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Projeto: o Dia das Mães Afecto, de Augusto Higa e Espera, Lúcia Crestana Museu de Arte do Parlamento de São Paulo. Imagens disponíveis em: http://docaosaocosmos.blogspot.com.br/2010/05/dia-da-mae.html - Acesso em abr. 2014 Introdução Pretende-se trabalhar aqui com diferentes modelos de representação da figura materna, dando espaço para que cada mãe, à sua maneira, venha à tona. Na discussão proposta neste projeto, visa-se a dissolver estereótipos e formas rígidas que tentam limitar o papel ou a posição social de uma mãe, excluindo outras. Há muito, os movimentos feministas questionaram a posição social da mulher, recusando a aceitar que à mulher caberia, por natureza, cuidar dos filhos e de casa. Tal fenômeno permitiu gradualmente não só conquistas da mulher no mercado de trabalho, como reviravoltas do papel da mulher dentro de casa, diante do marido e de seus filhos. Além disso, questões relativas a classes sociais, cultura, religião e sexualidade como também a ampliação do conceito de família (hoje, as formações familiares são cada vez mais diversificadas - mães solteiras, mães divorciadas, mães que se casam novamente, madrastas, mãe-avó, pai que exerce o papel de mãe, etc.) tornam difícil delimitar e definir com rigidez o que caracteriza uma mãe. Poderíamos perguntar, por exemplo, o que todas as mães, apesar das diferenças, teriam em comum entre si? Dessa maneira, este projeto propõe a reflexão sobre as diversas figuras maternas existentes por aí, na casa de cada um, suscitando o debate, a dissolução dos clichês, e apostando na singularidade da posição da mulher diante do mundo e da família. Direcionado para o Ensino Fundamental e Médio, este projeto apresenta diversas propostas de trabalho, permitindo, assim, a ampliação da reflexão sobre o tema proposto. Para que fique mais

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Page 1: Projeto: o Dia das Mães - · PDF filemulher, internada em situação calamitosa, e o choque que a sua rejeição à mãe causa em quem as observa de fora. Ressentimentos. À medida

Projeto: o Dia das Mães

Afecto, de Augusto Higa e Espera, Lúcia Crestana – Museu de Arte do Parlamento de São Paulo.

Imagens disponíveis em: http://docaosaocosmos.blogspot.com.br/2010/05/dia-da-mae.html - Acesso em abr. 2014

Introdução

Pretende-se trabalhar aqui com diferentes modelos de representação da figura materna, dando

espaço para que cada mãe, à sua maneira, venha à tona. Na discussão proposta neste projeto,

visa-se a dissolver estereótipos e formas rígidas que tentam limitar o papel ou a posição social de

uma mãe, excluindo outras.

Há muito, os movimentos feministas questionaram a posição social da mulher, recusando a

aceitar que à mulher caberia, por natureza, cuidar dos filhos e de casa. Tal fenômeno permitiu

gradualmente não só conquistas da mulher no mercado de trabalho, como reviravoltas do papel

da mulher dentro de casa, diante do marido e de seus filhos. Além disso, questões relativas a

classes sociais, cultura, religião e sexualidade como também a ampliação do conceito de família

(hoje, as formações familiares são cada vez mais diversificadas - mães solteiras, mães

divorciadas, mães que se casam novamente, madrastas, mãe-avó, pai que exerce o papel de

mãe, etc.) tornam difícil delimitar e definir com rigidez o que caracteriza uma mãe. Poderíamos

perguntar, por exemplo, o que todas as mães, apesar das diferenças, teriam em comum

entre si?

Dessa maneira, este projeto propõe a reflexão sobre as diversas figuras maternas existentes por

aí, na casa de cada um, suscitando o debate, a dissolução dos clichês, e apostando na

singularidade da posição da mulher diante do mundo e da família.

Direcionado para o Ensino Fundamental e Médio, este projeto apresenta diversas propostas de

trabalho, permitindo, assim, a ampliação da reflexão sobre o tema proposto. Para que fique mais

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clara a progressão das propostas, o projeto foi dividido em três partes principais. São elas: 1 –

Provocações iniciais; 2 – Interpretação e sistematização; e 3 – Atividades avaliativas. Essas

propostas de trabalho, porém, podem ser adaptadas, selecionadas, expandidas, de acordo com

os interesses e necessidades do professor e de sua turma.

