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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE TCE - Escola de Engenharia TEM - Departamento de Engenharia Mecânica PROJETO DE GRADUAÇÃO II Título do Projeto: ANÁLISE DE TENSÕES RESIDUAIS POR RUÍDO MAGNÉTICO BARKHAUSEN E DIFRAÇÃO DE RAIOS-X EM AÇO API 5L X70 COM DIFERENTES CARREGAMENTOS Autor: NATASHA CHRISTINNE BOECHAT CORREIA Orientador: PROFª. DRª. MARIA DA PENHA CINDRA FONSECA 29 de julho de 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE TCE - Escola de Engenharia TEM - Departamento de Engenharia Mecânica

PROJETO DE GRADUAÇÃO II

Título do Projeto:

ANÁLISE DE TENSÕES RESIDUAIS POR RUÍDO MAGNÉTICO BARKHAUSEN E DIFRAÇÃO DE

RAIOS-X EM AÇO API 5L X70 COM DIFERENTES CARREGAMENTOS

Autor:

NATASHA CHRISTINNE BOECHAT CORREIA

Orientador:

PROFª. DRª. MARIA DA PENHA CINDRA FONSECA

29 de julho de 2016

NATASHA CHRISTINNE BOECHAT CORREIA

ANÁLISE DE TENSÕES RESIDUAIS POR RUÍDO MAGNÉTICO BARKHAUSEN E DIFRAÇÃO DE RAIOS-X EM

AÇO API 5L X70 COM DIFERENTES CARREGAMENTOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Engenharia Mecânica da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do grau de Engenheiro Mecânico.

Orientador: Profª. Dr.ª MARIA DA PENHA CINDRA FONSECA

Niterói 2016

Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca da Escola de Engenharia e Instituto de Computação da UFF

C824 Correia, Natasha Christinne Boechat

Análise de tensões residuais por ruído magnético Barkhausen e

difração de raios-X em aço API 5L X70 com diferentes

carregamentos / Natasha Christinne Boechat Correia. – Niterói, RJ :

[s.n.], 2016.

72 f.

Trabalho (Conclusão de Curso) – Departamento de Engenharia

Mecânica, Universidade Federal Fluminense, 2016.

Orientador: Maria da Penha Cindra Fonseca.

1. Aço de alta resistência e baixa liga. 2. Tensão residual. 3.

Difração de raios X. I. Título.

CDD 669.142

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus pais, Dilson e Rose, que me apoiaram

incondicionalmente em todos os momentos difíceis de minha vida. E a minha amada avó,

Rosa Anselme Boechat, que deixou saudades eternas.

AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar a Deus, que me deu forças para superar todos os

desafios encontrados em minha vida.

Aos meus pais, as minhas irmãs, Stéphanie e Kathleen, e aos meus amigos, Carla,

João e Marcelo, pelo carinho e incentivo ao longo da minha graduação.

À minha professora, Maria Cindra, pelas experiências vivenciadas em seu

laboratório, pelos ensinamentos passados e pela orientação que permitiram a elaboração deste

trabalho.

Ao aluno de iniciação científica do LAT, Mateus Campos Martins, pelo auxílio

prestado durante a realização do trabalho.

Ao engenheiro da Marinha, Amilton de Sousa Lins Junior, e o técnico do LTM,

Alex, pela confecção dos corpos de prova utilizados neste trabalho.

À equipe do LABMETT, em particular ao professor Juan Manuel Pardal e aos alunos

Felipe e Daniel, que auxiliaram na realização do tratamento térmico de alívio de tensões.

Aos engenheiros, Joanes Silva Dias e Rodrigo Felix, e ao técnico Carlos do CBPF

que proporcionaram a realização do tratamento de shot peening.

Aos professores do Cefet, Tatiane Chuvas e Luís Felipe Souza, por terem realizado

gentilmente os ensaios de tração para este trabalho.

RESUMO

A construção de tubulações de grandes diâmetros para transporte de petróleo e gás

impulsionou o desenvolvimento de materiais com elevada resistência mecânica e tenacidade,

denominados aços de alta resistência e baixa liga, em especial os da classe API de graus mais

elevados. Neste trabalho foram analisadas as tensões residuais em amostras de aço API 5L

X70 utilizando as técnicas do ruído magnético Barkhausen (RMB) e da difração de raios-X.

As tensões residuais foram analisadas em corpos de prova de tração com diferentes

tratamentos, submetidos a dois níveis de carregamento. Os resultados mostraram que com as

deformações sofridas, na amostra submetida ao tratamento de shot peening as tensões

compressivas da ordem de -440 MPa se tornaram ainda mais compressivas, enquanto que na

condição como recebido as tensões trativas se tornaram mais elevadas. As tensões residuais

de baixa magnitude das amostras submetidas ao tratamento térmico de alívio de tensões não

tiveram alteração significativa com os níveis de carregamento aplicados. As análises por

RMB foram comparadas com as obtidas por difração de raios-X, sendo que 20% dos

resultados estão coerentes com a literatura.

Palavras-Chave: Aço API 5L X70, tensões residuais, difração de raios-X, Ruído magnético

Barkhausen.

ABSTRACT

The construction of large diameter pipelines for oil and gas transportation promoted the

development of high strength and toughness materials, called high-strength low alloy steels,

especially the API class higher grades. This work analyzed the residual stresses in samples of

API 5L X70 steel, using the magnetic Barkhausen noise (MBN) technique and X-ray

diffraction. Residual stresses were analyzed in tensile test specimens with different

treatments, subject to two levels of loading. The results showed that with the deformations in

the sample subjected to the shot peening treatment, the compressive stress that were close to -

440 MPa became even more compressive, whereas in the as received condition the tensile

stresses become higher. Residual stresses of low magnitude of the samples subjected to heat

treatment stress relieving did not present any significant change with the applied levels of

loading. The MBN analysis were compared with the X-ray diffraction results and 20% of

them were consistent with the literature.

Key-Words: API 5L X70 steel, residual stresses, X-ray diffraction, magnetic Barkhausen

noise.

LISTA DE SÍMBOLOS

R Tensões residuais

S Tensões de serviço

n Número inteiro conhecido por ordem de difração

Comprimento de onda

d Distância interplanar

Ângulo de interferência construtiva

d Variação da distância interplanar

2 Variação do ângulo de difração

Tensão

F Força

A Área

Deformação

E Módulo de elasticidade do material

Coeficiente de Poisson Ângulo azimutal Ângulo polar

, Deformação na direção ( , )

Tensão superficial

0d Distância interplanar no estado sem tensão no material

,d Distância interplanar no estado com tensão no material

0 Ângulo de difração no estado sem tensão no material

, Ângulo de difração no estado com tensão no material

RMB Ruído Magnético Barkhausen

RMS Root Mean Square

iV Voltagem medida em um determinado instante

LE Tensão limite de escoamento

LR Tensão limite de resistência

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 2.1 – Propriedades mecânicas requeridas e processo de fabricação de tubulações de aço de acordo com a norma API 5L. Fonte: Reip et al (2006), modificado. ___________________________________________ 16 Figura 2.2 – Microestrutura do aço API 5L X70. Fonte: Kumar et al (2013). __________________________ 18 O estado total de tensões residuais em um determinado ponto do material é caracterizado pela superposição das residuais dos Tipos I, II e III, conforme ilustrado na Figura 2.3. ____________________________________ 20 Figura 2.3 – Superposição das tensões residuais dos Tipos I, II e III em uma liga de Ni. Fonte: Withers & Bhadeshia (2001). ________________________________________________________________________ 21 Figura 2.4 – Origens das tensões residuais. Fonte: Withers & Bhadeshia (2001), modificado. ____________ 22 Figura 2.5 – Superposição das tensões residuais e de serviço. Fonte: Lu (2002). _______________________ 23 Figura 2.6 – Desenho esquemático do espalhamento dos feixes de raios-X segundo a lei de Bragg. ________ 25 Figura 2.7 – Sistema de coordenadas polares. Fonte: Prevéy (1986). ________________________________ 27 Figura 2.8 – Estado de tensão do material em função do declive da curva 2 vs. 2sen . Fonte: Cindra Fonseca (2000). __________________________________________________________________________ 29 Figura 2.9 – Domínios em um material ferromagnético; a) representação esquemática; b) variação gradual através da parede do domínio. Fonte: Callister (2001), modificado. _________________________________ 30 Figura 2.10 – Curva de magnetização inicial. Fonte: Serrão (2014). ________________________________ 31 Figura 2.11 – Ruído magnético Barkhausen na curva de histerese. Fonte: Wang et al (2013), modificado. ___ 32 Figura 2.12 – Laço de histerese magnética. Fonte: Callister (2001), modificado. _______________________ 33 Figura 2.13 – Direções de magnetização fácil, média e difícil; a) do ferro; b) do níquel. Fonte: Cullity & Graham (2009). __________________________________________________________________________ 34 Figura 2.14 – a) Experimento original de Barkhausen; b) mostrando os saltos de voltagem registrados pela bobina; c) devido a um processo descontínuo. Fonte: Cullity & Graham (2009), modificado. _____________ 35 Figura 2.15 – RMB; a) Equipamentos para ensaio; b) sinais de resposta típicos. Fonte: Serrão (2014). _____ 36 Figura 2.16 – RMB no laço de histerese magnética associado. Fonte: Morgan (2013). __________________ 36 Figura 2.17 – Alinhamento dos domínios magnéticos; a) devido à tração; b) devido à compressão. Fonte: Serrão (2014). ___________________________________________________________________________ 37 Figura 2.18 – Efeitos das tensões residuais no desempenho dos materiais. Fonte: Lu (2002), modificado. ___ 39 Figura 2.19 – Tensões geradas pelo tratamento de shot peening. Fonte: Meo & Vignjevic (2003), modificado. 41 Figura 3.1 – Desenho dos corpos de prova de tração. ____________________________________________ 43 Figura 3.2 – Corpos de prova confeccionados. _________________________________________________ 43 Figura 3.3 – Forno tubular com atmosfera de argônio. ___________________________________________ 44 Figura 3.4 – Analisador de tensões X-Stress3000. _______________________________________________ 45 Figura 3.5 – Direção de medição das tensões residuais. __________________________________________ 45 Figura 3.6 – Equipamento Rollscan 200-1._____________________________________________________ 46 Figura 3.7 – Sonda magnética do equipamento Rollscan 200-1. ____________________________________ 46 Figura 3.8 – Direção de medição do RMB. _____________________________________________________ 47 Figura 3.9 – Direção de medição do RMB; a) longitudinal; b) transversal. ___________________________ 47 Figura 3.10 – Ciclo de carga e descarga do carregamento 1, referente a 80% LE . ____________________ 49 

