prova de doutorado

7
Estamos no início do século XXI e há muitas perguntas que ainda permanecem sendo bastante debatidas em história. Deixa transparecer que por mais que se discuta e debruce sobre o assunto ainda ficam pontas soltas. Dentre estas questões, tem-se a preocupação com o trabalho do historiador, sua legitimação, seu estatuto de verdade e o seu contato com o real. Os pontos fortes que substanciam a argumentação ainda são aqueles que se fortaleceram principalmente na década de oitenta do século passado. Alguns deles com reformulações bastante convincentes que demonstraram um amadurecimento destes enquanto categorias históricas e modos de explicação. O nosso intuito aqui é fazer uma apologia do tão criticado ofício do historiador a partir de três conceitos que corroboraram muito para a produção do conhecimento histórico, são eles: imaginário, representação e memória. Tais conceitos, como se verá mais adiante, estão no cerne das produções historiográficas atuais e desempenham um papel fundamental que fornece ao historiador subsídios para se trabalhar com um documento e possibilitar um conhecimento histórico confiável. Dito isto, cabe ainda esclarecer a relação historiador, modelo de interpretação e documento (RÜSEN) com o objetivo de reforçar a importância das ferramentas históricas acima citadas no trabalho do historiador. É certo que “A história se faz com documentos” (LANGLOIS & SEIGNOBOS), porém como defende Jörn Rüsen, “O conhecimento histórico não é construído apenas com informações das fontes, mas as

Upload: maria-teles-de-farias

Post on 11-Sep-2015

213 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

Prova de Doutorado sobre imaginário e realidade

TRANSCRIPT

Estamos no incio do sculo XXI e h muitas perguntas que ainda permanecem sendo bastante debatidas em histria. Deixa transparecer que por mais que se discuta e debruce sobre o assunto ainda ficam pontas soltas. Dentre estas questes, tem-se a preocupao com o trabalho do historiador, sua legitimao, seu estatuto de verdade e o seu contato com o real. Os pontos fortes que substanciam a argumentao ainda so aqueles que se fortaleceram principalmente na dcada de oitenta do sculo passado. Alguns deles com reformulaes bastante convincentes que demonstraram um amadurecimento destes enquanto categorias histricas e modos de explicao. O nosso intuito aqui fazer uma apologia do to criticado ofcio do historiador a partir de trs conceitos que corroboraram muito para a produo do conhecimento histrico, so eles: imaginrio, representao e memria. Tais conceitos, como se ver mais adiante, esto no cerne das produes historiogrficas atuais e desempenham um papel fundamental que fornece ao historiador subsdios para se trabalhar com um documento e possibilitar um conhecimento histrico confivel.Dito isto, cabe ainda esclarecer a relao historiador, modelo de interpretao e documento (RSEN) com o objetivo de reforar a importncia das ferramentas histricas acima citadas no trabalho do historiador. certo que A histria se faz com documentos (LANGLOIS & SEIGNOBOS), porm como defende Jrn Rsen, O conhecimento histrico no construdo apenas com informaes das fontes, mas as informaes das fontes s so incorporadas nas conexes que do sentido histria com a ajuda do modelo de interpretao, que por sua vez no encontrado nas fontes (RSEN, Reconstruo do Passado, 2007, p. 25).

E, tambm, com afirma Norberto Guarinello impossvel para um historiador entender o passado sem formas. No obstante, no se pode perder de vista a advertncia que faz o prprio Guarinello com relao a essas Fo()rmas: no deveramos estar muito conscientes de sua (das formas) arbitrariedade, porque elas no so inocentes ou totalmente inofensivas. H ainda um outro elemento fundamental que no pode se esquecido. O medievalista Jacques Le Goff nos esclarece A histria faz-se com documentos e ideias, com fontes e com imaginao. Da, a importncia da relao historiador/modelo de interpretao/fonte.Com o objetivo de conhecer melhor sobre a importncia do ofcio do historiador ns abordaremos sobre cada uma das categorias acima propostas, quais sejam: imaginrio, representao e memria, e a, possivelmente entenderemos melhor Para que serve a histria (March Bloch).O imaginrioDentre s vrias definies de imaginrio, em nossa opinio, a mais ampla a de Jean-Jacques Wunerburger. Segundo ele, o imaginrio :

Um conjunto de produes, mentais ou materializadas em obras, com base em imagens visuais (quadro, desenho, fotografia) e lingsticas (metfora, smbolo, relato), formando conjuntos coerentes e dinmicos, referentes a uma funo simblica de um ajuste de sentidos prprios e figurados.

