qualidade e eqüidade em educação: reconsiderando o ... · o pai estava dois trimestres...

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Pesquisa em Síntese Qualidade e eqüidade em educação: reconsiderando o significado de “fatores intra-escolares” * Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15, n.55, p. 277-298, abr./jun. 2007 Resumo O artigo investiga quais características escolares estão associadas ao au- mento do desempenho médio das escolas medido por meio dos testes de Ma- temática, da 4ª série do Ensino Fundamental, pelo SAEB 2001. Investiga, es- pecificamente, característi- cas escolares promotoras de eficácia escolar e de eqüidade intra-escolar, e identifica e avalia o efeito sobre a eqüidade de ca- racterísticas escolares asso- ciadas, simultaneamente, à eficácia escolar e ao au- mento das desigualdades dentro das unidades escolares. Palavras-chave: Fatores intra-escola- res. Eficácia escolar. Eqüidade intra-esco- lar. Educação fundamental. Abstract Quality and equality in education: reconsidering the meaning of “within-school factors” This paper deals with the issue of quality and equality in schools. The empirical investigation is based on data of Brazilian national assessment, mathematics, grade 4 th , carried out in 2001. Findings stress that school factors associated to quality are also associated to Creso Franco Doutor em Educação, University of Reading, Inglaterra [email protected] Isabel Ortigão Doutora em Educação, PUC-Rio Ângela Albernaz Mestre em Economia, PUC-Rio Alicia Bonamino Doutora em Educação, PUC-Rio [email protected] Glauco Aguiar Mestre em Educação, PUC-Rio Fátima Alves Doutora em Educação, PUC-Rio Natália Sátyro Mestre em Ciências Políticas, IUPERJ * Este texto é uma versão ampliada de Franco et al. (2006). Os autores agradecem pelo apoio recebido do Preal, da Fundação Ford, do CNPq e da Faperj.

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Page 1: Qualidade e eqüidade em educação: reconsiderando o ... · O pai estava dois trimestres atrasado”. Raul Pompéia, em O Ateneu. Introdução Na Reunião Anual da Anped de 1979

Pesquisa em Síntese

Qualidade e eqüidade em educação:

reconsiderando o significado de

“fatores intra-escolares” *

Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.15, n.55, p. 277-298, abr./jun. 2007

ResumoO artigo investiga quais

características escolaresestão associadas ao au-mento do desempenhomédio das escolas medidopor meio dos testes de Ma-temática, da 4ª série doEnsino Fundamental, peloSAEB 2001. Investiga, es-pecificamente, característi-cas escolares promotorasde eficácia escolar e deeqüidade intra-escolar, eidentifica e avalia o efeitosobre a eqüidade de ca-racterísticas escolares asso-ciadas, simultaneamente,à eficácia escolar e ao au-mento das desigualdadesdentro das unidades escolares.

Palavras-chave: Fatores intra-escola-res. Eficácia escolar. Eqüidade intra-esco-

lar. Educação fundamental.

Abstract

Quality and

equality in

education:

reconsidering

the meaning of

“within-school

factors”This paper deals with theissue of quality andequality in schools. Theempirical investigation isbased on data of Braziliannational assessment,

mathematics, grade 4th, carried out in2001. Findings stress that school factorsassociated to quality are also associated to

Creso FrancoDoutor em Educação, University of

Reading, Inglaterra

[email protected]

Isabel OrtigãoDoutora em Educação, PUC-Rio

Ângela AlbernazMestre em Economia, PUC-Rio

Alicia BonaminoDoutora em Educação, PUC-Rio

[email protected]

Glauco AguiarMestre em Educação, PUC-Rio

Fátima AlvesDoutora em Educação, PUC-Rio

Natália SátyroMestre em Ciências Políticas,

IUPERJ

* Este texto é uma versão ampliada de Franco et al. (2006). Os autores agradecem pelo apoio recebido do Preal, da FundaçãoFord, do CNPq e da Faperj.

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Creso Franco, Isabel Ortigão, Ângela Albernaz,278 Alicia Bonamino, Glauco Aguiar, Fátima Alves e Natália Sátyro

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within-school inequality. In this context, wediscuss to what extent and under whichconditions features associated to qualitymay also be associated to within schoolsystem equity.Keywords: School factors. schooleffectiveness. Equity. Primary education.

ResumenCalidad y equidad eneducación:reconsiderando elsignificado de “factoresintra-escolares”Este artículo investiga que característicasescolares están asociadas al aumento enel desempeño medio de las escuelasmedido, por el test de matemática de 4ºgrado de la escuela fundamental,aplicado por la evaluación nacional de laeducación básica brasileña – SAEB 2001.Investiga, específicamente, característicasescolares promotoras de eficacia escolar yde equidad intra-escolar, e identifica yevalúa el efecto sobre la equidad decaracterísticas escolares asociadas,simultáneamente, a la eficacia escolar eal aumento de las desigualdades dentrode las unidades escolares.Palabras clave: Factores intra-escolares. Eficacia escolar. Equidad intra-escolar. Educación fundamental.

“[O diretor] tinha maneiras de todos osgraus, segundo a condição social dapessoa [...] E duramente se marcavamdistinções políticas, distinções financei-ras, distinções baseadas na crônica es-colar do discípulo, baseadas na razãodiscreta das notas do guarda-livros. Àsvezes, uma criança sentia a alfinetada

no jeito da mão a beijar. Saía indagan-do consigo o motivo daquilo, que nãoachava em suas contas escolares [...] Opai estava dois trimestres atrasado”.Raul Pompéia, em O Ateneu.

IntroduçãoNa Reunião Anual da Anped de 1979

ocorreu uma mesa-redonda sobre seletivi-dade socioeconômica no ensino de 1º grau.Os textos básicos da discussão estão dispo-níveis em Goldberg et al. (1981). Temposdifíceis aqueles. No plano político, o desta-que era a falta de democracia. No planoacadêmico, ênfase nas abordagens crítico-reprodutivistas, o que não deixou de se ex-pressar na mencionada mesa-redonda. Pelomenos uma das contribuições apresentadassublinhava claramente que a seletividadesocioeconômica operava por meio de fato-res intra-escolares e que esses mecanismosseriam suscetíveis de serem atenuados pormeio de políticas públicas baseadas em evi-dências de pesquisa educacional de boaqualidade (MELLO, 1979, 1981). Uma dasidéias apresentadas por Mello foi rigorosa-mente desprezada pela área de Educação –a que preconizava o papel de evidênciaspara políticas educacionais – enquanto aoutra – a que enfatizava o papel dos “fato-res intraescolares” - teve grande repercus-são na área, especialmente a partir do re-sultado das eleições de 1982, que determi-nou grande diversificação nos agentes res-ponsáveis pela formulação e implantaçãode políticas educacionais no âmbito dos es-tados e das prefeituras das capitais.

