psicanálise - estrutura do aparelho psíquico - mecanismos de defesa

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1.)/0<) (_- •••• 3 •••- ·.CAPÍTULO PSICANÁLISE ;\1 ! I igmund Freud, o fundador da psicanálise na passagem do século XIX para o sécu- lo XX, afirmava que ao construir sua teoria ele não pretendia formar convicções, mas estimular o pensamento e derrubar preconceitos. "Se fosse preciso concentrar numa palavra a descoberta freudiana, essa palavra seria incontestavelmente inconsciente." LAPLANêHE, j. e PONTALIS, j.-B. Vocabulário da Psicanálise. São-Paulo: Martins Fontes, 2001. -- - SIGMUND FREUD ~ O FUNDADOR DA PSICANÁLISE As teorias científicas surgem influenciadas pelas condições da vida social, nos seus aspectos econômicos, políticos, culturais etc. São produtos históricos criados por ho- mens concretos, que vivem o seu tempo e contribuem ou alteram, radicalmente, o de- senvolvimento do conhecimento. Sigmund Freud (1856-1939) foi um médico vienense que alterou, ra- dicalmente, o modo de pensar a vida psíquica. Sua contribuição é compa- rável à de Karl Marx na compreensão dos processos históricos e sociais. Freud ousou colocar os "processos misteriosos" do psiquisrno, suas "re- giões obscuras'; isto é, as fantasias, os sonhos, os esquecimentos, a interio- ridade do homem, como problemas científicos. A investigação sistemáti- ca desses problemas levou Freud 2 criação da Psicanálise. O termo psicanálise é usado par" se referir a uma teoria, a um métodc de investigação e a uma prática pro Sigmund Freud em seu escritório. Viena, 1938. """-''-'--------------- ------ ---- ---

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Page 1: Psicanálise - Estrutura do Aparelho Psíquico - Mecanismos de Defesa

1.)/0<)

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·.CAPÍTULO

PSICANÁLISE

;\1!I

igmund Freud, o fundador da psicanálise na passagem do século XIX para o sécu-lo XX, afirmava que ao construir sua teoria ele não pretendia formar convicções,mas estimular o pensamento e derrubar preconceitos.

"Se fosse preciso concentrar numa palavra a descoberta freudiana, essa palavra seriaincontestavelmente inconsciente."

LAPLANêHE, j. e PONTALIS, j.-B. Vocabulário da Psicanálise. São-Paulo: Martins Fontes, 2001.-- -

SIGMUND FREUD ~ O FUNDADOR DA PSICANÁLISEAs teorias científicas surgem influenciadas pelas condições da vida social, nos seus

aspectos econômicos, políticos, culturais etc. São produtos históricos criados por ho-mens concretos, que vivem o seu tempo e contribuem ou alteram, radicalmente, o de-

senvolvimento do conhecimento.

Sigmund Freud (1856-1939) foium médico vienense que alterou, ra-dicalmente, o modo de pensar a vidapsíquica. Sua contribuição é compa-rável à de Karl Marx na compreensãodos processos históricos e sociais.Freud ousou colocar os "processosmisteriosos" do psiquisrno, suas "re-giões obscuras'; isto é, as fantasias, ossonhos, os esquecimentos, a interio-ridade do homem, como problemascientíficos. A investigação sistemáti-ca desses problemas levou Freud 2criação da Psicanálise.

O termo psicanálise é usado par"se referir a uma teoria, a um métodcde investigação e a uma prática pro

Sigmund Freud em seu escritório. Viena, 1938.

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A EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA PSICOLÓGI

fissional. Enquanto teoria, caracteriza-se por um conjunto de conhecimentos sistemati-zados sobre o funcionamento da vida psíquica. Freud publicou uma extensa obra duran-te toda sua vida, relatando suas descobertas e formulando leis gerais sobre a estrutura eo funcionamento da psique humana. .

