pÓs-modernidade sistÊmica sob a Ótica garantista e a …
TRANSCRIPT
1
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMIÁRIDO
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – DCSA
CURSO DE DIREITO
CAMILA MEDEIROS BASTOS DA COSTA
PÓS-MODERNIDADE SISTÊMICA SOB A ÓTICA GARANTISTA E A LEI Nº
12.654/2012
MOSSORÓ/RN
2018
2
CAMILA MEDEIROS BASTOS DA COSTA
PÓS-MODERNIDADE SISTÊMICA SOB A ÓTICA GARANTISTA E A LEI Nº
12.654/2012
Monografia apresentada ao Departamento de Ciências
Sociais Aplicadas da Universidade Federal Rural do
Semiárido, Campus Mossoró para obtenção do título de
Bacharela em Direito.
Orientador: Prof. Msc. Wallton Pereira de Souza Paiva.
MOSSORÓ/RN
2018
© Todos os direitos estão reservados a Universidade Federal Rural do Semi-Árido. O conteúdo desta obra é de inteiraresponsabilidade do (a) autor (a), sendo o mesmo, passível de sanções administrativas ou penais, caso sejam infringidas as leisque regulamentam a Propriedade Intelectual, respectivamente, Patentes: Lei n° 9.279/1996 e Direitos Autorais: Lei n°9.610/1998. O conteúdo desta obra tomar-se-á de domínio público após a data de defesa e homologação da sua respectivaata. A mesma poderá servir de base literária para novas pesquisas, desde que a obra e seu (a) respectivo (a) autor (a)sejam devidamente citados e mencionados os seus créditos bibliográficos.
O serviço de Geração Automática de Ficha Catalográfica para Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC´s) foi desenvolvido pelo Institutode Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo (USP) e gentilmente cedido para o Sistema de Bibliotecasda Universidade Federal Rural do Semi-Árido (SISBI-UFERSA), sendo customizado pela Superintendência de Tecnologia da Informaçãoe Comunicação (SUTIC) sob orientação dos bibliotecários da instituição para ser adaptado às necessidades dos alunos dos Cursos deGraduação e Programas de Pós-Graduação da Universidade.
C837p Costa, Camila Medeiros Bastos da . Pós-modernidade sistêmica sob a ótica garantistae a Lei nº 12.654/2012 / Camila Medeiros Bastosda Costa. - 2018. 76 f. : il.
Orientador: Wallton Pereira de Souza Paiva. Monografia (graduação) - Universidade FederalRural do Semi-árido, Curso de Direito, 2018.
1. Risco. 2. Presunção de inocência. 3. Nemotenetur se detegere. 4. Garantismo Penal. 5. Leinº 12.654/2012. I. Paiva, Wallton Pereira deSouza, orient. II. Título.
3
CAMILA MEDEIROS BASTOS DA COSTA
PÓS-MODERNIDADE SISTÊMICA SOB A ÓTICA GARANTISTA E A LEI Nº
12.654/2012
Monografia apresentada ao Departamento de Ciências
Sociais Aplicadas da Universidade Federal Rural do
Semiárido, Campus Mossoró para obtenção do título de
Bacharela em Direito.
APROVADA EM: __/__/__
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________
Prof. Msc. Wallton Pereira de Souza Paiva – UFERSA
Presidente
____________________________________________
Prof. Msc. José Albenes Bezerra Júnior – UFERSA
Primeiro Membro
_____________________________________________
Prof. Msc. Ulisses Levy Silvério dos Reis – UFERSA
Segundo Membro
4
A quem do plano espiritual, que ultrapassa o
nosso vão entendimento, e da minha alma me
guia, protege, guarda e encoraja, à minha avó
que estará sempre presente.
Aos que me dão a certeza e renovo diário de
que estão e estarão sempre aqui, no coração,
na memória e em cada passo que eu der. Aos
que são morada, ponto de partida e de
chegada. Aos que em mim fazem morada, casa
de bons sentimentos e de um amor que não
tem fronteira física nem temporal. Aos meus
pais, à minha irmã, a quem tudo devo, ainda
que nada me cobrem além da busca insistente
pela felicidade e realização plena.
5
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, por terem investido tempo, dinheiro e dedicação na minha vida, por
acreditarem, apoiarem e guiarem cada pequeno e grande passo. Por sempre me empoderarem
ensinando a diferença entre respeito e temor, por a partir disso me encorajarem a sempre
buscar a minha melhor versão, a incessantemente buscar o conhecimento e usar a minha voz
para declarar aquilo que acredito. O exemplo de vida e valores de vocês me fazem cada vez
mais forte e certa de onde quero chegar. Obrigada por me darem voz!
À minha irmã, por ser sempre um ponto de apoio, um porto seguro, por com suas palavras em
meio a distância sempre ter me regado com tanto amor, cuidado e lealdade, por terem me
levado ainda que no campo da pura imaginação para casa em alguns momentos. Ser
alimentada e encorajada pela sua torcida e pela sua força sempre serão o melhor lembrete de
que sempre terei você ao meu lado. Obrigada por me inspirar ainda quando nem desconfia.
Aos meus tios, Maria de Jesus e Fernando, pela acolhida e todo suporte dado nesses mais de
cinco anos de convívio diário, muito provavelmente sem eles o início e conclusão desse ciclo
não teria sido possível. Obrigada pelas portas abertas, toda a minha gratidão e
reconhecimento! Aqui estendo ao meu primo Fernando Neto, que por coincidência do destino
se tornou também meu colega de sala e companheiro de faculdade. Apesar dos aperreios, a
caminhada foi bem mais divertida com você, que a nossa lealdade persista.
Aos meus tios e primos, grata por todo o incentivo, colaboração e torcida, o amor e a união
que emanam da nossa família sempre me inspiraram e assim continuarão. A força de cada um
de vocês me impulsiona e me orgulha!
À minha avó que sempre será uma lembrança de amor e força, a quem dedico todos os meus
êxitos por saber que de onde estiver se orgulha. A sua presença será para sempre real e eterna.
Ao meu avô Gerardo por há muitos anos ter plantando a sementinha do Direito em mim e,
infelizmente, não poder estar aqui presenciando o seu sonho se concretizar.
Às minhas companheiras de vida, Jade, Jéssica, Jamille, Lígia e Mariana, por darem sentido a
palavra amizade e por compartilharem comigo a essência de quem somos. A distância não foi
capaz de enfraquecer os sentimentos que nos unem, tão pouco impediu que vocês
participassem de tantos momentos importantes nos últimos anos. Obrigada pelo sempre.
Às minhas amigas, que há algum tempo considero irmãs, Carolina Rêgo e Karoline Jales, por
estarem presentes, de corpo e alma, em todos os melhores e piores momentos dessa jornada,
compartilhando conhecimentos da academia e sobre a vida, trocando experiências,
construindo memórias, transformando-se em um lar longe de casa. Com vocês a Universidade
6
se tornou um lugar para além do crescimento profissional, são, acima de tudo, prova de que
nessa estação da vida formam-se laços que levaremos por toda ela, muito mais valiosos que
qualquer título.
Aos amigos mais chegados, Rhianna, Carla, Alice, Nhayara, João Paulo, Pedro Ramon e
Lairson, o companheirismo de vocês foi fundamental em todos os momentos da rotina
acadêmica. Sou grata por essas relações terem rompido os muros da Universidade e por terem
se tornado parceiros de vida.
Aos colegas e amigos reconhecidos nos estágios na AGU e CEJUSC, em especial Evelane,
Ítalo, Joelma, Paula Roberta, Paula Jeany, Raíssa e Amanda, obrigada pela companhia na
caminhada, pelo aprendizado profissional e pessoal, por todos os bons sentimentos aflorados e
trocados.
Ao meu orientador e professor, Wallton Pereira de Souza Paiva, por toda paciência e
conhecimento compartilhados, por me auxiliar e guiar nessa árdua tarefa que é construir uma
monografia, mas na mesma intensidade muito prazerosa e recompensadora. Devo a ele a
minha paixão pelo Direito Penal e, consequentemente, o tema desse trabalho. Que a sua
docência continue a inspirar muitos outros assim como me inspirou. Obrigada pela amizade e
mentoria.
Ao atual coordenador do curso de Direito da UFERSA, José Albenes Bezerra Júnior, que
sempre quando necessário abriu as portas da sua sala para colaborar nas mais diversas
demandas por mim levadas.
A Escola Vila, nas pessoas de Fátima Limaverde, Valéria Pinheiro e Sérgio Néo, onde
comecei a me construir como cidadã, onde dei os primeiros e mais importantes passos na
construção de uma visão crítica do mundo a minha volta, nunca esquecendo que sou parte
integrante e, nessa condição, responsável por lutar por ele. Desconfio que muitas que as ideias
e raciocínios explanados no presente trabalho, bem como o sentimento que acompanha cada
palavra, tiveram lá o seu nascedouro.
Aos amigos da vida, obrigada por sempre acreditarem e torcerem tanto, eu sempre senti daqui
toda essa força, tê-los é nunca esquecer quem sou, de onde vim e para onde caminho.
Obrigada pela contribuição e amizade de cada um.
7
“A menos que modifiquemos a nossa maneira
de pensar, não seremos capazes de resolver os
problemas causados pela forma como nos
acostumamos a ver o mundo”.
(Albert Einstein)
8
RESUMO
A partir do contexto social, político e jurídico brasileiro atual e da teoria do
risco sob a ótica da pós-modernidade, o presente trabalho tem por objetivo analisar a Lei nº
12.654/2012 a partir dos princípios constitucionais, em especial o da presunção de inocência e
o nemo tenetur se detegere. Na primeira etapa, o objeto inicial é a concepção de risco através
dos conceitos estabelecidos por Ulrich Beck e Niklas Luhmann. A partir disso procura-se
relacionar estes conceitos com as manifestações populares que clamam por medidas relativas
a segurança pública e a criminalidade, analisando a influência dos veículos de comunicação
em massa diante desse cenário. Discute-se também a respeito do Princípio da Presunção de
inocência e o impacto que este sofre através do contexto da sociedade da informação e desta
como produto. Na segunda etapa, relaciona o Princípio Nemo tenetur se detegere às respostas
legislativas apresentadas com o intuito de dar respostas à população, assim como apresenta os
riscos frente ao Estado de Direito das medidas tomadas. Nesse sentido, o Garantismo Penal de
Luigi Ferrajoli informa a respeito da atuação estatal na esfera penal, os riscos que o
estabelecimento de um Estado Penal traz aos princípios tutelados na Constituição Federal. A
terceira etapa se dedica apresentar e analisar a Lei nº 12.654/2012, sob a ótica constitucional,
com ênfase nos princípios já discutidos. Expõe argumentos que o meio jurídico tem se
pautado para discutir o texto legal e a privação de alguns direitos com a edição dessa lei.
Pode-se perceber através da pesquisa e da análise desses elementos que o ordenamento
brasileiro está se encaminhando para o estabelecimento de um Estado Penal, colocando em
risco os preceitos informadores do Estado de Direito e assegurados na Constituição Federal de
1988, consequentemente, colocando em cheque o bem-estar social da população.
Palavras-Chave: Risco. Presunção de inocência. Nemo tenetur se detegere. Garantismo
Penal. Lei nº 12.654/2012.
9
SUMÁRIO
1 Introdução ............................................................................................................................ 10
2 A presunção de inocência e o combate à criminalidade sob a ótica pós-moderna ........ 13
2.1 O risco na Pós-modernidade e o Direito Penal .............................................................. 15
2.2 Presunção de inocência como direito constitucional e a insegurança da massa ......... 19
3 Limitação constitucional – o Princípio Nemo tenetur se detegere e o Garantismo Penal
.................................................................................................................................................. 25
3.1 Princípio Nemo tenetur se detegere no inquérito policial em garantia do investigado.
.................................................................................................................................................. 26
3.2 Os limites do Garantismo Penal na atuação estatal na esfera penal............................ 35
4 Lei nº 12.654/2012 como resposta legislativa ao clamor popular .................................... 40
4.1 Breve análise da Lei nº 12.654/2012 sob a perspectiva dos princípios constitucionais
.................................................................................................................................................. 41
5 Considerações finais ............................................................................................................ 49
Referências .............................................................................................................................. 52
ANEXO A – Lei Nº 12.654/2012 ............................................................................................ 56
ANEXO B – Projeto de Lei nº 93/2011 ................................................................................ 57
ANEXO C – Parecer do relator Senador Demóstenes Torres a respeoto do PLS nº
93/2011 ..................................................................................................................................... 58
ANEXO D – Parecer do Deputado Vicente Cândido a respeito do Projeto de Lei nº
2458/2011 ................................................................................................................................. 59
10
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por principal objetivo analisar a Lei nº 12.654/2012 a
partir do contexto da sociedade brasileira atual sob um forte clamor popular a respeito dos
autos índices de criminalidade, somado a sensação de insegurança gerada e a cobrança por
responsabilização penal daqueles que cometem atos ilícitos. Diante desses fatores, a
supramencionada lei apresenta-se como resposta do legislador ao cidadão que compreende ser
a adoção mais dura de medidas penais a resposta para a redução ou ao menos contenção da
criminalidade, refletindo assim na diminuição da insegurança sentida pela população.
O inquérito policial, em meio ao grande volume de crimes cometidos e a
deficiência material e humana no cumprimento de diligências, se mostra cada vez mais
precário no que tange a apresentar resultados e informações valiosas para o esclarecimento de
delitos. Frente a esse cenário, somado à pressão popular por ações estatais, o problema
concentra-se em avaliar possível vício de constitucionalidade na supramencionada Lei,
através do estudo dos direitos e princípios tutelados na Carta Maior, bem como da análise das
consequências que esse texto legal poderá trazer para a vida em sociedade. Para chegar até ela
necessário será discutir a sociedade pós-moderna, a frequente pressão popular a respeito dos
altos índices de criminalidade, e os papéis dos Poderes Legislativo e Judiciário.
Na primeira etapa abordará a concepção de risco a partir de Ulrich Beck e
Niklas Luhmann, sob a ótica da pós-modernidade, em meio ao uma sociedade que clama por
um Direito Penal cada vez mais presente e expandido, discutindo, em contrapartida o
Princípio constitucional da Presunção de inocência. O Estado, frente a pressão popular por
respostas legislativas acaba por optar por adotar medidas na esfera penal que podem gerar na
população uma ideia mais imediata de ação estatal, que o poder público está trabalhando na
área da segurança pública, porém, como discutido no decorrer do trabalho, as soluções para a
problemática da criminalidade vão mais além do que o endurecimento do Direito Penal. O
papel dos meios de comunicação será apontado como um dos fatores que impulsionam a
sensação de insegurança nos populares, proporcionando, muitas vezes, uma falsa ideia da
realidade ao vislumbrar, antes de tudo, a audiência e o consequente lucro causado pelo
sensacionalismo.
Como consequência, há um aspecto de desinformação nas informações
veiculadas, que além de não terem como compromisso principal o compartilhamento da
verdade factual, acabam criando um cenário de terror ao transmitir em massa dados e notícias
a respeito de crimes, não atentando para o esclarecimento técnico destes, criminalizando
11
indivíduos antes mesmo destes terem sentença condenatória publicada. Nesse passo, há uma
forte violação do princípio da presunção de inocência, onde aquele que tem os seus dados,
nome ou imagem, informados conquistam no imaginário popular o lugar de criminoso e
inimigo do povo.
Na segunda etapa, a análise será feita com base no Princípio Nemo tenetur se
detegere, dando destaque a sua abrangência que vai além do direito ao silêncio do acusado,
recaindo sobre a produção de provas invasivas ainda na fase de investigação policial. A partir
do Iluminismo, analisará de maneira breve a evolução histórica do princípio e de como houve
mudanças quanto a participação do indivíduo no processo penal, onde antes o mesmo era
visto como objeto e hoje como parte processual detentora de direitos que buscam limitar a
atuação estatal. O princípio tratar-se-á com enfoque no inquérito penal e de que maneira a sua
adoção trará consequências às diligências e no decurso dessa fase preliminar, afastando a
concepção de que, no uso de seu direito, o investigado poderá ser enquadrado no crime de
desobediência a autoridade policial. A falsa ideia de que o gozo deste direito contribui para o
estabelecimento da impunidade será enfrentada, demonstrando que o respeito aos direitos
fundamentais não pode ser flexibilizado ou ignorado frente ao argumento de que o interesse
da coletividade está sendo violado, quando na verdade o principal objetivo é proteger o
indivíduo de práticas abusivas advindas do poder público.
Apresentar, de maneira breve, o Garantismo Penal de Luigi Ferrajoli, buscando
demonstrar as suas premissas e o que ele nos informa e contribui para a análise do contexto
atual no Brasil e as suas consequências no ordenamento penal.
Na terceira etapa, concentrar-se-á na análise da Lei nº 12.654/2012, com ênfase
nas modificações que traz à Lei nº 12.037/2009, sob a ótica dos princípios constitucionais, em
especial o da presunção de inocência e o nemo tenetur se detegere, demonstrando e discutindo
se há violação destes e, consequentemente, da integridade física do indivíduo. Sob uma ótica
também garantista avaliar se a Lei está alinhada a ideia de um Estado de direito, limitando a
atuação estatal no Direito Penal, bem como buscando evitar abusos por parte desta,
compreendendo que a proteção do texto Constituição é vital para a construção de uma
sociedade democrática. Através da análise da justificação no Projeto de Lei nº 93/2011, que
deu origem a presente lei, observar se há realmente uma razão de ser e se possui mecanismos
suficientes para cumprir aquilo a que se propõe: diminuir a impunidade, a criminalidade e
aumentar a eficiência do inquérito policial. Discutirá os pontos e consequências desfavoráveis
que esse texto legal traz fundamentando-se naquilo que versa a Carta Magna e o que objetiva
o processo penal.
12
Para abordar a problemática deste trabalho fundamentar-se-á naquilo produzido
pelos pensadores da ciência jurídica e sociológica, bem como da legislação referente à
temática, mais especificamente a análise da Lei nº 12.654/2012, artigos científicos e obras
doutrinárias. No que concerne aos métodos utilizados para abordar o tema, ora será adotado o
método dedutivo, quanto à análise do da lei em comento, ora o de caráter empírico e
qualitativo, através de um estudo exploratório e de exame das consequências da mesma no
ordenamento jurídico.
A importância da discussão, pesquisa e reflexão sobre o tema se dá tanto para
aquele que se relaciona de maneira profissional com o Direito, para a academia, quanto para a
população de modo geral, ao a partir do contexto social-político abordar sobre uma Lei que
trará impactos sérios ao processo penal e que coloca em discussão princípios e garantias
constitucionais de máxima importância. Através do esclarecimento sobre a diferença do status
do indivíduo que é alvo de investigação policial e daquele que já possui sentença
condenatória, demonstrando que a ele, em cada fase, deve ser dado o direito ao gozo de suas
garantias tuteladas pela Constituição Federal. No mesmo passo, discutir a respeito da
flexibilização de direitos constitucionais se mostra imprescindível para que a coletividade
compreenda que preservar os seus direitos fundamentais individuais é, para além de
compreender o indivíduo como cidadão, uma luta em prol também dos direitos da
coletividade e do Estado democrático de direito.
