela janela acesa

acordava a madrugada

morrer não é da gente devolver-se novamente a nada ?

quando empenho emocionar-me

não vou ler poema algum desses fractais hojemdia mas esses desesperados

pequenos anúncios em jornais

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amar é a gente ficar emprestando d´outrem nossa alma

era uma rua velhada

duma cidade vencida apropriada a fotógrafos

lamparina de óleo lumiava

o Santíssimo no susto noturno duma capela

quem está ouvindo nesta hora

em casa que deixamos no Quadrado portas batendo de vento encanado

berros tristinhos de cabras vizinhas bochichos pecados de meninos safados ?

multidão dum só cão cortava viés a praça de preguiça ½ dia

em varais do matadouro em dias de sol

cascas de couro conversam suas histórias de bois

e sol vagabundo costumou

quentar tantos velhos desusados em bancos de jardim

quanto doeu-me quando

mindinho cresceu pareceu nem era meu

nem morte teve piedade

de vir beijar nosso primo mordido de cachorro louco

cadê nosso silêncio quaternário

depois que entrou em casa certo piano multifário

desses pecados que nunca

chegamos pecar porque eram mais supinos que nós

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ah se nosso anjo não fosse tão pidão em prol da gente...

quanta vez fui mais medo

que meu medo ? era só noite chegar

viver é também a gente ir arrastando saudade

foi quando caiu-me sobre

aquele indeciso caipira assombro

primo Tonico era daqueles que trazia na algibeira sempre um

metro do que papear

atrás da casa passava riozinho brincado de lambaris

quanto a gente àsvezesmente carece

de mentir no varejo da vida

bem pra lá onde céu bebe águas dum rio

num arco íris

foi um hirsuto inverno bravio inteiro cabelos brancos

todo em frio tremebundo

... e o mar brigava seus rochedos

naquele pátio de colégio somávamos 6 sotaques de Brasil

...em que nem sabíamos trocar

nossas dores de feridas

ah – despojar-me por que das miudinhas alegrias corriqueiras que lumiam

alguns de nossos dias

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não me desobrigue na vida de rir minhas risadas

dessas pregas mal feitas lá no dentro da gente...

ah – de quando vão os anos nos arcando

e na gente inda apetecem liberdades

meu vizinho era uns desmandos duma hora bandeou-se para Deus... haja agora agüentá-lo se emendar

aproveitemos dessas sombras

que inda prestam refrescar

em perigo de viver nunca abro mão de amizade a muitos santos

em especial os mais chegados a Deus

aquele um primo de pai seu Zebatista de habilidades raposas...

uns que se escondem em casca de ½ risada de nunca deixarem

a gente ler seus dentros

seu Estevo tão lerdo de cuca que até Deus gastejava

de indulgência quando ele

um primo Tonico que a vida nunca deixou que passasse dum pobre destino menino

um dia desarreou-me um colégio

para um prazo nunca mais de vir-me esbornear neste mundo

por que sempre nos espeta

um azedinho em gostoso de saudade ?

pinchando das costas as cobertas dia se dizia com assovios de manhã

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que saudade que não é

um judiado que se gosta ?

lembranças de minha mãe são saudades que gastaram

antes mesmo que elas fossem

era uma alegria de colméia com vespas em flor de pitanga

vadio morro Barbosa debruçava

sobre as herdades dos padres

essa precisão de fé que todos somos na burrice da vida

se Deus não houvera havíamos de inventá-lo

já está na idade de meu coração

parar... tentar me ouvir

dessas gentes que deviam nascer nunca já sendo

amor é esse macio que

só olhar não satisfaz carece mãos em corpos

que se t®oquem

de quanta coisa se erra o nome nesse mundão de trecos

... a vida sempre um manhecendo

e a gente um destrinçando-se em miúdas miserinhas

nas contações de saudade quanto de fato é mentira

quando no fundo é verdade ?

ruim quando raiva trepa a mandar nalma da gente

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de quando coração põe despovoar-se e este mundo se torna uma tranqueira

inda bem que nosso anjo que dormia

acorda e nos guia pelas léguas seguintes de esperanças

quanta vez a gente de repente

percebe-se perdido num certo de sozinha travessia...

ai quanto dói se perceber

despojado do somado disso tudo

será que um dia a gente pode se dizer definitivo em conta desta vida ?

o bom de repassar tanta paisagem

indo a vida é que quando dizem delas dá um gostoso de alembrar...

seu Belaires – um sorriso despachado

atrepado em alto dum alpendre

nossas lembranças às vezes dão impressão que ficam se escondendo de lugares

quanto a gente é permissivo

com nósmente

e nosso indo acompanhava estrada com quilômetros perfumes de cedrinhos

ventinho relava de bulha nas folhas

e silêncio madrugava

já na barra da velhice e quanto sobra aprender...

ôta Araguaia arrumadinho

em muitas águas !

