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    Braslia | 2014

    Cmara dosDeputados

    TEMASDEINTERESSE

    DOLEGISLATIVO

    A proteo autoralde bens pblicosliterrios e artsticosChristiano Vtor de Campos Lacorte

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    Christiano Lacorte analista le-gislativo do Centro de Documen-tao e Informao da Cmarados Deputados, onde atua comochefe do Ncleo de Tecnologia,Comunicao e Relaes Institu-cionais. mestre em direito pelaUniversidade Federal de SantaCatarina (UFSC), ps-graduado

    em Tecnologias da Informao(Uneb/Itei), bacharel em cin-cias jurdicas pelo Instituto deEducao Superior de Braslia(Iesb) e bacharel em cincias dacomputao pela UniversidadeEstadual Paulista (Unesp). Suaformao acadmica inclui ain-da cursos em direito da tecnolo-gia da informao e em direitosautorais pela Fundao GetlioVargas (FGV).

    O amplo acesso da sociedade aosbens pblicos literrios e artsti-cos depende da criao de umnovo modelo de proteo autoral,diferente da atual Lei de DireitosAutorais (Lei n 9.610/1998), quefoi criada sob o ponto de vistado interesse privado.

    Neste livro derivado de dis-sertao de mestrado pela Uni-versidade Federal de SantaCatarina (UFSC) , ChristianoLacorte apresenta os conceitosque devem nortear um regime

    jurdico de proteo adequados obras pertencentes admi-

    nistrao pblica.

    As ideias do autor so condu-zidas pelo direito fundamentalde acesso ao conhecimento e es-to baseadas nos princpios ad-ministrativos e na funo socialda propriedade.

    As propostas para criar essa le-gislao especfica incluem aadoo de licenas gerais, a en-trada das obras em domnio p-

    blico, entre outras medidas quepodem aumentar a efetividadesocial dos bens pblicos lite-rrios e artsticos e coloc-los

    mais prximos aos seus legti-mos donos.

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    A proteo autoral de bens

    pblicos literrios e artsticos

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    MESA DA CMAR A DOS DEPUTADOS

    54 Legislatura 2011-20154 Sesso Legislativa

    Presidente

    Henrique Eduardo Alves

    1 Vice-Presidente

    Arlindo Chinaglia

    2 Vice-Presidente

    Fbio Faria

    1 Secretrio

    Mrcio Bittar

    2 Secretrio

    Simo Sessim

    3 Secretrio

    Maurcio Quintella Lessa

    4 SecretrioBiffi

    Suplentes de Secretrio

    1 Suplente

    Gonzaga Patriota

    2 Suplente

    Wolney Queiroz

    3 Suplente

    Vitor Penido

    4 Suplente

    Takayama

    Diretor-Geral

    Srgio Sampaio Contreiras de Almeida

    Secretrio-Geral da MesaMozart Vianna de Paiva

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    Cmara dos

    Deputados

    A proteo autoral de bens

    pblicos literrios e artsticos

    Christiano Vtor de Campos Lacorte

    Centro de Documentao e InformaoEdies CmaraBraslia | 2014

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    CMARA DOS DEPUTADOS

    DIRETORIA LEGISLATIVADiretor: Afrsio Vieira Lima Filho

    CENTRO DE DOCUMENTAO E INFORMAO

    Diretor: Adolfo C. A. R. FurtadoCOORDENAO EDIES CMARADiretora: Helosa Helena S. C. Antunes

    Projeto grfco: Racsow

    Atualizao de projeto grfco: Renata Homem e Daniela BarbosaCapa e diagramao: Thas LunniReviso: Seo de Reviso

    Cmara dos DeputadosCentro de Documentao e Informao CediCoordenao Edies Cmara CoediAnexo II Praa dos Trs PoderesBraslia (DF) CEP 70160-900Telefone: (61) 3216-5809; fax: (61) [email protected]

    SRIETemas de interesse do Legislativo

    n. 27Dados Internacionais de Catalogao-na-publicao (CIP)

    Coordenao de Biblioteca. Seo de Catalogao.

    Lacorte, Christiano Vtor de Campos.A proteo autoral de bens pblicos literrios e artsticos [recurso eletrnico] / Christiano

    Vtor de Campos Lacorte. Braslia : Cmara dos Deputados, Edies Cmara, 2014.174 p. (Srie temas de interesse do Legislativo ; n. 27)

    ISBN 978-85-402-0227-6

    1. Bens pblicos, proteo, Brasil. 2. Propriedade literria, proteo, Brasil. 3. Propriedade arts-tica, proteo, Brasil. 4. Direito autoral, Brasil. I. Ttulo. II. Srie.

    CDU 342.56(81)

    ISBN 978-85-402-0226-9 (brochura) ISBN 978-85-402-0227-6 (e-book)

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    Agradecimentos

    Aos amigos do Centro de Documentao e Informao da Cmarados Deputados (Cedi), especialmente Adolfo Furtado, Jos Luiz Ca-margo e Rodrigo Pvoa, pelo apoio e incentivo para que essa jornadaacontecesse.

    Aos amigos do Grupo de Estudo em Direitos Autorais e Informa-o da Universidade Federal de Santa Catarina (Gedai/UFSC), com os

    quais a convivncia foi essencial para o aprimoramento dos temas dedireito autoral abordados nesse trabalho. A Alexandre Pesserl e a Gui-lherme Coutinho, pelos profundos debates sobre diversos temas, depoltica e filosofia at direitos autorais, mas especialmente sobre a re-viso da Lei 9.610/1998, cuja atualizao premente para que o Brasiltrate adequadamente as criaes autorais no contexto da sociedade dainformao; s maranhenses Helosa Medeiros e Amanda Madureira,estudiosas da propriedade intelectual, que me apresentaram a assun-

    tos relacionados vanguarda dos estudos dessa rea do direito; a Ran-gel Trindade, companheiro de turma no mestrado, e a Rodrigo Otvio,que compartilharam extensos e trabalhosos momentos de leituras eproduo cientfica, bem como longas e boas conversas sobre temas depropriedade intelectual nas reunies do grupo de estudo, nas salas deaula e nos congressos; e s jovens juristas Sarah Linke e Gabriela Are-nhart, estudiosas de energia sem fim e alegria contagiante.

    Aos companheiros da turma do mestrado em direito da UFSC de

    2010, que fizeram dessa experincia a possibilidade de criar boas ami-zades e aos quais agradeo nos nomes da amiga Lgia Vieira e do amigoKarlo Kawamura.

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    Aos alunos da disciplina direito da propriedade intelectual do cur-so de graduao em direito da UFSC, companheiros na discusso dediversas questes sobre propriedade intelectual no primeiro semestrede 2011, durante a atividade de estgio docncia.

    Ao professor e amigo Allan Rocha cujos estudos sobre a funosocial dos direitos autorais so sempre referncia queles que queremse aprofundar no tema pelos ensinamentos e por ter contribudo parao aperfeioamento desta obra.

    Aos professores do Programa de Ps-Graduao em Direito (PPGD/UFSC), que provocaram novamente minha curiosidade e vontade deaprender sobre assuntos no abordados durante o curso de graduaoem direito, mostrando a importncia de estar sempre disposto a apren-

    der sobre novos temas. Ao coordenador do Gedai/UFSC, orientador, professor e amigo

    Marcos Wachowicz, incansvel na tarefa de ensinar, promover o deba-te de ideias e estimular a circulao do conhecimento.

    A minha famlia, essencial em tudo que fiz e farei na vida, que no apenas incentivadora, mas tambm inspirao para sempre buscaro aprimoramento. A meus pais, Clvis e Mnica, por estarem sempreao meu lado e tornarem fcil o que era para ser complicado; a Rodri-

    go, meu irmo e amigo desde sempre; a Ana Jlia, minha sobrinhae afilhada, fonte de alegria; a Lania, minha esposa e companheira detodas as horas, a quem fica um agradecimento especial por tornar tudomelhor ao lado dela; e a meus filhos, Luana e Leonardo, por fazeremtudo valer a pena.

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    Quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorandoo Direito.

    Georges Ripert

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    Lista de abreviaturas e siglas

    LDA Lei de Direitos Autorais (Lei n 9.610/1998)

    CC16 Cdigo Civil de 1916 (Lei n 3.071/1916)

    CCB Cdigo Civil Brasileiro (Lei n 10.406/2002)

    CF Constituio Federal

    CUB Conveno da Unio de Berna

    EUA Estados Unidos da Amrica

    FGV Fundao Getlio Vargas

    GPL General Public License

    OMPIOrganizao Mundial da PropriedadeIntelectual

    STF Supremo Tribunal Federal

    UE Unio Europeia

    WIPO World Intellectual Property Organization

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    Sumrio

    1 Introduo............................................................................. 15

    1.1 Estrutura ..........................................................................................20

    1.2 Consideraes metodolgicas ......................................................21

    2 Bens pblicos literrios e artsticos ............................. 23

    2.1 Definio de bem pblico .............................................................272.2 Criao, aquisio e titularidade de obras literrias e

    artsticas na administrao pblica .............................................33

    2.3 Imaterialidade dos bens pblicos literrios e artsticos ............35

    2.4 No rivalidade dos bens pblicos literrios e artsticos ...........38

    2.5 Regime jurdico aplicvel aos bens pblicos literrios eartsticos ...........................................................................................40

    2.6 Afetao e bens pblicos literrios e artsticos ..........................442.7 Valor de troca e valor de uso do bem pblico ............................45

    2.8 Classificao e bens pblicos literrios e artsticos ...................48

    2.9 Finalidade e bens pblicos literrios e artsticos .......................53

    2.10 Consideraes finais do captulo .................................................55

    3 Sistema de proteo autoral........................................... 57

    3.1 Direito autoral e sociedade da informao.................................603.2 Direito autoral e legislao ...........................................................63

    3.3 Objeto da proteo .........................................................................66

    3.4 Tipos de obras .................................................................................67

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    3.5 Direitos autorais morais ................................................................68

    3.6 Direitos autorais patrimoniais ......................................................71

    3.6.1 Prazo de proteo ......................................................................74

    3.6.2 Limitaes aos direitos patrimoniais de autor ...................... 763.6.3 Cesso e licena de direitos autorais ......................................79

    3.7 Domnio pblico .............................................................................80

    3.8 Histrico normativo da proteo autoral dos bens pblicosliterrios e artsticos no Brasil ......................................................83

    3.8.1 Cdigo Civil de 1916 .................................................................84

    3.8.2 Lei 5.988, de 1973 .......................................................................85

    3.8.3 Lei 9.610, de 1998 .......................................................................863.9 Proteo autoral das obras da administrao pblica em

    outros pases ...................................................................................87