13
2 A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E O COMBATE À CRIMINALIDADE SOB A
ÓTICA PÓS-MODERNA
As transformações vivenciadas no contexto atual, das mais diversas naturezas,
considerando aqui principalmente as mudanças políticas, sociais e tecnológicas, ocasionam a
geração de um grande volume de informações que tem por objetivo propagar os
acontecimentos como também nortear aqueles que tem acesso a elas. Diante dessa
configuração, faz-se necessária uma reflexão relativa a esse montante buscando a partir desta
o entendimento e a compreensão das raízes desses acontecimentos, de que modo refletem na
vida individual e, de maneira mais direta, na vida em coletividade. A consciência desse
panorama, através de um olhar crítico, também traz ao indivíduo a consciência de ser cidadão,
detentor de deveres e possuidor de direitos, dentre eles o de cobrar dos poderes públicos que
atuem de modo a garantir o bem-estar social. Diante dessas novas configurações não há como
o Direito se manter indiferente e inerte já que está na sua alçada auxiliar a sociedade a
conviver de maneira mais harmônica e equilibrada, legislando e se flexibilizando, sem se
sobrepor aos princípios constitucionais, direitos e garantias fundamentais, com o fito de dar
respostas e se adequar às peculiaridades e novas realidades fáticas.
Dessa maneira, faz-se imprescindível, inicialmente, contextualizar a
problemática e sob a ótica em que será abordada. Dada a pós-modernidade, em que há
sociedades cada vez mais globalizadas e conectadas, nas quais o acesso às informações
propicia ao cidadão comum a ideia de apropriação e, diante disso, como parte interessada e
integrante da sociedade em que habita. A vista disso, o indivíduo se sente apto e amparado
pelo Direito, muitas vezes no dever, aqui muito mais relacionado às questões morais, de
opinar sobre o que se passa ao seu redor, traçar críticas, cobrar ações e mudanças daquilo que,
na sua avaliação, é incorreto, imoral, injusto. Vale ressaltar, que a definição desses adjetivos,
dados os diferentes contextos culturais de acesso aos canais de informação, de expressão de
opiniões, mostra-se variável de um indivíduo para outro, ainda se levando em conta a
perspectiva factual e que lugar este cidadão ocupa na estrutura social.
Nesse contexto, as incertezas sobre os meios nos quais se tem acesso às
informações, que interesses estes representam ao veicular a notícia da maneira e linha em que
assim fazem, sobre que parâmetros e que fontes foram estabelecidos os gráficos, estatísticas e
números que divulgam, em que contexto estes se baseiam, toda essa gama de particularidades
que estão entre o informador e o espectador alimentam falsas certezas e uma falsa, ou ao
14
menos deturpada, visão da(s) realidade(s). Neste sentido, aponta Ana Paula Scudeler
Vedovello (2014, p. 85/86, grifo da autora), a partir de Jésus-Maria Silva Sánchez:
[...] a própria diversidade e complexidade social, com sua enorme pluralidade de
opções, com a existência de uma abundância informativa a que se soma a falta de
critérios para a decisão sobre o que é bom e o que é mau, sobre em que se pode e em
que não se pode confiar, constitui uma fonte de dúvidas, incertezas, ansiedade e
insegurança. A revolução das comunicações dá lugar a uma perplexidade derivada
da falta, sentida e possivelmente real – de domínio do curso dos acontecimentos. A
vivência subjetiva dos riscos é claramente superior à própria existência objetiva dos
mesmos. Expressando de outro modo, existe uma elevadíssima “sensibilidade ao
risco”.
Fica claro quanto o desenvolvimento das tecnologias ligadas à informação na
mesma medida em que propicia avanços à vida em sociedade também gera ruídos ao passo
em que a informação se transformou em mercadoria. Sob essa perspectiva, a geração de lucro
e a cadeia econômica em que se insere esta questão faz com que outros interesses, para além o
de informar, passem a influenciar na sua transmissão. Nesse passo, o sentimento gerado pelas
notícias veiculadas passa a ser vivenciado pela população em massa causando insegurança e
incerteza quanto a realidade em que vivem, quem deve se responsabilizar pelos danos
causados e quem tem a competência de buscar saná-los.
Esse grande montante de informações que circula através dos meios de
comunicação, muitas vezes, de maneira sensacionalista, objetiva, mais que a veracidade das
notícias, a audiência, que por sua vez acarreta em lucro e ganho econômicos, corroborando
com a lógica pós-moderna na qual a informação é transformada em produto. Dentre outros
efeitos, esse fato ocasiona a sustentação de uma sensação de insegurança ao relatar uma série
infindável de crimes todos os dias, na maioria das vezes com grande violência empregada. No
mesmo passo, e somado a este pânico desproporcional causado no cidadão comum, faz ecoar
uma cobrança por mudanças mais duras e intolerantes, aparentemente mais rápidas e eficazes,
na legislação penal alimentado pelo desconhecimento da grande massa frente a essa matéria.
Intolerantes na medida que desconsidera o contexto no qual o delito foi cometido, a
veracidade das informações a que tem acesso, a ampla defesa do acusado e a
proporcionalidade da pena. Eficaz, sob a ótica do senso comum, seriam as ações do Estado
que garantissem a prisão do autor do crime não permitindo a volta do seu convívio em
sociedade por um longo espaço temporal.
Diante desse contexto, evidenciado pelo acesso às informações de maneira
mais volumosa e rápida, em uma sociedade pautada por valores que tem se modificado,
amedrontada pelos altos índices de criminalidade veiculados, por instituições públicas cada
15
vez mais desacreditadas. No qual há um clamor popular que cobra ações que modifiquem o
cenário atual, no mesmo passo em que de maneira geral a grande massa não tem a
compreensão mínima do aparelho do Estado, sua competência e limites. Nesse passo, faz-se
necessário, o esclarecimento do paradigma da sociedade pós-moderna a ser adotado e os
outros que dele derivam e com ele se relacionam, de maneira direta ou indireta, com a
finalidade de tentar compreender de que modo se relaciona e interfere no ordenamento
jurídico, de maneira mais específica na esfera Penal.
2.1 O RISCO NA PÓS-MODERNIDADE E O DIREITO PENAL
A concepção de risco vem se modificando no decorrer das fases pelas quais a
sociedade passa. Ele é fruto dos valores de uma dada sociedade, do seu contexto,
principalmente, histórico, político, econômico e social e tende a acompanhar essas mudanças,
transformações, visto ser resultado da soma destas características, a ótica sob a qual uma dada
comunidade enxerga a si e o mundo a sua volta. Vedovello (2014) estabelece que a origem da
ideia de risco se deu ainda a época das antigas viagens marítimas na qual se apresentava como
risco o perigo concreto advindo da natureza, aqui não havendo estabelecida ainda uma
conexão entre a ação do homem e os fenômenos naturais. Porém, dada a problemática do
estudo em questão, faz-se necessário um recorte temporal mais próximo quanto ao conceito
de risco no decorrer da história, nesse sentido nos informa José Manuel Mendes citando
Patrick Peretti-Wattel (2015, pg. 15, grifo nosso): “A criação do conceito de risco, na sua
aceção moderna e do ponto de vista social, é reportada convencionalmente à análise dos
acidentes de trabalho no século XIX e a necessidade de atender a esse problema social”.
Ao citar François Ewald, Mendes (2015) alega que a transformação do risco
profissional em risco social ocorreu de maneira lenta, diferente do que se possa imaginar dada
a sociedade atual em que, em regra, tudo parece se transformar e se modificar de maneira
acelerada. A correlação feita, entre um dado acontecimento e os danos que o mesmo pode
causar, baseando-se nesse binômio, somente foi associada ao conceito de risco e assumida de
maneira integral na década de 1970. Nesse sentido, Ulrich Beck, segundo Mendes (2015),
visualizou o risco como um fenômeno que definia um novo tipo de modernidade,
consagrando o risco como um fenômeno característico de uma mudança social de grande
impacto, criando-se assim a concepção do que ele deu o nome de sociedade de risco.
Mendes (2015, p. 24), refletindo a respeito dos ensinamentos de Beck, assim
escreve “[...] Ulrich Beck não sucumbe ao pessimismo, e propõe-nos uma radicalização da
16
racionalização, uma radicalização baseada no papel do conhecimento científico. [...] E as
sociedades só evoluem tornando-se reflexivas”. Nesse sentido, ainda segundo Mendes (2015,
p. 24), Beck ensina que, “[...] consciência dos riscos tem que ser analisada como uma luta
entre afirmações concorrentes ou sobrepostas de racionalismo”. Logo, além de apontar uma
saída demonstrando uma forma de lidar com os riscos, demonstra que os estudos dos riscos,
suas origens, consequências e amplitudes devem levar em conta além de outros fatores,
também observar a visão das mais diversas áreas da ciência, sendo essa interdisciplinaridade
essencial.
Relacionando com o tema do presente artigo, percebe-se que a análise e
modificação das legislações penais devem atender aos princípios apontados na CF/88, visto
que todo o ordenamento jurídico deve respeitar aquilo que ela prevê, partindo dela as
diretrizes para a construção legislativa. Bem como, deve observar os princípios específicos
em que cada área do direito se baseia, atentar-se ao contexto social, político e econômico no
qual está inserido, posto que deve atender a essas necessidades e ser reflexo das mesmas,
observando da mesma forma as consequências que a edição de uma lei ou norma trará ao
ordenamento como um todo e a vida em sociedade. A legislação não deve se limitar apenas a
enxergar uma necessidade de ação estatal momentânea ou emergencial, mas sim deve ter a
capacidade de prever as consequências diretas e obter mecanismos para com elas lidar,
estabelecendo estes, quando possível ou ainda não contemplados previamente em lei, nos
novos dispositivos editados.
Günther Jakobs citado por José Carlos de Oliveira Robaldo; Vanderson
Roberto Vieira (2017), aponta que, “[...] não é possível uma sociedade sem riscos” assim
como se constata no decorrer da história da humanidade, ainda que em graus diferentes, o
risco sempre esteve presente, seja identificado na fragilidade humana frente aos eventos da
natureza, seja na relação entre o trabalho e o que esse meio pode causar em danos ao
trabalhador. Mendes (2015) informa que, na modernidade, os estudiosos, dado um contexto
no qual o otimismo imperava e havia uma convicta confiança em um futuro melhor, afastaram
o uso da palavra risco e todos os seus significados, posto que não mais se encaixava naquilo
que se vislumbrava. Com a entrada no século XX, a palavra risco retorna ao vocabulário e
desta vez com sentidos variados, refletindo aqui o desenvolvimento científico e técnico desta
época.
O risco passou na modernidade a ter uma proporção maior tendo como
exemplo o surgimento de epidemias onde a falta de higiene pessoal, como também a ausência
da percepção estatal para ações públicas voltadas nesse sentido, provocaram surtos de
17
doenças, atingindo assim toda uma cidade ou região. Ao chegar à pós-modernidade, a
dimensão do risco se alargou ainda mais, tomando dimensões regionais e até globais, na qual
também por influência da globalização, e da consequente produção em massa, dos meios de
produção e dos tipos de fonte de energia utilizados, que têm proporcionado desequilíbrios não
somente ambientais, mas sociais, ocasionando que o risco atinja para além do local em que o
mesmo originalmente teve início. Diante dessas afirmações e do contexto no qual a sociedade
hoje está inserida, um emaranhado de conexões culturais, econômicas, políticas, sociais, no
qual acontecimentos, ainda quando distantes geograficamente, refletem na comunidade
regional e/ou mundial, fica claro compreender o porquê das grandes proporções ganhas a
fatos até então atinentes há um individual, tornando, simultaneamente todo o globo reflexo e
refletor.
Nesse sentido, Niklas Luhmann trata a ideia de risco de maneira diferente de
Ulrich Beck, ainda que não de maneira completamente oposta. Mendes entende (2015, p. 27)
que, “[...] os danos são consequências de decisões tomadas voluntariamente pelos atores
sociais”, ainda que reforce a concepção de que o risco, dado o contexto social, torna-se
ingerível e incontrolável com relação ao ato que gerou o risco. Logo, considerar-se que os
riscos são resultados de ações ou pela inércia desses sujeitos, como também do Estado,
usando como mecanismo o Direito, no seu papel de gerir e atender aos anseios da sociedade,
bem como dar condições básicas para que ela se desenvolva e busque o equilíbrio social.
Nessa perspectiva, relacionando a ideia da sociedade de risco e o Direito Penal,
segundo Vedovello (2014, p. 84): “A sociologia criminal deve ir adiante de uma problemática
teórica, indo além das teses positivistas e problematizar a questão fática da ordem social”. A
necessidade de problematizar não significa apontar problema em todos os fatores ou tornar
todos os atores sociais culpados, mas sim enxergar a problemática, de uma maneira ampla de
modo a ver a suas diversas faces e, automaticamente, buscando respostas que vão além do
direito já positivado. Dessa maneira, Mendes (2015) informa a relação que Luhmann
estabelece entre o ato, o ator e o risco causado parece mais adequada ao estudo em questão,
posto que a participação da sociedade na construção de alterações ou edições legislativas, bem
como a responsabilidade do Estado sobre estas como representante do povo, estão entre os
objetos aqui analisados.
Como um dos resultados de todo esse processo pós-moderno, está a necessária
adaptação do Direito Penal, que ao se deparar com novas realidades necessita também dar
diferentes respostas, devendo se atualizar e, dentro da sua competência, abarcar as novas
lógicas da vida em sociedade. Porém, observando questões para além da esfera efetivamente
18
jurídica. Acerca dessa perspectiva vale refletir, a partir da ideia de Vedovello (2014, p. 84,
grifo da autora):
Nesse contexto, é sabido ademais que as conquistas tecnológicas e políticas das
últimas décadas influenciaram um novo modo de vida das pessoas. Vivemos uma
configuração de sociedade tecnológica, com índole extremamente competitiva,
defrontada com situações limite, optou por deixar na marginalidade grande parte de
pessoas que de uma forma ou de outra demonstram que não se encaixam a esse
padrão de convívio. Essas pessoas são encaradas com potencialidade de riscos
sociais e econômicos, ou melhor, patrimoniais, o que justifica, em grande parte, a
sua denominação de “sociedade de risco”.
Aqui, percebe-se que sobre o indivíduo acaba recaindo o reflexo das mudanças
na sociedade pós-moderna e dentro de toda a sua competitividade, desequilíbrio social, de
oportunidades e acesso às garantias fundamentais, aquele que não é assistido pelas políticas
públicas se torna um problema social. Nesse passo, esse cidadão se transforma em perigo aos
olhos de grande parte da população ao associar que a sua condição social, frágil, torna-o mais
vulnerável a transgredir as normas estabelecidas. Como maneira de defesa, o clamor popular
passa a ser, de maneira mais concentrada, de endurecimento da penalização desses
transgressores do que efetivamente da prestação de serviços e respeito aos direitos
fundamentais por parte do poder público.
O desprestígio do Estado e, consequentemente, de suas instituições, alimenta a
descrença do cidadão para com o seu papel, frente a uma ausência de serviços básicos
prestados, ausência de representatividade política, leis que legislam a respeito de uma
realidade não mais atual, acarretando que haja, Vedovello (2014, p. 88), “[...] o sentimento de
que o Estado não consegue êxito no desenvolvimento de um modelo mínimo de políticas
públicas fundamentais”. Em contrapartida, o Poder Legislativo, e em alguns momentos o
Executivo, a quem compete a atualização e edição de leis e normas, parece ignorar que o
simples fato de agravar as penas associadas a atos delituosos não é solução suficiente para os
problemas apontados. Luís Roberto Barroso (2014, p. 307), nesse sentido, informa-nos que,
“[...] consuma-se a desconstrução do Estado tradicional, duramente questionado na sua
capacidade de agente do progresso e da justiça social”. Observamos aqui um resumo de como
se visualiza os poderes estatais e como o seu desvio de finalidade, posto que não atendem de
maneira satisfatória aos interesses da coletividade, além de não acompanhar as
transformações da vida em sociedade, os enfraqueceu.
O reflexo no Direito Penal se caracteriza pela tentativa de expansão daquilo
que, originalmente, não está sob a sua alçada sendo assim cobrado do mesmo ações e
19
resultados que não lhe competem. A urgência na tomada de decisões frente acarreta sérios
danos ao ordenamento jurídico penal, assim como observa Edilson Mougenot Bonfim citado
em Vedovello (2014, p. 90) que, “[...] levados pela urgência pelo ineditismo das novas
situações, não encontram outra resposta que não seja a conjuntural (‘reação emocional
legislativa’), que tende a ser de natureza ‘penal, dependendo dos benefícios eleitorais que
possa alcançar”. Dessa forma, é necessária uma análise principiológica na ótica do Direito
Penal, principalmente, nesse momento, da presunção de inocência, bem como os limites que
deve observar ao atender ao clamor popular que pede ações efetivas na esfera legislativa e o
estrito cumprimento das leis.
2.2 PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA COMO DIRETO CONSTITUCIONAL E A
INSEGURANÇA DA MASSA
A dimensão cada vez maior dos riscos não somente conecta a sociedade diante
das suas consequências, como torna os problemas enfrentados pelo Poder Público cada vez
mais relacionados com questões que devem ir além da esfera dos interesses políticos, que
devem se fundamentar no social e nas garantias básicas e fundamentais a serem prestadas ao
cidadão. As discrepâncias sociais, de condições de vida, de acesso a serviços básicos e à
informação, são agravantes que influenciam diretamente sob qual ótica o indivíduo enxergará
aquilo que acontece ao seu redor. Dessa forma, a opinião, muitas vezes fruto do senso
comum, utiliza-se a palavra opinião por compreender que a utilização da nomenclatura
conhecimento seria equivocada, posto que o primeiro se baseia, muitas vezes, naquilo
transmitido pelo veículo de comunicação. Essa percepção não toma como fonte informadora
entendimento da raiz dos problemas, nem de seus “porquês”, tornando-se viciada, resultando
na busca de soluções aparentemente efetivas, mais rápidas, mas que na verdade se mostram
atentados a direitos e princípios basilares, em especial o princípio da presunção de inocência
ou não culpabilidade previsto na Constituição Federal vigente.
O artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988),
prevê que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória”, logo se compreende, a partir dessa máxima, que a liberdade é a regra devendo
ser defendida por todos os meios de prova e procedimentos processuais previstos em lei,
sendo a condenação à privação da mesma decorrente da ausência total de dúvidas, por parte
da autoridade judicial responsável, da culpabilidade do acusado. Conforme nos informa
Nelson Nery Junior ao citar Stübel (2016, p. 338), “[...] a formulação moderna do princípio da
20
não culpabilidade foi engendrada pela doutrina alemã do século XIX” e consiste em, citando
aqui Claus Roxin (NERY JUNIOR, 2016, p. 338), “[...] princípio fundamental do Estado de
Direito”. Apesar de possuir exceções, como os motivos legais que fundamentam as prisões
provisória e preventiva, a privação de liberdade somente, em geral, deverá ser devidamente
provada pelo acusador a quem recai o ônus da prova, cabendo a este o convencimento quanto
à culpa do réu.
A observância desse princípio é da competência de todos aqueles que integram
o processo penal, devendo ser respeitado pelo legislador ao propor a edição de uma nova lei,
pelo advogado ao atuar no processo e, principalmente pelo Juiz ao conduzi-lo e ao receber as
peças, provas e argumentos apresentados pelas partes da lide. Partindo disso, Napoleão Nunes
Maia Filho (2012, p. 20) reflete a respeito da aparente urgência em condenar e privar a
liberdade do investigado ainda mesmo antes do devido processo legal: “parece que há uma
ânsia de todos em imputar ilícitos, em acusar as pessoas e prendê-las imediatamente, tão logo
se inicie a investigação, sem maiores preocupações em justificar a prisão, e muito menos
ainda a submissão da pessoa aos vexames do processo-crime”. Aqui fica claro que uma
generalização paira sobre o período de investigação, quando ainda não estão sendo colhidas
provas, mas apenas informações que poderão instruir uma posterior ação penal. Por sua vez,
essa generalização resulta na crença na culpa do acusado ainda no decorrer do processo penal,
ignorando que somente a partir desse estágio o réu terá direito de exercer o contraditório.
Maia Filho (2012, p. 21), diante desse cenário aponta que “[...] o grande
problema da presunção de inocência está mesmo é na cabeça dos Juízes, porque eles – nem
todos, é verdade – eles simplesmente não acreditam na presunção de inocência”. O autor
retrocitado, assim conclui partindo do ponto de vista de que a denúncia criminal é a peça mais
importante do processo penal visto que a partir dela se desenrola a lide, logo o recebimento de
uma denúncia que não esteja composta por indícios seguros, que aproximem o julgador da
verdade quanto ao acontecimento do fato, as suas condições e autoria, injustifica a submissão
de um indivíduo “[...] aos vexames e estrépitos de uma ação penal” (MAIA FILHO, 2012, p.
31). Dessa forma, “[...] a denúncia criminal não se contenha com possibilidades, mas exige
plausibilidades”, devidamente instruída de maneira razoável, indicando minuciosamente o
crime imputado, informando quanto ao tempo, lugar e modo que fora pratica (MAIA FILHO,
2012, p.33).
O cidadão comum não costuma compreender a máxima do princípio em
debate, não consegue estabelecer uma diferença entre investigado, acusado e culpado,
entendendo que a partir do momento em que um indivíduo passa a ser investigado já basta
21
para ser apontado como culpado de ato ilícito. A partir do estudo do processo penal fica claro
que há muito mais a ser considerado que apenas o simples fato de ser submetido a uma
investigação. A sociedade como um todo reflete na construção de seus conceitos as
características da pós-modernidade, dessa forma não poderia ser diferente quando o assunto é
criminalidade, segurança e Direito Penal, sendo, inclusive, a associação direta e superficial
feita entre esses três componentes fruto da deturpação e incompreensão de conceitos. Nesse
ínterim, analisa Vedovello (2014, p. 91, grifos nossos):
As principais premissas de uma era globalizada – sociedade moderna, pós-industrial,
novas demandas diante de novas vítimas, globalização econômica, sociedade de
risco, criminalidade de massa, aumento da sensação social de insegurança,
desprestígio das instituições – acabam por gerar uma busca desmedida por medidas
legislativas, o que denuncia o desprezo pelo sistema racional, condição essa que
deveria guiar toda evolução do Direito Penal.
Conduzido pela sensação de insegurança, alimentada pela violência, crimes e
estatísticas noticiadas pelos veículos de comunicação, o indivíduo se reconhece impotente de
maneira individual, ou até mesmo coletivamente organizado, de agir de maneira a se defender
ou mudar o quadro de violência noticiado, responsabilizando o Estado, por entender ser de
sua competência, e o único capaz de dar fim ao problema. É importante esclarecer que as
informações compartilhadas pelos meios não são, na sua totalidade, fantasiosas ou irreais,
muitos menos retira a grande parcela de culpa do poder público, porém, a maneira com que
são veiculadas e expostas, o fato de comporem boa parte dos noticiários, sejam da mídia
escrita ou televisionada, transmitem a sensação que de estes são os únicos ou principais
assuntos do momento. O clamor por “justiça”, aqui considerando a privação de liberdade
como único tipo de pena viável e eficaz para que a justiça seja feita, segundo o senso comum,
leva em conta também os aspectos morais comuns à sociedade, o apego a propriedade
privada, a relativização do direito à vida e as condições sub-humanas do sistema carcerário.
Diante desse cenário, ocasionado pela ineficiência dos setores públicos,
negligência e carência de políticas públicas, a solução vislumbrada recai automaticamente
sobre a legislação penal, o apelo pelo endurecimento de suas penas e a condenação de um
número maior de condutas, ampliando a sua alçada e entendendo ser de sua competência a
garantia da segurança e ordem pública. Porém, o Direito Penal se trata da última ratio, não
tem como objetivo solucionar os problemas da segurança pública e sim, quando houver o
cometimento de ato ilícito, penalizar aquela ação, aquele fato e não frente a condenação de
um delito instalar a paz e sensação de plena segurança onde anteriormente reinava o contrário.
22
O poder deste Direito é o de coerção puramente do ator do delito, que muitas vezes é
resultado de um Estado ausente que não garantiu direitos e serviços básicos, como acesso à
educação e saúde de qualidade, oportunidades de emprego.
A prevenção do risco, aqui compreendido como a criminalidade, cabe tão
somente aos poderes públicos, de maneira alguma à legislação penal, que é consequência e
alternativa para os casos onde a ordem pública é quebrada, quando um indivíduo comete ato
que está em desacordo com aquilo que a lei permite, considerada conduta penalmente
condenável. A legalidade é uma forma pela qual o Estado se manifesta a fim de regular essas
condutas, essas novas demandas, de maneira que as leis sejam reflexo das necessidades do
contexto em que se inserem e que devem ser cumpridas por todos os envolvidos de maneira
igual sob pena de quebra da ordem e devida penalização. Mister frisar que deve observar os
parâmetros constitucionais, logo não pode se manifestar de qualquer modo. Essa legalidade
deve ser exercida compreendendo, conforme Joseph Raz citado em Vedovello (2014, p. 84)
que, “[...] um sistema legal é uma intricada rede de leis interconexas, cuja estrutura deve-se
analisar para se chegar à definição de uma lei”, desse modo a lei deve observar as conexões
sociais que lhe cercam e atender aos princípios que regem o ordenamento jurídico brasileiro.
Vedovello (2014, p. 88), ao refletir a respeito do contexto da sociedade pós-
moderna alerta:
A consequente irracionalidade dessa situação, já nesse estudo citada, é uma afronta a
postulados e dogmas político-criminais de um Direito Penal Iluminista, clássico, tais
como a intervenção mínima, subsidiariedade, fragmentariedade e os princípios
fundamentais de um Estado Democrático de Direito, correlato a um Direito Penal do
cidadão, como, a saber, legalidade e dignidade da pessoa humana.
A reflexão deixa claro que as respostas dos poderes estatais ao clamor popular
devem se basear não apenas na urgência por resultados, muito menos na imediaticidade, mas
sim em fundamentos racionais, em estudos a cerca das ações a serem realizadas, das soluções
que apresentarão mais resultados positivos que consequências negativas. É necessário um
balanceamento nas decisões tomadas, para que sejam respeitadas a proporcionalidade e a
legalidade, porém sendo ponderados os demais princípios que informam o Estado
Democrático de Direito, cujo o papel estatal é de proteção ao cidadão a garantir a dignidade
humana e não, de maneira estrita, tornar-se inimigo do indivíduo ao ver no Estado apenas
aquele que pune, que se apropria apenas da sua competência de penalizá-lo. Para isso é
necessário que a cada poder seja dada a responsabilidade sobre aquilo que verdadeiramente é
de sua competência, destacando-se aqui a do Poder Legislativo de legislar de forma a atender
não somente os anseios populares, mas sim de maneira a garantir a proteção aos direitos e
23
garantias fundamentais, a preponderância dos princípios constitucionais e a privação de
liberdade como última alternativa. Neste mesmo passo cabe ao Poder Judiciário garantir o
cumprimento das leis e normas, bem como levar em consideração as peculiaridades do caso
prático, garantindo o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal, de maneira a
garantir a liberdade do indivíduo caso a sua privação não se mostre devida, em observância
aos comandos da matriz constitucional.
José Cirino dos Santos ao citar Peter-Alexis Albrecht (2014, p. 459), sintetiza o
que a busca por encontrar na ampliação do Direito Penal a solução para as problemáticas aqui
levantadas na realidade acarreta: “A legitimação do Direito Penal pela criação de símbolos no
imaginário popular é simbólica, porque a penalização das situações problemáticas não
significa solução social do problema, mas solução penal para satisfação retorica da opinião
pública”. O enfoque dado na esfera penal denuncia um Estado pouco preocupado com a raiz
dos problemas sociais, quando ao invés de falar e investir em políticas públicas relacionadas a
educação, saúde, ocupação dos espaços públicos por parte da população, oportunidades de
emprego, prefere investir no que podemos chamar de “política pública para a privação de
liberdade”. Parece mais conveniente encarcerar o cidadão quando ele se torna fruto de uma
sociedade desigual, aprisionando-o para afastar do convívio desta mesma sociedade, que
garantir, no que lhe cabe, uma vida digna à população e evitar atos ilícitos.
Por fim, Santos (2014, p. 459) alerta quanto ao custo do discurso de
endurecimento legal, entoado e ecoado no atual momento da sociedade, “[...] o discurso
eficientista da prevenção geral positiva permite justificar a redução ou exclusão de garantias
constitucionais de liberdade, de igualdade, de presunção de inocência e outras garantias do
processo penal civilizado”. Ao menor sinal de descumprimento de preceitos constitucionais é
necessário que se repense qualquer que seja a estratégia, visto que ignorar estes é o mesmo
que ignorar o próprio Estado de Direito sendo isto inadmissível posto que todos os direitos a
ele inerentes, destacando-se aqui a garantia da liberdade, da dignidade humana, da presunção
de inocência não podem ser relativizadas ao alto custo. A sensação de insegurança gerada na
população, pelos motivos reiteradamente explanados, não pode justificar a quebra do Estado
de Direito e a criminalização em massa.
Vale ressaltar aqui, o destaque dado ao Princípio da Presunção de inocência e,
a partir daqui, ao Princípio Nemo tenetur se detegere, que prevê o direito do indivíduo de não
produzir prova contra si mesmo e os reflexos deste especialmente no processo penal. Em
comum ambos os princípios se relacionam diretamente com o devido processo legal, assim
como tratam-se de direitos fundamentais de primeira geração que buscam limitar o poder
24
estatal, requerendo deste uma ação negativa, um não-fazer, tendo como corolário a garantia da
liberdade do indivíduo. Objetiva ainda atender ao contraditório e a ampla defesa, dentro,
porém, dos limites que acarretam as garantias fundamentais individuais, não pretendendo a
qualquer custo a comprovação da inocência do investigado, mas sim a utilização dos
mecanismos de acusação e defesa conforme prevê o ordenamento.
25
3 LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL – O PRINCÍPIO NEMO TENETUR SE
DETEGERE E O GARANTISMO PENAL
Faz-se necessário nesse momento destacar o que seria um princípio, ainda que
sem a pretensão de esgotar tamanho conceito, para que se estabeleça o que se quer dizer e
invocar ao utilizar essa nomenclatura. Nery Junior, ao transcrever Robert Alexy (2016, p.37),
informa: “Os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida
possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes”. Logo, servem de norte ao
Estado e à sociedade ao analisar o caso concreto, não sendo as leis já postas sua única fonte de
interpretação e aplicação frente ao fato. Com relação a utilização desses em casos
classificados como difíceis, o autor supramencionado cita Lênio Luiz Streck (2016, p.40),
“[...] tem o condão exatamente de evitar a discricionariedade/arbitrariedade judicial”. Dessa
forma, os princípios também se mostram como limitadores do julgador que fará a leitura do
fato, do delito, do crime, sendo a utilização deles de extrema importância para a resolução de
cada caso de acordo com as suas particularidades e contexto.
Conforme é de conhecimento quase geral, no que tange ao menos ao meio
jurídico, a Carta Magna funciona como um manual a ser observado por todos os cidadãos, e
em especial na tarefa de legislar a ser exercida pelo Estado, servindo como guia e limitador
deste poder, bem como dando diretrizes a serem respeitadas no decorrer de todo o processo
legislativo e por todo o ordenamento jurídico. Dessa forma, são traçados nas mesmas
princípios que buscam garantir principalmente ao cidadão a segurança de que àqueles que
exercem poder disporão deste de maneira razoável, proporcional, com ênfase no interesse
público buscando preservar e atender à dignidade da pessoa humana, primordialmente. De
acordo com o anteriormente exposto, buscam evitar os excessos estatais no uso de suas
prerrogativas.
Em contrapartida, ressalta-se que dentre os direitos e garantias fundamentais
levantados não há nenhum de caráter absoluto, não havendo hierarquia entre eles, logo há de
ser feita uma ponderação no caso de conflito entre ambos, como é comum no caso daqueles
atingem as garantias individuais e as coletivas. Nesse ínterim, destacaremos nesse momento o
Princípio Nemo tenetur se detegere como um limitador constitucional e mais um a ser
observando durante todo o decorrer do processo penal, em especial no que tange a fase
investigatório no inquérito policial e seus reflexos na condução desta.
Busca, a partir do contexto da pós-modernidade, clareado no capítulo inicial,
demonstrar as consequências negativas da possível lesão dos princípios constitucionais em
26
razão de atualização da legislação penal que se mostre, acima de tudo, mais dura quanto às
penas culminadas e menos razoável no que se refere àqueles. Nesse sentido, refletir a cerca da
responsabilidade do poder público em não se deixar influenciar por questões circunstanciais e
muitas vezes vistas de maneira urgente, sem o devido zelo e interdisciplinaridade,
privilegiando muitas vezes o imediatismo em detrimento da segurança jurídica e primariedade
pela liberdade.
A partir das conexões estabelecidas, abordar o Garantismo Penal, em especial
sob a ótica de Luigi Ferrajoli (2014), com o intuito de desmistificar a ideia de que se procura a
qualquer custo a vitimização daquele submetido a uma investigação criminal ou posto no
banco dos réus, porém demonstra a devida importância de tais limitações e direitos como
proteção a todo e qualquer cidadão, ponderando para além do frágil binômio sensação de
insegurança versus impunidade legal.
3.1 PRINCÍPIO NEMO TENETUR SE DETEGERE NO INQUÉRITO POLICIAL EM
GARANTIA DO INVESTIGADO
Ainda que o conhecimento de seus primeiros traços e registros sejam
anteriores, a consagração do Princípio Nemo tenetur se detegere vem no período do
Iluminismo, assim informa Calçado (2014), época em que a construção e o reconhecimento
das garantias penais e processuais penais, ainda hoje negligenciadas e mal interpretadas,
assegurando ao interrogado o direito de se resguardar, reflexo da mudança de concepção do
acusado, onde passa de objeto de prova a sujeito detentor de direitos. Há, já nesse período,
uma superação da ideia de que o silêncio do investigado recairia em confissão de culpa sobre
a acusação que paira sobre o indivíduo, sendo oportunizada a sua escolha de omitir-se diante
de um interrogatório ou depoimento. Porém, como esperado, dado o caráter moral e político
que envolve o tema em questão, a concepção do princípio não ocorreu de maneira pacífica e
uníssona, assim como hoje ainda se visualiza uma certa dificuldade de compreensão e prática
deste não somente na seara jurídica, como também no que se refere ao cidadão comum.
Conforme Calçado (2014), a evolução desse preceito gerou uma série de outras
implicações no que hoje chamamos de processo penal, no qual a defesa por meio de advogado
foi oportunizada, sem o significado que esta tem atualmente, acarretando posteriormente no
direito do advogado em sua atuação dirigir-se diretamente aos jurados, valorizando-se assim o
papel da defesa e o direito do réu em apresentar contraditório. Fazendo um recorte temporal e
regional, na América, dando destaque a Declaração de Direitos da Virgínia de 1776, nos
27
Estados Unidos, encontra-se previsão legal ao Princípio do Devido processo legal, o direito
do réu de produzir provas que o favoreçam, que ao final do processo o seu julgamento seja
realizado por um julgador imparcial, bem como a proteção ao seu silêncio garantindo que não
seja obrigado a produzir prova contra si mesmo. Ao analisar esses fatos históricos, fica
perceptível o quanto os direitos do réu, aquele que se encontra em posição desvantajosa no
processo, foram lentamente construídos, sempre enfrentando certas barreiras para serem
estabelecidos e reconhecidos, havendo, ainda que maneira silenciosa, uma sombra de
culpabilidade que acompanha o indivíduo. Destaca-se que o princípio, no seio estadunidense
de sua elaboração ficava restrito ao interrogatório, a formas orais de expressão, não
abrangendo provas que tenham o seu corpo como objeto.
No Brasil, o primeiro registro anotado pela doutrina, conforme informa Paulo
Mário Canabarro Trois Neto ao ser citado por Calçado (2014, p.14), remete a “[...] 1514, com
as Ordenações Manuelinas, o Brasil já detinha o direito ao silêncio em favor do acusado, em
seu Livro III, Título XL: ‘no feito crime não é a parte obrigada a depor aos artigos que contra
ela forem dados’”. Porém, apesar da previsão, na prática o princípio não era respeitado, visto
que o réu, no caso de negativa, era submetido a torturas, como também penalizado em
pecúnia, com o objetivo de fazê-lo falar, confessar, situação esta que foi proibida na
Constituição de 1824, na qual a tortura foi extirpada do ordenamento jurídico, sob influência
do liberalismo inglês. Na Constituição de 1891, época em que a competência de legislar sobre
a matéria não era da União, mas sim dos estados membros, era garantida à defesa a utilização
de todos os meios que dispusesse, inclusive o direito ao silêncio por parte do interrogado, não
se fazendo necessário o juramento em que se compromete a dizer toda a verdade. Segundo
Calçado (2014), somente em 1941 com a edição do Código de Processo Penal, ainda vigente,
essa matéria foi uniformizada. A incorporação do nemo tenetur se detegere veio com a sua
menção na Constituição Federal de 1988 que o elencou no rol de direitos e garantias
fundamentais postos no artigo 5º, traduzindo-se em uma das suas modalidades de aplicação.
