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Page 1: Projeto de Doutorado_Carla Ramos

Seleção para o Doutorado PPGSA - 2013

Projeto de Pesquisa

Mulheres Negras de Classe Média no Brasil e nos Estados Unidos: Narrativas e Trajetórias

de Mobilidade Social

Carla Ramos

Introdução

Este projeto pretende analisar experiências e narrativas sobre interseccionalidade de

gênero, raça e classe a partir de entrevistas com mulheres negras de diferentes estratos sociais

no Brasil e nos Estados Unidos. Em particular, procuro compreender como mulheres negras

de classe média articulam suas experiências de estigmatização de gênero e raça, e como criam

estratégias de desestigmatização a partir de sua posição de classe.

As desigualdades que separam brancos e negros são amplamente reconhecidas pela

produção das ciências sociais brasileira. Nos dados da PNAD, de 2008, a média de anos de

estudo para os homens brancos com 15 ou mais anos de idade foi de 8,2 anos; entre os

homens negros, da mesma faixa etária, o número foi de 6,3 anos. Entre as mulheres brancas, a

taxa é de 8,3, e para as mulheres negras, de 6,7 anos de estudo. Essas assimetrias também se

refletem nos números da escolaridade no ensino superior. Nesse mesmo ano, na faixa de idade

de 18 e 24 anos, a taxa bruta de acesso da população branca foi de 35,8%, e, de 16,4 para

negros. Embora os níveis de escolaridade das mulheres, brancas e negras, seja relativamente

maior, em relação aos homens do seu grupo racial, as pesquisam apontam que esses

investimentos em educação não se traduzem em melhor inserção no setor formal do mercado

de trabalho. Em relação à massa de salários, nas seis maiores regiões metropolitanas

brasileiras, a população economicamente ativa (PEA) branca apresentava um rendimento

médio 74,3% superior à PEA negra. Entre as mulheres, a desigualdade de rendimento foi de

72,1% favorável às trabalhadoras brancas1. Em resumo, é amplamente aceito que as mulheres

negras acumulam as desvantagens estruturais de raça e gênero em suas trajetórias sociais. 2

Nos últimos anos, houve um aumento significativo da produção de dados sobre as

desigualdades de gênero no interior dos grupos raciais. No entanto, ainda são poucas as

pesquisas empíricas sobre como e em que circunstâncias as mulheres negras percebem,

1 Tempo em Curso. Ano IV;Vol.4; N.3, março, 2012. Pesquisa Mensal de Emprego (IBGE)

2 LIMA (1995).

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convivem e reagem à discriminação racial e de gênero, nos diferentes momentos do seu ciclo

de vida3. Este projeto partirá dessa perspectiva empírica para focalizar as trajetórias de

mobilidade social de grupos de mulheres negras de classe média no Brasil e nos Estados

Unidos. Ele é fruto do trabalho de campo realizado no Rio de Janeiro, entre 2007 e 2009, no

âmbito do projeto “A Comparative Study of Responses to Discrimination by Members of

Stigmatized Groups”, coordenado pela socióloga Michèle Lamont, da Universidade de

Harvard.

Tema: Estudos sobre Classe Média Negra no Brasil e nos Estados Unidos

No Brasil, todo o cientista social que inicia a sua trajetória de pesquisa no interior do

campo de investigação sobre relações raciais, se depara com o projeto comparatista

envolvendo os Estados Unidos. Mesmo que os objetivos das pesquisas não atravessem

diretamente a perspectiva comparatista que relaciona essas unidades de análise, ainda assim,

as representações sobre o estado das relações raciais no contexto norte americano se impõem

como uma forte referência.

Do ponto de vista dos temas, os pesquisadores estadunidenses e brasileiros têm se

defrontado com desafios comuns na tentativa de analisar a chamada “classe média negra”; um

deles é justamente o de encontrar uma definição apropriada para “classe social”. Nesses casos,

a tendência tem sido utilizar a literatura que consiga articular outros indicadores além dos

níveis de renda, como anos de escolaridade e ocupação profissional (Figueiredo, 2002; Feagin

and Sikes, 1994). Para o nosso projeto classificamos como “classe média” aquelas mulheres

com formação superior4 completa, em ocupações de nível profissional.

