módulo 6 estatuto do desarmamento, desarmamento voluntário, … · 2011-09-13 · foi a...
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Módulo 6 – Estatuto do Desarmamento, desarmamento voluntário,
recadastramento e destruição de armas de fogo
Apresentação do Módulo
O Brasil é reconhecido internacionalmente como um país de vanguarda na formulação
de modelos de análise e na proposta de soluções para o problema crescente de descontrole de
armas.
Foi a situação calamitosa dos homicídios por arma de fogo no Brasil que obrigou os
especialistas a procurarem soluções, que, por não existirem, tiveram que ser inventadas.
Assim, a legislação brasileira hoje é copiada por diferentes países, a metodologia de cálculo
de estoque de armas é ensinada em diferentes academias policiais no exterior (por ironia, não
no Brasil), os rastreamentos de armas alcançam os milhares, nunca realizados nessa proporção
por outros países. O Brasil é vanguarda no estudo do controle de armas de fogo.
Neste último módulo, você analisará as várias medidas implementadas pelo governo
brasileiro na redução da violência armada e no controle de arsenais.
Objetivos do Módulo
Identificar os principais aspectos da legislação brasileira de controle de
armas e munições, bem como as razões, os resultados e o modus operandi de
diferentes medidas já realizadas com êxito no Brasil e em outros países.
Estrutura do Módulo
Este módulo compreende as seguintes aulas:
Aula 1 – Estatuto do Desarmamento
Aula 2 – Campanhas de desarmamento voluntário
Aula 3 – Recadastramento e destruição de armas
Aula 1 – Estatuto do Desarmamento
A nova lei de controle de armas e munições, o Estatuto do Desarmamento, hoje é
fonte de inspiração para o aperfeiçoamento da legislação de diferentes países.
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Nesta aula você estudará as circunstâncias da aprovação no Brasil dessa lei avançada,
fruto da pressão popular que dobrou o Congresso Nacional, antes refratário às mudanças e sob
forte influência do poder da indústria de armas e munições.
1.1. A nova lei
A nova lei de controle de armas e munições, denominada Estatuto do Desarmamento,
está fazendo sucesso no exterior, provocando uma rediscussão das leis existentes em vários
países, exatamente porque é inovadora e eficaz. Ela estabelece medidas para combater o
tráfico ilegal de armas e controlar o comércio legal. Uma leitura atenta do Estatuto mostra que
seus principais objetivos são:
Desarmar os criminosos;
Diminuir os riscos para a população honesta e para os policiais.
Além disso, o Estatuto:
Busca aperfeiçoar um banco de dados nacional sobre armas e munições
(SINARM) para que forneça informações on line à polícia, possibilitando o
rastreamento e a repressão ao armamento ilegal;
Obriga a marcação das armas e das munições, de forma a poderem ser
rastreadas;
Tipifica, pela primeira vez na América do Sul, o tráfico de armas de
fogo, antes igualado ao contrabando de qualquer produto inofensivo, elevando-se as
penas, que podem chegar a 12 anos de prisão, no caso do contrabando de armas
militares ou de uso restrito.
Aqueles que se manifestam contra o Estatuto defendem o uso de armas por civis. Esse
grupo deveria fazer essa distinção, e não lutar pela extinção de uma lei que representa um
grande avanço no combate ao tráfico ilegal de armas e munições. Atacar o Estatuto como um
todo, na prática, é colaborar para que as armas e munições continuem fluindo com facilidade
para as mãos do crime organizado e para que a maioria dos crimes com arma de fogo continue
a não ser investigada.
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1.2. Breve histórico
A legislação anterior de controle de armas, Lei 9.437, de 1977, era demasiadamente
frouxa e omissa para que pudesse impedir a contínua disseminação de armas e munições no
Brasil.
Em 1999, o Viva Rio, em sintonia com o Ministério da Justiça e outras ONGs,
começou uma campanha por sua reforma. Durante todo o processo legislativo, pôde-se sentir
a fortíssima influência do poder econômico no Congresso, atropelando a ética e as próprias
leis do País. Os lobistas se faziam acompanhar de “técnicos”, que procuravam convencer os
parlamentares da inviabilidade de vários artigos do projeto do Estatuto.
A fraude mais flagrante aconteceu no processo final de votação, quando representantes
da CBC, maior fabricante de munições, apresentou aos parlamentares parecer “técnico” para
demonstrar a inviabilidade de se proceder à marcação dos cartuchos ou cápsulas das
munições.
Importante!
Essa medida, adotada por poucos países e considerada pela ONU um grande avanço da
lei brasileira, permite que a munição usada pelos bandidos, mesmo os cartuchos que ficam no
chão após os enfrentamentos com a polícia, seja rastreada para que se revele de qual
delegacia, loja, quartel ou fábrica foi desviada para a bandidagem. Uma simples marcação no
“culote” (base) do cartucho com número de lote possibilitaria que a investigação se fizesse
rapidamente.
Mas os “técnicos” da CBC negavam essa possibilidade, “por falta de espaço para se
gravar tanta informação e pelo custo proibitivo”.
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Foto 1 – Registrada pelo Jornalista Elio
Gaspari.
