textos de ariovaldo ramos

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Consciência Bíblica Pastor, o que a Bíblia diz sobre isto? Essa talvez seja a pergunta mais ouvida pelos pastores, de modo geral. As pessoas querem direção, querem saber o que Deus pensa das coisas que as cercam e como Ele quer que elas vivam e respondam às demandas da vida, e o pastor é o interlocutor privilegiado para responder a essas questões. E elas estão certas em querer saber, afinal, como já disse alguém: se Deus existe, ninguém pode viver de qualquer jeito. E o que é que diz a Bíblia? Saber responder a isso é o que chamo de ter consciência bíblica. Friedmann, teólogo alemão, em seu livro, “O desaparecimento de Deus”, afirma que a Bíblia conta apenas uma história. Ainda que não leia a Bíblia como Friedmann concordo com a tese dele. É preciso ter um fio condutor para ler as escrituras, fio esse que dê o norte da leitura, de modo que o texto não seja tratado como uma colcha de retalhos, sem necessário nexo entre si. Bem desejar um fio condutor é compreensível, mas, existe, de fato, tal fio? Friedmann propõe um fio que desemboca no desaparecimento de Deus, ele propõe que o criador construiu um mundo de tal maneira, estabelecendo um “modus operandi” que vai culminar na absência de Deus e, então, o vetor moral passará da presença divina para a preservação do que a humanidade é e representa. É uma proposta com a qual não posso compactuar, mas, que revela uma consciência bíblica por parte do autor, isto é, a partir dessa leitura da Bíblia ele está pronto para responder a qualquer pergunta que trate da natureza dos atos de Deus. É claro que, a partir do que estamos apresentando, não haverá uma única consciência bíblica, uma vez que não há uma única leitura bíblica, porém, o que estou advogando é que esta consciência deve ser buscada, pois é preciso estar pronto para dar a razão da esperança que há em nós (1 Pe 3.15). Essa busca pressupõe a existência de algum tipo de sistema, ainda que não hermético, o que é, de fato, totalmente dispensável, mas, que tenha começo, meio e fim, o que contraria uma nova forma de fazer teologia, que trata o texto sacro como um apanhado de experiências que não têm nenhuma obrigação de se relacionar entre si. Porém, como o próprio Friedmann teve de admitir, tratar a escritura dessa forma é condenar-se a um beco sem saída, por transformar o texto em uma referência sem nenhuma autoridade normativa, logo, sem nenhuma proposta de fato, de modo que tudo o que nele se poderá ver é uma apanhado de histórias que, necessariamente, exigirá uma ideologia para conduzi-lo, onde a ideologia é a verdade e o texto a ilustração.

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Page 1: Textos de Ariovaldo Ramos

Consciência BíblicaPastor, o que a Bíblia diz sobre isto? Essa talvez seja a pergunta mais ouvida pelos pastores, de modo geral. As pessoas querem direção, querem saber o que Deus pensa das coisas que as cercam e como Ele quer que elas vivam e respondam às demandas da vida, e o pastor é o interlocutor privilegiado para responder a essas questões. E elas estão certas em querer saber, afinal, como já disse alguém: se Deus existe, ninguém pode viver de qualquer jeito. E o que é que diz a Bíblia? Saber responder a isso é o que chamo de ter consciência bíblica. Friedmann, teólogo alemão, em seu livro, “O desaparecimento de Deus”, afirma que a Bíblia conta apenas uma história. Ainda que não leia a Bíblia como Friedmann concordo com a tese dele. É preciso ter um fio condutor para ler as escrituras, fio esse que dê o norte da leitura, de modo que o texto não seja tratado como uma colcha de retalhos, sem necessário nexo entre si. Bem desejar um fio condutor é compreensível, mas, existe, de fato, tal fio? Friedmann propõe um fio que desemboca no desaparecimento de Deus, ele propõe que o criador construiu um mundo de tal maneira, estabelecendo um “modus operandi” que vai culminar na absência de Deus e, então, o vetor moral passará da presença divina para a preservação do que a humanidade é e representa. É uma proposta com a qual não posso compactuar, mas, que revela uma consciência bíblica por parte do autor, isto é, a partir dessa leitura da Bíblia ele está pronto para responder a qualquer pergunta que trate da natureza dos atos de Deus. É claro que, a partir do que estamos apresentando, não haverá uma única consciência bíblica, uma vez que não há uma única leitura bíblica, porém, o que estou advogando é que esta consciência deve ser buscada, pois é preciso estar pronto para dar a razão da esperança que há em nós (1 Pe 3.15). Essa busca pressupõe a existência de algum tipo de sistema, ainda que não hermético, o que é, de fato, totalmente dispensável, mas, que tenha começo, meio e fim, o que contraria uma nova forma de fazer teologia, que trata o texto sacro como um apanhado de experiências que não têm nenhuma obrigação de se relacionar entre si. Porém, como o próprio Friedmann teve de admitir, tratar a escritura dessa forma é condenar-se a um beco sem saída, por transformar o texto em uma referência sem nenhuma autoridade normativa, logo, sem nenhuma proposta de fato, de modo que tudo o que nele se poderá ver é uma apanhado de histórias que, necessariamente, exigirá uma ideologia para conduzi-lo, onde a ideologia é a verdade e o texto a ilustração. Eu gostaria de propor um fio condutor, que produzirá essa consciência bíblica, que é a relação entre graça e rebeldia. Proponho que só houve rebeldia por causa da graça, e que só houve graça para que a rebeldia não fosse o fim de tudo, e que a rebeldia só não foi o fim de tudo porque o amor de Deus o comprometeu, o que o levou à graça, que só pôde existir por causa do sacrifício, que inaugura a história antes da criação, que torna o pecado uma questão primeiramente existencial e só então moral, tornando o sofrimento meramente humano e a existência um legado e não um direito, daí a provisoriedade do planeta, de modo que toda a criação só poderia ser sustentada pela palavra do poder do Filho (Hb 1.3), e que milagre é o ambiente em que existimos, todas as criaturas.   

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A Bíblia conta que houve uma rebelião comandada por um dos mais poderosos anjos que Deus criou, e que a humanidade, seduzida por ele, aderiu à rebelião. Isso levou a humanidade viver sob o império das trevas, definiu a natureza humana como rebelde e mergulhou toda a criação num estado e ambiente de sofrimento. A Bíblia, também, conta como Deus veio buscar para si a humanidade perdida, o quanto isso custou e como Deus encaminhou o processo de retomada do conceito de humanidade. Por detrás dessa história tem uma série de questões que só se explicam pela graça. Deus sabe de tudo antes que aconteça, logo, sabia da queda humana. Deus é justo, sabia que o crime do ser humano não podia ficar impune, e que Ele não poderia manter-nos à revelia de nosso ato, e que isso comprometeria a existência de toda a criação, porque tudo foi orquestrado para que houvesse vida e a vida foi administrada para que houvesse o homem. Deus é a base da existência, sabia que nossa decisão significaria a perda do direito de existir. Deus tem um propósito em tudo o que faz, sabia que nossa decisão nos levaria a ser o oposto do que propusera para nós. Deus é juiz, sabia que o vivermos contrariamente ao seu propósito, significaria ser totalmente dominados pela maldade, o que acabaria por precipitar sobre nós o seu juízo, e tornaria inócua a manutenção de nossa existência. Daí depreendemos: Deus não criaria ninguém que não tivesse amado primeiro. Deus é amor que não precisa de retribuição, logo, nossa queda não tinha o poder de provocar a sua desistência. Deus, o Filho se entregou ao sacrifício antes da criação do mundo, porque, como a queda do homem, por ser o ápice da criação, implicaria na destruição de toda a criação, o que quer que tivesse de ser feito para impedir esse desfecho teria de acontecer antes do ato de rebeldia, a graça é o resultado desse sacrifício. A redenção veio antes da criação e a explica. A criação, por isso, é obra da graça. Deus comunicou a nós atributos que garantem nossa qualidade de vida, que impede que nossa natureza rebelde seja dominante, nos permitindo sobreviver o tempo suficiente para operacionalização da salvação, é isso que explica como gente que não teme ao Senhor consegue amar o próximo, a esposa, os filhos; como consegue ter senso do belo, do justo, do certo; essa graça é comum a todos, é a graça da manutenção, não da salvação, a graça da salvação é a graça especial. A graça comum é a amostra pálida do que poderíamos ser se não tivéssemos caído, o ser humano desfruta dela, mas é inconsciente dela, daí porque os homens pensam que são seus os méritos pelo bem e não temem nem são gratos ao Senhor; ainda que inconscientes da graça, só por causa da graça têm consciência de si, do outro e do que fazem e podem progredir e produzir progresso. A graça especial, que vem sobre aqueles a quem o Pai revela o Filho, lhes dá uma, ainda, pálida amostra do que serão, porém, eles já têm plena consciência da mesma, a graça especial restaura a comunhão entre a Trindade e o ser humano. Sem a graça não haveria existência, porém, se a graça nos garantisse só a existência sem nos comunicar a qualidade que os atributos concedem, seríamos como Nabucodonosor quando, por disciplina divina, viveu como uma besta fera, viveríamos num estado de total maldade e inconsciência. Tudo o que o ser humano tem de positivo em sua personalidade, de talento e de possibilidades físicas, intelectuais e emocionais é fruto da graça, todo o ato pecaminoso do ser humano é fruto do mau uso da graça, uma vez que para pecar é preciso decidir e decidir é fruto da graça. Qualquer ato de consciência no ser humano é fruto da graça e só é pecado se é ato de consciência. Por isso todo pecado é indesculpável, porque é resultado do uso da graça de Deus contra o Deus da graça; é usar das possibilidades da graça para dar lugar à rebeldia. Por isso todo pecado, antes de ser moral é ontológico, pois, ato no caminho da negação do que significa ser gente, é ato no caminho da rebeldia e, a rebeldia por nos levar a tudo que é contrário a Deus, nos leva ao que é, por definição, antihumano. Todo sofrimento e impossibilidade humana e cósmica é fruto da queda, por isso o sofrimento é meramente humano, foi a queda que gerou o estado de sofrimento, logo, sofrer passou a fazer parte da condição humana, toda a

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criação sofre por causa do homem, até o Criador sofre por causa do homem, aliás, o Criador foi o primeiro a experimentar o sofrimento. Deus pode usar o sofrimento, mas não é a sua causa. Deus, através de um povo, conduziu o processo de salvação, de modo que o que aconteceu antes da criação acontecesse na criação. É assim que Deus trata a questão do mal, o mal, como entidade, não existe, o que existe são criaturas maldosas, porque o mal é uma decisão, uma intenção, um comportamento: para Deus acabar com o mal tem de acabar com os seres maldosos, ele pode fazer isso pela aniquilação ou pela conversão, no caso dos homens Ele decidiu pela conversão. Deus não acabou com os anjos maus porque eles estão sob nossa jurisdição e seremos nós que os condenaremos. Deus salva a pessoa para formar a igreja, que é a retomada da humanidade, porque o homem à imagem e semelhança de Deus é um homem coletivo. Deus é uma família, criou alguém à sua imagem e semelhança, logo, criou outra família. O homem existe para expressar Deus e só o pode fazer se em comunidade. O diabo é apenas uma criatura qualquer criatura é finita enquanto o Criador é infinito. O finito é infinitamente menor que o infinito. Qualquer criatura é infinitamente menor que o Criador e não pode ser comparada com Ele.  O diabo, o mundo e a carne são inimigos da graça, a incredulidade e o não arrependimento são empecilhos à ação da graça.  Um ser humano salvo é alguém com o caráter de Cristo, a libertação emocional e a comunhão com Deus e com o próximo. Uma vida salva é uma vida digna, onde todos os direitos e todas as possibilidades permitidas pelos dons e talentos foram alcançados. Uma sociedade salva é uma sociedade que vive a plena comunhão amorosa, fraterna e solidária da unidade, é o que deve viver a igreja local, e é o que devemos tentar fazer da sociedade em geral, guardadas as devidas proporções. Um Cosmo salvo é um Cosmo livre do sofrimento. Um planeta salvo é um novo céu e uma nova terra, onde tudo é um grande e belo jardim, com tudo o que isso significa, e onde a cidade não destoa; logo, ainda que a criação, como a conhecemos, seja provisória, pois, criada para conviver com a morte e as trevas. Temos responsabilidade ecológica para com ela, a responsabilidade de levá-la ao estado de jardim, dentro das possibilidades que lhe são dadas. Eis uma consciência bíblica

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SOFRIMENTO

Perguntaram a Robert de Niro, num programa de tv: - Se o céu existe, o que você gostaria que Deus lhe dissesse quando chegasse lá?

Resposta: Se o céu existe, Deus terá  muito o que explicar!

Como muitas pessoas, inclusive cristã, ele estava indisposto com Deus por causa do sofrimento.

O sofrimento é coisa humana

Qual a gênese do sofrimento?

"E a Adão disse: Visto que atendeste a voz de tua mulher e comeste da árvore que eu te ordenara não comesses, maldita é a terra por tua causa; em fadigas obterás dela o sustento durante os dias de tua vida " (Gn 3.17).

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O sofrimento é resultado da desobediência do primeiro pai.

Sofrimento é coisa humana. O ato da humanidade teve implicação cósmica. Toda a criação foi imersa num ambiente de sofrimento.  O ser humano tornou-se frágil, propenso a enfermidades e o ambiente tornou-se perigoso, depósito de virus e demais anomalias que podem ser fatais à existência humana e das demais criaturas. Portanto, após a queda, viver é sofrer de alguma maneira. Toda a criação sofre. Mesmo os que não têm motivo para queixar-se, sofrem de algum jeito.

O sofrimento tornou-se parte da condição humana.

"Porque semeiam ventos e segarão tormentas." (Os 8.7).

O sofrimento é coisa humana porque, na esmagadora maioria das vezes, é fruto da decisão humana,  alguém decide mal e sofre e deflagra consequências.

Certa feita, no verão, época em que, em São Paulo, chove muito, por causa das chuvas, houve uma tragédia na cidade, grande parte de uma favela foi soterrada pelo deslocamento de terra. No dia seguinte, tomei um táxi. O motorista perguntou-me sobre a tragédia, inquirindo porque Deus permitia aquilo. Respondi-lhe que Deus nada tinha a ver com o fato em questão. Ele concordou que, sabendo como sabemos do poder da chuva morro abaixo, é um crime, explicável só pela ganância, construirmos cidades e economias, de tal maneira, que obrigam seres humanos a viverem de forma tal que suas vidas estejam sempre expostas a perigo iminente. Todos nós sabíamos que isso poderia acontecer a qualquer momento e ninguém fez nada. A tragédia foi o custo de nossas escolhas, de nossa maneira de construir cidades, do tipo de modelo econômico que privilegiamos.

Deus mantem o planeta funcionando, como disse a Noé: "Enquanto durar a terra, não deixará de haver sementeira e ceifa, frio e calor, verão e inverno, dia e noite." (Gn 8.22). Cabe a nós saber o que vamos fazer com isso

" Todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer." (Rm 3.12)

O sofrimento é coisa humana porque o homem tornou-se mal. 

Ao comer da árvore da Morte (a árvore do conhecimento do bem e do mal) a raça humana definiu que a marca de sua natureza seria a maldade. O homem tornou-se lobo do próprio homem. Toda a produção humana está, assim, por mais bem intencionada que seja, marcada pela maldade; seja o sistema político, o social,  o cultural ou o econômico. Isso só não é pior porque há uma ação da graça divina que ameniza os efeitos da queda na humanidade, o que torna a vida possível.

"Pois nós não estamos lutando contra seres humanos, mas contra as forças espirituais do mal que vivem nas alturas, isto é, os governos, as autoridades e os poderes que dominam completamente este mundo de escuridão."  (Ef 6.12).

O sofrimento é coisa humana porque ao romper com Deus, a humanidade colocou-se sob a opressão dos seres malignos.

Os seres que nos atrairam para a sua rebelião e que, por isso, passaram a controlar, através do domínio sobre os seres humanos (o que, também, é relativizado por ação da graça) o sistema econômicopolíticoculturalsocial, impingindo ainda maior sofrimento.

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O sofrimento: a comunidade pode e deve interferir

 "Ame os outros como você ama a você mesmo" (Mt 22.39).