O artigo de Mello (1979) é um marcode um movimento intelectual da autora ede muitos outros pesquisadores que procu-ravam superar a visão que não apenassobre-enfatizava o caráter reprodutor da

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educação, mas também deixava de consi-derar o modo e os mecanismos especifica-mente educacionais pelos quais a repro-dução social efetivamente ocorre. A des-peito do avanço que este movimento signi-ficou para a pesquisa educacional, deve-mos registrar que o argumento acerca dos“fatores intraescolares” foi apresentado àépoca como característico da unidade es-colar, não contemplando, portanto, a pos-sibilidade de que tais fatores afetassem demodo distinto alunos da unidade escolarpertencentes a diferentes grupos sociais. Demodo mais geral, a pesquisa da época ti-nha especial dificuldade em lidar simulta-neamente com mais de uma unidade deanálise. Tipicamente, as investigações as-sumiam a escola ou os alunos como a uni-dade de análise, limitação ainda freqüen-temente presente na pesquisa educacionalcontemporânea.

Como bem ilustra o texto de Raul Pom-péia, escrito no final do século XIX e usadocomo epígrafe neste artigo, muitas vezes aliteratura se adianta em questões que a in-vestigação científica ainda não está prepa-rada para enfrentar analiticamente(CHOMSKY, 1987). No presente artigoapresentamos a estratégia mais usada atu-almente para superar o problema da esco-lha da unidade de análise na pesquisa edu-cacional quantitativa e aplicamos esta es-tratégia em investigação sobre como fato-res intraescolares relacionam-se simultane-amente com eficácia escolar – isto é, como desempenho médio das escolas - e comeqüidade intraescolar, isto é, com a distri-buição social do desempenho escolar dosalunos dentro das escolas. Por esta via,procuramos ilustrar como os fatores esco-lares podem explicar desigualdades entreescolas e dentro das escolas.

Objetivos e questõesde pesquisa

Durante a maior parte do século XX o Bra-sil apresentou indicadores educacionais bas-tante desfavoráveis, não só em comparaçãocom países europeus, mas também em com-paração com a maior parte dos países lati-no-americanos. Nos últimos quinze anos oBrasil melhorou sensivelmente seus indicado-res de acesso e de fluxo de crianças e jovensna escola, (SCHWARTZMAN, 2000). Noentanto, ainda persistem problemas com ofluxo de alunos (FRANCO, 2004) e, em es-pecial, com a qualidade da educação minis-trada nas escolas brasileiras (INEP, 2002,2004). Os resultados da participação do Brasilem avaliações em larga escala indicam queo nível médio da performance de alunos bra-sileiros é próximo ao de alunos chilenos, ar-gentinos e mexicanos, bem inferior ao de alu-nos cubanos, e levemente superior ao de vá-rios países latino-americanos (UNESCO,2000; OECD, 2004). Quando comparadoscom resultados de países da Organization forEconomic Cooperation and Development –OECD, o desempenho de alunos brasileirostem se mostrado bastante baixo (OECD, 2004;INEP, 2002; LEE; FRANCO; ALBERNAZ,2004), o que é particularmente preocupanteno contexto de crescente integração econô-mica em escala mundial.

Além de problema com a qualidadeda educação, a sociedade brasileira pre-cisa enfrentar questões relativas à eqüi-dade. Investigação da OECD (2004), in-dica que o Brasil é um dos países nosquais a correlação entre o nível socioe-conômico e cultural dos alunos e as con-dições escolares associadas à eficáciaescolar possui maior magnitude. Nestecontexto, o presente estudo faz uso de

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dados da avaliação nacional da educa-ção, através do Sistema de Avaliação daEducação Básica – SAEB (INEP, 2001),para investigar as seguintes questões(SAEB 2001, 4ª série, matemática):

(i) Que características escolares estãoassociadas ao aumento no desempenhomédio das escolas medido pelo teste dematemática do SAEB?

(ii) Que características escolares dimi-nuem o impacto do nível socioeconômicodos alunos no desempenho de discentes quefreqüentam as mesmas unidades escolares?

(iii) Como avaliar o impacto global so-bre a eqüidade educacional das caracte-rísticas escolares associadas simultaneamen-te ao aumento da média da escola e aoaumento, dentro das escolas, do efeito donível socioeconômico no desempenho es-colar dos alunos?

Em resumo: a primeira questão depesquisa investiga características esco-lares promotoras de eficácia escolar; asegunda questão debruça-se sobre otema da eqüidade intraescolar; e a ter-ceira questão busca identificar e avali-ar o efeito sobre a eqüidade de carac-terísticas escolares associadas simulta-neamente à eficácia escolar e ao au-mento das desigualdades dentro dasunidades escolares.

Este artigo começa apresentando osconceitos de eficácia e eqüidade e ex-põe uma revisão dos estudos empíricosbrasileiros sobre o tema. Segue com odelineamento do método utilizado nainvestigação empírica e com a apresen-tação e discussão dos resultados. Fi-nalmente, sintetiza os principais acha-dos e discute as implicações para polí-ticas públicas.

Eficácia e eqüidadeescolar: os conceitosde eficácia e deeqüidade escolar

De acordo com Mortimore (1991), es-cola eficaz é aquela que viabiliza que seusalunos apresentem desempenho educacio-nal além do esperado, face à origem socialdos alunos e à composição social do cor-po discente da escola. A investigação queassume a definição de Mortimore buscaidentificar as unidades escolares que pos-suem alto desempenho educacional, apósa filtragem dos efeitos atribuíveis às carac-terísticas individuais dos alunos e à com-posição social do corpo discente das esco-las. Uma abordagem alternativa é a que,ao invés de procurar identificar as unida-des escolares eficazes, busca caracterizarquais políticas e práticas escolares podemexplicar o alto desempenho educacional deescolas, sempre após filtrar os efeitos atri-buíveis às características individuais dosalunos e à composição social do corpo dis-cente das escolas (RAUDENBUSH; BRYK,2002). Neste artigo procuramos identificarpolíticas e práticas escolares associadas aalto desempenho escolar de alunos da 4ªsérie do Ensino Fundamental nos testes deMatemática do SAEB 2001.

O conceito de desigualdade intraesco-lar refere-se ao processo de produção dedesigualdade no desempenho escolar dealunos que freqüentam a mesma unidadeescolar, muitas vezes via mecanismos sutis,outras vezes por meio de mecanismos explí-citos, como o exemplificado na epígrafe dopresente artigo. Fatores promotores de eqüi-dade intraescolar são aqueles que propici-am a moderação (e, eventualmente, a su-

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peração) da desigualdade no desempenhoescolar de alunos que freqüentam as mes-mas unidades escolares. Buscamos identifi-car características escolares que moderamo efeito da origem social dos alunos – nesteartigo focalizamos especificamente eqüida-de socioeconômica, mas a discussão con-ceitual aqui apresentada pode ser usada nocontexto de eqüidade racial ou de eqüidadede gênero – sobre o desempenho em mate-mática nos testes do SAEB 2001.