No Brasil, tanto os investigadores brasileiros como os americanistas refletiram sobre o

fenômeno da mobilidade social entre os grupos de cor. Na década de 1950, o modelo

explicativo tomava a mobilidade social como evidência dos efeitos positivos da democracia

racial na conformação de uma sociedade onde não haveria barreiras de cor (Azevedo, 1955;

Pierson, 1971). Seguindo a síntese feita por Reis e Silva (2011), nos anos 60, Florestan

Fernandes e Guerreiros Ramos viram as “elites de cor” tão somente como um segmento

“embranquecido”, assimilado aos moldes e modos de vida da classe média branca. Até que os

trabalhos de Costa Pinto começam a apontar para as diferenças nos padrões de

3 Ver artigo de Paixão e Gomes (2008) 4 Vamos abordar esse ponto mais adiante no item referente à metodologia.

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comportamento entre as “velhas e novas elites negras”. Para o autor, ao contrário do que

acontecia com as velhas elites que buscavam “embranquecer” á medida que ascendiam

socialmente, as “novas elites de cor” ressaltavam e celebravam a sua identidade negra.

A mobilidade social dos grupos de cor e, a influência dos novos habitus de classe na

relação de pertencimento ao grupo racial5, ainda provoca amplos questionamentos entre as

gerações de pesquisadores, mesmo que com escassas pesquisas empíricas. A principal

referência são pesquisas de Angela Figueiredo (2002, 2003) discutem as características dessa

classe média negra, os seus processos gerativos no Brasil e nos Estados Unidos, além de

buscar entender de que maneira o “embranquecimento” e a “negritude” aparecem nas

trajetórias de ascensão social dessas novas elites de cor.

O debate atual nos Estados Unidos está marcado pela eleição presidencial de Barack

Obama, que para alguns representou o início de uma “era pós-racialista”. Antes desse

momento emblemático, já havia muitas discordâncias sobre as leituras do panorama racial

pós-movimento pelos direitos civis. Autores como Feagin and Sikes (1994), sublinharam as

mudanças significativas na vida da população Afro-americana, principalmente, a partir do

final da década de 1960, até a segunda metade dos anos 70. Mas, foi no início dos anos 80 que

os estudos sobre mobilidade social e da classe média negra, colocaram em questão o estatuto

da “raça” como um fator determinante na produção e reprodução das desigualdades sociais

entre a população Afro-americana. E, desse momento em diante, a perspectiva de “declínio do

significado da raça” vem ganhando espaço dentro do debate público e acadêmico

estadunidense.

With the demise of a highly visible Black civil rights movement in the 1970

and 1980, a new language was developed by many white intellectuals, media

commentators, and politicians to analyze U.S racial relations. Terms such as

the black underclass, reverse discrimination, and the privileged black

middle-class have been used by commentators. (Feagin and Sikes, 1994:5)

Commentators in the mass media have likewise concentrated on the

prosperity and privileges of the middle class and the dilemmas of the

underclass. Those in the black middle class, especially the well-educated

professionals and managers, have been viewed as having achieved the

American dream like the middle class of white ethnic group before them.

(Feagin and Sikes, 1994:9)

5 Vide as teses sobre o “embranquecimento” biológico (casamentos inter-raciais) e social (assimilação da cultura dos

brancos).

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Curiosamente, a literatura que trata das relações raciais no Brasil e nos Estados

Unidos, apresenta um mesmo ponto de inflexão: a classe média negra. Essa categoria perturba

os dois campos e altera a maneira de perceber as dinâmicas de interação entre os grupos

raciais ou de cor. A emergência de uma classe média negra põe em debate a centralidade do

racismo e da discriminação racial como fronteiras inalteráveis. Ao mesmo tempo em que a

percepção segundo a qual a discriminação racial atingiria de maneira mais contundente os

estratos mais baixos da população, tem sido fortemente desconstruída (Ianni, 2004; Reis e

Silva, 2011). Isso se reflete em novas abordagens que articulam dados quantitativos e

qualitativos sobre classe média negra, demonstrado como as desigualdades raciais atingem

com maior incidência e virulência (Carvalho, 2007) aqueles que ocupam “o topo da hierarquia

socioeconômica” (Silva e Reis, 2011).

Portanto, consideramos que podemos contribuir com a ampliação dos estudos sobre

classe média negra a partir do recorte de gênero, abrindo espaço para chaves interpretativas

ainda pouco utilizadas nesse campo, como a interseccionalidade de gênero, raça e classe.

Questões Principais

A nossa proposta está diretamente relacionada a dois conjuntos de questões. O

primeiro deles diz respeito à interseccionalidade de raça e gênero, como colocada por

Kimberle Crenshaw (1989). Para essa autora, é necessário confrontar as análises do tipo

single-axis, comuns ao feminismo e ao movimento anti-racista onde all the women are white

and all the blacks are men6. A experiência social das mulheres negras, segundo a autora, é

multidimensional e as categorias de raça e gênero interagem de variadas maneiras

conformando processos específicos de produção de diferenças e desigualdades (Crenshaw,

1989). Comparando a profissionais negros no Brasil e na África do Sul, Silva (2010) afirma

embora as divisões raciais e de classe provoquem o interesse dos analistas, isso não se traduz

em questionamentos sobre as divisões de classe no interior dos grupos raciais, e das divisões

de raça dentro dos grupos de classe. Certo é que esses grupos e as suas fronteiras não seguem

critérios homogêneos de constituição ou de diferenciação.