    3.9.1 Estados Unidos da Amrica .....................................................87

    3.9.2 Portugal ......................................................................................89

    3.9.3 Argentina ....................................................................................91

    3.9.4 Composio do domnio pblico e textos oficiais ................92

    3.10 Consideraes finais do captulo .................................................934 Elementos para a tutela autoral diferenciada dos

    bens pblicos literrios e artsticos............................. 95

    4.1 Princpios administrativos e bens pblicos literrios eartsticos ...........................................................................................97

    4.1.1 Princpio da supremacia do interesse pblico ......................98

    4.1.2 Princpio da eficincia.............................................................100

    4.1.3 Princpio da finalidade ...........................................................103

    4.1.4 Princpio da razoabilidade .....................................................104

    4.1.5 Princpio da publicidade ........................................................105

    4.2 Funo social da propriedade e bens pblicos literrios eartsticos .........................................................................................107

    4.2.1 Funo social da propriedade e direitos autorais ............... 110

    4.2.2 Funo social da propriedade e bens pblicos ...................113

    4.3 Direito fundamental de acesso cultura e ao conhecimentoe bens pblicos literrios e artsticos .........................................114

    4.4 Consideraes finais do captulo ...............................................120

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    5 Tutela e disponibilidade dos bens pblicosliterrios e artsticos...................................................... 123

    5.1 Alteraes na legislao brasileira de direitos autorais ..........126

    5.1.1 Regime jurdico especfico para bens pblicos literrios eartsticos ....................................................................................126

    5.1.2 Propostas e justificativas para dispositivos legais ..............128

    5.2 Aplicao de licenas pblicas s obras sob titularidade daadministrao pblica .................................................................130

    5.2.1 Licenas gerais pblicas .........................................................131

    5.2.1.1 Histrico das licenas gerais pblicas ...........................132

    5.2.1.2 As licenas Creative Commons......................................134

    5.2.2 Licenas gerais pblicas e administrao pblica ..............136

    5.3 Domnio pblico: eficcia na utilizao e na gesto ...............138

    5.3.1 Bens pblicos literrios e artsticos e domnio pblico ......141

    5.3.2 Propostas relacionadas a normas sobre domniopblico ......................................................................................144

    5.4 Consideraes finais do captulo ...............................................146

    6 Concluso............................................................................. 149

    Referncias........................................................................... 159

    Glossrio.............................................................................. 171

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    1Introduo

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    Introduo| 17

    Obras literrias e artsticas pertencentes administrao pblica sobens pblicos; porm, a tutela desses bens tem ficado a cargo da Lei

    9.610/1998, a Lei de Direitos Autorais (LDA) brasileira, cujo texto tempor linha central a proteo de bens privados, especialmente no que serefere aos direitos patrimoniais de autor sobre a obra.

    Na LDA os interesses privados se sobrepem ao interesse pblico,visando a remunerao do autor, quer pela explorao direta dos usosda obra, quer pela venda dos direitos patrimoniais sobre ela. No casodas obras cujo domnio de titularidade da administrao pblica, osinteresses pblicos devem prevalecer, pelas razes que guiam a atua-

    o da prpria administrao. por esse motivo que para essas obras otratamento diferencial necessrio.

    Por outro lado, as leis que tratam dos bens pblicos tambm notm previses especficas para as obras literrias e artsticas pertencen-tes administrao pblica, previses que poderiam fazer com que ascaractersticas especficas desse tipo de bem fossem utilizadas para seatingir a mxima finalidade pblica possvel.

    As mudanas trazidas pela tecnologia digital e pela interconectivi-

    dade proporcionada pelas redes de computadores em especial, a in-ternet tm levado ao questionamento do modelo de proteo autoralelaborado sob a tica vigente nos sculos XIX e XX. No Brasil, a LDAtem passado, nos ltimos anos, por amplo processo de debate acerca dareviso de seus institutos. Porm, nessa discusso, pouco tem surgidocom relao ao tratamento das obras de titularidade da administraopblica.

    O modelo de proteo aos bens intelectuais reflete diretamente na

    criao e no acesso a esses bens e, portanto, definir o modelo adequadopara cada tipo de bem pblico ou privado representa escolher a op-o cujos frutos representem o maior benefcio nos aspectos de criaoe acesso ao conhecimento e cultura para a sociedade.

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    H a necessidade, tanto na esfera privada e ainda mais na pbli-ca, de se identificar um modelo de proteo cujas regras no cerceiemos potenciais proporcionados pela tecnologia digital e pela internet,de modo que esses potenciais sejam utilizados a favor da criao e do

    acesso aos bens intelectuais.Para a busca de modelos de proteo adequados esfera pblica

    necessrio o estudo particularizado das obras cuja titularidade dosdireitos patrimoniais pertena administrao pblica, de modo quese aproveitem as caractersticas desses bens na aplicao dos princpiosque regem a atuao da administrao quanto gesto e uso desseacervo.

    Essas obras, em geral criadas em decorrncia das atividades de um

    rgo pblico, ou ento adquiridas para dar suporte a elas, requerem umtratamento que corresponda aos objetivos que levaram ao investimen-to pblico realizado para a criao ou aquisio desse bem intelectual.

    Os bens literrios e artsticos cujo domnio de titularidade da ad-ministrao pblica devem ser estudados sob a tica do que efetiva-mente so: bens pblicos. Nessa condio, devem se submeter a umregime que considere os princpios administrativos que regem esses

    bens, afastando normas de direito privado que no sirvam para a ade-

    quada tutela em face dos interesses da administrao e da sociedade.H ainda que se levar em considerao os princpios constitucio-

    nais de acesso cultura1 e preservao do patrimnio cultural2. Sobesses aspectos de bens pblicos e de direitos fundamentais se percebea importncia de que sobre essas obras recaia um modelo de proteoespecfico, condizente com a atuao da administrao e com os inte-resses da sociedade.

    Entretanto, no h na legislao brasileira sobre proteo autoral

    um tratamento especfico para as obras da administrao, de modo queno prejudique a finalidade pblica de que se cercam essas criaes.Tambm no h no regime aplicvel aos bens pblicos dispositivos que

    1 Art. 215. O Estado garantir a todos o pleno exerccio dos direitos culturais e acesso s fontesda cultura nacional, e apoiar e incentivar a valorizao e a difuso das manifestaes cultu-rais. (CF, 1988)

    2 Art. 216. Constituem patrimnio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial,

    tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referncia identidade, ao, memria dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: [...] III as criaes cientficas, artsticas e tecnolgicas; 1 O poder pblico, com a colaborao da comunidade, promover e proteger o patrimnio

    cultural brasileiro, por meio de inventrios, registros, vigilncia, tombamento e desapropria-o, e de outras formas de acautelamento e preservao. (CF, 1988)

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    Introduo| 19

    faam proveito das caractersticas desse tipo de bem para um ganhoefetivo da coletividade.

    Diante da importncia do amplo acesso a esses bens, no apenas oregime jurdico aplicvel aos bens literrios e artsticos da administra-

    o deve ser diferenciado, como tambm devem ser colocados dispo-sio dos administradores mecanismos para que estes, no exerccio desuas atribuies, possam estabelecer o alcance adequado do acesso aesses bens, como, por exemplo, situaes em que o prazo estabelecidode proteo seja excessivo a ponto de prejudicar a finalidade daquelacriao intelectual.

    Ainda que a funo social da propriedade intelectual aparea nor-teando a reviso das normas da Lei de Direitos Autorais, como nos

    tpicos referentes s limitaes aos direitos autorais, a questo de trata-mentos especficos para obras que pertenam administrao pblica,apesar de o interesse pblico estar diretamente associado utilizaodesses bens intelectuais, tem sido pouco abordada nas discusses so-

    bre a reviso da LDA.A atualidade da discusso acerca do tratamento autoral das obras

    pertencentes administrao pblica tambm se justifica sob outro as-pecto: do mesmo modo que as ferramentas de tecnologia tm facilitado

    a criao e distribuio de obras pelos particulares, os rgos pbli-cos contam com o acesso no apenas a computadores e programas quepermitem maiores possibilidades para criar, mas muitas vezes contamtambm com verdadeiros escritrios de criao, como estdios de te-leviso, editoras de revistas, jornais e livros, gerando acervos impor-tantes de contedos que deveriam chegar sociedade sem as barreirascriadas para proteger os interesses de particulares.

    Os elementos centrais desenvolvidos no trabalho tm por base a

    noo de utilidade pblica como funo inerente aos bens pblicos li-terrios e artsticos, concepo que aponta para a necessidade de bus-car um regime jurdico compatvel com os desafios atuais e as possi-

    bilidades advindas da tecnologia e dos conceitos jurdicos mais atuaisrelacionados propriedade, como a funo social aplicada aos benspblicos. Bens pblicos so meios para que, direta ou indiretamente, opoder pblico atinja seus objetivos , portanto, a finalidade pblica oelemento a nortear o uso do bem pblico.

    O presente estudo abrange, sob o aspecto da proteo autoral apon-tado, a gesto, o acesso e a utilizao das obras literrias e artsticasde titularidade da administrao pblica, e esse exame s se completacom a anlise dessas obras em seu contexto de bem pblico, cujo uso

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    Introduo| 21

    propriedade, e concluindo com o exame dos direitos fundamentais deacesso cultura e ao conhecimento.

    Por fim, sero apresentadas propostas de mudanas normativaspara que se principie a discusso acerca da elaborao de regime jur-

    dico especfico aplicvel aos bens pblicos literrios e artsticos. Tam-bm ser examinada a utilizao de licenas pblicas como mecanismode acesso e gesto das obras autorais pertencentes administrao. Porfim, ser estudada a importncia do fortalecimento do domnio pbli-co como mecanismo para que o Estado cumpra a obrigao constitu-cional de promover o acesso e a preservao do patrimnio cultural

    brasileiro, e a relevncia dos bens pblicos literrios para a efetividadedo domnio pblico.

    1.2 Consideraes metodolgicas

    O problema em anlise neste trabalho diz respeito verificao danecessidade de proteo autoral diferenciada para as obras literrias,artsticas e cientficas de titularidade da administrao pblica direta,em face dos princpios administrativos, da funo social da proprie-dade e do direito fundamental de acesso ao conhecimento e cultura.

