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Revista Mal-estar E Subjetividade ISSN: 1518-6148 [email protected] Universidade de Fortaleza Brasil Alberti, Sonia; Elia, Luciano Psicanálise e Ciência: o encontro dos discursos Revista Mal-estar E Subjetividade, vol. VIII, núm. 3, septiembre, 2008, pp. 779-802 Universidade de Fortaleza Fortaleza, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=27180310 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Revista Mal-estar E Subjetividade

ISSN: 1518-6148

[email protected]

Universidade de Fortaleza

Brasil

Alberti, Sonia; Elia, Luciano

Psicanálise e Ciência: o encontro dos discursos

Revista Mal-estar E Subjetividade, vol. VIII, núm. 3, septiembre, 2008, pp. 779-802

Universidade de Fortaleza

Fortaleza, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=27180310

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Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Psicanálise e Ciência: o encontro dos discursos

Sonia Alberti

Professora Adjunta do Instituto de Psicologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Membro do Colegiado do Programa de Pós-Graduação em Psicanálise da UERJ. Pesquisadora do CNPq. Psicanalista Membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano.

End.: R. João Afonso, 60 casa 22. Rio de Janeiro, RJ. CEP: 22261-040.

E-mail: [email protected]

Luciano Elia

Professor Titular do Instituto de Psicologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Membro do Colegiado do Programa de Pós-Graduação em Psicanálise da UERJ. Psicanalista Membro da Laço Analítico Escola de Psicanálise.

End.: Praia do Flamengo, 180/302. Rio de Janeiro, RJ. CEP: 22210-030.

E-mail: [email protected]

ResumoA rejeição à psicanálise por parte de inúmeros autores que se pretendem defensores do discurso científico, pela via que não deixa de ter seu lastro no positivismo, exige do psicanalista uma verificação dos paradigmas que articulam Psicanálise e Ciência. A particularidade da proposta desse texto é o fato de que parte de uma análise histórica em associação com a posição de Freud para então

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identificar três momentos no ensino de Lacan em que este interroga as relações da Psicanálise com a Ciência. Inicialmente, responde à pergunta se a psicanálise pode ser uma ciência com a associação da psicanálise às ciências conjecturais, na contraposição das ciências experimentais. Já nesse momento distinguia claramente a psicanálise das ciências ditas humanas. No entanto, essa não deixa de ser uma proposta que, com Popper, corre o risco de enfatizar mais ainda a visão positivista da epistemologia. A grande virada será dada no momento em que Lacan situa o sujeito no centro dessa questão, ao observar que o sujeito está em uma relação com o objeto no campo mesmo em que se constitui como sujeito. Tal observação só toma consistência com a invenção do objeto a. Com essa nova formulação da questão, Lacan pode avançar e perguntar se a ciência comporta a experiência psicanalítica, abrindo finalmente novas vias de interrogações que apresentaremos identificando algumas maneiras de abordar o tema.

Palavras-chave: psicanálise, ciência, discurso, saber, real.

AbstractThe fact that psychoanalysis is being rejected by a quite significant amount of authors who supposedly stand for the scientific discourse, a quite positivistic point of view, forces the psychoanalyst into a verification of the paradigms which articulate Psychoanalysis and Science. The specificity of this article is due to it`s departure on an historical analysis discussed in association to Freud`s ideas about the place of psychoanalysis in sciences, followed by an identification of three moments in Lacan`s discussion on the subject. Initially, the discussion about the possibility of Psychoanalysis being a Science is answered by Lacan through an association of Psychoanalysis with conjectural sciences, opposed to experimental sciences. At this moment the author distinguished clearly between psychoanalysis and the so called human sciences. Nevertheless, this is still a proposition which can be told as still emphasizing more a positivistic version of epistemology with Popper. The big turning point will be given by Lacan at the moment in which he situates the subject in the centre of this question, observing that the subject is in relation with the object in the very field in which it is constituted. This observation only attains consistency with the invention of the object a. At this moment Lacan can step forwards and ask if science may sustain the

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psychoanalytic experience, and new paths are opened for further discussions that we present by identifying some possibilities to address the topic.

Keywords: psychoanalysis, science, discourse, knowledge, real.

A Questão PartimosdaquestãoaindaeeternadeCanguilhem:“O

queéPsicologia?”equeretomamos,parafraseando-o:

É,pois,muitovulgarmente,queafilosofiacolocaparaapsicologiaaquestão:dizei-meemquedireçãotendes,paraqueeusaibaoquesois.Masofilósofopodetam-bémsedirigiraopsicólogosobaforma–umavezquenãoécostume–deumconselhodeorientação,edizer:quandosesaidaSorbonnepelarueSaint-Jacques,pode-sesubiroudescer;sesesobe,aproxima-sedoPanteão,queéoConservatóriodealgunsgrandeshomens,massesedescedirige-secertamenteparaadelegaciadePolícia(Canguilhem,1958/1972).

AoidentificarnotextodeCanguilhemumhumorswiftiano,Lacanrelançasuaperguntaquantoaumpossívelencontrodapsi-cologiacomseufracasso.Nãoháciênciadohomem,observaele,emmaisumadesuasfrasesqueparecemescandalosassesuasrazõesnãosãolidas:“nãoháciênciadohomemporqueohomemdaciêncianãoexiste,masapenasseusujeito”(Lacan,1966/1998a,p.873),comexceçãodapsicologia,continua,porque“apsicolo-giadescobriumeiosdeseperpetuarnospréstimosqueofereceàtecnocracia,eaté,comoconcluiu,comhumorrealmenteswiftiano,umartigosensacionaldeCanguilhem,numadeslizadadetobogãdoPanteãoàdelegaciadePolícia”(ibid:873-4).

Quandoofereceseuspréstimosàtecnocracia,apsicologiaé,porexcelência,aciênciadohomemnorealsentidodaexpres-são,poiséaúnicaquedesconsideraofatodequeohomemdaciêncianãoexiste,aúnicaadesconhecerque,parafazerciência,háquesesersujeito.Deresto,lemosnoSeminário 17 deLacanque“odiscursodaciêncianãodeixanenhumlugarparaohomem”(Lacan,1992/1996,p.171).

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Explicamos:aPsicologiaéumsaberabsolutamentenovonofinaldoséculoXIX–séculoquefoiopalcodasgrandesba-talhasqueacriaram(cf.,aesserespeito,Alberti,2003).Porumlado–identificadocomaquelequeCanguilhemassociaàsubidadarueSaint-JacquesemParis–,aPsicologiapodecolocargran-desquestões,àimagemdosgrandeshomensimortalizadosnoPanteão,poroutro,porém,aPsicologiajásemostrava,em1958–datadapublicaçãodotextodeCanguilhem–,gravementeasso-ciadaaodiscursocapitalistaqueintroduziaparâmetrosnoafazercientífico,quedesdeentãosósecronificaramequeaperpetua-ram“nospréstimosqueofereceàtecnocracia”,comodizLacan,fazendodela(aPsicologia)uminstrumentodePolícia.