1 - Provocações iniciais

Para iniciar a execução do projeto, propõe-se a leitura silenciosa do texto abaixo, em sala de aula.

TEXTO 1

MINHA MÃE ERA SERVENTE

Fabrício Carpinejar

Arte de Lucian Freud

Sou de uma rua em que as famílias colocavam as cadeiras na calçada para assistir novela de porta aberta. O meio-fio próximo,

como um sofá. Mania de fugir do calor e não perder o burburinho do bairro.

Tinha vergonha de minha mãe.

Trabalhava na escola de servente. Logo na escola em que estudava.

Lavava os banheiros e limpava as salas. Durante a aula, não colocava nenhum papel no chão, nenhuma madeira do apontador,

nenhum espiral das folhas porque ela teria que levantar. Eu sabia que ela levantaria. Entristecia-me quando um colega soprava

farelos de bolo de sua carteira para o parque. Em pensamento, minha mãe recolheria o fermento desmoronado com sua pazinha e

vassoura.

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Quando ela vassourava no serviço, não a cumprimentava, ainda mais acompanhado de meus amigos. Eu queria, mas não

conseguia formular sopro e saliva. Parece fácil e natural dizer oi para a mãe, mas não é. Quando me encorajava a subir a voz, ela

baixava a cabeça com meu constrangimento e não estávamos mais próximos. Dois corredores paralelos. O único saguão que nos

encontrávamos terminava sendo nossa casa.

Ela me criava sozinha. Não conheci meu pai. Recortava homens de revistas velhas para colar no lugar dele nos álbuns de família.

Burt Lancaster, Paul Newman, Marlon Brando. Minha mãe foi deixando para não entrar em detalhes. Não perguntava, ela não

respondia, nosso contentamento vinha da escova de suas mãos arrumando minha franja. "Vai com Deus".

No final da segunda série, a professora pediu para que os alunos escrevessem uma redação falando de seus pais. Precisavam

dizer o que faziam, qual a sua profissão.

Fui emborcado de timidez. Rubor. Fui ao banheiro chorar, quarar o rosto, aguardar que o tempo passasse rápido e a turma

esquecesse de mim. Dois períodos para confessar o que não podia; os colegas iriam caçoar de mim a vida inteira. Minha mãe me

viu gemendo, e entrou no banheiro.

- Sai, não pode vir aqui, mãe! É banheiro masculino...

Ela me alcançou pelo choro. Entendeu que era meu choro, como só nossa mãe compreende entre milhares de choro na praça, no

recreio, no mercado.

- Posso sim, filho, tenho todas as chaves da escola.

Eu cedi o colo, me aqueci no seu abraço de avental e voltei antes que alguém me descobrisse agarrado no pescoço da servente.

De volta, eu me apresentei. Na frente do quadro-negro. Tremendo as pernas. O silêncio dos outros era de bala na boca. Não

entendo como aconteceu, o rebuliço desalinhado. Aquelas palavras engasgadas vieram. Aquelas palavras atrasadas, aqueles

acenos nos bolsos, aquele pescoço deitado. Um dia viriam.

"Minha mãe tem todas as chaves da escola. Pode abrir todas as portas. Ela conhece todos os segredos. Não há melhor trabalho

do que ser servente, pois não podemos esconder nada dela. Nem o que sentimos. Nem o que fazemos de errado."

http://www.fabriciocarpinejar.blogger.com.br/2008_10_01_archive.html - Acesso em abr. 2014.

Após a leitura, propõe-se a discussão do texto com a turma. Oriente a discussão com perguntas,

como as sugeridas abaixo:

A que tipo de mãe o texto acima se refere?

Era uma mãe amorosa?

Por que o texto é capaz de comover o leitor?

Quando ocorre o processo de aceitação da mãe pelo filho, há uma transformação no seu modo de enxergá-la. Que transformação é essa?

O que essa mãe, no imaginário da criança, compartilharia com todas as mães, ricas e

pobres?

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2 - Interpretação e sistematização

Em seguida, sugere-se que seja feita, com os alunos, uma leitura em voz alta do texto abaixo.

TEXTO 2

NATURA LANÇA COMERCIAL DE DIA DAS MÃES CHEIO DE DIVERSIDADE!