Há aqui uma ampliação do preceito que não apenas prevê o silêncio como uma alternativa a
sua escolha, mas também a assistência de advogado e da família, conforme inciso LXIII do
mesmo dispositivo (BRASIL, 1988).
Brunna Laporte Cazabonnet e Chiavelli Facenda Falavigno (2013), informam
que o Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, conforme instituiu o
Decreto nº 678/1992, prevê expressamente o direito a não autoincriminação, e pelo fato de
dispor sobre matéria de direitos humanos não poderá ser editada lei no país que vá de
28
encontro ao que o Pacto dispõe. Prevê o seu artigo 8, 2, g (DECRETO Nº 678/1992, PACTO
DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA em anexo, BRASIL, 1992):
Toda pessoa acusada de um delito a que se presuma sua inocência, enquanto não for
legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em
plena igualdade, às seguintes garantias:
g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada;
e.
Percebe-se que no decorrer da história há uma evolução no que remete ao
corpo do indivíduo, a sua relação com a prova e a investigação criminal. Inicialmente era
visto apenas como um objeto de prova, sobre o qual a busca por informações seria realizada
da maneira que melhor fosse para a sua coleta, não se levantando a legitimidade do ser sobre
o próprio corpo e o seu direito de escolha sobre os limites do seu uso. Porém, o conceito se
modificou onde o indivíduo não é mais visto apenas como um corpo, um objeto, mas sim um
ser detentor de direitos e dentre eles o de dispor sobre a sua colaboração em procedimentos
criminais e até que ponto o seu corpo poderá ser utilizado. A respeito desse novo tratamento
resume Bianca Tossi Schneider (2016, p.15) que, “[...] tratando o acusado com respeito e
dignidade, considerando que este deixa de ser um mero objeto do processo, assumindo a
posição de legítima parte da ação penal”.
Em tradução literal, nemo tenetur se detegere significa que ninguém é
obrigado a se revelar. A partir disto, percebe-se que, com o fulcro de proteger aquele que
estará em posição mais frágil na relação processual, o investigado ou acusado, o legislador
atribui a liberalidade do mesmo permanecer em silêncio e de maneira não colaborativo
naquilo que poderá revelar a sua culpa no fato delituoso. Não é demais destacar que sobre este
indivíduo recaem sérias consequências pessoais e sociais, dado o caráter criminalizador que
ser parte de um processo penal automaticamente fazem recair sobre aquele que está sob
suspeita, ainda que não haja elementos suficientes que o condenem, muito menos sentença.
Dessa forma, tem por objetivo, conforme anota Renato Brasileiro de Lima ao citar Maria
Elizabeth Queijo (2017, p.69):
[...] proteger o indivíduo contra excessos cometidos pelo Estado, na persecução penal,
incluindo-se nele o resguardo contra violências físicas e morais, empregadas para
compelir o indivíduo a cooperar na investigação e apuração de delito, bem como
contra métodos proibitivos de interrogatório, sugestões e dissimulações.
29
Na linha dos direitos fundamentais de primeira geração, como o é, baseia-se
em ações negativas por parte do poder estatal, buscando limitar seus poderes e impedir que o
exercício de um direito por parte do cidadão não acarrete em abuso e excessos por parte do
Estado, dada a sua escolha em não colaborar naquilo que leve-o a incriminar-se.
Contextualizando, a Constituição Federal, em resposta a um período anterior de completo
desrespeito as garantias fundamentais e de repressão àqueles que persistiam em cobrar e lutar
pelo pleno exercício destes, procura estabelecer limites na atuação do poder público,
permitindo a utilização plena dos mecanismos de defesa e sobre aquilo que apenas ao
indivíduo cabe decidir e usufruir.
Conforme leciona a Carta Magna, em seu artigo 5º, inciso LXIII: “o preso será
informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a
assistência da família e de advogado”. A partir de uma interpretação estritamente formal e
literal do texto do dispositivo, subtrai-se apenas que o preso deverá ser comunicado, dentre
outros direitos, de que poderá se manter calado, não havendo qualquer indicação de
penalização frente ao seu silêncio ou não colaboração em responder aquilo que for indagado.
A esta previsão chama-se o direito ao silêncio, que é apenas uma das impressões deste
princípio dentro do ordenamento jurídico brasileiro, contudo não se faz cabível sua
interpretação restritiva. A órbita de proteção que esse preceito abrange vai além, tanto quanto
ao sujeito deste, quanto sobre que procedimento na esfera processual penal recai. Nessa linha,
defende Lima (2017, p.70, grifos nossos):
A doutrina mais aceita, contudo, é a de que o dispositivo constitucional em destaque
se presta para proteger não apenas quem está preso, como também aquele que está
solto, assim como qualquer pessoa a quem seja imputada a prática de um ilícito
criminal. Pouco importa se o cidadão é suspeito, indiciado, acusado ou
condenado, e se está preso ou em liberdade. Ele não pode ser obrigado a confessar
o crime.
Qualquer indivíduo que figure como objeto de procedimentos investigatórios
policiais ou que ostente, em juízo penal, a condição jurídica de imputado, tem,
dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito
de não produzir prova contra si mesmo.
Logo, trata-se de um direito do indivíduo, de quem quer que seja este, que
necessitar ser tutelado por esse direito, não havendo razoabilidade em limitar o seu exercício
àqueles que se encontrar presos ou que já se encontram na fase da ação penal como parte ré. A
finalidade não é proteger aquele já privado de liberdade, mas sim evitar que todo o qualquer
cidadão tenha a sua privação por meio de prova produzida por si contra ele mesmo. O
conhecimento disto é necessário para que se compreenda que apesar de sua previsão
30
constitucional e o dispositivo não explicitar legalmente quais os limites e dimensões do
princípio, ele vai muito além do direito ao silêncio por parte do réu, resguardando-o no
momento da colheita de elementos informativos e da produção de provas que requerem a
participação positiva do mesmo. Nesse ínterim, expõe Calçado ao mencionar Trois Neto
(2014, p.18): “Nem a literalidade, nem a maior ou menor clareza vocabular do dispositivo
transcrito autorizam uma concepção restritiva do tipo normativo do direito a não contribuir
para a própria condenação”. Para tanto também não importa o tipo de processo ou
procedimento ao qual o indivíduo é submetido, a garantia alcança inclusive as Comissões
Parlamentares de Inquérito (LIMA, 2017).
O fato de ser dado ao acusado o direito ao silêncio, de não cooperar, não
poderá acarretar na violação da sua cidadania, privando-o dos demais meios e mecanismos de
que dispõe e aos quais tem direito no decurso do processo penal, pois, no contrário, o
indivíduo estaria sendo punido pelo simples fato de usufruir de um direito a ele resguardado.
Nessa linha, também não há o que relacionar o silêncio à culpabilidade ou confissão de culpa,
visto não importar o silêncio em ônus ao acusado, quanto mais prova de sua culpabilidade. O
indivíduo não pode sofrer, sob o discurso do interesse coletivo, lesão aos seus direitos
fundamentais, posto que o contrário disso também é lesar o interesse coletivo.
É inconteste que, diante do cenário atual e de tamanho clamor popular à
inibição de cometimento de crimes e ferrenha responsabilização penal, falar a respeito dos
garantias do investigado ou acusado soa como discurso na contramão da realidade. Porém, é
mister informar e esclarecer que essas garantias abrangem todo e qualquer cidadão que venha,
ainda que ocasionalmente, envolver-se em alguma investigação criminal ou ação, tendo como
maior objetivo o esclarecimento de dado fato a partir do respeito aos direitos de ambas as
partes envolvidas defenderem-se através dos meios de provas que possam produzir. Aqui não
há privação de produção de prova, mas sim possibilitar que aquelas que se basearem em uma
declaração condenatória, ou prova que beire a confissão comprovada da autoria, possam não
contar com a ação do réu. Logo, há uma limitação quanto a participação ativa do investigado,
consequentemente na produção de provas contra si, que poderá escolher de que maneira se
comportará durante a persecução penal, nesse sentido aponta Lima (2017.p.73):
[...] se mostra inadequado acreditar que o direito de permanecer calado somente
confere à pessoa a garantia de que ela não pode ser obrigada a falar. O que o
constituinte diz, quando ele assegura o direito de permanecer calado, é que a pessoa
não pode ser obrigada a se incriminar ou, em outras palavras, que ela não pode ser
obrigada a produzir prova contra si. Aliás, essa última forma de revelar o conteúdo
31
do preceito constitucional soa mais feliz, uma vez que consegue tornar mais clara a
mensagem do constituinte.
A finalidade não está em resguardar a mentira ou total negativa, omissão do
indivíduo, nem de preservar a todo custo a sua liberdade, mas sim a de oportuniza-lo traçar a
sua própria linha de defesa de modo a não se incriminar a partir de declarações, provas,
adquiridas a partir da autorização do investigado quando puder optar pelo silêncio ou negação
em colaborar. Esse direito deve acompanha-lo por todas as fases que prevê o Código de
Processo Penal, quando ainda na condição de investigado, até a efetiva produção de provas ao
longo do processo criminal, não podendo ser enquadrado tal comportamento como desacato
ou desobediência à autoridade policial ou judicial. Do mesmo modo não há com a defesa do
seu exercício a automática defesa de possibilitar que a sua conduta passiva resulte em
cometimento de outros delitos.
Não há a pretensão na presente pesquisa de propor ou expor o Princípio Nemo
tenetur se detegere como absoluto, ao ponto de transformá-lo em um verdadeiro entrave na
investigação criminal, muito menos tornar o interesse público prevalente frente às garantias
fundamentais individuais. Porém, há uma latente necessidade de ponderação dentre esses
interesses, de modo a não permitir o uso, de maneira abusiva, do poder estatal, tornando o
indivíduo investigado objeto manejado de forma indiscriminada durante a colheita das
informações. Assim, com o objetivo de preservar o inquérito policial e buscar cada vez mais
mecanismos que o efetive, não se faz razoável, dentro do Estado Democrático de Direito em
questão, obrigar o indivíduo a incriminar-se de maneira tão inequívoca, a ponto de não caber
prova para convencimento do contrário.
Dado o objeto do trabalho, a concentração e conexões feitas entre os princípios
abordados, o contexto social, serão diretamente estabelecidas com a fase do inquérito policial,
posto que a Lei nº 12.654/12, a ser devidamente analisada, recairá imediatamente sobre este.
O inquérito policial, conforme conceitua Lima (2017, p.105), trata-se de:
Procedimento administrativo inquisitório e preparatório, presidido pela autoridade
policial, o inquérito policial consiste em um conjunto de diligências realizadas pela
polícia investigativa objetivando a identificação das fontes de prova e a colheita de
elementos de informação quanto à autoria e materialidade da infração penal, a fim
de possibilitar que o titular da ação penal possa ingressar em juízo.
Não tem por finalidade a sanção ou necessária interposição posterior de ação
penal, objetivando esclarecer as informações a cerca de fato delituoso sobre o qual a
autoridade policial teve conhecimento por meio de noticia crime. Conforme Lima (2017), tem
32
dupla função, a de garantir que a instauração de um processo criminal não esteja baseada em
fatos infundados, a ponto de colocar em risco a liberdade do indivíduo sem que haja qualquer
indício de culpabilidade; e a de preparar os elementos de informação que, eventualmente,
podem se perder no tempo, quando presentes, para o ingresso em juízo de ação. Nessa fase
ainda não há partes, não há acusado, não há lide de fato para que se faça uso, por exemplo, da
ampla defesa e do contraditório, que somente será garantido as partes em momento posterior
quando em sede de processo.
É um instrumento do qual se utiliza o Estado com o intuito de investigar,
esclarecer informações básicas quanto ao crime, não podendo recair nesse momento qualquer
que seja a penalização sobre aquele que está sob suspeita, não há criminalização ou
responsabilização, tratam-se de procedimentos prévios. Cabe ressaltar algumas características
desse procedimento, quais sejam: escrito; dispensável posto que nem toda ação penal deve ser
antecedida por este; sigiloso com o fulcro de preservar as informações coletadas e os
indivíduos envolvidos; inquisitório onde não há a presença do contraditório e da ampla
defesa; temporário. Por fim, tem caráter discricionário, pois não há um rigor quanto a como
funcionarão as investigações, nem em que ordem serão realizadas, partindo esses
encaminhamentos da autoridade policial.
Diante do exposto, é necessário estabelecer a diferença entre os elementos
informativos e as provas, destacando desde então que os primeiros são colhidos em sede de
inquérito policial e os últimos no decorrer da ação penal. Os elementos informativos são
colhidos sem que haja a necessidade da participação das partes e “[...] tais elementos
informativos são de vital importância para a persecução penal, pois, além de auxiliar na
formação da opinio delicti do órgão da acusação, podem subsidiar a decretação de medidas
cautelares pelo magistrado” (LIMA, 2017, p.107). No que tange as provas versa Schneider
(2016, p.21):
A expressão ‘prova’ só seria utilizada para mencionar os elementos de convicção
produzidos, em regra, no curso do processo judicial, observando o contraditório e a
ampla defesa, de modo que o contraditório judicial se torna condição de existência e
validade das provas.
Essa diferença é de importante absorção, posto que desconstrói a utilização
equivocada da nomenclatura prova ao fazer referências às informações colhidas no decurso do
inquérito policial, onde não há, como foi destacado, o contraditório e a ampla defesa, logo
sendo questões passíveis de questionamento e “contraprova”. Destaca-se ainda, que em sede
de investigação, as informações colhidas não têm apenas caráter subsidiária, buscando
33
esclarecer as dúvidas sobre possível delito e que ao depender dos resultados poderá ensejar
futura ação penal. Esse caráter subsidiário aqui levantado se relaciona com o contencioso
judicial, fase em que provas serão produzidas em juízo e a partir dela deve ser extraído aquilo
que fundamentará a acusação, a defesa e a decisão do juiz.
Partindo do pressuposto que o processo penal tem por objetivo encontrar a
“verdade”, ou melhor dizendo encontrar a clareza indiscutível dos fatos, sobre o ato ilícito,
sua autoria, de que forma foi realizado, necessário se faz dar o mesmo grau de importância a
todas as fases da esfera processual, do inquérito à execução da pena a ser cumprida por réu
comprovadamente culpado. Dessa forma, salienta-se a importância da decorrência lícita e
alinhada aos princípios e normas constitucionais, consequentemente a serem observadas na
esfera penal, do inquérito policial que, caso contrário, poderá acarretar uma ação penal
descabida no seu ensejo. Nesse ínterim, partindo da lógica de fatos derivados de outros, uma
frágil investigação criminal anterior poderá acarretar um processo falho no qual o resultado
poderá ser a condenação de réu que ainda no início dos procedimentos teve as suas garantias
fundamentais violadas, culminando na pior delas, a privação de liberdade.
Dentre as provas há a classificação a respeito de que modo são colhidas no
corpo do indivíduo, de que modo a intervenção no corpo do indivíduo ocorre, dividindo-se em
não invasivas e invasivas. As não invasivas, com o nome revela, tratam-se daquelas que são
produzidas sem que haja penetração no corpo físico do réu, implicando em intervenção
corporal, porém não de maneira invasiva, como são exemplos, conforme dispõe Renata
Jardim Fraga ao citar Queijo (2010, p.4), “[...] os exames de DNA realizados a partir de fios
de cabelo e pelos, os exames de matérias fecais; as identificações dactiloscópica, de
impressões dos pés, unhas e palmar, bem como as radiografias”. Fraga (2010) aponta que, no
contrário, as provas invasivas são aquelas produzidas mediante intervenção corporal no
indivíduo por meio de penetração no organismo humano, seja por instrumentos ou
substâncias, das quais são exemplos os exames de sangue, o exame ginecológico, a
identificação dentária, a endoscopia.
Previamente, em momento anterior a coleta de provas, é direito do investigado
e dever da autoridade que realizará tal que seja feita a comunicação do direito daquele de não
colaborar com a produção naquilo que diretamente possa comprometê-lo criminalmente.
Assim, alerta Lima (2017, p.77):
Havendo o consentimento do sujeito passivo da medida, após prévia advertência do
direito de não produzir prova contra si mesmo, a intervenção corporal poderá ser
realizada normalmente, seja a prova invasiva ou não invasiva. A Carta Magna não
34
estabeleceu a reserva de jurisdição para a determinação das intervenções corporais.
Logo, não há necessidade de prévia autorização judicial para a realização dessas
medidas, as quais podem ser determinadas inclusive pela autoridade policial.
Aqui a desnecessidade de autorização judicial não poderá resultar em casos de
constrangimento por parte da autoridade policial afim de que o investigado se submeta a
qualquer tipo de intervenção, sendo a anuência necessária para a realização, sendo esta
autorização desencadeadora da intervenção quando necessária. A liberdade probatória
prevista no Código de Processo Penal, mais precisamente em ser artigo 155, parágrafo único,
reverbera a mesma intenção que há em não haver necessidade da autorização mencionada
anteriormente, porém as liberdades devem estar sempre no mesmo passo que os princípios
constitucionais e suas garantias.
Devido ao objeto da presente pesquisa, faz-se necessário um certo enfoque no
que diz respeito as provas invasivas, posto que o banco de dados genéticos criado pela Lei nº
12.654/12 importará na produção cada vez mais constante desse tipo de prova. A respeito
delas informa Lima (2017, p.78):
[...] em se tratando de prova invasiva ou que exija um comportamento ativo, não é
possível a produção forçada da prova contra a vontade do agente. Porém, se essa
mesma prova tiver sido produzida, voluntária ou involuntariamente pelo acusado,
nada impede que tais elementos sejam apreendidos pela autoridade policial. Em
outras palavras, quando se trata de material descartado pela pessoa investigada, é
impertinente invocar o princípio do nemo tenetur se detegere.
Sobre este tipo de prova recaem os mesmos limites tragos pelo nemo tenetur se
detegere, contudo a utilização de provas descartadas parece ser uma lacuna deixada pelo
legislador. Nesse passo, o prejuízo a ser proporcionado por tal situação poderá oportunizar
uma tentativa de burlar aquilo previsto em lei ainda que não a desrespeitando diretamente,
posto que não haveria na colheita desse tipo de prova, necessariamente, a ilegal obrigação,
constrangimento, coação, do indivíduo para a sua produção. De toda forma, mostra-se como
uma alternativa de buscar resultados mais seguros no curso da persecução penal.
