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  • 7/24/2019 Proposta Curricular de Histria PJF

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    PREFEITURA DE JUIZ DE FORASECRETARIA DE EDUCAO

    Proposta CurricularHistria

    Elaborao

    Consultoras: Sonia Regina Miranda (Programa de Ps-Graduao em Educao/UFJF)Fabiana Rodrigues de Almeida (Professora de Histria)

    Equipe colaboradora:Amanda Sangy Quiossa (Secretaria de Educao)Ana Paula dos Santos Rangel (CAIC Nbia Magalhes)Denise Vieira Franco (Secretaria de Educao)Gustamara Freitas Vieira (E.M. Jos Calil Ahouagi)

    Leandro Jos de Oliveira Delgado (CAIC Rocha Pombo)Patrcia Lage de Almeida (E.M. Jesus de Oliveira)Yara Cristina Alvim (Faculdade de Histria/ UFJF)

    2012

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    EXPEDIENTE

    Prefeito de Juiz de Fora

    Custdio Mattos

    Secretria de Educao

    Eleuza Maria Rodrigues Barboza

    Chefes de Departamento

    Angelane Serrate FernandesGisela Maria Ventura PintoLcia Elena da Silva

    Luiz Antonio Belletti RodriguesRosamar Barbosa Cabral MartinsSandra Maria Duque

    Reviso

    Amanda Sangy QuiossaCristiano Antnio Fernandes BarbosaDaniele Berzoini MaulerIolanda Cristina dos Santos

    Joo Carlos Matos de MedeirosMargarete Gonalves Bittar de CastroMrian Sanbio Tavella

    Coordenao de Arte Grfica

    Marcela Gasparetti LazzariniSebastio Gomes de Almeida Jnior (Tito Junior)

    CapaTito Junior

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    SUMRIO

    APRESENTAO ...................................................................................................... 4

    INTRODUO ............................................................................................................ 6

    1 PARA COMEO DE CONVERSA: O QUE SIGNIFICA CONSTRUIRDIRETRIZES CURRICULARES PARA UMA REDE PBLICA? ................................ 8

    1.2 Podem exist ir caminhos curriculares d iferentes para a Histria? ............. 10

    1.2 Quais so os maiores desafios para se produzir diretrizes curricularespara a rea de Histr ia? ...................................................................................... 16

    2 POR QUE E COMO SE EDUCA UMA CRIANA PARA LIDAR COM AVARIABILIDADE DE CONHECIMENTO E PARA CONSTITUIR UMA POSTURACRTICA PERANTE AS FONTES DE SABER E IDEIAS DE VERDADE? ............. 19

    2.1 De princpios tericos a esco lhas metodolgicas ...................................... 292.2 Prticas possveis a partir da metodologia proposta para o Eixo doConhecimento ...................................................................................................... 40

    2.2.1 Os Jornais em sala de aula ..................................................................... 40

    2.2.2 A Literatura como Inst rumento............................................................... 42

    2.2.3 O Estudo do Meio .................................................................................... 44

    2.2.4 Fotografias e Filmes ................................................................................ 46

    3 O QUE SIGNIFICA EDUCAR PARA A COMPREENSO DA TEMPORALIDADE?.................................................................................................................................. 50

    3.1 Sobre o tempo e datas: para uma reflexo necessria acerca de rotinasescolares............................................................................................................... 50

    3.1.1 Quanto Tempo o Tempo tem? ................................................................ 56

    3.2 Prticas possveis a partir da metodologia proposta para o eixotemporalidade ...................................................................................................... 62

    4 O QUE SIGNIFICA EDUCAR PARA A COMPREENSO DA MEMRIA? .......... 78

    4.1 Prt icas de memria na esco la ..................................................................... 82

    4.1.1 Memria e narrativa ................................................................................. 82

    4.1.2 Memria e objetos.................................................................................... 85

    4.1.3 Memria e identidade .............................................................................. 88

    5 TABELA DE REFERNCIA: SABERES EM MOVIMENTO E ALGUMAS CHAVESPARA LEITURA E USO............................................................................................ 94

    REFERNCIAS E SUGESTES PARA SABER MAIS .......................................... 100

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    APRESENTAO

    Este currculo o resultado do debate e do trabalho dos profissionais da rede

    municipal de educao de Juiz de Fora.

    Desde a implantao do ensino fundamental de 9 anos e com as novas definiespara a Educao Infantil, imps-se como fundamental a necessidade de elaborar ocurrculo da rede municipal, num processo simultneo de valorizao e divulgaodas ideias e do trabalho realizado por vrios profissionais em diferentes escolas.

    A existncia de documentos de referncia, que so utilizados pelos professores emtodas as etapas do Ensino Fundamental, Educao Infantil e EJA, constitui a basepara o desenvolvimento de muitas experincias, cujos resultados so a elesincorporados, num movimento contnuo de alimentao, enriquecimento e

    fortalecimento das concepes e abordagens estabelecidas no processo de ensino eaprendizagem.

    A elaborao do currculo da rede municipal de Juiz de Fora foi organizada por umaequipe que acredita profundamente na construo coletiva dos fundamentos dotrabalho, assim como na necessidade de se manter o debate continuado em tornodas questes educacionais.

    Dessa forma, com o apoio de consultores da UFJF, UFF e Colgio de AplicaoJoo XXIII, foram constitudas equipes de trabalho por rea de conhecimento para aelaborao de um primeiro documento a ser discutido no I Seminrio do Currculo,

    em 2010. Participaram do Seminrio mais de 500 profissionais entre diretores,coordenadores pedaggicos e professores. Os grupos se formaram em torno dostemas e discutiram o documento com as equipes coordenadoras de cada rea.

    O Seminrio produziu um documento modificado pelo debate que foi encaminhadopara todas as escolas da rede para ser discutido por todos. A Secretaria deEducao sugeriu um cronograma de discusso que aproveitava os momentos dereunio pedaggica, mas cada escola pode organizar sua prpria forma de realizar aatividade. Os coordenadores pedaggicos foram os articuladores das discussesnas escolas aps terem participado de um seminrio especfico, quando seaprofundaram no estudo dos documentos preliminares de todas as reas.

    As ideias, dvidas, sugestes e crticas resultantes do debate realizado nas escolasforam encaminhadas Secretaria de Educao para subsidiarem um novo processode elaborao dos documentos. O II Seminrio do Currculo, em 2011, apresentouos novos documentos aos participantes e iniciou o debate sobre as formas maiseficazes para que eles pudessem ser verdadeiramente incorporados ao trabalho dosprofessores e das escolas.

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    Durante o ano de 2012 algumas reas avanaram na discusso da prticapedaggica com base no novo currculo. Foram criados grupos de estudo,presenciais e distncia, discusses regionalizadas com professores e umseminrio interno com os profissionais da Secretaria de Educao e as equipesespecialistas.

    Esse processo encerrou-se no final do ms de outubro de 2012, quando foi realizadoo III Seminrio do Currculo e consolidados os documentos para publicao.

    Temos certeza de que o investimento valeu a pena. Porm, preciso que o currculoseja a base e a sustentao do Projeto Poltico-Pedaggico da escola. No oabandonem na estante da escola. Ele um instrumento vivo que se modificaconstantemente com o processo de desenvolvimento da prtica pedaggica que eleprprio desencadeia e inspira.

    Que esse processo marque a inaugurao de um novo tempo na rede municipal de

    Juiz de Fora. Mais produtivo, mais gratificante e mais feliz.

    Professora Eleuza Maria Rodrigues Barboza

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    INTRODUO

    Prezado professor , prezada professora,

    Este documento foi elaborado com o objetivo de ser um disparador de

    conversas e de encontros no interior das escolas, mas tambm como um convite a

    um repensar. Sua formulao foi acompanhada de um amplo processo de

    dilogo e formao em contexto com a inteno de que a Histria a ser

    ensinada seja um objeto rico de reflexes no interior das diferentes realidades

    escolares. A produo do documento foi norteada por uma questo

    centra l : O QUE SIGNIFICA, AO LONGO DE UMA TRAJETRIA DE

    NOVE ANOS DE ESCOLARIZAO, EDUCAR PARA A

    COMPREENSO DA HISTRIA? .

    Seu propsito maior o de trazer, cena central do debate, um ponto de

    partida conceitual em torno do qual s e construiu parmetros gerais que sejam

    capazes de auxiliar professores da Educao Infantil, dos Anos Iniciais e dos Anos

    Finais do Ensino Fundamental a reconstruir e/ou aprofundar suas prticas, em

    consonncia com princpios atualizados dentro do campo de conhecimento daHistria. Pensando-se no conjunto, o local da Histria na Rede Pblica Municipal de

    Juiz de Fora ainda se encontra longe daquilo que poderia ser considerado como

    satisfatrio. A disciplina ainda posicionada, tal como ocorre em muitas outras

    realidades regionais, como um contedo acessrio, atravessado, nosanos iniciais,

    prioritariamente pelo tratamento de datas comemorativas e sob uma ancoragem

    metodolgica que mostra dificuldades em auxiliar crianas e jovens a promover

    um processo de dilatao de sua conscincia temporal. Por isso preciso mudar!

    A mudana tende a afetar a ao escolar como um todo e no somente a

    abordagem da Histria. Postulamos, com essa conduta reflexiva, uma escola

    potente e fortalecida em relao ao exerccio de sua autonomia pedaggica, to

    frequentemente colocada em xeque nos dias de hoje por medidas aparentemente

    tcnicas que, de modo falacioso e temerrio, conduzem o debate pblico

    desqualificao da ao docente e da escola pblica. Ao contrrio disso,

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    apostamos na possibilidade construtiva e no movimento de convite reflexo

    coletiva da escola.

    Acreditamos, ainda, na possibilidade de que sua implementao seja

    acompanhada, institucionalmente, por mecanismos de aprofundamento da reflexo

    terica e do olhar sobre prticas escolares. Os primeiros passos neste sentido j

    foram dados, quando da realizao dos trs Seminrios de Currculo da Rede

    Municipal de Juiz de Fora (2010 e 2012), que buscaram promover a apropriao da

    proposta curricular pelos educadores. Para alm disso, as visitas da equipe de

    Histria s escolas da Rede possibilitaram uma maior aproximao destas com o

    documento e foram fundamentais para seu desenho final, bem como para

    proposies de continuidade do trabalho, em vista do movimento de escuta que

    ocorreu.