O conceito de eqüidade intraescolar nãodeve ser considerado de modo independentedo conceito de eficácia. O cenário maispositivo ocorre quando as características as-sociadas à eqüidade intraescolar tambémestão associadas à eficácia escolar. Nestecaso, um mesmo conjunto de práticas es-colares atua, concomitantemente, no sen-tido de aumentar o desempenho médio dasescolas e de promover distribuição maisequânime do desempenho escolar dos alu-nos que freqüentam as mesmas unidadesescolares. Já o mesmo não ocorre quandouma característica que modera o efeito daorigem social no desempenho escolar estáassociada a baixo desempenho escolar dosalunos, pois não faz sentido considerarcomo pró-eqüidade prática educativa queestá associada a baixo desempenho esco-lar. Finalmente, faz-se necessário conside-rar a situação em que as mesmas políticase práticas escolares estão associadas, si-multaneamente, ao aumento da eficáciaescolar e à diminuição da eqüidade intra-escolar. Examinaremos esse caso mais com-plexo mais à frente, à luz de resultados ob-tidos no presente artigo. Por enquanto, ape-nas adiantamos que este último caso só

poderá ser tratado adequadamente em qua-dro conceitual que inclua um conceito adi-cional, nomeadamente o de eqüidade nosistema educacional, que será operaciona-lizado mais à frente, a partir da considera-ção conjunta tanto do efeito pró-eficáciaquanto do efeito anti-eqüidade intraesco-lar de certas políticas e prática educativas.

Pesquisas préviasno Brasil

No cenário internacional, a tradição depesquisa sobre eficácia e eqüidade escolarjá está bem consolidada e há algumas revi-sões clássicas da literatura internacionais(SAMMONS; HILLMAN; MORTIMORE,1995; LEE; BRYK; SMITH, 1993; MAYER;MULLENS; MOORE, 2000). Para uma revi-são dessas revisões e considerações sobre ocontexto educacional brasileiro pode-se con-sultar Franco, Fernandes, Soares, Beltrão,Barbosa e Alves (2003). Ainda que a utiliza-ção dos dados disponibilizados no Brasil apartir das experiências de sistemas de avali-ação da educação esteja aquém do desejá-vel, já começa a se constituir um núcleo depublicações sobre eficácia escolar baseadoem dados brasileiros.1 Esta seção está dedi-cada à revisão desta literatura brasileira, ain-da que, mais à frente, recuperemos os as-pectos da literatura internacional que semostram relevantes para a discussão dosachados da presente investigação.

Para além das variáveis relacionadascom a composição social da escola, quedevem ser consideradas como variáveis decontrole, os fatores escolares associados àeficácia escolar descritos na literatura bra-

1 Em sentido estrito, a investigação sobre eficácia escolar é baseada em dados longitudinais de painel, de modo a evitar as bemconhecidas limitações de investigação de relações causais com base em dados seccionais. Face à inexistência de dados longitudi-nais de painel de boa qualidade no contexto brasileiro, a produção nacional ainda está baseada em dados seccionais.

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sileira podem ser organizados em cinco ca-tegorias: (a) recursos escolares; (b) organi-zação e gestão da escola; (c) clima acadê-mico; (d) formação e salário docente; (e)ênfase pedagógica. Cada um desses temasé apresentado abaixo. 2

Recursos escolares: no Brasil, equi-pamentos e conservação do equipamentoe do prédio escolar importam. Resultadosneste sentido, com base nos dados do SAEB2001, 8a série (INEP, 2001), foram reporta-dos por Franco, Sztajn e Ortigão (2007) epor Soares (2004)3. Na mesma linha, Lee,Franco e Albernaz (2004) encontraram efei-to positivo da infra-estrutura física da esco-la sobre o desempenho em leitura dos alu-nos brasileiros que participaram do Progra-ma Internacional de Avaliação de Estudan-tes – PISA 2000 (OECD, 2001, 2004). Es-pósito, Davis e Nunes (2000) encontraramresultados positivos para o efeito das con-dições de funcionamento de laboratórios eespaços adicionais para atividades peda-gógicas. Albernaz, Ferreira e Franco (2002)reportaram o efeito negativo sobre a eficá-cia escolar da falta de recursos financeirose pedagógicos da escola, a partir de da-dos do SAEB 1999, 8a série. O mesmo re-sultado foi obtido tanto por Franco, Sztajne Ortigão (2007) quanto por Soares (2004),a partir de dados do SAEB 2001, 8a série.Em muitos países, recursos escolares nãosão fatores de eficácia escolar. A razão dis-to é que o grau de equipamento e conser-

vação das escolas não varia muito de es-cola para escola e que praticamente todasas escolas possuem recursos básicos parafuncionamento. No Brasil, ainda temosbastante variabilidade nos recursos esco-lares com que contam as escolas, o queexplica os resultados reportados acima.Deve, ainda, ser enfatizado que a pura esimples existência dos recursos escolaresnão é condição suficiente para que os re-cursos façam diferença: faz-se necessárioque eles sejam efetivamente usados demodo coerente no âmbito da escola.

Organização e gestão da escola: emestudo baseado em dados do SAEB 2001, 8a

série, tanto Franco, Sztajn e Ortigão (2007)quanto Soares e Alves (2003) reportaram queo reconhecimento por parte dos professoresda liderança do diretor é característica asso-ciada à eficácia escolar. Tanto Espósito, Da-vis e Nunes (2000), com base em dados doSistema de Avaliação de Rendimento do es-tado de São Paulo (SARESP), quanto Soares(2004), a partir de dados do SAEB 2001, re-portaram efeito positivo sobre a eficácia es-colar de variável que captava responsabili-dade coletiva dos docentes sobre os resulta-dos dos alunos. Na mesma linha, mas a partirdos dados do PISA 2000 para o Brasil, Lee,Franco e Albernaz (2004) registraram que aresponsabilidade coletiva dos docentes, me-dida pelo empenho coletivo dos docentesquanto ao aprendizado dos alunos, é fatorrelevante para a eficácia escolar. Esses resul-

2 Não incluímos na presente revisão estudos que deixaram de implementar controle pelo nível socioeconômico do corpo discenteda escola, pois sem o mencionado controle a análise tende a produzir muitos resultados ‘falsos positivos’, devido à alta correlaçãoentre boas condições escolares e alto nível socioeconômico da escola. Além disto, concentramos nossa revisão em trabalhos quepassaram por processo de revisão por pares (artigos de periódicos e trabalhos apresentados em eventos que avaliam previamenteos trabalhos publicados e/ou apresentados). Outros tipos de trabalho foram considerados apenas nos casos em que ajudavam aesclarecer polêmicas relacionadas com os trabalhos que passaram pela revisão de pares.3 Soares (2004) optou por investigar o efeito de cada um dos fatores escolares por ele considerados separadamente, testando o efeitode cada variável escolar em um modelo básico, que consistia em um modelo com as variáveis usuais de nível-1 e o controle denível-2 por tipo de escola e composição social da escola. Os demais autores considerados nesta seção incluíram diversas variáveisescolares simultaneamente em seus modelos básicos, que eram, tipicamente, semelhantes ao modelo básico de Soares (2004).