Diante do exposto, vale destacar uma reflexão traga por Gracimeri Vieira
Soeiro de Castro Gaviorno ao citar Fauzi Hassan Choukr (2006, p.128): “Quando o Estado se
nega a reconhecer no investigado o ‘outro’ da relação persecutória, antes de proteger a
cidadania da matriz acusatória, protege a si mesmo, fomentando a falecida estrutura
inquisitiva e o autoritarismo que a sustenta”. Nesse passo, é mister que não haja nenhum tipo
de flexibilização ou espaço que propicie o desrespeito aos preceitos fundamentais, sob o risco
de atentar contra a dignidade da pessoa humana e todos os demais direitos básicos dos quais o
35
cidadão é titular, em defesa deste diretamente, mas também de toda a coletividade que terá
segurança jurídica nas decisões a serem tomadas pelo Estado. Da mesma forma, tratando o
investigado na sua condição de participante de um procedimento investigatório, não como
alguém que possui sentença condenatória ou réu de uma ação penal, o poder público estará
demonstrando aos populares a grande diferença que há entre as duas condições e que em
ambas o indivíduo terá todas as suas garantias atendidas. Daí o perigo de uma lei com
aparente lacuna, ou que a sua interpretação ou não proibição escrita de tal conduta possa abrir
margem para adoção de práticas legais, porém não necessariamente em concordância
principiológica.
3.2 OS LIMITES DO GARANTISMO PENAL NA ATUAÇÃO ESTATAL NA ESFERA
PENAL
Conforme já devidamente apontado, o legislador, de maneira geral, com
urgência em corresponder as expectativas populares no quesito criminalidade e
responsabilização penal, acaba por violar os preceitos constitucionais, ignorando garantias
básicas que devem ser atendidas em todas as áreas do ordenamento jurídico brasileiro. Além
disso, não costuma dar respostas efetivas, no que se refere a resultar em diminuição aparente
da criminalidade e punição de todo e qualquer cidadão que inflija a lei. Os princípios devem
ser vistos pelo Poder Legislativo como um guia no qual estão presentes as finalidades a que
uma norma deve se propor, buscando a eles estar alinhada, bem como sob que premissas deve
se basear, que bens deve tutelar.
O recorte teórico realizado com base na obra “Direito e Razão – Teoria do
Garantismo Penal” (2014), de Luigi Ferrajoli, justifica-se por ser esta a principal obra sobre o
tema e na qual bebem quase que obrigatoriamente todos aqueles que pesquisam, pensam e
escrevem sobre o assunto, ainda que não em concordância plena com os seus termos, mas
sempre a utilizando como parâmetro para abordagem ao menos como ponto de partida. Assim
como propõe, também, a presente pesquisa, o supramencionado jurista entende que a
liberdade é e deve ser o centro das sociedades democráticas, no qual a sua privação é a
exceção, não a regra ou objetivo, há uma finalidade, um fundamento na pena, não o caráter de
vingança. Há aqui a necessidade da racionalização do Direito Penal, não o seu afastamento, o
Garantismo não se propõe a isso, mas dar a este o lugar e a proporção que lhe é devida, que
seja um mecanismo racionalizado, pensado, estudado, debatido, não apenas posto e imposto à
sociedade. Nesse ínterim, concentra-se nas ações estatais negativas, em limitar o seu poder de
punição, não se fundamentando ou buscando discutir as ações positivas do Estado.
36
Os dez axiomas apontados por Ferrajoli, nos quais o mesmo transformou em
princípios, tanto servem de parâmetros para a construção de sociedades garantistas, Estados
de Direito, quanto identificam aquelas sociedades que já alcançaram esse patamar. Do mesmo
modo, aquelas que assim não os refletem demonstram haver abuso estatal e/ou
extrapolamento dos limites da sua atuação na esfera penal. Deles derivam os princípios,
garantias penais e processuais, que caracterizam o Garantismo Penal, como assim expõe
Ferrajoli (2014, p.91):
[...] 1) princípio da retributividade ou da consequencialidade da pena em relação ao
delito; 2) princípio da legalidade, no sentido lato ou no sentido estrito; 3) princípio
da necessidade ou da economia do direito penal; 4) princípio da lesividade ou da
ofensividade do evento; 5) princípio da materialidade ou da exterioridade da ação;
6) princípio da culpabilidade ou da responsabilidade pessoal; 7) princípio da
jurisdicionariedade, também no sentido lato ou no sentido estrito; 8) princípio
acusatório ou da separação entre juiz e acusação; 9) princípio do ônus da prova ou
da verificação; 10) princípio do contraditório ou da defesa, ou da falseabilidade.
Tais princípios são herança do pensamento jusnaturalista dos séculos XVII e
XVIII na busca de limitar o poder penal para que o mesmo não se tornasse absoluto e
posteriormente incorporados nos textos constitucionais dos modernos Estados de direito.
Ferrajoli (2014) também os nomeia como modelo de responsabilidade penal, dado o caráter
de dever do Estado para com os seus cidadãos, sendo ele responsável por orquestrar e
mensurar o ordenamento penal. Percebe-se, ao tomar conhecimento dos axiomas, que o
ordenamento jurídico brasileiro, ao menos no quesito teórico-legal, está em consonância com
algumas dessas características, porém não é exagero ressaltar que há uma distância entre
aquilo que prevê o texto legal e o que é vivenciado e aplicado na prática.
Ferrajoli atribui três significados diferentes ao Garantismo, o primeiro indica
um modelo normativo de direito, “[...] dotado de meio de invalidação de cada exercício do
poder em contraste com normas superiores postas para a tutela de direitos fundamentais”
(2014, p.811). O segundo trata-se de uma teoria jurídica da validade e da efetividade, em que
o autor resume como, “[...] uma aproximação teórica que mantém separados o ‘ser’ e o ‘dever
ser’ no direito” (2014, p.786) e esta aproximação propõe a análise de uma “[...] questão
teórica central, a divergência existente nos ordenamentos complexos entre modelos
normativos (tendentemente garantistas) e práticas operacionais (tendentemente
antigarantistas)” (2014, p.786). Aqui, demonstra a diferença que muitas vezes há entre o
discurso e a prática, ainda mais enraigado na complexidade de alguns ordenamentos, expondo
aqui uma crítica a estes no sentido de que não há razão de ser em um conjunto de leis que
37
apenas prevê, mas não concretiza as suas garantias, determinações, normas, regras, onde não
há prática não há direito efetivado e efetivo, há apenas fumaça de um e isso por si só não
basta.
Ao terceiro e último significado, o jurista aponta tratar-se de uma filosofia
política que, “[...] permite a crítica e a perda da legitimação desde o exterior das instituições
jurídicas positivas, baseadas na rígida separação entre direito e moral, ou entre validade e
justiça” (FERRAJOLI, 2014, p.812). Nesse ínterim, há uma busca pela diferenciação entre
conceitos e consequente demonstração que a ocorrência de um não indica necessariamente a
existência do outro, ao passo em que o distanciamento desses pares, que deveriam caminhar
lado a lado, se mostra como entrave ao estabelecimento de um Estado garantista.
Dito isso, não há o que se falar em Garantismo estabelecendo princípios e
diretrizes apenas na esfera virtual, ou apenas na perspectiva individual e ignorar a
responsabilidade estatal para com a coletividade, posto que não há, ou não deve haver a
defesa de um em detrimento do outro, caso contrário haverá clara e alarmante contradição.
Aqui mora um dos, se não o maior problema na interpretação e aplicação do Garantismo no
ordenamento jurídico, o direito individual sendo encarado fora de uma visão coletiva, como se
ao garantir um automaticamente o outro fosse negado ou privado. Nesse sentido, alerta
Guilherme Madeira Dezem (2016, p.58):
É preciso que seja superada esta visão extremada e apaixonada do direito de se olhar
o fenômeno jurídico unicamente por um ângulo. O fenômeno jurídico lida, acima de
tudo, com pessoas que merecem do operador visão mais ampla de mundo do que a
míope lente de apenas um dos vetores. Só assim o Direito conseguirá cumprir
efetivamente sua função de resolução dos conflitos e de distribuição de justiça.
O mesmo Estado que tem o dever para com os seus membros de garantir os
seus direitos fundamentais também possui o poder-dever de puni-lo quando transgredir norma
jurídica, porém dentro dos mesmos limites constitucionais. Esses limites devem ser
observados tanto no processo legislativo quanto na operacionalidade e utilização desses
dispositivos, postos que são um conjunto para que aquilo que está em consonância com a
Carta Magna se faça presente no dia a dia dos cidadãos, bem como do Judiciário ao aplicar a
lei. A construção de um Estado garantista é possível somente a partir da colaboração dos
Poderes que o compõe para que as suas práticas reflitam os seus princípios e não apenas
sejam vistas como práticas que destoam do que propõe a lei maior deste.
A defesa do cumprimento das garantias penais e processuais em nada se filia
com um discurso em prol da impunidade, não há semelhança alguma e o que faz crer no
38
contrário baseia-se na falta de conhecimento ou, no mínimo, superficialidade sobre o assunto.
Propiciar que leis sejam cumpridas e que no seu processo legislativo seja observado aquilo
que prima a Constituição Federal e endossar os valores de uma sociedade democrática, que
visualiza de maneira igualitária os seus componentes e entende que a todos eles devem ser
adotadas as mesmas medidas, que se sujeitem às mesmas penas e procedimentos quando do
cometimento de mesmo ato delituoso. Nesse sentido, alerta Fernando da Silva Albuquerque e
Ana Cláudia Bastos de Pinho (2017):
É frequente a ideia de que a teoria garantista corresponde a um apelo à impunidade.
Desde o ponto de vista lógico, é no mínimo, contraditório que uma tese legitimadora
do direito penal e que, portanto, compreende a punição a partir de alguma finalidade,
signifique, ao mesmo tempo a defesa da impunidade.
Em que pese tal afirmação decorrer muito mais de discursos político-criminais de
baixíssima densidade teórica, é necessário esclarecer que a formulação de critérios
de vinculação e de controle do sistema penal na tentativa de dotá-lo de uma melhor
racionalidade não significa impunidade, exatamente porque sequer se está a tratar de
um modelo teórico que afaste o direito penal, enquanto mecanismo legitimado de
intervenção, mesmo no interior dos Estados Constitucionais.
É de suma observância que para a interpretação do caso prático e da lei nunca
desconsiderar a intencionalidade posta pelo legislador, que princípios norteiam a práxis, que
limites devem ser impreterivelmente observados para garantir um julgamento igualitário no
que tange aos mecanismos oportunizados para utilização, bem como pena proporcional ao que
dita o ordenamento e o delito praticado. O Garantismo, ao que parece, procura, como um
lembrete, reforçar aquilo que muitas vezes já preveem os dispositivos legais, mas que
encontra dificuldades e desvios ao serem aplicados. Há na verdade uma exigência de
consonância entre aquilo que aquela sociedade democrática diz ou objetiva ser e aquilo que
ela demonstra ser, já que não existe razão lógica em leis vazias de utilização prática e
desligadas dos princípios que regem uma sociedade.
Dezem ao citar Alberto Silva Franco (2016, p.56), refletindo a respeito do
Garantismo de Ferrajoli sobre a atuação do juiz traz:
“[...] a interpretação judicial da lei é também sempre um juízo sobre a própria lei,
relativamente à qual o juiz tem o dever e a responsabilidade de escolher somente os
significados válidos, ou seja, compatíveis com as normas constitucionais
substanciais e com os direitos fundamentais por elas estabelecidos”.
Aqui, o autor supracitado destaca o grande papel que a autoridade julgadora
possui na construção dessa sociedade garantista, posto que cabe a ela a sua aplicação a partir
daquilo que obteve de provas e convencimento durante o processo penal, tornando-se assim
39
capaz de estabelecer um juízo. A maneira como o realiza e sobre que parâmetros a estabelece
devem estar sempre alicerçados naquilo que as normas constitucionais preveem. Esta
observância não deve ser diferente da pretendida no ato de investigar por parte do Estado,
“quando noticiada a ocorrência de um crime, há o dever legal do Estado de investigar este
crime e efetivar inquérito eficaz com processo que, respeitadas as garantias constitucionais,
assegure a punição do responsável pelo crime” (DEZEM, 2016, p. 57). O autor supracitado
discute que a aplicação da legislação, bem como sua interpretação, devem observar a máxima
eficácia com o máximo garantismo, compreendendo que não há controvérsia ou contradição
nesse binômio, mas sim a necessidade do cumprimento da lei aliado a garantia dos direitos
constitucionais.
Dessa forma, fica clara a necessidade inconteste de toda a estrutura do meio
jurídico observar a lei quanto posta, mas também dos legisladores ao editar novas leis, nunca
desconsiderando a Carta Maior sobre a qual devem partir as intenções e interpretações dos
dispositivos legais. Nela devem beber todos, sejam integrantes do poder público, sejam os
cidadãos, esses últimos, dada a falta de conhecimento da grande maioria com relação ao
ordenamento pátrio, devem ter naqueles que os representam, guardiões de seus direitos e
garantias fundamentais. É nesse sentido que passa a tratar a análise da Lei nº 12.654/12 que
prevê, dentre outras disposições, a criação de um banco de dados genéticos a partir das
informações daqueles que forem condenados, discutindo-a a partir de uma perspectiva
constitucional e garantista.
40
4 LEI Nº 12.654/2012 COMO RESPOSTA LEGISLATIVA AO CLAMOR POPULAR
A legalidade é uma forma pela qual o Estado se manifesta a fim de regular as
condutas, de maneira que as leis sejam reflexo das necessidades do contexto em que se
inserem e que devem ser cumpridas por todos os envolvidos de maneira igual sob pena de
quebra da ordem e devida penalização (VEDOVELLO, 2014). Importante frisar que deve se
observar os parâmetros constitucionais, logo não pode se manifestar de qualquer modo, o
exercício da legalidade não pode, por si só, justificar toda e qualquer edição legal por parte do
poder público, posto que a justificação deve encontrar na realidade daquela sociedade a sua
razão de ser. Vedovello, ao citar Enrico Pessina, aponta que, “[...] não existe contra Direito,
pois um ato querido, consentido ou imposto pelo Direito, não poderia ser contrário a esse
mesmo Direito: não poderia ser a negação do Direito” (2014, p.81).
Neste sentido, não poderá o Direito Penal estar desconectado com os
pressupostos constitucionais, sendo estes os parâmetros a serem utilizados e fundamento de
toda e qualquer espécie de legislação sobre matéria penal. Nesse passo, ao citar Alf Rossi,
refletindo a respeito dos ensinamentos de Luhmann, a autora supracitada coloca que o
ordenamento jurídico é “um corpo integrado de regras que determina as condições sob as
quais a força física será exercida contra uma pessoa”. Contextualizando, seria a força do
Estado, ou a força das restrições a direitos. Agindo contrário ao ordenamento haveria um
“enfraquecimento da cidadania” (2014, p.83).
A ineficiência da elucidação de crimes, sejam no curso do inquérito policial,
seja com a total falta de investigação de alguns casos, não justifica, por si só, a necessidade da
criação de um banco de dados, posto que há muitas outras razões que ocasionam essa
situação. A falta de estrutura dada à autoridade policial para a prática da investigação e
diligências, o número reduzido de material humano para poder realizar essas ações e
consequentemente esclarecer um maior número de crimes. Há ainda o viés político-social,
dado que os agentes que compõe o fato delituoso geralmente não interessam socialmente,
logo, além de consequentemente não haver clamor e pressão popular ou por serem menores,
não é dada a devida importância e cuidado. O mesmo também acontece quando há a suspeita
de envolvimento de que o indivíduo autor do fato delituoso tem prestígio político ou social,
podendo este com receio de sua honra ser atingida e denegrida usar essa característica para
livrar-se de investigação policial e eventual responsabilização penal. É necessária a
elucidação desses fatos para que a justificação da ineficiência não seja analisada como um
41
problema apenas de mecanismos ou da falta deles no decurso do inquérito policial, pois há
muitos outros fatores que propiciam essa realidade.
4.1 BREVE ANÁLISE DA LEI Nº 12.654/2012 SOB A PERSPECTIVA DOS
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
De antemão, faz-se necessária a diferenciação da identificação criminal e
qualificação do investigado no processo penal. Em resumo, Lima define que “[...] diz respeito
à identificação datiloscópica, fotográfica e genética” (2017, p.143), caso este tratado pela Lei
nº 12.654, que busca, a partir da identificação genética, a formação de um banco de dados
com esse material. A qualificação do investigado se trata de uma identificação menos precisa,
compreendendo “[...] sua individualização, através da obtenção de dados como nome
completo, naturalidade, filiação, nacionalidade, estado civil, domicílio, etc” (LIMA, 2017,
p.143), como se pode perceber está mais sujeita a falhas, visto a possível incidência de
homônimos, bem como do indivíduo poder repassar informações equivocadas ao seu respeito,
podendo fundamenta-las até em documentos falsos, tudo com o intuito de dificultar o trabalho
da autoridade policial. Quanto à pessoa que será responsável por estes procedimentos, pode-se
perceber que para a realização do primeiro necessário se faz um conhecimento técnico, logo
será necessário que um profissional o realize, diferentemente da qualificação do investigado
(LIMA, 2017).
A Lei nº 12.654/2012 é fruto do Projeto de Lei, PLS 93/2011, apresentado pelo
Senador Ciro Nogueira, apresentado em 17 de março de 2011. Foi defendida sob a
justificativa, conforme consta no texto do projeto, o reforço de um processo já existente no
Brasil que objetiva a criação de um banco de perfis de DNA, que o senador diz ocorrer já de
forma tardia, com o fulcro de auxiliar às investigações de crimes violentos contra a pessoa ou
hediondos. Indica que esse banco será alimentado pelas perícias estaduais através de dados
colhidos por meio de informações genéticas encontradas no local do crime, vai além e
defende também a criação de um banco de dados genéticos de indivíduos já condenados,
alegando que traria uma maior otimização na investigação criminal. Nogueira (2011),
argumenta o fato do DNA poder ser extraído de uma série de fluidos e tecidos humanos e
apontado como um ponto importante para dar ainda mais utilidade a adoção desse tipo de
investigação, ressaltando que tal prática já está presente em outros países do globo e trazem
real efetividade ao que se propõem, levanta ainda a respeito da facilidade de manejar esse
material. Por fim, julga ser uma medida necessária e urgente, tanto para demonstração de
42
culpabilidade dos indivíduos, bem como para afastar a mesma elucidando o fato investigado,
assim como a sua autoria.
Em resumo, o projeto apresentado tem por objetivo alterações tanto na lei de
investigação criminal, Lei nº 12.037/2009, quanto na Lei de Execução Penal, nº 7.210/1984 e
possuía cinco artigos. Encaminhado para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania na
mesma casa, o relator, então Senador Demóstenes Torres, diz não haver vícios de
constitucionalidade, sendo a União competente para legislar a respeito dessa matéria,
classificada como assunto científico. Na mesma linha do autor do projeto, o relator, Torres
(2011), defende e demonstra a importância que a utilização do DNA ganhou na investigação
criminal, apontando inclusive o sistema estadunidense como exemplo. Aponta-o como um
mecanismo à combater a impunidade e promover a justiça, trazendo dados quanto aos altos
índices de criminalidade no Brasil. Por fim, propõe a alteração da redação do projeto,
prevendo a identificação genética apenas nos casos de crime cometido com violência de
natureza grave contra pessoa, vota pela sua aprovação e apresenta o texto do PLS com a
devida emenda.