O Dia das Mães logo está aí e a Natura – empresa de cosméticos – está lançando os novos comerciais publicitários

homenageando a data. Como toda empresa esperta e engajada, a comunicação escolheu abordar também diferentes estruturas

de família, incluindo aquela formada por duas mães e filhos.

No vídeo, a família é carinhosamente chamada de “mãemãe”, enquanto o texto narrado diz: “São dois colos de mãe numa família

só. (…) Os formatos mudam. O amor não. (…) Toda relação é um presente.”

É de emocionar e fazer o choro prender na garganta. Que fofura!

Disponível em http://sapatomica.com/blog/2014/04/17/natura-lanca-comercial-de-dia-das-maes-cheio-de-diversidade/ - Acesso em abr. 2014.

Após a leitura em voz alta, exiba o comercial a que o texto se refere, disponível no link abaixo:

https://www.youtube.com/watch?v=G6w_bnZKoSE

Nesse momento, a discussão também deverá ser orientada por perguntas lançadas por você.

Recomenda-se, contudo, que, agora, antes de as respostas serem debatidas oralmente, sejam

elaboradas por cada aluno, por escrito. Se necessário, repita a exibição do vídeo. Questões

sugeridas abaixo.

ATIVIDADE 01

QUESTÃO 01

Quais os “tipos” de mãe apresentados no comercial?

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QUESTÃO 02

Por que é importante considerar as diversas mães existentes na sociedade?

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QUESTÃO 03

Por que, cada vez mais, os formatos de família mudam?

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QUESTÃO 04

Quais as consequências dessa transformação?

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QUESTÃO 05

Ela é positiva? Por quê?

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QUESTÃO 06

Os diferentes formatos existentes impossibilitam o amor entre mãe e filho(a)?

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QUESTÃO 07

Há formato para o amor? Reflita e desenvolva.

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ATIVIDADE 2

Escolha um dos modelos de mãe mencionado no vídeo e escreva uma página de diário dessa

mãe, indicando suas atividades diárias, bem como seus pensamentos, sentimentos e as

dificuldades que enfrenta no dia a dia, por não ser uma mãe considerada convencional. (30

linhas)

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3 – Atividades avaliativas

ATIVIDADE 3

Os alunos deverão notar diferentes modalidades de mãe que povoam seus mundos. Em

conversas com primos, amigos, vizinhos, colegas de classe, etc., deverão identificar, anotar

essas diferenças. Em seguida, deverão fazer um ensaio fotográfico em que consigam, para cada

mãe, registrar um momento importante que as caracterize: um momento no trabalho, uma

refeição com o filho, a vida em casa, o casal, os detalhes da roupa, dos objetos que também

poderão caracterizá-la. Deverão entregar, como trabalho final, apenas o ensaio fotográfico, sem

texto, desde que consigam abordar e explicitar, pelo flagrante da fotografia, a diversidade das

mães por eles encontradas.

As fotos deverão ser entregues impressas, em forma de catálogo. O trabalho poderá ser realizado

individualmente ou em duplas.

Após serem entregues os trabalhos, proponha aos alunos uma exposição dos ensaios

fotográficos. Escolha um espaço adequado na escola para isso. Junto aos alunos, afixe as

fotografias na parede, convide os demais alunos da escola para visitarem a exposição. Selecione

alguns alunos para guiarem as visitas das outras turmas.

ATIVIDADE 4

Os textos, a seguir, servirão de apoio para a última atividade deste projeto. Peça aos alunos que,

primeiro, façam uma leitura silenciosa dos textos. Em seguida, execute as canções cujas letras

estão transcritas nos textos 4 e 5.

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TEXTO 3

Eliane Brum esquadrinha a relação entre mãe e filha

PUBLICADO EM 29/07/11 - 18h30

LUCIANA ROMAGNOLLI

Eliane Brum ficou conhecida, no jornalismo, pela narrativa de histórias de pessoas comuns, como o carregador de bagagem que

trabalhava em um aeroporto e nunca havia voado de avião - um dos muitos personagens reais retratados no livro-reportagem "A

Vida que Ninguém Vê" (2006).

Também em sua coluna semanal, no site da revista "Época", é com rara sensatez que a jornalista gaúcha aborda temas

espinhosos, seja a inabilidade da atual geração jovem para conviver com frustrações ou algum caso de grande repercussão

midiática.