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é quando se percebe que velhice é um ir gastando mocidade

das poucas matas que por aqui inda sobram

vão-nas bebendo-as paulatinos canaviais

soprava vento azul na galhada dos pinheiros

quanta vez botamos ao colo

essas saudades que ficamos relembrar ?

é que hoje vacas viajam

embaladas em caminhões ir de a pé por que se o trato das estradas

andam proibidos por asfalto sem poeira ?

Araquá partiu-me a vida de incertezas

como costumar olhos em paisagem na pressa que leva indo de carro ?

que de repente nos desbotam solidões

até que um dia aprenderam

minhas mãos gostar da pele dela

há umas horas em que é preciso sonhação

pra tempero da vida

ela guardava umas saudades em que eu não conseguia

figurar no meio delas

desses lugares em que a gente nunca devia ter vindo

ah quanto eu carecia duma

saudade àquela tarde

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e quanto seria acautelado à gente escutar primeiro os próprios dentes

antes de sair se pronunciar...

esses sozinhos que despencam-nos por nossos cavernos dentros

quanta vez se vai embora oquinho

do que não se conseguiu brigando a vida

naquele tempo da gente quando se demorava poder

passear as mãos de carinhos em faces das namoradas...

os olhos nossos voando adeuses a vida inteira

em paisagens

quando nossa metade de fora não consegue coincidir

com a outra metade lá dentro

o infinito seria desses esticados do nunca ?

e às vezes a gente

se empacando etc.s

todo prefácio n´é esse iscar de luz

em nhenhenhém duma história ?

não posso atravessar meus fantasmas quantos pai avô vieram somando neles ?

dessas igrejas silêncios e seus macios incensos que às vezes se carece

pra nossa alma encostar

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quando fundiram minhalma naquele onze em novembro

chovia demais e no barro esqueceram galhos e espinhos

hoje Paraíso não passa

dum triste arraial doutros tempos

naquela estação em que dias acordam brumados de sono

era um arruado coitado

de gente que ali campara já cansada de caminhos

guardava inda desenho

da linda musa que fora na mocidade

esses que hoje oram mãos tornadas

de palma para o céu como se Deus fora

obrigado a essas esmolas...

é que a gente anda tomando emprestado tanta crise deste mundo

que os tempos repetem-se miúdos

e vão-nos obrigando viver ruins que inda nos faltam

íamos - Goiás mostrando tristes uns pastos judiados de inverno

com árvores coitadas do serrado

só buritis vez outra formoseavam verdes alguns banhados

desses mazelos que a vida

vem botando na gente que nunca logra livrar-se

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até que um dia se consegue arrancar-se da baínha

para empreitada da vida

que fazer esperar é jeito da vida judiar da gente

sempre há um envelhado

aprender de ir vivendo

duns ontens que tornam-se amanhãs sem tempo saberem dos hojes

e quando os limites

nos ficam questionando ?

quanta coisa fora agosto em minha vida e no entanto finco-me esperando outras tardes

não fotografem os cacos destas dúvidas

que ainda não aprendi compor-me inteiro

na verdade desses dias que se passam em eterno despedindo...

ou são sonhos meros grafitados ?

consolar-nos por que com defeitos dos vizinhos

a paz do mundo não acrescenta para nós ?

e lá está vida interessada

se conseguimos aprendê-la ?

e depois que a gente aprende a vida não passa duma insossa brincadeira

quando se vive tanto

perde-se empenho de entender as coisas que desimportantes se repetem

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já se estava no acabar do dia quando voltávamos

das distâncias do Zambom - nos doíam 18 horas de caminho

nessas horas em que medo se aproveita dos silêncios

e se agiganta

quantas vezes vida nos põe muito além das vossorocas

dessas batalhas que

tristemente se ganha

e sol a se vestir de flamejantes tons de conhaque ali na tarde

o quadrado branco duma página

em capítulo final de nosso enredo - quem vai ajudar-nos desenhá-lo ?

já íamos em tempo de dezembro

quando mangas dependuram- se mocinhas

outra primavera se inaugura

e inverno para celebrá-la gasta seus últimos ventos nas folhas novas trocadas

... nestes dias de solitárias travessias

dessas casinhas matutas que

nascem tristezamente já velhas

ô serrinhas enfiadas umas poucas de Goiás

mal vestidas de cerrado

não me lembra de meus pais capricharem-se de Deus

de vez em quando rezando

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umas pressas que passam tropelando nossa espera

naquele morre-não-morre do sol

longo pio quase risada de inhambu que despedia

a gente do dia

setembro já maduravam daquelas azedas uvaias

tem gente que nunca se lava

da cara ruim da maldade

encontrei-o 20 anos que não via trazia-se tão envelhado

lhe também nem perguntei como seus olhos me achavam

sempre que vinha trazia

alegrias limpinhas naqueles olhos sorrindo

era dessas caras que dianho empresta pra ruins pessoas

gente cujas vidas vão podrecendo

amassadas de tristezas que nelas costumam empacar

umas tristezas assim

de quando tudo foi embora

quem largou uma sapucaia em triângulo de estrada

Paraíso Bacuri Cuvitinga que nos setembros florava

irmãzinhas dos ipês ?