Com o texto devidamente aprovado no Senado Federal, inclusive a
modificação proposta pelo relator, o projeto seguiu para a Câmara do Deputados para, em
caso de aprovação, ser enviada para ser sancionada ou vetada pelo Chefe do Executivo
Federal. Na Câmara, agora sob o nº 2.458/2011, a proposta tramitou em regime de urgência e
teve como seu relator o Deputado Vicente Cândido que, em resumo, destacou não ter
visualizado nenhum tipo de vício de constitucionalidade, juridicidade ou de técnica
legislativa, consubstanciando o seu entendimento e voto favorável a aprovação da lei através
da citação de especialistas em matéria criminal. Posteriormente, foi encaminhado, foram
apresentados parecer tanto da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, quanto da
Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da presente casa, ambos
favoráveis. Desta forma, ao ser aprovada em votação na Câmara o projeto seguiu para a
Presidente para sanção, sendo assim realizada.
Faz-se necessária, ainda que de maneira breve, a disposição da tramitação do
então projeto de lei até a sua sanção, ganhando assim caráter de lei, para desde logo observar
sobre que argumentos se pautou a aprovação do texto legal, assim como de que maneira os
agentes legislativos avaliaram os aspectos técnicos e constitucionais envolvidos. Como se
pôde perceber, não houve sequer em algum momento, argumento ou parecer, o levantamento
de uma suposta quebra com os preceitos constitucionais, sendo a lei considerada como uma
medida necessária as deficiências e problemas encontrados na investigação penal, diante dos
43
altos índices de criminalidade. Há um interesse e crença claros por parte do legislador de que
o endurecimento da legislação penal é a melhor resposta para lhe dar com o cometimento de
tantos crimes e, na proporção inversa, uma precária e infrutífera persecução penal no que
tange a coleta de informações suficientes para elucidar os principais aspectos do caso. Como
veremos mais a frente, o custo é alto e equivale a restrição e retirada de direitos fundamentais
constitucionais.
Diante do contexto discutido no decorrer deste trabalho, será dada atenção
especial aos artigos 1º e 2º da lei apresentada, dado o fato de que os mesmos alteram a Lei nº
12.037/2009 que trata a respeito da investigação penal, um dos pontos centrais da pesquisa. O
artigo 1º adiciona ao artigo 5º desta lei um parágrafo único e passa a conter o seguinte texto:
“Na hipótese do inciso IV do art. 3º, a identificação criminal poderá incluir coleta de material
biológico para a obtenção do perfil genético” (BRASIL, 2012). O mencionado artigo 3º prevê
as hipóteses em que a identificação através da apresentação de documentos por parte do
investigado não será suficiente, podendo acarretar uma identificação criminal. A hipótese
destacada no artigo que altera a lei ocasionará esse tipo de identificação quando for
demonstrada a sua essencialidade para o decurso das investigações policiais, autorizada
mediante despacho da autoridade judiciária que poderá decidir de ofício ou diante de
representação policial, do Ministério Público ou da defesa (BRASIL, 2012). Logo, o artigo 1º
tem por objetivo de estabelecer uma identificação criminal por meio da coleta de material
biológico para a obtenção do perfil genético do investigado caso a apresentação de
documentos não satisfaça a qualificação do indivíduo.
A respeito desse critério estabelecido, Juliana Leonara Martinelli Giongo
comenta: “Quanto ao critério que define as hipóteses em que a identificação genética será
empregada, qual seja, a essencialidade às investigações conforme autorização judicial
fundamentada, tem-se que este é um critério subjetivo” (2016, p.380). A lei trata essa questão
de uma maneira completamente subjetiva, não indicando que características, ainda que não de
maneira a instituir um rol taxativo de possibilidades em que podem ocorrer essa identificação,
sobrando o risco de o poder estatal possa se dar de maneira abusiva e/ou irrazoável. Assim
como foi abordado anteriormente, principalmente ao citar Maia (2012), os juízes hoje têm
traçado uma cultura de criminalização, não de inocência e preservação da liberdade, logo no
meio a toda subjetividade traga pelo texto legal não é exagero temer que tal decisão possa
estar embasada por razões que se fazem necessárias para autorizar a extração de material
genético. Explanando a cerda do assunto, Celso Ricardo Martins, coloca que uma das “[...]
alterações promovidas na lei 12.037/09, foi instituída a possibilidade de se identificar
44
criminalmente um indivíduo por meio genético, na hipótese de essencialidade à investigação
criminal” (2013, p.35/36). A essencialidade trata-se de um conceito subjetivo, não havendo na
lei o esclarecimento e determinação de quais seriam as situações nas quais esse tipo de
identificação criminal se justificasse.
Giongo, ao citar Aury Lopes Jr, revela que “o fornecimento do material
biológico poderá ser voluntário ou coercitivo, mas sempre observado o emprego de técnica
adequada e indolor” (2016, p.381). Não é difícil perceber que há aqui uma quebra direta com
aquilo que resguarda o Princípio Nemo tenetur se detegere ao desrespeitar a vontade do
indivíduo em colaborar com a coleta desse material, posto que ao mesmo é dado o direito de
não somente escolher de que maneira se portará frente a essa situação como também que a sua
decisão, a sua escolha deva ser respeitada pela autoridade responsável. Não há o que se falar
em coleta compulsória ou coercitiva, já que ao negar-se o investigado não estará
descumprindo aquilo previsto constitucionalmente, somente gozando de direito garantido por
lei. O fato de ser uma extração compulsória por si só basta para configurar desrespeito aos
princípios constitucionais, pois o fato de ser utilizado método indolor apenas atenua visto que
não haverá lesão ao corpo do indivíduo, porém não afasta o rompimento com a constituição.
O artigo 2º da Lei nº 12.654/2012 adiciona à Lei nº 12.037/2009 os artigos 5º-
A, 7º-A e 7º-B, ambos tratando a respeito do banco de dados de perfis genéticos a ser criado.
Ao instituir o artigo 5º-A o legislador determina onde estes dados genéticos colhidos do
investigado serão guardados, no mencionado banco de dados e que a sua administração ficará
a cargo de uma unidade oficial de perícia criminal. Seguindo a análise do texto legal, no §1º
deste dispositivo prevê que não haverá no banco informações genéticas que digam respeito a
fatores somáticos ou comportamentais das pessoas, sendo seguidas as normas da Constituição
Federal, assim como as normas internacionais que tratam sobre direitos humanos, genoma e
dados genéticos (BRASIL, 2012). Em seguida, é ressaltado o caráter sigiloso do banco de
dados ao qual somente poderão ter acesso aqueles autorizados pela lei ou decisão judicial,
caso contrário haverá responsabilização civil, penal e administrativa do qual será alvo aquele
que não estiver agindo de acordo com a previsão legal. Ao final, ainda relativo ao artigo 5º-A,
o legislador destaca que as informações obtidas a partir dos cruzamentos dos dados desse
banco e aqueles colhidos com o intuito de comparação em sede de investigação serão
realizadas por perito oficial habilitado.
O artigo 7º-A, adicionado à lei de investigação criminal, assevera que a
exclusão desses registros do banco de dados somente será em prazo igual ao estabelecido
legalmente para a prescrição do delito. Quanto a esse momento do descarte do material
45
coletado, é discutível o fato da lei prever apenas o prazo igual ao de prescrição que a lei prevê
para cada crime, posto que há situações em que não há apresentação de denúncia ao fim do
inquérito policial. Nesse sentido Lopes Jr, mencionado pelo autor supramencionado,
argumenta que (2016, p.381):
No caso de não oferecimento da denúncia, ou sua rejeição, ou absolvição, é
facultado ao indiciado ou ao réu, após o arquivamento definitivo do inquérito, ou
trânsito em julgado da sentença, requerer a retirada da identificação fotográfica do
inquérito ou processo, desde que apresente provas de sua identificação civil.
Não há razão para manter esses dados em poder do Estado já o seu único
intuito e finalidade, segundo a própria lei, é colaborar com a persecução penal, a fim buscar
resultados mais confiantes no que tange a sua veracidade, bem como em um lapso temporal
menor para que se corra menos riscos de que as informações a serem colhidas se percam no
tempo e no espaço. Por fim, ainda retorna à oitiva e importância da vontade do indivíduo, que
entendendo por certo e em interesse próprio poderá requerer o descarte possa assim o fazer.
Tanto na doutrina como entre pesquisadores, juízes e componentes do universo
jurídico, não há um entendimento, uma opinião uníssona a respeito da lei objeto do presente
trabalho, dado que as suas alterações, ainda que possam parecer apenas criar um banco de
dados, um novo procedimento e mecanismo de investigação, na verdade abre um debate a
respeito dos princípios constitucionais e como o ordenamento jurídico pátrio tem lhe dado
com eles. Frente a uma realidade que amedronta a sociedade como um todo, seja a realidade
sensacionalista veiculada pelas meios de comunicação, seja aquela vivenciada diariamente
pelo cidadão, o pedido de medidas eficazes se torna pulsante e unânime, enquanto na
perspectiva de quem tem a competência legal de usar da máquina pública para assim
responder o maior e principal alvo se mostra ser o alargamento do Direito Penal. Nesse
sentido, reflete Natália de Andrade Magalhães ao citar Sánchez (2014, p.40, grifos nossos):
[...] A visão do Direito Penal como único instrumento eficaz de pedagoga político-
social, como mecanismo de socialização, de civilização, supõe uma expansão ad da
outrora ultima ratio. Mas, principalmente, porque tal expansão é em boa parte inútil,
à medida que transfere ao Direito Penal um fardo que ele não pode carregar.
Aqui fica claro que a utilização do Direito Penal como única forma de
resolução e apaziguamento da alta criminalidade com a qual convive a sociedade brasileira é
colocar sobre os ombros de quem não tem competência para tanto esperanças de mudança de
toda uma população.
46
Martins, ao expor o posicionamento de André Luís Alves de Melo dispõe que
“[...] a lei 12.654/12 é constitucional e já existe em outros países, não sendo discriminatória,
mas apenas acrescentadora de um dado identificador a mais, o que poderá concorrer para a
diminuição de erros judiciários, uma vez que evitará uma condenação sem provas” (2013,
p.43). Ressalva-se, primeiramente, que o fato de existirem leis no mesmo sentido em outros
países por si só não comprovam sua eficiência e legitimidade, dado o fato de cada sociedade
possui as suas particularidades e aquilo que cabe em um contexto poderá não caber em outro,
tanto no que tange a estar alinhado com a Constituição pátria, quanto a execução das práticas
legais previstas. É equivocado basear a razão de ser de tal lei ao argumentar que a mesma
busca evitar uma condenação sem provas, posto que não deve haver em situação alguma
condenação nesse sentido, já que a mesma deve sempre estar baseada em provas inequívocas
da culpabilidade do acusado, não necessitando de um novo mecanismo que não permita uma
condenação sem convencimento probatório suficiente posto que essa deve ser regra. Muito
mais lógico seria que os juízes, ao estabelecerem suas sentenças, tenham sempre na memória
aqueles princípios dos quais não poderá abrir mão, bem como impedir o gozo por parte do
indivíduo, já que nada mais significa que o cumprimento da legalidade e atenção a todos os
direitos e garantias constitucionalmente previstos.
O autor supramencionado, traz ainda que em defesa do argumento de que a
presente lei não fere o nemo tenetur se detegere encontra defensores que alegam haver uma
dimensão demasiada, extensa, deste princípio e que esse é um dos motivos que acarretam em
dificuldades na investigação penal (MARTINS,2013). Giongo, ao expor entendimento de
Queijo, informa (2016, p.391):
[...] compreende que a Lei n.º 12.654/2012 deve ser declarada inconstitucional em
decorrência da garantia contra a autoincriminação. Esclarece que, diferentemente do
que consta no diploma legal, a finalidade da coleta de material biológico não é a de
mera identificação criminal, mas sim de comprovação da autoria ou da participação
da pessoa em algum delito, seja em persecução penal futura ou em andamento;
portanto, o objetivo é probatório.
Percebe-se ser perigoso um discurso em sentido contrário, visto que baseado no
objetivo de responsabilização penal, a autoridade judicial poderá ou, porque não, deverá
desconsiderar preceito constitucional dado o seu objetivo estar acima do mencionado
princípio. Que limites há para o legislador quando o mesmo encontra amplificadores para as
suas propostas legislativas que acreditam que os fins justificam os meios, ou seja, que o
anseio em punir o indivíduo investigado o mesmo possa ser despido dos seus direitos como
47
cidadão e encontrar no Estado, ao contrário do que a sua natureza requer, um acusador e não
protetor.
O ponto de vista de Mauro Otávio Nacif, como bem menciona Martins (2013),
parte do pressuposto que a Lei nº 12.654/2012 se justifica, pois visa atender a um apelo de
segurança pública, estando este acima do interesse do particular. Dar o nome de interesse a
um direito parece ter o intuito de demonstrar que não passa de mera vontade do indivíduo
sendo posta acima de um direito coletivo, quando na verdade trata-se de direitos
constitucionalmente previstos do quais o investigado poderá gozar quando assim couber e
desejar. Defender direitos individuais, e não interesses como o criminalista chama, vai além
de pretensões pessoais confrontadas com o interesse da coletividade, é permitir que todo e
qualquer indivíduo tenha os seus direitos garantidos, bem como o seu gozo, com base no que
prevê a lei, não havendo abuso na sua prática, muito menos oposição frente à coletividade, já
que as garantias e direitos fundamentais individuais devem ser de completa e total defesa por
parte da sociedade como um todo.
Como brevemente discutido em momento anterior no presente trabalho, a
identificação criminal do investigado traz uma série de consequências negativas ao seu
convívio social, posto que o simples fato de ter o nome atrelado a qualquer tipo de crime já
estigmatiza o cidadão, transformando-o, aos olhos dos outros indivíduos, em um inimigo
social e com o qual deve ser evitado o contato. Essa confusão feita popularmente a respeito da
culpabilidade e do indivíduo que comprovadamente foi demonstrado ser culpado por meio de
sentença condenatória, torna ainda mais perigosa a edição de leis como a aqui estudada, posto
que poderá antecipar, principalmente aos olhos do povo, ainda sem ação penal aberta e
devidamente finalizada, o estigma da culpa, colocando sobre o investigado o rótulo de
condenado.
Alinhado aos argumentos desfavoráveis a não mais tão nova lei levantam uma
série de questões sobre as quais deve estar atenta toda a sociedade, em especial o meio
jurídico. Sobre o entendimento de Lopes Jr, revela o risco quanto ao fato da autorização para
coleta de dado genéticos partir de decisão judicial, podendo acarretar o decisionismo, além de
dar a possibilidade de o juiz agir de ofício, o que significaria afronta a imparcialidade e desvio
das funções e competências da autoridade judicial no andamento do processo penal, passando
este a ser titular da produção probatória. Argumentos nesse mesmo sentido também são
levantados por Giancarlo Silkunas Vay, José Rocha Silva e Rogério Sanches Cunha
(MARTINS,2013).
48
Por fim, Lima informa através do entendimento do STF que “o mesmo já se
manifestou no sentido de que o acusado não é obrigado a fornecer material para realização de
exame de DNA. Todavia, o mesmo Supremo também tem precedentes no sentido de que a
produção dessa prova será válida se a coleta do material for feita não invasiva” (2017, p.148).
No mesmo sentido já defendido, o Tribunal entendeu não ser razoável ou legal a coleta
compulsória do material genético, confirmando que o contrário poderá ocasionar dano à
garantia do cidadão de não aceitar produzir prova que possa levar a sua culpabilidade. Com
relação as provas classificadas como descartadas, conforme explicação no capítulo anterior,
há o entendimento do STF de que a utilização delas não violaria o Princípio da Não
Autoincriminação, posto que não houve nenhum tipo de indução ou constrangimento para que
o investigado pudesse colaborar com a coleta da prova.
Diante de todo exposto, vale refletir sobre quais são os reais interesses em um
alargamento do Direito Penal, os porquês que são utilizados pra lhe justificar e,
principalmente, de que maneira e sobre quem recairá as consequências advindas dessa
tendência. Magalhães reforça o alerta ao destacar (2014, p.91, grifos nossos):
Diante deste quadro, procura-se assinalar em que medidas a utilização do Direito
Penal como instrumento de controle social por ocasião das crises fomentadas pelo
abandono do modelo do Welfare state (Estado do Bem-estar Social) são
instrumentos legítimos diante do contexto vivenciado, ou se, conforme preceitua
Wacquant (1999), o que as premissas do Estado Penal propõem nada mais é do que
legitimar a arbitrariedade estatal por meio de um discurso imbuído de uma
credibilidade que não lhe é atribuída por qualquer teoria criminológica.
A autora supramencionada deixa claro sobre o que se pautam essas
intervenções na legislação penal e frisa que há cientificamente o entendimento que abrir
espaço para um Estado Penal as custas da depredação do Estado de Bem-estar Social não
indica evolução ou melhoramento de uma sociedade, muito menos aponta para resultados
exitosos, mas sim baseia-se em uma tática falha e que não se demonstra apta a acabar com os
problemas a que se propõe. As características da pós-modernidade e o enfretamento do risco,
tornam-se desafio central, endossado por todo o clima de terror criado a partir das
informações veiculadas em massa a respeito de crimes ocorridos, tendendo a sociedade a
estabelecer estratégias que, ao menos teoricamente, poderão fazer a paz social reinar.
49
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que foi analisado, algumas considerações podem ser estabelecidas e,
infelizmente, os apontamentos não são dos melhores. A influência da mídia sobre a massa é,
sem sombra de dúvidas, um dos maiores agravantes presenciados no contexto social, político
e jurídico atual, e reforça, diariamente, o temor causado pelas notícias, na sua maioria a
respeito de crimes violentos contra pessoa, bem como o discurso de que a solução para esse
problema está no endurecimento do ordenamento penal. Em meio ao grande fluxo de
informações, diante de uma população que não tem, de maneira generalizada, acesso à uma
educação formal e crítica, levantar bandeiras como esta torna-se cada vez mais perigoso,
acaba recaindo sobre direitos básicos dos quais o cidadão não pode abrir mão e encontra
nesses indivíduos o eco necessário para propagar essa ideia.
A sensação de insegurança naturalmente provoca na sociedade a
responsabilização do Estado como um todo, já que a mesma, na sua maioria, desconhece as
competências de cada um dos três Poderes, cobrando que alguma resposta seja dada e alguma
medida apresentada. Destaca-se que além de todo o cenário de terror criado pelos meios de
comunicação, alguns programas desses veículos têm como maior atrativo o completo
desrespeito e humilhação aos quais são expostos os indivíduos encontrados em situação de
flagrante, ou na condição de investigados, imbuindo o telespectador a essa prática, a enxergar
da mesma forma desonrosa o cidadão que cometeu ato delituoso. Diante disso, aquela que
mais rapidamente for exposta e tenha como objetivo principal a privação da liberdade
daqueles que são vistos como inimigos da sociedade certamente ganhará o apoio popular.