A Psicanálise, como método de investigação, caracteriza-se pelo método inter-pretativo, que busca o significado oculto daquilo que é manifestado por meio de açõese palavras ou pelas produções imaginárias, como os sonhos, os delírios, as associaçõeslivres, os atos falhos. A prática profissional refere-se à forma de tratamento - a análi-se - que busca o auto conhecimento ou a cura, que ocorre por meio desse processo deinvestigação.

Atualmente, o exercício da Psicanálise acontece de muitas formas. É usada comobase parapsicoterapias, aconselhamento, orientação; é aplicada no trabalho com gru-

·pos, instituições. A Psicanálise também é um instrumento importante para a análise·e a compreensão de fenômenos sociais relevantes: as novas formas de sofrimentopsíquico, o excesso de individualismo no mundo contemporâneo, a exacerbação da

·violência etc.Compreender a Psicanálise significa percorrer novamente o trajeto pessoal de

Freud, desde a origem dessa ciência e durante grande parte de seu desenvolvimen-to. A relação entre autor e obra torna-se mais significativa quando descobrimos quegrande parte de sua produção foi baseada em experiências pessoais, transcritas comrigor em várias de suas obras, como A interpretação dos sonhos e A psicopatologia davida cotidiana, dentre outras.

Compreender a Psicanálise significa, também, percorrer no nível pessoal a experiênciainaugural de Freud e buscar "descobrir" as regiões obscuras da vida psíquica, vencendo asresistências interiores, pois se ela foi realizada por Freud, "não é uma aquisição definitivada humanidade, mas tem que ser realizada denovo por cada paciente e por cada psicana-lista" (MEZAN, Renato. Freud: a trama dos conceitos. São Paulo: Perspectiva, 1998.).

SugestãohipnóticaO médico induzo paçíen.t~ a um

"estado alterado daconsciência e, nessacondição, investigauma ou mais conexõesentre condutase/ou entre fatos econdutas que podemter determinado osurgimento de umsintoma. O médicotambém introduznovas ideias (asugestão) quepodem, pelo menostemporariamente,provocar odesaparecimento dosintoma.

A GESTAÇÃO DA PSICANALlSE

Freud formou-se em Medicina na Universidade de Viena, em 1881, e especializou-seem Psiquiatria. Trabalhou algum tempo em um laboratório de Fisiologia e deu aulas deNeuropatologia no' instituto onde trabalhava. Por dificuldades' financeiras, não pôde sededicar integralmente à vida acadêmica e de pesquisador. Começou, então, -a clinicar,atendendo pessoas acometidas de "problemas nervosos': Obteve, ao final da residênciamédica, uma bolsa de estudo para Paris, onde trabalhou com [ean Charcot, psiquiatrafrancês que tratava as histerias com hipnose. Em 1886, retornou a Viena e voltou a clini-car, ~ seu principal instrumento de trabalho na eliminação dos sintomas dos distúrbiosnervosos passou a ser a sugestão hipnótica.

Em Viena, o contato de Freud com Iosef Breuer, médico e cientista, também foi impor-tante para a continuidade das investigações. Nesse sentido, o caso de uma paciente de Breuerfoi significativo. Ana o. apresentava um conjunto de sintomas que a faziam sofrer: paralisia·com contratura muscular, inibições e dificuldades de pensamento. Esses sintomas tiveramorigem na época em que ela cuidava do pai enfermo. No período em que cumprira essa ta-refa, ela havia tido pensamentos e afetos que se referiam a um desejo de que o pai morresse.Essas ideias e sentimentos foram reprÍl:nidos e substituídos pelos sintomas.

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,5 PSICOLOGIAS

No método catárticoa liberação de afetosleva à eliminação dossintomas.

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Em seu estado de vigília, Ana O. não era capaz de indicar a origem de seus sinto-mas, mas, sob o efeito da hipnose, relatava a origem de cada um deles, que estavamligados a vivências anteriores da paciente, relacionadas com o'episódio da doença do .'pai. Com a rememoração dessas cenas e vivências, os sintomas desapareciam. Esse •desaparecimento não ocorria de forma "mágica'; mas devido à liberação das reações -emotivas associadas ao evento traumático - a doença do pai e o desejo inconscienteda sua morte.