desses nascidos em dias de noite que guardam uns tristes

em tudo que trazem

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e já nascem preparados pra desamigarem-se ruins

ah – mentiras obrigadas a que a gente se sujeita

nuns baralhados da sorte...

velhava e não perdera aquele sujo brilho dos olhos

que tecera quando mulher de muitos em bordel entrando a cidade

uns que sempre vivem

a contra-pé da sorte

e os que levam a vida a torcer sorte ao avesso

e acham de reclamar quando-a tenta desvirar

dessas dores que com o sarando dos dias

vão mais amenas doendo

são desses tratos que a gente quer negociar com a vida

quando já se viveu as medidas da gente

por que se amolar com tristezas dos outros matos do mundo ?

música não isso mesmo

de cada um nela ir amolar sua dor ?

primo nosso Jesuíno

gentinha mais preparada pra desastrados destinos

Zecan daqueles de alma pequena

em que tristezinha nenhuma cabia

por que invejar daquilo que nunca Deus prometeu ?

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fiquei catando poemas naquelas folhinhas caídas

no inverno da cabreúva

e quem às vezes não é fruta dependurada

em galho de beira estrada ?

daquelas mocinhas sólindas não prometidas a nada

assim almofadas de renda em que se proíbe sentá-las

e quando àsvezesmente a vida

nos larga adros sozinhos ?

quantos rascunhos da sorte a gente armou e pinchou ?

ah – bondade de Deus

de ensinar-nos sonhar...

ficou demorando aqueles olhos de lembrar - não achou onde atar continuação

quanto mais vai a vida nos letrando mais incapazes crescemos de opinar

6 castiçais no altar devotos

enquanto prosseguiam as rezas com umas velas lagrimando

parou junto de Deus

olhos duros tanta angústia do filho que lhe morrera

e Deus...

iam-se garças na manhã de vôos costurando

daqueles telhadinhos tristemente

derramados de mal feitos à entrada da cidade

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que Deus o livrasse desses uns que nasceram bem-armados de maldades

foi um tempo de miserere nobis

quase réquiem um que passamos em Caiapiá com braba sezão toda família

será que os céus derrubaram a gente no mundo

só pra resistir quaresmando ?

inda bem que sobraram uns verdes onde brincassem as mãos

naquele instante humilhado

a tarde - assim de janelas se fechando uma paineira de vaso florando

louvava cores da paisagem

vez em quando carece arear-nos dumas cracas a que alma acostumou-se

por que vida que ultimamente

anda tão nua não foi presa por atentado ao pudor ?

até que um dia esse espelho

não mais refletirá este meu velho

será que a gente retorna a lugares nossos antigos

para vir catar umas vozes que se perderam de nós ?

impressão que nas noites

janelas vão derrubando de sono as pálpebras das luzes

quando eu morrer quero deixar

uma saudade indez para em caso de eu tornar se não gostar do céu

onde os que demoram na rua

hospedam seus sonhos fantasmas ?

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que antes da morte sobre-me tempo de eu banhar minha alma

pra quando eu entrar no céu não chegue cheirando à gente

não te untes de cinza

não te regues de sangue que se chegares exangue quem vai arriscar somar

de amor contigo ?

por que olhos das estátuas ficam espiando pro nada ?

acho que por isso anjos

amam-nos tanto esperando que um dia de espanto se tornem humanos assim gente

Deus é isto que faz a gente continuar teimar vivendo

foram meninos tristes que inventaram brinquedos de manobrá-los sozinhos ?

se quiserem marcar dia de eu dormir

que seja de manhã quando tudo acontece vagarinho

não me leguem estátuas gregas quando eu for morrer sozinho que elas trazem olhos ausentes

de não me ensinarem o caminho

essas flores de dores mal vividas que esquecemos secando pelos livros...

sempre sobra ao poeta um poema

mesmo desses judiadinhos pra umas tristezas comezinhas

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impressão que se não empurrassem com as mãos aquelas horas empacavam

se envelhece porque os gastos na gente já não tem como suprir dos desgastes

- mas quanto santas eram rezas

as de Carolina d´Inácio

até que um dia se desmancharam do casamento que tinham

desses que não aprendem

alguns atalhos da vida e vão atolar-se em brejos

sei que um dia estarão confusos

meus pertos meus desertos e pra não me incomodar

sei que até lá não estarei mais dono de mim

ah – um dia vou cariciá-la

com o desejo de meus dedos

amar é a gente arrumar encrenca de nunca saber onde vai dar

tristes e alegres de paisagem não é carbono do mel ou fel

que copiam-se de nós ?

nem chá mais sobrou para ofertar aos fantasmas que costumam visitar-me

por que não deixar que a mentira tenha também um dia de glória ?