O Viva Rio obteve e apresentou
aos parlamentares 5 cápsulas, fabricadas
pela própria CBC, em 1950 e 1952, que
tinham marcadas em seus culotes mais
informação do que as exigidas no projeto.
Na foto 1, pode-se identificar os seguintes
dados, sendo que as referências ao tipo de
arma são hoje em dia desnecessárias: CBC
(fabricante), 45 ACP (calibre 45 para
Automatic Colt Pistol), M1 (para
revólver), M2 (para pistola), M3 (para
metralhadora e sub-metralhadora), 50 e
52 (anos de fabricação), MG (comprador:
Ministério do Exército) e MA (comprador:
Ministério da Aeronáutica).
Diante dos fatos, os parlamentares aprovaram a marcação das munições. Não de todas,
como havia sido defendida, mas pelo menos das vendidas para as Forças Armadas e para a
segurança pública.
Assim, desde 01.01.05, por determinação da Portaria do Ministério da Defesa nº 16-D,
de 28.12.04, as fábricas receberam ordens de começar a marcação de munição de alguns
calibres, e os demais a partir de 01.07.05.
1.3. Defesa de lei democrática contra interesses privados
No Congresso, a Rede Desarma Brasil (rede que reúne cerca de 70 entidades que
lutam pelo controle de armas), trava uma luta semanal para preservar o Estatuto,
democraticamente votado pelo Congresso em 2003, de tentativas de mutilação por parte de
congressistas que tiveram suas campanhas financiadas pelo lobby das armas.
Dentre os que estão convencidos de que armas representam mais risco que proteção,
encontram-se policiais que se tornaram paraplégicos por terem sido atingidos por tiro, e os
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familiares de vítimas de arma de fogo. Aqueles que não sucumbem à depressão, procuram
superar a dor dedicando-se a causas que impeçam outros de passarem pelo mesmo sofrimento,
tomando consciência de que o uso competente da arma pela polícia e o desarmamento civil
fazem a diferença. É o caso também de vários militantes da Rede Desarma Brasil, como a
ONG CONVIVE, de Brasília, como a Associação de Familiares de Vítimas de Vigário Geral,
ou ainda como Mick North1, que teve a filha de 5 anos fuzilada, junto com 15 outras crianças,
em uma escola de Dunblane, na Escócia, em 1996. (BANDEIRA; BOURGOIS, 2005)
Aula 2 – Campanhas de desarmamento voluntário
Os efeitos positivos na redução dos homicídios por arma de fogo, devido a campanhas
de desarmamento voluntário em diferentes países, serão estudados por você nesta aula.
Além disso, você estudará as razões de o governo haver transformado a campanha de
política de governo eventual em campanha de Estado permanente, bem como as inovações da
campanha de 2011, como agilização do pagamento e inutilização da arma entregue para
prevenir possíveis desvios.
Os especialistas brasileiros em campanhas de entrega voluntária de armas têm
assessorado governos de diferentes países na sua implementação, como Argentina, Costa
Rica, Angola, Moçambique, Peru, Paraguai, El Salvador e Bolívia, com excelentes resultados.
2.1. Impacto do desarmamento em âmbito internacional
Mais de 40 países já realizaram campanhas de desarmamento voluntário, em geral
com grande impacto na redução da violência armada. Um dos primeiros a recolher e destruir
armas foi o então Presidente Mandela, enfrentando os problemas herdados do regime racista
anterior de apartheid, em uma África do Sul que, como o Brasil, é produtor de armas e tem
altos índices de criminalidade. Mas foi a Austrália que promoveu a maior campanha,
recolhendo 700 mil armas. O país estava em choque, diante do assassinato de 35 pessoas e
ferimento de 18, provocados por Martin Brayant em um bar, em Port Arthur, portando duas
armas semiautomáticas. Como consequência, o governo proibiu a compra dessas armas por
1 Mick liderou uma campanha nacional que levou à proibição de armas de fogo para civis em toda a Grã-
Bretanha e à realização de várias campanhas de desarmamento voluntário, que tirou de circulação 159.701
armas, reduzindo as mortes por arma de fogo a apenas 87 por ano.
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civis, promoveu uma forte campanha de desarmamento voluntário, e assim conseguiu reduzir
os homicídios por arma de fogo em 43%, nos 6 anos posteriores à nova lei de restrição de
armas.
Importante!
A campanha brasileira, realizada de julho de 2004 a outubro de 2005, é
considerada uma das mais exitosas, por haver recolhido 459.855 armas e reduzido em
11% os homicídios por arma de fogo nos 5 anos posteriores à campanha, segundo o
Ministério da Saúde. Segundo os estatísticos, se forem considerados a curva
ascendente dos homicídios por arma de fogo e o quanto deixou de subir, a redução
foi na verdade de 18%.
Esse desempenho demonstra um ótimo resultado, e a campanha brasileira ajudou a
consolidar a convicção de que campanhas dessa natureza são realmente efetivas. Contudo,
cabe perguntar: Por que na Austrália a redução foi muito maior? Porque as forças de
segurança pública daquele país são muito eficientes, e o que explicava os altos índices de
violência era a falta de controle sobre as armas, num país com certa cultura ”texana” no uso
de armas. No Brasil, o problema é inverso: começa-se a estabelecer um controle sobre as
armas, mas a polícia exige grandes reformas.