Nosso interesse recai não somente nas experiências de discriminação e estigmatização.

Seguindo a perspectiva proposta por Lamont e Mizrachi (2011) buscamos também

6 All the Women are White and all the Blacks are Men, But some of Us are Brave. Esse é o título do livro da pesquisadora

Gloria T. Hull (The Feminist Press,1982)

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compreender como grupos minoritários estigmatizados reconfiguram fronteiras simbólicas e

sociais ao responderem à estigmatização.

Em resumo, estamos interessados em explorar nas narrativas das entrevistadas, aqueles

momentos e situações cotidianas onde a convergência entre as categorias de gênero, raça e

classe possa ser vislumbrada:

1 na maneira como as mulheres negras de classe média articulam suas experiências

de estigmatização de gênero e raça, criando estratégias de desestigmatização a

partir da sua posição de classe;

2 na expressão das diferenças e semelhanças nos arranjos constitutivos das fronteiras

simbólicas que definem o grupo de mulheres negras de classe média no Brasil e

nos Estados Unidos;

3 nas dinâmicas de construção das identidades ancoradas em diacríticos racialistas,

sexistas e de classe; e nas ideias sobre pertencimento racial e como são celebradas

no Brasil pós políticas públicas de corte racial e, nos Estados Unidos pós-racialista;

4 E, a partir do contexto brasileiro, como as diferenças de classe, no interior dos

grupos raciais e de gênero, configuram novas fronteiras simbólicas e sociais.

Quadro Teórico: Interseccionalidade e Fronteiras Simbólicas

O exercício analítico da interseccionalidade de raça e gênero reflete uma operação

metodológica e teórica que está diretamente ligada á crítica colocada no campo dos estudos

feministas e da militância anti-racista (Mc Call, 2001 e 2005). Mesmo que inicialmente com

mais força nos Estados Unidos, esses questionamentos atingiram outros países produzindo

uma onda internacional de rupturas no interior dos movimentos feminista e anti-racista.

Diante de uma agenda com extensas reivindicações colocadas pelo movimento feminista, na

década de 1980, o Brasil testemunhou a ascensão da militância de mulheres negras

(Sant’Anna, 2002). O grupo incluiu na pauta geral dos movimentos negro e feminista as

demandas específicas das suas trajetórias de vida historicamente atravessadas pela

discriminação racial e de gênero.

De acordo com ativistas e intelectuais Afro-americanas, o discurso dominante sobre o

sexismo e discriminação racial estava limitado pela ideia de um único eixo categorial. O

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problema dessa concepção é que ela não permitia considerar o caráter múltiplo das

identidades e, silenciava outras formas sobrepostas ou interseccionadas de sexismo e

discriminação racial. Esse é o caso com as mulheres negras, cujas experiências foram

ignoradas tanto pela teoria feminista com pela luta anti-racista.

I argue that black women are sometimes excluded from feminist theory and

antiracist policy discourse because both are predicated on a discrete set of

experiences of that often does not accurately reflect the interaction of race

and gender. These problems of exclusion cannot be solved simply by

including Black women within an already established analytical structure.

Because the intersectional experience is greater than the sum of racism and

sexism, any analysis that does not take intersectionality into account cannot

sufficiently address the particular manner in which Black women are

subordinated. (Crenshaw, 1989:140)

Uma análise interseccional, como defende Crenshaw, não é uma mera operação de

soma das categorias. Outrossim, as convergências entre elas (raça e gênero) podem ser

múltiplas em função das situações ou das dimensões da vida social que se está observando. A

interseccionalidade como recurso analítico dificilmente vai desvendar padrões regulares para

as relações entre gênero, raça e classe. Mais uma vez, a convergência vai ocorrer; está

ocorrendo, em todo e qualquer grupo social que faça uso corrente de tais categorias

classificatórias. Mas, os sentidos sociais atribuídos aos mesmos serão relativos a cada

situação/contexto observado. Por essa razão, se existe uma ênfase no contexto brasileiro e

estadunidense, em apontar os efeitos perversos (discriminação racial, sexismo e

desigualdades) da intersecção de raça e gênero, isso pode estar nos dizendo que, nestes

lugares, os sentidos sociais da convergência estão estruturalmente condicionados dessa

maneira. A interseccionalidade é própria do estatuto dessas categorias, trata-se da qualidade

de manterem-se fortemente relacionadas todo o tempo.