Comefeito,aquelepalcodasgrandesbatalhasquecriaramaPsicologia,ouseja,oséculoXIX,preparouoterrenoparaaquiloqueassociamosàarticulaçãoqueThomasKhun(1962/1979)fazdaciênciacomaideologia:houveumaprofundadivisãoquantoàconsideraçãodoqueéciênciaemfunçãodainterseçãoqueaciên-ciapassouatercomasideologiase,semdúvida,comaeconomia.Asquestõesqueissointroduzsãotantas,queevidentementenãopoderemostratardelasaquideformaexaustiva.Masissonãoimpedequeasdelineemos,umpoucopelomenos.Adiantamos,noentanto,quetaisquestõesnãodeixamdeserenormementeprodutivas:nuncaseescreveutantoemnomedaciência,nuncasetrabalhoutantonaarticulaçãocomaciência,alémdofatodequeaposturadiantedosabernainterlocuçãocomoqueLacan,noSeminário 17,de1969-70(1992/1996),chamariadediscursouniversitário,introduziuparâmetrosquesãohojeseguidosinde-pendentedaideologiaaquenosafiliamos,namedidaemquetodosestamossubmetidosàordemdaprodução:deorientação,deartigos,deconferências,deteses,independente de sua qua-lidade...oqueimportaéqueaproduçãoécontadaemnúmeros,elaécontabilizada,demonstrandoque,independentedaideolo-giaaquenosafiliamos,estamostodosmuitobemsubmetidosaosdesígniosdodiscursodocapitalista,querendoounão!

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O discurso da ciência, com Freud e LacanÉmuitofreqüentetoparmoshojecomtextosqueconsideram

aPsicanáliseumafolk psychology alheiaaqualquerpreocupaçãocientífica.Talconsideraçãoemanadetextosquemilitam(termoqueutilizamosaquiporidentificarestestextoscomumaideologia,justamenteporqueseusautoresconsideramqueelessim,fazemciência,enãoospsicanalistas)porumaPsicologiaanatomo-fisio-lógica.Narealidade,écomFoucault(1963/1980)quepodemosidentificaraanatomiacomoparâmetrofundamentalnarupturacomumaformadefazerciêncianoséculoXIX,enquantoseráLacan(1966/1998a)quemacrescentaráaesteparâmetrodeFoucault,aimportânciadafisiologiaparaacorridapelocientificismodaclínica.Osquemilitamidentificandoapsicanáliseaumafolk psychology,sãocontráriosaqualquerorientaçãoqueidentificaaPsicologiacomoestudodosujeito,articuladoàlinguagem,equeseapresen-tahic et nunc natransferênciaatravésdafala,lugaremqueestesujeitoéumsignificantequeorepresentaparaoutrosignificante,deixandosempreumrestoimpossíveldedizer.Historicamente,portanto,nuncaterminaremosporretomaressetema–comoaliásoutrosautoresjáoobservaram(cf.,Kahl,2002)–poisacadavezquesecolocaumaquestãodessaordemàpsicanálise,melhoreladeveresponder.Nãohádúvidadequesuaarticulaçãocomalin-guagemlhedáosuporteparaformalizarsuaresposta(Beividas,2000).TraçamoscomistoumadefiniçãomuitogenéricadosujeitonacontramãodaPsicologiaanátomo-fisiológica,definiçãolaca-nianaque,noentanto,épassíveldeseraplicada,deumaformageral,atodasascorrentespsicológicasqueaquelespoderiamas-sociarcomumapsicologiapopular,pornãosesustentaremnaspremissasporelescultivadasdaanátomo-fisiologia.Ouseja,nãosóaPsicanálise,mastodasascorrentespsicológicasqueviriamsecontrapor,noiníciodoséculoXX,aumaideologiacientistaba-seadanoboom cifradordastaxionomiasdocomportamentoedacontabilizaçãodeseusparâmetros,tantoviatestespsicológicos–quehojesãocadavezdemaiorponta,comacontribuiçãodaPsicologiacognitivo-comportamental–,quantoviagrausdecom-prometimentodesadaptado.Aestesmilitanteséprecisoperguntardequemaneiraconcebemeidentificamaciência.

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Éprecisoestabelecer,comclareza,oqueotermoCiência,comocategoriaepistemológica,designa.Emumaperspectivarigorosa,entende-seporCiênciaomododeproduçãodeconheci-mentoque,seguindoosparâmetrosmetodológicosestabelecidosporGalileueinterpretadospelaarquiteturadiscursivadeDescartes,secaracterizapor:a)despojamentodasqualidadessensíveisouanímicasdoobjetoquesetratadeconhecer;b)usodalinguagemdespojadadesignificaçõescompreensíveisecompartilhadaspelosabercomumnaformulaçãododiscursoteórico;c)obediênciaestritaaoprincípiodacontingênciaedauniversalidade,segun-dooqualtodoequalquerelementoaserestudadopoderiaserinfinitamentediversodoqueé,nadaoobrigando,previamente,asercomoé,ecabendojustamenteàciênciaesclarecerosmodospelosquaiselechegouasercomoé.Ora,esseselementosca-racterizamométodohipotético-dedutivocriadoporGalileu,doqualaverificaçãoéaúltimaetapa,eéaestalinhagemqueFreudsefilia,diretamente,semambigüidadesesemoutrasmediaçõesdiscursivas.APsicanálise,nestesentido,éestritamentederivadadométodoinauguraldaciênciamoderna,esenãopermanecenocampodaciência,époroperarnestemétodoumasubversãora-dical,pelaqualintroduz,nacena(porissoditaOutra cena,adoinconsciente),precisamente,aquiloqueodiscursodaciência,porsera-semântico,universalecontingente,introduziumas,nomesmogolpe,expeliudeseucampooperacional:osujeito (enãoohomem).Apsicanáliseoperacomosujeito,omesmodaciên-cia,quenoentantosobreelenadaopera.