dessas ternuras inúteis nossas... nem percebeu da rosa que deixei

à mesa junto a xícara e o pão

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democracia seria deixar os pés decidirem por seus passos

quando não sobrar mais cor alguma

nesta vida por que não coloreá-la cor-de-não ?

se me dessem escolher por outra infância

não trocaria aquela que vivi em Paraíso

visitar almas alheias se nem aprendemos conversar com a nossa ...

por que não surpreender-me de dizer

diverso do que ia dizer ?

foi então que mundo se ferrou ousou criar o próprio sendo

diverso do Deus lhe deu

para criar um riso em alma triste não valeria a patranha da mentira ?

costumo em vez de carneiros

nessas minhas noites sem sono ficar ouvindo o quieto dormindo

dos campos arredores

envelhecer é quando se aprende adivinhar os antes desses irem acontecendo

sorria dum sorriso quieto sem os lábios se largarem

parecia silêncio se gastando pelas beiras

as vozes no velório ao borrar da madrugada

em gesto de mulher toda dengada lânguida garça ergue-se vôo

em vago de rio

meu eucalipto continua se inventando crescido para o céu

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bom de vez em quando é por-nos escutando as tempestades

há uns dias em que corpo e alma da gente

andam atrás de vadiagem

quantos silêncios quebram nossas pontas de não alcançarmos

dizendo das palavras

afeto – essa carência que se tem de outro vir ocupar

brancos no dentro da gente

meninas que aos 15 anos já andam empapadinhas de boas carícias de carnes

quando se é pobre tudo se resume no alcançar essas coisinhas à-toas

sem conseguir sacrifícios

quem na roça não vestiu roupa com rasgos cicatrizados

de remendos ?

desses amargos de desprezo que raspelam pela gente uns encardidos de ódio

que mais esperar de amizades quando jorram de seus verbos

só maldades ?

sempre achei que Natal só existia pra gente criança

e quem disse que

não se é ditoso parvamente ?

ah – esses cuidados medrosos em nossos sonhos

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foi quando meu pai se apercebeu dos últimos seus dias e foi se hospedar de hospital e na mesma noite viajou para onde nem se sabia

é preciso da gente insistir

inventar o milagre de continuar acreditar neste mundo

se queres estar em paz quando morrer

não largue aqui na terra um empenho inacabado

quanto é difícil acertar os passos

parelhos da felicidade que ora louca dispara à nossa frente

e tanta vez empaca nem querendo seguir com a gente

crer noutro mundo

para lá encontrar uma nova espera... por que não insistir por aqui mesmo

e largar essa partida zero-a-zero ?

há outro jeito de se inteirar da vida senão tecendo-a por imagens?

o que nos move é aventura de fazer

que quando se tem em mãos a coisa feita perde-se em nós o gosto que a confeita

não é tomando de vinho um tonel

que vamos nos polir do seu “buquê”

tentar alegrar por que uns que choram se

o deleite deles é prosseguirem chorando ?

até mel em demasia enfastia

conhecer-se a si mesmo já não é um pouco de ser louco ?

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te rega de paciência cada dia sempre até que um dia acostumes

por que pejar-nos das tolices ditas

quando tantos filósofos deixaram-nas escritas ?

calcemos as idéias

que não se machuquem quando trombarem contra outras

das mais chucras

como medir nossa massa de ridículos ?

ah – equânime mundo sapiente que consegue normalmente equilibrar

engenho e estupidez da gente

quanto épico é o olhar duma mulher ao perceber sua inimiga se ruindo

por que valem mais as coisas que já foram ?

se te derem pra escolher certa amizade

entre homem e um cão abraça-te ao cão para amanhã

continuares crendo na amizade

já consegui mudar-me tanto de idéias bem mais que as estações

há sempre um lenço demorado

a despedir na vida

e a gente a correr trás da ventura e sempre descontente de se sentir feliz

há manto perfeito de vizinho ?

nenhum é sem emenda e tantos outros defeitinhos...

iam na estrada em por-de-sol

dona virtude e sua sombra a vaidade

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tão bestial às vezes o ser humano que consegue transvestir-se de animal

ate´que um dia a gente sente ser a saudade uma ventura

maior que a constância ao lado da amada criatura

só a complicada paixão do vizinho

é ridícula - a nossa não...

todo segredo neste mundo geralmente possui olhos ouvidos boca indiscreção

pode alguém invadir

sem licença nossa alma?

ainda bem que me sobrou certa preguiça pra não cometer

tantos pecados inda na vida

será não haverá alguém um dia que dome esses moinhos de vento ?

que régua nesta vida nos baliza

a tênue linha entre o louco e o sizo ?

que tal um vinho bom junto à lareira que a teimosia de gênio

demorando-se besteiras ?

eu levarei o arco-íris tu trarás o sorriso pra gente celebrar

a vida em piquenique

só partirei em dia que tiver as malas prontas

e minhas contas em dia

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quando vida dum casal se compõe mais de silêncios...

umas ninhadas de alegria que de repente

se juntam a brincar vida da gente...