Importante!
Observe que, no Brasil, um incipiente controle de armas surtiu um bom efeito, mas
está longe de por si só resolver o problema da criminalidade e da violência, que sendo
problemas complexos, exigem medidas complexas e simultâneas, como maior investimento
na polícia.
A campanha de desarmamento visa recolher armas de dois segmentos:
Armas legais de pessoas físicas civis;
Armas do mercado informal, isto é, não registradas.
As demais armas de criminosos, como bem disse em 2005 o então ministro da Justiça,
Márcio Thomaz Bastos, “têm que ser tomadas à força pela polícia”.
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2.2. Características da nova campanha
Em 2010, o então ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, transformou a campanha de
desarmamento voluntário, uma política eventual de governo, em política permanente de
Estado. Considerando, a partir de pesquisas, que a campanha de 2004/2005 teve forte impacto
na redução dos homicídios por arma de fogo, compreendeu que o desarmamento devia ser
tratado como, por exemplo, as campanhas anuais de vacinação, com claros e importantes
benefícios à população. Com o novo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a campanha
permanente, a ser realizada todos os anos, começou a ser implementada em maio e tem como
prazo final o mês de dezembro de 2011.
A atual campanha tem basicamente as mesmas características da primeira, com alguns
aperfeiçoamentos detalhados a seguir:
a) Anistia e armas ilegais – O objetivo da campanha é tirar de circulação
o máximo de armas, pois as pesquisas mostram que “menos armas, menos mortes”.
Portanto, não importa que a arma seja legal ou ilegal (não cadastrada na polícia ou
com registro vencido, arma de uso restrito ou com numeração raspada), ela será
igualmente recebida, indenizada, sem qualquer punição para quem entregar arma
ilegal, mesmo porque a campanha é anônima. A campanha é um momento de
“excepcionalidade jurídica”, em que, buscando-se um benefício social (a queda dos
homicídios por arma de fogo), tomam-se medidas para estimular e facilitar ao máximo
que a população se desarme. Não é momento para incriminar ninguém que participe
da campanha. Em 2004/2005, por exemplo, foram entregues metralhadores antiaéreas,
bazucas e até granadas militares, que eram guardadas em apartamentos de
Copacabana. Noventa e um por cento das armas entregues eram ilegais, e foi muito
bom que essas armas tenham saído de circulação, pois essas são as preferidas dos
criminosos, já que são de difícil ou impossível rastreamento.
b) Anonimato – Faz parte do estímulo e facilitação para entrega de todo
tipo de arma de fogo o anonimato para quem a entrega. Em nenhuma das etapas de
entrega será exigido o nome de quem se desfaz de sua arma, seja no transporte (apesar
de o Guia de Trânsito ter espaço para a identidade do portador, seu preenchimento não
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é obrigatório), seja no ato de entrega da arma, seja no recebimento da indenização no
Banco do Brasil – apenas os dados referentes à arma serão anotados e servirão para a
indenização ao portador.
c) Indenização – As armas serão indenizadas de acordo com seu tipo: por
revólveres e pistolas de calibre até 38 e espingardas (cano liso), serão pagos R$
100,00; por carabinas (cano raiado) serão pagos R$ 200,00; e por fuzis, metralhadores
e submetralhadoras serão pagos R$ 300,00. As armas de fabricação caseira e
espingardas de pressão (chumbinho) não serão indenizadas. A Rede Desarma Brasil
propôs que também as munições entregues fossem indenizadas, mas, como depende de
mudança de lei, ficou para as próximas campanhas.
2.3. Inovações da nova campanha
Aprende-se com as experiências passadas. Apesar dos bons resultados da campanha de
2004/2005, procurou-se agora facilitar ainda mais a entrega de armamento, com 4 inovações:
a) Pagamento rápido – Enquanto na campanha anterior o pagamento
podia tardar até 3 meses e era feito mediante a apresentação do CPF (o que contrariava
o anonimato), agora quem entrega arma escolhe uma senha e recebe um protocolo
(comprovante numerado para saque) anônimo, que lhe permite retirar a indenização 24
horas depois, em qualquer agência do Banco do Brasil. A Rede Desarma Brasil
sugeriu que o processo fosse ainda mais rápido, como o pagamento em cheque ao
portador no momento da entrega, como se fez na Argentina, mas o Banco do Brasil
julgou inviável (a medida evitaria os problemas que surgem quando se depende de
informática e burocracia bancária).
b) Participação da sociedade civil – Se na campanha de 2004/2005,
várias igrejas e ONGs foram credenciadas para receber armas, em outra campanha,
realizada em 2008/ 2009, essa participação não aconteceu, o que resultou na entrega
de apenas 30 mil armas à PF (só a ONG Viva Rio recebeu a metade disso na primeira
campanha). Ficou clara a importância da participação da sociedade. Agora, pretende-
se credenciar instituições filantrópicas (pelo menos esse é o compromisso do governo
com a Rede Desarma Brasil) que trabalham pela cultura de paz e solidariedade, como
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igrejas de todos os cultos, ONGs, maçonaria (Grande Oriente do Brasil), Ordem dos
Advogados do Brasil, Rotary Clube, Lyons Clube e quem mais desejar ser
credenciado pelo Ministério da Justiça, as quais deverão passar pelos procedimentos
de capacitação e condições adequadas para receber armas. Dessa forma, pretende-se
abrir postos de entrega de armas próximos das pessoas, pois a distância foi um fator de
desestímulo nas campanhas passadas. Outra razão para que instituições dessa natureza
recebam armas é que, dada a imagem pública negativa que a polícia de alguns Estados
ainda tem, há aqueles que preferem entregar suas armas em locais “neutros”, o que
também aprendemos com a experiência de outros países.
