pulp feek #15

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Semana Horror/Noir, com as séries Lúcia, por Amanda Ferrairo e O Dom das Sombras, por Philippe Avellar.

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Eu possa lhe dizer do amor (que tive):Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure

Afinal, qual é nosso objetivo? Viver uma vida passageira compreendida em sua plenitude? Ou viver uma vida intensa e deixar enigmas que perdurem para a eternidade?

Vinicius que essa semana completou seu centenário escolheu deixar enigmas, e vários, poeta do amor, com uma vasta obra, sem ser imortal se fez in-finito.

É uma carreira cheia de amores. Vinicius amou a Musica, a Poesia, a Crônica, as Mulheres, seu País, amou o Cinema e amou a Arte. Soube aproveitar seu tempo para criar, e assim sendo, produziu o que há de mais belo em ritmo e poesia.

A arte de Vinicius não tinha publico, não mirava um alvo, o amor que ele falava afeta desde o grande magnata, até o humilde morador da periferia.

E ai Vinicius faz me lembrar as Pulp, fazer arte de qualidade, sem se importar para que público, simplesmente focando o máximo de públicos possível. É esse o ideal de uma revista de polpa, é isso que sempre pensamos por aqui.

Entre os artistas nacionais em que buscamos exemplos, é nele, que bus-camos a força de sermos múltiplos atraindo o que há de melhor no mundo sem deixar de ser brasileiro.

Afinal o que era a Bossa Nova que Vinicius trabalhava? Uma mistura entre o Jazz e o Samba? Somos ambiciosos nós sabemos, confessamos isso, mas não podemos esquecer nossos objetivos.

Queremos crescer, e esta é nossa décima quinta edição, e enquanto ela rola projetos acontecem nos bastidores, para fazer a revista crescer. Temos plena consciência de que nosso caminho é árduo.

Mas como diria Vinicius: “O amor só é bom se doer.” E se tem algo que amamos é este projeto, e por isso a cada dia trabalhamos para fazer o melhor por você, e você já fez o seu leitor de ficção hoje?

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PULP FEEK - #15

O dOm das sOmbras: as pétalas... se aprofunde na men-te de anna, enquanto acompanha o mergulho dela em direção ao mun-do cada vez mais sombrio ao seu redor. philippe avellar. ----------------- pág 3

lúcia: Ás mÁculas dO passadO... solucione com lúcia os enigmas de sua vida, enquanto ela aguarda por algo que se esconde nas profundesas das trevas. amanda Ferrairo. ------------------------------------------------------------ pág 15

séries

Fé dOs hOmens... no One-shot de hoje acompanhe o Jovem babi em sua ex-ploração pelo mar negro e sombrio. rafael marx. ---------------------------- pág 27

One-shot

FOnte de inspiraçãO... O terror metódico e bem construído, acompa-nhado de uma arte agressiva e bem trabalhada. conheça na coluna dessa se-mana o Vampiro americano. lucas rueles ----------------------------- pág 33

extra

Na próxima semana:

Mantenha a calma e continue a série Sob(re) Controle de Thiago Geth Sgobero

Continue a acompanha a história no fantastico mundo steampunk de Rafero Olivera na Imperatriz de Ferro.

Aproveite também para ler a coluna de nossos editores-chefe e muito mais.

cOmO escreVer sObre... inspirado pelo nanoWrimo nosso colunista fala sobre prazos e como trabalhar com eles. rafael marx.------------------------ pág 41

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Os passos de anna quase não produziam som nos últimos degraus da escada de seu prédio. sentia como se precisasse andar daquela

forma em todo lugar, agora: como se não devesse estar ali. era importante que não fosse vista, que não fosse notada.

passou a cabeça vagarosamente pelo corredor, e viu dois olhos ferozes que se fixaram imediatamente nela. então relaxou.

O capanga deu-lhe um rápido sorriso torto no lábio com uma grossa e feia cicatriz. era o único que lhe sorria, ou mostrava alguma simpatia. Os outros se reduziam ao respeito, e nada mais.

a um sinal do colega, o outro capanga cumprimentou anna com um rápido gesto da cabeça, e ficou rígido ao lado da porta. a mão da jovem encontrou rapidamente a chave dentro do bolso do casaco, e destrancou o velho apartamento. O capanga precipitou-se pela porta, a arma em riste, pequeno e feroz como um gato selvagem com seus olhos de caçador. Fez uma vistoria em todo o espaço, enquanto seu colega aguardava do lado de fora, escoltando a protegida de seu patrão.

Quando se deu por satisfeito, fez novo aceno com a cabeça, e saiu quase em disparada.

— Obrigada. — anna lhe disse mais pelo simples reflexo, baixo demais para que ele ouvisse.

— se precisar, tamo sempre aqui perto. — o capanga sorridente acenou, deixando anna entrar em casa. ela também tentou lhe sorrir antes de fechar a porta, sem saber ao certo se conseguira.

O apartamento iluminado pelas fracas luzes era o reflexo de como vinha se sentindo ao longo dos últimos dias.

dividida.Os armários de cozinha, mesmo lascados e quebrados, foram polidos

por ela um a um, e esvaziados de toda comida que não servia, o que os deixou quase vazios. O minúsculo banheiro brilhava. O refrigerador parecia uma década mais novo.

mas a roupa de cama não era mexida há dias. seus livros, vestes e

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a maioria de seus poucos pertences se amontoavam sobre a pequena cama, espalhando-se ao redor pelo chão junto a todas as almofadas e travesseiros que conseguiu encontrar. essa bagunça, ela pensava, era sua segurança. seu mundo.

aquele apartamento parecia agora pertencer a outra pessoa. sua vida inteira parecia pertencer a outra pessoa. como ela poderia fingir ser jornalista? como poderia assistir e falar da desgraça do mundo como se não pertencesse a ela? não, aquilo era para pessoas normais. ela estava tomando o lugar de uma pessoa digna e normal que merecia estar lá.

anna sentou-se no sofá furado, coberto por uma colcha xadrez que um dia já achou muito bonita. ela não era mais parte do mundo. Ou talvez o mundo não fosse mais o mesmo. tudo parecia frágil; mesmo as sólidas paredes do prédio antigo, os pesados móveis de madeira, o ferro da grade junto à sua saída de incêndio, tudo parecia feito de cristal. um cristal fino que cobria, com suas cores cinzentas ou radiantes, alegres ou tristes, um negror profundo demais para ser qualquer coisa além disso. profundo. Fundo como o mistério. como o arrependimento. como o terror.

alguém havia rachado essa fina proteção de cristal. ela contemplava esta fenda, incapaz de ignorá-la, e temerosa de atravessá-la. O cristal parecia cortar sua pele.

batidas suaves despertaram-na de seu devaneio, mas já não mais se sobressaltava. seu peito apenas se comprimiu um pouco, antes que uma voz conhecida e rascante soasse do outro lado.

— anninha, sou eu. O eddie.a jovem levantou-se e abriu a porta, revelando a figura do gangster

com um cigarro meio amassado no canto do lábio. Os tempos não estavam tão bons, ela pensou, pois normalmente ali ficava um charuto, mesmo que dos piores.

— pode entrar, eddie. só não tenho muito que oferecer. O homem demorou um momento antes de abrir um de seus espertos

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sorrisos cínicos e entrar. mas anna percebeu sua hesitação, e também que seus passos eram cuidadosos por baixo da pose da autoconfiança. não sabia se ficava decepcionada ou satisfeita em inspirar respeito em um mulherengo cheio de lábia, que já conheceu mais da metade das habitantes daquele prédio sob a intimidade dos lençóis puídos. estaria acima na consideração ou tão abaixo no interesse?