A grande maioria do sofrimento humano seria resolvida pela própria sociedade se nos amássemos, como Cristo nos ordenou. Grande parte do sofrimento é resultado da ausência de solidariedade. A simplicidade e a profundidade deste ensino de Jesus está numa outra frase sua:- "Façam aos outros a mesma coisa que querem que eles façam a vocês" (Lc 6.31). É a idéia de colocar-se no lugar do outro e tratá-lo como gostaria de ser tratado naquela situação. A simples prática desse mandamento solucionaria grande parte do sofrimento do mundo, seja fisiológico, político, econômico ou social. Erradicaríamos a pobreza com suas conseqüências, e as injustiças de toda a ordem. Uma das tarefas da Igreja é viver essa solidariedade dentro e fora da comunidade da fé e, por meio dela, levar a sociedade a glorificar a Deus. "Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus." (Mt 5.16).

 O sofrimento vai ter fim

 " E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram." (Ap 21.4).

 Jesus veio para vencer a morte e, com ela, todo o sofrimento inerente. É promessa escatológica. É preciso compreender que está se desenrolando a história da salvação e tudo acontecerá a seu tempo. Agora é o tempo da colheita onde, em meio ao sofrimento, saímos chorando enquanto semeamos. (Sl 126.6).

 O sofrimento é usado por Deus

 "Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito." (Rm 8.28)

 Deus está administrando tudo o que nos acontece para que o produto final seja o nosso bem. De modo que tudo o que passamos, de alguma maneira, nos abençoa.

 " Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te vêem." (Jó 42.5)

 Mais, as vezes o sofrimento é necessário. A prioridade de Deus é aperfeiçoar-nos, isso pode, como no caso de Jó, custar sofrimento.

 O sofrimento é anterior à existência

 "Sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram,  mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo, conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo." (1Pe 1.18-20).

 Uma vez que o sangue de Cristo, preço pago pelo nosso resgate, é conhecido desde antes da fundação do mundo, logo a dor e o sofrimento também o são. Imaginemos uma reunião da Trindade: O Pai apresenta o ano da criação. O Espírito chama a atenção para o fato de que não vale apena criar quem vai se perder, pois, isso os lançaria à inexistência, uma vez que romper com Deus, que tudo sustenta, é saltar para o nada. O Pai afirma que haveria a saída de responsabilizar-se pelos homens. O Espírito levanta a questão de que tal decisão implicaria em que um deles teria de abandonar a Glória, humilhar-se à condição desses seres caídos, triunfar onde eles fracassariam e, voluntariamente, entregar-se à morte no lugar deles. O Filho que participava da conversa disse que iria. E a Trindade,  com o

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mesmo poder com que diria:- "Haja Luz" disse: "Haja Cruz". E o Deus Filho se fez o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo e, com os demais membros da Trindade sentiu a dor do sacrifício, do sofrimento que a humanidade, antes de existir, impôs a Deus. Se a Trindade não tivesse, em primeiro lugar dito "Haja cruz", não valeria a pena dizer: "Haja luz".

 Paulo explica que consolamos com a consolação que recebemos a partir de nossos sofrimentos, logo, quem não sofreu não pode consolar. Por isso é que Pai, Filho e Espírito Santo, o Deus Trino é o Deus de toda a consolação (Rm 15.5). A Trindade sofreu primeiro e sofre até agora (Col 1.24). Como disse o poeta Catulo da Paixão Cearense:- "Quem quiser conhecer o amor tem de conhecer a dor de Deus."

 "É ele que nos conforta em toda a nossa tribulação, para podermos consolar os que estiverem em qualquer angústia, com a consolação com que nós mesmos somos contemplados por Deus" (2Co 1.4).

  Lidando com o sofrimento

 Compreenda:

 1- O sofrimento é um problema nosso. Nós o impusemos ao universo.

 2- Todo mundo sofre, é parte da condição humana; uns mais outros menos, e isso é como uma roleta russa, pode pegar qualquer um em qualquer tempo. Ninguém é predestinado para  sofrer mais ou menos. Os cristãos não estão imunes ao sofrimento.

 3- É possível diminuir em muito o sofrimento humano. É questão de solidariedade. Ame o próximo, faça a sua parte. Como Deus reaja a todo o tipo de sofrimento. Estimule outros a fazer o mesmo.

 4- É possível evitar muito sofrimento. Tome as decisões certas. Siga os conselhos da Bíblia.

 5- Deus também sofre. Ele pode consolar você. Abra o coração para Ele.

 6- Mesmo em meio ao sofrimento, seja grato, Ele está administrando tudo que nos ocorre para o nosso bem. (Rm 8.28).

 7- Para superar o sofrimento e deixar de ser um agente dele é preciso renunciar ao mal, o que acontece à medida que vamos nos curvando ao Espírito Santo.

 8- Aprenda com o sofrimento. Torne-se consolador a partir da consolação que receber.

 9- Peça ajuda a Deus e aos irmãos, seja em oração, ajuda específica ou profissional, mas, reaja ao sofrimento.

 10- A vitória do ser humano não é não sofrer, mas não ser derrotado pelo sofrimento.

 O líder, acima de tudo, tem de saber conduzir o seu povo pelo sofrimento.

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Page 7: Textos de Ariovaldo Ramos

Em Cristo

Por: Ariovaldo Ramos

O sangue de Jesus atua, eficazmente, desde antes da fundação do mundo. (1Pe 1.19,20)

Por isso todas as coisas foram criadas. (Jo 1.3)

Sendo o sangue atuante desde antes da fundação do mundo, a história é anterior à fundação do mundo.

A história começa na decisão da Trindade.

Decisão pelo sacrifício, para poder criar os seres que decidiu criar, com as conseqüências que sabia que o arbítrio traria.

Como a criação se sustenta no sacrifício, o mesmo tem de ser anterior à criação; e o foi, por decreto. (Bíblia Shedd – comentário de 1Pe 1.19,20)

Sendo o sacrifício anterior à criação e o esvaziamento, necessariamente, anterior ao sacrifício, o esvaziamento é anterior à criação.

Compreenderia o esvaziamento do Deus Filho (Fp 2.5-8) um movimento duplo: primeiro toma a forma de servo e, depois, é achado em figura humana?

A Trindade criou o mundo em Cristo. (Col 1.15-17).

Por isso a criação não foi destruída na queda, porque estava em Cristo.

Cristo é o Deus Filho, esvaziado, em estado de sacrifício, cujo sangue (conhecido antes da fundação do mundo), reconcilia todas as coisas consigo, para a Trindade. (Col 1.20)

O Deus Santo não pode carregar pecadores, mas Deus, em estado de sacrifício, o pode.

Uma vez que o mundo precisou ser criado em Cristo, então, o pecado estava previsto.

O mundo foi criado em Cristo, logo, a Trindade em Cristo criou o mundo.

A Trindade em Cristo é a Trindade em estado de sacrifício, por meio do Deus Filho.

Tudo da Trindade estava em Cristo. (Col 1.19).

Page 8: Textos de Ariovaldo Ramos

Todas as coisas foram feitas por meio de Cristo (Jo 1.3), e, por meio dele, tudo subsiste. (Col 1.17)

Cristo é o mediador desde antes da fundação do mundo.

A Trindade estava em Cristo reconciliando consigo o mundo. (2Co 5.19)

A Trindade estava em Cristo falando com Moisés. (Jo 1.18; Ex 33.23)

A Trindade estava em Cristo criando o mundo. (Jo 1.3; Col 1.15-17)

Desde a decisão trinitariana de criar, início da história, a Trindade está em Cristo.

Cristo é a Trindade em estado de sacrifício por meio do Deus Filho em seu esvaziamento.

Por isso Jesus não pediu a glória que tinha antes da encarnação, mas a que tinha antes que o mundo existisse; que é antes da decisão de criar – porque tudo o que a Trindade decide, por decreto, é.

A monogamia e o caminho dos pingüins

O caminho para o relacionamento conjugal é o da monogamia, não por determinação genética, mas porque fomos criados à imagem de Deus, que é,

em si, uma unidade

08-02-2006 | Uma revista semanal publicou recentemente uma reportagem sobre como os fundamentalistas, através da aparente constatação da chamada “marcha dos pingüins”, que descreve o grande percurso que essas aves percorrem para acasalar-se, e, em grande parte, com os mesmos parceiros da marcha anterior, estão tentando demonstrar como a monogamia é o natural na dispensação divina da Criação. O comentarista da área de ciências dessa revista desancou os tais fundamentalistas, fazendo ver a ingenuidade e a simploriedade desse argumento antropomórfico, deixando claro que há outros fatos no comportamento dessa espécie que, por si só, desautorizam essa conclusão.

O comentarista da revista tem razão. É uma ingenuidade. Mesmo nas Escrituras, esse assunto passou por várias fases:

No momento da Criação, Deus ordenou a monogamia (Gn 3.24), e o relacionamento entre homem e mulher era de unidade. Dois seres, mas uma só carne. Duas vidas, mas um só caminho e uma só missão.

No evento da queda, Deus subordina a mulher ao homem, dizendo que ela seria governada por seu marido (Gn 3.16).

Depois disso, Deus desaparece da cena por sabe-se lá quanto tempo; quando reaparece, encontra a poligamia e, a rigor, não mexe nisso, embora ela signifique a exarcebação do governo do homem sobre a mulher.

Page 9: Textos de Ariovaldo Ramos

Quando Jesus Cristo aparece, ele manda voltarmos para o início (Mt 19.8), para o momento da unidade, quando o relacionamento não estava baseado na autoridade, mas na unidade – e, portanto, na cumplicidade.

Alguém poderá dizer que não é assim, porque Paulo diz que a mulher deve ser submissa ao seu marido. Entretanto, o próprio Paulo diz que está falando da relação entre Cristo e a Igreja (Ef 5.32). Nós é que não queremos prestar a atenção nisso, acabando por fazer uma má exegese. Quanto ao relacionamento conjugal, Paulo diz que o homem deve amar a sua mulher como a si mesmo e a mulher deve respeitar ao seu marido (Ef 5.33).

Portanto, não há dúvida, o caminho escolhido por Deus para o relacionamento conjugal é o da monogamia. Mas não por causa de uma determinação genética, nem por causa de um imperativo moral, mas porque fomos criados à imagem e semelhança de Deus, que é, em si mesmo, uma unidade. Logo, não há como ser expressão desse Ser sem, de alguma maneira, participar da unidade que o caracteriza. Daí ser na unidade da monogamia, da família e da comunidade que manifestamos a imagem de Deus. Sim, porque os anjos têm as mesmas qualidades cognitivas e volitivas que nós, mas são tidos como criaturas à imagem de Deus.

E, para além do corpo, que não nos distingue como imago Dei, o que experimentamos de Deus, diferentemente dos anjos eleitos, é que, guardadas as devidas proporções, somos as únicas criaturas de Deus que experimentam a unidade que o distingue. A monogamia não é natural, mas litúrgica. A monogamia fundamentada na unidade. Qualquer outro tipo de relacionamento no casamento conspurca a imagem de Deus.

 

Ariovaldo Ramos é filósofo e teólogo, além de diretor acadêmico da Faculdade Latino-americana de Teologia Integral, missionário da Sepal e presidente da Visão Mundial. É membro da equipe editorial da Edições Vida Nova.

Não era para ser assim

“A sociedade não pode capitular diante da violência, porém nossa arma mais poderosa é a conduta firme e ética sob o manto do estado de

direito”13-01-2006 | Hoje é dia 13 de janeiro. Acabo de chegar de um ofício fúnebre. Bem, não é a primeira vez que ajudo a oficiar um triste evento como tal. Esse, entretanto, vem carregado de tintas fortes. No caixão estava um menino de 22 anos, segundo testemunhas, morto por policiais militares enquanto tentava se entregar, afirmando que estava desarmado. Levou três tiros nas costas e um no peito.A história que contavam no enterro é a de que o rapaz, desobedecendo a orientação de outros colegas de vida, que lhe recomendaram parar assim que se deparasse com qualquer viatura policial e imediatamente se entregar, acelerou diante da visão de um carro da polícia que fizera sinal para parar. Ele perdeu o controle do veículo e chocou-se contra um muro. Conseguiu escapar do automóvel e fugiu a pé, foi alcançado pelos policiais que, diante, de sua reação, foram-lhe ao encalço. Vendo-se descoberto, apresentou-se, segundo testemunha, com a intenção de entregar-se, alegando estar desarmado, e houve o desfecho.A família estava lá. Os companheiros, com certeza. No entanto, a mais tocante das presenças era de seu filhinho de cerca de 5 anos, chorando inconsolável. Claro, estavam os crentes da periferia, e eu fui chamado por um amigo que não queria oficiar sozinho um evento com tanto peso. O menino não era nenhum santo. Era, segundo se dizia, membro de alguma das organizações do crime e, aparentemente, uma das vítimas do que ameaça se tornar uma guerra aberta entre polícia e bandido – que, diga-se, os bandidos começaram.Diante de um quadro como esse, para além das palavras que tentam consolar o inconsolável, que tentam dar esperança no desespero, a gente não sabe o que dizer. Todos nós assistimos

Cena do documentário Favela rising: respeito à Lei para vencer a barbárie

Page 10: Textos de Ariovaldo Ramos

as cenas de barbárie que têm culminado na morte brutal de policiais. Gente também jovem. Gente do lado da Lei. Pais de filhos e filhos de pais. Gente que foi pega desprevenida porque não sabia dessa aparente guerra até que desabasse sobre ela. Que tipo de ânimo está a eclodir em algo que pode tornar-se uma conflagração aberta? E que tipo de ânimos tudo isso está despertando? Essa versão corresponde aos fatos? Não sei; de fato poucos o sabem. Porém, se a versão não é correta, ela corresponde a uma tentação, que pode tornar-se cada vez mais forte, por parte dos agentes do Estado. Como não compreender o medo de ser o próximo? De um lado ou do outro? O que dizer?A única coisa que me ocorre é clamar pelo estado de direito. A violência oprime, ainda mais a covarde e gratuita; mas, o Estado não pode se confundir ou ser confundido com o banditismo. Só o respeito à lei vence a barbárie. Execução sumária é coisa de bandido. O Estado faz vingar a lei.A sociedade civil, democraticamente organizada, não pode capitular diante da violência contra os seus valores e representantes; porém a arma mais poderosa da nossa militância é a nossa conduta firme, enérgica e incisiva sob o manto do estado de direito. "Imperius Lex" é a máxima da sociedade. Senhor Governador agora chegou a hora do Senhor demonstrar a força de sua liderança. Liderança que só o respeito à lei legitimará.www.lideranca.org/ramos 

Ariovaldo Ramos é filósofo e teólogo, além de diretor acadêmico da Faculdade Latino-americana de Teologia Integral, missionário da Sepal e presidente da Visão Mundial. É membro da equipe editorial da Edições Vida Nova.

Seria Deus o culpado?

Se as mazelas do mundo fossem a vontade divina, Deus teria muito do que se explicar

20-11-2005 | “Se Deus existe, ele terá muito do que se explicar.” Esta foi a resposta que o ator Robert DeNiro deu à pergunta “Se o céu existe e você chegasse lá, o que você gostaria de ouvir de Deus?”, feita pelo apresentador que o estava entrevistando num programa da TV americana. DeNiro parece não conseguir lidar bem com a questão do sofrimento e para ele (sua afirmação o sugere), Deus é o culpado.

Antes de repreender o ator por seu ateísmo e descrença no amor de Deus, veja o que escreveu o consagrado pastor batista americano Rick Warren em seu livro Uma vida com propósitos, editado no Brasil pela Editora Vida:

 

Deus determinou cada pequeno detalhe de nosso corpo. Ele deliberadamente escolheu sua raça, a cor de sua pele, seu cabelo e todas as outras características. Ele fez seu corpo sob medida, exatamente do jeito que queria.

(página 22)

 

Se isso é verdade, então Deus é o culpado por todo o mal congênito de que sofra qualquer ser humano. E não só pelos hereditários, mas pelos provocados por fatores impostos pelas circunstâncias, uma vez que o autor afirma: “O propósito de Deus levou em conta o erro humano e até mesmo o pecado” (página 23).