Breuer denominou método catártico o tratamento que possibilita a liberação deafetos e emoções ligadas a acontecimentos traumáticos que não puderam ser expressosna ocasião da vivência desagradável ou dolorosa. Essa liberação de afetos leva à elimina-ção dos sintomas. .

Freud, em sua Autobiografia, afirma que desde o início de sua prática médica usara ahipnose, não só com objetivos de sugestão, mas também para obter a história da origemdos sintomas. Posteriormente, passou a utilizar o método catártico e, "aos poucos, foimodificando a técnica de Breuer: abandonou a hipnose, porque nem todos os pacientesse prestavam a ser hipnotizados; desenvolveu a técnica de 'concentração', na qual a re-memoração sistemática era feita por meio da conversação normal; e por fim, acatando

',a sugestão (de uma jovem) anônima, abandonou as perguntas - e com elas a direção da'sessão - para se confiar por completo à fala desordenada do paciente" (MEZAN, Renato.Freud: a trama dos conceitos. São Paulo: Perspectiva, 1998).

A DEstOBERTA DO INCONSCIENTE"Qual poderia ser a causa de os pacientes esquecerem tantos fatos de sua vida interior e

exterior... Y". perguntava-se Freud.FREUD, S, Autobiografia. In: Obras completas. Ensayos XCVUL AL CClll.

Madri: Biblioteca Nueva. T. Ill. (Trad. dos autores).

o esquecido era sempre algo penoso para o indivíduo e era exatamente por isso qUEhavia sido esquecido, e o penoso não significava,necessariamente, sempre algo ruim, ma:podia se referir a algo bom que se perdera ou.que fora intensamente desejado. QuandcFreud abandonou as perguntas no trabalho terapêutico com os pacientes e os deixou dalivre curso às suas ideias, observou que, muitas vezes, eles ficavam embaraçados, envergonhados com algumas ideias ou imagens que lhes ocorriam. A essa força psíquica qUIse opunha a tornar consciente, a revelar um pensamento, Freud denominou resístêncía. E chamou de repressão o processo psíquico que visa encobrir, fazer desaparecer dconsciência, uma ideia ou representação insuportável e dolorosa que está na origem dsintoma, Esses conteúdos psíquicos "localizam-se" no inconsciente.

Tais descobertas

"(...) constitu(mm tJ f)(1<;P rrindral da compreensão das neuroses e impuseram uma mo-dificação do trabalho terapêutica. Seu objetivo (...) era descobrir as repressões e suprimi-Iasatravés de umjuízo que aceitasse ou condenasse definitivamente o excluído pela repressão.Considerando este novo estado de coisas. dei ao método de investigação e cura resultànte o

nome de psicanálise em substituição ao de catártico".

FREUD, S. Autobiografia, In: Obras completas. Ensayos XCVLLL AL ccmMadri: Biblioteca Nueva. T.lll. (trad. dos autores).

?a\~:a

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A EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA PSICOLÓGI

. TEORiA SOBRE A ESTRUTURA DO APARELHO PSíQUiCO

Em 1900, no livro A interpretação dos sonhos, Freud apresenta a primeira concepçãosobre a estrutura e o funcionamento psíquicos. Essa teoria refere-se à existência de trêssistemas ou instâncias psíquicas: inconsciente, pré-consciente e consciente.

• O inconsciente exprime o "conjunto dos conteúdos não presentes no campo atualda consciência" (LAPLANCHE, J. e PONTALIS, J.-B., op. cit.). É constituído por con-teúdos reprimidos, que não têm acesso aos sistemas pré-consciente/consciente, pelaação de censuras internas. Esses conteúdos podem ter sido conscientes, em algummomento, e terem sido reprimidos, isto é, "foram" para o inconsciente, ou podemser genuinamente inconscientes. O inconsciente é um sistema do aparelho psíquicoregido por leis próprias de funcionamento. Por exemplo, é atemporal, não existem asnoções de passado e presente.