    Esperamos que sua leitura propicie reflexes e caminhos agregadores e

    plurais nas diferentes unidades escolares e, com isso, que novos e construtivos

    roteiros sejam trilhados em direo a um ensino de Histria renovado, fortalecedor

    de identidades e efetivamente promotor de sentidos e significados para os sujeitos,

    alunos, professores e comunidade.

    Equipe de elaborao, novembro de 2012.

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    1 PARA COMEO DE CONVERSA: O QUE SIGNIFICA CONSTRUIRDIRETRIZES CURRICULARES PARA UMA REDE PBLICA?

    Currculos escolares so escolhas culturais, temporais, sempre variveis edinmicas. Ivor Goodson (2008), um importante terico ingls, estudioso de

    currculos, nos diz que currculos so sempre tradies inventadas, termo que

    Goodson pega emprestado do historiador ingls Eric Hobsbawm. Isso significa

    dizer que currculos so invenesporque so escolhas humanas, e, por

    isso, demarcadas historicamente e sempre sujeitas modificao com a passagem

    do tempo e com as mudanas operadas na sociedade. Mas significa dizer, tambm,

    que so tradies porque se convertem em estruturas de saber, em torno das

    quais as pessoas tomam decises, se movimentam e, principalmente, naturalizamideias e modos de agir. Nem sempre so tradies antigas, consistentes e

    emanadas a partir de uma postura de crtica, mas muitas vezes, de posturas que

    emergem do poder estabelecido.

    Em Histria, um bom exemplo disso so as ideias que nos fizeram acreditar

    na existncia de um grande tempo europeu que organiza a histria do mundo em

    quatro grandes etapas, por exemplo, como se somente fosse possvel estudar

    Histria a partir dos recortes da Histria Antiga, Medieval, Moderna e

    Contempornea. Ou como a noo de que o planisfrio posiciona, naturalmente,

    os pases do norte na parte de cima do mapa e os do sul na parte de baixo. Ora!

    Se a terra possui uma forma redonda, porque definir algo que fica em cima e

    algo que fica embaixo? Porque dizer que a frica fica embaixo? Porque a Europa

    fica no centro do olhar? E porque a Europa passa a ser a referncia de contagem do

    Tempo se h tantos outros tempos? Todas essas perguntas, que se

    manifestaram em escolhas curriculares e nos fizeram pensar de um modo e no de

    outro, so derivadas de decises de poder em um determinado tempo.

    Assim como as datas comemorativas, to frequentes no territrio escolar e

    to perigosamente articuladoras do lugar do ensino de Histria nas escolas, so

    tambm inventadas e transformadas ao longo do tempo e, por isso, no so

    naturais. Mas tambm podemos dizer que todas essas perguntas podem e tm

    sido respondidas de outros modos. Portanto, quando pensamos em currculo,

    estamos falando em territrios moventes e no em parmetros fixos e universais.

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    Por isso currculos sempre mudam e precisam ser discutidos em funo de

    princpios que orientam as escolhas dos professores (as). Aquilo que se prescreve

    em cada tempo para ser ensinado em um determinado espao algo que mantm

    fortes relaes com o que se projeta, em cada tempo e espao. Como o que se

    pretende que seja ensinado s geraes mais jovens porque o tempo e a

    sociedade mudam continuamente. Por isso, pensar e discutir currculos implica

    em discutir bases de saber constitudas, enfrentar estruturas j concebidas e

    fortalecidas, repensar materiais, refletir sobre a razo e importncia de

    escolhas que muitas vezes so naturalizadas .

    Alm disso, preciso dizer que o que se prescreve como algo geral

    apropriado por cada pessoa de modo plural e, em contextos sempre mltiplos e

    variveis. Assim como ns pensamos e fazemos escolhas diferentes, as escolas que so compostas por muitos sujeitos que se relacionam numa vasta cadeia de

    espaos e relaes - tambm encontram solues diferentes para ensinar o que

    proposto como algo geral.

    Por tudo isso, considerando-se o necessrio debate em torno do que significa

    pensar em qualidade na Educao Pblica, muito difcil pensar em um currculo

    nico, que seja capaz de ser aplicado de modo integral e invarivel. Sempre ser

    possvel repensar temas e abordagens, bem como orientaes metodolgicas

    constitudas a partir de algo que fora antes prescrito baseadas na formulao de

    algum, ou de algum grupo.

    Portanto, um ponto de partida conceitual importante, que orientou as

    reflexes da equipe responsvel pela rea de Histria, o princpio em torno da

    noo de diretriz curricular. Se observarmos em diferentes dicionrios, a noo

    de di re t r iz tanto pode ser apresentada com o sentido de guia, norma e conduta a

    ser cumprida, ou pode ser pensada em uma linha em torno da qual se

    estabelecem planos diversos e distintos de atuao.

    nesse ltimo sentindo que vamos trabalhar. Isso significa dizer que no

    pretendemos elaborar uma proposta curricular fechada, em torno de

    contedos especficos do tratamento da Histria, mas em eixos de questes

    necessrias formao do estudante ao longo de sua vida escolar.

    Habilidades de pensamento prprias da operao e procedimentos histricos

    que, do ponto de vista formativo, sobrepem-se mera acumulao passiva

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    de informaes.

    Isso significa dizer que pensar em diretrizes representa ancorar

    possibilidades de escolha com base no desenvolvimento autnomo e no

    exerccio da capacidade decisria das escolas e de seus professores, emconsonncia com a dinmica de cada instituio. Significa ainda dizer que

    diretrizes no podem ser compreendidas como programas estabelecidos

    para serem cumpridos de modo unvoco e linear.

    1.2 Podem existir caminhos curriculares diferentes para a Histria?

    Algumas perguntas sempre nos perseguem quando o assunto envolve

    discutir: o que ensinar em Histria? Primeiramente, o que vem cabea

    quando fazemos essa pergunta, em geral, so os contedos e fatos histricos

    especficos que sinalizam uma determinada cultura erudita em Histria. O

    problema que so os elementos dessa cultura erudita que vm demarcando

    selees relativas ao que ensinar e ao que cobrar, por exemplo, em exames e

    processos seletivos com grande efeito organizador da ao escolar.

    Neste sentindo, com muita facilidade, poder-se-ia responder que h

    contedos nicos, universais e fixos que deveriam ser ensinados. Contudo, a

    resposta nessa direo traria consigo apenas uma perspectiva com relao ao

    que a Histria , e para que ela serve no mbito da formao do estudante. Para

    compreender a permanncia e a fora dessa concepo, necessrio enxergar o

    contexto de criao desse campo de saber e de sua converso em disciplina

    escolar.

    A disciplina Histria foi inventada enquanto saber escolar num contextopautado pelo nacionalismo em expanso no sculo XIX. Histria caberia, no

    processo de formao das naes modernas, legitimar tradies comuns

    oferecidas como cimento social e cultural a multides de pessoas que passavam a

    se reconhecer como habitantes de um pas, e, portanto, tributrios de uma lngua,

    um territrio e uma tradio comuns.

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    Qual o formato de Histria era construdo nesse contexto? Uma H istria

    heroica, pautada em fatos memorveis de alguns indivduos destacados como

    construtores nicos da nao, com forte sentido de exemplaridade para os

    s u j e i t o s comuns. Essa H istria, narrada como uma substncia para a

    formao e manuteno de um determinado ideal de identidade nacional,

    pautava-se por uma apresentao linear de datas e feitos e, por um tempo

    articulado em torno da narrativa europeia.

    Foi preciso quase um sculo de evoluo no campo da historiografia para

    que a Histria se desvencilhasse, definitivamente, dessa perspectiva linear e factual

    e, sobretudo, de uma narrativa que considerava o fato histrico como algo produzido

    por grandes heris no passado. J a partir da dcada de 1930, a noo de sujeito

    histrico amplia-se significativamente, passando a considerar a Histria comoresultado de aes coletivas em cada tempo; a noo de saber histrico

    desvincula- se do exclusivismo do tempo passado, e passa a incorporar a

    problematizao do tempo presente como porta de entrada que permite a

    contnua reconstruo das explicaes e das temticas selecionadas.

    Com a ampliao do processo de dilogo entre a Histria e as demais

    Cincias Sociais ao longo do sculo XX, bem como com o aprofundamento do

    territrio de ao dos historiadores, a Histria passa a problematizar o tempo

    passado, atravs da compreenso e de leitura de nov a s fontes histricas. A

    rigor, passa-se a compreender que qualquer vestgio humano pode ser

    problematizado enquanto fonte e, portanto, revelador de transformaes e aes no

    tempo. Desse modo, a Histria desloca-se de um campo de saber voltado

    descrio do passado para um campo de problematizao do presente que

    tenta, a partir desse ponto, explicar as cont inuidades e descontinu idades no

    tempo.

    A despeito de toda essa modificao conceitual, o cdigo disciplinar quepautou a formao da disciplina Histria em seus primrdios, no sculo XIX, no se

    reformulou significativamente e o abismo entre o campo de conhecimento e o seu

    ensino segue como um problema a ser enfrentado. O problema do ensino de

    Histria hoje se concentra, substantivamente, na construo escolar da

    compreenso de que no h uma nica forma de explicao possvel, tampouco um

    nico modelo de contedo possvel. Antes de ser a explicao de um passado da

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    humanidade, a Histria tambm o estudo desse passado e, em sua dimenso

    dinmica e transformadora do conhecimento , antes de tudo, uma forma particular

    de explicar o mundo e as transformaes humanas, com rigor e mtodos prprios.

    Gonalo de Amzola, um estudioso argentino sobre o campo do ensino deHistria, escreveu um livro cujo ttulo provocativo Esquizohistria (2008), traz o

    dilema que temos que enfrentar para pensar ou melhor, repensar o ensino de

    Histria. O autor faz um trocadilho brincando com a mistura das palavras Histria e

    Esquizofrenia e, desse modo, nos provoca a refletir algo central que envolve a

    escola e suas prticas educativas. Hoje: a Histria ensinada aos estudantes

    no a mesma Histria que se produz como conhecimento. O que se tem

    cobrado das crianas enquanto saber e s c o l a r , supostamente legitimado

    encontra-se distanciado daquilo que constitui as bases de produo doconhecimento histrico como vasto campo de conhecimento .