    A razo do enfoque do estudo nas obras pertencentes adminis-

    trao pblica direta entidades estatais que compem o sistema fe-derativo (Unio, estados, Distrito Federal e municpios) e que so res-ponsveis pelo desempenho das atividades administrativas de formacentralizada (CARVALHO FILHO, 2011, p. 11) diz respeito possibi-lidade de se pensar em um tratamento mais homogneo a esses bens,ante as caractersticas dos entes tratados. Busca-se, assim, evitar a am-pliao demasiada dos tpicos a serem examinados, haja vista que oestudo dos bens pertencentes administrao pblica indireta com-

    posta pelas autarquias, sociedades de economia mista, empresas p-blicas e fundaes pblicas (CARVALHO FILHO, 2011, p. 11) levaria necessidade de uma anlise bastante extensa, decorrente das especi-ficidades de cada um desses componentes, bem como a propostas he-terogneas de tratamento dos bens destes entes, diante das distinesentre estes, o que extrapolaria os objetivos desse estudo. Portanto, nestetrabalho, ao se referir de modo geral administrao pblica, est-sereferenciando administrao pblica direta.

    O mtodo dedutivo partindo da teoria geral aplicvel aos bens p-blicos e s obras literrias e artsticas, para ento estabelecer as relaescom a questo particular dos bens pblicos literrios e artsticos foi o

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    escolhido para a elaborao da anlise dos temas que compem essetrabalho. A hiptese a ser avaliada a de que a administrao pbli-ca, em atendimento aos princpios administrativos, funo social dapropriedade e aos direitos fundamentais de acesso ao conhecimento

    e cultura, deve ser provida dos meios especficos para assegurar afinalidade pblica dos bens literrios e artsticos de sua titularidade.

    Os bens pblicos literrios e artsticos considerados neste estudoso somente aqueles cuja titularidade do domnio dos direitos autoraispatrimoniais inquestionavelmente pertence administrao pblicadireta. Essa delimitao se faz necessria, pois em razo de lacuna naLei 9.610/1998 quanto s obras produzidas por encomenda ou decorren-tes da atividade funcional, h o questionamento sobre a titularidade do

    domnio das obras produzidas nessas condies. Apesar da relevnciadesse tema3essa discusso no ser, como indicado, alvo do estudopresente nesse trabalho, cujo foco ser centrado na avaliao da tutelaautoral das obras que tm seus direitos autorais patrimoniais inques-tionavelmente pertencentes administrao pblica, qualquer que te-nha sido a forma de aquisio.

    Os bens pblicos literrios e artsticos de que trata este trabalho nose confundem com os atos oficiais sobre os quais versa o inciso IV do

    artigo 8 da Lei 9.610/1998 (textos de tratados ou convenes, leis, decre-tos, regulamentos, decises judiciais e demais atos oficiais). Como sedepreende do dispositivo legal, esses atos, mais prximos do conceitode ato administrativo, no sentido de uma declarao do Estado des-tinada a produzir efeitos jurdicos e que, portanto, dependem justa-mente da publicidade de seu contedo, no so protegidos pelo direitoautoral. Tambm no se inclui neste estudo a questo da proteo dosprogramas de computador cujo domnio de titularidade da adminis-

    trao pblica, haja vista que as especificidades dessa proteo am-pliariam demasiadamente o objeto do estudo. Apesar disso, diversasconsideraes apresentadas podem tambm contribuir para o estudoacerca da gesto e da utilizao dos programas de computador da ad-ministrao pblica.

    3 Jos Carlos da Costa Netto (2008, p. 100) aborda o tema em sua obra Direito autoral no Brasil,bem como Plnio Cabral (2000, p. 122), em Direito autoral: dvidas e controvrsias.

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    2Bens pblicos literrios e

    artsticos

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    Bens pblicos literrios e artsticos| 25

    Este captulo compreende o exame do objeto deste estudo: os bens p-blicos literrios e artsticos. abordada inicialmente a teoria relaciona-

    da aos bens pblicos em geral, como eles so conceituados, quais suascaractersticas, as classificaes relevantes para a anlise da proteoautoral das obras literrias e artsticas de domnio da administraopblica, bem como a questo da finalidade desses bens.

    Foi adotada a expresso bens literrios e artsticos para indicar asobras protegidas pelos direitos autorais, associadas ao adjetivo pbli-cos para apontar que a titularidade do domnio pertence adminis-trao pblica, e que esses bens fazem, portanto, parte do acervo que

    compe o patrimnio pblico.A expresso obras literrias e artsticas utilizada na Conveno

    de Berna4, referncia normativa para os direitos autorais, abrangendoas obras do domnio literrio, artstico e cientfico. Segundo Joo Hen-rique da Rocha Fragoso (2009, p. 84), a Conveno de Berna, firmadaem 9 de setembro de 1886, [...] constitui, at hoje, o instrumento-padropara o direito de autor. Ainda segundo esse autor, a conveno foi ini-cialmente elaborada com um carter claramente protecionista da pro-

    duo intelectual da Europa, porm adquiriu uma amplitude univer-sal, tornando-se o instrumento tpico para a interpretao e aplicaodo direito de autor (FRAGOSO, 2009, p. 85).

    Explicada a nomenclatura utilizada, cabe estabelecer de forma maiscompleta quais tipos de obras se enquadram entre os bens pblicosliterrios e artsticos. A prpria Conveno de Berna traz uma lista em

    4 Artigo 1 da Conveno de Berna: Os pases a que se aplica a presente conveno constituem--se em Unio para a proteo dos direitos dos autores sobre as suas obras literrias e artsticas.(grifo nosso). Disponvel em: . Acesso em: 15 ago. 2011.

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    que referencia quais obras compem os bens literrios e artsticos pro-tegidos pelo direito autoral, em seu artigo 25:

    Os termos obras literrias e artsticas abrangem todas as produes dodomnio literrio, cientfico e artstico, qualquer que seja o modo ou a for-

    ma de expresso, tais como os livros, brochuras e outros escritos; asconferncias, alocues, sermes e outras obras da mesma natureza;as obras dramticas ou dramtico-musicais; as obras coreogrficase as pantomimas; as composies musicais, com ou sem palavras,as obras cinematogrficas e as expressas por processo anlogo ouda cinematografia; as obras de desenho, de pintura, de arquitetura,de escultura, de gravura e de litografia; as obras fotogrficas e asexpressas por um processo anlogo ao da fotografia; as obras de arteaplicada; as ilustraes e os mapas geogrficos; os projetos, esboose obras plsticas relativos geografia, topografia, arquitetura ou

    s cincias. (grifo nosso)

    Esse rol meramente exemplificativo como se depreende da expres-so tais como, presente logo ao incio do dispositivo. Diante destanorma tem-se o suficiente para identificar se nessa lista podem ser in-cludas as obras que compem o acervo da administrao pblica nacondio, portanto, de bens pblicos. Atualmente, a administrao noapenas adquire diversos contedos apresentados na lista de obras pro-tegidas pelo direito autoral, como tambm as produz.

    Antes, porm, importante verificar se a composio do acervo pbli-co comporta bens literrios e artsticos, como definidos anteriormente.

    Acerca da composio do acervo pblico, assim se manifesta Mar-ques Neto (2009, p. 225):

    O patrimnio pblico composto por todas as espcies de bens. A te-oria tradicional dos bens pblicos, dissemos antes, sempre se baseou muitomais nos bens imveis. No obstante, pode-se cogitar, cada vez mais, de bensmveis relevantes na constituio deste acervo patrimonial.Como ensina

    Massimo Severo Giannini, as normas (e diramos ns, a doutrina)sobre os bens pblicos so sobretudo referenciadas sobre os bensimveis, fora do peso da tradio passada, na qual estes bens, im-veis, constituam fonte importante da riqueza. Porm, segue Gian-nini, indiscutvel que por aspectos funcionais nos dias atuais osbens patrimoniais disponveis [de uso especial, vale dizer] consti-tuem a categoria mais relevante e entre estes bens os bens mveisso os que tm maior importncia. (grifo nosso)

    Destaque-se a relevncia que o autor aponta aos bens imveis na

    construo da teoria tradicional dos bens pblicos. patente a per-

    5 Artigo 2 da Conveno de Berna. Disponvel em: . Acesso em: 15 ago. 2011.

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    cepo, na doutrina administrativista, do amplo espao concedido aotratamento jurdico dado aos bens imveis da administrao, enquantoaos bens mveis se reserva um espao notoriamente menor.

    Como indicado tambm no trecho citado, os bens mveis vm ga-

    nhando importncia no contexto contemporneo, e cada vez mais aadministrao se v a frente de situaes em que esses tipos de bem mveis pedem um tratamento para o qual o sistema jurdico noapresenta a soluo mais adequada, como no caso dos bens literrios eartsticos da administrao, objetos desse estudo.

    As obras literrias e artsticas de titularidade da administrao p-blica so bens pblicos, e por essa razo devem se submeter ao regimejurdico a eles aplicveis.

    Embora a teoria dos bens pblicos esteja sempre presente na doutri-na administrativista, percebe-se que o foco desses estudos se d sobreos bens corpreos ou materiais. So os bens corpreos, sejam eles m-veis ou imveis, que so utilizados como exemplos nas obras de direitoadministrativo quando se discorre a respeito da teoria dos bens pblicos.

    Os bens incorpreos ou imateriais, e mais especificamente os bensliterrios e artsticos que fazem parte do acervo pblico, apesar dessacondio, passam margem desses estudos, sendo raramente aborda-

    dos, nem mesmo como exemplos. Apesar disso, como se viu anterior-mente, essa condio deve se alterar, em face da importncia que os

    bens intangveis vm adquirindo em termos de valor, especialmentepelos benefcios que se passa a obter mediante o uso desses bens.

    Desse modo, a indiferena da doutrina administrativista acerca dosbens incorpreos no se justifica no cenrio da sociedade da informa-o. Se anteriormente era mais visvel a atribuio de valor aos benscorpreos, o bem incorpreo tem sido conduzido ao eixo central da era

    da informao e do conhecimento.A facilidade de criao dos bens intangveis, destacadamente das

    obras literrias e artsticas, em razo das ferramentas tecnolgicas deproduo, ampliar o acervo dos bens incorpreos da administraopblica, e esta dever estar plenamente preparada para, sob a tica doprincpio da eficincia, extrair o mximo de ganho social com o usodesses bens.