A diferença que faz a participação da sociedade civil fica demonstrada ao
compararmos a campanha de 2004/205 com a de 2008/2009 (Tabela 13), citada na pesquisa
ESTOQUES. Na última campanha, apenas a Polícia Federal participou, perdendo-se um dos
aspectos fundamentais de uma campanha voluntária: o trabalho de conscientização e
esclarecimento, que tem mais credibilidade quando feito por padres e pastores durante os
cultos religiosos, médicos que conhecem melhor que ninguém o morticínio causado pelas
armas, organizações filantrópicas reconhecidas pelo seu trabalho de solidariedade e em prol
de uma cultura de paz, especialistas em armas, etc.
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Tabela 13 – Entrega de armas de fogo nas campanhas 2004/05 e 2008/09 segundo UF e taxa de
entrega.
UFEntrega
2004/05 (1)
Entrega
2008/09 (2)
Taxa de entrega
por mil armas em
circulação (1)
Taxa de entrega
por mil armas em
circulação (2)
% 2004/05
para
2008/09
AC 1.348 73 8,46 0,46 -94,6
AL 12.781 77 104,07 0,63 -99,4
AM 541 36 2,99 0,20 -93,3
AP 2.825 230 66,07 5,38 -91,9
BA 16.766 35 72,95 0,15 -99,8
CE 24.543 156 101,77 0,65 -99,4
DF 8.374 13.945 17,07 28,43 66,5
ES 5.275 346 39,39 2,58 -93,4
GO 5.654 348 8,17 0,50 -93,8
MA 3.200 27 23,06 0,19 -99,2
MG 27.000 990 38,16 1,40 -96,3
MS 4.844 932 23,69 4,56 -80,8
MT 7.306 106 25,86 0,38 -98,5
PA 6.125 139 35,17 0,80 -97,7
PB 12.880 495 48,99 1,88 -96,2
PE 23.651 562 41,30 0,98 -97,6
PI 3.242 210 26,92 1,74 -93,5
PR 36.233 1.064 47,94 1,41 -97,1
RJ 44.065 1.046 55,64 1,32 -97,6
RN 4.259 251 24,57 1,45 -94,1
RO 1.861 12 15,31 0,10 -99,4
RR 510 2 9,33 0,04 -99,6
RS 33.432 1.094 25,89 0,85 -96,7
SC 16.159 878 21,81 1,19 -94,6
SE 16.560 124 281,79 2,11 -99,3
SP 138.787 7.460 27,42 1,47 -94,6
TO 1.634 83 23,26 1,18 -94,9
Total 459.855 30.721 31,94 0,21 -93,3
Fonte: Elaborado a partir dos dados do Sinarm (ESTOQUES).
c) Inutilização das armas – As armas entregues estão sendo enviadas
para a PF para controle e serão posteriormente destruídas pelo Exército. Mas, antes
disso, no próprio ato de entrega – e na frente do doador –, as armas serão inutilizadas
nos postos civis, através do uso de uma marreta pelo receptor da arma ou até mesmo
por quem entrega a arma, se for esse o seu desejo. Essa foi a solução encontrada na
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primeira campanha para dar segurança aos postos civis de entrega situados em áreas
de risco. Uma vez danificada, a arma vira ferro-velho e deixa de ser cobiçada pelos
delinquentes. Essa também foi a forma encontrada para dar a quem entrega a garantia
absoluta de que sua arma não corre risco de ser desviada. Na primeira campanha,
houve alguns poucos casos de arma desviada por servidores públicos desonestos e, na
primeira campanha em Moçambique, foi grande a quantidade de armamento de guerra
recolhido e posteriormente desviado por policiais corruptos. Daí porque vamos
estimular que também os postos de entrega policiais e militares inutilizem as armas
recebidas.
Inutilização de arma com marreta, Viva Rio, 2005.
d) Participação de todas as polícias – Como na primeira campanha, também algumas
unidades do Exército e das polícias militar e civil receberão armas. Mas agora o Ministério da
Justiça pretende habilitar para abrir postos todas as forças de segurança pública, incluindo a
Polícia Rodoviária Federal, a Força Nacional de Segurança, as Guardas Municipais e os
Bombeiros, de forma a ampliar ao máximo a rede de recepção de armamento. O Exército
discute no momento se também abre seus quartéis para o recebimento de armas, como fez em
2004/2005. É preciso que as corporações policiais e militares tenham a iniciativa e atendam
ao oferecimento proposto pelo Ministério da Justiça para o credenciamento no recebimento de
armas.
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2.4. Por que entregar arma?