Há sobre o tema, muitas vezes a ideia deturpada de conflito entre interesses
individuais e interesses coletivos. De antemão, parece pejorativo, nesse ínterim, utilizar a
nomenclatura “interesse”, posto que pode transmitir a ideia de que se tratam de meros desejos
ou preferências de ambos, quando na verdade se discute a respeito de direitos legalmente
previstos no ordenamento jurídico brasileiro, com destaque naquilo tutelado pela Constituição
Federal. É mister frisar que ambos os direitos, individuais e coletivos, não se tratam de
interesses concorrentes, posto que proteger e assegurar o gozo das garantias legais do
indivíduo é garantir segurança jurídica à coletividade que poderá, a partir dessa máxima,
confiar de que a todos os outros serão propiciadas as mesmas oportunidades e direitos. Dessa
forma, não se deve alimentar essa falsa concorrência, entendendo que assim fazer é colocar o
cidadão contra o cidadão, é fazê-lo achar que possui enquanto comunidade mais direitos do
que aquele então compreendido como indivíduo, devendo ser regado e defendido o senso de
50
coletividade que gerará na sociedade uma consciência e negação a todo e qualquer abuso e
negligência que possa cometer o Estado.
Nesse contexto, falar apenas em medidas legislativas denuncia um completo
desvio da competência do Direito Penal, dado que a este Direito não cabe solucionar ou
responder todas as questões sociais, já que estão nelas a raiz da problemática da
criminalidade, muito menos ser a primeira e única alternativa estatal. A ele se deve recorrer
como a última ratio, diante do fato de que não pode ser o primeiro objetivo penalizar aquele
que descumprir a lei, no seu corpo privando da sua liberdade ou no seu patrimônio. O que
transparece, e na realidade vem acontecendo, é que as instituições públicas estão
completamente enfraquecidas, sendo incapazes de exercer as suas funções básicas e garantir
políticas voltadas a toda população com o fulcro de dar condições básicas de vida em
sociedade. Ao concentrar em somente um Poder todas as expectativas a cerca de um problema
que atinge e incomoda toda a massa, o Estado assina o seu atestado de incompetência e
negligência frente as questões sociais e demonstra completo despreparo racional para lidar
com elas. Espera-se muito mais do que medidas emergenciais, urgentes, exige-se que sejam
traçados ações e resultados, que seja visualizado diante de cada demanda de que forma será
melhor, coletivamente e para a coletividade, não agir aplicando equações prontas
fundamentando-se no discurso de que elas garantirão um resultado positivo e igualitário para
todos.
Todo esse imediatismo e irracionalidade ao tratar e discutir meios que possam
atenuar os problemas existentes na sociedade brasileira, leva, em forma de texto legislativo, a
uma quebra com os princípios constitucionais e, consequentemente, com a ordem
democrática, ao em busca de demonstrar atividade o legislador edita normas em completo
descompasso com o texto constitucional, desrespeitando direitos fundamentais. Dessa forma,
o até então proposta construção de um Estado de Direito caminha para o estabelecimento do
oposto, um Estado Penal, onde o ordenamento jurídico penal é utilizado quase como um
manual de como apaziguar tensões sociais, por conseguinte, insegurança jurídica. Não há
como justificar ou defender texto legal que visível e claramente desrespeita de maneira direta
a Carta Maior, sendo de conhecimento geral, no universo jurídico, que a ela devem atender
todas as outras normas editadas, sob pena de serem declaradas inconstitucionais. O único
caminho para tanto é alegar utilização de um direito de maneira demasiada ao ponto de
desprivilegiar e dificultar o atendimento aos interesses coletivos, demonizando aquilo que
deveria ser defendido a todo custo por qualquer indivíduo que conheça, ainda que de maneira
básica e superficial, o Direito.
51
O juiz, como última instância desse “processo legislativo”, compreendendo que
a sua edição por si só não é um fim em si mesma, já que a sua efetivação é o real, ou deve ser,
o principal objetivo, é necessário que esteja a par da mesma na mesma proporção que deve
estar no mesmo passo que a Constituição, cumprindo assim aquilo que é de competência do
Judiciário. Ao invés disso, têm-se transformado na figura de acusadores, que ao invés de
garantirem que não será privado de liberdade nenhum cidadão até que se comprove, sem que
restem dúvidas, a sua culpabilidade em crime previsto em lei. A função do juiz, para além de
guiar todo o decurso do devido processo legal, garantindo que à ambas as partes sejam
oportunizados o contraditório e a ampla defesa, porém a tendência tem sido diversa a
presunção de inocência, recaindo sobre o réu a incumbência de provar a sua inocência,
iniciando como culpado até que se prove o contrário. Não há o intuito de generalizar esse tipo
de prática, porém na esfera penal ao menor sinal de que estas estão sendo adotadas é
suficiente para que se rediscuta e relembre as verdadeiras competências da autoridade judicial
e se rechace conduta oposta, alertando e denunciando a existência dessas práticas.
O Garantismo Penal, mostra-se como uma maneira de racionalizar a edição de
leis, assim como a sua aplicação, limitar a atuação estatal a fim de evitar abusos desta em
todos os sentidos que vierem de encontro aos preceitos estabelecidos constitucionalmente.
Além disso, estabelece sobre que princípios deve se fundamentar e atingir para que uma
sociedade seja considerada garantista e democrática, primando sempre em estabelecer
garantias ao indivíduo e deixar clara a utilização do Direito Penal como última alternativa,
caso contrário corre-se o risco de estabelecer um Estado Penal.
Nesse passo, baseando-se nos argumentos manifestados, a
inconstitucionalidade da Lei nº 12.654/2012 é um caso real, desde a coleta compulsória de
material biológico para a formação de um banco de dados até o prazo estabelecido para o
descarte daquele, e encontra respaldo não somente no texto legal como em parte da
comunidade jurídica. Os posicionamentos favoráveis à mesma demonstram completo
desrespeito aos princípios elencados no texto constitucional, relativizando a gravidade que é
não os atender, tanto na esfera individual, quanto para a coletividade. A supressão de um
direito individual nunca poderá servir de fundamento, muito menos respaldar, um discurso
que se diga em prol da coletividade, posto que há completa incoerência em tal, já que a
sociedade que não protege o seu cidadão como indivíduo será incapaz de protegê-lo em sua
vida em coletividade. Para além de vício de constitucionalidade, há um vício de ótica, sobre o
qual paira a equivocada e limitada análise apenas do fato ou ato isoladamente, ignorando
ativamente as consequências e aqueles que elas atingirão.
52
Enquanto os aspectos da vida em sociedade continuarem sendo visualizados,
discutidos, pensados, problematizados de maneira isolada, ignorando a interdisciplinaridade
necessária para a sua compreensão, bem como as particularidades dos diversos grupos que a
compõem, e junto a eles suas ideias, ideologias e interesses, nenhum mecanismo ou proposta
de solução, quiçá uma lei, serão suficientes para garantir uma vida equilibrada. Primeiro que
não se trata de uma formula mágica sobre a qual se encaixarão todas as realidades e todas as
problemáticas. A partir disso, é necessário pensar a partir do caso concreto, levando em
consideração todos os aspectos que o compõe e a partir daí estabelecer metas, métodos e
mecanismos que serão capazes não somente de harmonizar o caso em questão, mas também o
manterá alinhado aos preceitos que regem toda a sociedade. De fato, não é fácil estabelecer e
implantar essa concepção, dadas todas as questões elencadas aqui, porém não significa ser
algo inatingível, mas na mesma proporção das dificuldades é necessária uma mudança de
ótica do cidadão, da sociedade e do Estado, um para com o outro. E que ao final disto ambos
compreendam que fazem parte de um mesmo sistema e que o mesmo deve ser colaborativo,
cooperativo, nas suas pretensões, atitudes e objetivos, no sentido de que as leis devem valer
para todas na mesma medida, mas que também ao serem editadas devem ser pensadas para
todos. Respeitando assim aquilo que estabelece a Constituição Federal, dentre os quais,
principalmente, os seus princípios, garantias e direitos fundamentais, base sólida para um
Estado Democrático de Direito
REFERÊNCIAS
53
ALBUQUERQUE, Fernando da Silva; PINHO, Ana Cláudia Bastos de. O dress code do
garantismo penal de Luigi Ferrajoli. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2017-
jun-28/opiniao-dress-code-garantismo-penal-luigi-ferrajoli>. Acesso em: 19 mar. 2018.
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 7. ed. São Paulo: Ed.
Saraiva, 2009. 456 p.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 05 out. 1988. Seção 1, p. 1-
32.
_______. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Diário Oficial da União, Poder
Executivo, Brasília, DF, 13 out. 1941.
_______. Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana
sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969.
Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 9 nov. 1992.
_______. Lei nº 12.037, de 1º de outubro de 2009. Dispõe sobre a identificação criminal do
civilmente identificado, regulamentado o art. 5º, inciso LVIII, da Constituição Federal. Diário
Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 2 out. 2009.
_______. Lei nº 12.654, de maio de 2012. Altera as Leis nº 12.037, de 1º de outubro de 2009,
e 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal, para prever a coleta de perfil
genético como forma de identificação criminal, e dá outras providências. Diário Oficial da
União, Poder Executivo, Brasília, DF, 29 mai. 2012.
CALÇADO, Débora Helena Ferreira. O princípio nemo tenetur se detegere e suas
decorrências como meio de prova no processo penal. 2014. 68 f. Monografia (Bacharelado
em Direito) – Pontíficia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
CÂNDICO, Vicente. Parecer a respeito do Projeto de Lei nº 2458 de 2011. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=978441&filename
=PRL+1+CCJC+%3D%3E+PL+2458/2011>. Acesso em: 23 mar. 2018.
CAZABONNET, Brunna Laporte; FALAVIGNO, Chiavelli Facenda. O direito de não
produzir prova contra si mesmo: manifestações no direito brasileiro e o advento da Lei n.
12.654/12. Rio Grande do Sul, 2013.
CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS. Anexo ao Decreto que
promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa
54
Rica) – MRE. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-
1994/anexo/and678-92.pdf>. Acesso em: 22 mar. 2018.
DEZEM, Guilherme Madeira. Curso de processo penal. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2016.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 4. ed. rev. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2014.
FRAGA, Renata Jardim. A necessidade do consentimento na produção de provas que
implicam intervenção corporal no acusado. 2010. 28 f. Artigo extraído do Trabalho de
Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) – Pontíficia Universidade do Rio Grande do
Sul, Rio Grande do Sul, 2010.
GAVIORNO, Gracimeri Vieira Soeiro de Castro. Garantias constitucionais do indiciado no
inquérito policial: controvérsias históricas e contemporâneas. 2006. 165 f. Dissertação
(Mestrado em Direitos e Garantias Constitucionais) – Faculdades Integradas de Vitória,
Vitória, 2006.
GIONGO, Juliana Leonara Martinelli. A identificação criminal pelo DNA em face da garantia
contra a autoincriminação. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, v. 17,
n. 2, p. 377 – 405, jul./dez. 2016. Disponível em: <http://www.e-
publicacoes.uerj.br/ojs/index.php/redp/article/view/25368>. Acesso em: 22 mar. 2018.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 5. ed. ver., ampl. e
atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017.
MAGALHÃES, Natália de Andrade. A instalação de bancos de dados genéticos para fins
criminais no Brasil: instrumento de redução criminal ou controle social na sociedade de
risco?. 2014. 138 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade do Vale do Rio dos
Sinos, São Leopoldo, 2014.
MAIA FILHO, Napoleão Nunes. Cabeça de juiz: pequenas reflexões críticas sobre a função
de julgar. Fortaleza: Imprece, 2012. 190 p.
MARTINS, Celso Ricardo. A lei 12.654/2012 em face da Constituição da República de
1988. 2013. 100 f. Monografia (Bacharelado em Direito) – Centro Universitário de Brasília,
Brasília, 2013.
MENDES, José Manuel. Sociologia do risco – uma breve introdução e algumas lições.
Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2015. 106 p.
55
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 12. ed. rev.,
ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. 415 p.
NOGUEIRA, Ciro. PLS 93/2011. Disponível em: <https://legis.senado.leg.br/sdleg-
getter/documento?dm=618717&disposition=inline>. Acesso em: 23 mar. 2018.
ROBALDO, José Carlos de Oliveira; VIEIRA, Vanderson Roberto. A sociedade do risco e a
dogmática penal. Disponível em: <http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3593>. Acesso em:
05 fev. 2018.
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral. 6. ed., ampl. e atual. Paraná: ICPC
Cursos e Edições, 2014. 739 p.
SCHNEIDER, Bianca Tossi. Os reflexos do direito a não autoincriminação no processo
penal brasileiro. 2016. 55 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) –
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Ijuí, 2016.
TORRES, Demóstenes. Parecer a respeito do PLS 93/2011. Disponível em:
<https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=4105298&disposition=inline>.
Acesso em: 23 mar. 2018.
VEDOVELLO, Ana Paula Scudeler. A teoria dos Sistemas de Luhmann como argumento
contrário ao direito penal do inimigo – 3ª velocidade do direito penal. 2015. 219 f. Tese
(Doutorado em Direito Político e Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São
Paulo, 2015.
56
ANEXO A – LEI Nº 12.654/2012
26/03/2018 L12654
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12654.htm 1/2
Presidência da República Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
LEI Nº 12.654, DE 28 DE MAIO DE 2012.
VigênciaAltera as Leis nos 12.037, de 1o de outubro de 2009, e 7.210,de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal, para prever acoleta de perfil genético como forma de identificação criminal,e dá outras providências.
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o O art. 5o da Lei no 12.037, de 1o de outubro de 2009, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafoúnico:
“Art. 5o .......................................................................
Parágrafo único. Na hipótese do inciso IV do art. 3o, a identificação criminal poderá incluir acoleta de material biológico para a obtenção do perfil genético.” (NR)
Art. 2o A Lei no 12.037, de 1o de outubro de 2009, passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos:
“Art. 5o-A. Os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser armazenados embanco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade oficial de perícia criminal.
§ 1o As informações genéticas contidas nos bancos de dados de perfis genéticos nãopoderão revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto determinaçãogenética de gênero, consoante as normas constitucionais e internacionais sobre direitoshumanos, genoma humano e dados genéticos.
§ 2o Os dados constantes dos bancos de dados de perfis genéticos terão caráter sigiloso,respondendo civil, penal e administrativamente aquele que permitir ou promover suautilização para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial.
§ 3o As informações obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos deverão serconsignadas em laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado.”
“Art. 7o-A. A exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá no término doprazo estabelecido em lei para a prescrição do delito.”
“Art. 7o-B. A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso,conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo.”
Art. 3o A Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal, passa a vigorar acrescida do seguinte art.9o-A:
“Art. 9o-A. Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de naturezagrave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1o da Lei no 8.072, de 25de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético,mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor.
§ 1o A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso,conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo.
§ 2o A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz competente, no casode inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético.”
Art. 4o Esta Lei entra em vigor após decorridos 180 (cento e oitenta) dias da data de sua publicação.
Brasília, 28 de maio de 2012; 191o da Independência e 124o da República.
DILMA ROUSSEFFJosé Eduardo CardozoLuiz Inácio Lucena Adams
26/03/2018 L12654
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12654.htm 2/2
Este texto não substitui o publicado no DOU de 29.5.2012
57
ANEXO B – PROJETO DE LEI Nº 93/2011
ti 2010-1080
PROJETO DE LEI DO SENADO Nº , DE 2011
Estabelece a identificação genética para os
condenados por crime praticado com violência
contra a pessoa ou considerado hediondo.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º Esta Lei trata da identificação genética dos condenados
por crime praticado com violência contra a pessoa ou considerado hediondo.
Art. 2º Serão submetidos à identificação genética obrigatória,
mediante extração de DNA por técnica adequada e indolor, os condenados por
crime praticado com violência contra a pessoa ou por qualquer dos crimes
previstos no art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990.
Art. 3º A identificação genética será armazenada em banco de
dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo.
Art. 4º A autoridade policial, federal ou estadual poderá requerer
ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de
dados de identificação genética.
Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
O presente projeto de lei vem para reforçar um processo já em
andamento no Brasil. Nosso País deverá contar, em breve, e já tardiamente,
com um banco de perfis de DNA nacional para auxiliar nas investigações de
ti 2010-1080
crimes praticados com violência. O sistema, denominado CODIS (Combined
DNA Index System) é o mesmo usado pelo FBI, a polícia federal dos Estados
Unidos, e por mais 30 países. O processo para a implantação do CODIS
começou em 2004. O banco de evidências será abastecido pelas perícias
oficiais dos Estados com dados retirados de vestígios genéticos deixados em
situação de crime, como sangue, sêmen, unhas, fios de cabelo ou pele.
O CODIS prevê ainda um banco de identificação genética de
criminosos, que conteria o material de condenados. Todavia, a sua
implantação depende de lei. É do que trata o presente projeto. De fato, uma
coisa é o banco de dados operar apenas com vestígios; outra é poder contar
também com o material genético de condenados, o que otimizaria em grande
escala o trabalho investigativo.
A determinação de identidade genética pelo DNA constitui um
dos produtos mais revolucionários da moderna genética molecular humana.
Ela é hoje uma ferramenta indispensável para a investigação criminal.
Evidências biológicas (manchas de sangue, sêmen, cabelos etc.)
são frequentemente encontradas em cenas de crimes, principalmente aqueles
cometidos com violência. O DNA pode ser extraído dessas evidências e
estudado por técnicas moleculares no laboratório, permitindo a identificação
do indivíduo de quem tais evidências se originaram. Obviamente que o DNA
não pode por si só provar a culpabilidade criminal de uma pessoa ou inocentá-
la, mas pode estabelecer uma conexão irrefutável entre a pessoa e a cena do
crime. Atualmente os resultados da determinação de identificação genética
pelo DNA já são rotineiramente aceitos em processos judiciais em todo o
mundo.
O DNA pode ser encontrado em todos os fluidos e tecidos
biológicos humanos e permite construir um perfil genético individual. Além
ti 2010-1080
disso, características moldadas ao longo da história evolutiva dos seres vivos
adaptaram o DNA para ser uma molécula informacional com baixíssima
reatividade química e grande resistência à degradação. Essa robustez da
molécula faz com que o DNA seja ideal como fonte de identificação resistente
à passagem do tempo e às agressões ambientais frequentemente encontradas
em cenas de crimes.
A determinação de identidade genética pelo DNA pode ser usada
para muitos fins hoje em dia: demonstrar a culpabilidade dos criminosos,
exonerar os inocentes, identificar corpos e restos humanos em desastres aéreos
e campos de batalha, determinar paternidade, elucidar trocas de bebês em
berçários e detectar substituições e erros de rotulação em laboratórios de
patologia clínica.
Julgamos tratar-se de medida necessária e urgente, para a qual
peço o apoio dos meus ilustres Pares.