Na cidade de Santo Amaro da Purificação, no Estado da Bahia, uma empresa foi acionada por ter contaminado a água da região com mercúrio, causando mortes e o nascimento de crianças

“Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que

foram chamados de acordo com o seu propósito” (Rm 8.28)

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com sérios problemas e anomalias, condenando-as a sofrimento atroz para o resto de suas vidas. E o que dizer às crianças que nascem soropositivos? Se o pastor americano está certo, isso foi vontade de Deus. Ele é o culpado.

 

Uma vez que Deus o fez por um motivo, ele também decidiu o momento de seu nascimento e seu tempo de vida (...) escolhendo o momento exato de seu nascimento e de sua morte.

(página 22)

 

Se isso é assim, não fazem sentido versículos como: “Mas tu, ó Deus, farás descer à cova da destruição aqueles assassinos e traidores, os quais não viverão a metade dos seus dias” (Sl 55.23); ou: “O temor do Senhor prolonga a vida, mas a vida do ímpio será abreviada” (Pv 10.27); ou ainda: “Não seja demasiadamente ímpio e não seja tolo; por que morrer antes do tempo?” (Ec 7.17); ou mais: “Orem para que a fuga de vocês não aconteça no inverno nem no sábado” (Mt 24.20). Ou situações como a descrita em Atos 27, em que Paulo profetiza um desastre para a viagem, com prejuízo para a vida dos embarcados (versículo 10), não sendo, porém, ouvido; contudo, após 14 dias de oração, recebe de Deus a confirmação de que não somente seria salvo, como, por graça, recebera a vida de todos os que com ele navegavam (versículo 24).

 

Ele planejou os dias de sua vida antecipadamente.

(página 22)

 

A quem este tipo de informação inclui? Porventura, inclui as crianças que estão sob toda sorte de abuso? Ou as mulheres que sofrem toda espécie de aviltamento? Ou os seres humanos que estão sob todo tipo de tortura? Ou os que estão entre os despossuídos, carecendo de um mínimo de dignidade? Então, Deus é o culpado?

 

Deus também programou onde você nasceria e onde viveria para o propósito dele.

 

É isso que devemos dizer aos que vivem em submoradias, aos que não conseguem ir ao trabalho, qualquer que seja ele, por que moram em regiões onde, por causa da guerra, onde eram apenas vítimas, há minas explosivas espalhadas por toda parte? Também, há os que são obrigados a ver seus filhos expostos a esgoto aberto. Tudo isso, então, é para o propósito de Deus?

Há coisas que são fáceis de dizer quando o público é composto das classes média e rica. Estes, porém, constituem a minoria no mundo. Minoria dominante; porém, o menor grupo da humanidade. A maioria da humanidade padece de pobreza, enfermidade e ignorância. Se tudo isso é a vontade de Deus, o ator de Hollywood está certo. Se Rick Warren, nessa questão, está certo, Robert DeNiro está também.

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Nosso irmão, ainda que bem intencionado e de ter em seu texto ótimos conselhos, parece não ter levado em conta a questão de que a queda humana alterou a lógica da Criação, com conseqüências cósmicas e microcósmicas, daí todas as mazelas em todas as dimensões. É verdade que a relação entre a soberania divina e a responsabilidade humana é uma grande incógnita para todos; porém, não é com simplismos, tais como “Deus não sabe o futuro” ou “Deus tudo determinou”, que vamos chegar à solução dessa equação. Precisamos da coragem para afirmar que Deus é soberano e o ser humano é responsável, ainda que não o compreendamos por completo.

Quanto ao cumprimento dos propósitos divinos, temos a afirmação de que, em relação a seus filhos, “sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito” (Rm 8.28). Quanto às demais questões, “Deus estabeleceu tempos e datas pela sua própria autoridade.” (At 1.7).

 

Ariovaldo Ramos é filósofo e teólogo, além de diretor acadêmico da Faculdade Latino-americana de Teologia Integral, missionário da Sepal e presidente da Visão Mundial. É membro da equipe editorial da Edições Vida Nova.

"Não verás país como este" (Olavo Bilac) 03-10-2005 |

"Em parceria com a Ação Educativa, o Ibope informou que 75% dos brasileiros são analfabetos ou semi-analfabetos; oscilam entre não saber ler, ler e não entender e entender pouquíssimo

do que leu." Gilberto Dimenstein

Um amigo me enviou os dados mencionados por Dimenstein. Fiquei e ainda estou em estado de choque. Esses dados revelam que o "apartheid", vencido na África do Sul, se instalou por aqui de forma, aparentemente, inexorável, pois, esse é uma quadro irreversível a curto e a médio prazo. Nós não temos uma nação, de fato, nem mesmo um país. O que temos é um estado de espoliação de seres humanos, submetidos a uma situação aquém da escravidão – porque o escravo, pelo menos, sabe de sua condição. A esses brasileiros tem sido negado o direito ao conhecimento e ao reconhecimento, até mesmo de si; estamos, portanto, diante de um crime contra a humanidade.

Esses dados fazem os arautos da teoria da conspiração se encher de razão. Como explicar um dado dessa magnitude? O que houve com nosso sistema educacional? Sim, porque desses aproximadamente 128 milhões de brasileiros, cerca de 104 milhões passaram por algum tipo de escola. E quanto dessa realidade as escolas estão gerando em seus bancos? Lembro-me de ter conversado com um jornalista que, na construção de uma matéria sobre educação fundamental, colocou diante de um menino da quinta série um livro de historia infantil dos mais simples, apenas para, constrangido, assistir ao choro sentido e envergonhado de um pré-adolescente incapaz de ler o que estava diante de si.

Crime, crime, crime... Não há outra afirmação a fazer. Temos de repensar tudo. A começar do que significa caminhar para a justiça social. Se simplesmente redistribui-se a renda sem a correção dessa ignominiosa situação, basta pouco tempo para que a distorção econômica volte a ocorrer. A primeira de todas as socializações necessárias para a superação da miséria é a do conhecimento. Temos de revisitar nossas ênfases; no Brasil, qualquer governo só poderá ser considerado bem sucedido se conseguir reverter esse quadro desesperador. Tanto quanto Fome Zero, necessitamos de Ignorância Zero!

Esses dados falam da sucessão de governos irresponsáveis, para dizer o mínimo, e de uma elite maligna e deletéria. Aliás, não é elite, é conluio de apropriadores indébitos. Tínhamos todos de sair às ruas, tínhamos de cobrar responsabilidades. Todos os nossos políticos tinham de ser cassados. Temos de reinventar o Brasil, se quisermos ver-nos país, e ainda não falamos

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de nação. Agora sabemos o porque não veremos país como este. É que este não é país nenhum. Atribui-se a Charles De Gaulle a frase: "O Brasil não é um país sério." Ele errou, faltou-lhe uma virgula, a frase deveria ser: "O Brasil não é um país, sério!"

As Igrejas não têm mais o direito a adorar a Deus. As instituições financeiras não têm mais o direito a lucrar como o logram. As indústrias não podem mais produzir o que produzem e como o produzem. As escolas que ensinam não têm mais o direito a ensinar o que ensinam a quem ensinam. O aparato policial não tem mais o direito a prender a quem prendem. As autoridades não têm mais o direito a estar onde estão – não têm mais o direito a governar, a legislar, ou a julgar. Os partidos políticos não têm mais o direito a pedir voto. Continuem calados os intelectuais. A imprensa não tem mais direito à notícia, à opinião ou à liberdade. Nada mais será legítimo, até que todos se comprometam a envidar todos os esforços para sanar essa dívida social que está exterminando um povo. Tiremos os chapéus, todos, o féretro que passa é o nosso.

 

Ariovaldo Ramos é filósofo e teólogo, além de diretor acadêmico da Faculdade Latino-americana de Teologia Integral, missionário da Sepal e presidente da Visão Mundial. É membro da equipe editorial da Edições Vida Nova.

Uma viagem em busca de significado 17-09-2005 | "Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça; a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa." (2 Timóteo

3.16,17)

Estive no 3º Congresso de Teologia Vida Nova, que versou sobre a questão da hermenêutica. Sabe como é, temos tantas pregações e formas de igrejas que, a menos que entendamos de onde cada um – quando diante da Bíblia – tira a sua mensagem, chegaremos a um estado de absoluta impossibilidade de nos entendermos. Serão discursos sem som e sem sinais, falas ininteligíveis. O encontro foi uma tentativa de, pela compreensão dos métodos de interpretação dos vários atores, construir pontes. Mas o congresso foi muito além de seu objetivo inicial, de ser algo descritivo, e partiu para a formulação de propostas.

Paulo Romero nos informou que os pentecostais estão fazendo autocrítica e, sem abandonar a experiência, estão buscando formular uma hermenêutica consistente. Esta é uma boa e bem-vinda notícia.

Já o Prof. Leonildo Campos fez-nos ver que os neo-pentecostais não têm uma hermenêutica. Têm um negócio onde o texto deve emular uma fé que permita ao crente esfregar a lâmpada mágica que aprisiona Deus na aridez de sua soberania e o aprisionar ao possuidor da fé – embora eles digam “está amarrado” ao diabo, é a Deus que querem amarrar.

Entrementes, foram devidamente denunciados o liberalismo e o seu sucedâneo, o neo-liberalismo (Julio Zabatiero), assim como o subjetivismo (Estevan Kirschner), ainda que a subjetividade tenha sido valorizada.

Graças a ótima explanação da Dra. Tereza Cavalcante, nos demos conta de como o Vaticano II protestantizou um segmento significativo do catolicismo, a ponto de relativizar a figura de Maria e de gerar uma nova onda de mártires. Morrendo por Jesus e por seus pobres, esses novos católicos nos desafiam a demonstrar a relevância de nossa fé.

A cultura, principalmente na exposição de Donald Price, e o povo (Teresa Cavalcanti) receberam, finalmente, a honra que lhes é devida, como mediadores da leitura do texto sacro.

Surpresas

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1 - Apesar de todo o preconceito que se possa urdir sobre pensadores do "terceiro mundo", habemos inteligentia, i.e., temos eruditos de qualidade incontestável. Assistimos um show após o outro, uns mais show do que outros, mas todos brilhantes.

2 - O método histórico-gramatical e o método histórico-crítico foram, tanto por Julio Zabatiero como por Luiz Sayão, denunciados como farinha do saco iluminista e instados a se reciclarem, ainda que o histórico-gramatical tenha sido apontado (Sayão) como sendo dos males o menor.

3 - O fundamentalismo sociológico, demonstrou-o Zabatiero, é neo-liberal, logo não evangélico – "Os extremos se encontram", já disse Aquino.

4 - Foi nos revelado – pelo menos foi isso que se depreendeu da palestra de Luiz Sayão – que apesar da antipatia que os neo-pentecostais parecem despertar são eles os verdadeiros herdeiros de Schleimacher, Heidegger, Bultman e Nietzsche, pois, como sugerido por estes, tomaram o texto sacro para si sem nenhuma consideração para com a intenção dos autores, sejam os mediatos ou o Autor por excelência.

5 - Quase todos, até os mais ortodoxos atacaram a teologia sistemática – parece que todos desistiram de uma explicação que compreenda o todo. Será ponto para os existencialistas e para os filósofos da linguagem?

6 - Tivemos duas propostas desafiadoras: a amplitude da influência da cultura na formação da própria Bíblia (Donald Price) – que nos liberta de uma abordagem ingênua, nos chama a uma maior interação com o texto e com a cultura que almejamos alcançar e nos leva à maior necessidade de dependência do Espírito Santo – e uma nova hermenêutica baseada no sentido da ação (Julio Zabatiero), que, embora não tenha sido aprofundada, acena para nos libertar da modernidade, aguçando nossa curiosidade e esperança – esperemos.

Permeando toda a reflexão ecoava a voz de Ricardo Agreste que, em todas as devocionais, nos instava ao temor do Senhor, uma vez que fazer hermenêutica é aventurar-se em Terra Santa, e não se faz isso impunemente.

Conclusões

1- Fomos desafiados a buscar, no texto, o sentido que faça sentido para os que carecem de sentido, sem perder o sentido do texto e o sentimento de Deus.

2- Fomos colocados diante da complexidade e da tarefa da simplicidade – logo da necessidade – de caminharmos da Ciência mais em direção ao Espírito Santo, o grande tradutor da Trindade.

3 - Viva a Bíblia! Que outro livro desafia tanto? Que outro livro, mais do que a Esfinge, exige ser decifrado? Que outro livro necessita tanto ser buscado em seu sentido para que tudo tenha sentido? Todos os palestrantes, com a qualidade profundidade e relevância de suas participações, afirmaram : a Bíblia é o livro!

4- Viva o Espírito Santo! No Pentecostes, Ele deixou claro que Deus tem uma mensagem e quer ser entendido, e que Ele é o grande intérprete. E vale dizer que Ele tem conseguido se fazer entender – o que nos surpreende é que o consiga por meio de tantos métodos e que em todos eles encontre arautos e mártires. Isto nos exorta à compreensão de que só no exercício de nos ouvirmos mutuamente é que acabaremos por ouvir o Santo Intérprete.

O grande desafio é lembrar que qualquer que seja o método, ele tem de se submeter ao parâmetro por excelência: amor a Deus acima de todas as coisas e amor ao próximo da forma como Cristo nos ama.

Soli Deo glori, Soli Cristo imitatio

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Ariovaldo Ramos é filósofo e teólogo, além de diretor acadêmico da Faculdade Latino-americana de Teologia Integral, missionário da Sepal e presidente da Visão Mundial. É membro da equipe editorial da Edições Vida Nova.

Para quem quer mudar o Brasil 03-05-2005 | "Ai dos que ajuntam casa a casa, reúnem campo a campo, até que não haja mais lugar, e ficam como únicos moradores no meio da terra!" (Isaías 5.8)

"E, sobre ela, choram e pranteiam os mercadores da terra, porque já ninguém compra a sua mercadoria... e até almas humanas." (Apocalipse 18.11, 13b)

Na estrada da transformação do Brasil, uma medida se impõe – a reforma agrária. O País tem sofrido de aguda injustiça fundiária desde o seu nascedouro: as chamadas capitanias hereditárias, onde nobres portugueses recebiam incomensuráveis glebas de terra no Brasil, foram os meios escolhidos pela coroa portuguesa para incentivar a colonização do novo território. Desde então, a nação brasileira sofre a desdita de ver grande parte de seu ativo fundiário nas mãos de poucos proprietários, isso sem contar que muitos destes proprietários galgaram essa posição por meios violentos e ilegais. Nada é tão confuso e tão eivado de corrupção no País quanto a questão da posse da terra.

Uma das questões que subjazem nesse desafio nacional é o princípio de que, uma vez que você tenha poder aquisitivo, você pode ter o quanto de terra e casa você quiser. Como se pode perceber, o princípio que norteia os textos bíblicos acima é contrário a esse paradigma; isto é, o texto impõe limites, ninguém pode ter tudo o que quer só porque pode. O princípio das Escrituras impõe limites ao poder aquisitivo. E esse é o primeiro padrão que precisa ser atacado no País – é preciso impor um limite à posse, tanto ao número de propriedades, quanto ao tamanho das mesmas. Segundo as Escrituras, ninguém pode concentrar propriedades a ponto de ameaçar a moradia ou direito à terra de todos, que é justamente o que acontece no Brasil.

Concentrando-nos na questão agrária nos damos conta de que o País sofre, ainda, a agravante de que o latifúndio pratica a monocultura, movido por aquilo que o mercado internacional paga melhor – que é o princípio do chamado agronegócio. Esse princípio compromete a agricultura de subsistência, responsável pela produção de alimentos, e é responsável pelo êxodo rural, pelo aprofundamento da pobreza e pela utilização dos transgênicos, atentando contra a economia popular e contra a soberania nacional.

No caso dos transgênicos, este atentado acontece porque acabamos por pagar "royalties" por algo em que, até então, éramos soberanos (há ainda que se considerar que os transgênicos transformam seres humanos em cobaias e submetem o meio ambiente a impacto não prognosticável). Já no caso do agronegócio, somos atingidos ao vendermos os grãos e depois os readquirimos após beneficiamento realixado pelos nossos antigos clientes, agora credores.