• O pré-conscíente refere-se ao sistema em que permanecem os conteúdos acessíveisà consciência. É aquilo que não está na consciência nesse momento, mas no momen-to seguinte pode est~r.

• O consciente é o sistema do aparelho psíquico que recebe ao mesmo tempo as in-formações do mundo ,exterior e as do mundo interior. Na consciência, destaca-se ofenômeno da percepção, principalmente a percepção do mundo exterior, a atenção,o raciocínio.

A paisagem retratada pelo fotógrafo é um exemplo da percepção que ele tem do mundo exterior. Henri Cartier-Bresson fotografa em Novalorque (1946).

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;5 I PSICOLOGIAS

Inicialmeme, O bebê senteprazer na boca, sua zonaerógena, que se transfere

para o ânus e depois para oórgão sexual. Na puberdade,o outro é o objeto de desejo.

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t A DESCOBERTA DA SEXUAliDADE iNFANTil]~..!!%ói~-€~

Freud, em suas investigações na prática clínica sobre as causas e o funcionamentodas neuroses, descobriu que a maioria dos pensamentos e desejos reprimidos referia--se a conflitos de ordem sexual, localizados nos primeiros anos de vida dos indivíduos,isto é, na vida infantil estavam as experiências de caráter traumático, reprimidas, que se.configuravam como origem dos sintomas atuais. Confirmava-se, dessa forma, que asocorrências desse período da vida deixam marcas profundas na estruturação da pessoa.

As descobertas colocam a sexualidade no centro da vida psíquica, e é postulada aexistência da sexualidade infantil. Essas afirmações tiveram profundas repercussões nasociedade puritana da época, pela concepção vigente da infância como "inocente': Osprincipais aspectos dessas descobertas são:• A função sexual existe desde o princípio da vida, logo após o nascimento, e não só a

partir da puberdade como afirmavam as ideias dominantes.

o O período de desenvolvimento da sexualidade é longo e complexo até chegar à sexua-lidade adulta, quando as funções de reprodução e de obtenção do prazer podem estarassociadas, tanto no homem como na mulher. Essa afirmação contrariava as ideiaspredominantes de que o sexo estava associado, exclusivamente, à reprodução.

• A libido, nas palavras de Freud, é "aenergia dos instintos sexuais e só deles" (FREUD,S.,op. cit.).

No processo de desenvolvimento psicossexual, o indivíduo, nos primeiros tempos devida, tem a função sexual ligada à sobrevivência; portanto, o prazer é encontrado no pró-prio corpo. O corpo é erotizado, isto é, as excitações sexuais estão localizadas em partesdo corpo, e há um desenvolvimento progressivo que levou Freud a postular as fases dodesenvolvimento sexual em: fase oral (a zona de erotização é a boca), fase anal (a zonade erotização é o ânus), fase fálica (a zona de erotização é o órgão sexual). Em seguida,vem um período de latência, que se prolonga até a puberdade e se caracteriza por umadiminuição das atividades sexuais, isto é, há um "intervalo" na evolução da sexualidade.Finalmente, na puberdade, é atingida a última fase: a fase genital,..ill!.9Jldoo objeto deerotização ou de desejo não está mais no I2ról2ÚQ-c.o.r.P...u,mas em lJ..tIl.Qb.jrtoexterno aoindivíduo - o outro. Alguns autores denominam esse período exclusivamente como ge-nital, incluindo o período fálico nas organizações pré-genitais, enquanto outros autoresdenominam o período fálico de organização genital infantil.