Figura 3.11 – Ciclo de carga e descarga do carregamento 2, referente a 90% LE . ____________________ 49 Figura 4.1 – Tensões residuais na condição como recebido. _______________________________________ 51 Figura 4.2 – Tensões residuais após os tratamentos térmicos de alívio de tensões e do shot peening. _______ 51 Figura 4.3 – Tensões residuais após o carregamento com 80% LE . ________________________________ 53 

Figura 4.4 – Tensões residuais após o carregamento com 90% LE . ________________________________ 53 Figura 4.5 – Tensões residuais dos corpos de prova que receberam o tratamento térmico de alívio de tensões; a) 2A; b) 2B. ______________________________________________________________________________ 54 Figura 4.6 – Tensões residuais dos corpos de prova que receberam o tratamento térmico de alívio de tensões; a) 3A; b) 3B. ______________________________________________________________________________ 55 Figura 4.7 – Tensões residuais dos corpos de prova que receberam o tratamento de shot peening; a) 4A; b) 4B. _______________________________________________________________________________________ 56 Figura 4.8 – RMB na condição como recebido. _________________________________________________ 58 Figura 4.9 – RMB após os tratamentos térmicos de alívio de tensões e do shot peening. _________________ 58 Figura 4.10 – RMB após carregamento com 80% LE . __________________________________________ 60 

Figura 4.11 – RMB após o carregamento com 90% LE . _________________________________________ 60 Figura 4.12 – RMB dos corpos de prova que receberam o tratamento térmico de alívio de tensões; a) 2A; b) 2B. _______________________________________________________________________________________ 61 Figura 4.13 – RMB dos corpos de prova que receberam o tratamento térmico de alívio de tensões; a) 3A; b) 3B. _______________________________________________________________________________________ 62 Figura 4.14 – RMB dos corpos de prova que receberam o tratamento de shot peening; a) 4A; b) 4B. _______ 63 Figura 4.15 – Comportamento das tensões residuais e do RMB no cp 1A na direção transversal. __________ 64 Figura 4.16 – Comportamento das tensões residuais e do RMB no cp 3B na direção longitudinal. _________ 65 Figura 4.17 – Comportamento das tensões residuais e do RMB no cp 4A na direção transversal. __________ 66 

LISTA DE TABELAS

Tabela 3.1: Composição química do aço API 5L X70 (% em peso). __________________________________ 42 Tabela 3.2: Propriedades mecânicas do aço API 5L X70. _________________________________________ 42 Tabela 3.3: Taxas de carga e descarga durante os carregamentos. __________________________________ 48 Tabela 4.1: Tensões residuais nas condições como recebido e após os tratamentos. _____________________ 50 Tabela 4.2: Tensões residuais após os carregamentos trativos. _____________________________________ 52 Tabela 4.3: Ruído Magnético Barkhausen nas condições como recebido e após os tratamentos. ___________ 57 Tabela 4.4: RMB após os carregamentos trativos. _______________________________________________ 59 

SUMÁRIO

1  INTRODUÇÃO 14 

2  REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 15 2.1  AÇOS DE ALTA RESISTÊNCIA E BAIXA LIGA 15 2.1.1  AÇO API 5L X70 17 2.2  TENSÕES RESIDUAIS 19 2.2.1  TENSOMETRIA POR DIFRAÇÃO DE RAIOS-X 25 2.2.2  TÉCNICA DO RUÍDO MAGNÉTICO BARKHAUSEN 29 2.3  INFLUÊNCIA DAS TENSÕES RESIDUAIS NAS PROPRIEDADES MECÂNICAS DOS MATERIAIS 38 2.3.1  TRATAMENTO DE SHOT PEENING 40 

3  MATERIAIS E MÉTODOS 42 3.1  MATERIAL 42 3.2  PREPARAÇÃO DAS AMOSTRAS 42 3.3  ANÁLISE DAS TENSÕES RESIDUAIS 44 3.3.1  TENSOMETRIA POR DIFRAÇÃO DE RAIOS-X 45 3.3.2  RUÍDO MAGNÉTICO BARKHAUSEN 46 3.4  ENSAIOS DE TRAÇÃO 48 

4  RESULTADOS E DISCUSSÃO 50 4.1  TENSÕES RESIDUAIS 50 4.2  RUÍDO MAGNÉTICO BARKHAUSEN 57 

5  CONCLUSÕES 67 

6  SUGESTÕES PARA TRABALHOS FUTUROS 68 

7  REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 69 

14 1 INTRODUÇÃO

A necessidade constante por materiais com elevada resistência mecânica e tenacidade

para construção de gasodutos e oleodutos impulsionaram o desenvolvimento dos aços de alta

resistência e baixa liga (ARBL), em especial os da classe API de graus mais elevados. No

início da década de 80, o aço API 5L X70 tornou-se padrão mundial para a fabricação de

tubulações responsáveis pelo transporte de petróleo e seus derivados. Apesar de atualmente

existirem chapas de aço com graus superiores a X100, o aço X70 ainda é muito utilizado para

a construção de dutos em função de suas propriedades mecânicas.

A presença de tensões residuais nas tubulações de oleodutos e gasodutos pode ser um

problema, visto que, sob ação externa, as tensões residuais podem se somar às tensões de

serviço, causando ruptura inesperada e prematura da tubulação. Assim sendo, o conhecimento

da magnitude e natureza das tensões residuais presente nas estruturas e tubulações é de suma

importância, uma vez que elas são geradas em todas as etapas do processo, desde a fabricação

dos tubos até a montagem dos dutos. As tensões residuais podem ter efeitos benéficos ou

prejudiciais ao componente, dependendo da natureza, magnitude e distribuição das mesmas.

Em geral, as tensões trativas têm um efeito nocivo, enquanto que as tensões compressivas

aumentam a vida em fadiga do componente.

Neste contexto, o presente trabalho tem como objetivo a análise das tensões residuais

em amostras de aço ARBL, API 5L X70, utilizando as técnicas do ruído magnético

Barkhausen e da tensometria por difração de raios-X. As tensões residuais foram analisadas

em corpos de prova de tração com diferentes tratamentos, submetidos a dois níveis de

carregamento.

15 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1 AÇOS DE ALTA RESISTÊNCIA E BAIXA LIGA

Os aços de Alta Resistência e Baixa Liga (ARBL), também denominados como aços

microligados, foram desenvolvidos para proporcionar melhores propriedades mecânicas e

maior resistência à corrosão atmosférica quando comparados aos aços carbono convencionais

(Davis, 2001). Esses aços possuem em sua composição química baixo teor de carbono, entre

0,05 e 0,25%; manganês em até 2,0%; além de pequenas quantidades de elementos de liga

como cromo, níquel, molibdênio, cobre, nitrogênio, vanádio, nióbio, titânio e zircônio (Davis,

2001).

A composição química do aço ARBL varia de modo a atender aos requisitos de

propriedades mecânicas necessárias para o aço em questão. Esses materiais possuem baixo

teor de carbono, gerando assim uma melhora na soldabilidade do material, além de

apresentarem características de elevadas resistência mecânica, tenacidade e resistência à

corrosão (Davis, 2001).

Os aços ARBL são utilizados em reatores, tanques de armazenamento; em estruturas

navais e offshore; em componentes estruturais para veículos, máquinas agrícolas, pontes,

torres de transmissão de energia, entre outros (Davis, 2001). Além disso, esses aços são

amplamente utilizados na construção de tubulações de longas distâncias, que transportam

petróleo e gás com alta pressão. As especificações técnicas para a construção de gasodutos e

oleodutos são definidas por normas, como a API (Hashemi, 2011).

A API (American Petroleum Institute) especifica os requisitos necessários para a

fabricação de tubulações de aço a serem utilizadas nos sistemas de transporte para as

indústrias de petróleo e gás natural (API 5L, 2004).

A norma API 5L (Specification for line pipe steel) apresenta dois níveis de

especificação de produto (product specification level), denominados de PSL 1 e PSL 2. O

nível PSL 1 estabelece um nível de qualidade padrão para os tubos; enquanto que a

especificação PSL 2 apresenta requisitos adicionais obrigatórios, como por exemplo,

16 composição química, resistência ao efeito de entalhe, propriedades mecânicas de resistência e

inspeção por ensaios não destrutivos (API 5L, 2004).

As propriedades mecânicas dos aços API 5L variam de acordo com as aplicações

específicas e condições de operação, entretanto, esses aços possuem características em

comum como elevada resistência mecânica e tenacidade à baixa temperatura, além da boa

soldabilidade (Reip et al, 2006). As propriedades mecânicas e o processo de fabricação desses

aços podem ser observados na Figura 1.

Figura 2.1 – Propriedades mecânicas requeridas e processo de fabricação de tubulações de aço

de acordo com a norma API 5L. Fonte: Reip et al (2006), modificado.

A utilização dos aços ARBL na construção de tubos pode proporcionar uma redução

dos custos globais do projeto. Essa redução é baseada no fato de que, utilizando tubos com

resistência mecânica elevada, existe a possibilidade de reduzir a espessura da parede, o que

acarreta na redução da quantidade de aço utilizado, do peso do tubo e do tempo necessário

para soldagem, além de diminuir os custos envolvidos no transporte e montagem das

tubulações (Hashemi, 2011).

17 2.1.1 Aço API 5L X70

O aço API 5L X70 é um aço microligado com baixo teor de carbono e pequenas

adições de elementos de liga tais como nióbio (Nb), titânio (Ti) e vanádio (V). Ele é

classificado como um aço ARBL por apresentar valores de tensão limite de escoamento e de

resistência elevados, sendo eles 485 MPa (70 ksi) e 570 MPa, respectivamente (API 5L,

2004).

O aço X70 começou a ser produzido no início da década de 70 após a introdução do

processo de laminação controlada (TMCR - Thermomechanical Controled Rolling). Esse

processo proporcionou a redução do custo de fabricação dos aços, uma vez que a etapa de

normalização após a laminação a quente tornou-se desnecessária. Além disso, essa nova rota

possibilitou a fabricação de aços com maiores requisitos de tenacidade, proporcionando a

exploração de petróleo no ártico, como o é o caso do grau X70, que tornou-se padrão mundial

para a fabricação de tubulações responsáveis pelo transporte de petróleo e seus derivados na

década de 80 (Brandi et al, 2013).