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tados estão em sintonia com os achados depesquisas conduzidas internacionalmente.

Clima acadêmico: diversas caracte-rísticas escolares relacionadas com a ênfa-se acadêmica da escola – isto é, com aprimazia do ensino e da aprendizagem, adespeito de as escolas eventualmente lida-rem com outras demandas sociais maisamplas – mostraram-se associadas à efi-cácia escolar. A ênfase em passar e corrigirdever de casa foi reportada por Franco,Sztajn e Ortigão (2007), em estudo basea-do no SAEB 2001, 8a série, e por MachadoSoares (SOARES, 2003, 2005) em estudosbaseados em dados da avaliação estadualmineira de 2002, 4a série. Nos mesmos es-tudos citados, Machado Soares enfatizou,ainda, o efeito positivo tanto do interesse ededicação do professor quanto do nível deexigência docente sobre o desempenhomédio das escolas. Face à forte conexãoconceitual entre essas variáveis – o quesugere alta correlação entre elas – a con-comitante presença das três variáveis men-cionadas nos estudos de Machado Soaresindica a alta relevância de variáveis relati-vas ao clima acadêmico da escola. Ade-mais, a exigência docente foi também re-portada por Lee, Franco e Albernaz (2004)em investigação baseada nos dados doPISA 2000 (OECD, 2001, 2004). Os estu-dos de Machado Soares (2003, 2005) en-fatizaram que o absenteísmo docente temefeito regressivo sobre a eficácia escolar eo estudo de Lee, Franco e Albernaz (2004),baseado em dados do PISA 2000, indicouo efeito regressivo do absenteísmo discente

tanto sobre a eficácia escolar quanto sobrea eqüidade intraescolar, já que nas escolasem que o absenteísmo discente era proble-ma esta variável estava associada não sóa menor desempenho médio dos alunos,mas também ao aumento do efeito do nívelsocioeconômico dos alunos em seus resul-tados escolares. Na mesma linha, Soares(2004) reportou efeito positivo sobre a efi-cácia escolar e a eqüidade intraescolar deescala construída a partir de variáveis quemediam tanto a ausência de absenteísmodiscente e docente quanto de problemasdisciplinares e violência. 4

Formação e salário docente: di-ferentemente dos temas acima conside-rados, os achados relacionados com for-mação e salário docente são esparsos,a magnitude dos efeitos é relativamentepequena e a significância estatística dosachados pode não ser tão robusta quan-to as anteriormente mencionadas, comoficará claro mais à frente. Albernaz, Fer-reira e Franco (2002) reportaram efeitopositivo sobre a eficácia escolar para ovariável nível de formação docente, emestudo baseado em dados do SAEB1999. Neste mesmo estudo, os autoresreportaram também efeito positivo paraa variável ‘salário do professor’, masambas as variáveis perdiam significân-cia estatística se incluídas conjuntamen-te no mesmo modelo, resultado que su-gere a existência de alta correlação en-tre nível de formação e salário de pro-fessores. A partir de dados do SAEB2001, Soares (2004) reportou resultados

4 O tema da literatura brasileira sobre eqüidade e eqüidade intraescolar é amplo e seu tratamento vai além dos objetivos dessarevisão. Resultados empíricos sobre eqüidade intraescolar na dimensão socioeconômica, racial ou de gênero podem ser encontra-dos em Albernaz, Ferreira e Franco (2002), Franco, Mandarino e Ortigão (2002), Andrade, Franco e Carvalho (2003), Soares(2004), Bonamino, Franco e Alves (2005) e Franco, Sztajn e Ortigão (2007). Este último trabalho elabora também a distinção entreeqüidade intraescolar e eqüidade no sistema escolar, apresentando referencial para a interpretação da situação na qual variávelescolar promove, simultaneamente, eficácia escolar e desigualdade intraescolar.

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convergentes com os de Albernaz, Fer-reira e Franco (2002). Face à relevânciado tema, é recomendável que outrosautores investiguem o tema a partir deoutras bases de dados. Já o estudo deMenezes e Pazello (2004) faz uso de da-dos do SAEB de 1997 e 2001 para in-vestigar o efeito do Fundo de Manuten-ção e Desenvolvimento do Ensino Fun-damental e de Valorização do Magisté-rio – FUNDEF, sobre salários e desem-penho nos testes do SAEB. Trata-se, por-tanto, de investigação que foge à confi-guração geral dos estudos de eficáciaescolar, mas que, ainda assim, é revistoaqui face à conexão do tema com a efi-cácia escolar. A metodologia dos auto-res baseia-se na adoção de um grupode controle – as escolas privadas – como qual é comparado o grupo de escolasque poderiam ser influenciadas peloFUNDEF. Os resultados indicaram a di-minuição, no período considerado, dadiferença em favor das escolas privadastanto do salário de professores quantodo desempenho dos estudantes. Esteefeito foi particularmente relevante naregião nordeste.

Ênfase pedagógica: Franco, Sztajne Ortigão (2007) obtiveram resultadospositivos em investigação sobre o efeitode ‘ênfase em ensino orientado pela re-forma da educação matemática’, isto é,ênfase em raciocínios de alta ordem e emresolução de problemas genuínos e con-textualizados, no desempenho em Mate-mática dos alunos testados pelo SAEB2001, 8a série. Usando a mesma base dedados (SAEB 2001), mas com estratégiadistinta de construção da variável sobreestilo pedagógico do professor, com es-pecificação distinta do modelo no qual o

efeito da variável que caracterizava o es-tilo pedagógico era testado e tendo ana-lisado os dados da 4a e 8a séries do En-sino Fundamental e da 3a série do Ensi-no Médio, Franco, Fernandes, Soares,Beltrão, Barbosa e Alves (2001) encon-traram, antes da implementação de con-trole pelo nível socioeconômico médioda escola, efeito positivo associado aosmétodos ativos de ensino. No entanto,o efeito tornou-se estatisticamente nuloquando da implementação do controlepelo nível socioeconômico médio das es-colas. A discrepância dos resultados deveestimular os pesquisadores a investiga-rem o assunto de modo mais sistemáticoe profundo.

Em resumo, a revisão da literaturabrasileira sobre eficácia escolar temachados convergentes sobre o efeito po-sitivo dos recursos escolares – ainda queos pesquisadores entendam que recur-sos só podem ser eficazes quando efeti-vamente utilizados – da organização egestão da escola – baseada em lideran-ça do diretor e em comprometimentocoletivo do corpo docente com o apren-dizado de seus alunos – e do clima aca-dêmico orientado para as exigênciasacadêmicas do processo de ensino e deaprendizagem. A literatura examinadaproduziu também evidências, ainda quemais esparsas, em favor do efeito positi-vo do nível educacional de professores,do salário de professores e de estilo pe-dagógico sintonizado com o movimentode renovação do ensino de Matemática.