Algumas razões que os especialistas em uso de arma dão para que o civil não tenha
arma de fogo, principalmente nas cidades:
a) Arma é para ataque e não para defesa – As armas de fogo são muito eficazes
para o ataque, quando se tem a iniciativa da ação armada, mas seu uso na defesa exige que
outros fatores estejam presentes, mas eles raramente estão. O mais importante é o fator
surpresa, que decide o embate em favor do atacante, pois é o assaltante que escolhe o
momento e a circunstância do ataque, enquanto a vítima é surpreendida e nada pode fazer
diante de uma arma que lhe é apontada e, se reagir, morre. O resultado é que, seja em casa ou
em um carro, por não ter tempo de reagir ao assalto, a vítima terá sua arma roubada,
involuntariamente aumentando o arsenal do criminoso. Além disso, corre o risco de ser
assassinada, ou ter sua família morta, por ter uma arma “que ameaçava” o assaltante,
conforme comprovam as estatísticas policiais. E, se isso não bastasse, bandidos trabalham
normalmente com cúmplices, dando cobertura, quase eliminando as chances de reação.
Segundo apurou a polícia, os jornalistas da Rede Globo, William Bonner e Fátima
Bernardes, foram assaltados em casa, em 2005, por bandido cuja arma, pistola 7.65, dourada,
havia sido roubada da residência de um oficial reformado da Marinha. Em pesquisa recente,
40 homicidas presos em São Paulo, perguntados “por que mataram?”, responderam o
mesmo: “Fui obrigado a atirar porque reagiu. Minha intenção era só roubar” (“Por que os
Bandidos Matam” in Veja, São Paulo, 17.11.2010). Isso confirma o que ensinam os
especialistas: “quem reage, morre”, no caso de assaltos com arma de fogo, quando não se
está devidamente protegido.
b) Riscos da arma – Não confiando na eficiência policial, é compreensível que pais
de família se armem para proteção de seus bens e de sua família. Se a arma é guardada em
condições de uso imediato, municiada, engatilhada e ao alcance da mão, para tentar defender-
se, essa arma será facilmente encontrada por familiares: crianças curiosas, sendo comuns os
acidentes com filhos que brincam com a arma do pai ausente, suicídios de adolescentes
deprimidos e assassinatos de mulheres por seus parceiros enciumados ou bêbados (40% das
mulheres assassinadas por arma de fogo nas capitais brasileiras foram vítimas de seu
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cônjuge). A campanha de desarmamento no Uruguai dizia: “Se você tem uma arma, você tem
um problema”. Se, para não correr esses riscos, o proprietário da arma a mantêm muito bem
guardada (como em cofres, como manda a lei na Suíça), ela não será útil na defesa imediata
no caso de assalto da residência, mas acabará roubada.
No plano do uso de armas por civis, é natural que em uma sociedade ocorram
desavenças e conflitos individuais. O que faz o Brasil diferente é a disseminação de armas. A
presença da arma num cenário de conflito interpessoal, ou de descontrole emocional, faz a
diferença e imprime um desfecho trágico à briga ou ao desespero. Sem arma, uma desavença
ou uma depressão seriam apenas um momento desagradável; com arma, o resultado será uma
ou mais desgraças: alguém que morre, alguém que se torna assassino ou homicida e famílias
destruídas. A presença da arma de fogo transforma conflitos, desavenças banais ou crises
emocionais em tragédias irreversíveis. A arma de fogo muda a natureza dos conflitos pessoais
ou íntimos, tornando-os mortais. A arma dá uma ilusão de segurança.
Resta a pergunta: não podendo confiar sempre na presteza da polícia, nem contar com
uma arma de fogo, como o cidadão vai se proteger? O que nos ensinam as democracias
avançadas, que resolveram de forma satisfatória o problema da violência urbana, como Japão,
Grã-Bretanha e Canadá, é investir na melhoria das forças públicas de segurança. Os países
que buscaram a autodefesa dos cidadãos, como os Estados Unidos, país que tem 300 milhões
de habitantes e 200 milhões de armas legais em mãos civis, possuem altos índices de
homicídios por arma de fogo, se comparados com outras nações desenvolvidas; além disso, é
um país com frequentes massacres em escolas e igrejas e serial killers ensandecidos, atitudes
decorrentes de uma cultura que glorifica a arma e não a resolução pacífica dos conflitos.
Os policiais usam armas no desempenho de uma profissão de risco, que exige muitas
vezes o enfrentamento com criminosos armados. Para isso, são treinados, usam armamento
potente, mas, surpreendidos por um ataque, correm os mesmos riscos que os civis. Daí a
importância de treinamentos específicos, para aumentar a segurança do policial, evitar danos
desnecessários em delinquentes e inadmissíveis em inocentes. Monografia (não publicada) de
uma aluna do curso de pós-graduação em Segurança Pública do Viva Rio pesquisou os
membros da Guarda Municipal do Rio de Janeiro, que não usa arma de fogo, revelando que os
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guardas mais experientes não querem andar armados, “para não servirem de alvo dos
bandidos, e porque seu trabalho não exige arma de fogo, mas sim armas de baixa letalidade”.
Contraditório é o policial defender o uso de armas por civis. Primeiro, porque é um
reconhecimento da incapacidade da própria polícia de prover segurança para o cidadão.