— acho que a fina moça não tem algo de beber para um velho gambá como eu, né?

— não tenho nada. pode ser um café?— também é uma boa.enquanto anna separava o pó e punha a água para ferver, eddie

sentou-se no sofá onde ela estivera minutos antes. parecia aguardar alguma coisa.

— conseguiu contornar o juiz...? — ah...? ah! O berenger! Você tem boa memória, danada! — eddie

riu como se tivesse tosse. — sim, aprontamos qualquer coisa para ele. O pessoal do seu trabalho vai ter algo para contar logo, logo.

— provavelmente dirão algo diferente da verdade. mesmo que eu não trabalhe no caso, deixe que eu resolvo, no caso de precisar “aparar qualquer ponta”. — anna respondeu à questão implícita na fala de eddie, que ficou satisfeito com a resposta correta.

— Você é uma santa, anninha. — o capanga lhe disse, com afeto. mas as palavras chegaram amargas até anna.

— bem longe disso, eddie. e vocês estão me ajudando da mesma forma. nada mais justo. — entornando o café forte e fumegante em duas canecas, dirigiu-se para a única cadeira que ficava à frente do sofá.

aquilo parecia ter sido um sinal para seu visitante, que falou devagar, enquanto pegava sua caneca. — ‘cê sabe que não me custa nada dar uma ajudinha. tem sempre uns garotos de bobeira quando não arranjo alguma coisa grande, grande mesmo. posso deixar sempre alguns de olho por aqui. não quero me meter, anninha... mas quem é que tá dando

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problema pra você?uma pergunta simples e justa. uma resposta complicada e vazia.— no meu último caso, cobri algo estranho, com assassinato. acho

que não gostaram do que vi ou descobri. mas um homem estranho também tentou me ajudar, e ainda não sei se esse estranho é amigo ou inimigo. — com o esforço de fazer este resumo vago e um tanto mentiroso, a jornalista conseguiu impedir que os flashes e cenas pulsassem em sua mente com cores tão vibrantes quanto as de poucos dias atrás.

eddie fez um movimento com a boca, como se degustasse o problema e o café em sua língua. — O homem morto era um figurão?

— não. — anna lembrou-se rapidamente do bairro e do apartamento que visitara, tentando impedir que lhe retornasse o rosto deformado e angustiado de andru. — não, nenhuma das mortes foi a de alguém tão importante. mas estavam metidos em coisa grande.

eddie coçou a cabeça e recostou no sofá como a tranquilidade de um expert no assunto. — não é comum se preocuparem tanto com o sumiço duns peões. essa chefia devia estar muito preocupada com seus assuntos para deixar algo vazar. e como era o tal que fez o serviço?

anna sentiu vontade de confiar tudo àquele homem de mente tão simples, e que acreditava ter poderes tão grandes sobre seu mundo marginal. ele, que não tinha ideia de que o mundo estava rachando, e deixando ver o abismo logo atrás.

— não consegui vê-lo muito bem. estava muito escuro, chovendo. e eu, muito nervosa. corri pouco depois.

O gangster lançou um olhar astuto, mas ficou calado, sem pressioná-la.

— não posso ajudá-la enquanto não souber mais do assunto...— está tudo bem... já agradeço por deixar alguém vigiando o prédio

e meu apartamento enquanto estiver fora. — se qualquer estranho aparecer, os rapazes vão avisar. e se forçarem

a barra, eles podem apagar o sujeito, se precisar.

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anna assentiu, olhando para sua caneca. sabia que alguém que estivesse como andru estava não seria morto pelos capangas de eddie. mas talvez não houvesse mais ninguém como andru. seria um azar grande demais. monstruoso demais.

seu protetor entendeu aquele silêncio prolongado como sua deixa para sair. levantou-se, apoiando a mão com força no ombro de anna, no que pretendia ser um gesto de conforto.

— Qualquer problema, é só falar com o eddie aqui, mocinha. Vamos te ajudar. — ele foi sozinho até a porta, destrancando-a por dentro. — Valeu pelo café. Você faz o melhor café que eu já tomei nesse prédio.

— Obrigada... — anna respondeu, um pouco para cada frase, pouco antes do clique da porta.

por muito tempo ficou parada, com o resto do café esfriando nas mãos. Às vezes, pensava em tudo, cada imagem passando em um turbilhão incessante que a carregava sem que tivesse no que se segurar. em outros, não pensava em nada, e bastava-lhe existir, quase sem respirar, suspensa no vazio.

***

— Olá, queridinha. cust não está aqui hoje, então vou lhe passar as notícias.

O substituto de cust no jornal, heron “qualquer-coisa-impronunciável”, fazia do outro uma figura mais agradável. heron tinha até certa beleza de traços, com rosto sempre corado de maxilar largo, e um bigode milimetricamente aparado; mas sua voz era ondulante como uma sirene, e seus movimentos afetados, como se estivesse eternamente preso em um palco de teatro imaginário. possuía também certa raiva das funcionárias do sexo feminino, mas anna nunca descobriu se era algo alimentado por machismo ou uma inveja despeitada.

— ele parece bastante satisfeito com seu... trabalho. — continuou,

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passeado os olhos sobre o corpo magro da jornalista, ainda coberto pelo casaco longo, como se pudesse visualizar através do tecido um pouco do que achava ser o “trabalho”. — Você pode escolher: temos uma ocorrência perto da divisa da região norte, para investigar um caso de apreensão de armamento ilegal. parece que um nobrezinho ajudava financiando uma quadrilha, que tentava chantageá-lo, uma história que não parece acabar muito bem. Ou, se preferir... — fez aqui uma pausa erguendo uma sobrancelha de formato bem delineado — como anda com uma aparência cansada e a saúde delicada, pode escolher investigar uns boatos sobre uma família nobre, cujos herdeiros parecem fazer coisas excêntricas, mas nada tão perigoso. parece bastante seguro investigar os Garner.

O nome acendeu uma faísca no peito de anna, que conteve o sobressalto com bastante custo, e o coração acelerado. parecia querer ficar vermelha e pálida ao mesmo tempo.

— Vou investigar o caso da apreensão de armas.— bom, achei que não ia querer ficar com um boato mixuruca. não

quando fez um trabalho tão bom há pouco tempo, não é? — o sorriso debochado era cheio de dentes brancos como pérolas. — de qualquer maneira estava com sorte, poder trabalhar tão perto do norte!

— pode me passar mais informações do endereço?— estão todas aqui. — o homem lhe estendeu uma das páginas que

tinha nas mãos. — Já pode haver outros jornalistas no local, então é melhor se apressar, para não perder as informações mais quentes. mas vou guardar a outra, para o caso de querer mudar de ideia.

a mão de unhas limpas abriu a porta do escritório para deixá-la sair, e a última visão de seu rosto era a de um sorriso rígido e um cachinho balançando sobre a testa.