    O que se pretende, portanto, encontrar caminhos para reduzir o abismo

    entre a histria ensinada cujas matrizes curriculares remontam moderna

    constituio da escola e ao contexto de expanso dos nacionalismos e o territrio

    do historiador, pautado pela dinmica permanente de reviso do saber e pela

    provisoriedade da explicao. Isso implica em considerar outros recortes, outras

    temticas e outras histrias, distintos daqueles que tem pautado nosso senso

    comum histrico.

    H coisas que aprendemos quando crianas que no se fundamentam

    nas escolhas usuais presentes em diferentes diretrizes curriculares ou e m

    materiais didticos. Com isso, muitas vezes, o professor, formado sob outros

    paradigmas, fica perdido. O que selecionar para ser trabalhado com os alunos

    como contedo histrico essencial e o que eliminar? As crianas precisam

    aprender Histria do Brasil Colonial e Imperial nas sries iniciais? Precisam

    estudar a Histria de Tiradentes no 21 de abril? Devem trabalhar o Dia dondio no 19 de abril ou o Dia do Soldado em 25 de agosto? Os alunos

    devem ou no aprender Perodo Regencial, Egito Faranico, Mercant ilismo,

    ou a Fase da Assembleia Constituinte na Revoluo Francesa? Eles podem

    ou no ficar sem estudar poca Contempornea, Idade Mdia ou qualquer

    outro assunto selecionado dentro de uma cultura curricular constituda

    sobre uma cronolog ia evoluti va e eurocntrica?

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    Essas e uma srie de outras perguntas comuns nas rodas de conversa

    formais e informais nos conduzem a uma questo de fundo, que a mais

    importante de ser respondida: em que reside o carter formativo da Histria?

    Na erudio informativa ou numa educao histrica baseada em nexos

    possveis estabelecidos entre o procedimento histrico e o saber escolar? A

    resposta a essas questes indica que a diferena de abordagem no s algo

    posto na histria da Histria ensinada, como a organiza estruturalmente

    enquanto campo de saber.

    A Histria , por pressuposto, debate, divergncia de pontos de vista,

    problematizao, pesquisa, dilogo com as fontes de informao e no a mera

    descrio do que foi informado como se aquilo correspondesse verdade. Contudo,

    no assim que aprendemos habitualmente na escola. A maior parte de nsconheceu, na escola, uma Histria factual e conteudista, narradora de fatos de um

    passado distante, muitas vezes sem entender direito o porqu de termos que

    estudar coisas aparentemente desvinculadas de nossa prpria vida.

    Ainda hoje, programas de televiso, provas de concursos das mais diversas

    e materiais alusivos a comemoraes de todo tipo perpetuam ideias em torno do

    "quem foi", "quando foi" e "como foi". Como muitas vezes a Histria se confunde

    com os sentidos em torno do lembrar e do esquecer, as pessoas sempre tm um

    palpite a dar, na linha do "eu me lembro que", "eu vivi", "eu estudei e pesquisei

    sobre a histria de tal lugar ou tal pessoa", o que abre inclusive espao para uma

    flexibilizao por vezes saudvel, por vezes perigosa.

    Todo mundo tem um pouquinho de historiador" no sentido de termos, em

    geral, a propenso a narrar aquilo que vivenciamos em um tempo e guardar aquilo

    que nos parece significativo. D e u m l a d o , isso nos leva capacidade de

    exercitar permanentemente a narrativa tornado-se um elemento essencial

    formao. Entretanto, se passamos a tomar essa narrativa como plenamenteverdica em funo dessa capacidade de, muitas vezes, sermos "testemunhas

    oculares" de um episdio, compromete-se a compreenso da dinmica do

    conhecimento. Esse conhecimento do passado, transmitido a partir de um filtro

    prvio em torno da ideia de verdade e acerto, questo fundamental para se

    pensar a formao escolar.

    Como a perspectiva curricular que organizou a Histria como disciplina

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    escolar se manifesta, frequentemente, do ponto de vista programtico? Por meio de

    um programa articulado em torno da grande cronologia europeia e, vinculada a ela,

    a Histria Brasileira a partir do processo de colonizao at os dias de hoje. Isso

    provoca a construo de programas enormes, muitas vezes impossveis de serem

    cumpridos e que, infelizmente, pautam-se, muitas vezes, por perspectivas de

    avaliaes elaboradas em torno de programas de vestibulares, que geram

    nefastas aes de organizao de programas desde o Ensino Fundamental.

    Sob esse tema preciso, de sada, fugirmos da armadilha que nos leva a

    tentar justificar um erro por outro. No porque a estrutura de contedos de um

    determinado tipo de exame vestibular estabelece-se de modo questionvel e

    aparentemente imutvel que devemos condicionar o trabalho escolar a esse

    modelo, at porque sabemos que h nele problemas de toda ordem. E por essarazo o Governo brasileiro, atravs do Ministrio da Educao, investe

    significativamente em novos formatos de provas e em novas estruturas conceituais

    no que diz respeito ao sentido da relao com o saber. Exemplo disso so as provas

    do ENEM.

    Para alm de tudo isso, um problema se torna mais grave nesse campo: ao

    se buscar uma origem imemorial das coisas desde a Antiguidade at os dias de

    hoje, vinculam-se os Programas de Histria a uma base essencialmente

    cronolgica, como se a ideia de formar para a compreenso da histria fosse

    atrelada captura - impossvel de ser feita de toda a Histria Humana. Junto

    com isso, o efeito mais indesejvel a fixao da ideia de que Histria ,

    exclusivamente, passado narrado em funo de marcos europeus .

    As marcas desse tipo de tradio encontram-se nas prticas socioculturais

    cotidianas. Frequentemente, o debate estabelecido entre os educadores nas

    escolas trata a disciplina Histria como o espao privilegiado para a abordagem de

    datas e temas que, muitas vezes, so valorizados no porque sejam importantes doponto de vista da aprendizagem, mas porque so legitimados socialmente. Assim,

    comum nos depararmos, por exemplo, com materiais prontos, orientadores do

    trabalho do professor, em que esteretipos em torno das datas comemorativas

    clssicas so construdos ou reforados sem que haja qualquer esforo de crtica.

    Observamos, com frequncia, escolhas didticas por parte de professores

    de diversas reas, que procuram promover uma ao supostamente interdisciplinar,

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    tratando de temas histricos descontextualizados e desprovidos de sentindo

    e/ou intencionalidade pedaggica. Assim, por exemplo, ao selecionar um texto

    sobre Abolio da Escravatura, no Dia 13 de maio, uma professora de Portugus,

    por maior que seja sua boa inteno, pode estar contribuindo para fortalecer uma

    perspectiva de anlise j refutada em processo de desconstruo entre

    historiadores.

    O mesmo vale para focalizar o campo do ensino de Cincias e a relao

    entre invenes e inventores. Ao valorizar o aspecto do indivduo inventor,muitas

    vezes o professor de Cincias, pode, tambm, a partir de um visvel engajamento e

    envolvimento com a busca de adensamento das informaes que apresenta para

    seus alunos, propor para a discusso um tipo de abordagem que contraria

    perspectivas necessrias a respeito da ideia central de sujeito histrico.

    Por que essas situaes acontecem com tanta frequncia? Porque a

    tradio curricular que pauta a organizao dos princpios a serem ensinados

    nessa matria traz, com muita fora, o que organizado como cdigo disciplinar da

    rea no momento da criao dessa disciplina escolar. A Histria, ao surgir como um

    dos pilares dos currculos escolares no sculo XIX, era voltada, essencialmente,

    constituio e elos de pertencimento dos sujeitos s naes emergentes. Por isso, a

    exemplaridade das aes dos chamados "grandes personagens" ocupava papel

    importante no sentido de garantir a constituio de tal pertencimento.

    Ao longo do sculo XX no s mudou a compreenso do que a Histria,

    como mudaram tambm as perspectivas em torno da ideia de identidade, que no

    se resume apenas dimenso da produo de sentidos da nao para os

    indivduos. O entendimento do que a Histria e para que ela serve mudou

    significativamente.

    Portanto, isso tudo serve para nos mostrar que quando falamos de Histria

    no falamos de uma explicao nica, tampouco de uma explicao verdadeiraque

    se contraria a explicaes falseadas ou mentirosas. E por que isso acontece?

    Porque alm de ser uma forma de explicar os processos de transformao do

    mundo, a Histria , acima de tudo, um procedimento de investigao, uma forma

    particular de ler e explicar o mundo, uma atitude de problematizao daquilo que

    est no mundo na relao com fontes de conhecimento. Sob essa perspectiva,

    educar para a compreenso da Histria implica, antes de tudo, em educar para a

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    compreenso de como o conhecimento histrico se opera com o objetivo de

    compreender continuidades e descontinuidades, mudanas e transformaes

    na vida das diferentes sociedades humanas . E isso diferente de simplesmente

    ensinar contedos do passado.

    Assim, pensar diretrizes para o Ensino de Histria significa desnaturalizar

    um ensino voltado para a descrio de eventos no passado, baseado no estudo

    de pessoas importantes, fatos relevantes, temas consagrados que na maioria das

    vezes so vistos por um nico vis e que no sofre crtica por parte dos agentes.

    preciso traar diretrizes que possibilitem movimentos, reflexes, que o professor

    possa ter liberdade de intervir e adequar o currculo, sem perder de vista a

    construo dos saberes histricos e a formao dos sujeitos, tampouco a realidade

    dos estudantes em nossas escolas.

    importante que a escola trilhe um caminho onde processos significativos

    de construo de conhecimento sejam realizados, em detrimento do simples e

    na tur a li za do cumprimento do programa. Neste sentindo, possvel pensar em

    caminhos programticos distintos, subjacentes a um eixo curricular integrador e

    pautado em princpios que buscam favorecer uma aprendizagem significativa e

    comprometida com o desenvolvimento do raciocnio e da conscincia histrica.

    1.2 Quais so os maiores desafios para se produzir di retrizes curricu lares paraa rea de Histr ia?

    A viso usual que se tem de Histria tem conduzido nossas escolas a

    ensinarem aos estudantes uma vasta lista de contedos dispersos, em torno de

    uma referncia de datas selecionadas a partir de uma cronologia eurocntrica e

    poltica. Na maior parte dos casos, esse ensino no acompanhado por umaperspectiva de sujeito histrico que permita ao estudante se compreender e se

    enxergar como um sujeito de seu tempo e como agente de transformao.