    2.1 Definio de bem pblicoO desenvolvimento desse estudo passa pela incluso das obras li-

    terrias e artsticas no acervo dos bens pblicos da administrao,

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    situao que justificaria regime jurdico particular a essas obras, emface da finalidade dos bens pblicos e dos princpios administrativos aeles aplicveis. Por essa razo, deve-se apresentar logo de incio o con-ceito de bem pblico, de modo que se verifique se as obras literrias e

    artsticas de titularidade da administrao se encaixam nesse conceito.O termo bem, como visto, possui diversos significados. impor-

    tante que se delimite, ento, aquele ao qual se prende o presente estudo.Segundo Denis Barbosa (2003a, p. 34):

    [...] para o jurista, bem o objeto de um direito. de se notar quenem todos os bens jurdicos sero bens econmicos, pois os h decarter apatrimonial, como as relaes de famlia puras e a cidada-nia. Noo prxima de bem coisa, que boa parte da doutrina con-sidera sinnimo, porm mais correto reservar a palavra coisa paraos elementos destacveis da matria circundante. De outro lado,nem todas as coisas so bens, por serem incapazes de satisfazer umdesejo ou uma necessidade humana; como h coisas capazes de sa-tisfazer desejo ou necessidade, mas que no so disponveis nem es-cassos (como o ar), tm-se tanto coisas que no so bens econmicoscomo bens jurdicos patrimoniais que no so coisas. So as coisasque, simultaneamente, so bens jurdicos patrimoniais que se tor-nam objeto dos direitos reais, inclusive da propriedade, na acepotradicional, romanstica.

    Para Slvio Rodrigues, bens econmicos so aquelas coisas que,sendo teis ao homem, existem em quantidade limitada no universo,ou seja, so bens econmicos as coisas teis e raras, porque s elas sosuscetveis de apropriao, ressaltando ainda que bens e coisasso conceitos de extenso diferente, sendo coisas para o autor,tudo aquilo que existe objetivamente, com excluso do homem o gnero do qual bem espcie. Continua Slvio Rodrigues (2002,p. 115) ressaltando que alguns valores no se corporificam em coisas,

    mas por terem contedo econmico so objeto de regulamentao pelodireito civil; so os bens incorpreos, tais como o direito autoral.Bens, portanto, podem ser corpreos ou incorpreos, como ressaltaMarques Neto6(2009, p. 50):

    6 A obra Bens pblicos: funo social e explorao econmica o regime jurdico das utilidades pbli-cas, de Floriano de Azevedo Marques Neto, apresenta proposta de carter inovador acerca do

    tratamento jurdico a ser dado ao bem pblico. Ainda que aquele autor no tenha a intenode examinar especificamente a questo dos bens imateriais elementos centrais desta obrarelacionada aos direitos autorais , mencionando-os eventualmente, ele ressalta a importnciadesses bens no contexto atual. Cabe destacar que os argumentos apresentados naquela obra,com destaque para a otimizao da finalidade social ou coletiva do bem pblico, servem deamparo a parte das propostas presentes nesse estudo.

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    Na conceituao por ns aqui adotada, bens seriam os objetosdotados de utilidades s quais de possa atribuir valor econmico.No universo destes h coisas (objetos dotados de materialidade) eno coisas (objetos desprovidos de materialidade, mas existentesindependentemente do seu suporte material). Valor econmico no

    apenas de troca (ao qual normalmente corresponde a relao jurdi-ca do bem), mas tambm valor de uso. A acepo que adotamos paraconceito de bem envolver, dessarte, no apenas o universo dos objetosmateriais (coisas em sentido no jurdico), mas tambm os objetos imate-riais, intangveis, passveis de valorao econmica independente do seu su-porte fsico. [...] Entendemos, ento, serem bens os objetos que, comou sem materialidade ( dizer, mesmo sem ser propriamente coisas),so dotados de utilidades susceptveis de valorao econmica (peloseu valor de troca ou de uso). (grifo nosso)

    Identificados os atributos que fazem de algo um bem para o di-reito, pode-se partir para a definio do que seriam os bens pblicos.Preliminarmente, tome-se o conceito que aparece no artigo 98 do Cdi-go Civil brasileiro (Lei n 10.406/2002):

    Art. 98. So pblicos os bens do domnio nacional pertencentes spessoas jurdicas de direito pblico interno; todos os outros so par-ticulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.

    Esse dispositivo indica que o acervo de bens pblicos determina-do em razo da relao de propriedade entre o bem e uma pessoa jur-dica de direito pblico interno. Pode-se dizer que esse artigo apresentaum conceito subjetivo de bem pblico, ou seja, que o define em funodo detentor do domnio do bem.

    Tambm pode ser utilizado o critrio objetivo, que define se umbem pblico com base no fim ao qual ele est designado. Celso An-tnio Bandeira de Mello (2004, p. 803) adota ambos os critrios paradefinir bens pblicos; para ele, bens pblicos so todos os bens quepertencem s pessoas jurdicas de direito pblico e acrescenta aindaaqueles que embora no pertencentes a tais pessoas, estejam afetados prestao de um servio pblico.

    Ainda acerca da definio de bem pblico, e estendendo a definiosubjetiva do artigo 98 do Cdigo Civil, assim dispe Celso Spitzcovsky(2005, p. 444):

    Nesse sentido, poderemos definir bens pblicos como todos aque-les pertencentes s pessoas jurdicas de direito pblico, integrantesda administrao direta e indireta e aqueles que, embora no per-tencentes a essas pessoas, estejam afetados prestao de serviospblicos, o que acabaria por abranger, tambm, os bens diretamente

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    relacionados aos servios pblicos executados por concessionrios epermissionrios.

    Neste ponto, se deve fazer referncia aos bens intelectuais. Se umaobra literria ou artstica de propriedade e aqui se est falando em

    direitos patrimoniais de pessoa jurdica de direito pblico interno,essa obra, de acordo com o artigo 98 do Cdigo Civil, far parte doacervo de bens pblicos nacionais.

    Muito se discutiu sobre o exerccio da propriedade dos bens pbli-cos por parte da administrao. Segundo Maria Sylvia Di Pietro, al-guns autores do ramo, como Berthlemy e Gaston Jze ou Ducroq, anegavam, alegando faltar trs atributos para configur-la: uso, fruto edisponibilidade. Continua a autora:

    Na poca contempornea, no incio deste sculo, os autores, lidera-dos por Maurice Hauriou, passaram a afirmar a tese da propriedadeadministrativa sobre o domnio pblico7, mas uma propriedade re-gida pelo direito pblico. Ela tem pontos de semelhana e diferenacom a propriedade privada: assim que a administrao exerce so-bre os bens de domnio pblico os direitos de usar ou de autorizara sua utilizao por terceiros; o de gozar, percebendo os respectivosfrutos, naturais ou civis; o de dispor, desde que o bem seja previa-mente desafetado, ou seja, desde que o bem perca a sua destinao

    pblica. [...] Em razo disso, foram afastadas as doutrinas que viamna propriedade do Estado um direito de propriedade privada ou quenegavam a existncia desse direito em relao aos bens de domniopblico. (DI PIETRO, 2005, p. 582)

    Antes de se avanar na questo dos bens intelectuais, importantemencionar que, partindo do prprio texto do artigo 98 citado, a pro-priedade de um bem pblico no do povo (situao em que os bensestariam, ento, meramente sob a guarda do Estado), mas sim do pr-

    prio Estado. Pela mesma razo no se deve entender que um bem p-blico no de propriedade de ningum (res nullius). Nesse sentido semanifesta Marques Neto (2009, p. 93):

    Nem a concepo de bens pblicos como propriedade do povo (ape-nas sob guarda do Estado), nem a tese de bens pblicos como resnullius se mostraram compatveis com o direito ou mesmo conve-nientes. So incompatveis com o direito porquanto todas as coisasque so dedicadas ao cumprimento das finalidades estatais so tra-tadas como bens integrantes do patrimnio das pessoas jurdicas de

    direito pblico interno integrantes da Federao, seja pela Constitui-

    7 A autora utiliza a expresso domnio pblico abrangendo os bens de uso comum do povo eos de uso especial, conforme explicado na p. 581 da obra citada.

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    o (artigo 20 e artigo 26), seja pelo direito positivo (artigo 98 e artigo99 do CCB e artigo 1, Decreto-Lei n 9.760/1946). luz da redaodada pelo artigo 98 do CCB, no vemos como haveria espao parase cogitar de uma terceira espcie de bens alm dos pblicos e dosprivados. Afinal, diz a lei que dentre os bens do domnio nacional

    (bens integrantes do territrio brasileiro) os que pertencem ao Es-tado so pblicos e todos os demais sero do domnio de algumprivado, o que afasta a ideia da existncia de bens que no pertenama ningum.

    A questo relevante, pois se prosperasse o entendimento de que obem pblico bem que no est no patrimnio de ningum (res nullius),haveria situao desfavorvel ao bem, podendo ocasionar a reduoda sua utilidade, especialmente pelo aproveitamento oportunista (no

    caso, por exemplo, de uso sem preocupao com o seu esgotamento),ou at mesmo pela captura privada do bem (por exemplo, no caso emque um particular cerca um determinado bem, impedindo o uso pelosdemais, buscando apropriar-se dele).

    Voltando ao artigo 98 do CCB, para que o bem seja pblico e,portanto, se submeta ao regime jurdico prprio desses bens neces-srio que haja uma relao de domnio, ou seja, que o bem pertena auma pessoa jurdica de direito pblico interno. Pertencer leva ideia

    de propriedade, de estar incluso na esfera patrimonial de algum. Or-lando Gomes (2005, p. 109) apontou as caractersticas que marcam oconceito de propriedade:

    Sinteticamente, de se defini-lo, como Windscheid, como a submis-so de uma coisa, em todas as suas relaes, a uma pessoa. Analiti-camente, o direito de usar, fruir e dispor de um bem, e de reav-lo dequem injustamente o possua. Descritivamente, o direito complexo,absoluto, perptuo e exclusivo, pelo qual uma coisa fica submetida vontade de uma pessoa, com as limitaes da lei.

    Pertencendo o bem a uma pessoa jurdica de direito pblico inter-no, esta exerceria sobre ele os direitos de usar, fruir e dispor, ou, comomencionado, a coisa estaria submissa s vontades do proprietrio. Po-rm, diante dos deveres que esse ente estatal tem em face dos admi-nistrados, os poderes oriundos da propriedade devem ser praticadosdentro dos limites definidos em razo da finalidade do bem e da pr-pria funo da pessoa jurdica de direito pblico interno que detm a

    propriedade. Nesse sentido, Marques Neto (2009, p. 108):O que significa dizer que a pessoa jurdica de direito pblico inter-no, em relao aos bens que lhe pertencem, possui direitos reais emface de todos os administrados. Como, luz do direito pblico, o ente

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    estatal assume deveres em relao a estes mesmos administrados(princpio da funo), pode-se dizer que, em face dos bens, as pes-soas de direito pblico mantm uma dupla relao de poderes e de-veres, que variar consoante a natureza e a utilidade de cada bem.

    Desse modo, a propriedade exercida sobre um bem pblico se d deforma diferenciada, justamente em razo da funo pblica exercidapelo ente proprietrio. E no se trata apenas de limitao proporcionadapela funo social da propriedade (que est presente tanto na relaode propriedade particular quanto na propriedade de bens pblicos),mas tambm pela finalidade do Estado, que tem nos princpios admi-nistrativos os elementos que norteiam sua atuao.