e esses dias que demoram-se depressa ?

era daquelas que até as coisas revezavam-se por ela

era assim um desenho de gente

que nunca foi caprichado

começara se estragar mal de saúde inda novinho judiou-se

e da família uma empreitada

incomodar-se por que com essas vozes- águas sujas que escorrem nas valetas ?

vez em quando alma da gente põe

a se estragar dessas perrengues tristezas

de repente anéis de sua vida desandavam com cada vez vãos menores pra conserto

mesmo nas intempéries da dor

conseguia um sorriso evangélico aos mais quantos perto sofriam

e mentirosamente quantas vezes se vai escorrendo em palavras...

daquelas mulheres que nossos olhos

já as chegam despenteando em suas partes

quanta gente faz da vaidade religião...

aprendessem ajudarem-se os casais durar em êxtase o afeto desta vida...

foi quando começaram tristezar

o Paraíso de tanta gente se mudando

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vez em quando até alma nos escapa

quanta coisa se rasga no vago dum grito ?

umas pessoas que não conseguem

senão sempre demoradas

ao me obrigarem tornar para a cidade trarei comigo a paz

caipira que aprendi vestir

a boca se escreveu entre-parêntesis os olhos acortinaram-se de dor

- diziam da morte da mãe

de prosa em prosa em velório entortaram a noite em madrugada

por que saudades guardam

uns ares tristes de vencidas viagens ?

que vida não me invente de pensar esparramado

as páginas que vou escrever prefiro demorar-

me dizendo esses golinhos

ah – nossas essas eternidades quando vão se murchando

humanamente

andam as manhãs com cheiros de matos a querer ser doces

como conseguir refabular

meus pedaços que obrigaram-me ir desmistificando a vida ?

e aqueles lugares que a gente

nem sabia e longes os desenhava...

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trazia um bigode sem zelo de fios encardidos de sarro

juntou quanto cabia no bornal

sem adeus nem chapéu veredou por uns trilhos indo estradas

e demorou de nunca voltar

de quanto se arrastando depressinha vida vai nos gastando de velhice

benditos esses ancestrais

que erraram primeiro que nós

e adiantava eu dizer às gentes daquele velório que a morta

andava com pressa de ir ocupar lugar seu de santa no lado de lá ?

até que por uns tempos vai dar certo

o teatrinho de sombras na parede onde fingimos uns durantes

mas quando a noite acabar ...

razão quem tem é a boa cigarra que entre tantas mortes escolhera a de cantando

desses tempos verbais que

nem mais prestam mas resistem pendurados na gramática

que tudo continue acontecendo nesta vida

Senhor - com os mesmos desafios

naqueles tempos da gente cuja nossa ignorância sabia tudo do mundo

quem não leva lá dentro

seu lado escuro de gente ?

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é que passamos a vida a cuidar mal de nossa lamparina contra os ventos

e queremos razão de reclamar

eram ainda amarelos os ipês quando agosto poitamos no Araguaia

viveu vida bordejando

escapando sempre de entendê-la

era um aprazível longe muito quieto ainda que

às vezes ruim de muitas chuvas lamas e vasto inverno

nessas datas em que a gente a andorinhar criança quer

aprender de pressa o mundo...

minha neta deitada de bruços ensina o dedinho indicador ir aprendendo

sujeiras avulsas do tapete

já inventava seu mundo aos dois aninhos

e na tarde trovão troou arrastando-se desastres

e esses medos da gente

que nos pererecam em 2 extremos da saudade

desses que a vida não consegue

prendê-los num abraço

como se caminho fosse empurrando-o pra longe numa noite vagalumes

vestiu sua solidão sem despedir-se

e foi de estrada longamente embora

esse mundo com tudo que o trapalha - ahg !

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já nem se carregar podia sozinho seu Bartocchio mas orgulhava-se

gente saber errar sem ajuda de ninguém

nenhum de meus Volpato

- e todos pela vida vadearam em tanta idade –

vazou cercas de maluco na velhice

amava demorar-se no pomar

detrás de tronco atlético de jaca a espiar o mundo vizinho

que ia pela estrada

que fui um menino feliz e seria bem cachorro

se me queixasse da sorte

e lá touro zebu queria saber se era gente ou se padre

semovente que encontrou desembestado do morro

ante espelho de sua raiva ?

quem conseguia viver com a capetagem vizinha

dos filhos de seu Lazinho ?

há dias que se pescando anzol só acerta tranqueira

como enquanto não se costuma

com os demorados da vida

quer mais judiado no peito - nisso de abotoando-se o dia

uns ventos soprando na gente uns toques de Ave Maria ?