    Tampouco essa viso o auxilia a projetar olhares sobre o futuro, respaldado por

    uma compreenso temporal consistente.

    O grande desafio para se dissolver essa perspectiva situa-se em torno do

    peso de uma cultura escolar que oscila entre duas pontas compreensivas

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    profundamente estruturantes de olhares. Por um lado, prioriza-se o tratamento,

    sobretudo nas sries iniciais, da leitura e da escrita sem, por vezes, refletir a

    respeito dos sentidos do letramento e de como a apropriao de ferramentas de

    pensamento prprias do saber histrico concorrem, efetivamente, para esse

    processo. como se a Histria no tivesse qualquer relao direta com o

    processo de letramento ou com o desenvolvimento do pensamento lgico e,

    consequentemente, com a aquisio da leitura, da escrita e do domnio matemtico.

    Por outro lado, o segmento das sries finais do Ensino Fundamental concorre com

    uma perspectiva perigosa em torno da ideia de se preparar o aluno para concursos

    cuja prescrio se d pela via de contedos temticos cannicos e tradicionais.

    Ensina-se, muitas vezes, o contedo por sua erudio e, no por seu potencial

    reflexivo.Diante do que foi exposto, o principal desafio de construo de

    diretrizes curriculares para o Ensino de Histria envolve a necessidade de

    se promover um debate capaz de ampliar o espectro compreensivo em torno

    do que a Histria , e de como ela opera com o conhecimento relativo ao

    estudo do homem no tempo.

    Com isso, a equipe responsvel pela elaborao das diretrizes curriculares

    para a rea de Histria assumiu uma posio clara, embora potencialmente

    polmica: nossa prescrio no se dar no mbito dos contedos histricos

    por srie, mas por eixos terico-metodolgicos essenciais cognio em

    Histria.

    Muitas vezes as pessoas se assustam com a possibilidade de no terem um

    programa nico e prescrito para toda a Rede de Ensino, fato que precisa ser

    seriamente desconstrudo enquanto valor educacional, considerando-se a

    pluralidade verificvel entre as diversas instituies e a complexidade inerente

    cultura escolar. Em relao matria histrica, no a atitude de se saber ou notodos os fatos estabelecidos segundo uma determinada ordem cronolgica que

    garante aos estudantes uma condio de letramento em Histria. Portanto, o

    que propomos um deslocamento da reflexo em torno dos contedos histricos

    para um olhar relativo aos procedimentos histricos que envolvem as

    habilidades cognitivas.

    Deixaremos s escolas e aos seus professores a tarefa de selecionar aquilo

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    que for pertinente e coerente em relao ao Projeto Poltico-Pedaggico de cada

    u n i d a d e , considerando-se, para os contedos a serem selecionados, a

    necessria observncia de habilidades de pensamento centrais, agrupadas em

    torno de trs grandes eixos conceituais e metodolgicos: a Educao para a

    compreenso do conhecimento, a Educao para a compreenso do Tempo e

    a Educao para a compreenso da Memria.

    Trata-se de eixos integradores entre diversos contedos escolares e, acima

    de tudo, eixos que transcendem o segmento especfico dos Anos Finais do

    Ensino Fundamental e cuja formulao leva a uma necessria reviso das

    prticas pedaggicas desde a Educao Infantil at os Anos Finais do Ensino

    Fundamental.

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    2 POR QUE E COMO SE EDUCA UMA CRIANA PARA LIDAR COM AVARIABILIDADE DE CONHECIMENTO E PARA CONSTITUIR UMA POSTURACRTICA PERANTE AS FONTES DE SABER E IDEIAS DE VERDADE?

    Como j discutimos antes, por fora de uma tradio eurocntrica e

    predominantemente descritiva, durante muito tempo a Histria foi entendida como

    uma disciplina que se propunha a fazer uma sntese enciclopdica de tudo aquilo

    que supostamente teria se passado no mundo. Contudo, h algum tempo a Histria

    j no mais compreendida em funo desse olhar. Antes d i s s o , e la

    compreendida como um campo de saber especfico, com regras e mtodos de

    investigao e produo de conhecimentos prprios, que permitem s pessoas a

    compreenso da mudana social e da ao humana no tempo.

    Esse tempo no mais pensado somente a partir de um recorte

    cronolgico totalizante, mas entendido como uma construo social e, por isso,

    seletiva e varivel. O que faz com que uma perspectiva temporal se sobreponha s

    demais envolve decises de poder que demandam um olhar histrico que, por sua

    natureza, conduz compreenso da alteridade, de outras formas possveis de ser,

    sentir, pensar e marcar o tempo.

    Se a Histria uma forma particular de explicar e conhecer o mundo,

    isso significa dizer que o saber histrico ser sempre parcial e seletivo . Nem

    se pode explicar tudo o historiador sempre faz escolhas e seleciona aquilo que ir

    pesquisar e como ir fazer sua pesquisa nem tampouco as explicaes que so

    apresentadas so princpios universais e imutveis. Isso acontece porque como o

    conhecimento histrico baseia-se no uso e dilogo com fontes, essas, como

    construes culturais e datadas, expressaro sempre a voz de quem as produziu.

    Nesse sentido, destaca-se a importncia de se contrapor os diversos

    discursos encontrados nas fontes histricas para que outras vozes e outros pontosde vista possam emergir desse exerccio. Esse entendimento move, na essncia, o

    territrio de trabalho do historiador que busca, na dinmica entre historiografia,

    teoria e pesquisa documental, as bases para uma contnua reescrita da Histria.

    Por que tomar esse princpio como ponto de partida para discutir um Currculo

    para a rea de Histria? Porque educar a criana para essa percepo a respeito

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    do carter provisrio e relativo da verdade const itui uma tarefa difcil e

    pressupe uma ao escolar e cultural de longo prazo, que tem na seleo de

    contedos entendidos como recortes sempre parciais apenas uma de suas

    pontas. A funo da escola no formar crianas e jovens no ofcio do historiador,

    mas h aspectos desse ofcio que fazem toda a diferena na formao para a

    compreenso de como o conhecimento ocorre e se transforma.

    Se pensarmos em nossa educao familiar e escolar, veremos, sem muita

    dificuldade, que muitos de ns aprendemos, desde cedo, a lidar com uma

    perspectiva de verdade. Se falarmos mentira, ficamos de castigo ou sofremos

    alguma penalidade. Se escrevermos uma informao fora do padro, somos

    penalizados em nossas notas porque lidamos com algo no verdadeiro ou

    cometemos um erro.

    De um modo geral, a televiso que povoa nossas casas cheia de

    programas que utilizam imagens da realidade como se elas fossem plenamente

    verdadeiras, a ponto de as pessoas acreditarem que deu na televiso porque

    verdade. Essas comunicaes, que na maioria das vezes passam despercebidas,

    forjam uma determinada viso de mundo que, quando so apresentadas aos

    estudantes sem que estes tenham passado por um processo de educao

    audiovisual, no lhes permite compreender que aquilo que aparece na TV uma

    seleo, com intencionalidades efetivas nem sempre explcitas e constituindo-se,

    portanto, como um ponto de vista.

    Assim tambm acontece com as informaes que so apresentadas pelos

    Jornais. As notcias apresentadas nesse veculo, sofrem interferncias de vrios

    indivduos que ali escrevem, reordenam informaes e atribuem sentidos

    realidade, produzindo verdades. importante relativizar e refletir sobre essas

    informaes que nos so apresentadas como verdades, pois o que se apresenta

    como opinio de algum mais velho ou de quem vivenciou determinada situao,deve ser percebido como uma opinio parcial, que revela a viso de mundo

    desta pessoa que se apresenta como testemunha ocular de um determinado fato.

    Inferir dessas supostas verdades, s quais somos diariamente expostos,

    intencionalidades subliminares e intencionalidades derivadas do lugar de

    enunciao de quem fala constitui-se como um importante embate, para o qual a

    tarefa escolar pode ser determinante. Portanto, o grande desafio escolar, desde a

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    Educao Infantil, o de promover uma educao que permita a emergncia da

    compreenso de que no mundo e no processo de produo de conhecimento

    operam, permanentemente, DIFERENTES PONTOS DE VISTA.

    Quando pensamos em diretrizes para o ensino de Histria para a RedeMunicipal de Juiz de Fora, no pensamos numa lista de tpicos e contedos de

    Histria a serem trabalhados linearmente por toda a rede. Antes disso, pensamos na

    elaborao de um documento que priorize o desenvolvimento de uma srie de

    habilidades, que so fundamentais para a compreenso histrica e para o

    desenvolvimento, no estudante, da capacidade de pensar historicamente.

    Alcanar esse objetivo s possvel a partir da viso da Histria enquanto um

    processo particular de investigar e compreender o mundo e que, portanto, envolve

    habilidades cognitivas especficas. Sendo assim, a ideia priorizar o

    desenvolvimento de habilidades que permitam ao estudante se relacionar com o

    conhecimento histrico de forma plena, e realizar uma leitura densa de mundo,

    mesmo dos temas e assuntos que, porventura, no forem dominados em termos

    informativos.

    Algumas dessas habilidades p o d e m ser destacadas como aes cujo

    desenvolvimento precisa perpassar toda a escolarizao bsica. So elas,

    dentre outras:

    a capacidade de ordenar acontecimentos segundo critrios temporais;

    a capacidade de desenvolver narrativas atravessadas pela temporalidade;

    a condio de diferenciar padres de vida e comportamento distintos como resultantes

    de processos culturais diferentes;

    a compreenso de diferenciar natureza e cultura, pensando o homem como produtor e

    transformador da natureza a partir de seus valores;

    a condio de inferir a partir de diferentes tipos de fontes que informam sobre aspectos da

    realidade;

    a condio de perceber permanncias e descontinuidades no tempo;

    a habilidade de compreender um texto histrico na sua totalidade, o que significa perceber a

    existncia de vozes, sujeitos e temporalidades se manifestando nos diferentes gneros

    textuais, tais como grficos, mapas histricos, reportagens de jornal, textos literrios e

    documentos diversos;

    a condio de operar com formas de datao e com categorias temporais centrais,

    tais como ordenao, durao e simultaneidade;

    a condio de depreender, de diferentes textos, aspectos que elucidem o lugar social do

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    sujeito que fala e, a partir disso, perceber sujeitos sociais presentes e ausentes numa

    narrativa explicativa;

    a possibilidade de projetar reflexes que, em longo prazo, permitam ao aluno refletir

    acerca de perspectivas de futuro.