No decorrer dessas fases, sucedem-se vários processos e ocorrências. Desses eventos,destaca-se o complexo de Édipo, pois é em torno dele que ocorre a estruturação davida psíquica do indivíduo. Acontece entre 3 e 5 anos, durante a fase genital.~No com-

,l'lexo de Édij2Q,..a mãe é o o!ieto de dese'o do menino, e o ai é o rival que im~ede seuacesso ao ob'eto e.se·ado.Ele rocura então ser o ai ara "ter" a mãe escolhendo-ccomo modelo de coml2orta e to e zassando.a.internalizar as regras e as normas sociaisrepresentadas e im ostas l.2elaautoridade l2arerna.

Posteriormente, por medo da erda do amor do ai, o menino "desiste"da mãe, isto éela é "trocada" pela riqueza do mu c tural. Q..garoto ode, então, articipa:

o mundo social, pois tem suas regras básicas internalizadas or meio da identificaçã<com o pai. Esse processo também ocorre com as meninas, com as figuras de desejo e J

id'éntíficação invertidas. Freud fala em Édipo feminino.

Page 6: Psicanálise - Estrutura do Aparelho Psíquico - Mecanismos de Defesa

A EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA PSICOLÓGIrFllUIUACt U1NAMICA 00 VAlE <10 PiRAAGAIfADIP ••PONTE NovA/MG

EXPLICANDO ALGUNS CONCEITOS

Eros é a pulsão de vida;Tânatos é a pulsão demorte. '

SEGUNDA TEORIA DO APARELHO psíQUICO

Antes de prosseguirmos um pouco mais com as descobertas fundamentais de Freud,é necessário esclarecer alguns conceitos que permitem compreender os dados e as in-formações colocadas até aqui, de um modo dinâmico e sem considerá-los processosmecânicos e compartimentados. Além disso, esses aspectos também são postulaçõesde Freud, e seu conhecimento é fundamental para compreender a continuidade do de-senvolvimento de sua teoria.1. No processo terapêutico e de postulação teórica, Freud, inicialmente, entendia que

todas as cenas relatadas pelos pacientes tinham de fato ocorrido. Posteriormente,descobriu que poderiam ter sido imaginadas, mas com a mesma força e consequén-cias de uma situação real. Aquilo que para o indivíduo assume valor de realidade é a

~j;. realidade psíquica. E é isso o que importa, mesmo que não corresponda à realidade~~.' objetiva.li 2. O funcionamento psíquico é concebido a partir de três pontos de vista: o econômicoi1.i:~·-'" (existe uma quantidade de energia que "alimenta" os processos psíquicos), o tópico,,' (o aparelho psíquico é constituído de um número de sistemas que são diferenciados

f~< quanto à sua natureza, e seu modo de funcionamento, o que permite considerá-loI,'~':' como "lugar" psíquico) e o dinâmico (no interior do psiquismo existem forças quei;' entram em conflito e estão permanentemente ativas, das quais a origem é a pulsão).::~. Compreender DSprocessos e os fenômenos psíquicos é considerar os três pontos de;[ vista simultaneamente.

3. A pulsão refere-se a um estado de tensão que busca, por meio de um objeto, a su-pressão desse estado. Eros é a pulsão de vida e abrange as pulsões sexuais e as deautoconservação. Tânatos é a pulsão de morte, que pode ser autodestrutiva ou estardirigida para fora e se manifestar como pulsão agressiva ou destrutiva.

4. Sintoma, na teoria psicanalítica, é uma produção - quer seja um comportamentoquer seja um pensamento - resultante de um conflito psíquico entre o desejo e osmecanismos de defesa. O sintoma, ao mesmo tempo em que sinaliza, busca encobrirum conflito, substituir a satisfação do desejo. Ele é ou pode ser o ponto de partida dainvestigação psicanalítica na tentativa de descobrir os processos psíquicos encobertosque determinam a sua formação. Os sintomas de Ana O. eram a paralisia e os distúr-bios do pensamento; hoje, o sintoma da colega da sala de aula é recusar-se a comer.