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ah – dos avessos que se carece de nos irem ensinando

nesses pautados da vida

aos rios como a gente a vida não nos ensina

nos devolver marcha-ré

inda bem que Deus guarda pra si muitos desígnios

em muita gente só bate a devoção depois dos encantos carcomidos

se nem no espelho te pejas

de te cometeres velhaca qual o pudor de expor tua cara ao sol ?

que poema já não nasce

sua angústia de poema ?

já ando cobrando da morte que mixarias consente

que eu carregue em picuá dessas desimportâncias na minha viagem pra lá

como nessas páginas brancas

há dia que nossa alma anda árdua árida áspera

visitei colégio antigo

que padres abandonaram - encontrei inda silêncios rezando

iguaizinhos os dias que morei

assassinar por que um poeta ? largue-o que a vida o esgote

brigando dizer das coisas

esqueceram o morto em velório e foram em madrugada celebrar

em bar próximo a lembrança do passado

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única vez que família celebrou-o – ao morrer

trazia na boca gosto da noite

quando morro enterrou-o derrubado em volta de estrada

em águas vales dum corgo

até que um dia exausto de claustro saiu a sondar o gravitar da vida

esse hálito em cio que noite

inventa tentações pelos caminhos

esquecer como ? se fora quando minhas rugas

aprenderam me ensinar ?

dormiam janelas enquanto jasmins

damas da noite iam comigo as madrugadas

achava que no Natal vinha um anjo

marcar antes as portas dos meninos que na terra inda prestavam

de papai Noel presentear

e a última candeia quem na apagará quando tudo se acabar ?

dessas viagens sonhadamente

preparadas nem sempre acontecidas ...

reparou como quase tristemente os olhos das cabras reparam na gente?

é a vida uma dádiva

ou danada dívida divina ?

era um desses rios virgens que nunca celebrou um afogado

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e estão as aves sequer preocupadas quanto medem suas sombras

quando voam ?

nossas vozes meninas é que adoçavam de boninas o monótono coro

gregoriano dumas missas seminárias dos domingos

dessas imensas igrejas sem almas de oração

- que rezar é a gente vir cochichar num quieto conchego com Deus

não passo dum tosco capiau que aprendeu amar a vida

ternamente

tinha uma fé tão febre o fogueando que a gente sua vizinha desistia

de compartir com seu canto obstinado

já é tempo de sentarmos beber desses orvalhos aninhar algum cauim

e soltar nossas ternuras amarradas

por que-nos essa dor de anjos renegados

um dia do éden ?

enfeitavam nossa escola 6 palmeiras dessas do Império

com manias Castro Alves

um dia mais nada vai sobrar do desmazelo e devolveremos nossas naus de Monte Pascoal aos embarcadouros de Restelo

em Portugal

por que fazer-se epiceno se a vida nos multiplica fascínios ?

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vamos indo a conversar fulanamente pela noite – pode ser que um meteoro

de repente assuste-nos à frente

ah sonhos que todos fabricamos - que filhos nossos saiam vitoriosos dos afogados sonhos que não fomos

eu contemplava minhas mãos

essas mãos que sempre foram inquietas ferrujadas-se velhas descansando

em braços de cadeira

eram sépias e roucos os mugidos dos bois amedrontados dos raios

no adro do curral

assim umas tardes irreais de sem umedecidas confidências

houve um tempo - nosso olhar

adusto nos queimando mutuamente de desejos

Ah – Araquá quando molecavas

ambulando nossas várzeas...

por que nossos palmos de medir-nos sempre são mais-nos esganados

que para sombras vizinhas desenhadas ?

será que vida não nos planta de insônia pra vez em quando a gente faxinar lixo interno que-nos cumulamos ?

é quando silêncios avultam-se

em nós essas ilhas que habitamos

fui arrumar meu borralho de memórias ver se encontrava ali meu supino homem

...sobravam cinzas que pareciam repetindo minhas risadas guardadas de menino

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que praga estão latindo as sujas águas que se despejam nos degraus do Salto ?

esses que somos pela vida

tentando modelar-nos outros...

da vida que esperar senão o mosaico trastejado de nós mesmos ?

estaria já nesse confuso tempo

de trocar coisas largadas por sonhos que venturos ?

no de aprendermos amar

na dor das coisas é que estaremos mais gente

em dia que marcares virei lumiar de candeia o copiar

de sua varanda para a gente desarmar-se

no morro nem de mel cuidávamos

lá em cima tinha cada qual seu mundo a girar redor do umbigo

quando vieres traz o que puderes

pra viagem que na passagem da noite ao outro dia

do caminho eu cuidarei

quem pode garantir se amanhã não dormirei já noutro lado de meu dia que empacou ?

quantas viagens ficaste devendo a vossos pés ?

há amor na vida por + breve que não quebre arcabouço

de duas almas ?

não me entendo ainda como rito de lembranças

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há capítulos que inda devo completar na minha história

resmunga uma chuvinha há ½ hora

descompassos em folhas ali fora

aquele prima nossa de Mombuca vez por ano chegava-se ali em casa

sentava-se à esquina da mesa da cozinha e se entretinha a distribuir os olhos mansamente

ouvindo cada um como se agasalhasse no colo o que falávamos

até que se aprenda sorrir

da loucura cotidiana...

que vida tem mais vida que os regatos que nunca são os mesmos

onde passam

não respondas com urzes das palavras há sempre um mel para açucar esses momentos

não escames tua vida só de arestas

tece-a às vezes dum sorrindo ...

era eu mesmo minhas quimeras pelo espelho ?

silêncio há-os que cada um visite seu interno ...

ainda me prefiro um desses comumente

pela vida que dormido herói lavrado em mármore da praça

quanto é fantástisca esta vida

inda que facetada a sabor de cada olhar...