    Todo esse processo de pensar o ensino de histria perpassa a valorizao

    dos saberes dos estudantes, ancorados em prticas de memria e em

    representaes sociais que se convertem em valores, vises de mundo e

    preconceitos. As relaes com o tempo e com o passado so estabelecidas, a partir

    da realidade vivida por eles, daquilo que eles conhecem e com o que j tenham

    experincia, ainda que, por vezes, tal dimenso no seja valorizada no interior da

    sala de aula. Tomar a realidade do aluno como ponto de referncia, no

    significa restringir o programa de Histria a essa realidade, tampoucofortalecer o argumento e a tendncia de que o ensino deve se organizar a

    partir de crculos concntricos estabelecidos do espao-tempo mais prximo

    ao mais distante.

    Nesse sentido, preciso construir pontes entre aquilo que o indivduo no

    conhece um tempo ou contexto histrico distante, no vivido e aquilo que

    palatvel para ele, tal como a sua vida e o contexto histrico no qual ele se insere

    e que pautado por forte presena dos aspectos culturais e materiais do mundo

    sobre o lugar de vivncia. O estudante de hoje, compra objetos da China, joga

    simultaneamente pela internet com crianas de diversos espaos, assiste a

    programas de TV que tratam da Europa, ndia e Egito. Portanto, no faz sentido

    seguir linearmente o eixo Eu e minha casa - minha rua - meu bairro - cidade -

    municpio - Minas Gerais - Brasil.

    Pensar o ensino de Histria no sentido de superar essa perspectiva linear ou

    o foco recorrente sobre as datas comemorativas requer do professor e da escola,

    clareza, intencionalidade e coerncia do que se busca e de onde se pretendechegar com as aes educativas empreendias, alm de exigir um trabalho de

    seleo e posicionamento que implica em algumas atitudes essenciais:

    Em primeiro lugar, a compreenso de que a construo de conceitos

    necessrios ao trabalho histrico pressupe a construo de relaes

    de continu idade, aprofundamento e medidas de sistematizao que no

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    podem se constituir em momentos tpicos e fragmentados.

    Em segundo lugar, a necessidade de a instituio escolar como um

    todo pensar na dimenso particular dessa rea de conhecimento, de

    modo a compreender que seus princpios se articulam e atravessam

    os diversos campos disciplinares.

    Construir habilidades que privilegiem a construo de saberes

    histricos e o desenvolvimento pleno dos nossos estudantes

    possibilita, ainda, que essa mesma Histria faa sentido para esses

    sujeitos.

    Isso significa pensar em posturas e aes de educao de longo prazo,

    que precisam ser iniciadas, do ponto de vista de fundamentos e hbitos, ainda na

    Educao Infantil e devem ser perseguidas de modo sistemtico e permanente ao

    longo dos Anos Iniciais de escolarizao para que, nos Anos Finais de

    escolarizao, sejam consolidadas como habilidades de pensamento e ampliadas

    em sua complexidade.

    Para encarar o desafio de se educar a criana para compreender a operao

    de diferentes pontos de vista na produo do conhecimento, neste documento,

    pautamo-nos, sobretudo, nas reflexes e trabalhos da historiadora inglesa Hilary

    Cooper. Esta autora dedica-se a discutir o ato de ensinar e aprender Histria,especialmente no segmento da Educao Infantil e Anos Iniciais. Cooper

    organiza seu pensamento em torno de trs grandes eixos considerados

    fundamentais na construo do pensamento histrico da criana (COOPER, 2006):

    1) o estabelecimento da relao temporal e da compreenso da mudana;

    2) a condio de interpretao do passado;

    3) a construo de inferncias a partir das fontes.

    Veremos, no bloco especfico deste documento, o que se encontra implicado

    na discusso sobre desenvolvimento da relao temporal. Contudo, neste bloco

    relativo educao para a compreenso do conhecimento, cabe-nos refletir acerca

    do que se encontra envolvido na formao das bases do saber histrico em relao

    dimenso de interpretao do passado.

    De um modo geral, os historiadores concordam com a perspectiva de que no

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    h uma nica verso possvel sobre o passado e este , a cada momento,

    reconstrudo de acordo com as necessidades e demandas do presente. Isso

    acontece em vista da impossibilidade de trazer o passado de volta tal como este

    aconteceu, no apenas porque no possvel voltar no tempo, mas tambm pela

    limitao das fontes, que so incompletas, resultam daquilo que foi selecionado em

    cada tempo para ser salvo do esquecimento, e foram produzidas por pessoas que

    tinham atitudes e valores distintos do presente.

    Sendo assim, a princpio, a imaginao tem um papel fundamental

    na reconstruo e interpretao dos fatos do passado. Do mesmo modo que, na

    prtica do ofcio do historiador, a dimenso imaginativa deve se constituir, no

    processo educativo e de escolarizao, em eixo central para a construo de

    referncias acerca daquilo que existiu antes em relao ao universo plausvel dosestudantes no tempo vivido por eles. Contudo, a explorao da imaginao

    associada ao deslocamento da posio interpretativa dos sujeitos algo que pode

    e deve acompanhar o desenvolvimento da capacidade narrativa e da experincia

    com a aquisio da leitura e da escrita.

    Considera-se como um bom exemplo desse movimento, levar os

    estudantes a se posicionarem no lugar de outros sujeitos numa trama literria e,

    a partir desse procedimento, imaginar alternativas de finalizao das histrias

    contadas. Essa pode ser uma experincia profundamente formativa na direo do

    que estamos querendo fortalecer como prtica e atitude. Colocar-se no lugar do

    outro significa utilizar outros parmetros para chegar a uma soluo e isso

    pressupe, no s o estmulo imaginao, como tambm a associao

    progressiva entre a capacidade imaginativa e escolha de alternativas plausveis

    com aquilo que se apresenta em torno do personagem em questo.

    O exerccio citado acima, tambm vlido quando se projeta, com

    criana, uma situao vivida em outro tempo que no o agora. Ela pode e deve serestimulada a imaginar formas de vida e pensamento a partir do que lhe

    apresentado como elementos plausveis dessa outra forma de vida. Portanto, a

    compreenso da multiplicidade de olhares para o passado pode ser trabalhada

    desde a Educao Infantil e ao longo dos Anos Iniciais de escolarizao, de modo

    contnuo e sistemtico, repetitivo e no tpico, tendo como ponto de partida a

    imaginao atravs do jogo de representao de papis baseado em relatos, visitas

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    ou imagens relativas a pocas passadas. Esta estratgia serve para relacionar

    aspectos significativos da vida da criana com as mudanas do tempo, transpondo-

    a para outros tempos e lugares.

    Compreender porque os pontos de vista variam pode conduzir professorese estudantes a discutirem diferenas por gostos, por condio individual, por

    cenrio social, por diferenas de posio social dos sujeitos no mundo. Cooper

    afirma que no jogo de imaginar a criana reconstri sua prpria verso para os

    contos infantis a partir de suposies e, quando o jogo trata de histrias do passado,

    examina situaes que apenas posteriormente encontraro lugar em sua vida.

    (COOPER, 2006)

    Podemos ento dizer que o processo imaginativo envolve a fuso de dois

    mundos, o real e o imaginrio. Isso significa assumir, a priori, uma posio que se

    distancia da ideia clssica e tacitamente disseminada entre professores de que a

    criana deve aprender o que est no mundo numa escala progressiva que vai do

    prximo ao distante. O prximo, para a criana, o que produz sentido a partir

    dos elementos de leitura e interpretao que ela recebe e, desse modo, isso pode

    se relacionar a uma narrativa de outro tempo.

    Na sequncia do raciocnio exposto acima, algo prximo e imediato pode ser

    projetado para essa mesma criana sem que sejam evocadas circunstnciasprodutoras de sentido, no se convertendo, portanto, em aprendizagem significativa.

    A dimenso de escala na interpretao histrica precisa se desvincular da

    linearidade pertinente ideia dos crculos concntricos. Isso significa dizer que nem

    necessrio prender-se a uma sequncia linear no tocante apresentao das

    informaes tomando-se por referncia uma ordem cronolgica, nem tampouco

    privar o estudante do tratamento de temas que podem suscitar sua condio

    imaginativa.

    Um bom exemplo disso pode ser observado quando s e apresenta, a

    partir do trabalho com a literatura, informaes sobre a poca dos castelos, reis e

    rainhas - cenrios que potencializam a emergncia de fortes e ricas narrativas -

    ou de mitos e histrias gregas, por exemplo. O que queremos destacar com isso

    que todos os estudantes podem, e devem ter a oportunidade de

    experimentar narrativas de vidas que tenham a ver com outros contextos

    histricos que no os do presente imediato e que isso no precisa,

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    necessariamente, vir didatizado sob o fio de qualquer forma de cronologia.

    Ao contrrio do que muitas vezes se pensa e se executa em funo do

    estmulo racionalidade, a dimenso imaginativa tem um valor fundamental na

    forma como a criana passa a apreender o passado. Isso precisa ser cultivado, demodo contnuo e progressivo ao longo dos anos de escolarizao. No tocante

    compreenso do conhecimento, isso significa um lento e poderoso processo

    inerente ao de educar, para que a criana se posicione no lugar do outro e, ao

    mesmo tempo, compreenda que isso implica em colocar em trnsito e relao

    pontos de vista que nem sempre so convergentes porque podem advir de gostos

    diferentes, de opinies divergentes, mas, sobretudo, de lugares diferenciados dos

    sujeitos no mundo social, o que lhes confere status diferenciado na relao com os

    discursos produzidos.

    Destaca-se nesse ponto, a importncia de se aproximar o trabalho de

    educao histrica com o trabalho global de letramento e de acesso

    interpretao de textos escritos na relao com suas autorias. Para tanto,

    especialmente a narrativa literria constitui-se como um suporte didtico de

    excepcional valor, em virtude de sua condio potencial para o desenvolvimento da

    imaginao associada ao deslocamento do leitor em relao posio dos sujeitos

    narradores. Desse modo, uma determinada histria infantil pode gerar muitas outras

    histrias, com diferentes desfechos e posicionamentos derivados dos lugares

    imaginados para seus personagens. Atividades desse gnero so, portanto,

    estruturantes para o trabalho com a Lngua Portuguesa e so, igualmente,

    estruturantes para o trabalho com a Histria.