***

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a quantidade de armas apreendida era surreal.armas de fogo de diversos calibres, longas e curtas, incluindo algumas

importadas e com precisão muito acima daquelas usadas pela cidade para proteger os cidadãos. havia munição em abundância, pólvora e sinalizadores de diversos alcances, além de toda sorte de armas brancas, de minúsculos punhais a longas espadas, passando por foices, utensílios agrícolas e outras que pareciam armas de cozinha com um tamanho anormal.

muitos dos envolvidos no esquema do contrabando foram capturados, e os oficiais enfiavam homens e mulheres de várias idades em seus veículos, no movimento automático de quem toca um rebanho. alguns reagiam como feras acossadas, falando impropérios ou fazendo ruídos furiosos. Foram pegas também algumas substâncias ilegais, e esconderijos estavam sendo varridos em busca de pistas. mas a polícia não estava orgulhosa de seus feitos; raramente ficava, quando a nobreza estava envolvida no lado mais delicado da situação.

anna precisou dar alguns passos para trás para conseguir capturar em suas fotos todo o material exposto sobre diversas mesas. começou então a se acotovelar junto aos outros repórteres que fotografavam os capturados, e descobriu o motivo do maior alvoroço.

um homem bem vestido com uma bela casaca da cor do vinho era conduzido com suas mãos presas às costas por algemas, amarrotando os punhos abotoados com joias. a roupa era acompanhada com um colete marfim, e um belo lenço. do bolso em sua lapela, despontava uma rosa vermelha fresca. Vinha tranquilo, o rosto erguido e seguro, fingindo ignorar as fotografias frenéticas que eram tiradas de sua figura. parecia ir a um encontro em uma bela casa de chá, ou talvez participar de um ameno carteado, onde se apostaria a quantia irrisória de toda a renda anual de seus subordinados. O policial que o conduzia, por sua vez, tinha uma expressão carregada que tentava ocultar das lentes, como se fora ele o prisioneiro. suas mãos quase não tocavam nas algemas e nos

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dedos do nobre à sua frente.com a câmera em riste e o uso generoso de seus ombros e cotovelos,

anna conseguiu uma boa posição para tirar suas fotos. O homem de casaca passeava o olhar sobre toda aquela ruidosa multidão com desinteresse, encarando olhares e lentes com a mesma monotonia. avistou anna quando esta tirou a máquina do rosto, para fazer um ajuste nas lentes.

— Vejam só! O que disseram deve ser verdade. — seu rosto se abriu como se recebesse uma visita em seu hall, e não como alguém a poucos passos da prisão.

anna sentiu suas faces arderem. mesmo mergulhada entre os fotógrafos que se apertavam, sentiu as palavras atingirem-na, certeira.

— Você pode despertar o interesse dos rozan, minha cara...Outros fotógrafos lançavam olhares de esguelha, tentando encontrar

esta pessoa interessante, sem desviarem toda a atenção da figura que falava. anna cobriu novamente o rosto com a máquina, baixou discreta a aba do chapéu. tirou uma série de fotos cujo modelo encarava-a diretamente.

— espero que possamos ter um encontro amigável em breve...— Ora, não planeje suas visitas particulares no xilindró com tanta

antecedência! — o policial respondeu, pousando a mão na ombreira do prisioneiro. Ficou mais envergonhado que satisfeito da própria piada. O homem conduzido olhou para aquela mão áspera e pesada sobre seu ombro como se visse algo desagradável, um urubu.

— sempre recebo minhas visitas em meu salão, policial. e este direito não me demora a voltar. — encerrou com seu ar confiante, a ameaça como uma discreta ardência sob a doçura de seu falar.

encerrado seu trabalho, anna preferiu sair logo dali, antes que mais olhares pousassem sobre ela. não queria ser notada. não de novo.

***

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as fotos reveladas lhe renderam várias piadinhas de seu colega, que trabalhava no quarto escuro.

— puxa, ele gostou de você! Ficou um bom tempo te olhando, não foi?

— acho que ele me confundiu com outra pessoa. estava de sobretudo e chapéu. pareço um homem.

— não sei se foi esse o caso. mas até que seria uma boa, hein? cair nas graças de um rozan.

— O que é um rozan?seu colega recolheu a última foto pendurada, e colocou-a no envelope

pardo junto com as demais. parte do material iria para o jornal, mas outra parte permaneceria com ela.

— não é “o que”, mas “quem”. não sei se é uma família, ou uma sociedade. mas eles são importantes lá no norte. Você ficaria livre dessa bodega para sempre.

anna imaginou-se entrando em uma bela casa, passando na frente de uma rica cozinha, um salão de jantar, um depósito de armas, um quarto de hóspedes...

— acho que não.despediu-se do colega, e subiu de volta à redação. as fotos que

selecionara foram entregues, e também suas anotações. heron deu-lhe um sorriso menos radiante desta vez, embora parecesse satisfeito com sua expressão tensa. anna voltaria para casa com o dia quase amanhecendo.

Foi com alívio que subiu as escadas empoeiradas, e encontrou os capangas de eddie em sua porta, de prontidão. hoje o sorridente não estava ali, e fora recebida com duas carrancas cansadas, mas alertas. como de hábito, um deles entrou primeiro, e inspecionou o apartamento, liberando-o a seguir.

— por favor, um de vocês pode ficar pelo andar, ou pela escada? Foi um dia estranho.

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um dos homens concordou rapidamente com a cabeça, com o mesmo mau humor. anna agradeceu, e eles saíram. estava exausta, mas, ao mesmo tempo, elétrica e instável.

Jogou suas coisas em um canto, despindo-se rápido para tomar uma ducha. Já estava somente com as roupas de baixo quando viu o pequeno papel preso sob o peso de sua janela.

parecia um pequeno cartão de visitas. de um lado, em letras finas, estava escrito

Até breve

na outra face, o desenho estilizado de uma rosa vermelha.

No que eu me meti agora...

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depois de repousar a pena, ainda molhada de tinta sobre a mesa de madeira, lúcia suspirou, pensativa, olhando as páginas

amareladas do livro em que acabara de, finalmente registrar o que lhe faltava. caminhou silenciosa, arrastando sua bela túnica pelos corredores do castelo escuro com o livro repousado nos braços.

três batidas na enorme porta de madeira foram suficiente para que nipur a abrisse, sorridente e cortês, fitando o exemplar que ela carregava nos braços.

— Vejo que terminou sua primeira tarefa, han’or! entre — disse o senhor, dando um passo atrás e estendendo o braço — precisamos conversar sobre nossos próximos passos.

— não posso me demorar, mestre Yan me aguarda para o treinamento — avisou lúcia, enquanto entrava e se sentava confortavelmente e sem nenhuma classe em uma grande poltrona.

— Oh! mas é claro! não queremos deixar o velho Yan esperando, não é? — disse, dando uma piscadela, enquanto se sentava. — comecemos então.

— Você não vai ler, ver se está bom, ou algo do tipo? — Questionou lúcia.

— ah não, não. não há necessidade. alguém tão gabaritada quanto você, que escreveu tantos trabalhos e teses, não pode ter escrito algo abaixo de ótimo.

— se você diz... — disse lúcia, dando de ombros — Vamos ao próximo passo, então.

— sim. preste bastante atenção, querida. a primeira coisa que precisamos fazer, é livrar a sua história de máculas. Vamos começar com a sua infância. Onde você cresceu?

— em um orfanato. — respondeu, lúcia — não. eu não sou órfã. minha mãe era funcionária de lá e meu pai foi preso quando eu era muito nova, então ela achou melhor que ficássemos por lá. — explicou, ao ver o olhar piedoso do senhor.