é quando sol fica na tarde a espreitar que dia venha derrubando-se

viés nas cumeeiras

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por que teimosamente cometemos pela vida como se átimos

fôramos transitórios

rezemos por essa gente que por nós ambígua

passa em seus crepúsculos

quantos vão em romarias esquecidos do encardido

que nas aldeias largaram...

vale ser parte dessa dor do mundo a ouvir dos ventos que costumam contar quando passam por aqui ?

de bubuia barco descia em pescaria a ouvir múrmure voz do Araguaia

será que um dia até abandono

irá nos deslembrar ?

se buscamos defeitos imperfeição de quem amamos é que nossas

entranhas já estão a descosturar-nos dessa gente

nunca busques meu lado treva de escorpião embora tragas teu signo placebo

o trágico é maturar a vida

com filtros descorados demorando-nos

e quando é que um dia

vai a gente realmente se saber ?

duns que bebem acreditando que então vão se abraçar

com a verdade

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que importância lembrar de quanto éramos se nem geografia hoje mais somos

inventa teu retorno de saudade

poupa-me saber-te

que nunca me soubeste

como demora a vida da gente se esquecer

ah – o árduo de se desamar amando

talvez sobre em nós alguma brasa

de saudade que insiste em demorar apesar dos 70 quando a alma

negadamente nem apetece

quando sobrar outro silêncio em tua vida convida-me dividi-lo e à lua cheia delongar uma noite só nós ambos

temo que meus amores

sempre foram teimadas travessias

que amizade pode interessar de pós a morte ?

vai fundo a teus abismos

ao tornares consulta se és o mesmo em teu espelho

o tempo é fugaz é peregrino

perdurável nem o sonho que nos leva

não teças de cores palavras que amanhã poderão te envergonhar

e quando tornar a lucidez

aos cálidos amantes ?

ah licorosa ventura de existir mesmo com ranhuras entre espinhos

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ainda me restam contentes de estar vivo mesmo que em ilhas dessas escondidas

sempre haverá um sonho ensolarado

dês que prossigamos avivando-nos crianças

ei - flor sempre haverá um vaso

e sombra e sol para que cumpras esse destino de sem sustos enfeitar-nos

o que se diz num quarto entre 4

de seus muros nem sempre pode ser contado ao sol

do cinismo nosso humano

um dia inda alcançarei a imperfeição

a quem o amor não foi magia e trigo ?

há sempre um adeus nos encalhando

em espaços de tempo que vivemos

sempre há um dia de se purgar de afeto findo

será valem a pena os desgostos que plantamos ?

é por isso que a vida vai velhando

nosso rosto e resto é que gastamos viver fora de hora

dessas medidas que cada qual

põe no amor

era mulher de viagens demoradas com seu corpo

o que não é véspera na vida

é partida

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quantas perguntas antigas ainda nos demoram ?

sempre achamos que há um rochedo

sustentando quando preferimos confiar

ah conseguíssemos de novo nossas meninices amanhã

junta-te aos poucos loucos

lúcidos da vida

há uma ponte onde todos vamos encontrar-nos de passagem

- a da morte

um silêncio que a gente conchegava entre ambos nós sempre

que decidíamos ir embora

e esses morrendo que conosco acontecem de não saber

cuidar nosso jardim

quanto nos custa um sorriso a um rosto ácido

que na rua cruza conosco ?

a alquimia da vida entregue-a ao poeta que com sua louca lucidez

haverá de repensar noite do mundo

não deixemos as coisas infinitas ir morrendo gastando

nosso mundo já pequeno

há quantos mil anos andam os homens estercando

de adeuzinhos seus caminhos

é fatal um dia hemos- de pousar as nossas sombras

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qualquer hora irão nos despojar desses vestidos e mãos

nos porão no nada que seremos

em qual de nossas mãos está a verdade ?

e essa inquietude 15 anos que nos põe

tarzã inventa-nos marujos em busca de índias atlântidas

ilhas maravilhas...

até tarde nesse dia desenhou-se sem gosto dumas nuvens trovoando

é quando se põe a vida

à reboque do nada

... que às vezes pego-me ouvindo umas preces de silêncios

poeta é o que se esmera solilóquios

há quanto não paramos

ante espelho visitando-nos ?