Jáemumaoutraperspectiva,aquelaaqueaderemosatu-aismilitantesdaciênciadocomportamento,equeconsideram,porisso,aPsicanálisecomoumafolk psychology,aCiênciaseriaoprocedimentoquepartedaobservaçãodarealidade,recortadaemdadosdaordemdoparticular,estabelececorrelaçõescadavezmaisprecisasatéchegaraestabelecerdeterminaçõescausaisdecarátergeral.Talprocedimentocaracterizaoquesedenominou,nahistóriaepistemológica,ométodo empírico-indutivo, muitomaisderivadodafilosofiaempiristainglesa,sobretudodeJohnLocke,eretomadopelopositivismocomque,comAugustoComte,asciênciashumanasesociaisingressaramnessefilão,doquederivadodasbalizasmetodológicasquepresidiramomomento

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inauguraldaciênciamoderna,comGalileu.NoespectrotraçadoporGastonBachelardem“ORacionalismoaplicado”(Bachelard,1948/1977),essasduastendênciasmetodológicasencontram-seemfrancaoposição.Ométodoempírico-indutivonãopartedepos-tuladoslógicos,esimdepremissasque,pornãosedesprenderemdarealidadequepretende“observartalcomoelaé”,acabamportornar-seoufenomenológicos,ouontológicos,enãoseaspiraaformulaçõesuniversais,dotipoqueKarlPopper(1934/1977)es-tabeleceucomoexigíveisàaplicaçãodaprovaderefutabilidadeempírica.Tampoucométodoempírico-indutivooperasegundooprincípiodacontingência:atesedequeosprocessossubjacen-tesatodoequalquerquadropsicopatológico,paradarmosumexemploconcretodisso,sãodenaturezaneural,organicamen-teidentificáveis,nãoconsideraacontingênciadaincidênciadosefeitosdalinguagem,dosignificante,doelementomaterialeas-semânticonaconstituiçãodosujeito,porexemplo.Recalcandoocontingente,ingressanonecessário dadeterminaçãoneurológi-ca:hádehaverdisfunçãoemalgumneurotransmissor,équestãodetempoencontrá-la.Issoconstituiumapetição de princípio,ex-pressãocomqueFreud,empregando-aeminglêsnoseutexto(it begs the question)acusaJung,justamenteparademonstrarquesuadémarche nãoécientífica(Freud,1914/1975a,p.47).

Assim,emtodadiscussãoquesepretendametodológi-caeepistemológicasériasobreasrelaçõesdaPsicanáliseedaPsicologiacomaCiência,éprecisosaberqueconcepçãodeci-êncianorteiaosdiferentesargumentos.

Retomemos,assim,agrandepreocupaçãodeFreudemsedizerarticuladocomodiscursodaciência.Comefeito,jána-quelaépoca,demonstrarqueseestáinseridoemtaldiscursoeracondiçãosine qua non parabuscarumlugarnopanteão–reto-mamossomenteareferênciaaCanguilhem–dosautoresaquesedariaalgumcrédito.ComFreud,agrandepreocupaçãoeraquesepudesseverificarovínculodaPsicanálisecomaCiência,etalpreocupaçãoeraaverdadeirarazãodesuaevidenteinsistêncianaimportânciadaCiênciaparaaPsicanálise.Éque,nofundo,FreudacreditavanaCiênciacomoviaexclusivadoquepodemosassociaraoconceitokantianodeErkenntnis (conhecimentoe/oureconhe-cimento),eessaera,paraele,razãosuficienteecompletamente

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maisimportantedoquequalqueridéiaquepodeseassociaraissodepoisquantoaofatodequeFreudnãoveriaoutramaneiradeintroduzirumnovosabernocampodosdiscursoscríveisseaveri-ficaçãoporumacientificidadenãosedesse!“Noentanto,paranós,otrabalhocientíficoéoúnicocaminhoquepodelevaraoconhe-cimento[Kenntnis]darealidadeexterioranós”(Freud,1927/1974,p.165-6).Freudtinhatotalconsciênciadafalibilidadedapercepção,poissabiaperfeitamentequearealidadetemaformaeoconteúdoquelheatribuímos.ParaFreud,todarealidadeépsíquica.Assim,aciênciaéparaeleoúnicomododetratardarealidadepsíquica–estaque,porexemplo,seatualiza,comorealidadesexualprópriadoinconsciente,natransferência,semconfundircomelaaopera-çãodoanalista,aquelequeoperasobreestarealidadepsíquica,ouseja:searealidadeésemprepsíquica,interna-e-extenaaumsótempo,aoperaçãoanalítica,paraincidireficazmentesobreela,nãopoderáapoiar-senarealidadepsíquicadooperante,istoé,oanalista,esimnaquiloque,extraídodestarealidade,acausaqueasustenta,éex-sistente aela.

ÉcomLacanqueoalcancedapreocupaçãodeFreudsobrearelaçãodaPsicanálisecomaCiênciapodeserdefinitivamenteex-plicitada.Foramfundamentaisseustrêsregistros–real,simbólicoeimaginário–paraintroduzirosparâmetrosquedariamcondiçõesaopsicanalista–eaoteóricodapsicanálise–desesituarnode-batenoqualéchamadoaresponderaosmilitantesqueidentificamapsicanálisecomumafolk psychology.

O Simbólico e a Res CogitansOséculoXVIIconheceutodaumanovaWeltanschauung e

sedeuoiníciodainvestigaçãocientífica,numapropostadede-sassociarasinfluênciasteológicaeescolásticadainvestigaçãodarealidade.OgolpequeaCiênciaModernaperpetravanascertezascompartilhadaspeloshomens,sejaquantoaolugardaTerraemrelaçãoaosastroseaocéu,sejanadestituiçãodoprópriocéu,oCosmos, entendidocomoomundo fechado queestavaemcimadetodosnós,eacriação,emseulugar,douniverso infinito quenãotemmaisnememcimanemembaixo,emquetodososas-trosgiram,inclusiveaTerra,emtornodeastrosmaisimportantesemboranãopovoadosdehumanos,tudoissoproduziuoquepode-

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ríamos,ajustotítulo,nomear,comaPsicanálise,demomento de angústia naHumanidade.Nenhummomentoseriamaispropícioparaosurgimentodosujeito,aindasegundoamesmaPsicanálise.Nestemomentotãosingularecrucialdahistóriadahumanidade,ediantedaincertezaquantoàrealidadedomundoobjetivo(dareali-dadeexterioranós,pararetomaraspalavrasdeFreud)–emfunçãodocortecomodogmatismoreligioso–,Descartes,emumgestoquedeslocaohomemdaangústiaaguda,afirmaacertezadoco-gito – Penso, logo sou.Ohomem,queemumprimeiromomentodoCogito ganhaoestatutodoser porquepensa, dissonãopo-dendoduvidar,comoduvidoudetodasasdemaiscoisas,ouseja,estehomemqueacedeuàcondiçãoontológicaporumaopera-çãodopensamento,queseconstitui,noplanosubjetivo,comoacerteza quesucedea dúvida, passa,apartirdesteato,apodertambémexistir, porqueépassíveldeumainscriçãonomundodosimbólico.Descartesdistinguiuummundoemqueascoisasexis-tematravésdesuarepresentaçãoconceitual,deixandodeforaoutromundo,ondeascoisasnãosãoconceituadas.Era,então,acriaçãodeumnovodiscurso:odaciência.