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Lúcia: Ás Maculas do Passado Amanda Ferrairo

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Lúcia: Ás Maculas do Passado Amanda Ferrairo

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— ainda que você não seja órfã, cresceu como os órfãos, e isso não a difere deles no quesito que estamos tratando — suspirou o senhor — um orfanato é um lugar cheio de monstros. cada criança que lá foi deixada, abandonada pelos pais, carrega mágoas profundas, que podem ser facilmente vistas pelo olhar piedoso que exalam pelos corredores com piso quadriculado e paredes cor de gelo. elas têm inúmeros monstros internos, aos quais dão vida a cada noite que passam acordadas no quarto comunitário escuro, olhando para o teto, se questionando quem são, de onde vieram, e que motivo aqueles que deveriam ser seus pais, poderiam ter para abandoná-los. se sentindo como produtos defeituosos, os quais ninguém quer, e são devolvidos à loja em uma caixa violada. esses monstros se alimentam de esperança, consumindo todos que estão ao redor, tornando-os apáticos, frios, cinzentos.

esses monstros estão lá, enormes e robustos, cada vez mais fortes. e, quando acabarmos, eles não estarão mais.

— Você sabe que eu não tenho ideia de como vou fazer isso, não é? — Questionou, lúcia.

— Vai saber quando chegar lá. — disse nipur, se levantando e abrindo a porta. — agora vá. O velho Yan já está no pátio, murmurando xingamentos sobre o seu atraso.

— isso não é um chute, né? — perguntou, sorrindo.— não senhorita. — disse nipur, abanando as mãos, para que ela

se apressasse.ela saiu sorrindo, andando apressada, se perguntando se o passar

dos anos a faria saber de tudo o que acontece.milagrosamente, não se perdera entre os corredores do enorme

castelo para o qual fora trazida já há algum tempo. chegando na porta, logo pôde avistar Yan, um senhor nanico, de origem oriental, bastante impaciente, que a esperava de braços cruzados e batendo o pé direito ritmadamente no chão, vestindo uma túnica branca, como a de nipur.

enquanto descia a escadaria, via o velho caminhando a passos curtos

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e rápidos em sua direção, murmurando qualquer coisa incompreensível e movimentando os braços freneticamente, encontrando-a no último degrau.

— Vou virar um porquinho-da-índia quando a senhorita chegar aqui sem atrasos! — reclamou ele, enquanto retirava a túnica bordô de lúcia, deixando-a com uma roupa negra, bastante justa, que contornava perfeitamente as curvas de seu corpo sinuoso.

lúcia segurava o riso. O mau humor dele lhe parecia muito engraçado.— estou esperando. — disse ele, cruzando os braços.— O que? — lúcia olhou para ele com cara de confusão.— suas desculpinhas. Você sempre tem alguma!— ah! eu estava falando com nipur. Fui entregar o livro e ele quis

falar sobre a próxima tarefa que eu...— como vai cumprir qualquer tarefa, se não treinar? — interrompeu

o senhor. — preciso ter uma conversa séria com este velho! — disse, levando a mão ao queixo. — O que está esperando? comece a correr! te encontro aqui em uma hora.

ela fez o que foi ordenado e se pôs a correr em direção à mata bastante verde que rodeava o castelo.

Já saíra há cerca de vinte minutos, passara por alguns conhecidos, treinando arco e flecha e se adentrara à mata densa, contornando árvores aqui e ali, quando teve a sensação de estar sendo observada. se virou, sem parar a corrida e lançou olhares para as copas das árvores frondosas, sem encontrar ninguém, até que viu uma delas se mexendo.

parou abruptamente e se pôs em guarda, olhando atentamente para todos os lados. O barulho de um pequeno galho sendo quebrado a fez virar-se para trás e ver alguém, vestido completamente de negro e com o rosto encoberto, vindo em sua direção empunhando uma grande espada.

— de novo não! — murmurou, lúcia, enquanto se afastava à procura de algo para se defender.

depois de correr alguns metros, seguida de perto, encontrou um

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galho de árvore espesso o suficiente, e não pensou duas vezes antes de se abaixar para pegá-lo, desviando milímetros da espada, que fora lançada em sua direção. saltando para trás, se fixou de pé, empunhando um galho de árvore, enquanto seu oponente empunhada uma espada, aparentemente afiadíssima. se perguntou quais eram suas chances antes de perceber que a melhor saída era mirar a mão do oponente que segurava a espada e tentar fazer com que ele a soltasse.

por um momento, achou que estava lutando com uma máquina, que desferia golpes em uma velocidade incrível, atingindo seu braço em um deles, rasgando não só sua roupa, mas também sua carne, que agora sangrava bastante e ardia absurdamente, ainda mais depois de ter que rolar no chão, fazendo com que a terra penetrasse o corte.

ele não poderia continuar naquele ritmo por muito tempo, então o melhor a se fazer era esperar que ele cansasse e torcer para não estar cansada, também.

Fora quatro cortes: braço, perna, costela e um, pouco menor, em seu rosto, mas ele finalmente parara para respirar e lúcia sabia que era a hora de agir. estudou o oponente e brechas em sua guarda. uma pancada na lateral do joelho, uma na costela, uma no ombro e ela sabia que sua sequencia de golpes havia funcionado, pois conseguira um espaço e batera com toda a sua força, diretamente na têmpora do rapaz, que ficou desnorteado por alguns instantes.

ela largou o galho, segurou a mão da espada e bateu com força seu cotovelo no antebraço. Ouviu um crack, pareceu ter quebrado. um soco atrás do outro e o rapaz estava no chão, com lúcia sobre seu tórax, prendendo seus braços.

— Quem é você? — perguntou ela, furiosa, enquanto retirava o capuz.

não houve resposta. apenas um sorriso maldoso, de canto de boca.ela nunca havia visto alguém tão lindo! sua pele era extremamente

alva e seus cabelos, negros e cacheados, caiam sobre os olhos em um tom

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verde-escuro. tinha traços fortes e a mandíbula com ângulos marcantes.— é um prazer tê-la sobre mim, han’or — disse ele, com uma voz

grave, dando-lhe uma piscadela.— se eu fosse você, não brincava comigo! — disse, lúcia, em tom

de ameaça.— eu adoraria! mas o velho Yan odeia atrasos. precisamos nos

apressar.— ah! Yan, claro! como não pensei antes?! Velho filho da puta! —

disse ela, se levantando e caminhando de volta ao pátio do castelo.— ei! espera! — Gritou ele, alguns metros para trás. — eu sou

phelipe.— Foda-se. — disse ela, mal-humorada.— calma, gatinha! eu só fiz o que me mandaram! — explicou-se— Gatinha é a put...! — lúcia engoliu o palavrão e continuou a

caminhar.— O.k., sem “gatinha”, entendi. mas hem... Você é boa. — elogiou— e você me rasgou! QuatrO VeZes! — Gritou, ela.— Ócios do ofício, minha cara... Ou você queria que eu pegasse

leve? — provocou, o rapaz.— cala a boca e anda, peão!— Você está brava ou é sempre mal-educada assim, mesmo?— Você é sempre chato assim, ou está fazendo curso com o Velho

Führer?ele sorriu e entendeu que era melhor, mesmo, caminhar em silêncio.O senhor Yan os esperava na posição característica, de braços

cruzados e pé batendo no chão, no centro do pátio.— como foi? — Questionou, abrindo os braços, impaciente.— maravilhoso! Quase uma lua de mel! — respondeu, lúcia,

esbugalhando os olhos e apontando para o corte em seu rosto.— então ele te pegou? — peguntou o velho— não. — respondeu phelipe — acabamos com ela sobre mim.