E então, como podemos explorar o nosso material de campo de modo a fazê-lo “falar”

sobre interseccionalidade de raça, gênero e classe? Em dois importantes artigos, Kimberle

Crenshaw7 fez uso do recurso de “mapear” casos de conflito que pudessem revelar a

interseccionalidade de raça e gênero. Assim, analisou dezenas de processos e demonstrou

como a corte americana elaborava as suas representações a respeito das mulheres negras por

meio das suas demandas judiciais. Também, discutiu a violência doméstica e a violência

7 Me refiro a estes: “Mapping the Margins: Intersectionality, Identity Politics, and Violence against Women of Color.” (1991)

e Demarginalizing the intersection of race and sex: A Black Feminist critique of antidiscrimination Doctrine, Feminist

Theory and Antiracist Politics” (1989).

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sexual, e como a “interseccionalidade estrutural” pode potencializar o ambiente de extrema

vulnerabilidade experienciado pelas mulheres negras. Sobre a “interseccionalidade política”,

Crenshaw, atentou para a marginalização da mulher negra em decorrência das tradicionais

políticas de corte feminista e/ou anti-racista. E, por último, levantou seus questionamentos a

partir do que chamou de “interseccionalidade representacional”, e da sua influência na

construção do imaginário popular a respeito das mulheres negras. Essa tipologia demonstra

como a interseccionalidade pode assumir diversas facetas.

Em nossa pesquisa, os depoimentos das mulheres negras de classe média nos permite

acompanhar narrativas que estão ancoradas em pequenas e grandes rupturas, enfrentamentos,

e adaptações. Tais processos de mobilidade social demandam desses sujeitos uma grande

capacidade de negociar através e a partir de diferentes fronteiras de grupos raciais, de gênero

e classe. Aqui faremos uso da literatura sobre fronteiras simbólicas e sociais.

Tomaremos fronteira simbólica como distinções conceituais; categorias de

classificação que podem servir para dividir classes de pessoas em grupos e criar sentimentos

de similaridade e pertencimento. As fronteiras sociais são a face objetiva dessas distinções,

são a manifestação da desigualdade social no acesso e na distribuição dos recursos (“materiais

e imateriais”) e de oportunidades (Lamont and Molnár, 2002)8. As fronteiras criam e

dissolvem diferenciações, por isso as noções de “porosidade” e “mudança” são importantes

para a compreensão dos processos de mobilidade social envolvendo grupos estigmatizados.

De acordo com Lamont e Molnár:

Much more needs to be done in terms of exploring the conditions under

which boundaries generate differentiation or dissolve to produce hybridity or

new forms of categorization. Moreover, the porousness of boundaries should

be studied systematically across class, race/ethnic and gender/sexual lines.

(Lamont & Molnár, 2002: 187,188).

A trajetória de vida das mulheres negras de classe média põe em risco fronteiras

simbólicas e sociais. Elas são elementos híbridos formados na intersecção de gênero, raça e

classe. São sujeitos necessariamente divergentes e os processos de mobilidade social por elas

empreendido permitem explorar um amplo campo de questões.

8 Um bom exemplo de fronteiras sociais foi brevemente citado em nossa introdução.

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Método

Esse projeto insere-se em um programa de pesquisa comparativa e interdisciplinar que

foi coordenado pela socióloga Michèle Lamont, da Universidade de Harvard. Essas

investigações a respeito de como os membros de grupos estigmatizados lidam com o racismo

e a discriminação, envolveu cidades e pesquisadores no Brasil, Estados Unidos e Israel9. No

Brasil, mais especificamente, no Rio de Janeiro, realizamos 200 entrevistas em profundidade,

com homens e mulheres negras10

, de classe trabalhadora11

e profissionais12

; e residentes de

favelas.

A etapa da pesquisa conduzida no Brasil esteve sob a coordenação das sociólogas

Elisa Reis e Graziella Moraes Silva. A nossa amostra foi construída partindo da metodologia

de Snowball Sampling. Inicialmente, ficou determinado que os futuros entrevistados deveriam

ser recrutados entre aqueles que estivessem atuando em ocupações de prestígio, nos principais

setores econômicos como o de saúde, bancário, de telecomunicações, empresas mineradoras e

de petróleo. Feito isso, e após o término da entrevista, solicitávamos a cada entrevistado a

indicação de, no máximo, outras duas pessoas que pudessem nos receber para a aplicação do

questionário. As indicações que recebíamos precisavam estar de acordo com o seguinte perfil:

ter entre 25 e 65 anos de idade; ter diploma universitário; estar empregado (autônomos ou

empresários) no momento da entrevista; e se autoclassificar como preto ou pardo, de acordo

com as categorias oficias do IBGE. Também foram realizadas entrevistas com negros de

classe trabalhadora, definidos por um critério educacional (diploma de ensino médio) e

ocupacional (carteira assinada) selecionados a partir de seu bairro de residência (Zona Norte

do Rio) e por bola de neve.