Segundo, porque no dia em que só as forças públicas de segurança e os militares da ativa
tiverem armas, o trabalho do policial será grandemente facilitado. Terceiro, porque uma das
bases do sistema democrático moderno é o monopólio da violência pelo Estado, a quem cabe
seu uso de forma legítima, e não a autodefesa civil e a justiça pelas próprias mãos das
sociedades antigas. Democracias avançadas se constroem com polícia eficiente e respeitada, e
população desarmada e colaborativa com as forças de segurança pública.
c) Proteção da família – O Supremo Tribunal Federal (STF), em maio de 2007,
julgando ação de inconstitucionalidade contra o Estatuto do Desarmamento, considerou-o
constitucional porque (1) a Constituição garante o direito à vida, e as pesquisas científicas
demonstram que arma de fogo em casa normalmente representa um grande risco para a
família; (2) a Constituição garante o direito à segurança, a ser provida pelo Estado, e não por
autodefesa; (3) não existe um “direito à arma”, e a sua posse é uma concessão do Estado.
Em países como a Nova Zelândia, um homem só pode comprar arma se previamente
autorizado pela esposa e filhos. Entre os brasileiros, apesar de a lei equiparar os direitos de
todos, alguns homens ainda expõem a risco toda a família, impondo sua visão equivocada de
segurança. No Canadá, homens com histórico violento necessitam de autorização da família
para comprar arma de caça (armas de mão são muito restringidas).
d) Arma atrai arma – Os estudos demonstram também que “casas com armas
atraem assaltantes, que, ao saberem da existência de armas, já chegam atirando”. A famosa
pesquisa do médico Arthur Kellermann revelou que, nos Estados Unidos, “a família que
mantém uma arma de fogo em casa corre 4 vezes mais risco de que seja disparado um tiro
acidental, 7 vezes mais risco de que a arma seja usada em assassinato intrafamiliar e 11
vezes mais risco de que a arma seja instrumento de suicídio, do que de a arma vir a servir
para a autodefesa da própria família”. (BANDEIRA; BOURGOIS, 2005, p. 73)
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2.5. Críticas e defesa da campanha
Normalmente, os países mais citados por quem defende o porte de armas para civis
são a Suíça e os Estados Unidos, situações mal compreendidas. O livro Armas de Fogo:
Proteção ou Risco? esclarece a sua verdadeira situação, com base em pesquisa in loco, bem
como informa como algumas nações alcançaram baixos índices de violência armada, como
Japão, Austrália, Grã-Bretanha e Canadá.
Alguns grupos de defensores têm manipulado dados e falseado as razões da campanha.
Algumas das críticas infundadas:
a) “Referendo versus Desarmamento?” – Com dificuldade de criticarem
uma campanha de desarmamento simpática e democrática, porque é voluntária, em
que o desarmamento não é imposto, e que já demonstrou resultados concretos
altamente positivos, procuram confundir. Dizem que “o povo já votou contra o
desarmamento e a favor das armas no referendo de 2005”. Ora, no referendo a
maioria do eleitorado votou contra a proibição do comércio de armas de fogo e
munição para civis e não contra o desarmamento voluntário. A entrega voluntária de
armas é uma proposta tão popular, que, durante o referendo, mesmo a campanha do
“não” fazia questão de propagar que “não era contra o desarmamento, mas a favor do
direito de comprar armas”. Pesquisas de opinião, antes e depois do referendo,
registraram que a maioria dos brasileiros eram a favor do desarmamento voluntário e
da proibição de se portar arma na rua. Relacionar o referendo passado com a atual
campanha de desarmamento voluntário é pura manipulação.
b) “A campanha quer plebiscito contra o referendo de 2005 ?” – A
proposta de um plebiscito que revogue o resultado do referendo foi feita pelo Senador
José Sarney e enfrentou uma clara e firme oposição por parte da Rede Desarma Brasil.
Em documento ao País, a Rede explicou por que foi a favor da proibição do comércio
de armas e munições no referendo (as armas roubadas de residências de homens de
bem são uma das maiores fontes de armas para os bandidos, segundo a PF) e por que é
contra nova consulta popular para o mesmo tema (como é uma rede que defende a
16
democracia, nova consulta em tão pouco tempo seria um desrespeito à vontade da
maioria do eleitorado).
O debate sobre o referendo é inoportuno, porque encobre o mais importante, que é o
não cumprimento do Estatuto do Desarmamento. Se estivesse sendo cumprido, o comércio de
armamento estaria sendo fiscalizado, como também as outras rotas de desvio. O foco do
debate nacional deve ser o desrespeito da legislação por parte dos fabricantes e comerciantes
de armas e munições e por setores ponderáveis das autoridades responsáveis pela sua
aplicação, conforme investigado pela citada CPI.
c) “Vai ter criminoso entregando armas envolvidas em crime?” – Isso
comprovadamente não acontece. Primeiro, porque um criminoso que pretende sumir
com a arma do crime não vai entregá-la a uma campanha em que a arma será periciada
e catalogada pela polícia, mesmo se inicialmente a arma for entregue em uma igreja ou
ONG. Para que correr esse risco? Mais fácil jogar a arma no mar ou em um rio.