O processo TMCR favorece a formação de microestrutura constituída por ferrita

acircular, que é preferida para aços de tubulações, e tem como objetivo principal obter a

melhor combinação possível entre resistência e tenacidade, permitindo que a tubulação

suporte pressões internas elevadas. Essas propriedades são vitais para estrutura da tubulação,

que é vulnerável a falhas devido ao colapso plástico e a propagação de fissuras acompanhada

por deformação plástica (Hashemi, 2011).

A microestrutura do aço API 5L X70 estudado no presente trabalho é constituída de

ferrita e perlita, similar a que pode ser observada na Figura 2.2. Essa microestrutura é típica

de aços para tubulações que não passaram pela etapa de resfriamento acelerado após a

laminação. Os grãos de ferrita normalmente são equiaxiais e possuem baixa densidade de

discordâncias; já a quantidade e a distribuição da perlita dependem do teor de carbono e dos

elementos de liga (Brito et al, 2000).

18

Figura 2.2 – Microestrutura do aço API 5L X70. Fonte: Kumar et al (2013).

O aço API X70 possui alta resistência mecânica e ao impacto e boa soldabilidade;

propriedades essas que são obtidas mantendo-se um baixo teor de elementos como carbono,

enxofre e fósforo. O baixo teor de carbono presente nesse aço auxilia na obtenção de uma

estrutura composta por grãos finos e uniformes após o processo de laminação controlada

(Korczak, 2004). A combinação de resistência e tenacidade pode ser obtida por refino de grão

e endurecimento por precipitação de microligantes como Nb, Ti e V (Reip et al, 2006).

O aço API X70 e os de grau superior são utilizados em gasodutos empregados em

ambientes agressivos sob pressões internas elevadas, que correspondem a até 80% do seu

limite de escoamento mínimo. Uma preocupação atual que limita o uso mais extensivo destes

aços de alta resistência em oleodutos é a falta de precisão dos modelos computacionais de

previsão de nucleação e propagação de trinca para avaliar a resistência gasoduto contra

fraturas dúcteis. Essas fraturas são iniciadas principalmente por defeitos na soldagem e

corrosão por pites, devido à perda de espessura da parede, e podem causar perdas humanas e

materiais (Hashemi, 2009).

19 2.2 TENSÕES RESIDUAIS

Tensões residuais são definidas como tensões auto-equilibradas existentes nos

materiais, em condições de temperatura uniforme e sem carregamento externo (Macherauch

& Kloos, 1987). Essas tensões são produzidas quando as regiões de um material sofrem

deformações plásticas ou elásticas heterogêneas de maneira permanente. Caso alguma seção

do material seja solicitada além de seu limite elástico, as tensões permanecem na estrutura,

mesmo após a remoção dos carregamentos externos. Sendo assim, se não ocorrer deformação

plástica no material, as tensões residuais não são produzidas (Cindra Fonseca, 2000).

As tensões residuais são geradas durante todos os processos de fabricação que envolve

deformação do material, tratamento térmico, soldagem ou operações que modificam a forma

ou as propriedades do material (Kandil et al, 2001). Além disso, em materiais multifásicos, as

tensões residuais podem surgir devido às diferentes características das fases presentes, como

expansividade térmica, limite de escoamento e rigidez (Withers & Bhadeshia, 2001).

A natureza e a magnitude das tensões residuais podem afetar criticamente o

desempenho do material, sendo assim, importante o seu estudo na fase de projeto dos

componentes. Essas tensões estão em equilíbrio, o que significa que tensões residuais trativas

serão equilibradas por tensões residuais compressivas existentes em região vizinhas do

material (Kandil et al, 2001).

As tensões residuais podem ser classificadas de acordo com a área de abrangência,

conforme apresentado a seguir (Kandil et al, 2001):

Tipo I: são tensões a níveis macroscópicos e representam às tensões residuais que

se desenvolvem nos limites do material como um todo, em uma escala maior do

que o tamanho do grão.

Tipo II: são tensões a níveis microscópicos e representam as tensões residuais que

se desenvolvem nos limites dos contornos de um grão. Elas estão presentes tanto

em materiais monofásicos, devido ao comportamento anisotrópico de cada grão,

quanto em materiais multifásicos, devido às diferentes propriedades apresentadas

em cada fase do material.

20

Tipo III: são tensões microscópicas a níveis atômicos e representam as tensões

residuais que se desenvolvem nos limites dentro de um grão, ou seja, em uma ou

algumas células unitárias. Elas são essencialmente resultado da presença de

discordâncias e outros defeitos cristalográficos.

As tensões residuais a níveis microscópicos, também denominadas como

microtensões, geralmente são resultado da existência de diferentes microestruturas, fases ou

constituintes em um material. Elas podem alterar sua natureza e sua magnitude em distâncias

comparáveis ao tamanho do grão do material analisado (Kandil et al, 2001).

As microtensões do Tipo II estão presentes em quase todos os materiais

policristalinos, devido ao fato que as propriedades térmicas e elásticas são diferentes em todos

os grãos vizinhos com orientações distintas. Essas tensões residuais também existem quando a

microestrutura do material contém várias fases ou uma transformação de fase ocorre (Withers

& Bhadeshia, 2001).

Para materiais com duas fases, as tensões residuais do Tipo I, também denominadas

como macrotensões, são contínuas em cada uma das fases do material. Por outro lado, as

tensões residuais dos Tipos II e III não são contínuas, uma vez que as mesmas se equilibram

ao longo de pequenas distâncias; o pode gerar um efeito residual dependente da fase durante

grandes distâncias, levando assim, à obtenção de uma tensão residual média em cada fase

(Withers & Bhadeshia, 2001).

O estado total de tensões residuais em um determinado ponto do material é

caracterizado pela superposição das residuais dos Tipos I, II e III, conforme ilustrado na

Figura 2.3.

21

Figura 2.4 – Superposição das tensões residuais dos Tipos I, II e III em uma liga de Ni. Fonte:

Withers & Bhadeshia (2001).

As origens das tensões residuais podem ser divididas em três categorias principais,

conforme apresentado abaixo (Kandil et al, 2001):

Mecânicas: as tensões residuais geradas são resultado do processo de fabricação,

que produz deformação plástica não uniforme no material. Elas também podem se

desenvolver naturalmente durante o processo ou tratamento ou, até mesmo, serem

introduzidas propositalmente a fim de produzir um perfil de tensão de determinada

natureza e magnitude no material.

Térmicas: tensões residuais dessa categoria podem ser analisadas sob ponto de vista

macroscópico e microscópico. A nível macroscópico, as tensões residuais formadas

são consequência dos processos de aquecimento ou resfriamento não uniforme do

material. Já a nível microscópico, podem ser geradas no material durante o processo

de fabricação ou processamento, como consequência dos diferentes coeficientes de

expansão térmica das fases ou elementos existentes no material.

22

Químicas: as tensões residuais formadas são provenientes da variação de volume,

que está associada às reações químicas, precipitações ou transformações de fase.

Tratamentos superficiais ou revestimentos químicos podem levar à geração de

tensões residuais de alta magnitude na superfície do material.

Tensões residuais macroscópicas geradas devido aos gradientes térmicos podem ser

intensificadas devido à presença de restrições ao movimento do material, o que acarreta o

desenvolvimento de grandes tensões internas (Kandil et al, 2001).

A Figura 2.4 ilustra as tensões residuais que são originadas devido às diferenças

existentes entre as fases ou regiões do material. Exemplos de diferentes tipos de macrotensões

e microtensões estão ilustrados, respectivamente, na primeira e na segunda coluna da tabela.

Em cada caso, o processo encontra-se indicado na figura localizada no lado esquerdo e o

padrão de tensões residuais resultantes na imagem do lado direito. As diferenças entre as fases

ou regiões do material podem ser causadas por gradientes térmicos elevados, como ocorre no

processo de soldagem e em tratamentos térmicos; ou ser geradas devido à deformação plástica

não uniforme de uma barra curvada, por exemplo. Elas ainda podem ser introduzidas por

tratamentos mecânicos, como é o caso do shot peening (Withers & Bhadeshia, 2001).

Figura 2.5 – Origens das tensões residuais. Fonte: Withers & Bhadeshia (2001), modificado.

23

As tensões residuais podem ter uma magnitude suficientemente alta para gerar

escoamento e deformação plástica, em níveis microscópicos e macroscópicos, além de afetar

severamente o desempenho do material quando solicitado. Em geral, as tensões residuais são

benéficas quando elas atuam no mesmo plano da tensão aplicada, mas com o sentido oposto

(Kandil et al, 2001). Quando as tensões residuais ( R ) sobrepõem-se às tensões de serviço

( S ), um novo estado de tensão no material é gerado, sendo caracterizado por: SR ,

como pode ser observado na Figura 2.5 (Lu, 2002).

Figura 2.6 – Superposição das tensões residuais e de serviço. Fonte: Lu (2002).

As tensões residuais trativas na superfície de um material geralmente são indesejadas,

uma vez que elas podem ser somadas à tensão de serviço, e o material ficará localmente

sobrecarregado o que pode contribuir, ou até mesmo causar, falha por fadiga, trincas de

têmpera ou corrosão sob tensão. Já as tensões residuais compressivas na superfície do

material são desejadas, pois aumentam a vida em fadiga e a resistência à corrosão sob tensão

dos materiais (Kandil et al, 2001). Tratamentos superficiais adequados, como shot peening,

introduzem tensões residuais compressivas que melhoram o desempenho do material em

serviço (Lu, 2002).

Para materiais plasticamente deformáveis, a tensão residual e a tensão de serviço só

podem ser somadas até que o limite de escoamento do material seja atingido. A tensão

residual pode acelerar ou retardar o início da deformação plástica, entretanto, o seu efeito na

fratura dúctil estática é pequeno (Withers & Bhadeshia, 2001).

24

Os métodos de medição de tensões residuais podem ser divididos em três categorias,

conforme apresentado a seguir (Ruud, 2002):

Destrutivos: promovem a destruição total ou parcial das amostras com o objetivo de

terminar as tensões residuais do material, afetando assim as propriedades, a

resistência mecânica e aplicação da amostra.