Com o intuito de compreender a centralidade que a raça ou cor poderia desempenhar

ao longo das trajetórias de mobilidade social dos nossos entrevistados, escolhemos, ao menos

9 Os grupos estigmatizados escolhidos nos contextos nacionais foram: Negros (Brasil); African-Americans (Estados Unidos)

e Palestinos cidadãos de Israel (Israel). 10 Seguindo os estudos quantitativos sobre desigualdades raciais e discriminação, consideramos “negro” como o grupo

composto pelas pessoas que se autodeclararam “pretas ou pardas” em nossa amostragem. (Paixão, 2010) 11Indivíduos com ensino médio completo e emprego de carteira assinada. 12 Indivíduos com ensino superior trabalhando em ocupações de nível profissional.

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num primeiro momento, não mencioná-la como o ponto central da nossa investigação13

.

Dessa maneira, a questão racial poderia ser mencionada de maneira mais espontânea até

determinado ponto do questionário, enquanto ainda não havia referência direta ao tema (Reis

e Silva, 2011).

As entrevistas seguiram um roteiro semi-estruturado o que nos permitiu percorrer

diferentes dimensões da vida dos nossos entrevistados. Os depoimentos estão divididos em

cerca de cinco conjuntos de questões, são eles: (1) emprego, participação política e

associativista, história familiar e formação escolar e universitária; (2) fronteiras simbólicas:

percepção sobre o outro e repertório de categorias utilizadas para identificação e

diferenciação; (3) visões sobre o Brasil e as possíveis leituras do contexto nacional a partir de

referências raciais; (4) os sentidos sociais da raça, do racismo e discriminação; (5)

experiências de discriminação em diferentes contextos e situações ao longo da vida.

A equipe de entrevistadores contou com cinco colaboradores, entre homens e

mulheres, quatro autodeclarados negros e uma branca. Cabe destacar que essa identificação

racial e de gênero foi compreendida como um fator relevante frente à natureza do tema

abordado. Assim, esses marcadores sociais foram compreendidos através dos seus efeitos no

campo e nos possibilitou mapear um jogo interessantes identificações, distanciamentos,

proximidades e reconhecimentos entre nós e os entrevistados (Reis e Silva, 2011). Os

depoimentos foram reunidos, transcritos e depois codificados por meio do Atlas TI. Eu fiz

parte da equipe de pesquisa desde o início do levantamento produzido no Brasil; tive a

oportunidade de conduzir várias entrevistas em campo e também, pude atuar na codificação

dos depoimentos. Todas as análises comparativas estão baseadas nos conteúdos organizados

neste banco de dados.

Para os objetivos que estamos traçando aqui, interessa-nos trabalhar a partir de um

conjunto de 120 entrevistas realizadas junto a mulheres negras de classe média e de classe

trabalhadora (80 no Brasil, metade de classe média e metade de classe trabalhadora e 40 com

mulheres negras de classe média nos Estados Unidos) que serão recodificados para o

propósito da tese. Com base nestes dados elaboramos três estratégias de comparação. A

primeira delas busca compreender como as identidades de gênero e raça são articuladas a

partir da experiência de classe de mulheres negras, no Brasil e nos Estados Unidos. A segunda

13“We got permission from the Harvard Human Subject Review Board to inform them that they were participating in

a study about social mobility of people of all colors (and while asking for referrals we told people we had to

oversample among black professionals)”. (Reis e Silva, 2011:14)

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operação comparativa colocará em perspectiva os depoimentos tanto de mulheres de classe

média quanto das mulheres de classe trabalhadora a partir do contexto brasileiro. Além disso,

pretendo realizar 40 entrevistas com mulheres brancas de classe média para contrastar suas

experiências àquelas das mulheres negras entrevistadas. Com isso pretendemos explorar as

fronteiras simbólicas e sociais que marcam as diferenças de classe no interior dos grupos

raciais e de gênero.

O projeto que será apresentado está vinculado ás linhas de pesquisa “Produção e

efeitos de Desigualdades Sociais” e “Cultura e Política em Perspectiva Comparada, no âmbito

do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia.

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