Segundo, porque o valor de uma arma dessas do mercado ilegal é muito maior do que
a indenização da campanha e, se o criminoso pode receber mais pela arma, por que
não o fará? Se antes havia alguma dúvida a respeito, ela foi respondida por pesquisas
feitas na Califórnia. Em San Diego e em Seattle, nos EUA, campanhas semelhantes
constataram que apenas entre 0,5 e 1,8% das armas entregues tinham sido previamente
roubadas, e o número de armas envolvidas em crime foi inexistente ou tão pequeno
que não foi possível medi-lo. (BANDEIRA; BOURGOIS, 2005, p.102)
1.6. Lições do massacre da escola de Realengo
Julga-se que a melhor resposta à tragédia da escola de Realengo em 2011 não era uma
nova consulta eleitoral. Não se trata de mudar novamente a lei, mas de cumprir a lei em vigor,
que continua em grande parte no papel, além de implementar uma nova campanha de
desarmamento voluntário.
As duas armas usadas por Wellington Oliveira para assassinar 12 jovens na escola
Tasso da Silveira, não por acaso eram brasileiras, Taurus e Rossi. Você já estudou que as
armas de mão são as preferidas dos assaltantes porque são baratas, fáceis de carregar e
esconder. Por outro lado, se uma das armas do Wellington estava com número raspado, a
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outra tinha sido anteriormente furtada de uma residência. Fato comuníssimo, como você
também já estudou. Além da cultura de violência armada disseminada na internet, foi a
facilidade de Wellington em comprar armas e munições que lhe permitiu matar tantos jovens
em poucos minutos, possibilitando o massacre. A facilidade de se comprar arma nos Estados
Unidos é que o torna a terra dos massacres. Lá, em apenas 10 anos, 453 crianças e jovens
foram mortos em escolas e igrejas atacadas por fanáticos por arma de fogo – em 80% dos
casos usando armas legais. (BANDEIRA; BOURGOIS, 2005, p.23)
Se o Estatuto do Desarmamento estivesse sendo integralmente aplicado, teria sido
pouco provável que ocorresse o referido massacre. No que foi aplicado, o Estatuto melhorou a
situação da segurança. Foram a proibição do porte de arma na rua e a campanha de
desarmamento de 2004/2005 que reduziram os homicídios por arma de fogo. Mas grande
parte dos artigos do Estatuto não foram executados, por resistência de poderosos interesses
que lucram com o comércio descontrolado de armas e munições. Os Estados Unidos têm uma
legislação frouxa e o Brasil, uma ótima lei, mas, por não ser aplicada, é muito fácil adquirir
armas legais e ilegais em ambos os países.
Aula 3 – Recadastramento e destruição de armas de fogo
A última aula do curso informa sobre a campanha de recadastramento realizada pela
Polícia Federal, num esforço para tirar da ilegalidade armas mantidas sem registro por
homens de bem, e a importância da participação da sociedade no processo de convencimento,
levando ao aumento do recadastramento.
Respondendo a um apelo da ONU, o Brasil realizou a maior destruição pública de
armas realizada em âmbito internacional e foi aplaudido de pé neste fórum mundial de países.
Discutem-se os prós e contras da destruição de armas apreendidas e as razões da destruição
dos excedentes de armas que ficam guardadas nos depósitos do Estado ou em residências,
sujeitas a desvios, furtos e roubos.
3.1. Recadastramento de armas
De 2008 a 2009, a Polícia Federal promoveu uma campanha nacional de legalização
de armas. A Rede Desarma Brasil apoiou essa campanha, ajudando a difundir o princípio de
que “homens de bem que se consideram no direito de possuir armas têm que agir dentro da
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lei; quem tem arma ilegal é marginal”. Ela ajudou também, no Congresso, a aprovar medida
provisória que isentou de taxa quem recadastrasse sua arma. No momento, há pressões para
que essa campanha continue, mas entende o governo que, durante dois anos, todas as
facilidades (isenção de taxa, recadastramento pela internet, anistia) foram dadas, e que,
passada a campanha, deve prevalecer a lei, que torna crime a posse de arma ilegal (detenção
de 1 a 3 anos e multa, no caso de armas de uso civil, e de 3 a 6 anos e multa, se a arma for de
uso restrito). A alternativa para quem está nesta situação é entregá-la na campanha de
desarmamento. Acha o governo que não pode afrouxar na aplicação da lei, correndo o risco de
banalizar o crime, incentivando-o.
Assim como sucedeu nas campanhas de desarmamento, também aqui a participação da
sociedade fez enorme diferença. No primeiro ano, apenas 184.446 armas foram regularizadas.
Em 2009, com a participação da Associação Nacional da Indústria e Comércio de Armas e
Munições, foram legalizadas 1.223.839 armas (Tabela 14).
Tabela 14 – Regularização de armas de fogo segundo UF e taxa de regularização.
