provas extremas exploram limites da mente

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Provas extremas exploram limites da mente Ultramaratonas aumentam em popularidade no país e ampliam os patamares do preparo físico e psicológico O engenheiro Pedro Palmeira, de 51 anos, estava correndo há mais de sete horas quando sentiu que não aguentaria mais e quis parar. Era o maior desafio físico da sua vida, a Comrades, ultramaratona de 89 quilômetros, realizada no início de junho, na África do Sul. As pernas e a lombar doíam a cada passada. Exausto mas concentrado, Pedro imaginou a linha de chegada e foi em frente, até alcançá-la, cerca de duas horas depois. As ultramaratonas, percursos maiores que os 42,2 quilômetros que caracterizam uma maratona, são provas que testam os limites do corpo e levam os corredores à exaustão. Para completá-las, a força da mente é determinante. Correr um percurso tão longo altera as concentrações de nutrientes e hormônios importantes para a produção de energia pelo corpo, além de acumular diversas pequenas lesões musculares, que podem resultar em complicações maiores. Se o corredor não se hidratar corretamente, ou não fizer a reposição necessária de energia ao longo da prova, pode ter problemas neurológicos, renais e, em casos extremos, morrer. Isso porque a quantidade de sódio no corpo diminui bastante pelo suor, e, se a pessoa beber só água, dilui a substância e diminui ainda mais sua concentração no organismo, levando-o ao colapso. Isotônicos são a fonte mais adequada de hidratação numa ultramaratona. Barras energéticas e refrigerantes Durante uma prova de cerca de 12 horas de duração, como a Comrades, uma pessoa perde cerca de 5% do seu peso corporal, de acordo com Arnaldo José Hernandez, chefe do grupo de Medicina do Esporte da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. A principal fonte de energia do corpo são os carboidratos, mas o organismo também busca combustível nas células de gordura e nas proteínas, o que gera perda muscular. Como somos incapazes de armazenar a quantidade necessária de carboidratos para uma prova muito longa, é preciso ingerir fontes de carboidratos de fácil absorção. Há suplementos alimentares específicos para corredores em provas e boas opções são barras energéticas e refrigerantes. A repetição do movimento durante horas agride principalmente tendões, ligamentos e a cartilagem nas pernas. Os corredores costumam sentir mais a panturrilha e a parte posterior da coxa. Ao fim da prova, o cansaço é tão grande que, em média, eles precisam de mais de uma semana para se recuperar das

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Equipe Filhos do Vento e seus corredores são citados em matéria sobre provas de longa distância (ultramaratona) veiculada no jornal O Globo, de 1º de julho de 2012.

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Page 1: Provas extremas exploram limites da mente

Provas extremas exploram limites da mente

Ultramaratonas aumentam em popularidade no país e ampliam os patamares do

preparo físico e psicológico

O engenheiro Pedro Palmeira, de 51 anos, estava correndo há mais de sete

horas quando sentiu que não aguentaria mais e quis parar. Era o maior desafio

físico da sua vida, a Comrades, ultramaratona de 89 quilômetros, realizada no

início de junho, na África do Sul. As pernas e a lombar doíam a cada passada.

Exausto mas concentrado, Pedro imaginou a linha de chegada e foi em frente, até

alcançá-la, cerca de duas horas depois. As ultramaratonas, percursos maiores que

os 42,2 quilômetros que caracterizam uma maratona, são provas que testam os

limites do corpo e levam os corredores à exaustão. Para completá-las, a força da

mente é determinante.

Correr um percurso tão longo altera as concentrações de nutrientes e

hormônios importantes para a produção de energia pelo corpo, além de acumular

diversas pequenas lesões musculares, que podem resultar em complicações

maiores. Se o corredor não se hidratar corretamente, ou não fizer a reposição

necessária de energia ao longo da prova, pode ter problemas neurológicos, renais

e, em casos extremos, morrer. Isso porque a quantidade de sódio no corpo diminui

bastante pelo suor, e, se a pessoa beber só água, dilui a substância e diminui

ainda mais sua concentração no organismo, levando-o ao colapso. Isotônicos são

a fonte mais adequada de hidratação numa ultramaratona.

Barras energéticas e refrigerantes

Durante uma prova de cerca de 12 horas de duração, como a Comrades,

uma pessoa perde cerca de 5% do seu peso corporal, de acordo com Arnaldo

José Hernandez, chefe do grupo de Medicina do Esporte da Faculdade de

Medicina da Universidade de São Paulo. A principal fonte de energia do corpo são

os carboidratos, mas o organismo também busca combustível nas células de

gordura e nas proteínas, o que gera perda muscular. Como somos incapazes de

armazenar a quantidade necessária de carboidratos para uma prova muito longa, é

preciso ingerir fontes de carboidratos de fácil absorção. Há suplementos

alimentares específicos para corredores em provas e boas opções são barras

energéticas e refrigerantes.