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— então você encontrou a espada? — perguntou à lúcia.— não, também. — interrompeu, o rapaz — ela me deu um coro

com um pedaço de pau!— Vou dizer a nipur que está pronta para começar. — disse Yan,

virando-se em direção ao castelo. — a propósito, este é seu novo parceiro — sentenciou, apontando para o rapaz e saindo depressa.

— Você tá de brincadeira, né? — perguntou, incrédula.phelipe olhou para ela e sorriu, simpático, antes de fazer uma

reverência.— Vamos cuidar desses cortes — disse ele, estendendo-lhe a mão.— eu sei o caminho, obrigada. — recusou, ela, enquanto passava

pela mão dele, ignorando-a, se encaminhando à enfermaria.Já era hora do jantar e, como de costume, se reuniram todos ao salão

principal. lúcia se recusava a sentar-se na mesa principal, fazendo suas refeições em qualquer canto isolado de uma das enormes mesas.

— posso sentar com você? — perguntou phelipe, que se prostrava ao seu lado, com um enorme prato à mão.

— pode me dar um pouco de paz? —respondeu, ríspida.— é sério, lúcia. a gente precisa conversar. — disse ele, já se

sentando.— tá. tudo bem, fala! — respondeu, impaciente.— eu sei que começamos mal, e tudo mais, mas seremos parceiros...— não se eu puder evitar. — interrompeu, ela.— Você não pode. eu sou o melhor. — sentenciou, o rapaz.lúcia deu uma risada debochada.— Olha, eu não estou me gabando, estou contando um fato. eles não

escolheriam alguém que não fosse o melhor, para te acompanhar. Você tem ideia do quanto é valiosa para todo mundo aqui? porque parece que não.

ela o fitava quieta. não responderia a pergunta, porque apesar de tudo o que havia acontecido, talvez não soubesse, mesmo.

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— eu falei com nipur agora há pouco, nós partimos amanhã, logo depois do almoço. arrume suas coisas e, por mais que eu não seja a pessoa que você mais gosta, vamos fazer isso funcionar, pois seremos só eu e você.

lúcia assentiu, amigavelmente, com a cabeça e os dois comeram, quietos.

no outro dia, logo após o almoço, lúcia, phelipe e os mestres Yan e nipur se encontraram no pátio, onde seu impala já estava estacionado.

— han’or, nós confiamos em você! Que a luz te acompanhe. — disse mestre nipur, segurando as mãos dela. — phelipe, você foi escolhido por um motivo. treinou arduamente, e é o melhor que podemos oferecê-la. — disse, voltando-se para o rapaz. — trabalhem juntos. — completou.

lúcia olhou, sorrindo, para o senhor Yan.— não se atrase, dessa vez, senhorita! — disse o velho, sorrindo de

volta — uma das pouquíssimas vezes que havia o feito.lúcia assentiu e virou-se para o carro, onde phelipe já a aguardava,

no banco do motorista.— Você, por um acaso é inglês? — perguntou, debochada. — está

do lado errado.— eu dirijo, você não conhece a estrada daqui. — explicou, o rapaz.—é uma sorte você estar aqui, pois pode me mostrar. — disse ela,

empurrando phelipe, desajeitado, para o banco do passageiro.levaram em torno de nove horas para chegar à cidade natal de lúcia,

um lugar cinzento e frio. chovia torrencialmente na velha dolaroc e o vento, cortante assobiava tão alto, que podia se ouvir, apesar da chuva, cuja força era tamanha, que já havia derrubado algumas árvores.

lúcia jamais esqueceria o caminho do lugar onde crescera. rua após rua, estava cada vez mais próxima de enfrentar seu destino, repleto de sombras e escuridão. suas mãos suavam frio e seus dentes estavam cerrados. ela fora atingida pelo medo de falhar, de decepcionar. sequer sabia o que enfrentaria quando chegasse lá e não estava certa de que era

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capaz.suspirou fundo ao virar uma esquina e sentenciou:— chegamos.O prédio parecia ter sido abandonado há anos. havia janelas

quebradas e uma escuridão total tomava conta do lugar.— Isso é um orfanato? — Questionou, phelipe, fitando o lugar.— era. — respondeu, lúcia, abrindo a mala e pegando uma grande

lanterna e uma espada muito bonita, ornamentada com uma série de símbolos, que lhe fora dada logo que chegou ao castelo. — Você está pronto?

phelipe olhou nos olhos dela e sorriu. — sempre estive.Os dois saíram do carro e se encaminharam à porta do prédio. uma

grande e alta porta de madeira, com duas partes distintas. phelipe tirou alguma coisa pontiaguda do bolso e enfiou na fechadura, fazendo alguns movimentos, sem resultado algum.

— para com isso. — disse lúcia, empurrando-o para o lado.— O que você está fazendo? — perguntou, ao ver que lúcia, agora

batia, delicadamente em alguns pontos específicos da porta.— O que você não conseguiu. — mais uma batida, um chute na

fechadura, e a porta se abriu.— como você fez isso? — perguntou, admirado.— eu não sei bem quem foi que desenvolveu isso, mas algumas

crianças do orfanato precisavam de ar livre, de vez em quando. — disse ela, acendendo lanterna e entrando no prédio, sendo seguida por ele. — Você tem algum palpite de por onde começar?

— achei que você saberia. — respondeu, com uma pitada de desespero.

— Foi o que disseram. — disse, lúcia, enquanto percorria o corredor de entrada.

iam perambulando o corredor escuro lenta e atentamente, verificando qualquer mínimo barulho, até que finalmente chegaram próximo ao

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que costumava ser o quarto das crianças e lúcia percebeu que estava no lugar certo.

havia vozes. de todos os tipos, mas todas de criança. podia se ouvir batidas de pés no chão. pés que corriam em algum tipo de brincadeira, seguidos de longas risadas.

lúcia abriu a porta. era como se tivesse voltado no tempo, tudo estava como antes. as camas no mesmo lugar, cada uma com um bicho qualquer, de pelúcia sobre si e um baú aos seus pés, onde ficava tudo o que as crianças tinham, que na maioria das vezes, não passava dos uniformes rotos e desbotados, que ganhavam quando chegavam ou cresciam demais para usá-los. ela se lembrara das noites em que se deitava para dormir, mas sequer pregava os olhos, porque os gritos que ouvia a perturbavam, mesmo quando sua mãe dizia, repetidas vezes, que não havia ninguém gritando.

andou até o fim do corredor de camas de ferro e parou em frente a um espelho desgastado, encarando-o admirada, por alguns minutos. a pequena lúcia estava ali, e fitava-a, com os olhos marejados, segurando um coelho sujo e surrado, que chamava de senhor darvin.

— Você não vai conseguir. desista enquanto há tempo. — disse a garotinha de cabelos negros e olhos molhados.

— Quem te disse isso? — perguntou, lúcia, agachando-se e tocando o ombro da menina.

— O que você fez comigo? por que destruiu a minha vida?— não! eu não fiz isso!— Olha para mim, lúcia! eu poderia ter um futuro feliz, poderia

encontrar alguém, ter uma família de verdade, mas você jogou tudo isso para o alto, com suas bebidas, suas drogas e sua inconsequência. Você me atirou no fundo do poço, lúcia — dizia, a garota, com lágrimas escorrendo pelo seu rosto, lavando suas sardas. lúcia sequer se lembrava de ter tido sardas. — Você me apagou, me esqueceu. eu poderia ter sido alguém importante, sabe? eu era inteligente, muito mais que a maioria.