ComDescartesfoipossívelaconstruçãodeumalinguagemconceitualdentrodaqualosobjetos,queatéentãonãohaviamacedidoàcondiçãodeexistentesnoplanoconceitual,namedidaemqueaCiência,nãotendoaindafeitosuaapariçãodiscursivanomundo,nãohaviaportantoconstituídosujeito eobjeto comoduascategoriasconceituaisatravarem,entresi,arelaçãofun-damentaldeproduçãodoconhecimento,passaramaocuparumlugarproeminenteentreasoperaçõescientíficas.Ocogito carte-sianoinauguraumacisãodoobjetonaciênciae,porconseguinte,nodiscurso:deumlado,oobjetoreal–porexemplo,aestrelanocéu–,deoutro,oobjetoconstruídoenquantoconceito,ouseja,asimbolizaçãodoobjeto,aestrelaformuladanopapeldoastrônomofazendo-aexistirnocálculocientífico,substituindometaforicamenteaquelaquecontinuanocéu.OCogito ergo sum é,fundamental-mente,apossibilidadededarexistênciaaoobjetodopensamento,distintodaimagemquetemosdeleedistintodoreal.

DepoisdeDescartes–nascidoexatamenteduzentoseses-sentaanosantesdeFreud–odiscursodaciênciajápropunha,claramente,queocampodaciênciaéaqueleemquesóexistemo

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queFreudchamoudeVorstellungen (representações),ouseja,háummundo,queéodasrepresentações,comoqualocientistatra-balha.Taisrepresentaçõesestãosubmetidasaleisespecíficasdecadaciênciaenãopodemsertranspostasparaoutroscampos.Entretanto,noqueconcerneàPsicanálise,aoperaçãonãosereduzaumadiferençaqueaparticularizariacomoumaciênciaentreoutras,todaspassíveisdeinscriçãoemummesmoregistrometodológico.APsicanálisenãocabeinteiramentenouniversodarepresentação.

Namedidaemqueosignificantizamos,osujeitoéreduzidoaumtraçomnêmico,àsuarepresentaçãoenquantotraço,marcasignificantequepresentificaoprópriosujeitonafalaquandodiz:“eu”.Trata-seentãodo“eu”comoinscrição,do“eu”enquantofi-guragramaticalquetantopodesersujeito,quantoobjeto,eque,porisso,nãopassadeumsignificante,deumshifter,talcomoJakobson(1957/1971)odefiniuporempréstimoaJespersen,in-dependentedetudooqueépossívelimaginarsobreessemesmosujeito.Osujeito,contudo,nãosereduzaosignificante,aotraçocomoqualoinscrevemosnoplanosimbólico.Seuserdesujeitoéirrecuperávelnosimbólico,oque,longedereduziraimportânciadotrabalhosimbólico,confere-lheumadimensãoamais:adebor-dejar,contornarofurorealdemodoapermitirqueosujeitosesitueemrelaçãoaoquenãopodedomesticarpelosaberepelodizer.

Comocientistaocorreamesmaincidênciadoimpossívelà maîtriser,adominar,apreverecontrolar.Adiferençaéqueocien-tistaencontraesselimitenasuarelaçãocomosobjetosdomundoquetemaconheceredominar,enquantoqueparaopsicanalistaesselimiteédado,porassimdizer,internamente:ésuaprópriacondiçãodeobjetoquelheescapa,emsuaprópriaexperiênciacomosujeito.ÉissoqueLacanquerdizerquandoafirmaque“osujeitoestá,seassimpodemosdizer,emexclusãointernaaoseuobjeto”(Lacan,1966/1998a,p.875);disjuntodele,osujeitonoentantoestáemumarelaçãocomoobjetoqueosituanocampomesmoemqueseconstituicomosujeito.

ApsicanáliseéfilhadaciêncianamedidaemqueseatémàsdeterminaçõescriadasporDescartes,segundoasquaisháumpensáveleumimpensável,umdizíveleumindizível,umconcei-tuáveleumimpossívelaconceituar.Freudnãopoderiaterdadoa

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viradasozinho,éclaro,houvequemobuscassenamesmaépoca,acoisaestavanoar,eraumnovoZeitgeist.Esobretudoestavanoarporqueodiscursodaciênciatambémsefortalecia,emrede,nosdiferentescampos.

Lacan,apartirdesuaformação,queincluiuainfluênciadoEstruturalismo,comapogeuemmeadosdoséculoXX,naEuropa,pôdearticulartalmundoparticular–odaciência–comosimbó-lico.Simbólico,realeimagináriosãoostrêsregistrosnosquaisoserfalante–oserhumano–transita.Seodiscursodaciênciaafir-maummundonosimbólico,epelofatodequeestesimbólicoéestritamentesubmetidoaleisqueoparticularizam,entãoemcadaciênciaháaquiloquelheéexterno.Comodissemosacima,háli-miteseaciênciasedefinecomoumsabercientedeseuslimites,poderíamosdizer,umsaberque,emprincípio,levaemcontaacas-tração–elanãopodetudo.Aciênciaserestringe,encontraseulimitenofatodequesópodeafirmaralgonamedidadodito,doqueépassíveldeserdito.Orestonãoédocampodosimbólicoe,portanto,inatingívelpelaciência.Esseéseulimite.Todocientistasabe,hoje,queasoperaçõesqueexecutanãosedãonumpara-lelismobiunívococomomundonatural,mesmoquandopode,emalgunsmomentos,estabelecerumarelaçãoentreambososcam-pos–oconceitual(ousimbólico)eonatural.DescartesfundaoqueFoucault(1966/1992)chamoudeepisteme da representação,solodiscursivodaCiênciaModerna,noqualalgumasantinomiassesustentam–teoria/realidade,mundoconceitual/mundoreal,entreoutras,ecujoápiceéKant,ofilósofoqueinterpretoufilosoficamen-teaFísicaModerna.Posteriormente,apartirdeHegel,emergiuaepisteme da História,marcadapelomaterialismodialéticoecon-creto,quejárompe,decertomodo,comarepresentação,pornãoadmitiradualidadeteoria/realidade queafunda,introduzindo,emseulugar,omovimentodiscursivoconcretodapráxis teorizada. Ésódepoisdesteúltimo,nãosemrelaçãocomele,queemergeaPsicanálisecomodiscurso,oquetorna,portanto,impossívelsituá-lanoplanodaepistemedarepresentação.Équeapsicanálisesedirigeaosujeito,eestenãoéummeroshifter, umelementodalin-guagem,umtraço,nemmesmoumsignificante,esuacondiçãomaisrealéadeobjeto.