Semi-destrutivos: geram um pequeno dano na peça analisada, podendo muitas

vezes ser reparado após a medição das tensões residuais. As técnicas assim

classificadas deixam pequenos orifícios ou indentações na superfície do material.

Não-destrutivos: essas técnicas não afetam as propriedades, a resistência mecânica

e a aplicação da amostra, que permanece com sua forma e dimensão original

preservadas no final da medição.

Os métodos destrutivos são baseados na eliminação do estado de equilíbrio das tensões

residuais através da remoção de um pequeno volume ou camada da amostra a ser analisada. A

redistribuição das forças internas gera deformações locais que são mensuradas para avaliar o

novo valor da tensão residual do material (Kudryavtsev, 2008). Dentre os métodos destrutivos

mais utilizados, destacam-se:

Método do furo cego;

Método do furo incremental;

Método da remoção de camadas;

Método da amostragem.

Nos métodos não-destrutivos, a medição das tensões residuais da peça é baseada numa

relação entre os parâmetros físicos ou cristalográficos do material e as tensões residuais

presentes na mesma. Ao ser aplicada uma força externa, ocorre uma deformação elástica

seguida de uma mudança na dimensão da rede cristalina do material; essa pequena variação

pode ser mensurada utilizando um equipamento adequado, que fornece o valor da tensão

residual final do material (Ruud, 2002). Dentre os métodos não-destrutivos mais utilizados,

destacam-se:

Método de difração de raios-X;

25

Método magnético;

Método de difração de nêutrons;

Método de ultrassom.

2.2.1 Tensometria por Difração de Raios-X

A tensometria por difração de raios-X é um método de medição de tensões residuais

não-destrutivo, o que permite que a peça ou componente analisado seja empregado após a

análise, uma vez que a mesma não compromete a integridade do material. O método baseia-se

nas deformações elásticas dentro de um material policristalino para mensurar as tensões

internas do mesmo. As deformações geram alterações na distância interplanar da rede

cristalina livre de tensão para um novo valor, que corresponde à magnitude da tensão aplicada

(Kandil et al, 2001).

Durante a medição, ocorre a incidência de feixes de raios-X na superfície da amostra,

penetrando a superfície do material. Os planos cristalinos difratam alguns destes raios-X, que

são posteriormente detectados por algum dispositivo (Kandil et al, 2001), conforme ilustrado

na Figura 2.6.

Figura 2.7 – Desenho esquemático do espalhamento dos feixes de raios-X segundo a lei de

Bragg.

26

A tensometria por difração de raios-X é aplicada em materiais cristalinos pelo

princípio da lei de Bragg, a qual determina que para um dado comprimento de onda existe

somente um espaçamento entre planos atômicos paralelos e um ângulo de interferência

construtiva que satisfazem a equação a seguir (Cindra Fonseca, 2000):

sendn .2 (2.1)

Quando um material encontra-se sob tensão trativa ou compressiva, ocorre uma

variação da distância interplanar d , o que conduz à variação do ângulo de difração 2

(Cindra Fonseca, 2000). Fazendo a diferenciação da Equação 2.1, obtém-se que:

.cot gdd

(2.2)

A teoria da elasticidade dos materiais sólidos estabelece as relações para a tensão, a

deformação e a lei de Hooke para estado uniaxial de tensões, respectivamente, conforme

apresentadas nas relações a seguir:

AF

(2.3)

dd

(2.4)

E

(2.5)

A lei de Hooke para o estado triaxial de tensões pode ser representada pelo conjunto

de equações abaixo:

)( 321

1 EE (2.6)

)( 312

2 EE (2.7)

)( 213

3 EE (2.8)

27

onde:

1 , 2 e 3 = deformações principais;

1 , 2 e 3 = tensões principais.

Para realizar uma adequação da lei de Hooke para o estado real de tensões, utiliza-se o

sistema de coordenadas polares, como mostrado na Figura 2.7, e obtém-se a deformação na

direção ( , ) apresentada na Equação 2.9.

Figura 2.8 – Sistema de coordenadas polares. Fonte: Prevéy (1986).

E

sensen )(...cos. 321222

21,

(2.9)

onde:

= ângulo azimutal;

= ângulo polar.

A distribuição de tensão pode ser descrita pelas tensões principais 1 e 2 , existentes

no plano da superfície. A componente da tensão perpendicular à superfície é considerada nula,

ou seja, 03 . Sendo assim, a Equação 2.9 pode ser reescrita na forma (Cindra Fonseca,

2000):

)(..121

2,

Esen

E (2.10)

28

A equação acima relaciona a tensão superficial , em qualquer direção definida pelo

ângulo , com a deformação na direção ( , ) e com as tensões principais existentes na

superfície.

O primeiro termo da Equação 2.10 pode ser reescrito em função da diferença entre as

duas componentes da deformação, resultando na equação:

)(.11

22

21,2, sensen

E

(2.11)

A componente de tensão da Equação 2.11 pode ser escrita como:

12

22

1,2,

1

sensen

E (2.12)

Sendo ,d o espaçamento entre os planos da rede cristalina medido na direção

definida por e , a deformação pode ser obtida em termos das variações das distâncias

interplanares, sendo expressa por:

0,00

0,, .cot

g

ddd

(2.13)

onde:

0d = distância interplanar no estado sem tensão no material;

0 = ângulo de difração no estado sem tensão no material.

Das equações 2.12 e 2.13 pode-se obter a equação final para determinação da

componente de tensão :

12

22

1,2,0.cot1

sensen

gE (2.14)

29

Para determinar qualquer componente da tensão faz-se necessário medir os ângulos de

difração correspondentes à reflexão dos planos cristalinos com as normais caracterizadas

pelos ângulos 1 e 2 .

A tensão residual existente no material é diretamente proporcional à derivada de 2

em função de 2sen . Para determinar o valor dessa derivada, representa-se graficamente os

vários ângulos 2 medidos em função de 2sen . A função que se ajusta aos pontos

representados no gráfico em questão será linear de primeira ordem e o seu declive fornecerá o

estado de tensão na amostra (Cindra Fonseca, 2000), como representado na Figura 2.8.

Figura 2.9 – Estado de tensão do material em função do declive da curva 2 vs. 2sen .

Fonte: Cindra Fonseca (2000).

2.2.2 Técnica do Ruído Magnético Barkhausen

A técnica do Ruído Magnético Barkhausen (RMB) é um método de medição de

tensões residuais não-destrutivo, aplicável em materiais ferromagnéticos. Ela é sensível a

vários parâmetros, tais como microestrutura do material, discordâncias, estado de tensões,

composição química do material, freqüência e intensidade de magnetização, entre outros, que

influenciam a estrutura do domínio dos materiais ferromagnéticos (Miesowicz et al, 2016).

Nos materiais ferromagnéticos existem grandes regiões nas quais os momentos

magnéticos atômicos estão alinhados segundo a direção de magnetização espontânea, essa

região é denominada domínio magnético. A direção de alinhamento dos momentos

magnéticos ocorre segundo a direção do eixo de fácil magnetização, mudando de domínio

para domínio (Giraldo & Padovese, 2010). Os domínios magnéticos são separados por uma

30 camada de transição denominada como paredes de domínio ou paredes de Bloch. Existem

dois tipos de paredes de domínio nos materiais ferromagnéticos, sendo elas de 180° e de 90°.

As paredes de 180° possuem melhor mobilidade quando comparadas às paredes de 90°, e

contribuem de forma mais expressiva para o RMB (Yelbay et al, 2010).

Na ausência de uma magnetização externa ou residual, os domínios encontram-se

orientados aleatoriamente, de forma que a soma de todos os momentos magnéticos seja nulo.

Entre domínios opostos existem as paredes de domínio, as quais permitem que os momentos

girem de acordo com a direção do domínio magnético adjacente (Morgan, 2013).

Na Figura 2.9 pode ser observada uma representação esquemática de domínios em um

material ferromagnético, na qual as setas representam os momentos magnéticos. No interior

de cada domínio, todos os momentos encontram-se orientados em uma mesma direção de

alinhamento, que varia de um domínio para outro (Callister, 2001).

Figura 2.10 – Domínios em um material ferromagnético; a) representação esquemática; b)

variação gradual através da parede do domínio. Fonte: Callister (2001), modificado.

No processo de magnetização de um material ferromagnético, ilustrado na Figura 2.10,

pode-se perceber que a indução magnética B não possui um comportamento linear em relação

ao campo magnético H aplicado (Serrão, 2014).

Na presença de um campo magnético, os domínios magnéticos que estão alinhados a

favor do campo aplicado aumentam de tamanho. Esse crescimento ocorre devido ao

31 deslocamento reversível e irreversível das paredes de domínio de 180° e 90° ou pela rotação

abrupta do domínio magnético em campos magnéticos mais altos (Gauthier et al, 1998).

Figura 2.11 – Curva de magnetização inicial. Fonte: Serrão (2014).

Durante o processo de magnetização, os domínios alinhados com o campo aplicado se

expandem, gerando novos domínios; enquanto que os outros, que possuem direções de

magnetização não favoráveis, são aniquilados (Yelbay et al, 2010). Em seguida, os domínios

se alinham com a direção do campo aplicado e, por fim, os poucos domínios que restam são

aniquilados e o material se transforma em um único domínio, que gira até alcançar um

alinhamento total com a direção do campo aplicado (Serrão, 2014).

A curva da Figura 2.10 é conhecida como curva de magnetização inicial. A mesma

descreve o processo desde a magnetização zero até a magnetização de saturação Ms, que

possui uma indução de saturação Bs associada (Serrão, 2014).

Tanto o processo de magnetização quanto a movimentação de paredes são

influenciados pela presença de tensões e defeitos na estrutura cristalina do material, como

vacâncias, inclusões, partículas de segunda fase, discordâncias, defeitos pontuais e contornos

32 de grão. Esses defeitos atuam como barreiras na movimentação das paredes do domínio e são

denominados pontos de ancoragem (Morgan, 2013).

Quando uma parede de domínio encontra um ponto de ancoragem no processo de

magnetização, a energia necessária para se movimentar e ultrapassá-lo cresce. Em seguida, o

processo continua até que a parede encontre um novo ponto de ancoragem em sua trajetória.