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O que você fez com isso? desperdiçou, como todo o resto em mim.as palavras que saíam da boca da garotinha eram como flechas

sendo atiradas em lúcia. ela podia sentir, uma a uma, com suas pontas afiadas, penetrando sua carne bruscamente — por que, lúcia? — as flechas estavam em chamas — por que fez isso, lúcia? — dilaceravam-lhe a pele — por que me destruiu? — penetravam-lhe a carne — por que me matou? — rasgavam-lhe cada tecido — Você não tem chance! — um por vez, nenhum escapava — Você acabou com todas as suas chances! — cada vez mais fundo em sua carne.

— nãO! — Gritou, lúcia.— lúcia. lúcia! lúcia! — phelipe balançava-a, desesperadamente.a pequena lúcia havia sumido, assim como as camas, os bichos de

pelúcia, os baús e o espelho. tudo derretera como bonecos de cera em um incêndio. tudo se fora, dando lugar a um grande quarto vazio e escuro. mas lúcia ainda podia sentir as flechas fincadas em seu corpo.

não eram flechas, mas grandes tentáculos negros, que brotavam das sombras e se enfiavam em lúcia, como cabos em um computador. ela sentia como se aquilo estivesse drenando todas as suas forças, levando pouco a pouco, toda a sua vontade de viver.

a dor excruciante já não era nada, e tudo que lúcia pedia era para que aquilo acabasse de uma vez por todas. O monstro de sombras deveria consumi-la em breve, acabando, de uma vez por todas, com toda a sua culpa e desespero.

phelipe sumira, e lá estava ela. sozinha, desesperada e morrendo... de novo.

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atenção, criança, pois lhes contarei verdades que nunca ouviste. coisas que vi com estes olhos que, se hoje refletem a névoa

triste da velhice, já foram portadoras da poderosa chama da juventude. mas não há nada de belo no que tenho para contar, apenas dor, pesar e arrependimento. e possam os deuses me perdoar se o que lhes conto não for poupado dos detalhes, pois é deles e de sua obra terrível nesta terra que lhes falarei sem qualquer zelo.

eu era um jovem sedento por fama e fortuna, com a diferença de que eu tinha como a conquistar. era o melhor espadachim de toda a costa oeste aos quinze anos de idade, e já tinha essa cicatriz terrível que tem sido meu terror e meu trunfo com as damas, tudo ao mesmo tempo. a cicatriz era fruto do golpe desleal de um adversário quando me viu num momento desarmado, mas essa uma história pela qual não tenho apreço, uma vez que ela era justamente a história que eu contava no dia em que perdi dois dedos da mão esquerda num golpe de cutelo dado por um açougueiro que não apreciava o que eu fazia com sua esposa. ambas as histórias me dão azar, e não serão elas que contarei essa noite, não senhor. contarei como perdi minha perna esquerda e tive de começar minha carreira como professor de esgrima.

na época eu trabalhava a bordo do Fé dos homens, um navio mercante que saia da costa oeste e margeava ao longo da península até o cabo negro, da onde partia para quatro longos dias em mar aberto até Galaga, onde vendíamos vinho, embarcávamos pano e voltávamos pelo mesmo caminho. eu não era um marinheiro, não, isso seria muito pouco para mim. eu não chegava nem ao menos a tocar numa única corda do velame ou em nenhum produto do navio. eu era um segurança tão bom quanto o dinheiro podia pagar, e o Fé dos homens fazia muito, muito dinheiro. eu era um espadachim, e assim eu vivia, mesmo com alguns

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dedos faltando na mão esquerda. e como eu me orgulhava daquilo.mas logo isso iria mudar, e mal sabia eu como. só eu sei quantas

vezes rezei e chorei nas noites posteriores ao caso, perguntando porque os deuses não colocaram em meu caminho uma tempestade ou algo mais terrível que me impedisse de cair tão bem e tão próximo daquela gruta.

todos já tínhamos ouvido falar daquela gruta terrível. sua localização na beirada mar era cantada numa velha canção, e foi por puro acaso dos ventos fracos que nos vimos perto da rocha maldita na forma terrível da cabeça de um lobo.

Foi o velho cozinheiro quem me contou a lenda. naquela encosta, a pés de distância da rocha lupina ficava a entrada de uma gruta, que se estendia por metros de distância em um labirinto criado pelos deuses e seus escultores ainda na aurora dos dias. lá em baixo, em algum lugar, um velho pirata escondera tanto ouro anos atrás que ficara paranoico. preocupado com traições, ele envenenou todos os membros da tripulação com o óleo da flor de giana, que mata de forma cruel, dolorida e lenta. tamanha era a crueldade que os deuses amaldiçoaram o capitão: ele se tornou um monstro, e ficou para sempre impedido de sair da caverna, até que alguém lhe roubasse o tesouro. mas a ganância do capitã e seu amor pelo ouro o fizeram matar todos até ali.

Foi o grande timoneiro, Garnan, quem primeiro se expressou. “capitão, estamos adiantados. eu não me perdoaria de passar por aqui e perder a chance de encontrar um ouro perdido.” ele sorriu. “Var e babi descerão comigo.” Var era o mais forte dos marinheiros, um homem criado para arrastar cargas. babi era nada mais nada menos do que a forma como eu era conhecido na época. significava “espadas” na língua da maioria da tripulação.

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O capitão decidiu aceitar, e resolveu que seria mais interessante que vários marinheiros entrassem na caverna. iriamos procurar e dividir o ouro do capitão.

a entrada ficava apenas alguns palmos acima da água, e parecia subir para dentro da rocha, em vez de simplesmente descer. eu entrei a frente, e isso deve ter sido o que me salvou. numa mão levava uma espada e na outra uma tocha. a rocha fria tocava meus pés descalços, e logo notei para minha surpresa que ela logo começava a descer em uma escada irregular, que não parecia nem um pouco ter sido feita pela natureza.

em dado momento, já muito abaixo da velha entrada, onde o cheiro úmido da água do mar começava a entrar novamente em nossas narinas, o caminho passava a se bifurcar dezenas de vezes. como o caminho se dividia, também se dividia nosso grupo. O silêncio era aterrorizante.

caminhamos horas para dentro do caminho de pedra, e era terrível. as rochas frias ecoavam sons fantasmagóricos e repetitivos do vendo soprando pelas vielas frias e pelos buracos, assobiando uma melodia terrível de agudos e graves. mas algo foi capturado pelos meus ouvidos: um grito, distante.

eu e meus dois companheiros no momento, Garnan e Gaz, estranharam que eu tivesse parado de me movimentar, e me questionaram. ao serem informados do motivo, imediatamente disseram não ter ouvido nada. ainda assim, decidimos retornar. Outro grito. começamos a correr pelas escadas. havia algo no chão. um corpo. O capitão.

nos ajoelhamos ao lado do corpo inerte do capitão. lhe faltava a perna direita inteira, e algo havia esmagado a sua bacia e rasgado seus flancos. parecia morto. mas conseguiu abrir os olhos, e nos encarar, assustadíssimo. ele não conseguiu dizer muito antes de finalmente repousar: “terrível. terrível. Fujam.”

estávamos assustadíssimos, imobilizados.

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e ele nos achou. um tentáculo negro saltou do escuro da caverna para dentro da luz da nossa tocha, e se envolveu no pescoço de Gaz, o levando ao chão. ele foi arrastado para a escuridão, e nós imediatamente saímos pelo outro lado.

eu corria da forma que só um homem que teme a morte consegue correr. segurava a tocha tão forte que as farpas desta fazia minha mão sangrar. segurava a espada tão forte que o couro do cabo machucava a palma da minha mão. Garnan era grande e pesado, e acabou ficando para trás. rezei aos deuses que o ajudassem, pois eu nada poderia fazer. continuei minha escalada.