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Éinteressantearticularessaafirmaçãocomacondiçãodosujeitodosignificante,edomodocomoLacanescreveadefini-çãomesmadesse,utilizando,nostermosdestadefinição,asuarelaçãocomosujeito:um significante é aquilo que representa um sujeito junto a outro significante.Aparentemente,Lacanestáplenamentesituadonocampodarepresentação.Ocorre,contudo,queéexatamenteparasaturaressecampoqueeledefinedestaforma:seosignificanterepresenta,ésempreparaoutro,esópoderepresentarumsujeito,nadamaisfazendoalémdisso,eestandoclaroqueumsujeitosópoderiaserrepresentadoporumsignifi-cante,enuncaporqualqueroutroelemento.Osignificantenãoéidênticoasimesmo,eessanão-identidadeétransmitidaaosujei-toporelerepresentado:Porexemplo,quandoalguémdiz:“Eumerepresento...”,oeurepresentadodiferedosujeitoquefala.Assim,“eu”édiferentede“eu”,como“a”podeserdiferentede“a”naló-gicamatemática,ouum“cachimbo”podenãoserum“cachimbo”–edefatonãooé,comonaobradeumMagritte.

Comefeito,écomoestudodalinguagemqueaordemsim-bólicapodeencontrartodasuaparticularidade.Buffon,jánoséculoXVIII,definiaaciênciacomo“alínguabemfeita”,ouseja,comolínguacapazdedarcontadofenômeno,capazdebemdizerofe-nômeno.Poroutrolado,apsicanálisesedistinguedaciêncianamedidaemquenãoserestringeaestudaropensável,odizíveleoconceituável,elatambémseocupadoimpensável,doindizíveledoimpossívelaconceituar.ConformeostrêsregistrospropostosporLacanparaestudarocampodarealidadepsíquica,seaexis-tênciaestádoladodosimbólico,doqueseafirmanosimbólico,equereduzascoisasaosignificantequeasrepresentaparaoutrosignificante,entãohá,necessariamente,algoqueescapaàexis-tência,oquenãoéredutívelatalrepresentação,quenãopodeserrepresentadoporumsignificanteparaoutrosignificante!Define,emconseqüência,orealcomooqueestáforadosimbólico.Osim-bólicoéoqueexiste,orealex-siste aosimbólicoeoimagináriodáaconsistênciadasGestalten queformamos.Estassesusten-tamnossignificantes,mas,levandoemcontaadescontinuidadequeháentreumsignificanteeoutro,oimaginárioéaconstruçãoquecadaumprojetadarealidadeparavelaroabismodorealque,deoutraforma,teríamosqueencararregularmentequandopas-

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samosdeumsignificanteaoutro.Talimaginarizaçãosempretrazconsigoumououtroengodo,namedidaemquearealidadequegestaltizamosétributáriadarealidadepsíquicadecadaum,sus-tentadanafantasiaconceituadaporFreudeLacancomorespostadosujeitohumanoaoimpossíveldecompreender.Imaginamos,ouseja,construímosanossarealidadeporqueaindacremosneces-sitarcompreenderaarticulaçãodascoisas.Eistambémporqueévedadoaopsicanalistatentarcompreender,comoexplicitaLacanjánoseuterceiroseminário,poisquemarticulaéosujeitoeesteéopaciente.Opsicanalista,aocontrário,submetidocomoestáaodiscursodaciência–oque,noentanto,nãofazdeleumcien-tista–devedeixarsuaatençãoflutuanteparaarticularaestruturadafaladosujeito.

Seomundodaciênciaéomundodasrepresentações,nãohámeta-representaçõesparaaciência.Asrepresentaçõesquerepresentamasrepresentaçõessãooutrastantasrepresentaçõesqueseestruturamcomasprimeiras,justamente,emrede.DaíafamosafrasedeLacan:“nãoexisteametalinguagem”.EdaítambémaexpressãodeFreud,quetantasvezesconfundiuostradutores,atravésdaqualsereferiaàinscriçãopsíquicadeumaexperiência–tantodesatisfaçãoquantodedesprazer–comoVorstellungsrepräsentanz,ouseja,orepresentantedarepresenta-ção.Todaexperiênciadesatisfação,comoFreudaconceituaemseuProjeto,émemorizadacomotraçomnêmico.Taisrepresen-tantesfreudianossãoossignificantesdaconceituaçãodeLacan,elesconstituemosaberinconsciente.Comosempre,quandovocêafirmaalgonosimbólicodeixadeforaumaporçãodecoisasim-possíveisdeassimafirmar,aorepresentantedarepresentaçãocorrespondeumreal–oqueficaforadosimbólico,comocon-ceituado.Conclui-se,daí,umaporçãodecoisas,entreelasqueosaber(queempsicanáliseésempreinconsciente)éumsubcon-juntodestemesmoinconsciente,ondehábemmaisnãosaberdoquesaberequeestádoladodosujeitoenquantovaziodesigni-ficantes,poderíamosdizer,doladodorealdosujeito.Éoqueaciênciaexcluideseuscálculos:orealdosujeito.Paraaciência,osujeitoésomenteumavariávelpassíveldemensuraçãoquandointerferenumexperimentocientífico,porexemplo.Nãoéesseosujeitodapsicanálise,osujeitodapsicanáliseéosujeitodafala,

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semprecindido,sempredapaixão(dopathos,elesofre)eportan-to,distintotambémdequalquerformadeindividualidadeempírica(Milner,1995,p.33).

Assim,parareferirapsicanáliseàmetodologiacartesianaháquesepensá-lacomométododeinvestigação–oqueelaé,desdeosprimórdios,desdeosprimeirostextosdeFreud–,masummé-tododeinvestigaçãoqueseinscrevenodiscursodaciência–porinserir-senosmesmosfundamentosdequalquerciênciamoderna(Descartes)–,comoúnicointuitoderesgataraquiloqueaciênciapropriamenteditaexcluiudeseuâmbito:osujeito.Deformaquepodemosdizerqueapsicanáliseencontrouumlugarnaculturacien-tíficaporseocupardoqueaciênciaexclui,resgatandoumcampodeconhecimentoeeliminandodestecampoasuperstição.