MétodoDadosNesse artigo util izamos os dados

provenientes do SAEB 2001 ( INEP,

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2001), referente a 4ª série do EnsinoFundamental, Matemática, que envol-veu 57.258 alunos em 5.151 turmas e4.065 escolas. Os estudantes fizeramum teste de múltipla escolha de Mate-mática e uma medida de proficiência,baseada na Teoria de Resposta ao Item,foi atribuída a cada um dos alunos. Osestudantes também responderam a umquestionário sobre aspectos relaciona-dos à origem socioeconômica e cultu-ral, práticas de estudos e ênfase dadapelos professores ao dever de casa. Di-retores e professores também responde-ram a um questionário envolvendo tó-picos sobre recursos escolares, organi-zação e gestão da escola, clima aca-dêmico e práticas pedagógicas.

O SAEB é baseado em uma amostraprobabilística complexa, estratificadapor estado e por dependência adminis-trativa das escolas (privadas, públicasestaduais e públicas municipais). As uni-dades primárias de amostragem são asescolas e as secundárias são as turmas.Quando uma turma de uma escola éselecionada, todos os alunos desta tur-ma fazem parte da amostra do SAEB,mas apenas metade dos alunos faz oteste de Matemática pois a outra meta-de responde ao teste de Leitura.

MedidasA variável dependente é o desempe-

nho do aluno no teste de matemática

obtida via Teoria de Resposta ao Item.As análises desenvolvidas aqui se refe-rem somente aos alunos que fizeram oteste de matemática. A escolha destadisciplina relaciona-se com o caráter ti-picamente escolar do conhecimentomatemático, em comparação com oconhecimento da língua nativa, que,necessariamente, é desenvolvido nos di-versos ambientes freqüentados pelosjovens.

As seguintes variáveis escolares fo-ram incluídas no modelo: Demanda porDever de Casa, Biblioteca na Sala deAula e Bom Clima Disciplinar - comoindicadores da ênfase acadêmica -,Existência e Conservação de Equipa-mentos e Existência de Pessoal e Recur-sos – como indicadores de recursosescolares -, Ênfase em Resolução deProblemas, como indicador de ênfasepedagógica, e Liderança Colaborativacomo indicador de organização e ges-tão da escola. Variáveis do aluno fo-ram também incluídas no modelo, sãoelas: Gênero, Repetência (como indi-cador de trajetória escolar prévia) eNível Socioeconômico – NSE, do Alu-no. Além disto, implementou-se controlepor Nível Socioeconômico Médio da Es-cola. A identificação das variáveis, aestatística descritiva e as formas de co-dificação das variáveis dicotômicas sãoapresentadas a seguir (Quadro 1 e Ta-bela 1).

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Quadro 1- Variáveis utilizados na modelagem.

Variável

NÍVEL 1

Proficiência

Gênero

NSE

Repetência

NÍVEL 2

NSEMédio

Dever de Casa

Equipamentos

Resolução deProblemas

Liderança indutorade Colaboração

Pessoal e Recursos

Bom ClimaDisciplinar (R)

Biblioteca em Sala

Tipo de Variávele Codificação

Contínua

Dicotômica (1=menino)

Contínua

Dicotômica(1=repetiu ao menos 1 vez)

Contínua

Dicotômica (1= todos os profes-sores da escola corrigem ao me-nos algumas vezes o dever de casa)

Contínua

Contínua

Contínua

Contínua

Contínua

Dicotômica(1=todas as turmas da escolapossuem uma pequena bibliote-ca em sala)

Descrição

Proficiência em Matemática, escore TRI

Gênero. Obtida a partir de resposta doquestionário do aluno sobre seu sexo.

Nível socioeconômico do aluno. Obtidapor TRI não paramétrica a partir de itensordinais do questionário do aluno.

Repetência. Obtida a partir de respostado questionário do aluno sobre a experi-ência com repetência prévia.

Nível socioeconômico médio dos alunosque estudam na mesma escola. Obtidovia agregação da variável NSE

Demanda por Dever. Obtida a partir deresposta dos alunos sobre a atitude dosprofessores quanto ao dever de casa.

Existência e Conservação de Equipamen-tos da escola. Obtida por TRI não para-métrica a partir de itens ordinais do ques-tionário da escola

Ênfase em Resolução de Problema na Es-cola. Obtida por TRI não paramétrica apartir de itens ordinais do questionário doprofessor

Liderança Indutora de Colaboração Do-cente. Obtida por TRI não paramétrica apartir de itens ordinais do questionário doprofessor

Existência de Pessoal e Recursos Finan-ceiros e Pedagógicos da escola. Obtidapor TRI não paramétrica a partir de itensordinais do questionário do professor

Bom Clima Disciplinar. Obtida por TRI nãoparamétrica a partir de itens ordinais doquestionário do professor

Biblioteca em Sala. Obtida a partir de res-posta do questionário da turma sobre exis-tência de uma pequena biblioteca em salapara os alunos da 4a série.

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Tabela 1 - Estatísticas descritivas das variáveis utilizadas.

ticas pedagógicas em uma mesma escola,agregamos, pela média, a variável da tur-ma para o nível da escola.

Conforme sugerido por Bryk e Rauden-bush (1992), construímos nossos modelos‘de baixo para cima’, especificando inici-almente um modelo totalmente incondicio-nal, com o propósito de calcular a propor-ção da variância da variável dependente(proficiência em matemática) entre escolase dentro das escolas. Dando prosseguimen-to à análise, estimamos um modelo comvariáveis explicativas somente no nível dosalunos, ou seja, no nível-1. Neste modeloincluímos o nível socioeconômico do alu-no, uma variável indicadora de experiên-cia prévia de repetência, como controle dedesempenho prévio do aluno, e um con-trole adicional por gênero. Na etapa finalda modelagem incluímos as variáveis es-colares, com o propósito de modelarmos

Variável

Proficiência em Matemática

Gênero

Nível Socioeconômico do Aluno (NSE)

Repetência

Nível Socioeconômico Médio (NSE Médio)

Dever de Casa

Equipamentos

Resolução de Problemas

Liderança Indutora de Colaboração

Pessoal e Recursos

Bom Clima Disciplinar

Biblioteca em Sala

Média

176.3

0.51

0,00

0.33

0,00

0.38

0,00

0,00

0,00

0,00

0,00

0.31

Desvio-Padrão

45.9

0.49

1,00

0.46

1,00

0.48

1,00

1,00

1,00

1,00

1,00

0.45

Mín.

59.8

0

-2.35

0

-2.61

0

-2.20

-5.72

-5.09

-2.39

-2.54

0

Máx.

367.3

1

4.79

1

2.89

1

1.60

1.20

1.62

1.39

1.07

1

Abordagem analíticaNossas questões de pesquisa estão re-

lacionadas à identificação tanto de carac-terísticas escolares associadas ao aumentodo desempenho médio das escolas quantode fatores escolares que moderam o efeitoda origem socioeconômica dos alunos so-bre seus resultados escolares.