A repetição do movimento durante horas agride principalmente tendões,

ligamentos e a cartilagem nas pernas. Os corredores costumam sentir mais a

panturrilha e a parte posterior da coxa. Ao fim da prova, o cansaço é tão grande

que, em média, eles precisam de mais de uma semana para se recuperar das

Page 2: Provas extremas exploram limites da mente

dores. Para Pedro, no entanto, a satisfação de completar o desafio compensa

qualquer sacrifício:

— Chega uma hora em que o desafio é mais mental do que físico. Você se

pergunta o porquê de estar ali. Mas tudo vale a pena quando eu vejo a linha de

chegada e alcanço o meu objetivo — diz.

O especialista em psicologia do esporte da Universidade Federal de Santa

Catarina Emilio Takase, explica que algumas pessoas têm a parte frontal do

cérebro mais ativa que a central. A primeira está relacionada às funções

executivas, ou seja: capacidade de se planejar, organizar e fixar objetivos. Já a

segunda abriga o sistema límbico, que controla as emoções.

— Durante uma prova como essa, o corredor experimenta estresses físico e

mental. O mental pode diminuir o físico. A pessoa precisa treinar a mente — diz o

especialista.

Para participar da ultramaratona na África do Sul, Pedro e alguns amigos

apaixonados por corrida, como a farmacêutica Mônica Andrade, de 42 anos, e a

advogada Cláudia Lacerda, de 39 anos, se prepararam por cerca de seis meses.

Eles fazem parte de um grupo que já pratica o esporte há vários anos. Começaram

a correr em busca de uma vida mais saudável, participaram de provas curtas,

como as corridas de rua de 5, 10 e 15 quilômetros e, com o tempo, quiseram

desafios maiores. Primeiro aderiram às maratonas e agora, às ultras.

No início do mês, eles foram à África se juntar a cerca de 19 mil pessoas de

70 países. O número de participantes da Comrades passou por um boom desde os

anos 70, quando a média era de três mil corredores. Há provas de todos os

tamanhos, desde a Supermaratona de Friburgo, com 50 quilômetros, até a

Ultramaratona Rio 24 horas — Fuzileiros Navais, na qual os corredores têm que

fazer a máxima distância possível em um dia.

— Um sedentário jovem leva cerca de cinco meses para se preparar para uma

corrida de 10 quilômetros, por exemplo. Para uma ultra, esse tempo aumenta de

dois anos e meio a três anos — diz Ricardo Sartorato, um dos fundadores da

assessoria esportiva Filhos do Vento.

Para Sartorato, que também participou da Comrades, expor o corpo a tamanho

esforço não é sinônimo de saúde. A motivação, ele diz, está na vontade de testar

os próprios limites:

— Tanto na prova quanto na preparação, você descobre muito sobre si mesmo.

Prova exclusiva para veteranos

RIO - Participar de uma ultramaratona não é para qualquer um. Mesmo que haja

muitos corredores nessas provas que não são profissionais (não são patrocinados

e nem correm para disputar os primeiros lugares) é preciso ter uma longa trajetória

nesse tipo de atividade física. As ultras são, na verdade, o último passo no mundo

das corridas.

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Em geral, os participantes dessas provas têm mais de 30 anos. Percorrer

longas distâncias exige dedicação, planejamento e investimento. Para quem já

corre e passou por uma maratona, o treinamento dura cerca de seis meses. As

sessões de corrida acontecem, em média, três vezes por semana. Nos fins de

semana, elas começam muito cedo e podem durar até seis horas. Por isso, a

compreensão da família é fundamental. Nos outros dias, é importante exercitar o

corpo de outras formas, como musculação e alongamento. A alimentação também

está no centro das atenções. O acompanhamento de um nutricionista é desejável

não apenas para garantir um cardápio balanceado, mas para fazer suplementação.

— Como há a preocupação de não ter acúmulo de gordura no corpo e os treinos

são muito puxados, alguns nutrientes não são garantidos com a alimentação —

explica o preparador físico Ricardo Sartorato, um dos fundadores da assessoria

esportiva Filhos do Vento.

Tudo isso, claro, somado ainda aos gastos com inscrições e viagens com as

provas. A engenheira Aline Carvalho, de 33 anos, estima o custo em cerca de R$ 2

mil mensais.

— É muito dinheiro aplicado só em corrida. Se eu não tivesse ajuda, não caberia

no meu bolso.

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/saude/prova-exclusiva-

para-veteranos-5357257#ixzz1zUmUXaKW

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