Lamentavelmente, o governo popular, eleito para dar cabo a essa série de injustiças e de encabrestamento da economia nacional, tem capitulado e sido cooptado por interesses que só fazem perpetuar esse estado de abuso. Esse governo, além de não cumprir as metas que estabelece em relação à reforma agrária, não consegue sequer fazer votar uma lei que coloque à disposição dessa reforma as terras onde for encontrada a prática de trabalho escravo – e estima-se que, em números absolutos, há, hoje, no País, mais escravos do que no tempo da escravatura. A Igreja tem de ser agente dessa mudança pelo ensino, pela oração, pelo protesto, pela denúncia. Quem sabe não conseguiríamos levantar um milhão de assinaturas e provocar a votação de uma lei que puna severamente os que praticam trabalho escravo, além de colocar as suas terras, imediatamente, à disposição do programa de reforma agrária.

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Ouvi de um especialista em direito que no Brasil se dá mais valor ao direito à propriedade do que ao direito à vida. Enquanto isso não mudar, não haverá um País novo. Precisamos levar o Brasil à submissão ao padrão bíblico também na questão fundiária. A teologia pode ser posta em prática.

 

Ariovaldo Ramos é filósofo e teólogo, além de diretor acadêmico da Faculdade Latino-americana de Teologia Integral, missionário da Sepal e presidente da Visão Mundial. É membro da equipe editorial da Edições Vida Nova.

Deus e as tsunamis 09-01-2005 | Recebi um destes textos que caminham aleatoriamente na internet. Foi-me redirecionado e não vou citar o autor porque a gente nunca sabe quem, de fato, escreve esse tipo de texto – não seria a primeira vez que um suposto autor teria de negar a autoria de um texto, onde seu nome foi indevidamente aproveitado, daí, vou poupá-lo disso. O texto parece ser de alguém que, sinceramente, foi afetado pela recente tragédia na Ásia, de modo a levantar questões sobre Deus e sua atuação na história. Vou me atrever a comentar alguns trechos do texto, que estão em itálico a seguir.

Acredito que diante duma tragédia dessa magnitude precisamos repensar alguns conceitos teológicos. Por exemplo: o que significa a palavra Soberania; o que se entende por Onipotência? Conceitos como esses significam o que dentro dos paradigmas das ciências sociais pós-modernas? Será que não estamos insistindo em ler as Escrituras com as mesmas lentes dos medievais? Não projetamos para a Divindade as mesmas idéias que eles nutriam sobre seus reis déspotas?

O que o fato de Deus ser soberano e onipotente tem a ver com isso? Quem disse que esses atributos fazem de Deus um seguro contra desastres? Soberania significa que Deus reina inconteste, que não há quem possa rivalizar com ele, como diz o Houais, em seu dicionário, soberano é o "que exerce o poder supremo, tem autoridade; que exerce, sem restrição nem neutralização, poder ou autoridade; que detém o poder; dominador, influente; que impõe decisão, que define; decisivo, poderoso ou potente nos seus atos e efeitos; poderoso, infalível; que ocupa o primeiro lugar; que atinge o mais alto grau, excelente no seu gênero; excelso, notável, magnífico, supremo; que tem saber e presença absolutos, e, em conseqüência, conduz, protege, rege, domina (o destino, a vida etc.)". A soberania de Deus fala da extensão de sua autoridade e não o que Ele fará com ela. Assim, também, a onipotência fala da extensão do poder de Deus – não determina como ele o usará. Os conceitos de soberania e de onipotência divinas não são medievais, mas estão caracterizados em Isaías 49.9-19; Romanos 8.18-39; Gênesis 1.1-3; Hebreus 1.3, por exemplo. “A Bíblia declara que Deus está pondo em prática seu plano soberano para a redenção do mundo e que a conclusão é certa. (...) A história da redenção, de Gênesis a Apocalipse, só é possível porque o Deus soberano ama sua criação, embora decaída, e tem poder para resolver esse problema. Sem o soberano amor do Pai, ministrado através do Filho e do Espírito Santo, não haveria verdadeira liberdade para a humanidade nem qualquer esperança de vida eterna” (Dicionário Ilustrado da Bíblia; verbete "Soberania de Deus", Edições Vida Nova, 2004, p. 1353). Este é o sentido que o conceito de soberania tem para a teologia clássica. Além disso, sobre o planeta temos duas informações elucidativas: (1) a Terra se tornou maldita (afetada em seus fluxos cíclicos) por causa de nosso pecado (Gênesis 3.17-19), deixando clara a abrangência cósmica de nosso ato, uma vez que o universo é uma malha milimetricamente constituída; e (2) Deus mantem a Terra funcionando, em todos os seus processos, com tudo o que isso, depois da queda, significa (Gn 8.22), cabendo a nós os devidos cuidados com o que isso implica.

Estou convencido que a teologia clássica não responde mais às indagações que nascem diante de eventos fortuitos que matam indiscriminadamente; sequer consegue lidar com a aleatoriedade quântica ou com os movimentos despropositais da natureza. Sinto que a mensagem evangélica utilitária e geradora de sentimentos ensimesmados, perdeu seu sentido, mesmo tendo dominado o cristianismo ocidental por séculos.

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Sem dúvida, a teologia clássica não tem como responder perguntas que, à altura de sua formulação, sequer eram feitas, mas isso não passa pela questão da soberania e da onipotência divinas. A mensagem evangélica não é utilitária nem geradora de sentimentos ensimesmados; de certo, há evangélicos – ao menos, assim se classificam – que proclamam tal teologia, mas esta não é evangélica. A teologia evangélica esclarece o mal que se abateu sobre a humanidade, anuncia o sacrifício divino por nós como única porta de vitória sobre este mal, nos diz o que se espera que façamos diante disso e mostra o tipo de vida que essa decisão deverá desencadear: o amor a Deus acima de todas as coisas e o amor ao outro, a ponto de dar a vida por ele, se necessário for (1 João 3.16).

Admito que não há respostas fáceis. Eu não saberia como consolar os parentes das mais de sessenta mil pessoas mortas – um terço eram crianças. Porém, estou certo que precisamos rever os alicerces em que montávamos nosso edifício teológico.

Realmente, não há respostas fáceis, e não há como consolar, pois só consolamos com a consolação com que fomos consolados (2 Coríntios 1.4), e estamos diante do insólito. Este é um consolo que só o Espírito Santo pode oferecer. No entanto, podemos chorar juntos e socorrer.

Hoje sei que Deus não nos criou com o intuito de micro gerenciar todos os nossos atos. Ele não queria que formássemos sistemas religiosos em que O responsabilizaríamos por triunfos e tragédias humanas. Precisamos tomar cuidado quando afirmamos: Deus é amor! O que essa frase significa em relação à Sua ausência misteriosa? Quais as últimas implicações do Seu desejo de se relacionar com a humanidade? A não-onipotência de Jesus Cristo é semelhante à não-onipotência de Jeová? Só uma réstia da revelação brilha em minha alma: o Deus da Bíblia soberanamente criou o universo, mas ao formar mulheres e homens, abriu mão de sua Soberania para estabelecer relacionamentos verdadeiros. Ele não se despojou de sua natureza onipotente, que por definição não podia fazer, mas se esvaziou de suas prerrogativas divinas – evidenciadas em Jesus Cristo.

Deus nos criou seres responsáveis, logo não nos "microgerencia"; interfere, sem dúvida, mas não nos tolhe a liberdade. Por que precisamos tomar cuidado com a frase "Deus é amor"? Quem disse que a ausência que permite a criança andar sozinha é falta de amor? E o que sabemos do amor para que tenhamos esse medo? E quem disse que o amor de Deus precisa de defesa? Ou então, quem nos constituiu advogado de Deus? E em tudo isso, diante de tudo o que falou e advertiu, do que Deus pode ser acusado? Javé jamais abriu mão de sua onipotência. Jesus, sim, é Deus Filho encarnado e esvaziado de suas prerrogativas divinas. Que Deus cedeu espaço existencial para que outras consciências pudessem coexistir com a dele, não resta dúvida, mas, que para ter relacionamentos verdadeiros tivesse de abrir mão de sua soberania não faz o menor sentido. Deus pode ser absolutamente verdadeiro em seu relacionamento conosco sem precisar abrir mão de um milímetro de sua soberania, da mesma forma como Jesus, mesmo sabendo que haveria de ressuscitar a Lázaro, chorou com todos os demais a dor da perda do amigo diante da tragédia da morte. A solidariedade de Deus está em compadecer-se e não em abrir mão de sua soberania. E a compaixão de Deus gerará o que, em sua sabedoria, Ele entender que precisamos, não, necessariamente, o nosso desejo.

Não, Ele não pôde evitar a catástrofe asiática. Assim, sinto que a morte de milhares de pessoas, machucou infinitamente mais o coração de Deus do que o meu – o sofrimento é proporcional ao amor. O pouco que conheço sobre Deus e sobre seu caráter me indica que há muitas lágrimas no céu.

Sim, o céu está em lágrimas. Mas é preciso que nos lembremos que o que impede Deus não é a ausência de poder, mas o seu caráter comprometido com a liberdade humana. Foi esse caráter que o fez proferir: "Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir teus filhos como a galinha ajunta os do seu próprio ninho debaixo das asas, e vós não o quisestes!" (Lucas 13:34).

Outros argumentam que Deus não pode ser responsabilizado por um holocausto, pelos simples fato de que não foi Ele quem colocou as pessoas pobres naquela situação de extrema miséria.

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Esses afirmam que embora Deus já soubesse todos os desdobramentos do terremoto, não fez nada, porque queria manifestar sua glória a um mundo rebelde. Será que a glória de Deus custa tão caro? Meu coração continua insatisfeito.

Tirei esse trecho da ordem em que aparece originalmente no artigo apenas para facilitar didaticamente os comentários. Deus não pode ser responsabilizado pelo desastre porque não foi Ele que o provocou; trata-se de um fenômeno natural e não é a primeira vez que acontece – o último de que se tem notícia foi há 40 anos. Ademais, não é algo cuja possibilidade Ele não nos tivesse advertido. Este cataclismo assumiu tais proporções por causa da irresponsabilidade humana no trato com o próximo e na ordem de prioridades estabelecida como resultado de seu labor econômico. Por que responsabilizar Deus pela displicência humana? O que deveria nos escandalizar nesse evento não é a pretensa cumplicidade divina, mas a desumanidade que, paradoxalmente, tomou forma em nós. Esta desumanidade se manifesta de forma estarrecedora em momentos como esse, e continua a se manifestar na tímida reação das nações poderosas que, além de não assumirem que o modelo econômico que impuseram ao mundo é o grande causador dessa catástrofe, não estão socorrendo os vitimados com a eficácia e a possibilidade que detêm, deixando claro o nível de consideração que dispensam para com aqueles a quem impõem a pobreza que as enriquece. Sim, Deus não precisa de expedientes dessa natureza para manifestar sua glória. Até porque eles não a manifestam, uma vez que a glória de Deus é a sua bondade (Exôdo 33.19). Quanto ao custo da glória de Deus? A cruz, a morte do Deus Filho. Há um custo maior do que esse? Não! Enfaticamente, não!

Mas Deus podia e pode se fazer presente no meio da tragédia. Ele podia ter evitado muitas mortes, se déssemos ouvidos aos seus princípios e verdades e a humanidade usasse o dinheiro gasto em armas e bombas para viver num mundo mais justo. Bastava que um sistema de alarme, construído pelos homens, tivesse soado e muitas vidas teriam sido poupadas. Agora, o rosto de Deus se evidenciará nos pés e nas mãos de cada voluntário que acudir aos que choram.

Isso, sim. A desobediência, a ganância e a irresponsabilidade humanas constituem a gênese e a exacerbação do sofrimento! E, sim, nesse voluntariado sacrificial a “imago Dei” se fará notar.

Continuo perplexo diante de tudo o que nos sobreveio e sem todas repostas, mas espero que minhas intuições estejam me conduzindo no rumo certo.

Sim, amigo, estamos todos perplexos, mas cuidado. A intuição nunca foi uma boa condutora, principalmente quando o assunto é teologia e o personagem em pauta é Javé, o triúnico Deus!

 

Ariovaldo Ramos é filósofo e teólogo, além de diretor acadêmico da Faculdade Latino-americana de Teologia Integral, missionário da Sepal e presidente da Visão Mundial. É membro da equipe editorial da Edições Vida Nova.

Teologia e lógica

Ao criticar uma teologia que defende que Deus abriu mão do conhecimento do futuro, Ariovaldo Ramos mostra que a teologia tem de ter um mínimo de lógica

17-10-2004 | Num desses dias, estava conversando com um seminarista e ele me falava sobre uma teologia que ele chamava de teísmo aberto. Segundo ele, esta teologia ensina que Deus abriu mão da prerrogativa de saber o futuro e que o porvir é, para Deus, uma surpresa tão grande como é para nós. Deus, então, estaria vivendo a história com a mesma intensidade que nós a vivemos. Eu retruquei dizendo que Deus não precisa ab-rogar sua sabedoria sobre o futuro para viver intensamente a história, pois Cristo sabia que Lázaro ressuscitaria e, mesmo assim, chorou. Deus consegue se auto-esvaziar para solidarizar-se conosco sem precisar dispor de sua onisciência. No entanto, segundo o seminarista, essa solidariedade era o grande motivo para o abandono de prerrogativa da onisciência por parte do Senhor.

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Perguntei-lhe, ainda, como esta teologia explicava as profecias, uma vez que grande parte delas se referia ao futuro. Respondeu-me que as profecias não eram antevisões do futuro, mas decretos de Deus e, portanto, inexoráveis. Disse-lhe que isso parecia fazer sentido em relação a profecias como as que se cumpriram na vida de Jesus Cristo. Mas e quanto àquelas de aviso, como a de que Pedro negaria a Cristo três vezes antes do cantar do galo ou o anúncio da traição de Judas Iscariotes? Se elas se enquadram nos decretos, Deus é culpado, pois, ao decretar que Pedro ou Judas faria o que deles foi dito, deixou-os sem escolha a não ser a de pecar segundo a palavra divina; logo, não poderiam ser passíveis de juízo, pois estavam amarrados a um desígnio inexorável. Há situações que foram pré-determinadas, até como juízo, mas foram devidamente anunciadas como tal – como no caso do endurecimento do coração de Faraó na ocasião do êxodo judeu. Cristo, porém, disse que os escândalos eram inevitáveis, mas não os escandalizadores (Mateus 18.7-9). Retorqui, então, que se todo aviso que se encontra na Bíblia é o deflagrar de um desígnio, então a história está mais para um grande teatro do que para o desenrolar de uma batalha pela salvação da humanidade.

Outra coisa que mencionei foi que o fato de Deus não conhecer o futuro não é uma questão de abrir mão da onisciência, mas de abrir mão da eternidade, porque nesta não há passado, presente ou futuro – tudo está vívido diante do Eterno. Logo, para Deus não saber, Ele tem de sair do estado eterno; e quem sai do estado eterno nada sabe, apenas suspeita, uma vez que graças a uma visão limitada e rarefeita fica-se condenado à interpretação das informações, sobre as quais até a certeza é relativa. Se Deus abriu mão de saber tudo, então abriu mão da eternidade, e isso significa abrir mão da divindade, se não como natureza, como sujeito da mesma, de forma como fez Jesus de Nazaré. E se Deus nada sabe, como pode decretar, uma vez que os fatos não caem de pára-quedas sobre a história, senão como corolário de um sem número de movimentos? Para decretar algo na história é preciso saber onde a história estará em determinado momento, uma vez que decretar é impor uma das variantes possíveis.

Além disso, nós sabemos que o Filho sacrificou-se assim em um determinado lapso dc tempo. Mas quando esta teologia fala desse sacrifícío divino, ela está falando do quê? Da Trindade ou de uma das Pessoas? O que ela prega não seria sacrifício sobre sacrifício? Ou pior, não seria o fim de Deus? Essa teísmo aberto não seria apenas uma derivação da teologia da morte de Deus? Finalmente, eu disse ao seminarista: Essa teologia não faz sentido e teologia tem de ter um mínimo de lógica.

 

Ariovaldo Ramos é filósofo e teólogo, além de diretor acadêmico da Faculdade Latino-americana de Teologia Integral, missionário da Sepal e presidente da Visão Mundial. É membro da equipe editorial da Edições Vida Nova.