Entre 1920 e 1923, Freud remodela a teoria do aparelho psíquico e introduz os con-ceitos de id, ego e superego para referir-se aos três sistemas da personalidade.

O id constitui o reservatório da energia psíquica e é onde se "localizam' as pulsões:a de vida e a de morte. As características atribuídas ao sistema inconsciente na primeira

~.:, teoria, nesta teoria são atribuídas ao id, qlie é regido pelo princípio do pi'azer.

~~"" O e~o é o sist~,ma qu~, estabelece o equilíbrio ,;ntre as e:igên~ias do id, as exigência~'~I:;iir'ê da realidade e as ordens do superego. Procura dar conta dos interesses da pessoa. E~;!i,'~re~id~ pel? princípio da realidade, .que, com o princípio ~o p,r~zer, rege o funcionamento,'i: "C pSiqwco. E um regulador, na medida em que altera o pnncipio do prazer para buscar a'li '';, satisfação, considerando as condições objetivas da realidade. Nesse sentido, a busca do.~ ,

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52 I PSICOLOGIAS

Percepção, memória,sentimentos,pensamento: asfunções básicas doego.

prazer pode ser substituída pelo evitamento do desprazer. As funções básicas do ego sãcpercepção, memória, sentimentos, pensamento.

O superego origina-se com o complexo de Édipo, a partir da internalização das proibíções, dos limites e da autoridade. A moral, os ideais são funções do superego. O conteúdo do superego refere-se a exigências sociais e culturais.

Para compreender a constituição do superego é necessário introduzir a ideia de sentimento de culpa. Nesse estado, o indivíduo sente-se culpado por alguma coisa erradque fez - o que parece óbvio - ou que não fez e desejou ter feito, alguma coisa considerada má pelo ego, mas não necessariamente perigosa ou prejudicial - pode, pelcontrário, ter sido muito desejada. Por que, então, é considerada má? Porque alguérimportante para ele, como o pai, por exemplo, pode puni-lo por isso. E a principal prnição é a perda do amor e do cuidado dessa figura de autoridade. Portanto, por meddessa perda, deve-se evitar fazer ou desejar fazer a coisa má; mas o desejo continua I

por isso, existe a culpa.Uma mudança importante acontece quando essa autoridade externa é internaliz:

da pelo indivíduo. Ninguém mais precisa lhe dizer "não" É como se ele "ouvisse" eS1proibição dentro dele mesmo. Agora, não importa mais a ação para sentir-se culpado:pensamento, o desejo de fazer algo mau se encarrega disso. E não há como esconder demesmo esse desejo pelo proibido. Com isso, o mal-estar instala-se definitivamente no irterior do indivíduo. A função de autoridade sobre o indivíduo será realizada permanertemente pelo superego. É importante lembrar aqui que, para a Psicanálise, o sentimenide culpa origina-se na passagem pelo complexo de Édípo.

O ego e, posteriormente, o superego são diferenciações do id, o que demonstra uninterdependência entre esses três sistemas, retirando a ideia de sistemas separados.id refere-se ao inconsciente, mas o ego e o superego têm, também, aspectos ou "parteinconscientes.

É importante considerar que esses sistemas não existem como uma estrun»» "':'2~mas são sempre habitados pelo conjunto de experiências pessoais t.: partícuiares de calum, que se constitui como sujeito em sua relação com o outro e em determinadas ccunstâncias sociais. Isso significa que, para compreender alguém, é necessário resgatSU8história pessoal, que está ligada à história de seus grupos e da sociedade em que viv

A percepção de um acontecimento, do mundo externo ou do mundo interno, poser algo muito constrangedor, doloroso, desorganizador. Para evitar esse desprazerpessoa "deforma" ou suprime a realidade - deixa de registrar percepções externas, afa:determinados conteúdos psíquicos, interfere no pensamento.