e esse salobro vez-em-quando que é-nos a vida

sempre se dá fingir ser dia de festa

pra gente se vingar dos dias que nos judiam

já demoramos demais a nossa espera e ainda não soubemos inventar-nos

há uns dias tão inutilmente

que nem nosso anseio de viver recria nossa alegria

conseguimos com o tempo plantar

doce silêncio entre nós e contemplar as tardes que lá nos desenhavam

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de que adiantam tantas consoantes

sem alma vibrante das vogais

ah – tentar voltar catando nos caminhos naquinhos de tempos que perdemos

duns que temem despedirem-se da vida

e restam por aís obrados esmos

vez quando a vida se lhe dói amoita cabeça em qualquer canto

colo ou travesseiro e sonda coração lhe ouvindo a voz

... que na Grécia tudo é do que sobrou

cínico é o que se enverniza das virtudes que não tem

hás de um dia aprender

quando se é festa ou vinho convidado

arruado de casinhas se relando

dos dois lados em renque duma rua que sai do povoado

ficou-me foto dum cacto

único gesto decente na miséria da caatinga

quantos da gente podem ao chegar no céu

ir entrando sem rogar licença ?

um dia também hei-de me esquecer efêmero e me tornar granito

como castos eram os dias antigos

desses incensos de igrejas

é nosso medo de cedo apagar-nos essa nossa fome de juntar fotos antigas ?

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ah eletrônicos brinquedos que andam secando a castidade

das almas dessa infância

em acordos que fazemos com a vida no geral somos roubados

sobrará algum tóteme amanhã

após tanto egoísmo ?

e outro novembro de escorpião se foi de tanta chuva...

ainda bem que vem a vida àsvezesmente derramar

modéstias em nosso orgulho

costumo ter em punho minha câmera de fotos que sempre a vida vem

de surpresa em cada gole

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Títulos 2009 que ajudaram neste título:

- Por onde poitar um etc.

- Enquanto voltam visitar-me solidões - Quando pararmos para ouvir nossos anjos concertando

- Inventemos meigamente outros sorrisos ... e quem nunca desenhou sua imagem de mentira? - De quantos gestos canhestros caipiras nos fiamos

- Numa cidade que não gosta de saudade - Um dia apearei das peias que me atam certos signos

- Das vezes que esta vida nos sozinha - Duns lugares em que noite é mais que em outros

- Por que não tecer azul nossa lembrança - Volúpia de ser pássaro asa vôo

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Os Fotopoemas de Volpato

Carla Ceres (*)

Um leitor desavisado poderia imaginar que este livro contém um grande poema dividido em pequenas estrofes e, partindo desse engano, concluir que sua leitura é dificílima. Já vi isso acontecer. É com alívio que as pessoas descobrem que cada “estrofe” é um poema independente. O erro ocorre porque estamos acostumados a poemas com títulos, algo raro na obra de Irineu Volpato. Reparem que o título do livro é, na verdade, um poema sem título, como os demais neste álbum de fotopoemas. Fotografrar com palavras, mais uma arte sobre a qual o poeta/fotógrafo Irineu Volpato demonstra domínio. Literatura e fotografia unem-se na criação dos pequenos poemas deste livro. O autor os chamou “motemas”, neologismo composto por “mote” e “poemas”. Ocorreu-lhe também o termo “lampoemas”, por serem “lampejos”, retratando instantes da mesma rapidez com que os flashes fotográficos capturam imagens: era uma rua velhada/duma cidade vencida/apropriada a fotógrafos . Irineu Volpato é um excelente fotógrafo. Seus trabalhos estão longe dos meros instantâneos tirados sem elaboração técnica. O mesmo ocorre com seus poemas: sovai bem as palavras/que quando forem aplicadas/não se despojem/do que intentavas dizer. São breves linhas costurando a beleza do instante, porém utilizam recursos sofisticados. Neologismos inovações sintáticas recriam o ambiente rural e a fala caipira. Alguns motemas assemelham-se ao haicai pela brevidade,por retratar a natureza simples enquanto mudam as estações do ano e por uma forma quase zen de elaborar a impermanência. Outros lembram minicontos: se mudou para Tungal/onde serra se empina/ali nasceram as meninas/e um filho que o fez pagar/os seus pecados na vida. Neste livro a poesia inconfundível de Irineu ganha em subjetividade, apresenta-se mais compassiva, afetuosa, compreensiva. Os sofredores recebem carinhos acanhados de quem, acostumado à aspereza, procura vencer seus modos bruscos: ah – não fosse essas velhinhas/e suas rezas enredeiras/com seus dedos em nós dos terços/pra amansar os bofes de Deus... A aridez fica na paisagem e é digna de lástima quando se comunica às pessoas.

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Quando terminamos a leitura, concluímos que, de certa forma, o livro talvez contenha um poema único: a história dum artista que teve uma infância feliz, mas sem mimos, em um ambiente rude, onde a sensibilidade se educou para perceber e revelar a alma alheia sem revelar-se a si mesma.

(*) Escritora e membro da Academia Piracicabana de Letras

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endereço do autor: rua otávio angolini, 235 – cruzeiro

13459-467 santa bárbara d´oeste - sp BRASIL 2010/7

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