No momento em que a magnetização é retirada, os domínios não conseguem voltar a sua

configuração original, ou seja, a movimentação das paredes é irreversível (Morgan, 2013).

O processo de magnetização é descontínuo e irreversível, uma vez que o mesmo é

composto de pequenos saltos produzidos pela movimentação das paredes de domínio através

dos pontos de ancoragem. Estes saltos de magnetização produzem um fenômeno magnético

denominado Efeito Barkhausen, como pode ser observado na Figura 2.11 (Morgan, 2013).

Figura 2.12 – Ruído magnético Barkhausen na curva de histerese. Fonte: Wang et al (2013), modificado.

A natureza irreversível do processo de magnetização pode ser analisada de forma mais

detalhada na Figura 2.12. Ao atingir o ponto de magnetização de saturação, à medida que o

campo H é reduzido pela inversão da direção do campo, a curva não retorna seguindo o trajeto

inicial. Dessa forma, produz-se um efeito de histerese, no qual o campo B se defasa em

relação ao campo H que é aplicado ou diminui a uma taxa mais baixa. O comportamento do

efeito de histerese encontra-se diretamente relacionado com a movimentação das paredes do

domínio (Serrão, 2014).

33

Figura 2.13 – Laço de histerese magnética. Fonte: Callister (2001), modificado.

A forma da curva de magnetização (B x H) ou do ciclo de histerese pode ser afetada

consideravelmente pela anisotropia magnética, isto é, as propriedades magnéticas do material

dependem da direção na qual as mesmas são medidas. A anisotropia depende de fatores como

estrutura cristalina, dimensão da amostra, estado de tensão interna e temperatura. Dentre os

fatores citados, apenas o primeiro é intrínseco ao material (Serrão, 2014). Os materiais

metálicos apresentam estruturas policristalinas, as quais possuem seus grãos distribuídos de

maneira não aleatória, apresentando uma orientação preferencial intitulada textura

metalográfica, que se encontra definida em função da distribuição das células unitárias,

independente do seu tamanho e forma (Morgan, 2013).

Na Figura 2.13 podem ser observados os efeitos da magnetização em cristais únicos de

ferro e níquel. A forma da curva (B x H) depende da direção de magnetização, uma vez que

esses elementos possuem maior facilidade de magnetização em certas direções

cristalográficas, mostrando a existência de uma anisotropia magneto-cristalina (Serrão, 2014).

34

Figura 2.14 – Direções de magnetização fácil, média e difícil; a) do ferro; b) do níquel. Fonte:

Cullity & Graham (2009).

O Efeito Barkhausen, também denominado Ruído Magnético Barkhausen (RMB),

representa um fenômeno de mudanças descontínuas na densidade de fluxo B dentro de um

material ferromagnético, quando o mesmo encontra-se submetido a um campo magnético

variável. Esse fenômeno foi observado inicialmente pelo professor alemão Heinrich

Barkhausen em 1919 (Grijalba, 2010).

35

No experimento original de Barkhausen, ilustrado na Figura 2.14, foi descoberto que,

durante o processo de magnetização de uma barra de ferro, pulsos de tensão elétrica de curta

duração eram induzidos na bobina enrolada ao redor da barra. Esses pulsos, também

denominados saltos de voltagem, foram detectados como cliques audíveis e amplificados

através de um auto-falante (Grijalba, 2010). Amplificando a parte inicial da curva de

magnetização da barra, poderia se observar a natureza descontínua de B (Morgan, 2013).

Figura 2.15 – a) Experimento original de Barkhausen; b) mostrando os saltos de voltagem registrados pela bobina; c) devido a um processo descontínuo. Fonte: Cullity & Graham

(2009), modificado.

A Figura 2.15 ilustra a disposição experimental clássica para a medição do RMB,

composto por um eletroímã para a excitação magnética e uma bobina leitora. A magnetização

do eletroímã, que se encontra na superfície da amostra ferromagnética, é gerada por meio de

uma onda senoidal que passa através de um amplificador de corrente. A magnetização

alternante provoca mudanças na estrutura magnética do material que ocorrem na escala

atômica, gerando transientes magnéticos em frequências superiores a 1 kHz, que são captados

na superfície por uma bobina leitora (Serrão, 2014).

36

Figura 2.16 – RMB; a) Equipamentos para ensaio; b) sinais de resposta típicos. Fonte: Serrão

(2014).

A Figura 2.16 mostra a variação na amplitude do RMB em um laço de histerese

durante um ciclo de excitação magnética. Durante o processo, a maioria dos saltos é

produzida pela movimentação irreversível das paredes de domínio de 180°, à medida que elas

se deslocam, ultrapassando os pontos de ancoragem. O RMB é mais pronunciado na parte

mais inclinada do laço e diminui drasticamente ao alcançar a saturação magnética, uma vez

que nesse ponto a movimentação das paredes do domínio desaparece (Morgan, 2013).

Figura 2.17 – RMB no laço de histerese magnética associado. Fonte: Morgan (2013).

37

O RMB pode ser caracterizado como um sinal com componentes AC aleatórios não

estacionários. A raiz quadrada do valor quadrático médio (RMS - Root Mean Square)

representa um parâmetro estatístico usado para caracterizar a potência de um sinal AC

(Serrão, 2014). Assim sendo, esse parâmetro permite quantificar o sinal RMB em volts ao

longo do tempo através da fórmula abaixo:

1

2

1

n

VVRMB

mi

n

iRMS (2.15)

onde:

iV = valor da voltagem medida em um determinado instante;

mV = valor médio do sinal;

n = número de pontos do sinal.

Como o sinal RMB é centrado em amplitude, ou seja, possui média nula, o valor RMS

equivale ao desvio padrão e, desta maneira, representa uma medida do tamanho médio das

flutuações ao redor da média (Serrão, 2014).

O efeito da tensão uniaxial mecânica no RMB em materiais ferromagnéticos pode ser

generalizado da seguinte forma: as tensões de tração tendem a alinhar os domínios magnéticos

no sentido da tensão aplicada e proporcionam o aumento dos sinais do RMB; já as tensões de

compressão alinham os domínios magnéticos em direção perpendicular a tensão aplicada,

resultando em níveis menores de RMB. Esse processo é denominado efeito magneto-elástico.

A Figura 2.17 ilustra o efeito das tensões na estrutura dos domínios (Grijalba, 2010).

Figura 2.18 – Alinhamento dos domínios magnéticos; a) devido à tração; b) devido à compressão. Fonte: Serrão (2014).

38

Como o RMB tem sua origem na movimentação das paredes de domínio, o tamanho

de grão afeta a emissão de RMB. Quando o tamanho de grão do material aumenta, ocorre a

diminuição do número de paredes de domínio e de pontos de ancoragem, gerando assim uma

emissão de RMB mais baixa. Os defeitos na estrutura cristalina, principalmente os contornos

de grão, representam uma barreira intransponível para a movimentação das paredes de

domínio, acarretando também na redução da emissão do RMB (Antônio et al, 2013).

O RMB é sensível à microestrutura do material. Em aços ferríticos-perlíticos a

presença de perlita faz com que a emissão do RMB apresente diferença em relação à ferrita.

Na microestrutura ferrítica, o tamanho de grão tem grande influência, uma vez que os

contornos de grão atuam como barreiras na movimentação das paredes de domínio. Enquanto

que na perlita, a microestrutura no formato de lamelas atua como pontos de ancoragem,

fazendo com que as paredes de domínio necessitem de uma quantidade maior energia para se

movimentarem, o que gera o aumento da amplitude da emissão de RMB em relação à ferrita

(Antônio et al, 2013).

2.3 INFLUÊNCIA DAS TENSÕES RESIDUAIS NAS PROPRIEDADES MECÂNICAS DOS MATERIAIS

As tensões residuais estão presentes em praticamente todas as peças rígidas, sendo elas

metálicas ou não. Além dos carregamentos a que estão sujeitas, as tensões residuais

representam o produto do histórico metalúrgico e mecânico de cada ponto da peça ou da peça

como um todo, durante o processo de fabricação (Cindra Fonseca, 2000).

A falha de uma estrutura ou de um componente mecânico não se deve apenas às

cargas externas, as tensões residuais representam um parâmetro importante neste aspecto.

Todos os processos de fabricação, por exemplo, introduzem um novo estado de tensões

residuais nos materiais, as quais influenciam a vida em fadiga, a resistência à fratura e, até

mesmo, a resistência à corrosão das peças produzidas. A Figura 2.18 mostra como as tensões

residuais afetam o desempenho dos materiais (Lu, 2002).

39

Figura 2.19 – Efeitos das tensões residuais no desempenho dos materiais. Fonte: Lu (2002), modificado.

O primeiro aspecto a ser analisado é a resistência à fadiga das estruturas e

componentes. As tensões residuais superficiais possuem uma função importante com relação

ao comportamento à fadiga, sendo consideradas as mais relevantes, uma vez que as trincas de

fadiga são nucleadas na superfície (Cindra Fonseca, 2000). Os aços para tubulações, como é o

caso do API 5L X70, estão sujeitos à ação de cargas cíclicas que podem levar à falha por

fadiga. A fadiga é uma das maiores causas de falha detectada nas tubulações que transportam

óleo e gás e podem causar desastres ambientais e perdas financeiras significativas (Pinheiro et

al, 2013).

A influência das tensões residuais na sobrevida e na resistência à fadiga, bem como no

surgimento e propagação de trincas, depende do tipo de carregamento externo, dentre outros

fatores. As tensões residuais compressivas aumentam o limite de resistência à fadiga,

enquanto que as tensões residuais trativas o diminuem. A propagação da trinca de fadiga

sempre acontece em uma região onde as tensões residuais de tração estão presentes. Essas

tensões também contribuem para a abertura e a propagação da trinca (Cindra Fonseca, 2000).

Nos processos de soldagem utilizados para a fabricação das tubulações, a distribuição

de tensões residuais também desempenha um papel fundamental na influência do

comportamento da propagação de trincas de fadiga. A utilização de processos de soldagem

mais modernos proporciona mudanças significativas nas tensões residuais geradas, bem como

40 alterações nos parâmetros empregados em qualquer processo de soldagem (Sowards et al,

2015).

O segundo aspecto a ser analisado é a corrosão sob tensão, que representa um

fenômeno mecânico e químico resultando na geração de trincas no material. A combinação de

tensões trativas e de um ambiente corrosivo pode levar à falha do material (Lu, 2002).