Face à estrutura hierárquica dos dados,na qual os alunos estão agrupados dentrode escolas, utilizamos o modelo hierárqui-co linear (Hierarchical Linear Model –HLM), de dois níveis como abordagem ana-lítica. Infelizmente, os dados do SAEB nãosuportam análise de três níveis, com alu-nos encaixados em turmas que, por sua vez,são encaixadas em escolas. A razão destalimitação relaciona-se com o plano amos-tral do SAEB, que seleciona apenas umaou duas turmas por escola. Nos casos emque tínhamos duas turmas e diferentes prá-

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tanto o intercepto (média controlada daescola) quanto o coeficiente que expressao efeito do nível socioeconômico do alunoem seu resultado escolar. 5

A modelagem do intercepto é importan-te para identificar características escolaresassociadas ao desempenho médio dos es-tudantes. Complementarmente, a modela-gem do coeficiente associado à variável NSEnos permite verificar como a magnitude doefeito do nível socioeconômico varia entreescolas, de acordo com os recursos, práti-cas e políticas implementadas por cada uni-dade escolar. O coeficiente associado à va-riável NSE, que pode variar de escola paraescola, informa-nos sobre a eqüidade den-tro das escolas. Quanto maior o coeficientede NSE, maior a influência da origem socialdo aluno em seu resultado escolar e, por-tanto, menor a eqüidade intraescolar. Porisso, características escolares associadas aeqüidade intraescolar são aquelas que re-duzem a magnitude do coeficiente da variá-vel NSE. Complementarmente, estamos in-teressados em analisar o conceito de eqüi-dade entre escolas, ou seja, dentro do siste-ma educacional. Para operacionalizar esteconceito é necessário observar o efeito depolíticas e práticas educativas tanto sobre ointercepto quanto sobre o coeficiente asso-ciado à variável NSE: se uma determinadaprática ou política escolar aumenta a médiado desempenho escolar enquanto simulta-neamente abaixa o coeficiente da variávelNSE, podemos concluir que estamos diantede característica pró-eqüidade, uma vez quesua implementação generalizada nas esco-las contribui para aumentar a média do de-

sempenho, enquanto, simultaneamente,modera a influência da origem social nosresultados escolares.

Uma situação mais complexa surgequando uma prática ou política está associ-ada ao aumento do desempenho médio,mas, simultaneamente, aumenta o coefici-ente da variável NSE. Neste caso, o efeitoglobal não é, em princípio, tão claro. Porenquanto, é suficiente adiantar que paraoperacionalizar a definição de eqüidadeentre escolas neste caso é necessário com-binar o efeito pró-eqüidade do aumento damédia e o efeito antieqüidade do aumentodo coeficiente da variável NSE. Mais à fren-te, retornaremos a este tema, detalhando estadiscussão a partir dos nossos resultados.

ResultadosA estimação do modelo incondicional

permite dividir a variância em dois compo-nentes: a variância dentro das escolas e avariância entre escolas. O ajuste deste mo-delo indica que 39% da variância da variá-vel dependente (proficiência em matemáti-ca) encontra-se entre escolas. Em paíseseuropeus e nos EUA, a variância entre es-colas usualmente está em torno de 20%. Aalta porcentagem encontrada no Brasil é umindicativo de que nosso sistema educacio-nal é altamente estratificado, apresentandomuita desigualdade entre as escolas.

O modelo de nível-1 estimado á apre-sentado na tabela 2. Neste modelo, o inter-cepto representa a média geral do desempe-nho escolar controlado pelas variáveis do

5 Usamos o procedimento usual para as especificações adicionais sobre como incluir as variáveis de nível 1 no modelo: a variável NSE, porser modelada no nível 2, foi centrada em torno da media da escola (group mean centered) e as demais variáveis de nível-1 foram centradasem torno de suas médias globais (grand mean centered). Optamos por fixar como nula a variância entre escolas da variável de controlegênero, de modo a evitar a perda de maior números de escolas, face ao número relativamente pequeno de observações dentro das escolas.

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aluno no modelo. O coeficiente estimado paraa variável repetência indica o forte efeito ne-gativo associado a este processo (γ20

= 20,4),resultado compatível com trabalhos anterio-res (LEE; FRANCO; ALBERNAZ, 2004). Comrelação ao gênero, os meninos têm resulta-dos melhores do que as meninas em mate-mática (γ30 = 4,5). Este resultado apresen-ta-se em consonância com o indicado pelaliteratura educacional, que tem registrado atendência de diferenças favoráveis aos me-

ninos na área de matemática. Os resulta-dos do PISA 2000 (OECD, 2001), por exem-plo, mostraram que em 29 países dos 32analisados, os meninos obtiveram um ren-dimento maior do que o das meninas e opaís em que se observou a maior diferençaem favor dos meninos foi justamente o Bra-sil. A tabela 2 apresenta também a relaçãopositiva entre NSE do aluno e desempenhoescolar (γ10 = 7,8), o que indica desigual-dade intraescolar.

Tabela 2 – Modelo inicial para a relação entre as características dos alunose o desempenho em matemática.

Efeitos Fixos Coeficiente

Intercepto γ00 179.3

NSE γ10 7.8

Repetência γ20 -20.4

Gênero γ30 4.5

Efeitos Aleatórios Variância

Intercepto u0j

466.9

Inclinação NSE u1j

89.2

Inclinação Repetência u2j

217.5

Erro Nível-1 rij

1224.2

Obs.: Para todos os coeficientes da tabela p<0.01

A parte inferior da tabela 2 aborda otema da variabilidade entre escolas dos co-eficientes estimados no modelo de nível-1.Dois parâmetros são particularmente rele-vantes face às nossas questões de pesqui-sa: (1) o intercepto, que é a média do de-sempenho escolar, ajustada por gênero eexperiência prévia de repetência e (2) ocoeficiente associado à variável NSE queindica a desigualdade socioeconômica den-tro das escolas. Em ambos os casos, como

a variância é significativamente maior doque zero, os coeficientes variam entre es-colas6. O próximo passo do processo daanálise é a modelagem tanto do interceptoquanto do coeficiente de NSE, a partir dainclusão no modelo de variáveis baseadasnas características escolares, de modo averificar seus efeitos na qualidade (intercep-to) e na eqüidade socioeconômica (coefi-ciente de NSE). A Tabela 3 apresenta osresultados para o modelo final (Between

6 O coeficiente para a inclinação repetência também varia entre escolas e como a repetência é um controle da habilidade prévia,mantivermos este coeficiente variando aleatoriamente.

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School Model). Os coeficientes associadosàs variáveis do nível-1 sofreram poucasalterações se comparados aos resultados

já apresentados na tabela 2. Por isso, so-mente mostraremos as variáveis do modelode nível-2 na próxima tabela.

Tabela 3 – Modelo multinível completo para a relação entre características dosalunos e das escolas e o desempenho em matemática.