São vários os mecanismos que o indivíduo pode usar para realizar essa deformaçda realidade, chamados de mecanismos de defesa. São processos inconscientes rer

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Para Freud, defesa é a operação pela qual o ego exclui da consciência os conteúdosdesejáveis, protegendo dessa forma o aparelho psíquico. O ego - uma instância a servda realidade externa e sede dos processos defensivos - mobiliza esses mecanismos, csuprimem ou dissimulam a percepção do perigo interno, em função de perigos reaisimaginários localizados no mundo exterior.

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A EVOLUÇÃO DA CI~NCIA PSICOLÓG,

Essesmecanismos são:

• Formação reativa: o ego procura afastar o desejo que vai em determinada direção,e para isso o indivíduo adota uma atitude oposta a esse desejo. Um bom exemplosão as atitudes exageradas - ternura excessiva, superproteção - que escondem o seuoposto, no caso, um desejo agressivo intenso. Aquilo que aparece (a atitude) visa es-conder do próprio indivíduo suas verdadeiras motivações (o desejo), para preservá-lode uma descoberta acerca de si mesmo que poderia ser bastante dolorosa, É o caso damãe ue superprotege o filho, do qual tem muita raiva porque atribui a ele muitas desuas dificulda es essoais. para muitas dessas mães pode ser aterrador admitir essaagressividade em relação ao filh,o.

.'. Regressão: o indivíduo retoma a etapas anteriores de seu desenvolvimento; é umapassagem para modos de expressão mais primitivos. Um exemplo é o da pessoa queenfrenta situações difíceis com bastante ponderação, mas ao ver uma barata sobe namesa, aos berros. Com certeza, não é só a barata que ela vê na barata.

• Projeção: é uma confluência de distorções do mundo externo e interno. O indiví-J_~~ >,.,b"'-ol ... j ujei..d~ ~50 de si no mundo externo e não percebe aquilo que foi pro-jetado como algo seu que considera indesejável. É um mecanismo de uso frequente

. e observável na vida cotidiana. Um exemplo é o jovem que critica os colegas porserem extremamente competitivos e não se dá conta de que também o é, às vezes atémais que os colegas,

, O recalque, ao suprtm.a percepção do queestá acontecendo,é o mais radical dosmecanismos de defesa.

• Recalque: O indivíduo "não vê'; "não ouve" o que ocorre. Existe a supressão deuma parte da realidade. Esse aspecto que não é percebido pelo indivíduo faz par-te de um todo e, ao ficar invisível, altera, deforma o sentido do todo. É Como se,ao ler esta página, uma palavra ou uma das linhas não estivesse impressa e issoimpedisse a compreensão da frase ou desse outro sentido para o que está escrito.Um exemplo é quando entendemos uma proibição como permissão porque não"ouvimos" o "não': O recalque, ao suprimir a percepção do que está acontecendo,é o mais radical dos mecanismos de defesa. Os demais referem-se a deformaçõesda realidade. A p~Ov j(i<j~" JJ.JvY"\ G~ ~

Racionalização: o indivíduo constrói uma argumentação intelectualmente con-vincente e aceitável, que justifica os estados "deformados" da consciência. Istoé, uma defesa que justifica as outras. Portanto, na racionalização, o ego coloca arazão a serviço do irracional e utiliza para isso o material fornecido pela culturaou mesmo pelo saber científico. Dois exemplos: o pudor excessivo (formaçãoreativa), justificado com argumentos morais; e as justificativas ideológicas para

.os impulsos destrutivos que eclodem na ruerra, no ~econceito e na defesa da di"L~ I.~ I~A l' H· nn° f' i' '/''1 ~.L o Q. mo(OU "-pena de morte. 'i rwm0'{l1- QUmr.J(J1. I (Y\rv~ et y, ~~o..:ê.--(II) f\üm,v \l .