As tensões residuais compressivas melhoram o desempenho dos componentes,

principalmente a resistência à fadiga e à corrosão sob tensão, e podem ser introduzidas na

superfície do material através de diversos métodos de tratamento, tais como shot peening,

cementação, nitretação, têmpera por indução, entre outros (Withers & Bhadeshia, 2001).

2.3.1 Tratamento de Shot Peening

O shot peening é um processo de beneficiamento a frio realizado a temperatura

ambiente no qual a superfície do material é bombardeada com pequenas esperas, geralmente

feitas de aço, causando deformação plástica no material. O objetivo desse tratamento é a

formação de tensões residuais compressivas de elevada magnitude nas camadas superficiais

do material; além disso, ele também produz um aumento da dureza superficial do material

(Meo & Vignjevic, 2003). É utilizado com o objetivo de melhorar a resistência à fadiga de

uma grande variedade de componentes e estruturas metálicas. Esse tratamento retarda a

formação de trincas geradas por fadiga ou corrosão sob tensão, de forma significativa,

melhorando, consequentemente, a vida do material em serviço (James, 2010).

O impacto das esferas provocam indentações na superfície do material, causando

deformação plástica. As camadas localizadas abaixo da camada superficial deformada tentam

restaurar suas formas originais, entretanto, o material em torno não permite esse movimento,

gerando assim uma região de tensões compressivas, como pode ser observado na Figura 2.19.

A uniformidade da camada de tensões residuais compressivas no material é alcançada por

impactos múltiplos e progressivos no material a receber o tratamento de shot peening (Meo &

Vignjevic, 2003).

41

Figura 2.20 – Tensões geradas pelo tratamento de shot peening. Fonte: Meo & Vignjevic (2003), modificado.

O processo de shot peening é controlado pelo padrão de intensidade Almen, que

quantifica a deformação e as tensões introduzidas no material. Uma mesma intensidade com

diferentes jateamentos geralmente produz uma distribuição diferente de tensões residuais na

superfície do material. A distribuição das tensões produzidas depende das propriedades do

material jateado, dos processos de fabricação e tratamentos previamente realizados nesse

material, além dos parâmetros do tratamento de shot peening utilizados como velocidade de

jateamento, diâmetro e material da esfera (Prevéy, 1990).

42 3 MATERIAIS E MÉTODOS

3.1 MATERIAL

No presente trabalho foi utilizado o aço API 5L X70, fabricado conforme a norma API

5L. A composição química e as propriedades mecânicas do aço X70, fornecidas pelo

fabricante, são apresentadas nas Tabelas 3.1 e 3.2, respectivamente.

Tabela 3.1: Composição química do aço API 5L X70 (% em peso).

C Mn P S Nb Ti V Ni Fe

0,07 1,54 0,010 0,002 0,048 0,019 0,042 0,025 Balanço

Tabela 3.2: Propriedades mecânicas do aço API 5L X70.

Tensão Limite de Escoamento ( LE ) (MPa)

Tensão Limite de Resistência ( LR ) (MPa)

564 645

3.2 PREPARAÇÃO DAS AMOSTRAS

As amostras do aço API 5L X70 foram obtidas a partir de duas chapas com dimensões

iniciais de comprimento, largura e espessura de 237 x 37,9 x 4,05 mm, respectivamente. As

chapas foram cortadas no sentido longitudinal no Arsenal da Marinha com serramento

manual, seguido de posterior usinagem para a obtenção de quatro corpos de prova de tração

(cps), conforme a norma ASTM A 370-08a. Antes das medições das tensões residuais e do

RMB, os cps receberam acabamento por retificação no Laboratório de Tecnologia Mecânica –

LTM, do Departamento de Engenharia Mecânica da UFF, a fim de obter superfícies com

43 acabamento adequado. A Figura 3.1 apresenta um desenho dos corpos de prova

confeccionados.

Figura 3.1 – Desenho dos corpos de prova de tração.

As dimensões dos corpos de prova foram definidas a fim de proporcionar a realização

de ensaios de tração com diferentes níveis de carregamento, bem como a medição das tensões

residuais pelos métodos de tensometria por difração de raios-X e de ruído magnético

Barkhausen. Os corpos de prova, numerados de 1 a 4, estão representados na Figura 3.2.

Figura 3.2 – Corpos de prova confeccionados.

O corpo de prova 1 não recebeu nenhum tipo de tratamento após a usinagem, tendo

assim permanecido na condição como recebido (CR).

Os cps 2 e 3 foram submetidos a um tratamento térmico de alívio de tensões (TTAT),

realizado no Laboratório de Metalografia e Tratamentos Térmicos – LABMETT, do

Departamento de Engenharia Mecânica da UFF. Esse tratamento foi realizado em um forno

tubular com atmosfera controlada de argônio, com o objetivo de prevenir a descarbonetação

durante o aquecimento, conforme pode ser observado na Figura 3.3. As amostras foram

44 colocadas no forno juntas, a uma temperatura de encharque de 650ºC, e permaneceram à

temperatura por duas horas. Após o tempo de encharque, o forno foi desligado e as amostras

foram arrefecidas no forno.

Figura 3.3 – Forno tubular com atmosfera de argônio.

O cp 4 recebeu um tratamento de shot peening, com a finalidade de introduzir tensões

residuais compressivas em sua superfície, realizado no Laboratório de Instrumentação e

Tecnologia Mecânica – LITMec, do CBPF.

3.3 ANÁLISE DAS TENSÕES RESIDUAIS

As tensões residuais dos corpos de prova confeccionados foram medidas no

Laboratório de Análise de Tensões – LAT, do Departamento de Engenharia Mecânica da

UFF.

45 3.3.1 Tensometria por Difração de Raios-X

As tensões residuais foram medidas através do processo de difração de raios-X

utilizando um analisador de tensões da marca XStress3000, fabricado pela Stresstech,

conforme mostrado na Figura 3.4. Esse equipamento utiliza o método de sen� e radiação

Crα, difratando o plano (211) da ferrita. Nas medições deste trabalho foram utilizados os

seguintes parâmetros: corrente de 6 mA, tensão de 30 kV, tempo de exposição de 10 segundos

e ângulos de inclinação de 0º, 20,7º, 30º, 37,7º e 45º.

Figura 3.4 – Analisador de tensões X-Stress3000.

As tensões residuais foram analisadas nos corpos de prova no estado como recebido,

após o tratamento térmico ou mecânico e depois da realização de cada um dos ensaios de

tração. As medições foram realizadas no centro da amostra, em ambas as faces (A e B), nas

direções longitudinais (L) e transversais (T), conforme indicado na Figura 3.5.

Figura 3.5 – Direção de medição das tensões residuais.

46 3.3.2 Ruído Magnético Barkhausen

A medição do ruído magnético Barkhausen (RMB) foi realizada através de um

analisador analógico comercial de um canal da marca Rollscan 200-1, fabricado pela Stresstech

Group e gentilmente emprestado ao LAT pela ZAF Sistemas Analíticos, conforme ilustrado

nas Figuras 3.6 e 3.7.

Figura 3.6 – Equipamento Rollscan 200-1.

Figura 3.7 – Sonda magnética do equipamento Rollscan 200-1.

Durante a medição, esse equipamento produz uma excitação no material através da

aplicação de um campo magnético com frequência de 125 Hz, através de um sensor, com

dimensões de 10,1 x 8,9 mm, localizado na parte inferior da sonda magnética. Essa frequência

permite a medição do RMB a uma profundidade de 0,01 a 1,5 mm da superfície do material.

A profundidade de medição é influenciada pela faixa de frequência do sinal do ruído e pelas

propriedades de condutividade e permeabilidade do material analisado (Stresstech, 2007).

47

Em todas as medições realizadas neste trabalho foram utilizados os mesmos valores

para os parâmetros de amplitude de magnetização de excitação (MAGN) e de potenciômetro

de controle do ganho para amplificação do sinal (CH1). O valor da MAGN foi igual a 20% da

carga máxima aplicada pelo equipamento, o que corresponde a 2,4 Vpp (volts de pico a pico);

e o valor do CH1 foi de 40% do valor máximo do aparelho, correspondente a 0,8 V. A

medição do RMB no ar teve o valor médio de 4,3 mV.

Com o objetivo de considerar a anisotropia magnética do material, os corpos de prova

foram medidos em três pontos diferentes, como ilustrado na Figura 3.8. Ainda, a fim de

diminuir a dispersão dos dados, foram realizadas três medições do RMB em cada um dos

pontos do cp, totalizando nove medições em cada direção.

Figura 3.8 – Direção de medição do RMB.

Os valores do RMB, bem como das tensões residuais, foram analisados nos corpos de

prova no estado como recebido, após o tratamento térmico ou mecânico e depois da realização

de cada um dos ensaios de tração. As medições foram realizadas em ambas as faces das

amostras (A e B), nas direções longitudinais (Figura 3.9 a) e transversais (Figura 3.9 b),

segundo a orientação da sonda magnética.

(a) (b)

Figura 3.9 – Direção de medição do RMB; a) longitudinal; b) transversal.

O valor do ruído magnético Barkhausen em cada ponto é obtido diretamente no visor

do equipamento, após a estabilização do sinal, na unidade de mV (milivolts). Após o término

48 das medições, os nove valores obtidos foram utilizados para calcular o valor do RMBRMS

através da Fórmula 2.13, apresentada na seção 2.2.2.

3.4 ENSAIOS DE TRAÇÃO

Os ensaios de tração foram realizados no Laboratório de Materiais – LAMAT, do

Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ), utilizando

uma máquina de servo-hidráulica Instron 8801, com célula de carga de 100 kN.

Os corpos de prova confeccionados foram submetidos a dois carregamentos trativos

quase-estáticos no regime elástico, com base na tensão limite de escoamento do material

( LE ). No primeiro carregamento foi utilizada a carga máxima de 19 kN, correspondente a

80% LE (450 MPa); já no segundo carregamento foi aplicada uma carga máxima de 22 kN,

correspondente a 90% LE (500 MPa).

Nos dois carregamentos foram realizados três ciclos de carga e descarga, com as taxas

de carregamento apresentadas na Tabela 3.3, sendo cada um deles com duração de 120

segundos. A carga mínima aplicada nos carregamentos trativos foi de 2 kN, chegando aos

valores máximos de 19 kN e 22 kN, nos carregamentos 1 e 2, respectivamente; como pode ser

observado nas Figuras 3.10 e 3.11.