Qualificando o próximo 06-07-2004 | "Quem é o meu próximo?", pergunta para Jesus o mestre da lei (Lucas 10.29). Jesus, então, conta a parábola do samaritano. Daí devolve a pergunta ao doutor: "Quem foi o próximo do homem que caiu na mão dos salteadores?" De fato, Jesus não a devolveu exatamente, mas a refez. Da forma como a elaborou, ele sugeriu que o mestre da lei ao invés de perguntar "Quem é o meu próximo?" deveria ter perguntado "De quem devo ser próximo?". E a resposta é clara: daquele que você vê que precisa de você.

Essa resposta qualifica o próximo a quem se deve amar como o necessitado, o despossuído, o abusado, o explorado, e a única condição prévia para sua qualificação é que ele seja visto. Isto justifica trazer à tona toda a ordem de abuso e desrespeito ao ser humano para que ele possa ser visto e amado, ou seja, socorrido. Este socorro pode vir por meio do impedimento da violência – o que é mais eficaz – ou restaurando-se o indivíduo que a sofreu.

O próximo não é todo mundo, porque todo mundo não é ninguém – o próximo é o necessitado. Jesus, na parábola, também qualifica o que significa ver alguém. Aparentemente, todos os protagonistas viram o homem na beira da estrada, porém só um se compadeceu com uma compaixão ativa. Foi este quem de fato o viu.

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O bispo irlandês Geoge Berkeley disse que "ser é ser percebido". Nesta parábola, Jesus qualifica que tipo de percepção dá ao observado a qualidade ontológica.

O mestre da Lei, que a sintetiza em "Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo" (Lucas 10.27), sugere, ao perguntar apenas pelo amor ao próximo, que amar a Deus, na intensidade descrita, não era um problema para ele. Sua crise era com o outro. Jesus, por sua vez, traz para a história dois protagonistas congêneres ao doutor. Pelo entendimento que tinham sobre o significado de amar a Deus acima de todas as coisas, é muito provável que eles passaram ao largo do necessitado porque ficariam inviabilizados por cerca de quarenta dias como oficiantes do culto a Deus se o tivessem tocado e ele estivesse morto ou viesse a morrer em suas mãos. Há grande possibilidade, portanto, que por amor a Deus acima de tudo aqueles homens não se envolveram com o moribundo, com medo de não poderem participar do serviço de Deus. Jesus, no entanto, põe em cheque este amor a Deus que não vê o próximo.

Nesta história, Jesus também qualifica o ser humano, mormente o necessitado, como prioridade máxima. Isto ocorre quando ele menciona que o samaritano, provavelmente um negociante, submeteu sua agenda à necessidade do outro, parando, socorrendo-o, cedendo-lhe o animal e diminuindo drasticamente seu ritmo, tendo ainda lançado mão de seus próprios recursos para tratar do necessitado e se comprometido com a total restauração do mesmo.

Portanto, o desafio que se apresenta ao cristão e à comunidade cristã na parábola do samaritano é o de se aproximar do necessitado. O próximo está qualificado.

 

Ariovaldo Ramos é filósofo e teólogo, além de diretor acadêmico da Faculdade Latino-americana de Teologia Integral, missionário da Sepal e presidente da Visão Mundial. É membro da equipe editorial da Edições Vida Nova.

Nossa dívida aos judeus 12-05-2004 | Muito se tem dito a respeito do filme "A paixão de Cristo", dirigido por Mel Gibson, o qual é bastante polêmico e tem batido recordes de bilheteria nos EUA. Os dois principais motivos da polêmica parecem ser a crueza e a violência com que o martírio de Cristo é apresentado (como ainda não assisti ao filme, não posso falar sobre a dramaticidade drástica do mesmo) e a suposta atribuição aos líderes judeus da culpa pela morte de Jesus.

Não há a menor dúvida de que foram os líderes do Israel de então que entregaram Cristo ao poder romano, como atestam os evangelhos. Contudo, isso não faz do povo judeu um povo culpado, afinal de contas é apenas história, e não juízo.

Penso, inclusive, que ao tratar desse assunto temos nos esquivado de considerar um aspecto profundamente importante e relevante. Jesus Cristo não foi apenas um bom homem que, como fruto de uma conspiração, foi injustamente condenado à morte, apresentando-se, assim, como um mártir exemplar que deve ser seguido por todos aqueles que optarem pela não violência na conquista dos direitos inalienáveis da raça humana. Não foi assim que Jesus Cristo foi apresentado por João Batista, seu precursor. João o apresentou como o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, logo, como o cordeiro pascal. Todos os que conhecem algo da fé judaica sabem o que este anúncio significa. Ele fala de sacrifício, pois, o cordeiro pascal deveria ser oferecido a Deus como expiação para que o povo não fosse destruído. Uma vez que o que se apresenta é um cordeiro enviado por Deus para livrar o mundo de seu pecado,

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logo o que se anuncia é a iminência de um sacrifício substitutivo que, satisfazendo a justiça de Deus, permitirá a salvação da humanidade.

O martírio é um ato político, poderia ser impetrado por qualquer um, até mesmo por um zelote ou um romano mai radical. O sacrifício é um ato religioso que só um sacerdote poderia oficiar.

Temos, portanto, uma informação crucial: o cordeiro capaz de satisfazer a justiça de Deus e prover perdão e a conseqüente salvação para a humanidade foi providenciado. Contudo, para cumprir o seu papel, o cordeiro tem de ser sacrificado. E aqui temos um problema de enormes dimensões. O cordeiro veio ao mundo por meio do povo judeu, entre outras razões, porque só este povo, por meio de seus sacerdotes, poderia ofertar o cordeiro pascal ao Deus eterno – nenhum outro povo tinha essa autorização. Mas como o povo de Israel conseguiria reconhecer o Messias – que tanto aguardou – como o cordeiro pascal e sacrificá-lo em favor do mundo todo? O apóstolo Paulo sugere uma resposta à esta pergunta: "Porque não quero, irmãos, que ignoreis este mistério (para que não sejais presumidos em vós mesmos): que veio endurecimento em parte a Israel, até que haja entrado a plenitude dos gentios." (Romanos 11.25).

O homem de Tarso revela que estamos diante de um mistério: Israel foi, em parte, endurecido até que viesse aquilo que ele chama de "plenitude dos gentios". Por que Israel precisaria ser endurecido para que os gentios pudessem ser recebidos no Reino Deus? Talvez essa pergunta só possa ser respondida por uma outra: Como Israel condenaria à morte violenta o seu próprio Messias se não tivesse sido endurecido em relação a ele? Algo, entretanto, é muito claro: se os sacerdotes de Israel não tivessem sacrificado o cordeiro pascal, não haveria esperança de salvação para a humanidade.

Assim, temos uma dívida imensa para com o povo de Israel, devemos-lhe tanto pelo Messias como pelo sacrifício do cordeiro pascal. O que, diga-se de passagem, tem lhes custado muito caro na história. A Trindade, pela salvação da humanidade, entregou tanto o povo eleito como o Filho. O povo ao endurecimento e o Filho ao sacrifício.

  Ariovaldo Ramos é filósofo e teólogo, além de diretor acadêmico da Faculdade Latino-americana de Teologia Integral, missionário da Sepal e presidente da Visão Mundial. É membro da equipe editorial da Edições Vida Nova.

A relação entre teologia e filosofia

01-05-2004 | É sobre teologia e filosofia que vamos falar nessa coluna. Sobre o relacionamento entre ambas. Aliás esse relacionamento é antigo. O século II, por exemplo, vê nascer uma categoria de mestres cristãos conhecidos como "os apologistas" que se incumbem, entre outras tarefas, de responder aos filósofos que, diante da visibilidade do Cristianismo, começam a polemizar com a fé propagada pelos apóstolos de Cristo. O mais conhecido dos apologistas foi Justino, nascido em Naplusa, na Palestina, numa família de língua grega. Ele se converteu em 130 d.C. Os apologistas não eram antifilósofos. Pelo contrário, Justino sempre se viu como um filósofo, o que se pode perceber pela seguinte frase que proferiru: "Reconheci que [o Cristianismo] era a única filosofia segura e proveitosa." Justino morreu martirizado em Éfeso, no ano 165 d.C.

Outro aspecto histórico importante é que nem sempre os cristãos encararam os filósofos como adversários. Pascal, por exemplo, chegou a declarar: "Platão prepara o advento do cristianismo".

Em nossa coluna, a filosofia será, a priori, considerada uma aliada, como de fato tem sido na maior parte da história da Igreja. Como exemplo, podemo citar Jurgen Moltmann, pai da chamada teologia da esperança, que, na segunda metade do século XX, abandonou a filosofia como instrumento de

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leitura da realidade, substituindo-a pela sociologia marxista. Na América Latina, ele foi seguido pela chamada teologia da libertação, deflagrada pelo teólogo presbiteriano brasileiro Rubem Alves.

Ora analisaremos postulados filosóficos, ora usaremos a Bíblia como fonte de premissas para a construção de um discurso sobre Deus, sobre o homem e sobre o relacionamento entre ambos, como acabamos de fazer com Justino, o mártir. Sempre consideraremos o homem nas suas circunstâncias, pois, como disse Ortega y Gasset, o homem é nas suas circunstâncias. Isto que quer dizer que ora seremos apologetas, ora propositores de uma nova abordagem – esta é a aventura que a filosofia proporciona.

Não há dúvida de que o desafio que se coloca diante dos brasileiros dispostos a pensar a teologia como um discurso que sempre precisa ser revisto é muito grande. Mas não se pode fugir dele, pois cada época, realidade e cultura traz as suas próprias perguntas, o que faz com que a sistemática tenha de ser aberta e analisada o tempo todo. E para isso acontecer é preciso recorrer ao labor filosófico, sob pena de condenarmos a teologia ao anacronismo ou à mera reação que referenda ou condena a práxis.

Bem-vindo à nossa coluna, espero contar com a sua interação. Soli Deo Glória.

 

Ariovaldo Ramos é filósofo e teólogo, além de diretor acadêmico da Faculdade Latino-americana de Teologia Integral, missionário da Sepal e presidente da Visão Mundial. É membro da equipe editorial da Edições Vida Nova.

José Publicado em 17/08/07 às 13:10   Por: Ariovaldo Ramos

A maioria dos cristãos esqueceu-se de um grande personagem da bíblia: José, pai adotivo de Jesus de Nazaré.

Qual a importância dele?

1 - Jesus só pode cumprir a profecia de que seria filho de Davi, por ter sido adotado por José. (Mt 1.16; Lc 3.23)

E essa era a principal profecia que Jesus teria de cumprir, uma vez que no céu ele é apresentado como "a Raiz de Davi". (Ap 5.5)

Fica a pergunta: Maria foi escolhida porque era a melhor para tanto, ou porque estava prometida para o homem certo; ou ambos?

2 - Ele era um homem misericordioso, resolveu sair de cena de modo a não prejudicar Maria (Mt 1.19), porque, doutra forma, teria de dizer que não era o pai da criança.

Mesmo não entendendo o que estava acontecendo, ele não pôs em risco a vida do Filho de Deus. Conhecia a lei, porém, preferiu seguir o espírito da lei, que é amar ao próximo como a si mesmo.

3 - Ele era plenamente obediente ao Senhor. Ele não questionou quando recebeu a

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ordem do anjo, obedeceu plenamente (Mt 1.24).

Não há dúvida: esse homem foi escolhido a dedo.

4 - Além de ser profundamente respeitoso, ele compreendeu que estava diante do sagrado, e que aquela mulher era a mais especial das mulheres, ela carregava o ventre da mulher da criação, que recebera a promessa do filho que libertaria a humanidade (Mt 1.25; Gn 3.15).

O temor desse homem a Deus está estampado em cada reação e decisão sua. Deus, qual oleiro, forjou o caráter e a índole desse ser humano.

5 - Deus, através do anjo Gabriel, falou com Maria uma vez, depois, falou apenas com José: avisou-lhe para fugir para o Egito, outra profecia que deveria ser cumprida (Mt 2.13,15); e, também, quando era para voltar (Mt 2.20).

E foi por seu senso de responsabilidade que uma das profecias foi cumprida (Mt 2.23), porque ele temeu voltar para o lugar de onde tinha vindo, porque Arquelau reinava no lugar do Pai e era muito pior do que aquele. Imagino-o orando ao Pai sobre isso, e a resposta de Deus o levou para a Galiléia, mais propriamente para Nazaré (Mt 2.22,23).

6 - Ele adotou, de fato, o menino como o seu primogênito, porque, naquela época, o pai passava sua arte, no caso de José, a carpintaria, ao filho primogênito (Mc 6.3)

E Jesus, além de ser conhecido como carpinteiro, ofício que herdou de seu pai, era também conhecido como filho de José, deixando claro que José salvou Maria do estigma e Jesus do preconceito (Mt 13.55)

7 - Na época de Jesus, o pai era quem cuidava da educação do filho primogênito, não só lhe passava o seu ofício como lhe introduzia no conhecimento das sagradas escrituras. O menino de 12 anos fazendo perguntas aos mestres no templo deve muito a José (Lc 2.46).

Ele sentia a mesma aflição e a mesma maravilha que Maria (Mt 2.48)

Jesus não apenas foi adotado por José, também o adotou, foi assim que ele se apresentou aos discípulos de João que o seguiram (Jo 1.44).

Certamente, ao ser inquirido pelos que o abordaram acerca de seu nome, ele deve ter dito: Eu sou Jesus, filho de José, o que levou Filipe a apresentá-lo assim para Nataniel.

José foi o maior de todos os servos de Deus, porque a ele Deus confiou o seu próprio filho, e foi a ele que o filho de Deus chamou de pai.

Ariovaldo Ramos é filósofo e teólogo, além de diretor acadêmico da Faculdade Latino-americana de Teologia Integral e presidente da Visão Mundial. Confira também as páginas de Ariovaldo Ramos: www.lideranca.org/ramos www.ariovaldoramos.com.br

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Deixem as crianças Publicado em 24/04/06 às 14:12  

Por Ariovaldo Ramos

Acabo de ler e de subscrever o Manifesto das Américas, gerado em Curitiba, PR, em meados do mês de abril de 2006, conclamando a humanidade, a partir de compromissos com o continente americano, a uma nova relação com o planeta, tendo em vista a preservação de todo o tipo de vida que sobrevive, e tem o direito de sobreviver com dignidade, neste pedaço do Universo, chamado Terra.

Sou, entretanto, tomado pela consciência de que se queremos, de fato, salvar o mundo, um outro manifesto tem de ser urgentemente articulado: um manifesto em favor das crianças.

Elas se tornaram o alvo preferencial do inescrupuloso mercado: um arremedo de deus que tudo permite, desde que aufira lucro, que quanto menos taxado melhor. É um deus contra um Estado forte, que proteja os mais fracos, e a favor de uma relação com a vida onde nenhuma responsabilidade seja assumida, a não ser a lucrativa; nenhum sacrifício seja cobrado, a não ser o corte de custos para uma maior lucratividade, se puder contar com trabalho escravo, melhor; e nenhum prazer seja adiado, principalmente, se isso aquecer a economia pela abertura de novos mercados.

A criança foi eleita como o cliente especial para a massacrante máquina do consumismo, e, também, como produto gerador de novos mercados, como o da pedofilia e o do turismo sexual. Não importa que tais atividades constituam crimes, esse deus não se submete às meras leis humanas. Ainda mais quando essas leis foram inspiradas num outro Deus: aquele que se humilhou para restaurar os seres humanos à dignidade de imagem do Criador.

Temos de gerar um manifesto pela criança, que lhe garanta o direito a ser criança, de tal modo, que ela venha a gostar de ser gente. Porque é nessa fase que o ser humano desenvolve ou não o gosto de ser gente. A criança precisa ser tratada e criada de tal maneira que venha a amar existir na forma em que existe.

Se não lograr tal êxito, será um ser humano amargo que detestará ser e, por conseqüência, será um elemento que, no mínimo, não fará nada para sustentar qualquer existência. Provavelmente, será cooptada por esse deus maligno que fará dela mais um agente da sua obra de reificação de toda a criação. Esse deus quer transformar tudo em objeto, em coisa que se possa comprar ou vender; quer que nada escape à lógica de si: o mercado.