Efeitos Fixos Coeficiente

Média das Escolas, γ00 181.7

NSEMédio γ01 15.0*

Dever de Casa γ02 12.7*

Equipamentos γ03 4.5*

Resolução de Problemas γ04 0.8**

Biblioteca em sala γ05 4.4*

Liderança Indutora de Colaboração γ06 0.8**

Pessoal e Recursos γ07 0.9**

Bom Clima Disciplinar γ08 0.6**

Inclinação NSE/Desempenho

Intercepto γ10 3.01*

Resolução de Problema γ11 0.60**

Dever de Casa γ12 2.30*

Equipamentos γ13 3.03*

Pessoal e Recursos γ14 0.84*

Biblioteca em Sala γ15 1.99*

Efeitos Aleatórios Variância

Intercepto u0j

177.4*

Inclinação NSE u1j

55.3*

Obs.: (*) p<0.01 (**) p<=0.10

Como vimos anteriormente, as caracte-rísticas escolares aqui analisadas podem seragrupadas em cinco categorias e podempossuir efeitos tanto no intercepto quantono coeficiente associado à variável NSE. Aprimeira categoria refere-se à composiçãoda escola, expressa no modelo através damédia do NSE dos alunos. O aumento deuma unidade na variável NSE Médio asso-

cia-se, em média, a aumento de 15 pontosno rendimento dos alunos e a aumento de3 pontos, em média, no coeficiente de NSEdo aluno.

Mesmo após controle por nível socioe-conômico médio, constatamos a importân-cia de algumas características escolares nodesempenho médio dos alunos. Os indi-

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cadores relacionados à categoria ênfaseacadêmica – Dever de Casa, Biblioteca emSala e Bom Clima Disciplinar – apresen-tam efeitos positivos no aumento do desem-penho médio das escolas. A demanda porDever de Casa está associada a um au-mento médio de 12,7 pontos no resultadoescolar dos alunos. A mesma variável estáassociada a aumento, em média, e de 2,3pontos no coeficiente de NSE. Isto significaque, apesar de promover qualidade (viaaumento da média geral), esta variável as-socia-se também a aumento do impacto daorigem social dos estudantes sobre o de-sempenho escolar, gerando, assim, desi-gualdade dentro das escolas. A variávelBiblioteca em Sala apresenta comportamentosimilar: a presença de uma pequena bibli-oteca em sala de aula associa-se a aumentomédio de 4,4 pontos no desempenho es-colar e a aumento de aproximadamente 2pontos no coeficiente da variável NSE.Observa-se também que o aumento de umaunidade na variável Bom Clima Escolaracarreta um aumento médio de 0,6 pontona media escolar. Esta variável não afetouo coeficiente de NSE.

A Tabela 3 indica que outras variáveisescolares mostram-se estatisticamente as-sociadas ao aumento da média escolar. Oaumento de uma unidade nas variáveis Li-derança Indutora de Colaboração e Reso-lução de Problemas está associado a au-mento médio de 0,8 pontos no resultadomédio da escola. Adicionalmente, tanto avariável Equipamentos quanto a variávelPessoal e Recursos também estão associa-das a melhores resultados médios dos alu-nos, seus coeficientes são, respectivamen-te, 4,5 e 0,9. Três dessas variáveis – Equi-pamentos, Pessoal e Recursos e Resoluçãode problemas – têm efeito sobre o modo

como a variável NSE afeta o desempenhoescolar dos alunos. E todas elas estão as-sociadas ao aumento do efeito de NSE so-bre o desempenho escolar dos alunos. Emresumo: em nossa análise encontramos di-versas variáveis associadas a maior desem-penho médio dos alunos e diversas delasafetam também o modo como a origemsocial dos alunos, expressa pela variávelNSE, influi no desempenho dos alunos. Noentanto, sempre que alguma variável mos-tra-se relevante tanto na modelagem damédia escolar quanto do coeficiente de NSEo resultado obtido indica que as práticas epolíticas associadas ao aumento da médiaescolar estão também associadas ao au-mento da desigualdade intraescolar.

Nossos resultados indicam, portanto, quea relação entre qualidade e eqüidade emeducação é complexa, pois políticas e práti-cas voltadas para o aumento da qualidadenão têm, necessariamente, repercussão di-reta sobre a eqüidade intraescolar. Em ou-tras palavras, na análise resumida na Tabe-la 3 apresentamos diversas variáveis indica-doras de qualidade que se mostraram, si-multaneamente, como variáveis associadasao aumento da desigualdade dentro dasescolas. Para a adequada avaliação do sig-nificado deste tipo de efeito, faz-se necessá-rio considerar o conceito adicional de eqüi-dade no sistema educacional. O restantedeste artigo é dedicado a este tema, bemcomo à aplicação deste conceito adicionalaos resultados que obtivemos.

A avaliação dos efeitos escolares quesão associados a um aumento do desem-penho médio e à moderação do efeito deorigem social sobre o desempenho escolaré relativamente simples, pois se obtêm maiordesempenho médio e distribuição mais

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equânime do desempenho dentro das es-colas. Quando os resultados indicam, si-multaneamente, maior desempenho médioe aumento do efeito da origem social nodesempenho dos alunos, a avaliação dasituação não pode prescindir da apuraçãoglobal do efeito pró-qualidade sobre amédia escolar e do efeito antieqüidade in-traescolar, relativo ao aumento do efeito daorigem social sobre o desempenho dos alu-nos da escola. Esta apuração global rela-ciona-se com o conceito de eqüidade nosistema educacional.

Ainda que determinadas políticas epráticas associem-se ao aumento da desi-gualdade dentro das escolas, elas podemter efeito de eqüidade no sistema educaci-onal, desde que o efeito do aumento damédia da escola compense o aumento dadesigualdade dentro da escola. A estima-ção do efeito global dentro do sistemaeducacional é obtida pela porcentagemde alunos que se beneficiam da difusãode uma determinada política ou prática,em comparação com o cenário contra-factual de inexistência da política ou prá-tica em questão. Ilustramos essa discus-são conceitual com o exemplo da variá-vel Dever de Casa, já relatada na descri-ção de nossos resultados. Como vimos,controlada por todas as demais variáveisincluídas em nosso modelo, a ênfase daescola em passar e corrigir dever de casaassocia-se a maior desempenho médiodas escolas (γ02 = 12,7, na Tabela 3). Noentanto, são os alunos com maior NSEdentro das escolas que mais se benefici-

am da ênfase em passar e corrigir deverde casa (γ12

= 2,3). 7 No caso da variávelDemanda por Dever de Casa, o cálculoda proporção de estudantes que se bene-ficiam desta característica, deve conside-rar dois grupos de estudantes. O primeiroengloba todos os estudantes cujo NSE émaior que o NSE médio da escola. Comoqualquer outro estudante, estes estudan-tes beneficiam-se do efeito positivo da De-manda por Dever de Casa sobre o desem-penho médio da escola (γ02 = 12,7). Be-neficiam-se adicionalmente do aumento doefeito de NSE sobre os resultados dos alu-nos. No segundo grupo estão os estudan-tes com NSE menores que o NSE médioda escola. Estes alunos também se benefi-ciam do efeito positivo da Demanda porDever de Casa sobre o desempenho médioda escola (γ02 = 12,7). Entretanto, essesalunos não se beneficiam do resultado queindica que dever de casa aumenta o efeitodo NSE dos alunos sobre seus desempe-nhos (γ12

= 2,3), já que os alunos dessesegundo grupo possuem NSE menor que amédia de sua escola (negativo, portanto,face à nossa decisão de centrar a variávelNSE em torno da média dos alunos).