FoinacondiçãodesujeitoqueDescartes,instigadopelode-sejodesepararoverdadeirodofalso,realizouocortecientífico,eénessatrilhaqueapsicanálisedeFreud,comLacan,estudaare-laçãoentreciênciaeverdade.Asituaçãohojesecolocadenovaformaporqueincluiodiscursodocapitalista...einúmerostraba-lhosaexaminam.Seodiscursodopsicanalista,aosituarosabernolugardaverdade,subverte,emumgirodiscursivo,aposiçãodosujeito,independentementedesuascrenças,odiscursodaci-ência,porsuavez,quandosubmetidoaosimperativosdodiscursocapitalista,negaaexistênciadosujeitodoinconscientee,portan-to,dacastraçãoqueoconstitui.

A Revolução DiscursivaApartirdemeadosdoséculoXX,comacrescenteinfluên-

ciadodiscursodocapitalistanodiscursodaciência–influênciaqueseinaugurounoséculoXIX–semdúvidahouveumretrocessoquantoàdescobertadeFreud.Natentativadevenderosprodutoscientificistas,voltou-seacrerqueháummundodarepresentaçãoparaalémdelamesma,chega-seatémesmoabuscarasrepresen-taçõespsíquicasnasimagenstomográficasounasressonânciasmagnéticasqueservemàneurologia.Noentanto,trata-sededoissaberesdiferentes–aneurologiaéum,apsicanáliseéoutro–ecadaumtemseucorpoteórico-conceitualeseurecortedarea-lidade,deixandodefora,comodito,umaporçãodecoisas...É

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fundamentalentãotermosclaroquenãohápossibilidadedeumarelaçãobiunívocaentreambas,ouseja,quenãoépossíveldizerqueoquesepensatemrepresentaçãonocérebro,nemqueasle-sõescerebraiseaanátomo-fisiologiatenhamqualquercorrelatointrínsecocomopsiquismodoserfalante(cf.Alberti,2006)!

Comopositivismo,asciênciasdohomemforamcolocadasnotopodoedifíciodasciênciasexperimentaisese,porumlado,comisso,foramreconhecidas,poroutro,emrealidade,subordi-nadas.“Essanoçãoprovémdeumavisãoerrôneadahistóriadasciências,baseadanoprestígiodeumdesenvolvimentoespeciali-zadodosexperimentos”(Lacan,1953/1998b,p.285).Asrazõesquedeterminamtalenganocertamentetêmsuasorigensnoprópriosubstratoideológicoemesmoeconômicodarevoluçãoburguesa,dosquaissurgiramentãodoisgrandesmovimentos:

Emprimeirolugar,odocientificismo dasdisciplinas–que,atéentão,seocupavamdaalma,comafinalidadedeincluí-lasnoroldasciências–,eareduçãometodológicadesuaspráticas,quecadavezmaisexilamosdiscursosainsistiremnasubjetividade.Assim,porexemplo,oqueseverificahojenessemovimentoéqueaprópriapsicanálise–certamenteumsabercomconsistênciate-órica–éreduzidoaumafolk psychology,nãocientífica.Qualquerconstruçãoteóricaquenãosigaasbasesexperimentaisédescar-tadacomonãocientífica.

Eemsegundolugar,odainsistêncianaimportânciadasub-jetividade.ComLacan,essesegundomovimentoseverificanosavançosparticularesdealgumasdisciplinas,noséculoXIX,espe-cialmente:alingüística,aetnografiaestruturaleateoriageraldossímbolos.Lacanobservaquetalmovimentosebaseianaespeci-ficidadedareferênciasimbólicaparaapesquisadasubjetividade.Emfunçãodisso,oqueassociaessemovimentocomaciêncianãoéaexperimentação,masasconseqüênciasdosavançosdamatemáticaedahistória,ambosdeterminandoumanovaformadeveromundo.

Comefeito,somenteapartirdoIluminismo–massobretudonoséculoXIX–,foramencontradasasrespostasparainúme-rosproblemasmatemáticosatéentãoimpossíveisderesolverequepermitiram,paradarsomenteumpequenoexemplo,estu-

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darasrelaçõesentreconjuntos–coisaatéentãoimpensável...Issoimplicaráasleisdaintersubjetividadenocampodalógicaedamatemáticamodernas.Quantoàhistória,étambémsomentenoséculoXIXqueohomempodefazergrevegeral!–issonãoépoucacoisanummundoatéentãosubmetidoàordemdoUm(sópararetornaràreferênciamatemática).

Aomesmotempoemqueosdiscursostentavamseinscre-verapartirdeumarelaçãocomaciência,comovisto,impunha-secadavezmaisoorganicismo,conformeoprimeiromodelo,odocientificismo dasdisciplinas.Énosegundomovimento,aoladodalingüística,daetnologia,daantropologia,dahistóriaedalógica-matemáticaqueapsicanáliseseinscreve;dentreaspsicologias,nãosomenteapsicanálise,massemdúvidaela,domodocomoqueriaFreudaacolheremseucampoapsicopatologia.Nela,ohomeméefeitológicodoentrecruzamentodoscamposdalin-guagemedogozo,eaclínicapermiteestabelecerestehomemcomocapazdeelaborar,natransferência,oquedesseentrecru-zamentooadoece.

Mas,porabsurdoqueissopossaparecer,aolongodosé-culoXX,aprópriapsicanáliseconheceudestinosque,comotemiaFreud(1927/1975b,p.343),quiseramesvaziarseufundamentoeatentativadeinscrevê-lanodiscursomédicosemdúvidafoiumdosresponsáveis.Diantedoembaraçoqueaclínicapsicanalíticaapre-sentanoquotidianodesuaprática,nãopoucasvezesacaba-selançandomãodeexplicaçõesquejánãoapostamnacapacidadedeoprópriosujeitoelaborarseusofrimento.Hajavistaaimportan-tegamadepsicanalistasquehojebuscamasneurociênciasparadaremcontadefenômenos.Aindanosencontramosnumagran-deBabel.Acredita-sejáseestarnofuturoapontadoporFreudnafrase“Ofuturopoderánosensinarainfluenciardiretamente,comsubstânciasquímicas,asquantidadesdeenergiaesuasdistribui-çõesnoaparelhopsíquico”(Freud,1938/1999,pp.108),esecrêquehojejásaibamosexatamentequaisasafecçõespsíquicasqueefetivamentesebeneficiariamdasinfluências‘eletroquímicas’.