Por esse olhar ao mesmo tempo generoso e crítico sobre os outros, sempre combatendo ideias pré-concebidas, Eliane provocou

expectativa ao anunciar que escreveria seu primeiro romance. Até porque a travessia do factual para a ficção não se faz com

garantias de que a qualidade da escrita em um gênero se manterá no outro.

"Uma Duas" não decepciona. Com uma narrativa elaborada e de grande impacto emocional, o livro curto se mostra capaz de

causar mal-estar. Algo que só obras com coragem de remexer no mais íntimo - e menos belo - das relações humanas conseguem

fazer.

Se antes já havia revelado o extraordinário que há no cotidiano, agora Brum realça o que há de comum e humano em uma

situação aparentemente doentia. O desconforto de "Uma Duas" vem do confronto entre a mãe e a filha que protagonizam a

história. A princípio, contudo, apenas à mais nova é dado o direito de voz. Num relato cru e pessoal, ela expõe a decaída da velha

mulher, internada em situação calamitosa, e o choque que a sua rejeição à mãe causa em quem as observa de fora.

Ressentimentos. À medida que o ressentimento da personagem pela mulher que a gerou é explicado por memórias que

remontam à infância, delineiam-se questões relativas à herança emocional legada pelos pais, suas consequências indeléveis e a

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necessidade de romper com o passado. E a possibilidade da escrita confessional surge, para a filha, como oportunidade de tomar

as rédeas da narrativa da própria vida (há se de pensar, aliás, se esse não é o motivo comum a perpassar toda a produção escrita

de Eliane Brum).

No entanto, numa hábil estratégia da autora, à certa altura a mãe conquista, também, o poder da escrita (e o de reinterpretar sua

história). Com isso, as narrativas das vidas das duas, entrecruzadas, tornam-se mais complexas, reequilibrando o peso das

"culpas".

Contra qualquer tendência a se idealizar a maternidade e o amor filial, as personagens são vistas em suas facetas mais cruéis e

sob o estranhamento mútuo: da filha que renega a própria carne por ser um subproduto do corpo da mãe, ao qual rejeita com

nojo; e da mãe que não reconhece o ser que cresce em seu ventre e dela se alimenta, sem que assim o tenha desejado.

Na alternância de vozes, Eliane Brum amplia o tema de seu romance para além da relação consanguínea e familiar, até a

necessidade ou possibilidade da escrita como esse meio de revisão e reinterpretação da vida.

http://www.otempo.com.br/divers%C3%A3o/magazine/eliane-brum-esquadrinha-o-mal-estar-entre-m%C3%A3e-e-filha-1.362246 - Acesso em abr.

2014.

TEXTO 4

Mãe Caetano Veloso

Palavras, calas, nada fiz Estou tão infeliz

Falasses, desses, visses não Imensa solidão

Eu sou um Rei que não tem fim Que brilhas dentro aqui

Guitarras, salas, vento, chão Que dor no coração

Cidades, mares, povo, rio Ninguém me tens amor

Cigarra, camas, colos, ninhos Um pouco de calor

Eu sou um homem tão sozinho Mas brilhas no que sou

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E o teu caminha e o meu caminho É um nem vais nem vou

Meninos, ondas, becos, mãe E só porque não estais

És para mim que nada mais Na boca das manhãs

Sou triste, quase um bicho triste E brilhas mesmo assim

Eu canto, grito, corro, rio E nunca chego a ti

http://letras.mus.br/caetano-veloso/44743/ - Acesso em abr.2014.

Para executar a canção, siga o link abaixo:

https://www.youtube.com/watch?v=kABxhwTKlsc

TEXTO 5

Pais e Filhos

Legião Urbana

Estátuas e cofres e paredes pintadas

Ninguém sabe o que aconteceu Ela se jogou da janela do quinto andar

Nada é fácil de entender Dorme agora

É só o vento lá fora Quero colo! Vou fugir de casa Posso dormir aqui com vocês?