Sala das Sessões,
Senador CIRO NOGUEIRA
58
ANEXO C – PARECER DO RELATOR DEMÓSTENES TORRES A RESPEITO DO PLS
Nº 93/2011
SSEENNAADDOO FFEEDDEERRAALL
GGaabbiinneettee ddoo SSeennaaddoorr DDEEMMÓÓSSTTEENNEESS TTOORRRREESS
PARECER Nº , DE 2011
Da COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO,
JUSTIÇA E CIDADANIA, em caráter
terminativo, sobre o Projeto de Lei do Senado nº
93, de 2011, do Senador Ciro Nogueira, que
estabelece a identificação genética para os
condenados por crime praticado com violência
contra pessoa ou considerado hediondo.
RELATOR: Senador DEMÓSTENES TORRES
I – RELATÓRIO
Vem a esta Comissão, para análise e decisão terminativa, nos
termos dos arts. 91 e 101, II, d, do Regimento Interno do Senado Federal, o
Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 93, de 2011, do Senador Ciro Nogueira,
que visa estabelecer a identificação genética para os condenados por crime
praticado com violência contra pessoa ou considerado hediondo.
O PLS determina nos seus arts. 2º ao 4º o seguinte:
Art. 2º Serão submetidos à identificação genética obrigatória,
mediante extração de DNA por técnica adequada e indolor, os
condenados por crime praticado com violência contra a pessoa ou
por qualquer dos crimes previstos no art. 1º da Lei nº 8.072, de 25
de julho de 1990.
2
Art. 3º A identificação genética será armazenada em banco
de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder
Executivo.
Art. 4º A autoridade policial, federal ou estadual poderá
requerer ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o
acesso ao banco de dados de identificação genética.
O autor justifica que
O presente projeto de lei vem para reforçar um processo já
em andamento no Brasil. Nosso País deverá contar, em breve, e já
tardiamente, com um banco de perfis de DNA nacional para
auxiliar nas investigações de crimes praticados com violência. O
sistema, denominado CODIS (Combined DNA Index System) é o
mesmo usado pelo FBI, a polícia federal dos Estados Unidos, e por
mais 30 países. O processo para a implantação do CODIS começou
em 2004. O banco de evidências será abastecido pelas perícias
oficiais dos Estados com dados retirados de vestígios genéticos
deixados em situação de crime, como sangue, sêmen, unhas, fios de
cabelo ou pele.
O CODIS prevê ainda um banco de identificação genética de
criminosos, que conteria o material de condenados. Todavia, a sua
implantação depende de lei. É do que trata o presente projeto. De
fato, uma coisa é o banco de dados operar apenas com vestígios;
outra é poder contar também com o material genético de
condenados, o que otimizaria em grande escala o trabalho
investigativo
Não foram oferecidas emendas até o presente momento.
II – ANÁLISE
Não verifiquei vícios de constitucionalidade, porquanto a
matéria trata de ciência, cuja competência para proporcionar os meios de
acesso pode ser da União, por iniciativa de qualquer membro do Congresso
Nacional, tendo em vista o disposto nos arts. 23, V, e 48, ambos da
Constituição Federal.
3
Quanto ao mérito, destaque-se que, de acordo com estudo de
Sérgio D. J. Pena, intitulado Segurança pública: determinação de
identidade genética pelo DNA, do ponto de vista social, a determinação de
identidade genética pelo DNA (ácido desoxirribonucléico) constitui um dos
produtos mais revolucionários da moderna genética molecular humana. Em
menos de 20 anos ela se tornou uma ferramenta indispensável em
investigação criminal.
A determinação de identidade genética pelo DNA é uma
técnica muito superior a todas as técnicas preexistentes de medicina
forense, inclusive às impressões digitais clássicas. O DNA pode ser
encontrado em todos os fluidos e tecidos biológicos humanos. Além disso,
os estudos dos polimorfismos de DNA (regiões do genoma nas quais
existem variações entre pessoas sadias) permitem construir um perfil
genético de cada indivíduo.
O primeiro banco de dados de perfis genéticos de criminosos
foi criado na Inglaterra, mas sem dúvida o banco mais importante, criado
pelo FBI nos Estados Unidos (EUA), é o Sistema de Índice de DNA
Combinado (CODIS – Combined DNA Index System).
O CODIS começou como um projeto piloto em 1990 e ganhou
impulso com o DNA Identification Act de 1994, que deu ao FBI a
autoridade de estabelecer um banco de dados em nível nacional para fins de
investigação criminal.
De acordo com III Congresso Brasileiro de Genética Forense,
realizado entre 10 a 13 de maio deste ano em Porto Alegre – RS, o Brasil,
nos últimos anos, num esforço dedicado a combater as nossas altas taxas de
violência e de criminalidade, criou, com o uso da Genética Forense, uma
rede organizada de laboratórios periciais criminais e vem implantando o
Banco Nacional de Perfis Genéticos (em Rede Integrada de Bancos de
Perfis Genéticos e a implantação do CODIS no Brasil, de Aguiar, S. M. e
outros).
Tendo em vista que a tecnologia de bancos de perfis genéticos
já se mostrou extremamente eficaz em vários países, notadamente nos EUA
e Reino Unido, o seu impacto na promoção da justiça e combate à
impunidade tem sido fator determinante para sua implantação no Brasil.
4
Os esforços visando o desenvolvimento da Genética Forense
no cenário nacional resultaram, em 2009, na assinatura do Termo de
Compromisso para utilização do software CODIS, programa de
gerenciamento de perfis genéticos desenvolvido pelo FBI, como já
informado. Em 2010, foi feita a maior instalação do programa CODIS fora
dos EUA, incluindo 15 laboratórios estaduais, um laboratório federal, mais
os bancos nacionais, tanto do CODIS 5.7.4 (criminal), quanto do CODIS
6.1 (pessoas desaparecidas). Essa estrutura de laboratórios e bancos foi
batizada como Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG).
Ainda, em conformidade com o recente Congresso, estudos
recentes apontam o Brasil como o sexto País do mundo em taxa de
homicídios (26,4 homicídios em 100.000 habitantes/ano) e destacam uma
situação igualmente grave em relação aos crimes sexuais. As taxas de
elucidação desses delitos são baixas, com menos de 10% dos homicidas
apropriadamente identificados e condenados, devido à ausência de prova
material; tal fato tem causado comumente o arquivamento de vários
inquéritos e denúncias.
A efetiva atuação da Rede Integrada de Bancos de Perfis
Genéticos certamente diminuirá esses índices alarmantes de violência.
Todavia, a legislação em vigor não obriga os condenados por crimes graves
a fornecer amostras biológicas de referência.
Entendo, portanto, que a presente proposição ofertará mais
eficiência ao banco de dados de identificação de perfil genético, ao permitir
a colheita de DNA por procedimento não invasivo, não ofendendo, por
conseguinte, os princípios de respeito à integridade física e à dignidade
humana.
Cumpre ressaltar que o conceito de crime praticado com
violência contra a pessoa abrange a lesão corporal leve, parecendo
exagerado submeter o agressor, nesse caso, à identificação genética. Por
isso, proponho a alteração da redação do projeto para crime praticado,
dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa.
Haja vista que o PLS cuida de identificação genética de
condenados, proponho, também, que a sua redação refira-se à
5
“identificação do perfil genético”, para guardar coerência com os termos
constantes do sistema em implantação no Brasil.
Ademais, dada a afinidade temática, entendo que tal forma de
identificação deva constar da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210, de 11
de julho de 1984) e não de lei autônoma.
II – VOTO
Diante dessas considerações, opino pela aprovação do Projeto
de Lei do Senado nº 93, de 2011, na forma do seguinte substitutivo:
EMENDA Nº – CCJ (SUBSTITUTIVO)
Projeto de Lei do Senado nº 93, de 2011
Altera a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei
de Execução Penal), para estabelecer a
identificação do perfil genético de condenados
por crime praticado com violência contra a pessoa
ou considerado hediondo.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º A Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de
Execução Penal, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 9º-A:
Art. 9º-A. Os condenados por crime praticado, dolosamente,
com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos
crimes previstos no art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990,
6
serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil
genético, mediante extração de DNA (ácido desoxirribonucléico),
por técnica adequada e indolor.
§1º A identificação do perfil genético será armazenada em
banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo
Poder Executivo.
§2º A autoridade policial, federal ou estadual, poderá
requerer ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o
acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético.
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala da Comissão,
, Presidente
, Relator
59
ANEXO D – PARECER DO DEPUTADO VICENTE CÂNDIDO A RESPEITO DO
PROJETO DE LEI Nº 2458/2011
CÂMARA DOS DEPUTADOS
COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA
PROJETO DE LEI Nº 2458, DE 2011
(Apensados: PL 2458/2011, PL 1820/1996, PL 417/2003, PL 188/1999,
PL 4335/2008, PL 4487/2008, PL 2371/2011, PL 2624/2011)
Altera as Leis nº 12.037, de 1º de outubro de 2009, e nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para prever a coleta de perfil genético como forma de identificação criminal, e dá outras providências.
Autor: Senador CIRO NOGUEIRA
Relator: Deputado VICENTE CÂNDIDO
I – RELATÓRIO
Trata-se de projeto de lei, de autoria do Senador CIRO NOGUEIRA, que intenta
regulamentar a coleta de perfil genético como forma de identificação criminal.
A proposição define que os dados relacionados a essa coleta:
“deverão ser armazenados em banco de dados de perfis genéticos,
gerenciado por unidade oficial de perícia criminal”;
“não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais ds
pessoas, exceto determinação genética de gênero, consoante as
normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos,
genoma humano e dados genéticos”;
“terão caráter sigiloso, respondendo civil, penal e
administrativamente aquele que permitir ou promover sua utilização
para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial”;
“deverão ser consignados em laudo pericial firmado por perito
oficial devidamente habilitado”;
serão armazenados em “banco de dados sigiloso, conforme
regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo”;
serão excluídos dos bancos de dados quando do “término do prazo
estabelecido em lei para a prescrição do delito”.
CÂMARA DOS DEPUTADOS
O PL ainda propõe a participação da Lei de Execução Penal no trato do assunto.
Por meio dela, o Projeto explicita que serão submetidos, obrigatoriamente, à
identificação do perfil genético, mediante extração de DNA (ácido desoxirribonucleico),
por técnica adequada e indolor, os condenados por crime praticado, dolosamente, com
violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art.
1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990. No mesmo lugar, o Projeto determina que
“A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz competente, no caso
de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil
genético”.
Em sua justificação, o autor aduz sobre um processo já em andamento no Brasil,
devendo ser formado, em breve, um banco de perfis de DNA nacional para auxiliar nas
investigações de crimes praticados com violência.
Ao PL 2458/2011foram apensados os Projetos de Lei nºs PL 1820/1996, PL
188/1999, PL 4335/2008, PL 4487/2008, PL 2371/2011, PL 2624/2011 e PL 417/2003.
O Projeto de Lei nº 1820/1996, de autoria do ex-deputado Max Rosenmann,
propõe que as pessoas indiciadas em inquérito policial pela prática dos crimes
previstos na Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, serão obrigatoriamente identificados
pelo processo previsto na Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. A esse projeto foram
apensados o PL 417 / 2003 e o PL 188 / 1999.
O Projeto de Lei nº 417, de 2003, de autoria do ex-deputado Wasny de Roure,
propõe que o preso em flagrante delito, o indiciado em inquérito policial, aquele que
pratica infração penal de menor gravidade (art. 61, caput e parágrafo único do art. 69
da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995), assim como aqueles contra os quais
tenha sido expedido mandado de prisão judicial, desde que não identificados
civilmente, serão submetidos à identificação criminal, incluindo a de DNA.
O Projeto de Lei nº 188/1999, de autoria do ex-deputado Alberto Fraga, propõe
que os denunciados em crimes hediondos sejam submetidos à identificação genética
obrigatória e, se necessária, coercitiva.
A esta proposição foi apensado o PL 4335/2008, de autoria do deputado Ratinho
Júnior, que propõe a criação de banco de DNA para o cadastramento de acusados em
crimes sexuais e pedofilia.
CÂMARA DOS DEPUTADOS
A este Projeto foi apensado o PL 4487/2008, de autoria da deputada Sandra
Rosado, que propõe a criação do cadastro nacional de pedófilos. A ele foram
apensados o PL 2371/2011 e o PL 2624/2011.
O Projeto de Lei nº 2371/2011, de autoria da deputada Lilian Sá de Paula,
propõe a criação do Sistema Nacional de Combate à Pedofilia e à Exploração Sexual
Infanto-Juvenil. Sobre a iniciativa, o documento registra que a União manterá, no
âmbito do órgão competente do Poder Executivo, a base de dados do Sistema
Nacional de Combate à Pedofilia e à Exploração Sexual Infanto-Juvenil, a qual conterá
dados relativos ao registro e às características de autores de crimes de pedofilia e
outros crimes sexuais cometidos contra crianças e adolescentes registrados junto aos
órgãos estaduais de segurança pública.
E finalmente, o Projeto de Lei nº 2624/2011, de autoria dos deputados Fernando
Francischini e Antonio Imbassahy, define os crimes de pedofilia dentro da legislação
pertinente e cria o Cadastro Nacional de Pedófilos e Criminosos Sexuais, relacionado
aos crimes previstos no Capítulo II do Título VI do Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de
dezembro de 1940 – Código Penal e aos arts. 240, 241, 241-A, 241-B, 241-C, 241-D,
241-E e 241-F da Lei 8.069 de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do
Adolescente e inciso VI do art. 1º da Lei nº 8.072 de 25 de julho de 1990.
Cabe lembrar que as proposições em exame estão sujeitas à apreciação do
Plenário. A este relator foi instado o posicionamento pertinente ao mérito, à
constitucionalidade e juridicidade da matéria.
É o relatório.
II – VOTO DO RELATOR
Compete a esta Comissão a análise de projetos, emendas e substitutivos
sujeitos à apreciação da Câmara e suas Comissões, sob o ponto de vista da
constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa, nos moldes do art. 32, IV, alínea
a, do Regimento Interno.
Não observei vícios de constitucionalidade, juridicidade ou de técnica legislativa
na matéria abrangida pelo PL 2458/2011. Tampouco posso dizer que haja qualquer
discordância do Projeto para qualquer dos preceitos listados no inciso IV do artigo 32
do RICD. Assim sendo, amparado por uma profunda reflexão, transversal às matérias
CÂMARA DOS DEPUTADOS
de direito e de ciências naturais, registro a seguir um texto emblemático da conclusão a
que chegamos após estudo detido acerca da matéria. O escrito é um notável trabalho
acadêmico produzido sobre o assunto. Na publicação embasada em bibliografia
consistente e amparada pela Revista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de
Janeiro, o Juiz Federal Carlos Henrique Borlido Haddad, mestre e doutor em ciência
penal, conclui:
“A admissão do exame de DNA compulsório no processo penal
brasileiro, posto que seja uma novidade em relação ao tipo de prova que
disponibilizará, não representará nenhuma inovação acerca das
restrições e bens jurídicos que já suporta o acusado. A pena privativa de
liberdade, a prisão provisória de finalidade instrutória indireta, o
monitoramento ininterrupto de diálogos, a sanção capital e a medida de
segurança de caráter indeterminado são superlativamente mais lesivos
do que a colheita do material orgânico, mormente em relação àquela que
não possui o caráter de invasividade. É preciso apenas voltar os olhos
para as provas e sanções atualmente existentes no processo penal e
lembrar-se da existência de medidas de caráter restritivo para superar a
cultura de intangibilidade absoluta do acusado.
O exame de DNA compulsório é adotado em Estados do civil e
do common law, e tem-se mostrado como importante instrumento para a
melhor elucidação dos fatos no processo penal. Conquanto limite e
restrinja alguns bens jurídicos dignos de tutela, não suprime ou ofende
os direitos do acusado no processo.
A incorporação do exame de DNA obrigatório no processo penal
brasileiro ainda não se verificou, porque depende de lei específica que
preveja as hipóteses em que pode ser compulsoriamente executado, em
que condições será realizado, bem como de quais direitos e
prerrogativas dispõe o réu e quais medidas de proteção da informação
deverão ser adotadas. Atualmente, em face da lacuna legislativa, é
indispensável o consentimento do réu para a realização do exame sobre
o material orgânico dele originado. A regulamentação das intervenções
corporais deve ter por norte o cânone de proporcionalidade e prever a
CÂMARA DOS DEPUTADOS
submissão obrigatória quando nenhum meio menos gravoso para o
acusado revele-se eficaz no esclarecimento dos fatos. A consecução
coercitiva da extração de amostras de material orgânico, ao mesmo
tempo em que obsta que sejam adotadas as temerárias presunções de
culpabilidade, não acrescenta nova acusação ou punição pela recusa
injustificada do acusado. Ademais, o recurso às intervenções corporais
compulsórias propicia maior segurança no julgamento através da
apresentação de prova embasada em preceitos científicos irrefutáveis”.
Em outro texto, o diretor da Diretoria Técnico-Científica da Polícia Federal, Paulo
Roberto Fagundes, consolida a discussão sobre banco de dados de perfil genético de
forma objetiva:
“A utilização do DNA como instrumento de investigação e prova é
uma realidade nos laboratórios oficiais do Brasil. Contudo, os exames
são realizados apenas quando se têm amostras suspeitas e amostras
referências para comparação - os chamados casos fechados. A eficácia
na utilização do DNA na investigação criminal pede a implantação de um
Banco de Dados de DNA Criminal no país, no qual serão armazenados
perfis de DNA coletados em cenas de crimes para as mais diversas
comparações possíveis no intuito de esclarecimento de autoria de tais
crimes. Para a implantação de um sistema desse tipo existem algumas
condições a serem cumpridas (...), do ponto de vista estratégico, a
aprovação de um projeto de lei que estabeleça condições de
armazenagem de perfis de DNA é o primeiro passo para a implantação
gradual do banco de dados. (...) As demais condicionantes serão
paulatinamente ajustadas desde que essas condições essenciais sejam
garantidas.”
Com essas reflexões em mente, é o meu voto: pela constitucionalidade,
juridicidade e boa técnica legislativa do Projeto de Lei 2458/2011, e de todos os seus
apensados.
No que diz respeito ao mérito, observamos que o PL 2458/2011, reúne – por
meio do pensamento de madura estrutura institucional – o espírito de ideias e esforços
CÂMARA DOS DEPUTADOS
presentes nas notáveis iniciativas do PL 1820/1996, do PL 417/2003, do PL 188/1999,
do PL 4335/2008, do PL 4487/2008, do PL 2371/2011 e do PL 2624/2011.
Diante dessas considerações e dos termos regimentais pertinentes, voto pela
aprovação do texto contido no Projeto de Lei nº 2458/2011 e pela rejeição do PL
1820/1996, do PL 417/2003, do PL 188/1999, do PL 4335/2008, do PL 4487/2008, do
PL 2371/2011 e do PL 2624/2011.
Deputado VICENTE CÂNDIDO Relator