    Apontar que um bem pertence ao acervo pblico significa dizer que

    sobre ele no recaem as regras gerais de propriedade a que se subme-tem os bens privados. Pensam-se de imediato em algumas normas pro-tetivas peculiares aos bens da administrao, como inalienabilidade,impenhorabilidade, no onerao e imprescritibilidade.

    Porm, no so apenas essas regras a distinguir o regime aplicvelaos bens pblicos, mas principalmente o entendimento de que esses

    bens devem estar voltados ao atendimento das necessidades da socie-dade, e por essa razo, devem ser adquiridos, administrados e vendi-

    dos sempre sob a tica de eficincia para essa finalidade coletiva. importante ainda salientar que no h um nico regime aplic-

    vel aos bens pblicos, mas sim regimes utilizados para que se trateo bem pblico da forma que se obtenha a finalidade a ele conferida.Esses regimes afastam ou vo alm do direito privado, como ocorre naaquisio, alienao e gesto dos bens pblicos, que devem observarnormas especficas. Essas regras de direito pblico variam conformeo tipo de bem, o seu domnio e o uso ao qual ele est afetado. Confor-

    me indica Mrcio Pestana (2010, p. 485), o regime jurdico aplicvel aobem pblico distingue-se, sensivelmente, do regramento aplicvel aodireito privado, que consagra disciplinas jurdicas distintas daquelasaplicveis a realidade pblica.

    A j citada classificao pelo critrio objetivo que define se umbem pblico com base no fim ao qual ele est designado, em contra-posio ao critrio subjetivo, que leva em considerao a pessoa jur-dica detentora do bem traz relevante elemento para a caracterizao

    do bem pblico, que somente poder ser assim qualificado se tiver suafinalidade vinculada a um interesse pblico, direta ou indiretamente.

    Esses dois critrios so complementares e, portanto, no se excluemmutuamente. Entretanto, o critrio subjetivo, que se fundamenta na

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    definio do titular do domnio, no o mais adequado para o esta-belecimento do regime jurdico-administrativo que determina a formade aquisio, utilizao, alienao e, principalmente, gesto dos benspblicos, pois, como visto, essa forma deve ter por base a natureza e

    finalidade do prprio bem, alm da funo exercida pelo ente pblicoque exerce o domnio sobre o bem. Portanto, necessrio para o estabe-lecimento de normas sobre o bem pblico que se considere no apenasa pessoa detentora do domnio sobre ele, como tambm as prpriascaractersticas e a finalidade desse tipo de bem.

    2.2 Criao, aquisio e titularidade de obras

    literrias e artsticas na administrao pblica

    O amplo acesso e utilizao de ferramentas tecnolgicas para acriao de obras literrias e artsticas teve reflexos na esfera da admi-nistrao pblica. Cada vez mais rgos da administrao produzemprogramas de televiso, filmes, msicas, clipes, personagens, livros efotografias, obras que, como visto na introduo deste captulo, segun-do a Conveno de Berna, so protegidas pelo direito autoral. Porm,como parte do acervo da administrao, essas obras compem o con-

    junto de bens pblicos do Estado.A criao ou a aquisio dessas obras literrias ou artsticas pela

    administrao, em geral, esto relacionadas s atividades finalsticasdos rgos pblicos, ou seja, so criadas para que estes executem suasfunes de servir a sociedade. Essa razo indica a importncia, para asociedade, de ter acesso facilitado a essas obras.

    Alm do interesse da sociedade, ainda deve ser ressaltado que aproduo do bem intelectual na administrao se d pela aplicao deverbas pblicas, quer pela remunerao paga aos criadores, quer pelaestrutura adquirida pelo rgo para dar suporte criao, como a aqui-sio de equipamentos e demais insumos.

    Porm, ao se analisar o acesso aos bens pblicos literrios ou arts-ticos sob os critrios dos princpios administrativos, se percebe que odever da administrao de promover de modo amplo o acesso a esseacervo vai alm desse argumento de utilizao da obra como meio parase atingir os objetivos coletivos dos rgos que compem a administra-o pblica, ou mesmo da utilizao de verbas pblicas na criao ouaquisio do bem.

    No que diz respeito aquisio de bens pela administrao pblica,h que se ter em mente que esta deve ser orientada sempre por algum

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    administrao no basta adquirir um bem, mas principalmentesaber como utiliz-lo adequadamente aps a aquisio. E adequada-mente significa extrair do bem o mximo de ganho para o interesseda coletividade, de forma direta ou indireta. Portanto, com a gesto

    apropriada dos bens pblicos que se pode identificar os caminhos paraa otimizao desses ganhos coletivos. Importante destacar a aplicaodos princpios administrativos a guiar a administrao quanto ao ge-renciamento desses recursos. Sobre a adequada gesto dos bens pbli-cos, aponta Marques Neto (2009, p. 270):

    A gesto dos bens pblicos envolve dois aspectos inter-relacionados: agesto patrimonial, entendida como a otimizao do emprego do patri-mnio pblico, com vistas a obter a maior racionalidade econmica, e

    a disciplina do uso, voltada a assegurar que este emprego seja consen-tneo com as finalidades de interesse geralaos quais o bem est consa-grado. da combinao destes dois aspectos que se d a adequadagesto dos bens pblicos. (grifo nosso)

    Diante desse contexto de ampliao da produo de obras no mbi-to da administrao pblica, do interesse da sociedade em ter o acessofacilitado a esses bens e da aplicao de verbas pblicas na criao des-ses bens intelectuais, preciso questionar se o tratamento de proteo

    autoral concedido a eles representa a melhor soluo sob a tica dosprincpios que regem a administrao. Para tanto, necessrio conhe-cer o sistema de proteo autoral vigente no Brasil. Antes, porm, de-ve-se examinar algumas caractersticas intrnsecas dos bens literriose artsticos, e que devem influenciar o regime jurdico sob o qual tais

    bens, quando pblicos, devem estar subordinados.

    2.3 Imaterialidade dos bens pblicos

    literrios e artsticosSegundo o dicionrio Houaiss, imaterial algo que no tem consis-

    tncia material, no da natureza da matria, no tem existncia pal-pvel; impalpvel. Essa caracterstica marca do objeto da proteoautoral. As obras literrias ou artsticas protegidas so as criaes doesprito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte,tangvel ou intangvel, conhecido ou que se invente no futuro, confor-me o artigo 7 da Lei 9.610/1998.

    O fato de ter de ser expressa no significa que o bem protegido tangvel. A obra no se confunde com o suporte utilizado para expres-s-la. O que se protege nos direitos autorais a imaterialidade da obra,

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    e no o suporte desta, que serve para tornar esse bem intangvel emalgo perceptvel aos sentidos. Portanto, mesmo uma obra de artes pls-ticas, como uma esttua, deve ser entendida como uma concepo quefoi apresentada por meio de um suporte. Essa a obra original, mas

    dela podem ser realizadas cpias que seguem a criao do esprito doautor. Portanto, o bem protegido imaterial. Quem adquire um livrono est adquirindo a obra do autor, mas sim uma cpia daquela cria-o original elaborada pelo autor.

    A imaterialidade caracterstica, portanto, das obras protegidas pelodireito autoral, a despeito do suporte fsico aos quais muitas delas seencontram expressas. Sobre o tema, destaca Denis Barbosa (2003a, p. 62):

    Como se viu, a noo emprica de imaterialidade ingressa no cam-

    po do direito, em particular no que toca propriedade imaterial,quando se constata que a diferena entre a coisa livro, clulas,mquinas e a concepo da obra. Uma vez que existam meios dereproduzir coisas pela reespecificao de bens fsicos pela aplicaode um mesmo conceito imaterial, o sonho flutuante de Gautier setransforma numa regra de reproduo. Sempre se pode reproduzir aplanta de um palcio num outro terreno, em outra construo idnti-ca dois prdios diversos mas uma s concepo. A planta descrevea regra pela qual se repete o palcio, mas a regra transcende o papel.Quando se gravam em placas de madeira, escavadas com tcnica e

    criatividade, a imagem reversa de um desenho, a matriz de xilogra-vura incorpora fisicamente a regra de reproduo; mas outra placapode ser escavada, igual, incorporando em outra matria a mesmaregra, e revelando que a regra imaterial. Num soneto guardado de cor,e reproduzido em manuscrito, a regra puramente imaterial continente econtedo igualmente intangveis. (grifo nosso)

    Continuando no tema da imaterialidade do objeto protegido pelodireito autoral, deve-se destacar que em razo da possibilidade de re-

    produo do contedo se busca criar uma escassez artificial do bem,impedindo-se, por exemplo, reprodues no autorizadas. A escassezartificial pode ser criada inclusive em bens tangveis, como lembraMarques Neto (2009, p. 426):

    Imagine-se o seguinte exemplo: num pas dominado por um tirano,h uma importante estrada cuja capacidade comporta o uso por to-dos os proprietrios de veculos. Porm, por questes polticas, spodem por ela circular os detentores de uma senha, concedida ape-nas aos prceres e apaniguados do ditador. A estrada no ser rival

    (o uso por um no exclui a utilizao por outrem). Porm, a exclusode parte dos indivduos do uso pode ensejar uma escassez e, porexemplo, conferir valor econmico ao passe (direito de uso) no mer-cado negro do hipottico e desafortunado pas.

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    Essa escassez artificial possibilita que o detentor de direitos patri-moniais sobre a obra intelectual possa explor-la comercialmente, gra-as ao valor econmico obtido por meio da escassez. O que se pergunta se essa escassez artificial tambm benfica sob a tica da finalida-

    de pblica que deve nortear a gesto e utilizao dos bens pblicose, especialmente, para este estudo, das obras literrias e artsticas daadministrao.

    Sobre a imaterialidade do objeto da proteo autoral, Denis BorgesBarbosa destaca ainda que a noo de imaterialidade ingressa no direi-to quando se percebe a diferena entre a coisa elementos tangveis,como um livro, uma clula, uma mquina e a concepo da obra;existindo meios para reproduzir a coisa pela aplicao de um mesmo

    conceito imaterial, tem-se a regra de reproduo, que a essncia daobra protegida.

    H uma frase de Thomas Jefferson, lembrada por Lessig no livroCultura livre (2005, p. 101), que ressalta a caracterstica essencial doselementos incorpreos: aquele que recebe uma ideia minha aprendesobre ela tanto quanto eu, sem diminuir o que eu j sei; assim comoquem acende seu lampio no meu recebe luz sem me deixar no escu-ro. Nestes dias de rede mundial de computadores e tecnologia digital,

    o impacto dessa imaterialidade ressaltado, como lembra HermanoVianna em coluna publicada no jornal O Globo, Segundo Caderno, de9/7/2010:

    Imagine o que [Victor] Hugo e [Thomas] Jefferson pensariam dapoca ps-internet, quando meu fogo pode iluminar a vela de cria-dores de todo o mundo num piscar de olhos, quando o raro se tornouabundante atravs de cpias digitais baratas e perfeitas, quando osamplerj h dcadas motor da criatividade musical.