Estou com medo, tive um pesadelo Só vou voltar depois das três

Meu filho vai ter nome de santo Quero o nome mais bonito É preciso amar as pessoas

Como se não houvesse amanhã Porque se você parar pra pensar

Na verdade não há Me diz, por que que o céu é azul? Explica a grande fúria do mundo

São meus filhos Que tomam conta de mim Eu moro com a minha mãe Mas meu pai vem me visitar

Eu moro na rua, não tenho ninguém Eu moro em qualquer lugar

Já morei em tanta casa Que nem me lembro mais

Eu moro com os meus pais É preciso amar as pessoas

Como se não houvesse amanhã Porque se você parar pra pensar

Na verdade não há Sou uma gota d'água Sou um grão de areia

Você me diz que seus pais não te entendem Mas você não entende seus pais

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Você culpa seus pais por tudo, isso é absurdo São crianças como você

O que você vai ser Quando você crescer

Para executar a canção, siga o link abaixo:

https://www.youtube.com/watch?v=jgYzyL9m1p0

Agora, releia os seguintes trechos dos textos lidos:

“Contra qualquer tendência a se idealizar a maternidade e o amor filial, as personagens

são vistas em suas facetas mais cruéis e sob o estranhamento mútuo: da filha que renega

a própria carne por ser um subproduto do corpo da mãe, ao qual rejeita com nojo; e da

mãe que não reconhece o ser que cresce em seu ventre e dela se alimenta, sem que

assim o tenha desejado. Na alternância de vozes, Eliane Brum amplia o tema de seu

romance para além da relação consanguínea e familiar, até a necessidade ou possibilidade

da escrita como esse meio de revisão e reinterpretação da vida.”

“Eu sou um homem tão sozinho/ Mas brilhas no que sou/ E o teu caminha e o meu

caminho/ É um nem vais nem vou/ Meninos, ondas, becos, mãe (...)/ Eu canto, grito, corro,

rio/ E nunca chego a ti”.

“Você me diz que seus pais não te entendem/ Mas você não entende seus pais/ Você

culpa seus pais por tudo, isso é absurdo/ São crianças como você”.

Proposta de trabalho

Se o bebê toma a mãe como extensão de si mesmo, ao crescermos, começamos a sentir um

pequeno hiato entre nós e nossos pais. Sobretudo no período da adolescência, esse hiato se

evidencia, podendo aparecer na forma de agressividade, isolamento (quantos adolescentes não

passam horas trancados no quarto?), distanciamento, mágoa, pois uma mãe ou um pai nunca é

aquilo que projetamos/idealizamos na infância. O abismo que se abre entre o jovem e seus pais,

contudo, pode ser saudável para a autonomia do primeiro, para a constituição da sua

personalidade, independente da dos pais. Esse abismo, no entanto, pode ser muito frustrante,

porque impõe uma quebra de expectativas e de idealizações em relação aos progenitores, pode

ser encoberto por mentiras, rebeldia vazia, mera culpabilização do outro, fuga da realidade.

Tantas vezes, por exemplo, um jovem, ao observar “de fora” a família ou os pais de um amigo,

sonha que aquela fosse a sua própria família, como se costuma dizer: a grama do vizinho é

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sempre mais verde... No entanto, crescer, entrar na vida adulta também significa aceitar que os

pais, assim como qualquer outro ser humano, são falíveis, apresentam defeitos e não podem

satisfazer todas as expectativas dos jovens.

Procedimento

Pensando no vazio que começa a separar jovens e pais, após uma certa idade – e no sabor um

tanto amargo que essa separação traz –, elabore uma carta cujo destinatário seja a sua mãe (ou

qualquer pessoa que, na sua vida, exerça o papel de mãe), dizendo aquilo que, no dia a dia, em

casa, costuma ser silenciado. Procure considerar que o respeito à alteridade exige saber perdoar

a diferença fundamental que nos singulariza, enriquecendo a relação. A carta (você decidirá se

deverá ser entregue ou não a seu destinatário, no final) deverá conter suas aflições mais íntimas,

concernentes aos conflitos da relação e o que, no outro, ainda é capaz, em você, de suscitar

amor. (30 linhas)

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Outros materiais sobre o tema:

Livros

Vermelho amargo – Bartolomeu Campos de Queirós

Uma duas – Eliane Brum

A falta – Lúcia Castello Branco

Diário de luto – Roland Barthes

Filmes

Mary e Max - Animação

Eu matei minha mãe – Javier Dolan

O garoto da bicicleta – Irmãos Dardenne

Pais e filhos – Hirokazu Koreeda

A viagem do balão vermelho – Hou Hsiao-hsien

Pai e filha – Ozu

Somewhere - Coppola

Artes plásticas

Gustave Klimt