Lutemos pela criança, cidadã por excelência do Reino de Deus, de maneira que venha a gostar de ser gente, aprendendo à luz de Jesus de Nazaré a ser gente como gente deve ser. É na criança que se encontra o melhor do ser humano e é só a partir da criança que se pode gerar um ser humano melhor. Temos de manter nossas crianças sorrindo, seus olhinhos brilhando e seus braços se abrindo. Criança precisa de família, de brincadeira, de educação e de festa. Cada qual tem de fazer a sua parte: O Estado tem de garantir, com dignidade, casa, comida, saúde, escola, transporte e trabalho. A família tem de garantir amor e festa, porque é assim que crianças aprendem – a melhor forma de

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ensinar os mais profundos valores aos nossos filhos é brincando com eles, eles aprendem tudo brincando e brincando aprendem tudo. A Igreja tem de apresentar à criança o Deus que amou ser criança e que, desde criança, só aprendeu a amar. A sociedade tem de eleger a criança como o seu mais precioso bem. Deixemos as crianças serem crianças. Ao invés de permitirmos seu aviltamento tornemo-nos como elas, porque delas é o Reino dos Céus.

Ariovaldo Ramos é casado com Judith Ramos e têm duas filhas: Myrna e Rachel. É filósofo e teólogo, além de diretor acadêmico da Faculdade Latino-americana de Teologia Integral, missionário da Sepal e presidente da Visão Mundial. Ariovaldo será um dos preletores de plenárias do 33º Encontro Sepal para Pastores e Líderes. Para saber mais do Encontro Sepal clique AquiConfira também a nova página de Ariovaldo Ramos: www.lideranca.org/ramos

Vamos Dar Um Jeito no Brasil Publicado em 14/02/06 às 14:25  

Por Ariovaldo Ramos

Um dia desses encontrei um colega e logo nos vimos conversando sobre o Brasil e suas crises. Num determinado momento ele me disse: "Não se preocupe, nós, os novos evangélicos, vamos mudar esse país, vamos dar um jeito nele." "Como assim?", retruquei. Ele reiterou: "Nós, os novos evangélicos, vamos ganhar esse país e dar um jeito nele. Nós, os novos evangélicos, pois, os velhos evangélicos, não deram e nem dariam conta do recado. Eles, os velhos, tinham a mania de construir escolas e hospitais. Achavam que com escolas livrariam as pessoas da ignorância, consequentemente, da miséria e, que, com hospitais, mitigariam o sofrimento do povo. Bobagem! Outra coisa, os velhos evangélicos fugiam da política, diziam não querer contaminar-se. E vai tomar o poder de que maneira? Nós, não! Nós, os novos evangélicos, temos uma visão maior, mais ampla, nós vamos levar o Brasil ao 1º mundo.

Primeiro, para acabar com a miséria, nós vamos ensinar esse povo a ofertar de verdade. A dar, para receber cem vezes mais, a dar, reinvindicando, cobrando o cumprimento das promessas. Dessa forma o Devorador vai ser repreendido e todo mundo vai ficar próspero, rico. Além do mais, nós vamos destronar as potestades que atuam provocando miséria, prostituição, roubo, assassinato, corrupção, violência, abandono, etc. Assim vamos sanar todos os problemas do país. Você vai ver, as famílias serão restauradas, as crianças abandonadas vão voltar para seus lares... Vai ser uma maravilha! A idade aúrea do Brasil.

Segundo, nós vamos levar esse povo a ter fé, pois quem tem fé não fica doente; ao invés de construirmos mais hospitais, gradativamente, não vamos mais precisar deles.

Terceiro, nós vamos entrar na política, sim senhor! Vamos lançar candidatos, apoiá-los, dar o púlpito para eles, levá-los nas nossas marchas, fazer o que preciso for. Crente e não crente, basta que o sujeito se comprometa a lutar pelas nossas causas, pelo nosso bem estar. Queremos uma política de "portas abertas" para nós; queremos prioridade no uso de estádios e ginásios de esportes para as nossas concentrações; queremos ônibus de graça para os nossos pic-nics; queremos isenção de tudo quanto é imposto; queremos concessões de rádio e tv; queremos o reconhecimento de nossas rádios piratas;

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queremos ser deixados em paz, não importa se a falta de estacionamento de nossas igrejas está atrapalhando toda a vizinhança. Nós queremos tudo o que nos é de "direito ", pois fomos postos por cabeça, não por cauda. Bom, esse negócio de apoiar não-crente, é porque a gente ainda não tem um número suficiente de crentes na política, mas, nós vamos cobrar muito caro cada voto que pudermos carrear para eles; nós vamos cobrar por cabeça. Aliás, desses incircuncisos que estão sendo postos em nossas mãos, nós vamos arrancar até o tutano. Depois quando tivermos um número suficiente de crentes na política, se os outros não se converterem, a gente os descarta.

Quarto, nós vamos eleger um presidente evangélico. Não como decorrência de uma militância num dos partidos que estão por aí. Não! Nós vamos impô-lo a um partido qualquer e elegê-lo. Olha o nosso número! Aí, tudo vai mudar: vai acabar a sonegação, pois, imposto vai ser considerado como oferta e, oferta, é como eu disse, quanto mais dá, mais se recebe: é cem por um! Quem não vai querer isso? Vão acabar os protestos, as greves, as reclamações pois o país vai ser governado só por ungidos e, o que ungido faz não se discute, mas se obedece, pois, ele vai ser julgado em "outra instância" -o que ele faz não é da nossa conta. E, se alguém se levantar contra, a gente disciplina e amaldiçoa.

Quinto, nós vamos pagar todas as dívidas do Brasil. Sabe como? Nós vamos rifar todas as riquezas naturais do Brasil entre as nações do primeiro mundo: Como a benção está conosco, será sorteado um dos números que vamos manter em nosso poder e, dessa forma, teremos o dinheiro para pagar tudo o que devemos e ainda vamos manter toda a nossa riqueza.

Bom - disse ele olhando o relógio - eu gostaria de ficar aqui muito mais tempo conversando com você, mas, está tarde, e tenho de ir embora. Qualquer hora a gente se encontra e eu te falo mais das maravilhosas visões que temos recebido."

Tendo dito isto meu colega virou-se e foi embora, eu tomava o rumo de casa num misto de espanto, escândalo e atordoamento tal, que me provocou uma enorme dor de cabeça: ele falava sério!

Eu não conseguia esquecer o que ouvira, o que me levou a meditar muito. Até encontrar algumas pistas.

Parece que o colega é dos tais que acha que a conquista de Jericó se encerrou com a queda da muralha. Parece claro que naquela ação de rodear a cidade seis dias e, no sétimo dia, rodeá-la sete vezes, estava sendo travada algum tipo de batalha espiritual (Jos 6.3-20a). Porém, depois que a muralha caiu, foram tomar a cidade (Jos 6.20b-24); tiveram de desembainhar as espadas e ir lutar com os soldados e com o povo de Jericó. Não basta destronar a potestade da prostituição, devemos ir pregar às prostitutas; não basta destronar a potestade da corrupção, devemos profetizar contra os corruptos; não basta destronar a potestade do abandono, devemos sair recolhendo, salvando as crianças; e assim por diante...

Parece, também, que o colega não atentou para a Ética. Como você sabe, Ética é a coleção de princípios, a partir dos quais pode-se saber se uma conduta, um ato, ou um comportamento, é moral ou imoral. Isto é, se tal ato (conduta ou comportamento) está de acordo com esses princípios, ele é moral; se a conduta (comportamento ou ato) não

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está de acordo com esses princípios, ela é imoral. Não atendo-se, pois, o colega à Ética, ele estava imoral.

Parece que colega não se deu conta de que "Deus ama a quem dá com alegria" - significando o tipo de oferta que Deus ama ver sendo dada - (2Co 9.7) e não a quem dá para receber mais; a quem faz barganha com Deus; a quem dá, para poder exigir. Pedir oferta nessa base é imoral.

O colega, quem sabe, não lembrou-se de que, embora, Deus opere curas milagrosas, o propósito de Deus para o nosso corpo não é remendá-lo, mas, glorificá-lo. Sim, pois, curar um corpo que vai ser transformado, ainda que seja uma benção, é apenas remendo. Todos nós estamos "aguardando a redenção de nosso corpo"(Rm 8.23); "quando este corpo se revestir de incorruptibilidade, e o que é mortal se revestir de imortalidade, estão se cumprirá a palavra que está escrita: Tragada foi a morte pela vitória."(1 Co 15.54). É assim que se cumpre a palavra "pelas suas pisaduras fomos sarados"(Is 53.5). Primeiro nosso espírito é vivificado (Ef 2.1) e nossa alma entra no processo da santificação ( Rm 12.2; 2Co 3.18 ) e, finalmente, nosso corpo será transformado na ressurreição (Fp 3.20,21). Ademais, quem tem fé, ao invés de repreender os doentes por não terem fé, visita-os (Mt 25.36). É claro que podemos orar pela cura divina, porém, pregar essa cura como algo obrigatório e para agora, sendo que as Escrituras prometem-na para depois, é imoral.

Quanto aos apoios, o colega parece não ter se dado conta de que não nos devemos por "em jugo desigual com os incrédulos, porquanto que sociedade pode haver entre a justiça e a iniqüidade? ou que comunhão da luz com as trevas?" (2Co 6.14). Ele parece ter se esquecido de que não devemos tocar em "coisas impuras"(2Co 6.17). É claro que a vocação política é tão legítima quanto qualquer outra e que o cristão que tem essa vocação deve assumi-la. Ele deve lembrar-se, sempre, de que ofereceu os seus membros como "instrumentos de justiça"(Rm 6.13); de que tem de ter "fome e sede de justiça"(Mt5.6); de que tem de, sempre, levar em seus lábios a oração: "venha o teu reino, faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu"(Mt 6.10); e, mais, tem de se lembrar de que não pode ser cúmplice "nas obras infrutíferas das trevas"; pelo contrário, tem de reprová-las, "porque o que eles fazem em oculto, o só referir é vergonha"(Ef 5.11,12). O colega, também, parece ter-se esquecido de que Saul perdeu o Reino porque achou que podia fazer a vontade de Deus de qualquer jeito (I Sm 10.8; 13.8-14). Não basta fazer a vontade de Deus, tem de fazer a vontade de Deus do jeito de Deus. O colega, provavelmente, não se lembrou do fato de que devemos dar a "César o que é de César, e a Deus o que é de Deus "(Mt 22.21), isto é, devemos cumprir nosso deveres para com o estado e não buscar as suas benesses, assim como estado tem de cumprir o seu dever para com Deus, e, consequentemente, para com o povo, ou seja, aplicar a justiça e fazer o bem (Rm 13.2-7). Lembremo-nos sempre que o padrão de bem e de justiça não é dado por César, mas, por Deus e, quando o estado transgride a lei de Deus, tem de ser denunciado, pois, para tal estado, só resta a destruição (Ez 22.23-31). Envolver-se com a política, com o poder, sem, ter como motivação a implantação dos valores do Reino de Deus, é imoral.

O colega, também, talvez, não tenha refletido sobre o fato de que ungido é ungido para apascentar o rebanho de Deus, e de que tem de fazer isso de boa vontade, sem esperar recompensa financeira e apresentando-se como exemplo. Não pode ser dominador, tem de ser exemplo (1 Pe 5.1-4). Outra coisa, ungido está sujeito a maior juízo (Tg 3.1). Ser

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ungido é mostrar suas obras em mansidão de sabedoria e condigno proceder (Tg 3.13). Ungido não fica por aí ostentando título, mesmo porque Jesus disse: "Vós, porém, não sereis chamados mestres, porque um só é vosso Mestre, e vós todos sois irmãos. A ninguém sobre a terra chameis vosso pai "(como os católicos, que chamam o seu sacerdote de padre) "porque só um é vosso Pai, aquele que está no céu. Nem sereis chamados guias, "(como nós, evangélicos, que chamamos nosso sacerdote de pastor) "porque um só é vosso Guia, o Cristo"(Mt 23.9,10). E, mais, ungido é servo (Mt 23.11). Usar a unção recebida do Senhor para ostentação, desfrute de mordomias e opressão dos irmãos, é imoral.

O colega, também, parece ter desconsiderado que o trabalho foi instituído antes da queda do homem (Gn 2.15), portanto, é uma benção, não uma maldição. Deus não admite a obtenção de riqueza sem trabalho (Sl 128.2; 2Ts 3.8-12), também não permite a obtenção de riqueza às custas da exploração do próximo, o princípio é "não atarás a boca ao boi que debulha"(lCo9.9), ou seja, o trabalhador tem de ser beneficiado pela riqueza que produziu. Induzir o povo à obtenção de sustento próprio (ou de qualquer instituição) por qualquer outro meio que não seja o trabalho, é imoral.

Outra coisa, o Senhor nos acrescenta em número, não para nos impormos à nação, mas, para a salgarmos e a iluminarmos (Mt 5.13,14), para, através de nossas boas obras a levarmos a glorificar nosso Pai que está nos céus (Mt 5.16). Usar nossa densidade populacional para outro propósito é imoral.

Pois é, compreendi que o colega, lamentavelmente, não parece estar atentando para a Ética, para os princípios que determinam a moralidade ou a imoralidade dos atos, o que pode levar sua postura a ser considerada imoral. Uma coisa, porém, não consegui compreender: como alguém que se diz lavado pelo sangue do Cordeiro, que se diz chamado para o ministério, e que se diz exercendo o ministério, pode não estar atentando para a Ética, incorrendo no risco de atrair a ira de Deus? Bem...isso é conversa para outra prosa.

Ariovaldo Ramos é casado com Judith Ramos e têm duas filhas: Myrna e Rachel. É filósofo e teólogo, além de diretor acadêmico da Faculdade Latino-americana de Teologia Integral, missionário da Sepal e presidente da Visão Mundial. Ariovaldo será um dos preletores de plenárias do 33º Encontro Sepal para Pastores e Líderes. Para saber mais do Encontro Sepal clique Aqui

Mais que números Publicado em 19/01/06 às 15:06   Por Ariovaldo Ramos

Em meio a tantas más notícias, uma para celebrar: segundo o IBGE, o trabalho infantil caiu 47,4% entre 1995 e 2003, o dado cobre crianças e adolescentes entre 5 e 15 anos de idade. O Rio de Janeiro e o Mato Grosso do Sul foram os campeões da redução, enquanto em Roraima o trabalho infantil aumentou 117%, e o Nordeste continua registrando o maior índice de trabalho infantil.

Quando a gente olha para tanto número, não consegue dimensionar o verdadeiro significado de um avanço como esse. A infância não deve ser protegida apenas por causa da fragilidade física e emocional do ser humano nesse período, mais que isso, é na infância que o ser humano mais que aprender a ser gente, aprende a amar ser gente.

Quando se aprende a amar ser gente, aprende a amar tudo o que nos cerca e nos permite

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ser gente. Aprende-se que fazemos parte de algo maior que nós, e que, por sermos os seres mais dotados de inteligência do planeta, recai sobre nós a grande responsabilidade por sua manutenção e por sua qualidade de existência. Quando se aprende a amar ser gente, aprende-se a amar gente, a nos vermos como uma grande família, onde todos devem trabalhar pelo bem de todos, com uma visão comunitária de qualidade de vida.

Quando se aprende a amar ser gente, passa-se a desejar ser gente cada vez melhor, e, então, passa-se a procurar os melhores exemplos de gente para se imitar, gente como Jesus de Nazaré, por exemplo. E essa busca pela excelência do Ser eleva a qualidade de tudo o que está à nossa volta, e de todos os nossos relacionamentos.

Apesar da celebração, a luta continua, há muito que fazer, não apenas para tirar as crianças do trabalho infantil, mas para garantir-lhes educação e recreação de qualidade, saúde física e emocional, o que passa necessariamente pela distribuição de renda e pela adequada prestação de serviços por parte do estado, de modo que seus pais possam viver com dignidade, a família possa ser preservada e o carinho tenha espaço para crescer, porque, como diz o ditado popular: "quando a miséria entre pela porta, o amor pula pela janela", não há paz onde não há dignidade financeira, emocional e física.

A igreja pode e tem ajudado, principalmente, na questão emocional, mas nada substitui o papel do Estado no que tange a justiça social e a qualidade de serviços públicos. Precisamos construir uma Nação e um Estado onde as crianças amem ser gente.