. [ I o.~SO de. CMJ'-hJ.c-{ ~ '" /I t-ori-vroY Çu..\-O<;.d o. dl.\-O\.d.u (D-

o... Além desses mecanismos de defesa do ego, existem outros: denegação, identifica-Jt~ão, isolamento, anulação retroativa, inversão e retorno sobre si mesmo. Todos nós osJjytilizamos em nossa vida cotidiana, isto é, deformamos a realidade para nos defenderf:de perigos internos ou externos, reais ou imaginários. O uso desses mecanismos nãoié,em si, patológico, contudo distorce a realidade, e só o seu desvendamento pode nos,fazersuperar essa falsa consciência, ou melhor, ver a realidade como ela é.

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PSICOLOGIA JURíDICA - MECANISMOS DE DEFESA

A denegação é um mecanismo de defesa em que o sujeito se recusa a reconhecer comoseu um pensamento ou um desejo que foi anteriormente expresso conscientemente.Negar a realidade é uma forma de protecção contra algo que pode gerar dor ousofrimento. A denegação é um fenómeno que se pode observar, por exemplo, empacientes que descobrem possuir uma doença incurável ou em casos de perda de umente amado.A denegação é, assim, a percepção de um acontecimento doloroso em que surge umadesestruturação de si cuja primeira reacção é ver, mas ao mesmo tempo não ver, ouvirmas não escutar, entender mas não compreender.Freud constatou a existência da denegação como resistência no tratamento da histeriaem que uma representação consciente é recusada e posteriormente recalcada.al«jumCL cbemçV\.. / IY\V 10.0'( que $o,i::>cy-o -,.y,€,tl <lo -kVV\ 'Ov.t-vQ. .~~t(t'--

IdentificaçãoO indivíduo pode diminuir ou evitar a angústia identificando-se com outras pessoas ougrupos, çfe forma a se prote~r. Por exemplo, uma pessoa que sofreu um recentefracasso pode identificar-se com o triunfo de outras, como se aquele triunfo também fossedela. Também, ameaças externas ao eu podem ser reduzidas quando a pessoa passa aver essas ameaças voltadas para um grupo mais amplo ao qual se identifica e nãoapenas a ela. Por isso, temos a tendência de fazer algo que consideramos perigosoquando estamos em grupo, assim o sentimento de culpa e angústia ligados a tal ação sedilui no grupo inteiro.A maior parte das identificações ocorre no mundo da fantasia, temoscomo exemplo a criança que se identifica com seu herói favorito, a moça que se identificacom a "mocinha" da novela etc. Algumas ocorrem, ainda, em grupos anti-ssociais, comogrupos neonazistas, por exemplo; essas, a logo prazo, podem trazer dificuldades aindamais sérias de ajustamento.De forma branda, a identificação pode ajudar a pessoa a torna-se mais confiante e ajudarem seus ajustamentos. Porém, em excesso, causa dependência e impede o indivíduo deenfrentar seu problema. Um caso excepcional de identificação defensiva é a identificaçãocom o agressor: nesse tipo de identificação, o indivíduo procura se identificar compessoas ou grupos que o ameaçam, ele é transformado de agredido para agressor. Issoexplica a síndrome de Estocolmo.

Isolamento (fsob-se o .sen+:mevvto ')É o mecanismo de defesa que envolve uma "separação de sistemas" para que os~ntos pertJ:!.!:..badorespossam ser isolados~de tal forma que a pessoa se tornacompletamente insensível em relação ao acontecimento sublimado e comente-o como setivesse acontecido com terceiros. Nosso pensamento parece capaz, em certascircunstâncias, de manter, lado a lado, dois conceitos logicamente incompatíveis, semtomarmos consciência de suas gritantes divergências, o que também chamamos de"comportamentos lógicos de estanques".É um processo de isolar uma, dentre as várias partes do conteúdo mental, de tal formaque as interações normais que ocorreriam entre elas se reduzam e assim os conflitossejam evitados. Um exemplo seria um· ladrão que rouba e não experimenta ossentimentos de culpa que estão ligados a esse ato. Outro exemplo seria um filho que,após a morte de sua mãe, fala com uma frequente e enorme naturalidade sobre a mortedela.