    No obstante, preciso ressaltar que a imaginao historicamente vlida

    exige uma maturidade que as crianas no tm como um dado a priori e depende de

    um processo de desenvolvimento, para o qual a mediao escolar determinante.

    Hilary Cooper destaca que o jogo imaginativo pode desencadear um processo emque, paulatinamente, ao longo do percurso de escolarizao, do domnio da

    linguagem e da condio de explicar e inferir com base em fatos e referncias, a

    fantasia vai diminuindo e dando lugar indagao do que vai sendo conhecido e,

    em certo modo, sustentado pela prova trazida pelas fontes.

    As mltiplas aes que envolvem os deslocamentos supracitados nos

    conduzem a um segundo plano de desafios no que tange educao histrica.

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    Isso significa dizer que, to logo a criana v se familiarizando com o domnio do

    texto escrito, cabe escola apresent-la a fontes que, em diferentes propores e

    sentidos, podem informar sobre algo que aconteceu em um outro tempo. Desse

    modo, pensar em variao de gneros textuais em Histria representa pensar em

    diferentes formas pelas quais os sujeitos apresentam e representam o mundo em

    diversos tempos.

    O trabalho com apresentao e a n l i s e de fontes - que podem ser

    exploradas a partir dos diferentes gneros textuais - est intrinsecamente ligado

    questo da variabilidade do conhecimento histrico. Historiadores de diferentes

    tendncias e escolas de pensamento concordam com o princpio de que

    atravs das fontes que o historiador formula suas questes, levanta hipteses e

    faz inferncias sobre o passado. Porm isso no significa dizer que as fontesrevelam o passado ao pesquisador, j que so incompletas e, por vezes, as

    categorias observadas nas fontes podem ser distintas das utilizadas no tempo

    presente, o que pode gerar diferentes interpretaes.

    Sendo assim, como uma criana pode inferir sobre as fontes? Cooper

    afirma que ainda no existem estudos aprofundados nessa direo, mas acredita

    que as crianas so capazes de inferir sobre objetos utilizados no passado quando

    os mesmos lhes so apresentados e que elas se utilizam de seus saberes e

    experincias para desenvolver perguntas acerca dos objetos. A autora ressalta a

    importncia da dimenso imaginativa e dos dilogos desenvolvidos com as

    crianas como sendo fundamentais para a formao da conscincia histrica.

    Como se observa em suas palavras:

    O dilogo que permite s crianas fazer dedues e inferncias,especular, considerar possibilidades e aceitar que pode no haveruma nica resposta correta, comentar causas e efeitos e voltar acontar historias essencial para o desenvolvimento da compreenso

    (COOPER, 2006, p.49).

    Os Anos I niciais de escolarizao, segundo a autora, p r o p i c i a m

    maiores oportunidades de dilogos entre adultos e crianas. Sobretudo nas

    conversas fora do ambiente escolar. A li berd ade que c i rcun da o ambiente

    escolar permite a quebra das formalidades impressas nesse espao

    potencializando a relao dialgica entre professores, pais e alunos de forma

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    individualizada. Isso significa dizer que, o momento de troca, estabelecido por

    todos os envolvidos nessa ao de carter formativo, tanto dentro quanto fora

    da escola, frutfero e necessrio para o amadurecimento da criana.

    no percurso dessa experincia de troca, que os estudantes desenvolvemformas de tratamento com as fontes que se convertem em progressivas

    compreenses de aspectos do passado. A observao e a anlise de objetos,

    fotografias, cartas, quadros e visitas a lugares histricos so excelentes pontos de

    partida para educar o olhar da criana sobre um tempo que j existiu, mas que no

    existe mais, a no ser por seus indcios ou por aspectos que restaram desse outro

    tempo, por meio de prticas, hbitos, pensamentos ou aspectos materiais.

    A partir do contato com as fontes as crianas so conduzidas observao,

    elaborao de perguntas, crtica e argumentao. Esses movimentos so

    formas de compreender o passado e devem ser estimulados por pais e

    professores progressiva e continuamente. Desse modo, no dilogo com as fontes e

    com terceiros, a criana aprende que possvel haver mais uma viso sobre o

    objeto, podendo tambm haver pontos de vistas diferentes sobre o passado.

    Hilary Cooper considera a mediao do adulto como fundamental na construo

    do repertrio de experincias da criana, afinal, a partir delas que a criana

    qualifica o mundo e/ou cria explicaes alternativas.

    Cabe destacar que no adianta ter tal conduta como algo residual num ano

    ou restringi-la a um momento em que se evoca uma dada data comemorativa na

    escola para que, no restante das atividades letivas tais condutas sejam

    desconsideradas. Trata-se de prticas que s geram sentidos formativos ao se

    tornarem permanentes e estruturantes do trabalho escolar. Na medida em que tal

    ao venha a se constituir em aspecto de ancoragem da educao histrica ao

    longo das sries iniciais, o processo de didatizao prprio da Histria a partir dos

    Anos Finais do Ensino Fundamental deve estruturar-se, sobretudo, nofortalecimento da dimenso prpria inerente compreenso da operao histrica

    a partir da diversidade das fontes.

    Os contedos histricos a serem elencados na relao com essas

    operaes de seleo so mltiplos e variveis e devem ser compreendidos

    como mediadores para o desenvolvimento de uma atitude interpretativa e

    de habilidades de pensamento, e no como uma finalidade ltima, que se

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    esgota em torno do cumprimento do programa em uma dimenso

    meramente informativa e, na maioria das vezes, cronolgica. Portanto, isso

    significa dizer que, ao estabelecer a relao de contedos a serem selecionados

    para ensino, cada unidade escolar deve ter em mente que o prioritrio, nessa

    relao, no o contedo a ser vencido, tampouco a sua quantidade, mas

    em que medida aspectos prpr ios do procedimento e do pensamento

    histrico podero ser evocados na forma de tratamento de tais contedos .

    E o que se apresenta como relao de contedos histricos a serem

    discutidos em cada unidade escolar?

    Aquilo que cada unidade escolar defini r como vlido e pertinente para o

    desenho de seu prprio projeto pedaggico.

    Assumir essa proposio envolve, antes de qualquer coisa, apostar no

    fortalecimento da capacidade de escolha e no exerccio autnomo dos atores de

    cada escola e, ao mesmo tempo, tomar a conscincia de que tal desafio envolve a

    reviso global daquilo que vem orientando as escolhas de contedos a serem

    ensinados que, momentaneamente, podem desestabilizar bases de saberes

    constitudos, m a s que, paralelamente, podem fortalecer a busca de projetos

    que integrem contedos disciplinares a partir de temas capazes de provocar

    uma atividade intelectual significativa e capaz de fomentar aprendizagens slidas.Cabe destacar, ainda, que essa aposta implica, simultaneamente, na busca de

    solues que permitam o compartilhamento de prticas, experincias e escolhas

    programticas por parte do conjunto dos docentes.

    2.1 De princpios tericos a escolhas metodolgicas

    Estamos acostumados a assistir e a operar com programas de Histria nos

    quais a tarefa do professor resume-se transmisso, para o aluno, da informao

    daquilo que aconteceu no passado - um grande e extenso passado - que muitas

    vezes nunca chega ao presente porque no d tempo. Quantas vezes no vimos

    professores chateados com o fato de no conseguirem passar alm da Segunda

    Guerra Mundial com seus alunos? Quantas vezes j no vimos o presente ser

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    tratado exclusivamente pelo professor de Geografia e ser considerado pelos

    alunos e por outros professores como um territrio impertinente reflexo histrica,

    restrita a um tratamento exclusivo do passado? Quantas vezes no vimos jovens

    desesperados com o fardo de ter que aprender, supostamente, toda a Histria,

    buscando fragmentos de uma grande narrativa de mais de 50 sculos em diferentes

    partes do mundo, como se isso fosse o requisito essencial para se passar numa

    prova de vestibular?

    Na verdade, boa parte de ns aprendeu a lidar com a Histria

    exclusivamente desse modo. Aprendemos, como alunos, uma Histria que nos era

    apresentada por meio de programas essencialmente conteudistas, que,

    independentemente da criatividade didtica do professor e de sua condio retrica

    e de persuaso, resvalavam, muitas vezes, em uma erudio informativa e emprticas que fortaleciam atitudes de mera memorizao. No que a capacidade

    de memorizar no seja importante na possibilidade de aprender, mas aprender pelo

    simples ato de memorizar mecanicamente algo que ser em seguida descartado

    no leva ningum a lugar nenhum, ainda mais no mundo contemporneo, cujo

    acesso informao daquilo que no se conhece pode se dar em segundos.

    Portanto, se queremos repensar paradigmas de ensino trazendo a Histria em

    sua dimenso formativa cena central do debate pedaggico e ao repensar a ao

    escolar, cabe-nos refletir acerca das escolhas de mtodo e, a partir delas, refletir

    sobre as possibilidades e pertinncia dos contedos histricos a serem selecionados

    para serem trabalhados com os estudantes, e no o inverso.

    Para tal, voltamos s perguntas de fundo:

    O que constitui, portanto, uma condio educativa transformadora em

    relao educao his trica?

    Em que medida a ao docente pode, efetivamente, aliar autonomia de

    escolha e condio de formao e transformao das bases de saber do

    estudante?

    So muitos os elementos possveis de serem mobilizados para uma resposta

    dessa natureza, mas preciso pensar, sobretudo, que nossa possibilidade de

    interferncia mais profunda se d quando transformamos substantivamente

    nossas opes metodolgicas e no s quando alteramos a proposio de

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    temas e contedos a serem estudados.

    A rigor, possvel operar com programas temticos distintos em unidades

    escolares distintas, sem que isso represente prejuzos de qualquer natureza para o

    aluno que se transfere de escola porque possvel desenvolver um raciocniohistrico e uma possibilidade de entendimento do mundo a partir daquilo que

    ativado pela conscincia histrica, sem que isso represente saber toda a

    Histria.