Romanos 8 – uma leitura! Publicado em 24/12/08 às 18:06   Por: Ariovaldo Ramos

Deus não tem mais nada contra os que estão em Cristo, porque os que estão nessa situação têm o poder do Espírito Santo atuando em si, de maneira que não estão mais condenados a viver em estado de rebelião, o pecado não os controla mais. Foram libertos pelo sacrifício de Cristo, tanto da prisão espiritual quanto desse controle.

Basta que se deixem conduzir pelo Espírito Santo, que é o que os distingue como filhos de Deus, que viverão de modo agradável a Deus. Eles ainda tem a velha natureza neles, mas não são mais obrigados por essa natureza a nada, porque a presença do Espírito Santo, neles, manifesta uma nova natureza.

É fato que, o que é verdade para a dimensão espiritual não o é na física, ainda morrerão, mas com a certeza da ressurreição.

Ressuscitarão , porque o Espírito de Deus, que ressuscitou a Jesus, vive neles, por isso eles não são mais prisioneiros da velha natureza, pelo contrário, podem anulá-la e às suas obras.

Eles não precisam mais viver de maneira medíocre, são filhos, chamam a Deus de Pai, foram adotados por Ele, e podem viver de acordo com o seu novo estado. Não precisam ter medo, o próprio Espírito é quem lhes garante que são filhos de Deus. Podem acreditar nisso e viver baseado nisso. Sempre que eles forem nessa direção, o Espírito os

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fará alcançar esse padrão de vida.

Eles estão identificados com Jesus, receberão tudo o que Jesus recebeu, mas, agora, compartilham do sofrimento de Cristo. Eles o suportam, pois sabem que não dá para o comparar com o que receberão.

Aliás, toda a criação sofre também, porque Deus, por causa do crime da raça humana contra Ele, ao invés de aniquilar a humanidade, submeteu-a ao sofrimento (pôde fazer isso por causa do sacrifício de Jesus Cristo). E o sofrimento humano se estende a todas as criaturas sobre quem o ser humano tinha domínio (Gn 1.28) – daí porque a doença e a morte.

Todos, portanto, aguardam o grande dia da ressurreição da humanidade e de tudo o que estava debaixo da mesma. Todo o planeta será renovado. Por isso, é de se esperar que já, agora, os que sabem de sua ressurreição ajam em favor de toda a criação, preservando e restaurando, dentro de suas possibilidades, o meio ambiente. Porque, os que aguardam a ressurreição, compreendem a dor das demais criaturas.

Eles, os que têm o Espírito Santo, que já saboreiam um pouco da glória futura, confiam que receberão todas as promessas que pertencem aos filhos, e esperam com paciência e certeza.

No dia a dia contam com o Espírito Santo, que intercede por eles com uma profundidade inalcançável, porém, segundo a vontade de Deus, que é a de transformá-los em pessoas cada vez mais parecidas com Jesus. De modo que, tudo o que lhes acontece, coopera para que cheguem mais perto desse modo de viver. Deus decidiu que faria isso com eles desde antes da criação do mundo – o Pai decidiu que o Filho teria irmãos, passando de unigênito para primogênito, mas, que todos os irmãos seriam como o irmão mais velho.

Ninguém consegue ser, de fato, contra eles, porque Deus é por eles. E não tem como eles serem acusados, porque Deus os declarou sem culpa – Ele os perdoou. Deus lhes deu o seu próprio Filho e, com ele, tudo o que eles precisassem para ser como Jesus de Nazaré.

Portanto, eles sofrem não porque Deus não os ama, mas porque eles se identificam com Cristo, e sofrem por estar do lado de Cristo, e por tudo o que faria Cristo sofrer. Mas eles estão prontos! Eles sabem que são ovelhas que estão se identificando com o sacrifício de seu pastor, Jesus.

Assim, eles sabem que o amor de Cristo sempre estará com eles ajudando-os a ser mais que vencedores em qualquer sofrimento. A vitória deles não é não sofrer, é não ser derrotado por nenhum sofrimento.

Conhecê-lo para anunciá-lo Publicado em 21/02/08 às 17:25   Por: Ariovaldo Ramos

Por quê é necessário conhecer para anunciar? Por motivos óbvios. Em

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primeiro lugar, não dá para, com um mínimo de propriedade, falar sobre alguém sem, em alguma medida, conhecê-lo. Porém, no caso de Jesus Cristo, há uma agravante: o conhecê-lo estabelece a diferença entre a vida e a morte.

E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste.- Jo 17.3.

Conhecer Jesus é ter vida eterna. Não conhecê-lo...

O que é conhecer Jesus? Vamos primeiro ver o que conhecer Jesus não é:

Jo 9. 15 Então, os fariseus, por sua vez, lhe perguntaram como chegara a ver; ao que lhes respondeu: Aplicou lodo aos meus olhos, lavei-me e estou vendo. 16 Por isso, alguns dos fariseus diziam: Esse homem não é de Deus, porque não guarda o sábado. Diziam outros: Como pode um homem pecador fazer tamanhos sinais? E houve dissensão entre eles. 17 De novo, perguntaram ao cego: Que dizes tu a respeito dele, visto que te abriu os olhos? Que é profeta, respondeu ele. 18 Não acreditaram os judeus que ele fora cego e que agora via, enquanto não lhe chamaram os pais 19 e os interrogaram: É este o vosso filho, de quem dizeis que nasceu cego? Como, pois, vê agora? 20 Então, os pais responderam: Sabemos que este é nosso filho e que nasceu cego; 21 mas não sabemos como vê agora; ou quem lhe abriu os olhos também não sabemos. Perguntai a ele, idade tem; falará de si mesmo. 22 Isto disseram seus pais porque estavam com medo dos judeus; pois estes já haviam assentado que, se alguém confessasse ser Jesus o Cristo, fosse expulso da sinagoga. 23 Por isso, é que disseram os pais: Ele idade tem, interrogai -o. 24 Então, chamaram, pela segunda vez, o homem que fora cego e lhe disseram: Dá glória a Deus; nós sabemos que esse homem é pecador. 25 Ele retrucou: Se é pecador, não sei; uma coisa sei: eu era cego e agora vejo. 26 Perguntaram-lhe, pois: Que te fez ele? como te abriu os olhos? 27 Ele lhes respondeu: Já vo-lo disse, e não atendestes; por que quereis ouvir outra vez? Porventura, quereis vós também tornar-vos seus discípulos? 28 Então, o injuriaram e lhe disseram: Discípulo dele és tu; mas nós somos discípulos de Moisés. 29 Sabemos que Deus falou a Moisés; mas este nem sabemos donde é. 30 Respondeu-lhes o homem: Nisto é de estranhar que vós não saibais donde ele é, e, contudo, me abriu os olhos. 31 Sabemos que Deus não atende a pecadores; mas, pelo contrário, se alguém teme a Deus e pratica a sua vontade, a este atende. 32 Desde que há mundo, jamais se ouviu que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença. 33 Se este homem não fosse de Deus, nada poderia ter feito. 34 Mas eles retrucaram: Tu és nascido todo em pecado e nos ensinas a nós? E o expulsaram. 35 Ouvindo Jesus que o tinham expulsado, encontrando -o, lhe perguntou: Crês tu no Filho do Homem? 36 Ele respondeu e disse: Quem é, Senhor, para que eu nele creia?

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37 E Jesus lhe disse: Já o tens visto, e é o que fala contigo. 38 Então, afirmou ele: Creio, Senhor; e o adorou.

O jovem cego de nascença havia sido curado por Jesus, mas, não o havia visto, uma vez que sua cura se manifestar a no tanque de Siloé, quando, em obediência, lavara o rosto, conforme prescreveu-lhe Cristo. Daí porque podia contar o que lhe aconteceu, como aconteceu, mas, sobre o seu benfeitor, o máximo que poderia dizer é que era profeta, por causa da portentosidade de seu feito. Para poder declarar que Jesus era o Filho do Homem, que, na sua teologia, significava acreditar que ele era o messias, teve de ter um encontro com Jesus, onde este se apresenta como tal.

Conhecer Jesus não é receber uma benção dele.

Outro texto que corrobora isso é Mt. 16.

13 Indo Jesus para os lados de Cesaréia de Filipe, perguntou a seus discípulos: Quem diz o povo ser o Filho do Homem?

Jesus tratou muito bem o povo: a ele pregou, alimentou, curou, devolveu muitos dos seus mortos. Foi com o povo que andou e que se confundiu. A pergunta era, portanto, uma aferição: será que as bençãos ministradas ao povo geraram a compreensão de quem Jesus era?

14 E eles responderam: Uns dizem: João Batista; outros: Elias; e outros: Jeremias ou algum dos profetas.

Não se assuste, aqui não tem nada de reencarnação. É que os judeus classificavam um profeta comparando-o com os que o antecederam; era uma espécie de “ranking” de profetas. Colocaram Jesus de Nazaré no primeiro time. Curioso, ter o povo comparado Jesus com profetas conhecidos pela força de sua palavra e pelo ultimato de seu apelo. Dá para pensar que a mensagem de Cristo não era tão adocicada como muitos pregadores a querem fazer parecer. A resposta, entretanto, deixou a desejar, conseguiram ver em Jesus um grande profeta, catalogaram-no entre os maiores, porém, não acertaram.

O que ratifica nossa conclusão: receber bençãos, ainda que miraculosas, de Jesus Cristo, não é o mesmo que conhecê-lo?

Continuemos no texto:

15 Mas vós, continuou ele, quem dizeis que eu sou?

Outra aferição, esta, mais importante: os discípulos conviveram com Jesus, será que acertariam?

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16 Respondendo Simão Pedro, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo. [17] Então, Jesus lhe afirmou: Bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que está nos céus.

Esta resposta tem duas partes:

“Tu és o Cristo”, o messias, o salvador vislumbrado pelos patriarcas e anunciado pelos profetas. Certo, porém, incompleto, se parasse por aí: todos criam que o messias seria o maior dos profetas (Dt 18.15), entretanto, um profeta. Pedro, então, teria ido apenas um pouco mais adiante que o povo.

“O filho do Deus vivo”... ele vai mais longe... Revolucionário!

Os teólogos, de então, diziam que Deus era único, logo, não podia ter filho. Por que? Porque se Deus tivesse um filho, este teria de ser um Deus também, então, já não seria um único Deus, mas, dois deuses. Eles não conheciam a doutrina da Trindade, não sabiam que há três pessoas e um só Deus. Pedro disse-o: Jesus de Nazaré é o Cristo e o Cristo é Deus. Resposta completa!

E por que acertou? Porque recebeu uma revelação!

Conhecer Jesus é ter uma revelação sobre quem ele é: Deus Salvador. E essa revelação só o pai dá.

Como disse Jesus: Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer ; e eu o ressuscitarei no último dia - Jo 6.44.

Esse “conhecer” não é mero acúmulo de informação, mas, o ter uma experiência com Deus, pois, “este conhecimento" (...) envolve um relacionamento pessoal. O Pai e o Filho se conhecem em amor mútuo, e através do conhecimento de Deus as pessoas são admitidas ao mistério desse amor divino, amando a Deus, sendo amadas por ele e, em resposta, amando umas às outras.”[1]

Sem esse conhecimento, o anúncio de Jesus fica, para dizer o mínimo, incompleto; colocando em risco não só o evangelho, pela mediocrização do mesmo, como o destino de quem recebe esse anúncio, quando chegar o dia da ressurreição.

A alguns, naquele dia, Jesus dirá: Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade - Mt 7.23.

É preciso conhecê-lo para anunciá-lo, de maneira tal que o receptor do anúncio possa realmente ser salvo.

Como a gente sabe se tem esse conhecimento?

Deixe-me contar-lhe a cena de um filme que tem a ver com a afirmação de Pedro: tu é os Cristo, o Filho do Deus vivo:

Franco Zefirelli, cineasta italiano, fez o filme Jesus, que chamou de seu afresco. O filme, originariamente, apresentado em duas partes, tinha, como término de sua primeira

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parte, cena que procurava retratar o texto que estamos trabalhando: Zefirelli descreve Pedro ajoelhando-se enquanto proferia a declaração em questão e, ato contínuo, os demais discípulos, tomados pelo impacto da afirmação, testemunhando sua concordância, também se ajoelham. Não sei se foi assim mesmo que aconteceu, porém, indubitavelmente, é a cena que mais se coaduna com a profundidade do que foi dito.

Jesus é mais que um profeta a ser ouvido; mais que um mestre a ser seguido; é Deus a ser adorado. Esse é o conhecimento-experiência, acerca de Jesus, que dá vida eterna (Jo 17.3).

Quem o conhece Jesus o adora, não pelo que ele faz, mas, pelo que ele é.

Esse é Jesus que precisa ser anunciado, por que é esse tipo de conhecimento-experiência com Cristo que salva.

O que é anunciar Jesus?

A primeira vista, essa é pergunta de resposta simples: é contar a experiência que tivemos, o que ela produziu em nós e, então, convidar nosso interlocutor a ter a mesma experiência.

Seria simples se não fosse At 1.8:

Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra.

Responda-me, por que razão, alguém precisaria de poder especial para ter condições de dar testemunho de Jesus Cristo? O jovem, que citamos no começo, liberto da cegueira, por exemplo, não precisou de poder especial para contar o que lhe tinha acontecido, quem tinha feito e como o tinha feito.

Por que nós o precisaríamos? Porque a Igreja não tem apenas uma mensagem para anunciar, tem uma mensagem para demonstrar:

Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus (Mt 5.16), disse Jesus.

Acho que Jesus de Nazaré foi o primeiro ser humano a trabalhar com o conceito de multimídia, pois, ele queria e quer que ao mesmo tempo que a gente esteja falando dele, a pessoa que nos ouve o esteja observando em nossas vidas, assim como, esteja sentindo no seu coração o calor que as palavras de Cristo produzem, como foi com os discípulos a caminho de Emaús.

Ele quer que a vida, o jeito e os atos da gente sejam as primeiras provas de que ele é quem diz ser.

Para isso é preciso poder , e não pouco: é preciso poder do Espírito Santo.

Anunciar Jesus Cristo é comunicá-lo por vida, palavras e obras.

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Qual é expressão prática disso?

É simples:

Primeiro, Missão – a igreja reagindo às demandas que Deus tem para a sociedade.

Mc 6: 7 Chamou Jesus os doze e passou a enviá-los de dois a dois, dando-lhes autoridade sobre os espíritos imundos. 8 Ordenou-lhes que nada levassem para o caminho, exceto um bordão; nem pão, nem alforje, nem dinheiro; 9 que fossem calçados de sandálias e não usassem duas túnicas. 10 E recomendou-lhes: Quando entrardes nalguma casa, permanecei aí até vos retirardes do lugar. 11 Se nalgum lugar não vos receberem nem vos ouvirem, ao sairdes dali, sacudi o pó dos pés, em testemunho contra eles. 12 Então, saindo eles, pregavam ao povo que se arrependesse; 13 expeliam muitos demônios e curavam numerosos enfermos, ungindo-os com óleo.

Quando a igreja sai em missão, segundo o chamado de Jesus Cristo, ela tem algo a mostrar:

O poder que expulsa os espíritos imundos e que liberta os homens.

Tem, também, algo a anunciar: a mensagem que gera o arrependimento e a fé salvadora.

Só a Igreja pode fazer isso.

Sair em missão é sair para enfrentar o mal em todas as suas manifestações: ignorância; opressão espiritual, física e/ou sócio-econômico-política; injustiça; etc.

Para ser eficaz, a igreja deve atentar para a orientação de Jesus Cristo:

Fazê-lo de modo orquestrado a partir da comunidade, tem de haver quem envie, quem estabeleça os parâmetros, quem forneça os meios e quem os receba de volta (Chamou Jesus os doze e passou a enviá-los de dois a dois, dando-lhes autoridade sobre os espíritos imundos.).

Dependência completa de Deus (nem pão, nem alforje, nem sandálias, nem túnica extra);

Desvinculamento da pretensa segurança do mundo (nem dinheiro);

Contextualizar-se ao que a graça comum já operou na sociedade beneficiária do esforço missionário (quando entrardes nalguma casa, permanecei aí até vos retirardes do lugar)[2].