    Essa caracterstica de bem abundante, no escasso, haja vista queuma obra pode ser reproduzida e, a depender do tipo de obra com

    bastante facilidade, especialmente aquelas em formato digital, como amaior parte dos textos, fotos, msicas e vdeos atualmente, faz com queseja necessrio criar um mecanismo artificial de escassez para trazervalor econmico obra autoral.

    Quem cumpre esse papel de criar escassez artificial para as produ-es literrias e artsticas a prpria lei, que impede que a obra seja

    reproduzida sem a autorizao do autor ou do detentor dos direitosde reproduo sobre a obra. Desse modo, o autor pode explorar eco-nomicamente a obra, permitindo que tire da seu sustento, bem comotoda uma cadeia de negcios pode ser montada sobre os direitos de

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    Bens no rivais, portanto, so aqueles cujo consumo por uma pessoano impede que outras pessoas tambm o faam.

    No se deve confundir no rivalidade com no excludncia. O bemno excludente aquele cuja utilizao pode ser impedida. Por exem-

    plo, um biscoito um bem rival e tambm excludente. rival porquese algum estiver comendo o biscoito, ningum mais pode com-lo nomesmo momento. excludente porque o dono do biscoito pode privaroutros de consumirem, estipulando um preo para o biscoito.

    Os peixes no mar so bens rivais, mas no excludentes. Rivais por-que se algum pesca um peixe, ningum mais pode pesc-lo naquelemomento. no excludente porque virtualmente impossvel privaras pessoas de irem ao mar para pescar.

    Um canal de televiso a cabo no rival, j que muitas pessoas po-dem assisti-lo simultaneamente, porm excludente, pois os proprie-trios podem privar que se assista ao canal sem o pagamento de umvalor mensal.

    Uma frmula matemtica um bem no rival8, pois muitas pessoaspodem us-la ao mesmo tempo. tambm no excludente, pois seriapraticamente impossvel que se privasse o uso da frmula, caso estaseja de conhecimento pblico.

    Deve-se levar em considerao que um bem ser excludente no de-pende somente de sua natureza fsica, mas tambm do sistema legal.

    Trazendo esses conceitos s obras literrias e artsticas da adminis-trao pblica, marcadas, como visto, pela imaterialidade, possvelverificar que a no rivalidade tambm propriedade inerente a essecontedo. A no rivalidade dos bens pblicos literrios e artsticos trazimportantes reflexos para serem observados na definio do regime

    jurdico a eles aplicvel.

    Caso seja possvel o uso de um bem pblico literrio e artstico si-multaneamente por vrias pessoas j que so bens no rivais, ou seja,a utilizao do bem por uma pessoa no exclui as demais , facilitaresse acesso deve ser a regra a ser aplicada sobre esses bens, e a limita-o ao acesso, a exceo.

    No caso dos bens literrios e artsticos da administrao, a escassezartificial proporcionada pela Lei de Direitos Autorais no est ajustadapara o ponto timo da utilizao do bem pblico com mxima finali-

    dade pblica, mas sim ao interesse privado na explorao comercial

    8 um conhecimento e, conforme a citao de Thomas Jefferson realizada no item 2.3 desta obra,quem espalha suas ideias no tem seu conhecimento reduzido.

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    que os bens pblicos no estejam sujeitos a usucapio; e o terceiro,estabelece que s os bens que se pode alienar podero ser dados empenhor, anticrese ou hipoteca. A tudo isso, acrescente-se o artigo 100da Constituio Federal, que exclui a possibilidade de penhora debens pblicos, ao estabelecer processo especial de execuo contra

    a Fazenda Pblica.

    A nica meno atualmente feita diretamente para obras literriase artsticas, relacionando-as administrao pblica na Lei de DireitosAutorais, est no artigo 8, e mesmo assim para informar que no so dedomnio da Unio, dos estados, do Distrito Federal ou dos municpios asobras por eles subvencionadas. Interessante observar que, apesar do in-vestimento pblico realizado na criao, afasta-se a possibilidade de vira administrao a ter parte na propriedade do bem criado, e ainda mais,sem criar contrapartida que traga um benefcio para a sociedade, como aobra estar disponvel de modo mais amplo para utilizao, por exemplo.

    Assim, observado o regime geral aplicvel aos bens pblicos, restaao administrador a Lei de Direitos Autorais brasileira para poder re-alizar a gesto do acervo composto pelas obras literrias e artsticaspertencentes administrao pblica.

    Sobre o uso da Lei 9.610/1998, a atual Lei de Direitos Autorais bra-sileira, pela administrao pblica para lidar com os bens pblicos li-terrios e artsticos, sintomtico o exemplo encontrado na anlise doprocesso judicial de nmero 003632-0003632-38.2010.4.5.05.8300, da Se-o Judiciria de Pernambuco, no qual a Unio ajuizou ao ordinriacontra Roberval Rocha Ferreira Filho e a editora Livro Rpido-Elgica.Na ao, segundo a sentena proferida em 30 de novembro de 2010, aUnio pretende a determinao, em sede liminar, de suspenso davenda dos exemplares da obraA Constituio segundo a jurisprudncia doSupremo Tribunal Federalque porventura ainda estejam em circulao.No mrito requer a condenao dos rus, [...], nas sanes previstasnos artigos 102 e seguintes da Lei 9.610/1998.

    Ainda segundo o relatrio dessa deciso, a Unio alega que o Su-premo Tribunal Federal mantm, na sua pgina oficial da internet [...],um linkque permite acesso ao texto A Constituio e o Supremo, o qualrelaciona a jurisprudncia da Suprema Corte aos artigos da Constitui-o Federal de 1988, tendo sido elaborado por analistas judicirios da-quele tribunal e que os rus publicaram e comercializaram o livroAConstituio segundo a jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal, cujo con-tedo idntico ao disponibilizado no site oficial da Suprema Corte.E prossegue o relatrio indicando que a Unio esclarece que aps a

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    realizao do procedimento prvio para apurao dos fatos, concluiu--se que o caso em apreo revela violao ao direito autoral do SupremoTribunal Federal e diante disso foi promovida reunio conciliatriacom os rus na Procuradoria Regional da Unio, mas no houve a for-

    malizao de nenhum acordo apesar de ter-lhes sido deferido prazopara apresentao de contraproposta.

    No procedimento prvio citado (Processo Administrativon 00405.003906/2009-70/Procuradoria-Geral da Unio), h o ofcio denmero 150 do Supremo Tribunal Federal, de 31 de maro de 2009,assinado pelo ento presidente desse tribunal, ministro Gilmar Men-des, encaminhado ao advogado-geral da Unio, informando que haviachegado ao conhecimento daquela Corte a comercializao de obra

    denominadaA Constituio segundo a jurisprudncia do Supremo TribunalFederal, do autor Roberval Rocha Ferreira Filho, cujo contedo constituicpia daquele apresentado no site do STF, e que a reproduo do con-tedo da pgina eletrnica, bem como sua verso impressa constituiapropriao indevida de trabalho intelectual, fato que poder incidirna Lei n 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, solicitando a comparaoentre as obras e as providncias cabveis. Portanto, o prprio STF apon-ta a Lei 9.610/1998 como o diploma a tutelar a obra desenvolvida pelos

    seus servidores.No mesmo procedimento administrativo, h o Parecer n 172/2009,

    do Departamento de Estudos Jurdicos e Contencioso Eleitoral, da Pro-curadoria-Geral da Unio, DEE/PGU/AGU, o qual indica que a obraelaborada pelos servidores do STF, mesmo contendo decises judiciais,as quais no so protegidas pelo direito autoral em face do artigo 8,inciso IV da LDA, apresenta um trabalho de avaliao, organizaoe compilao, razo pela qual no se poderia afastar a proteo ou-

    torgada pelo artigo 7, inciso XIII, tambm da LDA (p. 4). No mesmoparecer, aps ressaltar a explorao comercial da obra que seria cpiadaquela produzida pelos servidores do STF, h a lembrana de queconsoante o art. 28 da Lei 9.610, de 1998, cabe ao autor o direito exclu-sivo de utilizar, fruir e dispor da obra literria, artstica e cientfica, eque o artigo 29 da mesma lei indica que depende de autorizao prviae expressa do autor a utilizao da obra (p. 6). Percebe-se novamenteque a Lei 9.610/1998 amplamente utilizada pela administrao para

    tratar da tutela de um bem pblico literrio e artstico. Cabe destacarum pargrafo do mesmo parecer, bastante elucidativo:

    O direito de propriedade intelectual da obraA Constituio e o Supre-mo, s.m.j.,pertence Unio(artigo 11, pargrafo nico, da Lei n 9.610,

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    de 1998), haja vista que fruto do trabalho desenvolvido por servidoresdoE. STF, no exerccio de suas atribuies funcionais epara atender umafinalidade pblica especfica (no caso, garantir o direito de informaoaos cidados, com a disponibilizao gratuita da pesquisa jurispru-dencial). (Parecer n 172/2009/DEE/PGU/AGU, p. 7, grifo nosso)

    Deve-se notar que o parecer destaca a finalidade pblica do bem in-telectual elaborado, cuja proteo autoral demandada. A Procurado-ria-Geral da Unio ressalta no parecer a irregularidade da exploraocomercial da obra que seria cpia daquela produzida no STF (p. 7), masa irregularidade se estenderia mesmo diante no caso de reproduointegral para fins no comerciais, haja vista no haver a informaode autorizao para esse fim, por meio, por exemplo, de uma licena

    geral pblica.O processo judicial 003632-0003632-38.2010.4.5.05.8300 ajuizadopela Unio na Seo Judiciria de Pernambuco foi sentenciado em pri-meiro grau no dia 30 de novembro de 2010, e o pedido da Unio foi de-clarado improcedente, por entender o juzo prolator da sentena que aobra elaborada pelos servidores do STF no vislumbrou contedo a serprotegido pela tutela autoral no compndioA Constituio e o Supremo.Ainda segundo a citada deciso, o produto do trabalho do STF nada

    mais foi seno a sistematizao dos acrdos principais do tribunalacerca do texto da Constituio. Nem de obra coletiva se pode falar,porquanto sequer os nomes dos servidores vieram a ser citados porextenso no texto, nem a ttulo de agradecimento. Esse entendimento o oposto daquele apresentado no Parecer n 172/2009/DEE/PGU/AGU,que apontava haver proteo autoral em face do trabalho de avaliao,organizao e compilao, como indica o artigo 7, inciso XIII, da LDA.A Unio recorreu da sentena prolatada em 2 de maro de 2011, e este

    recurso ainda no foi a julgamento (janeiro de 2014). O que se avalianeste trabalho que mesmo sendo considerada obra protegida pelo di-reito autoral, poderia a legislao, diante de uma reconhecida finalida-de pblica do bem pblico literrio e artstico, garantir um acesso maisamplo dele ao cidado.