Talquestão,muitoalémdemeramenteteóricaé,nareali-dade,impactanteparacadapsicanalistaquetrabalhe,tantonoconsultório,quantoemalgumserviçodesaúdementalnoBrasil

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hoje.Nãoraro,verificamosadicotomiaentrepsíquicoesomático,eháverdadeirasdivisõesnosprópriosserviçoseencaminhamentosemfunçãodessadicotomia.Assim,épossívelencontrarsetores,nosserviçosdesaúde,quetrabalhamexclusivamentecomaidéiadequetodofenômenomentaltemorigemsomática,eoutrosquenãolevamemconta,deformaalguma,adeterminaçãosomáticadosprocessospsíquicos.SecomDescarteshouveumadivisãoentrecorpoepensamentonoâmbitodateoria,oquesepodeen-contrarhojeétaldivisãonapráticaclínica:oures cogitans oures extensa.Aposiçãosustentadapelodiscursopsicanalíticodirige-nosparaasuperaçãodadicotomiacartesiana,quenãodeveserconfundidacomameraadjunçãointerativadosomáticocomopsíquico,emumalógica“psicossomática”.OqueaPsicanálisefazédesconsideraradicotomiacartesianaentresubstânciapen-santeesubstânciaextensaerearticulartudoissoapartirdeoutroreferencial:odalinguagem(significante)eodogozoquedelade-corre,masaelanãosereduzinteiramente.Nosemináriosobreoatopsicanalítico,Lacanafirma:

‘Eupenso’,dizele[Descartes],‘logoeusou’.Eleserejei-tainvencivelmentenoserdessefalsoatoquesechamaoCogito.OatodoCogito éoerrosobreoser,comopodemosvernaalienaçãodefinitivadocorpo,quedeleresulta,queérejeitadonaextensão.ArejeiçãodocorpoforadopensamentoéagrandeVerwerfungdeDescartes.ElaéassinaladaporseuefeitoquereaparecenoReal,ouseja,noimpossível.Éimpossívelqueumamáquinasejacorpo.Porissoosaberoprovasempremais,co-locando-aempeçasdestacadas(liçãode10dejaneirode1968,deO Seminário, livro 15, O Ato psicanalítico,documentodetrabalho).

Oquenaverdadeapsicanálisepropõeéoresgatedocorpodoexílionaextensão,articulando-o,comolugardegozo,àsletrasquepossamcifrá-lo,emumaoperaçãoquenadatemavercomaconsideraçãodoorgânicocomoco-produtordopsíquico(cf.Elia,2004ePollo,2004).

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Psicanálise: de Ciência Conjectural a Saber sobre o Real do Sujeito

NoLivroIIdeseuSeminário,LacanpropõequeaPsicanáliseinscreva-secomociência conjectural do sujeito. Estranhapropo-sição,àprimeiravista,quandosabemosquetaltaxionomiasurgenapenadeumepistemólogoque,certamente,fundamentateori-camenteaquelesquerenegamarelaçãocomaverdadeiraciênciadetodosossaberesquenãoseconstroemapartirdarelaçãone-cessáriaentrehipóteseeteoria,paraacomposiçãodoaxiomaeesteverificado,doprincípio.Comefeito,KarlPopperpropõequeseriamconjecturais todasastesesqueseorientamapartirdeumaafirmaçãopresumidacomoverdadeiraoucomogenuína,mascujosfundamentossãogeralmenteinconclusivos,demodoquenãopodemserelevadasàcategoriadeprincípio,nemdete-orema.Emmatemática,sãoconjecturaisastesescujaverdadeaindanãofoiprovadaconformeasregrasdalógica-matemática,masissonãoimpedequepossamvirasê-lo.Enquantonãoosão,osmatemáticospodemusaraconjecturaprovisoriamente,etodotrabalhoqueausaé,porsuavez,conjecturaltambém.

Àsvezes,aconjecturaéumahipótesefreqüentementeere-petidamenteusadanaverificaçãodeoutrosresultados.Cita-seoexemplodahipótesedeRiemann,nateoriadosnúmeros,quetratadosnúmerosprimos,eque,apesardeaindaconjectural,éusadaparafazerprediçõessobreadistribuiçãodosnúmerosprimos.Antecipando-seaoteorema–quepoucosmatemáticosduvidamviraseconstituirapartirdessahipótese–,algunsjáseutilizamdahipótesedeRiemannparadesenvolveroutrasprovas,contingen-tesemrelaçãoàverdadedessaconjectura.

Finalmente,nem toda conjectura termina por ser provada verdadeira ou falsa,poissepodeconcluirtambémpeloindeci-dível,oque,nemporisso,érazãoparaconsiderartalconjecturacomoinconsistente.

ParaLacanentão,aproximarapsicanálisedasciênciasqueadmitemaconjectura,comoalógicaeamatemática,entreoutrasjácitadas,temporconseqüênciaaprofundar,desdeaprimeirahoradeseuensinoecomomáximorigor,adiscussãoarespeitodasrelaçõesdaPsicanálisecomaCiência,questãodequeLacan

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sempreseocupou.Portodasessasrazões,jáemseuSeminário 2,Lacanpropõequeaexpressão“ciênciaconjectural”substituaade“ciênciashumanas”,afimdeconstituir-lhesmaiorrigorlógico,alémdeemancipá-lasdojugometodológicoquetradicionalmenteessasciênciasmantinhamemrelaçãoàsciênciasnaturaiseexa-tas:“Ciênciasconjecturais,eisaí,creio,overdadeironomequesedeveriadar,deoraemdiante,aumcertogrupodeciênciasquesedesigna,habitualmente,pelotermodeciênciashumanas”(Lacan,1978/1988,pp.369-70).ÉinteressantequeLacanacrescente,logoemseguida,emsuafala:“Nãoqueestetermosejaimpróprio,jáque,nestaconjuntura,édaaçãohumanaquesetrata.Mascreioquesejapordemaisvago,pordemaisinfiltradoecontroladoportodosostiposderessonânciasconfusasdeciênciaspseudo-inici-áticas,quesópodemrebaixar-lheatensãoeonível.Ganhar-se-iacomadefiniçãomaisrigorosadeciênciasdaconjectura”(idem).

Écuriosoobservarque,nestemomentodeseuensino,eemquepeseaevidentedenegação(“nãoqueestetermosejaimpró-prio”),Lacanaindaconsideravaapropriadaaexpressão“ciênciashumanas”,comosepodelernafrase“jáqueédaaçãohumanaquesetrata”.Dezanosdepois,contudo,estemesmoautordirá:“Nãoháciênciadohomem,porqueohomemdaciêncianãoexis-te,masapenasseusujeito.Éconhecidaaminharepugnânciadesempreporestadenominaçãociênciashumanas,quemepare-ceseroapelomesmoàservidão”(Lacan,1966/1998a,p.859).Arepugnânciapodetersido“desempre”,masomododedizerdeLacanmudoumuito:noprimeiromomentoaquiconsiderado,aexpressãoéapropriada,enomomentoposterioreladesignaalgoquenãoexisteequeevocaoapelomesmoàservidão.Oquesepassounesteintervalodedezanos?