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UFRegularização
2008 (1)
Regularização
2009 (2)
Taxa de
regularização por
mil armas em
circulação (1)
Taxa de
regularização por
mil armas em
circulação (2)
% 2008
para 2009
AC 13.607 18.216 8,54 11,44 33,9
AL 2.316 8.257 1,89 6,72 256,5
AM 1.703 7.908 0,94 4,37 364,4
AP - 8.113 - 18,97 0,0
BA 2.992 20.290 1,30 8,83 578,1
CE 2.396 21.022 0,99 8,72 777,4
DF 35.260 62.916 7,19 12,83 78,4
ES 2.200 20.656 1,64 15,43 838,9
GO 1.565 31.822 0,23 4,60 1.933,4
MA 1.602 14.180 1,15 10,22 785,1
MG 13.098 75.819 1,85 10,71 478,9
MS 3.771 23.847 1,84 11,66 532,4
MT 818 81.397 0,29 28,81 9.850,7
PA 1.912 29.389 1,10 16,88 1.437,1
PB 2.096 8.212 0,80 3,12 291,8
PE 13.360 58.369 2,33 10,19 336,9
PI 216 20.920 0,18 17,37 9.585,2
PR 1.751 44.095 0,23 5,83 2.418,3
RJ 7.511 50.418 0,95 6,37 571,3
RN 946 8.969 0,55 5,17 848,1
RO 23.439 104.070 19,28 85,62 344,0
RR 1.036 7.840 1,89 14,34 656,8
RS 5.615 174.546 0,43 13,51 3.008,6
SC 8.665 74.514 1,17 10,06 759,9
SE 1.169 4.365 1,99 7,43 273,4
SP 34.708 236.285 0,69 4,67 580,8
TO 694 7.404 0,99 10,54 966,9
Total 184.446 1.223.839 1,28 8,50 563,5
Fonte: Elaborado a partir dos dados do Sinarm (ESTOQUES).
3.2. Destruição pública de armas
Uma das preocupações da ONU é incentivar os governos a destruir os excedentes de
armas, para evitar que acabem desviadas para o mercado ilegal. O Estatuto do Desarmamento,
em seu art. 25, determina que o Exército destrua as armas recebidas ou apreendidas. Para
comemorar a primeira Conferência das Nações Unidas sobre Tráfico Ilícito de Armas, em
2001, a ONU fez um apelo para que os governos promovessem tais destruições. O governo do
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estado do Rio, com o apoio do Viva Rio e do Exército Brasileiro, promoveu então a maior
destruição simultânea de armas pequenas já realizada no mundo, esmagando 100 mil armas
no Aterro do Flamengo. O evento teve repercussão mundial. Normalmente tais destruições se
fazem nos quartéis, sem que a população tome conhecimento. Nos atos públicos, que têm
finalidade pedagógica e de participação da cidadania, as armas são danificadas, para serem
fundidas posteriormente no forno de siderúrgicas. (BANDEIRA; BOURGOIS, 2005, p.109)
A primeira destruição pública de armas no Brasil foi realizada em São Paulo, em 1997,
quando 1.721 armas foram esmagadas por rolo compressor, em cerimônia organizada pela
ONG Sou da Paz e executada pelo Exército. Em 1999, o governo do estado do Rio, em
parceria com o Viva Rio e o Exército, promoveu a primeira destruição pública no Rio, no
estádio do Maracanã. Em 2002, destruíram-se mais 10.000 armas e, em 2003, foram 4.158,
parcialmente queimadas em uma fogueira, a “Chama da Paz”.
Foto: Rodrigues Moura Foto: Sandra Delgado
Destruição de 10.000 armas – Rio, 12.07.02. Destruição de 4.000 armas – Rio,
06.06.03.
A atual campanha de desarmamento foi lançada pelo ministro da Justiça, José Eduardo
Cardozo, que compareceu à Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, para
assistir à fundição de 2.000 armas. Em seguida, lançou a campanha em São Paulo, quando
4.000 armas foram destruídas publicamente com rolo compressor. A intenção do governo é
destruir as armas entregues, sempre que possível, em público.
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Na citada conferência da ONU sobre tráfico de armas, a delegação do governo
brasileiro participou do debate sobre a “destruição dos excedentes de armas”, proposta pela
presidência da Conferência. Países pobres foram a favor do aproveitamento das armas
apreendidas por parte de suas polícias. Embora não sendo rico, o Brasil é grande produtor de
armas e munições, e se posicionou pela sua destruição pública, devido à heterogeneidade, alto
custo de reposição de peças e maior dificuldade no controle de armamento apreendido. Nosso
país propôs que as polícias sejam providas de armamento adequado para operar nas cidades
sem danos colaterais e que armas de baixa letalidade fossem implementadas. Mais um aspecto
polêmico no tema das armas.
Finalizando...
O Estatuto do Desarmamento é uma lei avançada, copiada por vários
países;
Os interesses privados da indústria e comércio de armas e munições têm
prevalecido sobre os interesses da segurança pública;
Campanhas de desarmamento voluntário têm reduzido os homicídios
em diferentes países, inclusive no Brasil;
A campanha brasileira garante indenização, anonimato e anistia;
A nova campanha acontecerá todos os anos, indenizará rápido e
inutilizará as armas no ato de entrega;
Um novo referendo sobre proibição do comércio de armas e munições
não seria democrático;
O massacre da escola de Realengo mostra como é fácil obter armas e
munições brasileiras;
As campanhas de desarmamento e recadastramento cresceram com a
participação da sociedade civil;
Destruições públicas de arma promovem um salutar debate sobre o seu
uso.