A definio nos faz repensar o conceito comum de imaginrio, pois quando falamos em imaginrio geralmente pensamos em uma imagem visual. No nos damos conta que, muitas das vezes, que h imagens em um relato. As imagens comeam como criaes mentais, mas so passveis serem transpostas para um texto. importante enfatizar que na mente elas so imagens e no s quando passamos para uma pintura ou quando escrevemos um texto. H. Vdrine nos complementa mais um pouco nessa definio quando diz que O imaginrio todo um mundo de crenas, ideias, mitos ideologias em que mergulham cada individuo e cada civilizao. Encontramos aqui outro ponto importante: os imaginrios existem no s nos indivduos mas, na sociedade. Por isso, fala-se de imaginrios sociais. importante ressaltar que o imaginrio est no campo das representaes, pois imaginrio um modo de representao (WUNERBURGER; LE GOFF, este ltimo utiliza o termo tipo no lugar de modo). Segundo Gilbert Durand o imaginrio impe s imagens uma lgica, uma estruturao, que faz do imaginrio um mundo de representaes.Outro ponto importante no que respeita o imaginrio que por ser composto de um conjunto de relaes imagticas que agem como memria afetivo-social de uma cultura, os imaginrios possuem um importante papel na formao identitria de um determinado grupo ou sociedade. Segundo Bronislaw Baczko, a partir do imaginrio de um povo que suas identidades so esboadas. Assim, os imaginrios so as bases culturais da sociedade.

As representaes

Mesmo sendo o principal recurso para a produo do trabalho historiogrfico atualmente, o conceito de representao tem sido muito criticado. Para alguns autores a representao tributria das mentalidades, por utilizar os estudos mentais. Porm, a representao valoriza o indivduo e traz para o palco da histria os homens que foram extintos na histria das mentalidades. Para Ricoeur, a representao uma substituta das mentalidades, pois esta lida com duraes lineares e homogneas, com as dualidades popular versus erudito e verdade versus fico, o que para Ricouer no tem utilidade alguma para histria tais parmetros. Por isso, renuncia-se s mentalidades em prol de uma histria das representaes.O que representao? Segundo Chartier representaes dizem respeito ao modo como em diferentes lugares e tempos a realidade social construda por meio de classificaes, divises e delimitaes. Para ele, nenhum texto apreende a realidade em sua totalidade, por isso as prticas s existem enquanto representaes. O real existe, mas s temos contato com sua representao e s a sentido nas prticas quando so representadas. Chartier chega a declarar que os conflitos e as lutas no se do no social e sim nas representaes.Carlo Ginzburg critica o conceito de representao Chartier, pois na viso de deste ltimo a uma distncia grande entre o real a representao deste real, para Ginzburg, a narrativa histrica comporta um efeito de verdade (no a verdade em si), ele anula a distncia entre real e a representao. No nega que o historiador trabalha com representaes, porm o ponto fundamental de todo historiador so as evidncias que so asseguradas pelas metodologias. Ginzburg se utiliza das relquias da Idade Mdia para fortalecer sua argumentao. Segundo ele, o que possibilitou adorao de imagens de santos foi a j difundida idia da transubstanciao. Assim, a representao deixa de ser contato com o real para ser presena plena, com a relquia a distncia anulada. Ela ausncia e presena (no presena concreta), lembrando que para ele nem toda prtica representada.Consideraes bastante relevantes aqui so as de Hannah Arendt. Para ela, a representao no a transparncia da realidade, pois ela precisa de elementos que possam afirmar, por exemplo, o holocausto, este no s representao, foi real. A grande questo que a matria factual passvel de ser manipulada para fins de dominao, de poder, assim nem toda representao verdadeira, os fatos no ainda carecem de serem interpretados. Neste caso, qual so os elementos norteadores do historiador? Isto veremos mais frente.Mas qual o papel da memria? Qual a importncia da memria do historiador? o que memria? De forma sinttica, memria a presena do passado, uma construo psquica e intelectual, apresenta-se de forma seletiva e que, segundo Halbwachs, nunca somente a do indivduo, mas de um individuo que possui um contexto, seja ele familiar, social ou nacional (HALBWACHS).Ricoeur esclarece que existem a mnme e a anamnsis. A primeira se refere simples lembrana que sobrevm como uma afeco, ela brota; a outra, uma recordao buscada. Esta ltima mais passvel de sofrer adies e subtraes (RICOEUR). Uma outra problemtica apresentada por Ricouer, no que tange memria, com relao imaginao. Num texto, tanto quanto difcil estabelecer se o que est ali uma memria ou uma imaginao, se algo que tem uma relao com o passado ou se uma criao ficcional do escritor.Para alm destes problemas apresentados nas categorias acima, gostaramos de apresentar a viabilidade do trabalho do historiador. Apesar de todas as dificuldades, claras ao historiador srio, dificuldades que se apresentao nas discusses quanto ao carter narrativa e representativo da histria, no que diz respeito s questes ligadas a percepo do que memria e o que imaginao, ou ainda aquelas antigas preocupaes, ligadas a estas, quanto cientificidade do trabalho histrico, gostaramos de afirmar a possibilidade do conhecimento histrico e, por assim dizer, legitimar o trabalho do historiador. O historiador possui o que poderamos chamar de dois filtros fundamentais para que chegue uma produo histria sria, so eles: as evidncias histrias e o mtodo histrico (RICOEUR; RSEN). Com estes dois limitadores os historiadores tm em mos as ferramentas necessrias para no fazerem afirmaes descabidas. Desta forma, um historiador no pode afirmar, por exemplo, que a Polnia invadiu a Alemanha na Segunda Guerra Mundial. Apesar da subjetividade do historiador, que comea com a escolha do objeto, um historiador que est compromissado com a histria, ter como auxlio para sua produo as evidncias e o mtodo. Apesar de trabalhar com representaes, ele busca ir alm da construo de representao (Rafael Guarato).