Quase um minuto depois, que pareceu uma hora, senti um peso em minha perna. era a morte, fria e pegajosa, se enroscando nos meus calcanhares. e eu precisava me salvar. num reflexo de tristeza e esperança, me virei, cortando o tentáculo com a espada, e subi pela rocha até ver o mar, e lá me joguei.

a água salgada invadiu minhas narinas e pulmões como um sopro definitivo de compaixão. eu iria morrer, mas ao menos seria no mar, e não nas mãos de uma criatura terrível. mas um braço me puxou da água e me jogo no convés de um navio.

eu cuspi a compaixão salgada no chão de madeira, e olhei em volta. eles me olhavam, mas não nos olhos. Olhei para baixo, e o pedaço de tentáculo cortado ainda rasgava violentamente a carne da minha perna, subindo por ela, ainda vivo. com um longo pedaço de madeira, alguém conseguiu puxar meu devorador de mim, e jogar no mar. mas o sangramento era terrível, e a carne estava totalmente destruída. O médico, por sorte, não estivera na caverna. se estivesse, não teria sobrevivido para tirar a perna antes que gangrenasse, e me tratou para que eu sobrevivesse. só eu havia retornado. saímos logo, com o primeiro imediato comandando o barco.

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“Como é esse lance dos vampiros?” Querendo ou não eles estão ai, vampiros são e sempre serão seres sedutores e mortais. são sedutores como um bom argumento, principalmente se você pretende discutir dilemas morais. e são mortais para uma obra uma vez que não são usados de uma forma eficiente. sou sincero, faço parte daquela parcela que olha torto toda vez que me falam que uma obra tem vampiros. é difícil pensar em algo bom depois de conhecer o drácula de bram stoker e os livros magníficos de anne rice. O meu preconceito parte do seguinte ponto: O vampiro se tornou uma criatura. nada mais se tira do indivíduo ser um vampiro, exceto o detalhe de que ele é uma criatura soturna, mórbida e fúnebre. O que se passa é a idéia de um monstro, porém não se empenham em descrever profundamente esse monstro. não sabemos sua origem, suas motivações – ou se sabemos elas são implausíveis até mesmo para um humano. Vampiros são mais do que seres negros, são reflexos da podridão humana. e isso é composto por gesto, opções, visões, sensações, dramas e existências próprias. entretanto, não é necessária uma profundidade psicológica. é possível discutir assuntos desse tipo através de diversos vieses, desde a agressividade explícita, ou a sexualidade explícita tudo é possível.

mas em tudo isso o vampiro é um elemento que requer uma intensidade que não pode ser vista em nenhuma outra classe de monstros.

Fonte de Inspiração Lucas Rueles

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Fonte de Inspiração Lucas Rueles

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“Ah e mesmo, eu ia falar de vampiro americano, né?”

Vampiro americano ganhou um eisner, isso pode fazer você pensar que eu só falo de quadrinhos premiados. na verdade, o que acontece é que nos quadrinhos as premiações realmente avaliam de verdade a qualidade da obra.

criado por scott snyder e rafael albuquerque, a série teve em seu primeiro arco histórias escritas por stephen King e pelo seu criador snyder. possui um argumento bem simples e que pode ser resumido em: um estudo da “evolução dos vampiros”.

a idéia basicamente é traçar um novo estilo de vampiro, com novos poderes e características, através de várias décadas da história dos eua. enquanto na outra ponta coloca em oposição a imagem de vampiros de diversos cenários.

O resultado é uma conexão com a história da ficção vampiresca. snyder desenvolve um mundo onde os mais diversos tipos de vampiros coexistem, nem sempre pacificamente. é possível ver referências a anne rice, bram stoker, dentre outras lendas.

“Tive a ideia de criar uma árvore genealógica de vampiros, em diferentes períodos e cenários ao redor do mundo. Eu queria contar a história secreta de uma linhagem que, de vez em quando, se torna algo novo. Não apenas uma nova população num novo país, mas algo mutante, que cria uma nova espécie.” Scott Snyder

de outro lado temos a utilização da história americana, com o personagem principal sendo descrito como: Um pedaço do Oeste que não envelheceu.

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O personagem principal é skinner sweet, um fora-da-lei que foi transformado em vampiro, enquanto seu grupo de capangas tentava resgatá-lo do trem que rumava para seu enforcamento.

com seu vício em doces, sweet é mais do que uma aberração evolutiva vampiresca. é fruto do solo americano, do desejo de sangue que formou o Oeste. contempla um período da história americana, e mesmo evoluindo, sempre que é visto, podemos ver nele a figura de um velho cowboy fora-da-lei.

mais tarde na história uma nova vampira americana vai aparecer na história, depois de ser usada como alimento por um grupo de ambiciosos europeus. pearl Jones é salva por sweet e transformada, que é claro possui seus interesses.

pearl também remete ao seu tempo, sendo parte da década de 20, ela lembra o ar bucólico da década depressiva de 1929. seu estilo, bem menos agressivo do que o de sweet, faz com que ela se esconda logo após se vingar de seus agressores.

e ela se casa com henry preston, que na estrutura de crônicas acaba funcionando como o personagem que marca o tempo. afinal diferente de Jones e sweet, ele é humano, envelhece, e tem os dilemas de mudança de era.

ele faz a linha cronológica ao lado dos vampiros, em oposição aos vassalos da organização estrela da manhã.

“O Stephen King escreve um arco, e cara...”O arco de King, chamado de sangue-ruim, descreve a origem de

sweet. é como se snyder e albuquerque tivessem contratado um pedreiro

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para edificar a sua casa, e essa cara realmente edificasse isso bem.King é o executor, e isso é claro, o estilo de King é diferente, e as

idéias são tão bem conectadas, que é impossível ver até onde snyder deixou seguir seu trabalho.

entretanto isto é excelente, a obra ganha uma vida, e um tom que não vai retomar tão cedo. a dinâmica de ação de snyder e de King na obra destoa, entretanto o desenvolvimento é parecido, ambos trabalham uma maneira de tocar o leitor pelo exagero expansivo. algo que não seria possível é claro, sem a incrível capacidade de rafael de albuquerque de retratar os mais diferentes cenários violentos.

eu gosto muito do jeito como King trabalha o Velho Oeste, é comum vermos a década de 20 como uma era negra, e a época da corrida do ouro como um tempo duro.

mas não, sempre tem que ter algo novo, afinal estamos falando do autor de “O iluminado”. Vemos um cenário negro, onde a luminosidade pode apresentar mais perigos do que a noite, onde o sol e o campo seco se tornam campo fértil para nascer uma raça de mal feitores.

talvez isso tenha a ver com o fato de sweet poder andar de dia, e sua fraqueza ser exatamente o período de lua nova, quando se tornam seres comuns. coisas que só um grande autor poderia ver. a grandeza do trabalho de King nesse arco realmente é espantosa, mas sua saída da série em nada afeta a qualidade da obra, que é bem levada por snyder e mais tarde pela entrada do brasileiro rafael de albuquerque como roteirista também.