    O caso apresentado ressalta, portanto, a utilizao da Lei 9.610/1998pela administrao para tutelar os bens literrios e artsticos a ela per-tencentes. O ponto a ser analisado diz respeito verificao de os dispo-

    sitivos dessa norma no se apresentarem demasiadamente restritivospara o tratamento dos bens pblicos literrios e artsticos, aplicandosobre estes bens um regime de direito privado que no se coaduna com

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    a finalidade pblica inerente a eles, nem tampouco aos princpios ad-ministrativos que devem reger a gesto dos bens pblicos.

    2.6 Afetao e bens pblicos literrios e artsticos

    Como a finalidade a qual o bem pblico est adstrito essencialpara a determinao do regime jurdico a ele aplicvel, torna-se impor-tante o estudo do instituto da afetao, que significa a consagrao do

    bem a um uso relacionado a uma utilidade pblica.A afetao, segundo Maral Justen Filho (2005, p. 706), a destina-

    o do bem pblico satisfao das necessidades coletivas e estatais,do que deriva sua inalienabilidade, decorrendo ou da prpria nature-za do bem ou de um ato estatal unilateral. Nas palavras de Jos dos

    Santos Carvalho Filho (2011, p. 1055), pode-se conceituar afetaocomo sendo o fato administrativo pelo qual se atribui ao bem pbli-co uma destinao pblica especial de interesse direto ou indireto daadministrao. O autor distingue fato administrativo de ato adminis-trativo, indicando que o fato tanto pode ocorrer mediante a prticade ato administrativo formal, como atravs de fato jurdico de diversanatureza, mesmo entendimento de Digenes Gasparini e Maria SylviaZanella Di Pietro.

    Ainda acerca da afetao, indica Celso Antonio Bandeira de Mello(2002, p. 769) que a preposio de um dado bem pblico a um de-terminado destino categorial de uso comum ou especial, podendo ad-vir da prpria destinao natural do bem ou ainda ser imposto por leiou ato administrativo. Seguindo a mesma linha, Digenes Gasparini(2003, p. 688) aponta que afetar atribuir ao bem uma destinao; consagr-lo ao uso comum do povo ou ao uso especial.

    Se um bem pblico est afetado, portanto, ele est destinado ao in-

    teresse pblico. Ao contrrio, se o bem pblico no est afetado no hvnculo pelo menos direto a uma utilizao de interesse pblico. Adesafetao condio, por exemplo, para que um bem pblico possaser alienado. Se o bem estiver de algum modo associado ao interessepblico, dever ser primeiro desafetado, para s ento poder ser aliena-do, conforme a interpretao do artigo 100 do Cdigo Civil.

    O bem pblico literrio e artstico, do mesmo modo que os outrostipos de bens pertencentes administrao, pode estar afetado e vir

    a ser desafetado ou simplesmente no estar afetado.Porm, afetado ou no, nota-se que ao bem pblico deve se dar uti-

    lidade coletiva, caso contrrio no h razo para que ele se incorpore

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    ao patrimnio pblico, sob a tica do princpio da eficincia. Possuirum recurso que no traz benefcios sociedade e ter que gastar, no m-nimo, com a gesto desse bem, afrontar o princpio apontado. Nessesentido, Marques Neto (2009, p. 283):

    Todos os recursos(materiais, humanos e financeiros) do Estado s tmrazo de ser se prestantes ao atendimento(direto ou indireto, imediatoou remoto) de uma necessidade coletiva. Caso contrrio, a utilizaodos recursos estatais implicaria em retirar riqueza da sociedade paraimobiliz-la na pessoa jurdica poltica, esvaziando-a de utilidade.(grifo nosso)

    O mesmo autor, reforando o argumento apresentado, indica queno se coaduna com o nosso texto constitucional que o poder pblico

    possua bens apenas pelo valor de troca destes, e que se o bem integrao patrimnio pblico ele deve possuir um valor de uso social, ou seja,uma utilidade suficiente para a coletividade, a qual justificaria a imobi-lizao desse bem junto ao patrimnio do Estado (MARQUES NETO,2009, p. 312).

    2.7 Valor de troca e valor de uso do bem pblico

    Do ponto de vista econmico podem-se estabelecer dois eixos para

    o conceito de valor, como apontado por Adam Smith (2007, p. 26): va-lor de troca, que se refere ao potencial econmico do bem decorrenteda relao comutativa, ou seja, de quanto uma pessoa est disposta aceder para incorporar o bem em seu patrimnio; e valor de uso, quediz respeito ao potencial econmico decorrente da relao utilitria do

    bem, derivando da satisfao de uma necessidade ou desejo humanoespecfico, relacionado a quanto uma coletividade se dispe a pagar parapoder utilizar o bem. O valor de uso de um bem, portanto, est ligado

    utilidade do bem; o valor de troca tem por base a capacidade de deten-tor do bem em obter outros bens no mercado. No h necessariamenteuma relao entre valor de uso e valor de troca, como Adam Smithaponta no que ficou conhecido como o paradoxo da gua e do diamante:

    No h nada de mais til que a gua, mas ela no pode quase nadacomprar; dificilmente teria bens com os quais troc-la. Um diaman-te, pelo contrrio, quase no tem nenhum valor quanto ao seu uso,

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    mas se encontrar frequentemente uma grande quantidade de ou-tros bens com o qual troc-lo.9(SMITH, 2007, p. 26)

    O valor de uso vem se sobrepondo ao valor de troca quanto ao esta-belecimento do potencial econmico dos bens, como se verifica diante

    da importncia que os bens imateriais vm adquirindo na sociedadecontempornea. a utilizao desses bens intangveis e, portanto, seuvalor de uso, que tem garantido a eles o predomnio valorativo frenteaos bens tangveis.

    No caso da administrao pblica, amplia-se a percepo de que ovalor de uso de um bem se sobrepe ao valor de troca, pois a funodo bem, diante das finalidades da atuao do Estado, que exerce pontocentral no estabelecimento da valorao potencial econmico da-

    quele bem, alm do prprio papel do bem no acervo pblico.Porm, diferentemente dessa concepo, o regime jurdico dos bens

    pblicos foi elaborado sobre a premissa oposta, e se pautou na visode que o valor da propriedade partiria da aptido do bem para a troca(correspondente concepo vigente poca de elaborao das normasque formam o regime dos bens, na qual a presena de um corpo fsico,ou seja, a tangibilidade do bem, que o tornava relevante, inclusivefinanceiramente), e no predominantemente em funo da sua capaci-

    dade para uso.Portanto, o regime jurdico criado sob a prevalncia do valor de tro-

    ca sobre o valor de uso dificulta que se d o tratamento correto aos benspblicos sob a tica do interesse pblico, pois no a funo pblicado bem o eixo a definir o tratamento que se deve dar ao acervo quecompe o patrimnio pblico, mas sim a aptido do bem para troca.Somente colocando o valor de uso no centro da questo que se pode

    buscar um regime jurdico que privilegie a finalidade pblica do bem.

    Outras duas premissas, segundo Marques Neto, pautaram a elabo-rao do regime jurdico dos bens pblicos: (i) a relao jurdica entreproprietrio e bem conferiria aqueles direitos plenos de disposio, usoe gozo; (ii) o objeto de propriedade seria predominantemente pensa-do como objeto dotado de materialidade. Esses pressupostos tambmtrazem consequncias negativas ao regime jurdico aplicvel aos benspblicos diante da realidade contempornea, como prossegue Mar-ques Neto (2009, p. 387):

    9 Traduo livre do original em ingls: Nothing is more useful than water: but it will purchasescarce anything; scarce anything can be had in exchange for it. A diamond, on the contrary,has scarce any use-value; but a very great quantity of other goods may frequently be had inexchange for it.

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    [...] nos dias de hoje a noo de propriedade, mesmo no direito civil ouna teoria geral do direito, sofre profundas transformaes.Dois so osvetores principais destas mudanas.

    De um lado h a crescente desmaterializao da propriedade, en-tendida como o deslocamento de importncia dos bens materiais para osbens intangveis. Podemos dizer que vivemos um processo de des-materializao da riqueza, na medida em que os ativos intangveispassam a ter muito mais importncia econmica do que os bensmateriais. Tal processo no decorre apenas da imaterialidade ditadapela tecnologia ou pelo conhecimento, marcantes do processo pro-dutivo contemporneo. desmaterializao da riqueza correspondeum predomnio do uso em detrimento da comutao.Os bens, hoje maisdo que nunca, valem muito mais pela utilidade que franqueiam coletividade, do que pelo incremento patrimonial que conferem aoseu titular.

    De outro lado est o que poderamos chamar de funcionalizao dapropriedade, manifestada na crescente ateno do direito para com a fina-lidade a ser cumprida pelo emprego dos bens, pblicos e privados, e que temcomo indicador mais patente a adstrio dos bens funo social.

    A esses vetores se somam as transformaes no papel do Estado con-temporneo, com demandas crescentes e recursos escassos. (grifonosso)

    Dois fatores, portanto, afetam a aplicao do regime jurdico aosbens pblicos no cenrio contemporneo. Primeiro, a importncia queos bens imateriais tm assumido na sociedade, relevncia essa que ad-vm justamente do valor de uso associado a eles, ou seja, utilidadeque esses bens proporcionam coletividade, muitas vezes intima-mente ligada tecnologia que permite a ampla fruio desse bem,alm do carter central que o conhecimento representa no processoprodutivo moderno.

    Em segundo lugar, o carter de funo social que cada vez maistem moldado o conceito de propriedade, e em especial, o da proprieda-de pblica. A propriedade no est presente apenas para preencher asnecessidades individuais do ente detentor do bem, mas tambm parafazer com que o bem seja parte de um sistema a sociedade cujas pe-as se encaixam justamente pelas finalidades comunitrias existentesnesse prprio sistema.

    Os bens pblicos literrios e artsticos, nesse contexto, refletem osvetores de mudana citados, pois a intangibilidade desses bens repre-senta de modo direto a desmaterializao da riqueza, onde o valor deuso se sobrepe ao valor de troca, e a finalidade a ser cumprida por

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    esses bens, na esfera cultural, ressalta a relevncia da funo socialdessa propriedade, sempre cabe ressaltar, pblica.