Considerando todas as outras variáveisincluídas no modelo constantes, o efeito dademanda por Dever de Casa sobre o de-sempenho pode ser calculado pela adiçãode seu efeito principal com o termo de inte-ração entre níveis: (γ02 +

γ12 NSEij). Dado

que tanto γ02 e γ12 são positivos, o efeito é

positivo para todos os estudantes que pos-suem NSE positivo (acima do NSE médio

7 É importante lembrar que no modelo HLM centramos a variável NSE em torno da média da escola. Portanto, estudantes comNSE maior que a média de sua escola receberam valores positivos para NSE na análise multinível, enquanto estudantes com NSEmenor que a média de sua escola possuem valores negativos para a variável NSE. Como o coeficiente associado à variável Deverde Casa, de valor positivo (γ12

= 2,3), será multiplicado pelo valor da variável NSE, apura-se vantagem para os alunos de NSEmaior que a média de sua escola.

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da escola) e para todos os estudantes comNSE negativo desde que NSEij > -γ02/γ12.Baseado no valor dos coeficientes estima-

dos e nos dados do NSE dos estudantes,verificamos que a Demanda por Dever deCasa é benéfico para 100% dos estudantes.

O gráfico 1 ilustra o efeito de demandapor Dever de Casa no desempenho escolarde diferentes subgrupos.8 O gráfico permi-te que se observe: (a) o efeito positivo dedemanda por Dever de Casa sobre a mé-dia escolar; (b) o efeito regressivo de de-manda por dever de casa sobre a eqüida-de intraescolar; e (c) o efeito positivo dedemanda por Dever de casa sobre a eqüi-dade no sistema educacional.

Com relação às demais variáveis inclu-ídas no modelo, realizamos o mesmo pro-cedimento detalhado para a variável De-manda por Dever de Casa. A porcentagemde alunos que se beneficiariam com Exis-tência e Conservação de Equipamentos,

Gráfico 1 – O efeito da demanda por dever de casa no desempenho escolar deacordo com NSE do aluno dentro de uma mesma escola.

ênfase em resolução de problemas, presen-ça de biblioteca em sala de aula e Existên-cia de Pessoal e Recursos é, respectivamente,98,7%; 97,7%; 100% e 94,3%.

Finalmente, cabe informar que o mo-delo apresentado na Tabela 3 explica 62%da variância do intercepto (media das es-colas) e 38% da variância do coeficienteassociado à variável NSE.

ConclusõesA revisão de literatura e os resultados

obtidos na presente investigação mostramque, nos últimos anos, houve alguns pro-gressos na pesquisa sobre os fatores intra-

8 Os valores assumidos no gráfico para NSE baixo, médio e alto corresponde respectivamente ao percentil 10, 50 e 90.

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escolares e as desigualdades na distribui-ção social do conhecimento, que acompa-nharam e, inclusive, foram além das idéiaspreconizadas em 1979 por Guiomar Namode Mello em relação ao tema. Como ilus-trado pela discussão conceitual e pela in-vestigação empírica apresentadas no pre-sente artigo, a pesquisa educacional estáapta a abordar, simultaneamente, tanto asimplicações de fatores intraescolares (den-tro de cada escola), eventualmente afetan-do de modo diferenciado alunos de origenssociais distintas, quanto as implicações so-bre alunos que freqüentam diferentes uni-dades escolares.

Os achados da presente investigaçãonão diferem expressivamente dos resultadosde outras investigações brasileiras. No en-tanto, face ao ainda restrito conjunto de pes-quisas sobre efeito escola com dados brasi-leiros, consideramos salutar poder confirmara partir dos dados do SAEB 2001, 4a série,matemática, diversos dos achados já rela-tados por nós mesmos e por outros pesqui-sadores brasileiros que usaram outros da-dos. Os resultados da presente pesquisa en-fatizam que a escola faz diferença, em espe-cial por meio do clima acadêmico da esco-la, captado na presente investigação via va-riáveis que enfatizavam a ênfase em passare corrigir dever de casa, a organização deum cantinho de livros dentro da sala de aulae a manutenção de um bom clima discipli-nar, da liderança do diretor, que induzia acolaboração entre professores, e da dispo-nibilidade de recursos na escola, captadavia variáveis que mensuravam tanto a dis-ponibilidade e conservação de equipamen-tos quanto a existência de pessoal e de re-cursos financeiros na escola. Consideran-do-se conjuntamente a magnitude dos coe-ficientes estimados, a amplitude das variá-

veis explicativas associadas aos coeficientese o desvio-padrão da variável dependentefaz-se necessário mencionar que a magni-tude da maior parte dos efeitos encontradosé relativamente pequena, com exceção dosefeitos associados às variáveis Dever de Casae Equipamentos. Isso ocorre por duas ra-zões. Em primeiro lugar, porque estamos tra-balhando com dados observacionais e háforte correlação entre o controle por nívelsocioeconômico médio da escola e as va-riáveis explicativas. A este respeito, pesqui-sa recente da OECD (2001) apontou queo Brasil é um dos países no qual a magni-tude da correlação entre composição soci-oeconômica da escola e melhores condi-ções escolares é particularmente grande. Asegunda razão deriva do próprio padrãode correlação entre as variáveis explicati-vas utilizadas, que acabavam competindopara explicar a variância da variável de-pendente, o que redunda na diminuiçãodos coeficientes estimados.

Finalmente, ressaltamos que no presen-te artigo desenvolvemos e ilustramos umaabordagem que permite avaliar adequada-mente o efeito de políticas e práticas queaumentam a qualidade da educação, a des-peito de, eventualmente, aumentar a desi-gualdade na distribuição social do aprendi-zado escolar. Para além do aspecto meto-dológico acerca de como avaliar esse tipode efeito, os resultados da presente investi-gação, que enfatizaram que variáveis asso-ciadas ao aumento de médias escolares tam-bém se associaram ao aumento da desigual-dade dentro da escola, sugerem que as po-líticas de qualidade em educação precisamser acompanhadas por políticas de eqüida-de intraescolar, sem o pressuposto de quepolíticas de qualidade equacionem automa-ticamente todas as dimensões da eqüidade.

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Recebido em: 02/05/2007Aceito para publicação em: 29/05/2007