Naverdade,muitacoisasepassou:Lacancriouoque,emseuprópriodizer,foisuaúnica invenção:oobjetoa 1.Deuaore-gistrodoRealasuaradicalirredutibilidadeemrelaçãoaosdemais–ImaginárioeSimbólico,iniciandoocaminhoqueviriaadestituirdesteúltimoaprimaziaqueele,àmaneiracientíficaecartesia-na,comodemonstramosanteriormentenestetexto,lheatribuíra.Porisso,aliás,LacansofreuaexcomunhãomaiorporpartedaInternational Psychoanalytical Association,equeeleequivaleuàsofridaporSpinoza,emsuaépoca.

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Nomesmoanoemqueafirmaraqueasciênciashumanasnãoexistem,equesãooapeloàservidão,Lacantransformarasuaperguntainicial,queseformularianessestermos:“ÉaPsicanáliseumaCiência?”,emumaoutra:“QualaciênciaquecomportariaaPsicanálise?”(Lacan,1965/1973).Comessatransformação,LacanestáagoraemoutraposiçãodiscursivaquantoàsrelaçõesentrePsicanáliseeCiência,posiçãonaqualaoperaçãopsicanalíticaéqueestáemposiçãodeinterrogaraCiência,decujascoxassaiu,masfoialémdela,enãoocontrário.Queciênciapoderiacompor-tarainclusãodorealdosujeito?Queciênciapoderiasuportarainclusãodatransferêncianointeriordocampodiscursivoqueregeasuaexperiência?

Em1970,Lacandáumaentrevistaaumaradiodifusorabelga,quemaistardesepublicasobotítulo:Radiofonia.ÉumdostextosmaisimportantesparasepensaraciêncianoséculoXX.Chamamosaatençãoparaosprincipaispontosdessetexto,atravésdeduasreferênciasfundamentais:a)areferênciaàfrasedeGalileu:“olivrodanaturezaéescritoemmatemática”(Lacan,1970/2001,p.430);b)areferênciaàrevoluçãocientíficaimpetradaporKepler,equenãodeixadeserdevedoradessaobservaçãodeGalileu.

OqueKeplerintroduznaastronomia?Queasórbitasplane-táriasnãosãoesféricasesimelípticas,oquedefinitivamenteimpõequesedesimaginequalquerrelaçãopossíveldohomemcomelas!Apartirdaí,aúnicamaneiradetrabalharcomtaisórbitasépelaviasimbólica,calculandotaiselipsesquedescentralizamparasem-pretodaequalquercoisanoespaçoceleste.Porquefazerelipsesépartirdedoiscentros,etraçá-lasimplicaintroduzirumcentromatemáticoparaalémdosol.Numaarticulaçãorápida,issoseassociaàfrasedeGalileu,dequenãohánaturezaparaalémdamatemática,mesmoGalileuaindaestudandoocéuàimagemdoquehaviadeGestalt nomundoemquevivia,comumúnicocen-tro,osol.OcentroesféricodeGalileunãodeixadeseassociaràfantasiadeAristófanessobreoamor,noBanquete, dePlatão,emqueesferassedividiramnaorigemdostempos,deformaqueatéhojeprocuramosnossacarametadeparavoltarafazerUm.BemdiferenteéoamorpropostoporSócratesentão,quandojus-tamenterespondeaAlcibíadesque,tendooouro,nãolhedaráocobrequeéparaeste,naprojeçãodoqueAlcibíadesvênele.O

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amor,nodiscursodeSócrates,nãosesustentanaprojeçãoima-gináriaqueumpodefazerparaooutro,masnafalta,porqueparaSócratesseamaaquiloquenosfalta,oqueparaFreudvemaseroprópriodesejo.

Lacanobserva,emRadiofonia,queforamtrêsasgrandesrevoluçõesaconsiderar:

1.DeCopérnicoaKepler:doimaginárioaosimbólico;

2.ArevoluçãodeMarx:emqueamaisvaliaprecipitaacons-ciênciadeclasse,apontandooquevaimalnodiscursodomestre;

3.Arevoluçãodiscursiva,introduzidaporFreud,quandopropõeodiscursodoanalista.Este,jánãoémaisomestre,quejánãoperguntaaopaciente(naposiçãodeescravo)oquevaimalparaseapoderardessesaber,ecomeletrabalharparaomestre–posiçãoquesurgetambémnamedicinaquandoomédico,nolugardomestre,dizaopacientequeéelequemsabesobreseusofrimentoepodecurá-lo,fazendodeseupacienteoobjetodeaplicabilidadedesuaciência–,tampoucooanalistaéoutrosu-jeitoque,numarelaçãointersubjetiva,procuracompreenderdeformajaspersia,poridentificaçãoimaginária,oquesepassacomseupaciente,masoanalistaé,comonovodiscursocriadoporFreud,oobjetoquepodecausarosujeito,seupaciente,aquerersaberoquevaimal.

Paraestudareaprofundartalnoçãodeobjeto,queoanalis-tadeveocuparnatransferência–contextoidentificadoporFreudcomooúnicopossívelparaumaanálise–apsicanáliseesuases-colasnãomedemesforços.Sãoessesesforços,realizadosdesdeentão,quetêmcomovisadafundamentalporàprovaopróprioconceitodepsicanalista.Efeitodeumaformaçãopsicanalíticaqueimplicaoreposicionamentodiantedosaber,opsicanalista,comoconceito,redesenhaalógicadarelaçãoentresujeitoeob-jeto,ésustentadonoatoanalíticoenodesejodoanalistaque,nacondiçãodeobjetoacausarosujeitoemanáliseaquerersaber,descentraadireçãodotratamentoeosprincípiosdeseupoder.

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Notas1.Ainterpretaçãoquedamosdissodiverge,numcertosentido,

deoutras,segundoasquaishaveriaumairredutibilidadedapsicanáliseàobjetivação(cf.p.ex.,Calazans,2006),poiséjustamentenomomentoemqueLacanpodesedarcontadaequivalênciaentresujeitoeobjeto(a,nocaso),queelepodeprepararoterrenopararepensarasrelaçõesentrepsicanáliseeciência,abrindomargemparaa“compatibilidadelógicaentreopensamentopsicanalíticoeopensamentocientífico”(idem,p.273),masemnovasbases.Éporqueosujeitoéredutívelaoobjetoa,emparticularnofinaldeumaanálise,queháobjetivaçãodosujeitomesmosetalefeitonãocorrespondeaoconceitopositivistadaobjetivação.

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Recebido em 9 de agosto de 2007Aceito em 28 de agosto de 2008Revisado em 1º de setembro de 2008