    2.8 Classificao e bens pblicos

    literrios e artsticos

    Classificar os bens pblicos tem importncia prtica: de acordocom o agrupamento em que o bem se encaixa que se determinam quaisregras se aplicam a ele, ou seja, quais normas especficas sero aplic-veis ao bem pblico em razo do grupo ao qual ele pertence.

    Existem diversas formas de classificar ou agrupar os bens pblicos,conforme a necessidade, que pode ser para fins de estudo do tema ou,ento, para que se determinem as regras que balizam a utilizao des-ses bens.

    Uma das classificaes que determinam regras especficas parabens pblicos encontra-se disposta no artigo 99 do Cdigo Civil (Lei10.406/2002), e tem por base a utilizao do bem:

    Art. 99.So bens pblicos:

    I os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruase praas;

    II os de uso especial, tais como edifcios ou terrenos destinados aservio ou estabelecimento da administrao federal, estadual, terri-torial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;

    III os dominicais, que constituem o patrimnio das pessoas jur-dicas de direito pblico, como objeto de direito pessoal, ou real, decada uma dessas entidades.

    Pargrafo nico. No dispondo a lei em contrrio, consideram-se do-minicais os bens pertencentes s pessoas jurdicas de direito pblicoa que se tenha dado estrutura de direito privado.

    Pelo dispositivo citado, existem trs categorias de bens pblicos: osde uso comum do povo, os de uso especial e os dominicais.

    Os bens de uso comum so aqueles colocados disposio dos ad-ministrados de modo indistinto, sem que haja necessidade de qualquertitulao especial ou que se cumpra alguma condio prvia, excetoa observncia de regras relacionadas ao seu uso ordenado. Dirley daCunha Jnior (2011, p. 362) indica que os bens pblicos de uso comum

    so aqueles destinados, como o prprio nome diz, ao uso comum e ge-ral de toda a comunidade, tais como os rios, os mares, as estradas, ruase praas. H uma destinao especfica ao uso coletivo.

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    Um membro da coletividade tem, portanto, o direito de utilizarqualquer bem na categoria de uso comum do povo, porm ele no sertitular do domnio desse bem. Esse direito de uso no se apresenta emmoldes individuais, mas sim como um direito pblico subjetivo, ou

    ainda, um direito coletivo de ordem pblica, j que no integra o con-junto de direitos individuais do sujeito, e nem por ele renuncivel.Sobre os bens de uso comum, acrescenta Carvalho Filho (2011, p. 1050):

    Nessa categoria de bens [de uso comum] prevalece a destinaopblica no sentido de sua utilizao pelos membros da coletividade.Por outro lado, o fato de servirem a esse fim no retira ao poder p-blico o direito de regulamentar o uso, restringindo-o ou at mesmoo impedindo, conforme o caso, desde que se proponha tutela dointeresse pblico.

    A segunda categoria a que se refere o inciso II do artigo 99 do Cdi-go Civil, os bens de uso especial, so aqueles mveis ou imveis desti-nados materializao de atividades de interesse pblico, podendo serutilizados na consecuo de determinado servio, ou mesmo comporuma repartio pblica (ou ser a prpria, no caso de bem imvel).

    Segundo Dirley da Cunha Jnior, os bens de uso especial desti-nam-se a prestao de servio administrativo, tais como os edifcios

    ou terrenos destinados a servios ou estabelecimento da administra-o federal, estadual, distrital ou municipal, inclusive os de suas autar-quias e fundaes pblicas (2011, p. 362).

    Os bens de uso especial tm, portanto, carter instrumental, ou seja,servem de meios para que a administrao obtenha suas finalidadescoletivas. Esses tipos de bens pblicos no so de fruio geral dos ad-ministrados, mas sim utilizados em um servio pblico, sendo o poderpblico o usurio direto do bem, mesmo que seja para prestar socie-

    dade o benefcio pblico decorrente da atividade do rgo da adminis-trao. Carvalho Filho (2011, p. 1051) aponta como exemplos de bensde uso especial:

    [...] os edifcios pblicos, como as escolas e as universidades, os hos-pitais, os prdios do Executivo, Legislativo e Judicirio, os quartis eos demais onde se situem reparties pblicas; os cemitrios pbli-cos, os aeroportos; os museus; os mercados pblicos; as terras reser-vadas aos indgenas, etc. Esto, ainda, nessa categoria, os veculosoficiais, os navios militares e todos os demais bens mveis necessrios s

    atividades gerais da administrao, nessa incluindo-se a administraoautrquica, como passou a constar do Cdigo Civil em vigor. (grifonosso)

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    A distinguir ainda o bem de uso comum do de uso especial, no pri-meiro h caractersticas de generalidade, impessoalidade e incondicio-nalidade, enquanto no segundo, diversamente, o usurio em geral, aprpria administrao dever possuir algum ttulo especial que legi-

    time o uso do bem, e o benefcio para a coletividade se dar de modoindireto pela utilizao realizada por esse uso legitimado.

    Outro ponto diz respeito consagrao do bem ao uso coletivo: en-quanto os bens de uso comum, sejam eles naturais ou artificiais, apre-sentam caractersticas que intrinsecamente o predicam para a utiliza-o direta da coletividade, os bens de uso especial no demonstram demodo direto essa aptido um terreno ou um prdio utilizado paraservir de repartio pblica tem caractersticas que tambm estariam

    aptas a suprir uma atividade privada (MARQUES NETO, 2009, p. 219).J a terceira categoria de bens pblicos, chamados dominicais ou

    dominiais, so aqueles que no tm uma destinao especfica, cons-tituindo o patrimnio disponvel das pessoas jurdicas de direito p-

    blico, como objeto de direito real dessas entidades (CUNHA JNIOR,2011, p. 362). Por no estarem destacados a uma finalidade pblica, sohabitualmente definidos pela doutrina como bens no afetados, fazendoparte do acervo pblico somente para fins patrimoniais. Porm, como

    destaca Marques Neto, o fato de no possuir destinao coletiva deordem geral ou direta, no significa que o bem dominial no deve seprestar a fins pblicos. Segundo esse autor:

    Em regra, os bens dominicais, ainda que no possuam uma destinaode ordem geral ou especfica ao uso do administrado, no deveriamdeixar de ter uma funo. [...] [se prestar] a gerar receitas que sejamempregveis no cumprimento das crescentes demandas da socieda-de. Aqui voltamos ao tema da funo social da propriedade. Todos osbens objeto de relao dominial, diz a Constituio (artigo 5, XXIII),

    devem cumprir sua funo social. [...] No caso do domnio pbli-co10esta funo social se confundir com os usos de interesse geralque so reservados a cada espcie de bem. (MARQUES NETO, 2009,p. 220, grifo nosso)

    Tambm apontando para finalidades pblicas aplicveis aos bensdominicais, assinala Maria Sylvia Di Pietro (2005, p. 587) que hoje j seentende que a natureza desses bens no exclusivamente patrimonial;

    10 Neste caso, o autor est se referindo ao domnio pblico administrativo (bens pblicos), no seconfundindo com o domnio pblico autoral (obras cuja proteo dos direitos autorais patrimo-niais se extinguiu).

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    Bens pblicos literrios e artsticos| 51

    a sua administrao pode visar, paralelamente, a objetivos de interessegeral e conclui que:

    Alm disso, a prpria administrao financeira constitui objetivoapenas imediato, pois, em uma perspectiva mais ampla, atende a fins

    de interesse geral. Esse novo modo de encarar a natureza e funo dosbens dominicais leva alguns autores a considerar sua administraocomo servio pblico sob regime de gesto privada. O duplo aspectodos bens dominicais justifica a sua submisso a regime jurdico de direitoprivado parcialmente derrogado pelo direito pblico. (DI PIETRO, 2005,p. 587, grifo nosso)

    Os bens pblicos ainda podem ser classificados, alm da finalida-de, quanto titularidade bens federais de titularidade da Unio, es-taduais, dos estados, distritais, do Distrito Federal, e municipais, dosmunicpios (CUNHA JNIOR, 2011, p. 361) , alm das classificaesquanto a natureza jurdica, cabveis tambm aos bens privados bensmveis e imveis, bens fungveis, consumveis, divisveis, singulares ecoletivos (PESTANA, 2010, p. 485).

    Todavia, a mencionada classificao pela finalidade, disposta noartigo 99 do Cdigo Civil, que traz elementos importantes para a dis-cusso acerca dos bens pblicos literrios e artsticos.

    Como visto, a identificao da categoria do bem servir como ele-mento para identificar, dentro do regime jurdico aplicvel aos benspblicos, quais as regras de aplicao especfica para o bem analisado.Porm, tambm se devem identificar caractersticas relacionadas na-tureza jurdica do bem, como o caso de ser mvel ou imvel, haja vistatambm a existncia de regras distintas para cada um destes tipos.

    Os bens protegidos pelo direito autoral so imateriais, e essa carac-terstica traz um problema quando se trata de bens pblicos: as normasque formam o arcabouo jurdico aplicvel aos bens pblicos no dotratamento especfico a essa classe de bens, possivelmente pela poucaimportncia dada a eles nos momentos de elaborao legislativa, ape-sar das caractersticas bastante distintas entre esses bens intangveis eos bens tangveis. Os bens imateriais passam a fazer parte central daatribuio de valor a um acervo patrimonial, em face da importnciado valor de uso sobre o valor de troca, e a classificao dos bens pbli-cos, com vistas a se obter a tutela adequada ao bem, deveria consideraras especificidades dos bens intangveis, haja vista as repercusses daimaterialidade do bem, especialmente a no rivalidade.

    De todo modo, pode-se utilizar a j abordada classificao quanto finalidade para o enquadramento dos bens literrios e artsticos da

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    administrao, que poderiam ser includos nas trs categorias, confor-mes os exemplos a seguir:

    Bens de uso comum: as obras em domnio pblico, como uma foto-grafia do acervo de rgo da administrao cujo prazo de proteodos direitos patrimoniais tenha se encerrado.

    Bens de uso especial: as obras criadas para dar suporte atividadeadministrativa, como um filme criado para treinamento de servi-dores pblicos em uma determinada atividade.

    Bens dominicais: uma obra, ainda com prazo de proteo dos di-reitos patrimoniais vigentes, que tenha sido utilizada para paga-mento de dvida com o Estado.

    A caracterizao das obras literrias e artsticas da administraona categoria de bens de uso comum do povo traz aspectos importantespara a gesto desses bens, pois em geral bens mveis (especialmenteaqueles tangveis) so entendidos como bens dominicais ou de uso es-pecial; porm, no caso dos bens literrios e artsticos, h a possibilidadede serem considerados bens