    Uma escola pode, perfeitamente, estabelecer em seu projeto pedaggico a

    centralidade do tratamento da Questo Ambiental, por exemplo, e, em funo

    desse eixo, selecionar temticas histricas em tempos diversos tratados

    cronologicamente ou no que permitam ao aluno a construo de uma

    compreenso relativa aos processos histricos que, ao longo da histria humana,

    promoveram e conduziram a humanidade aos desastres ecolgicos contemporneos

    e aos riscos iminentes de destruio da prpria condio humana.

    Do mesmo modo, o eixo temtico Famlia pode ser convidado, tanto para

    uma composio programtica contnua quanto para uma composio de um

    projeto especfico no qual, novamente, a questo da diversidade temporal e a

    construo cultural de um paradigma familiar seja tomada como tnica reflexiva,

    trazendo, para o contexto atual, a reflexo relativa diversidade de modelosfamiliares, no mais circunscritos somente famlia nuclear monogmica.

    Um projeto temtico sobre Drogas na escola pode se abrir a um

    tratamento sobre Poder e R elaes de Dominao na Histria que pode

    desempenhar profundo efeito formativo na condio de pensar historicamente,

    estabelecendo, ao mesmo tempo, relaes com o tempo atual e com uma temtica

    relevante graas sua disseminao entre jovens na contemporaneidade. Tanto

    no primeiro exemplo quanto no segundo e terceiro temos casos de abordagens que

    podem evocar trabalhos pedaggicos estruturantes para a escola como um todo e

    para os quais a reflexo histrica assume-se numa dimenso evocadora de

    conscincia e de compreenso das transformaes, continuidades e

    descontinuidades temporais.

    Poderamos dar muitos outros exemplos na mesma direo e poderamos,

    sem dvida, evocar a pertinncia de diversos outros temas a partir daquilo que se

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    impe como desafios do mundo contemporneo e da escola que, cada vez mais,

    lida com o desafio de envolvimento e aproximao do universo do jovem. Qualquer

    que seja o exemplo de recorte de problematizao a ser buscado (Violncia,

    Tecnologias, Mundo Atual, Guerras, Relaes de Poder, Gnero e Sexualidade,

    Desafios do Brasil, dentre tantos outros), o que se projeta como questo

    fundamental a ser enfrentada pela escola na construo de sua proposta

    programtica particular envolve a fixao de escolhas que emanem do coletivo

    escolar e que impliquem em selees e excluses conscientes e que devem ser

    amparadas no poder decisrio da escola. Tais escolhas se manifestam, seja no

    programa, seja no tratamento do livro didtico disponvel na escola que, como

    uma fonte dentre outras, no existe para ser trabalhado em sua integralidade, mas

    para ser um recurso referente de suporte ao professor, a quem cabe as decisesacerca de seu uso.

    Vivemos em um contexto em que o acesso rpido informao do tipo o que

    foi e quando foi est posto como uma possibilidade acessvel a todos nos

    mecanismos de comunicao, particularmente na web. Se no sabemos ou no

    possumos nenhuma informao acerca de um determinado fato histrico fcil

    recuper-la rapidamente e encontrar dados e interpretaes a seu respeito.

    Contudo, se o aluno no possui, em sua formao, filtros culturais suficientemente

    densos para selecionar a natureza da informao vlida nesse grande mar de

    possibilidades de navegao que a internet, sua condio de interveno e leitura

    crtica no mundo seguir de modo frgil e capaz de provocar frgeis leituras

    derivadas de suas dependncias culturais, polticas e, sobretudo, um cenrio de

    baixa autonomia. Um frgil cidado.

    Portanto, metodologicamente falando, o ponto de partida essencial

    consiste sempre, no que diz respeito ao procedimento histrico em conduzir

    as crianas formularem problemas que tragam, a partir do olhar sobre o

    tempo presente, a necessidade de evocar informaes do passado capazes de

    gerar sentidos mais densos descrio superficial da realidade. Isso s ignifica

    promover, paulatinamente, deslocamentos temporais e dilogos

    intertemporais entre presente e passado, para os quais a elaborao de

    perguntas mais impor tante do que a definio de respostas.

    Segundo Ktia Abud, Andr Silva e Ronaldo Alves (2010), devem-se priorizar

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    ao longo da formao escolar, estratgias para o desenvolvimento do pensamento

    histrico no aluno, ao lado da realizao de procedimentos crticos em relao s

    fontes, uma vez que as fontes histricas so tidas no s como referentes para a

    construo do saber, mas como recursos para a aprendizagem na medida em que

    remetem o sujeito qu e aprende relao com diferentes gneros discursivos,

    diferentes estratgias de produo de informaes e diferentes relaes com

    autores e intencionalidades.

    Contudo, para operar com a diversidade de fontes informativas, no basta se

    perseguir um sujeito que domine os recursos de leitura e escrita, mas preciso

    trabalhar para a formao de um estudante capaz de operar compreensivamente

    com essa diversidade interpretativa, que emana das diferentes relaes de autoria.

    Da a importncia do trabalho de nfase nas diferentes narrativas, na contraposiode pontos de vista, no deslocamento da posio dos personagens, no exerccio de

    levar o aluno a se posicionar em diferentes lugares e personagens de modo a

    constituir solues, interpretaes e decises lgicas para cada um desses lugares.

    Nesse sentido, essa dimenso formativa no pode prescindir do trabalho a

    partir do segmento da Educao Infantil e dos Anos Iniciais de escolarizao em

    relaes contnuas e no eventuais. Destaca-se, nesse aspecto, que o exerccio

    desse tipo de habilidade pode e deve ser estimulado a partir de prticas voltadas ao

    estmulo oralidade e construo de narrativas individuais ou coletivas,

    independentemente do domnio da escrita.

    A partir do momento em que a criana passa a dominar a leitura e a escrita,

    o uso das fontes pode se transformar, adensando sua condio de refletir acerca de

    seus autores e intenes. Sendo assim, se o hbito de se colocar em outro

    lugar e reposicionar seu olhar de acordo com esse novo lugar no pautar sua

    condio opinativa, e, portanto, se a criana no foi formada tendo tal hbito como

    um alicerce em sua educao, de pouco adiantar a explorao desse tipo dehabilidade por meio da mediao da escrita.

    A utilizao de diferentes fontes promove, por diferentes razes, o

    desenvolvimento progressivo e complexo do raciocnio comparativo. Existem

    aspectos que podem ser explorados pedagogicamente desde o momento que

    antecede o contato da criana com o universo da escrita, dentre eles pode-se

    citar as abordagens com fotografias e objetos de outros tempos.

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    Uma fonte permite sempre a identificao do sujeito que fala, para quem

    fala e com que intencionalidade. Abaixo so apresentados alguns exemplos

    disso atravs da utilizao de algumas situaes e recursos que nos so muito

    prximos e familiares:

    LIVRO DIDTICO: um livro didtico possui um autor que faz escolhas.

    Esse autor baseia-se em outros livros usados para consulta e trabalha, para

    produzir aquele livro, com um conjunto de diversas pessoas que fazem tarefas

    especficas. Se provocarmos o e s t u d a n t e e orientarmos um trabalho que a

    conduza comparao de dois livros didticos diferentes destinados mesma

    srie, e explorarmos com eles a descoberta dessas diferenas e a comparao

    das mesmas poderemos, com algo simples e palpvel, constituir nelas a

    importncia de se pensar na autoria e nas fontes de informao. Essa conduta

    faz diferena em relao prtica social cotidiana que situa o livro didtico

    como um lugar sagrado da verdade, e permiti que o estudante, desde

    muito cedo, possa compreender que o livro no corresponde verdade

    absoluta e ao conhecimento mais puro e inquestionvel;

    JORNAIS: os jornais possuem diversos autores, que fazem escolhas. Se

    compararmos trs jornais de um mesmo dia e levarmos o estudante a decifrar as

    partes do jornal, identificando em que momentos as pessoas responsveis por

    aquelas ideias aparecem, com clareza pode-se leva-lo a compreender que um fato

    que ganha destaque em um jornal no ganha o mesmo destaque em outro e, por

    vezes, sequer aparece. As manchetes so diferentes, as fotos usadas so

    diferentes, as partes do jornal so diferentes, embora existam muitos

    elementos comuns entre um jornal e outro. Por que ser que isso acontece?

    Porque da mesma forma que os livros didticos, os jornais so produtos

    elaborados por pessoas e organizaes que assumem posies distintas.

    Levantar essa dvida e promover reflexes que permitam ao professor estimul-las positivamente, no debate coletivo em sala, pode fazer toda a diferena em

    termos cognitivos. Levar o estudante a compreender que jornais e revistas so

    resultantes de escolhas conduzem, igualmente, a uma atitude educativa frente

    necessidade de relativizar a ideia de que existe uma verdade absoluta a ser

    apreendida;

    FOTOGRAFIAS: as fotografias possuem autores/fotgrafos que fazem

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    escolhas. Existe sempre um olho por detrs da cmera que seleciona o que

    entra e o que sai da fotografia. Estimular os e s t u d a n t e s a produzir

    fotografias sobre um mesmo espao, comparar as diferenas de olhar e recorte,

    bem como lev-los a refletir sobre o que o olho que estava detrs da cmera

    filtrou, em que condies, bem como imaginar o que ele pode ter deixado de fora

    exerce um papel central em um processo de educao do olhar. Assim como em

    relao ao livro didtico e aos jornais, a explorao das intencionalidades que

    se encontram por detrs da fotografia auxiliam o desenvolvimento de um

    sujeito letrado sob o ponto de vista histrico, isso , capaz de lidar com as

    diferentes fontes e suas autorias;

    FILMES: os filmes possuem equipes de autores por vezes

    gigantescas equipes que acabam mesmo por relativizar a posio do Diretor comonico autor dessa obra coletiva que fazem escolhas de argumentos, roteiros,

    roupas, iluminao, trilha sonora, artistas, enfim, um vasto universo de elementos

    que ajudam a criar, no espectador, opinies e sensaes. Isso significa dizer

    que um filme sempre um ponto de vista e nunca corresponde verdade,

    ainda que se baseie em aspectos da realidade a que se remete. Essa

    compreenso particularmente importante quando lidamos com filmes picos, isto

    , aqueles que se remetem a contextos especficos do passado. Acima de qualquer

    coisa, o grande desafio, nesse caso, envolve educar o estudante para compreenderque aquele filme pico no retrata o passado e nem representa a realidade

    passada tal como se passou, mas uma produo do presente, no presente,

    que toma emprestado, para construir uma histria capaz de encantar ou

    mobilizar o espectador, recortes daquele passado, porm, sempre

    processados no presente. Isso diferente de leva-lo a ver como as coisas

    aconteceram por meio de um filme pico. E isso se coaduna com o que apontamos

    acima, isso , a necessidade de se educar para a compreenso de que os diferentes

    elementos que nos apresentam o mundo possuem intencionalidades que podempermitir mltiplas interpretaes e leituras.