Tabela 3.3: Taxas de carga e descarga durante os carregamentos.

Corpos de prova (cp)

Taxas de Carregamento (kN/s) Carregamento 1 (80% LE ) Carregamento 2 (90% LE )

Carga Descarga Carga Descarga

1 0,2860 0,2783 0,3400 0,3278

2 0,2854 0,2783 0,3389 0,3280

3 0,2855 0,2784 0,3403 0,3280

4 0,2855 0,2783 0,3423 0,3276

49

Figura 3.10 – Ciclo de carga e descarga do carregamento 1, referente a 80% LE .

Figura 3.11 – Ciclo de carga e descarga do carregamento 2, referente a 90% LE .

Após a realização do primeiro carregamento, foram medidas as tensões residuais e o

valor do RMB nos quatro corpos de prova. Posteriormente, os cps foram submetidos ao

segundo carregamento e, após o término do mesmo, ocorreram novas medições das tensões

residuais e do RMB.

50 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Neste capítulo são apresentados e discutidos os resultados da análise das tensões

residuais em amostras de aço API 5L X70, aplicando dois níveis de carregamento por meio de

ensaios de tração, utilizando as técnicas do ruído magnético Barkhausen e da difração de

raios-X.

4.1 TENSÕES RESIDUAIS

A análise das tensões residuais foi realizada primeiramente nos corpos de prova na

condição como recebido. Após os tratamentos térmicos de alívio de tensões (TTAT) e do shot

peening (SP), as tensões residuais foram novamente medidas. Os resultados das tensões

residuais obtidos nas condições como recebido e após os tratamentos, nas direções

longitudinais (L) e transversais (T), em ambas as faces (A e B) dos cps, podem ser observados

na Tabela 4.1 e nas Figuras 4.1 e 4.2. Após a realização dos carregamentos trativos,

ocorreram novas análises das tensões residuais nas faces A e B de todos os corpos de prova,

conforme apresentado na Tabela 4.2 e nas Figuras 4.3 e 4.4.

Tabela 4.1: Tensões residuais nas condições como recebido e após os tratamentos.

Corpos de prova (cp)

Tensões Residuais (MPa) Como recebido Após tratamentos

L T L T

1 A 100±13 -70±4 - -

1 B -140±6 -10±5 - - TTAT

2 A 105±12 -80±7 -45±5 -55±2

2 B 55±7 110±14 -20±6 -30±7

3A 210±11 15±3 -10±1 -10±2

3 B -400±11 -320±15 -30±10 -30±13 Shot Peening

4 A 190±13 40±6 -475±1 -430±12

4 B -200±13 -150±16 -455±20 -450±9

51

Figura 4.1 – Tensões residuais na condição como recebido.

Figura 4.2 – Tensões residuais após os tratamentos térmicos de alívio de tensões e do shot

peening.

52

Analisando os resultados mostrados na Tabela 4.1 e na Figura 4.1 é possível perceber

um comportamento heterogêneo das tensões residuais nos cps na condição como recebido.

Entretanto, após os tratamentos, é possível observar na Tabela 4.1 e na Figura 4.2 um

comportamento homogêneo das tensões residuais nos cps, sendo todas compressivas.

O tratamento de shot peening introduziu tensões residuais compressivas de elevada

magnitude no cp 4, sendo elas da ordem de -470 MPa na direção longitudinal e de -440 MPa

na direção transversal.

O TTAT aliviou as tensões completamente e ainda inverteu a sua natureza nos corpos

de prova 2 e 3, gerando tensões compressivas da ordem de -50 MPa na direção longitudinal e

de -55 MPa na direção transversal.

Na Tabela 4.2 são apresentados os resultados das tensões residuais medidas após a

realização dos carregamentos.

Tabela 4.2: Tensões residuais após os carregamentos trativos.

Corpos de prova (cp)

Tensões Residuais (MPa) Carregamento 1 (80% LE ) Carregamento 2 (90% LE )

L T L T

1 A -110±22 -100±11 -50±2 -105±4

1 B 440±33 135±11 490±20 100±15 TTAT

2 A -40±0 -50±1 -80±11 -85±2

2 B -15±2 -70±0 -55±4 -50±8

3 A -12±0 -12±0 -105±3 -105±14

3 B -60±20 -17±0 -90±5 -20±5 Shot Peening

4 A -260±24 -480±1 -235±5 -400±60

4 B -355±3 -465±12 -370±16 -525±2

53

Figura 4.3 – Tensões residuais após o carregamento com 80% LE .

Figura 4.4 – Tensões residuais após o carregamento com 90% LE .

54

Observando os valores mostrados na Tabela 4.2 e nas Figuras 4.3 e 4.4 é possível

perceber que após a realização dos carregamentos trativos a grande maioria dos corpos de

prova, com exceção do cp 1B, apresentaram tensões residuais de natureza compressiva. Os

cps que receberam o tratamento térmico de alívio de tensões apresentaram tensões

compressivas de baixa magnitude, enquanto que os que receberam o tratamento de shot

peening, de alta magnitude.

O cp 1 apresentou um comportamento diferenciado após a realização dos

carregamentos, devido ao fato do mesmo não ter recebido nenhum tratamento após a operação

de retificação, que introduz tensões trativas no material. No cp 1A, a tensão compressiva na

direção transversal foi aumentada para tensões na ordem de -100 MPa; já na direção

longitudinal, a tensão residual inverteu sua natureza atingindo o valor de -50 MPa. O cp 1B

apresentou um comportamento distinto dos demais corpos de prova, tendo a natureza da sua

tensão mudada de compressiva para trativa de elevada magnitude.

Com o intuito de realizar um estudo mais detalhado do comportamento dos corpos de

prova, foram elaborados gráficos com linhas de tendência para os cps 2, 3 e 4, apresentados

nas Figuras 4.5 a 4.7.

(a) (b)

Figura 4.5 – Tensões residuais dos corpos de prova que receberam o tratamento térmico de alívio de tensões; a) 2A; b) 2B.

55

Analisando a Figura 4.5 (a) é possível notar que as tensões residuais compressivas do

cp 2A, em ambas as direções, apresentaram uma pequena diminuição após a realização do

primeiro carregamento trativo e aumentaram para -80 MPa após o segundo carregamento. A

Figura 4.5 (b) mostra que as tensões residuais na direção longitudinal do cp 2B tiveram um

comportamento similar ao descrito para o cp 2A, com tensão da ordem de -55 MPa; enquanto

que na direção transversal, as tensões residuais compressivas apresentaram um aumento

significativo após o primeiro carregamento e diminuíram para -50 MPa após a realização do

segundo carregamento.

(a) (b)

Figura 4.6 – Tensões residuais dos corpos de prova que receberam o tratamento térmico de alívio de tensões; a) 3A; b) 3B.

A partir da Figura 4.6 (a) é possível observar que as tensões residuais de natureza

compressivas do cp 3A possuem as mesmas magnitudes nas direções longitudinais e

transversais. Após o primeiro carregamento trativo, as tensões residuais compressivas

mantiveram praticamente os mesmos valores das apresentadas logo após o TTAT; entretanto,

após o segundo carregamento trativo, elas aumentaram significativamente de -12 MPa para -

105 MPa. Na Figura 4.6 (b) é mostrado que as tensões residuais compressivas na direção

longitudinal do cp 3B apresentaram um crescimento linear após a realização dos

56 carregamentos, chegando a um valor máximo da ordem de -90 MPa. Já na direção transversal

do cp 3B, as tensões residuais apresentaram pequenas variação, tendo diminuído após o

carregamento 1 e aumentado após o carregamento 2 para -20 MPa.

(a) (b)

Figura 4.7 – Tensões residuais dos corpos de prova que receberam o tratamento de shot peening; a) 4A; b) 4B.

Com base nos dados da Figura 4.7 (a) é possível perceber que na direção longitudinal

do cp 4A, as tensões residuais compressivas foram reduzidas após o carregamento, chegando

a um valor da ordem de -230 MPa após o segundo carregamento. Na direção transversal as

tensões residuais se comportaram de forma similar ao cp 2B na mesma direção, tendo

aumentado após o carregamento 1 e reduzido para -400 MPa após o carregamento 2. A Figura

4.7 (b) ilustra o comportamento do cp 4B. Na direção longitudinal, as tensões residuais

compressivas tiveram suas magnitudes diminuídas após o primeiro carregamento trativo e

aumentadas de -355 MPa para -370 MPa após o segundo carregamento ser realizado; já na

direção transversal as tensões residuais foram crescentes, atingindo a magnitude mais elevada

da ordem de -525 MPa.

57 4.2 RUÍDO MAGNÉTICO BARKHAUSEN

A análise do ruído magnético Barkhausen foi realizada primeiro nos corpos de prova

na condição como recebido. Após os tratamentos térmicos de alívio de tensões (TTAT) e do

shot peening (SP), o RMB foi novamente medido. Os resultados do RMB obtidos nas

condições como recebido e após os tratamentos, nas direções longitudinais (L) e transversais

(T), em ambas as faces (A e B) dos cps, podem ser observados na Tabela 4.3 e nas Figuras 4.8

e 4.9. Após a realização dos carregamentos trativos, ocorreram novas medições do RMB nas

faces A e B de todos os corpos de prova, conforme apresentado na Tabela 4.4 e nas Figuras

4.10 e 4.11.

Cabe ressaltar que os valores do RMB apresentados nas tabelas a seguir representam

uma média das nove medições realizadas em cada uma das direções dos corpos de prova,

quantificado por um parâmetro escalar RMS calculado a partir da Equação 2.13. Essas

análises, diferentes das realizadas para as tensões residuais, têm o objetivo de considerar a

anisotropia magnética do material e diminuir a dispersão dos dados obtidos.

Tabela 4.3: Ruído Magnético Barkhausen nas condições como recebido e após os tratamentos.

Corpos de prova (cp)

Ruído Magnético Barkhausen (mV) Como recebido Após tratamentos

L T L T

1 A 12,8±4,3 22,6±7,5 - -

1 B 9,4±3,1 15,3±5,1 - - TTAT

2 A 13,1±4,4 22,9±7,6 20,1±6,7 35,5±11,8

2 B 8,5±2,8 17,0±5,7 13,2±4,4 20,4±6,8

3 A 9,8±3,3 35,7±11,9 20,3±6,8 34,7±11,6

3 B 9,5±3,2 16,5±5,5 22,7±7,6 30,9±10,3 Shot Peening

4 A 14,8±4,9 20,6±2,9 7,4±2,5 16,2±5,4

4 B 8,6±2,9 20,8±6,9 6,2±2,1 13,3±4,4

58

Figura 4.8 – RMB na condição como recebido.