“Vampiro Americano pode ter recebido atenção inicialmente por ter

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tido Stephen King escrevendo histórias secundárias em suas primeiras cinco edições, mas assim que chegou às prateleiras, todos percebemos que seriam Scott Snyder e Rafael Albuquerque que iriam prender os leitores”  Greg McElhatton

“Me desculpem os quadrinhos feios, mas eu prefiro os bonitos”

esse é um quadrinho lindo, cheio de cores e formas agressivas. combinando o animalesco, o suave, o musical e indo de tons pastéis a cores alegres nos momentos certos. é uma obra que visa retratar uma dicotomia, e nesse ponto os desenhistas acertam ao saber usar o contraste em todos os pontos. Os responsáveis por essa arte são Francesco Francavilla, becky cloonan, , ivo milazzo, Gabriel ba, Fabio moon e rafael de albuquerque.

com Francavilla temos escolhas elegantes, um exemplo o conto “The producers”. nele o artista faz uso de tons de laranja e azul, que combinadas com ângulos tortos e close-ups extremos, dão um ar triste a história. Francavilla faz com que os leitores sintam o momento.

ivo milazzo também faz escolhas interessantes, mas de outra forma, faz uso um experimental. O exemplo é no conto “bleeding Kansas”, em que vemos rafael assumindo a posição de escritor.

enquanto albuquerque oferece um conto comovente sobre instintos maternais e familiares, milazzo trabalha aquarela de efeitos, usando apenas as silhuetas de vampiros para retratar a destruição da cidade.

Os artistas não têm medo de chocar seus leitores, abusando das

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cenas de violência. O próprio rafael albuquerque abusa de caninos avantajados para demonstrar a ferocidade dos seres retratados.

no conto “last night”, Gabriel ba e Fábio lua capturam respingos de sangue e o transportam para dentro dos seus quadrinhos de forma primorosa.

em “essence of life” o artista tula latoy, apresenta o rescaldo sangrento. em um grande painel, latoy mostra onde hattie coloca a cabeça cortada sobre o cadáver.

ray Fawkes faz grande uso de tons brancos em “canadian Vampire”. através dos pincéis brancos, temos uma sensação de isolamento da neve e do afastamento proporcionado pela floresta

até mesmo o estilo desconexo de albuquerque encaixa perfeitamente na hQ, suas ilustrações estão sempre acessíveis, captando o movimento da história americana. com uma capacidade incrível de criar personagens que destoam do cenário de romances adolescentes, ele vai conduzindo na arte um mundo tenebroso e sedutor

tudo isso faz dela, uma obra linda, que consegue transpor na arte, aquilo que se conta na história. um fator que nunca pode ser ignorado quando analisamos um quadrinho.

“Mas e ai?” das hQ’s que acompanham atualmente, saga, O invencível, Five Weapons e esta. ela é a única que se propõe a ser agressiva, normalmente eu não gostaria de uma série assim, a agressividade não me atrai muito. O que faz dessa obra atrativa, para mim é como essa agressividade

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é trabalhada, e isso me lembra como o romance é trabalhado em saga – série que eu já citei aqui em outra coluna. a violência não é simplesmente jogada, mas ela nem sempre é justificada. Você entende que ela faz parte do personagem, ele foi construído de uma forma que os atos dele não precisam mais ser estudados em certa direção. para sweet, criou-se uma natureza agressiva e imprecisa, para pearl Jones, criou-se uma natureza tímida, que tem medo de viver por amar a vida de outro. e desde então os atos deles são simplesmente atos entendidos, e não atos jogados ou justificados forçosamente. são naturais. aqui aparece a influência inicial de stephen King, e isso é inegável. Ou talvez aqui se explique sua participação na revista, afinal esse é um projeto que lembra muito a profundidade que ele expressa. deixo o resto para vocês, é uma série que vale a pena ver, pelos elementos que consegui transpor aqui e muitos outros. uma fonte de inspiração gigantesca, que prova mais uma vez que o eisner de melhor nova série não é dado a qualquer trabalho.

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O pesadelo de todo escritor são os prazos de entrega. sejam eles prazos pessoais, sejam eles prazos reais, o limite de tempo parece a prisão terrível que atrapalha a criatividade a se manifestar e sufoca a qualidade do trabalho.

mas não precisa ser assim. O prazo pode ser um aliado, um facilitador, e ajudar como catalisador ao dar ao trabalho um elemento desesperador que lhe falta naturalmente. com prazos a cumprir, todo escritor sente a necessidade de escrever. eis, então, uma potente vacina contra o branco e a procrastinação.

mas transformar o prazo em aliado é um trabalho que exige vontade e esforço. não basta sair escrevendo a torto e a direito com apenas algumas horas restando para a entrega do texto. é preciso organização prévia e foco. transformar o prazo em pequenos prazos para pequenas tarefas facilita na realização final, e isso exige um nível de comprometimento.

por exemplo: se você tem que entregar dez mil palavras em duas semanas, sobre um assunto que não domina bem, pode estabelecer que em três dias terá estudado o assunto, em cinco terá traçado um plano de história, em um semana terá escrito as mil primeiras palavras, em dez terá feito ao menos seis mil e em catorze terá terminado. cumprir essas pequenas metas se torna muito mais simples, uma vez que elas se escalam, mas também pode ser perigoso do ponto de vista que a perda de um deles pode comprometer todo o resultado final.

um bom treino para a realização de prazos já está prestes a se

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Como Escrever Sobre Rafael Marx

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realizar. todos os anos é realizado internacionalmente o national novel Writing month, um evento que toma o mês de novembro e visa incentivar autores a escrever uma obra de cinquenta mil palavras no período fechado do mês. são mais de mil palavras por dia, mas é um esforço realizável, principalmente quando organizado.

como exemplo, vou ceder para vocês o cronograma que eu mesmo utilizarei para o evento:

dia 3 - iniciar os estudos relacionados a personagens e traçar o cenário.

dia 5 - ter terminado o cronograma de acontecimentos iniciais do livro. (não irei me utilizar de cronograma no final da história devido ao prazo limitado. O encerramento será feito “no improviso”.)

dia 10 - alcançar a marca de oito mil palavras escritas.

dia 13 - alcançar a marca de vinte mil palavras.

dia 21 - ter alcançado a marca de quarenta mil palavras.

a partir desse ponto o cronograma de planejamento já deverá ter sido superado a algum tempo, então precisarei improvisar a história, o que fará com que se exija mais tempo para escrever menos palavras. por isso, estou me dando nove dias para cumprir a meta final, de mais dez mil palavras.

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é claro que esse é o meu plano, e leva em conta as minhas capacidades, minhas técnicas, a forma com que eu lido com prazos e a minha velocidade de escrita. Você, como um escritor único, deve raciocinar sobre esse tipo de metodologia, e a partir daí desenvolver seu próprio passo. Você têm até dia 1º de novembro para pensar como agir.

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EDITORES-CHEFESLUCAS RUELESRAFAEL MARX

EDITORES SEMANAISERIC PAROJOÃO LEMESLUIZ LEALDIOGO MACHADO

DIAGRAMADORJOÃO LEMES

REVISOR ANDRÉ CANIATO

REDATORALAN PORTO VIEIRA

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SEMANA HORROR

Horror: Amanda Ferrairo

Noir: Philippe Avellar

SEMANA FANTASIA MODERNA

Steampunk: Rafero Oliveira

Fantasia Urbana: Thiago Sgobero

AUTORES:

SEMANA FANTÁSTICA

Fantasia Épica: Marlon Teske

Espada e Magia: Victor Lorandi

SEMANA CIENTíFICA

Ficção Científica Social (Cyberpunk): Alaor Rocha

Ficção Científica Space Opera: Rodolfo Xavier

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