    Quando vista na relao com outras fontes, um documento oficial, uma foto,

    um filme, um jornal e/ou outros documentos se mostram em sua dimenso

    provisria no somente porque so parciais do ponto de vista dos sujeitos que os

    produziram e guardaram, mas porque so recortes da realidade e do seu tempo.

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    Alm disso, ao comparar uma fonte com outras o estudante consegue, com o

    tempo, ir compreendendo que diferentes sujeitos professam compreenses

    diferentes, mais ou menos ampliadas, de um determinado recorte da realidade e,

    principalmente, que o cruzamento de fontes diferentes amplia as lentes com as

    quais olhamos para o mundo porque nos permitem compreender um tema ou

    problema luz da manifestao e voz de diferentes sujeitos sociais revelados nas

    diferentes fontes.

    A interpretao e leitura das diversas possibil idades de fontes, contudo,

    trazem como questo educativa central o fato de que, para ler e interpretar

    fontes, preciso operar e desenvolver de modo permanente, contnuo e

    repetido na relao com diversos contedos e temticas habilidades de

    natureza diferenciada sob o pon to de vis ta da cognio histrica, a saber:

    OBSERVAR uma situao a partir da leitura de uma fonte escrita ou no

    escrita;

    IDENTIFICAR informaes na mesma; ENUMERAR aquilo que se observou;

    RELACIONAR as informaes;

    INFERIR a posio dos sujeitos que falam por dada fonte; INFERIR as vozes

    ausentes em uma fonte ou cenrio;

    COMPARAR lugares sociais, pontos de vista, cenrios, situaes

    histricas, configuraes regionais de um mesmo problema ou temporalidade;

    GENERALIZAR e buscar snteses histricas.

    Cada uma dessas habilidades envolve nveis de leitura e interpretao

    distintos e progressivamente mais complexos, dependentes da capacidade de

    leitura de fontes diversas e variveis. Todas so necessrias prtica educativa

    e todas evocam aes de leitura diferenciadas que no so adquiridasespontaneamente nem, tampouco, so derivadas umas das outras

    automaticamente. Sem estabelecer relaes no se compara. Sem comparar no

    possvel generalizar. Sem identificar um aspecto no possvel estabelecer

    relaes. Sem enumerar aquilo que foi identificado no possvel capturar o que

    foi observado. Essas diferentes habilidades se ancoram em diferentes nveis de

    leitura da informao histrica e, acima de tudo, envolvem a condio bsica de

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    processamento de tais informaes. Portanto, so saberes mais importantes do

    que a mera acumulao de informaes acerca do que aconteceu no

    passado e que, para serem constitudas envolvem a mediao docente

    pautada por clara intencionalidade pedaggica em relao aos sentidos

    daquilo que se quer constituir em termos globais.

    Ktia Abud, Andr Silva e Ronaldo Alves (2010) destacam ainda que o

    trabalho com as fontes central na tarefa de educar para a compreenso da

    Histria porque permite ao es t u d a n t e compreender como se opera a

    periodizao do tempo histrico, o que distinto de um tempo subjetivo. Assim,

    diferentes fontes possibilitam a transposio de casos individuais para cenrios

    mais abrangentes, que permitem, por sua vez, a compreenso de contextos

    sociais mais amplos e o entendimento do grau de generalizao dos conceitos,distinguindo completamente a operao histrica da tarefa de produo e leitura

    de fontes isoladas e referentes a casos individuais.

    Quando tratam das fontes escritas, os autores enfatizam a necessidade

    de sua problematizao com o estudante num sentido contnuo e sistmico. Para

    tanto, o professor pode trabalhar com documentos frequentemente disponveis

    nos livros didticos, mas que nem sempre tm merecido a devida ateno em

    sala de aula que devem ser lidos e interpretados pelos estudantes com o intuito

    de pensar a autoria e o tempo do documento, comparar documentos diferentes,

    de autorias distintas, confrontar o documento adicional com o texto base do livro

    didtico. Dessa forma, o objetivo da leitura maior que a simples transmisso de

    uma informao.

    Isso representa, muitas vezes, reverter o uso comum que se tem do

    livro didtico como simples depositrio de contedos histricos e, ao

    contrrio disso, implica em se avanar na explorao dos elementos que

    frequentemente so apresentados no livro como textos complementares ourecursos adicionais aprendizagem. Isso significa deixar de explorar o livro

    como referente de saber e verdade e explor-lo como fonte, passando a lista

    de contedos posio secundria no processo de uso didtico do livro.

    preciso deixar claro a necessidade do desenvolvimento de um Projeto

    Pedaggico que vise a insero do estudante nessa nova linguagem e que

    proporcione o amadurecimento de habilidades, dentre as quais a extrao de

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    informaes, a descrio, a interpretao, a sistematizao de ideias. Como foi

    apresentado, atividades de interpretao de outras fontes escritas podem ser

    desenvolvidas a partir da apresentao de documentos que contenham narrativas

    contraditrias.

    A segui r so apresentados alguns procedimentos com a final idade de

    auxiliar na anlise significativa de documentos escritos. Tem-se a

    compreenso que eles podem ganhar contornos especficos de acordo com a

    temtica e com as fontes utilizadas. So eles:

    CONTEXTUALIZAO HISTRICA DO DOCUMENTO: qualquer

    documento sempre ser fruto de uma poca especfica e, portanto, contm

    caractersticas que lhe so prprias e que devem ser discutidas pelo professor. Otexto de uma carta do incio do sculo XX, ainda que com temtica semelhante a

    um e-mail contemporneo, ter peculiaridades na linguagem, na forma de

    tratamento, nas expresses, na grafia, que a distinguem e a singularizam como

    um documento datado e revelador de um tempo. D i a n t e d e s t e t i p o d e

    f o n t e a lgumas questes devem ser levantadas, tais como a autoria, a datao,

    a localizao geogrfica, as caractersticas do vocabulrio e expresses, e o

    destinatrio. Alm disso, em tempos de internet, a tentativa de leitura e

    decodificao d e textos de pocas distintas pode gerar interessantes momentosde contato com formas de escrita e expresso de outros tempos, o que pode gerar

    ricos eventos de reflexo acerca da escrita e das formas de tratamento atuais.

    OBJETIVO, INTENCIONALIDADE, FINALIDADE DO DOCUMENTO:

    Assim como o historiador sempre buscar compreender o que foi escrito, como e

    para quem, tais questes podem assumir, na funo educativa, aspectos formativos

    prprios. Isso significa dizer que, no exerccio educativo de formao para a

    compreenso da Histria, um texto contemporneo de um jornal, um texto didtico

    escrito para o estudante ou um documento de poca podem ser problematizadosde formas similares e, portanto, apresentarem funes didticas equivalentes,

    ainda que distintos quanto ao seu enquadramento e sentido para o trabalho

    histrico.

    ASPECTOS MATERIAIS DAS FONTES: como o documento foi

    produzido? Qual o tipo de suporte de escrita? Quais suas medidas e

    caractersticas fsicas? Em que medida se assemelha ou se diferencia de similares

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    contemporneos que possuem caractersticas prximas em termos de gnero

    textual? O que mudou e o que permanece como semelhante?

    DESCRIO DO DOCUMENTO: Qual o assunto central? Quais

    frases ou partes sintetizam a sua inteno? Quais necessidades ou possibilidades

    de soluo de um problema so apresentadas ao leitor? Ocorre defesa ou crtica

    de algum? Como so construdos os argumentos?

    INTERPRETAO: Nesta etapa feito o cruzamento das informaes

    adquiridas nas etapas anteriores. Atravs do cruzamento de informaes entre

    diferentes fontes de um mesmo perodo pesquisado o p r o f e s s o r pode

    auxiliar na construo do conhecimento histrico de forma a possibilitar que o

    estudante: identifique mudanas e permanncias no percurso histrico da

    sociedade e dos documentos; verifique quais fontes podem ser somadas a reflexopara confirmar ou refutar uma hiptese levantada; perceba que os d ocumentos

    foram construdos num determinado contexto, o qual influencia

    preponderantemente em sua concepo, pois pretende responder a uma

    necessidade da poca; e conclua que, assim como possvel recuperar a

    Histria de pessoas, grupos sociais e da sociedade, baseados nos

    documentos por eles criados, que, ns, no presente, participamos desse processo.

    Portanto, somos todos agentes da Histria no s porque nossa histria

    estabelece relaes de continuidade com outras vivncias humanas do passado,mas tambm porque nossa vivncia atual constitui o mundo presente e tambm

    constituir as possibilidades de lembrana desse mesmo mundo em um tempo

    futuro.

    Um trabalho com fontes escritas pode se dar em todos os segmentos

    de ensino e sempre se relacionar problematizao de diferentes pontos de

    vista dentro de uma mesma situao. Como j enfatizado anteriormente, na

    Educao Infantil essa atitude pode ser trabalhada a partir da explorao de

    narrativas literrias e imaginativas, que podem se abrir a diversas novas

    narrativas, constitudas pela criana e pelo adulto a partir do ponto de vista de

    diferentes personagens.

    Nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, uma histria j conhecida

    pelos estudantes pode ser contada a partir do ponto de vista de outro

    personagem, levando-o a se deslocar para a posio de diferentes personagens.

  • 7/24/2019 Proposta Curricular de Histria PJF

    40/100

    Contudo, desejvel, nesse caso, que paulatinamente se mescle, narrativa

    literria e ficcional, acontecimentos de outras pocas, para que, aos poucos, se

    explore com o estudante situaes concretamente vividas por sujeitos em outros

    tempos.

    Nos Anos Finais do Ensino Fundamental, possvel nos pautar em

    documentos histricos de um mesmo perodo e comparar os seus textos, a

    partir da nfase interpretativa acerca do lugar ocupado por seus autores e,

    dessa forma, do sentido da construo de um fato histrico, bem como os

    sujeitos nele representados.

    O importante a ser destacado, nesse momento, que tais atitudes

    didticas podem e devem ser fei