Figura 4.9 – RMB após os tratamentos térmicos de alívio de tensões e do shot peening.

59

Analisando os resultados mostrados na Tabela 4.3 e na Figura 4.8 é possível perceber

um comportamento homogêneo do RMB nos cps na condição como recebido, com valores da

ordem de 15mV na direção longitudinal e de 25mV na direção transversal.

Após os tratamentos, entretanto, é possível observar na Tabela 4.3 e na Figura 4.9 um

comportamento heterogêneo do RMB. Os cps que receberam o TTAT apresentaram valores

de ruído mais elevados, enquanto que cp 4, que recebeu o tratamento de shot peening,

apresentou valores mais baixos.

Os gráficos apresentados nas Figuras 4.8 e 4.9 ao serem comparados com os gráficos

das Figuras 4.1 e 4.2 mostram que metade dos cps apresentou o comportamento esperado para

o RMB, já que a literatura indica que as tensões de tração proporcionam aumento do sinal,

enquanto que as tensões de compressão resultam em níveis menores de RMB.

Na Tabela 4.4 são apresentados os resultados do RMB após a realização dos

carregamentos.

Tabela 4.4: RMB após os carregamentos trativos.

Corpos de prova (cp)

Ruído Magnético Barkhausen (mV) Carregamento 1 (80% LE ) Carregamento 2 (90% LE )

L T L T

1 A 12,5±4,2 21,4±7,1 12,5±4,2 17,1±5,7

1 B 8,2±2,7 16,6±5,5 8,1±2,7 20,5±6,8 TTAT

2 A 16,6±5,5 31,0±10,3 11,4±3,8 26,6±8,9

2 B 11,3±3,8 22,1±7,4 9,7±3,2 24,6±8,2

3 A 19,2±6,4 37,5±12,5 16,0±5,3 34,8±11,6

3 B 14,0±4,7 30,5±10,2 10,5±3,5 32,5±10,8 Shot Peening

4 A 7,0±2,3 12,1±4,0 7,0±2,3 15,0±5,0

4 B 6,5±2,2 15,3±5,1 6,5±2,2 12,7±4,2

60

Figura 4.10 – RMB após carregamento com 80% LE .

Figura 4.11 – RMB após o carregamento com 90% LE .

61

Observando os valores mostrados na Tabela 4.4 e nas Figuras 4.10 e 4.11 é possível

perceber que após a realização dos carregamentos a maioria dos corpos de prova apresentou

redução dos valores do RMB. De forma análoga à análise das tensões residuais, foram

elaborados gráficos com linhas de tendência para estudar o comportamento dos cps 2, 3 e 4,

apresentados nas Figuras 4.12 a 4.14.

(a) (b)

Figura 4.12 – RMB dos corpos de prova que receberam o tratamento térmico de alívio de tensões; a) 2A; b) 2B.

Analisando a Figura 4.12 (a) é possível notar que o RMB do cp 2A, em ambas as

direções, apresentou redução após a realização dos carregamentos. A Figura 4.12 (b) mostra

que o RMB na direção longitudinal do cp 2B teve um comportamento similar ao descrito para

o cp 2A, com ruído de 9,7 mV; enquanto que na direção transversal, a amplitude do RMB

apresentou um pequeno aumento após os carregamentos, atingindo o valor de 24,6 mV.

62

(a) (b)

Figura 4.13 – RMB dos corpos de prova que receberam o tratamento térmico de alívio de tensões; a) 3A; b) 3B.

A partir da Figura 4.13 (a) é possível observar que a amplitude do RMB da direção

longitudinal do cp 3A diminuiu após a realização dos carregamentos trativos, atingindo um

valor 16,0 mV; enquanto que na direção transversal o RMB apresentou um aumento após o

primeiro carregamento e uma queda após o segundo carregamento, alcançando o valor de 34,8

mV. Na Figura 4.13 (b) é mostrado que o RMB na direção longitudinal do cp 3B teve um

comportamento similar ao descrito para o cp 3A, na mesma direção, sendo que neste caso a

queda na amplitude foi mais acentuada, chegando a um ruído da ordem de 10 mV; já na

direção transversal, o RMB manteve um valor praticamente constante após o primeiro

carregamento trativo e apresentou um pequeno aumento após o segundo carregamento.

63

(a) (b)

Figura 4.14 – RMB dos corpos de prova que receberam o tratamento de shot peening; a) 4A; b) 4B.

Com base nos dados da Figura 4.14 (a) é possível perceber que o valor do RMB na

direção longitudinal do cp 4A permaneceu praticamente o mesmo, com amplitude do ruído da

ordem de 7 mV; enquanto que na direção transversal o RMB apresentou uma diminuição após

o carregamento 1 e um aumento após o carregamento 2, obtendo um valor de ruído de 15,0

mV. A Figura 4.14 (b) ilustra o comportamento do cp 4B. Na direção longitudinal, o RMB se

comportou de forma similar ao cp 4A na mesma direção, com amplitude de 6,5 mV; já na

direção transversal apresentou um comportamento semelhante ao apresentado pelo cp 3A,

tendo aumentado após o carregamento 1 e diminuído para 12,7 mV após o carregamento 2.

Os gráficos apresentados nas Figuras 4.10 a 4.14 ao serem comparados com os

gráficos das Figuras 4.3 a 4.7 mostram que após o primeiro carregamento trativo apenas 31%

dos cps apresentaram o comportamento esperado para o RMB, enquanto que após o segundo

carregamento 63% dos cps demonstraram o comportamento esperado.

O comportamento divergente da literatura do RMB pode ser explicado devido à

sensibilidade da técnica a fatores tais como a microestrutura e a composição química do

material, além de defeitos na estrutura cristalina do material. Com relação à microestrutura, as

64 discrepâncias seriam explicadas pelo fato do aço X70 estudado neste trabalho apresentar uma

microestrutura constituída de ferrita e perlita e ter um comportamento diferenciado, conforme

encontrado por Antônio et al (2013).

A fim de realizar uma análise mais completa do ruído magnético Barkhausen,

observando seu comportamento com relação à presença de tensões residuais, foram

elaborados gráficos com os três corpos de prova que apresentaram o comportamento

condizente com a literatura em todas as condições, sendo elas: como recebido (CR), após o

tratamento térmico de alívio de tensões (TTAT) ou de shot peening (SP) e após os

carregamentos trativos 1 e 2.

As variações do RMB e das tensões residuais foram comparadas em cada uma das

direções dos cps para que o efeito da anisotropia magnética não interferisse na análise,

conforme pode ser observado nas Figuras 4.15 a 4.17. As tensões residuais apresentadas

nestas figuras são compressivas, sendo assim, é possível realizar uma análise da seguinte

forma: as tensões residuais compressivas elevadas proporcionam uma diminuição do sinal do

RMB, enquanto que as de baixa magnitude resultam em níveis maiores do sinal.

Figura 4.15 – Comportamento das tensões residuais e do RMB no cp 1A na direção

transversal.

65

Na Figura 4.15 pode ser observado que a magnitude das tensões residuais

compressivas elevadas gerou uma diminuição na amplitude do RMB.

Figura 4.16 – Comportamento das tensões residuais e do RMB no cp 3B na direção

longitudinal.

A Figura 4.16 ilustra o comportamento do cp 3B na direção longitudinal, podem ser

observados três comportamentos diferentes. Inicialmente as tensões residuais eram trativas e

tiveram sua natureza invertida, tornando-as compressivas de elevada magnitude, o que

acarretou na diminuição da amplitude do RMB. Posteriormente, as tensões residuais

tornaram-se ainda mais compressivas, gerando novamente a diminuição do ruído. Por fim, a

magnitude das tensões residuais compressivas foi ligeiramente reduzida, proporcionando um

aumento do sinal do RMB.

66

Figura 4.17 – Comportamento das tensões residuais e do RMB no cp 4A na direção

transversal.

Na Figura 4.17 é possível observar que houve redução nas tensões residuais

compressivas, o que gerou um grande aumento no valor do RMB. Em seguida, as tensões

residuais aumentaram de magnitude, proporcionando a diminuição do ruído. Novamente, as

tensões residuais compressivas apresentaram uma elevação, proporcionando uma queda no

sinal do RMB.

67 5 CONCLUSÕES

O presente trabalho, que teve como objetivo a análise das tensões residuais em

amostras de aço API 5L X70 utilizando as técnicas do ruído magnético Barkhausen e da

difração de raios-X, permite as seguintes conclusões:

1) O tratamento de shot peening introduziu um campo de tensões residuais

compressivas de elevada magnitude, da ordem de -460 MPa em todas as direções.

2) As tensões residuais compressivas se tornaram mais elevadas após a realização

dos carregamentos trativos na maioria dos corpos de prova.

3) Apenas um corpo de prova o comportamento das tensões residuais foi distinto

após os carregamentos, alterando a natureza de compressiva para trativa de

elevada magnitude.

4) Somente 20% dos resultados de RMB estão coerentes com as tensões residuais e

em conformidade com a literatura em todas as condições avaliadas.

68 6 SUGESTÕES PARA TRABALHOS FUTUROS

A fim de dar continuidade ao presente trabalho, são apresentas algumas sugestões para

trabalhos futuros:

1) Realizar ensaios de tração com cargas acima do limite de escoamento do material

com o objetivo de gerar deformações plásticas;

2) Analisar por ruído magnético Barkhausen os corpos de prova com deformações

plásticas e comparar com difração de raios-X;

3) Realizar ensaio de compressão para levantar uma curva de calibração para

relacionar diretamente os valores do RMB com as tensões residuais;

4) Caracterizar a microestrutura do material utilizado através da análise por

microscopia eletrônica de varredura (MEV) e verificar a sua relação com a

variação do RMB encontrada nos corpos de prova;

5) Realizar ensaio de microdureza no material estudado e relacionar essa propriedade

mecânica com o valor do RMB obtido;

6) Estudar as tensões residuais e o RMB em outros aços e analisar o comportamento

encontrado com o indicado pela literatura.

69 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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