Remissão de toda a glória para Deus (ungindo-os com óleo)[3].

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Segundo, Missão – a igreja reagindo às demandas que a sociedade leva a Deus.

Lc 9: 10 Ao regressarem, os apóstolos relataram a Jesus tudo o que tinham feito. E, levando-os consigo, retirou-se à parte para uma cidade chamada Betsaida. 11 Mas as multidões, ao saberem, seguiram-no. Acolhendo-as, falava-lhes a respeito do reino de Deus e socorria os que tinham necessidade de cura. 12 Mas o dia começava a declinar. Então, se aproximaram os doze e lhe disseram: Despede a multidão, para que, indo às aldeias e campos circunvizinhos, se hospedem e achem alimento; pois estamos aqui em lugar deserto. 13 Ele, porém, lhes disse: Dai-lhes vós mesmos de comer. Responderam eles: Não temos mais que cinco pães e dois peixes, salvo se nós mesmos formos comprar comida para todo este povo. 14 Porque estavam ali cerca de cinco mil homens. Então, disse aos seus discípulos: Fazei-os sentar-se em grupos de cinqüenta. 15 Eles atenderam, acomodando a todos. 16 E, tomando os cinco pães e os dois peixes, erguendo os olhos para o céu, os abençoou, partiu e deu aos discípulos para que os distribuíssem entre o povo. 17 Todos comeram e se fartaram; e dos pedaços que ainda sobejaram foram recolhidos doze cestos.

A igreja reagindo às demandas da sociedade. A igreja, para mostrar o que tem, a exemplo de Jesus Cristo, neste trecho, deve ver-se como resposta de Deus para a sociedade.

Jesus Cristo viu-se como resposta de Deus à ignorância espiritual do povo: falava-lhes a respeito do reino de Deus.

Viu-se, também, como resposta de Deus à enfermidade do povo: socorria os que tinham necessidade de cura.

Viu-se como resposta de Deus à fome do povo: E, tomando os cinco pães e os dois peixes, erguendo os olhos para o céu, os abençoou, partiu e deu aos discípulos para que os distribuíssem entre o povo.

Todos comeram e se fartaram.

Viu-se como resposta à desorganização e desorientação do povo: Fazei-os sentar-se em grupos de cinqüenta.

Tudo que Jesus Cristo usou para responder as demandas do povo:

A compaixão: acolhendo-as.

Cristo levou seus discípulos para descansar, encontrou as multidões esperando-o, acolheu-as, isto é, assumiu-se como resposta de Deus para a ansiedade do povo.

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A igreja, de igual modo, para mostrar o amor do Pai, deve acolher a humanidade, compreendendo a sua condição de carente da glória de Deus (rm 3.23). É uma missão de salvação, não de juízo.

A palavra de Deus: falava-lhes a respeito do reino de Deus.

Carente da glória de Deus, a humanidade tem sido desviada pelos mais diversos enganos. Jesus Cristo ensinou-lhes o caminho que realmente leva a Deus. A igreja tem a resposta para a pergunta dos homens, logo, tem a responsabilidade de respondê-la para fazê-los ver o Pai que quer ser encontrado.

O poder do Espírito Santo: socorria os que tinham necessidade de cura.

Jesus Cristo tinha consciência de que os dons que recebemos são para abençoar os necessitados. A exemplo dos amigos do paralítico (mc 2)[4], a igreja tem de colocar todos os seus recursos para que a cura de Deus seja alcançada; a cura de Deus não contempla apenas o espiritual, pois, Cristo veio “não só a alma do mal salvar, também, o corpo ressuscitar”[5]. Dessa forma a igreja mostra o Pai que preocupa-se com o sofrimento humano.

Recursos do próprio povo: Não temos mais que cinco pães e dois peixes. – que um menino cedeu (jo 6.9).

Jesus deixou claro que o problema não são os recursos, há, independente da quantidade. A questão é se eles estão ou não entregues nas mãos de Cristo. Quando a igreja se dispõe a servir, sua preocupação deve ser a de colocar os recursos de que dispõe nas mãos de Deus; e, dessa forma, mostrar o Pai que distribui os recursos para o bem de todos.

O exemplo: Fazei-os sentar-se em grupos de cinqüenta.

Ao dar essa ordem, o Senhor tratou de duas questões: em primeiro lugar criou caminho para que o pão chegasse a todos. Sem que as pessoas fossem dispostas dessa maneira , como os discípulos conseguiriam alcançar a todos com o alimento? Lembre-se, eram cinco mil homens, acrescente mulheres e crianças...é provável que cheguemos a cerca de doze mil pessoas.

Em segundo lugar, Jesus promoveu uma nova forma de organização do povo: quando ele chegou em Betsaida encontrou uma multidão de pessoas se acotovelando; ao propor essa organização, Jesus estava transformando esse amontoado de pessoas numa reunião de cerca de duzentos e quarenta comunidades, compostas de cinqüenta pessoas cada. Além do mais levou-as ao status de companheiros, pois, a palavra companheiros significa aqueles que compartilham do mesmo pão. Essa disposição tinha, em si, um ensino: só em comunidade todas as pessoas podem ser alcançadas e alimentadas.

A igreja, não só deve viver em comunidade, como deve ensinar a humanidade a viver assim – é na comunidade que cada sujeito constrói sua identidade – dessa maneira faz-se conhecido o Deus que está em permanente conselho- o Deus Triúno.

A igreja só alcançará tal eficácia indo onde as pessoas estão, onde a história está

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acontecendo; envolvendo-se.

Como doze homens conseguem fazer doze mil sentarem-se, a menos que se misturem ao povo e, através do ensino e do exemplo, ministrem o senso comunitário?

A fé que se estriba na gratidão: Então, Jesus tomou os pães e, tendo dado graças, distribuiu-os entre eles; e também igualmente os peixes, quanto queriam (jo 6.11).

Jesus Cristo tomou o pouco alimento que recebeu e, ao invés de pedir um milagre, agradeceu a Deus, o que nos ensina algumas verdades:

Quem sabe agradecer pelo que recebe, ainda que pareça pouco, verá a multiplicação de Deus.

Jesus Cristo confiava no caráter de Deus, porque fé é isso – crer que Deus existe e é galardoador daqueles que o buscam (Hb 11.6) – é como se Cristo dissesse:- “se foi isso o que Deus mandou é porque, com isso, vai dar para fazer uma festa.”

A igreja precisa demonstrar pela gratidão o Deus galardoador dos que o buscam. E pelo compartilhamento o Deus abençoador e solidário.

Com tais práticas a igreja produz obras que não podem ser explicadas a não ser como fruto da ação divina.

Onde temos de anunciar Jesus?

tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria e até os confins da Terra.

Ou seja, em todos os lugares do mundo.

Quando? tanto, como.

Ou seja, agora e ao mesmo tempo.

Missão é assim:

quem não é chamado a atravessar fronteiras, é chamado a anunciar em sua Jerusalém.

quem não chamado a ir para além fronteiras é chamado a enviar missionários, que significa interceder por eles e sustentá-los financeira e emocionalmente.

É isso irmãos, conheçamos e prossigamos em conhecer o Senhor e anunciemo-lo a tempo e fora de tempo.

[1]Bruce, F.F. – João, introdução e comentário – série cultura bíblica – Mundo Cristão e Edições Vida Nova

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[2]Ramos, Ariovaldo – A graça de Deus na cultura :

1. Na abordagem à cultura. Entendo que, sob tais prismas, a aproximação à cultura tem de partir de uma perspectiva positiva: a ação da graça na mesma. Numa busca, portanto, de pontos de contato.

2. Na contextualização. Nesses parâmetros, contextualização deixa de ser o uso sincrético de seus símbolos espirituais, para tornar-se o reforço do que há de divino na cultura em questão.

3. Ao invés do juízo, entra em ação a compreensão da cultura em sua complexidade.

edição especial do jornal Liderança – www.editorasepal.com.br

[3]Shedd, Russell – comentário – Bíblia Shedd – edições Vida Nova

[4]Ramos, Ariovaldo – Amigos, amigos, nada à parte:

“Que bom que eles colocaram os seus talentos, seus dons , seus recursos para isso. Você sabia que Deus da dons, talentos e recursos para isso? É tanta gente necessitada! E, por isso, você tem tantos dons.”

Jornal Liderança - Ed. Sepal

[5]Canção evangélica.

[6]Huston, James – palestra em São Paulo – 1998

Um Deus de história Publicado em 18/12/07 às 8:13   Por: Ariovaldo Ramos

A busca por uma Teologia Integral desde o conceito de missão integral deve partir de uma dada compreensão de Deus. Muitas vezes Deus é entendido de um ponto de vista meramente filosófico, portanto, um conceito: se ele existe, como deve ser. Um estudo do ser pelo ser. Uma teologia integral, entendendo teologia como o estudo da revelação no tempo e no espaço, logo, na cultura, só poderá partir de uma compreensão de Deus na história, de como ele, nela, se apresentou, não significa aprisioná-lo, mas, admitir que qualquer elaboração acerca de uma pessoa só será possível se esta apresentar-se na história. Somos seres contingentes, presos ao tempo e ao espaço, tudo o que nos afeta, é nessa dimensão que nos afeta. Não temos como escapar dessa condição, o que significa que só consegue se comunicar conosco o que entra na história.

Deveríamos partir, então, da nossa condição histórica, ou melhor, do fato de sermos seres contingentes. É preciso arraigar-se na realidade. Acontece, entretanto, que realidade é mais a interpretação do fato, do que o fato, em si. Por exemplo, a violência urbana: alguém pode descrevê-la como, para além do imperativo moral, fruto da desigualdade social, em todas as suas dimensões, enquanto outro pode atribuí-la a, apenas, uma questão moral. A descrição que se faz do fato, por sua vez, determina a

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reação ao que chamamos de realidade: aquele que descreveu o que viu a partir injustiça na sociedade, apelará, também, à via educacional e à mudança de modelo econômico; enquanto, este, que optou por uma descrição calcada na moral, apelará à repressão.

Quando falamos, portanto, de práxis, não nos referimos, necessariamente, a algo já esteja estabelecido, práxis é uma percepção, um modo de ver, interpretar e agir sobre o que denominamos de realidade. É, por assim dizer, uma opção de percepção e de ação. Isto é essencial para o “fazer teológico”, que há de escolher um modo de descrever a realidade, sob pena de não se consumar como tal. Uma teologia, que se queira integral, optará pelo conceito de solidariedade (responsabilidade pelo outro), trabalhará, portanto, com a proposta que denuncia a injustiça social, a luta de classes e a mais valia – a exploração do homem pelo homem, como chave hermenêutica para interpretar a história; para tanto, não precisará abrir mão das bases históricas da fé cristã, quais sejam: “Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo.” e “Arrependei-vos, porque é chegado o Reino de Deus”. Poderá, portanto, manter o núcleo da doutrina clássica da salvação, como os reformadores a apresentaram, embora, por se propor integral, tenha de optar por partir de uma dada leitura da história e nesta estar arraigada.

Uma Teologia Integral entenderá que Deus se revela nessa história. De fato, não há nas Escrituras nenhuma revelação que não esteja de algum modo, ligada à história. Mesmo quando fala do futuro, pós Nova Jerusalém, não está falando de fim da história, mas, da ressignificação da mesma.

Somos seres contingentes, nunca escaparemos da história, logo, se Deus quiser falar conosco, o fará na história, e numa história que seja entendida como a trajetória da humanidade em busca de libertação, em todos os sentidos.

Há quem diga que hoje somos espíritos encarnados, mas, um dia abandonaremos os corpos que habitamos. O que vem a ser um espírito desencarnado? É algo difícil de conceber, porque nós nos vemos como seres com corpo e espírito. Ninguém quer ser um espírito desencarnado. Aliás, se não tivéssemos caído, se, se não tivessemos comido da árvore da morte, nunca morreríamos, logo, nunca haveríamos de nos pensar divididos em espírito e corpo. Sempre nos veríamos como indivisíveis. Essa distinção entre corpo e espírito só entrou em nossa concepção porque caímos e passamos a experimentar a morte, doutra sorte isso jamais nos ocuparia, nem mesmo em nosso imaginário. Daí, é muito mais sensato pensarmos a nós mesmos a partir da indivisibilidade, a morte como um mistério trágico e a sobrevivência à morte, no aguardo da ressurreição do corpo, como um miraculoso enigma, o que nos remeterá a um vislumbre de como, dentre outras experiências possíveis, essa, também, nos demonstra como estamos ligados ao numinoso.

Os servos e servas de Deus, que morreram, desfrutam da paz inerente a sua condição atual, estão com o Senhor, mas, de modo algum estão completos sem os seus corpos. Paulo pode até ter afirmado “o morrer para mim é lucro”, pois, significaria estar na presença do Senhor, mas, ele sabia do desconforto de estar sem o corpo, de experimentar um estado de não ser plenamente humano, um estado de espera, cuja angústia só não se manifesta porque vencida pela presença de Cristo, garantia de que o estado de espera é temporário. Estão em paz, porém, aguardando a ressurreição dos mortos. E, porque estão no aguardo, estão na história.

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Os cristãos não acreditam na imortalidade da alma (uma crença helenista), mas, na ressurreição do corpo. Almas desencarnadas vivendo pela eternidade não é o cristianismo. Ouve-se, por vezes, um pastor afirmar, enquanto encaminha um morto a sepultura, que o finado agora está bem. Por certo, por estar na presença de Jesus. Entretanto, quando alguém desce ao túmulo, significa que ele foi vítima da tragédia que, por causa da queda, alcança todo o ser humano, perdeu o seu corpo, mais, sua integralidade. Mas, como cremos, o terá de volta e, com ele, sua plena humanidade.

Esse é um ponto a ser enfatizado. Na história do pensamento cristão, a doutrina da ressurreição dos mortos ocupou pouco muitos dos teólogos, a ênfase muitas vezes recaiu sobre alma e seu aperfeiçoamento. O corpo, em muitos destes pensadores, foi visto como uma prisão, fonte de intemperança a ser mantido casto; resultado da influência de movimentos como o neoplatonismo, entre outros.  No entanto, tanto os evangelhos quanto Paulo ensina que a ressurreição do corpo é a culminância do nosso destino antropológico. A história da salvação não faria qualquer sentido se excluíssemos a ressurreição do corpo de nosso credo, porque significaria afirmar que entramos na história de uma forma, que na história a perdemos e que nunca mais a recuperaríamos, o que equivaleria dizer que como somos nunca mais poderíamos ser. Então, como poderíamos dizer que fomos salvos, se, de fato, nunca mais seríamos o que somos? O que implicaria em que o propósito para o qual fomos criados jamais se cumpriria, por perdemos a qualidade de ponte entre a metafísica e a física.

Nós vamos nos encontrar outra vez como seres de carne e osso. Ressuscitaremos no ultimo dia,. Sem a ressurreição deixaríamos de ser humanos. Seriamos uma terceira coisa, porque a corporeidade é inerente a nossa condição humana,

Liberdade! Não a encontraremos na morte, mas, quando nosso corpo for igual ao do Cristo ressurreto, que já não conhece as limitações da intransponibilidade e da necessidade de nenhuma ordem.

Nosso futuro glorioso, entretanto, não nos livrará do fato de que somos contingentes, parte das engrenagens que movem a história. Esse deve ser um dos pressupostos sobre o qual uma teologia que se queira integral se assentará. Tudo o que nos afeta é em nossa contingência que nos afeta. Se nela não nos toca, não nos afetará em coisa alguma.

A Trindade está na eternidade, sem necessidade nem carência. Não há nada de que precise, não está presa ao tempo e ao espaço; não precisa, portanto, da história. Mas, decidiu criar. Não importa o que tenha criado primeiro, com a criação inventou a história. Não importa se há, dentre as criaturas, alguma que não seja não afetada pelo tempo, quem tem um começo está na história. Só não pertence à história quem não teve um começo. Só a Trindade não conhece um começo. Por isso está além da história, a transcende. Só a Trindade é eterna. Toda a criação nela se sustenta, e somente Ela se sustenta a si mesma.

O Deus triúno, entretanto, se revela na história. Nas Escrituras temos o relato de quem com ele conviveu na história.  Deus não entrou na história para provar a sua existência. Ele se manifestou. E sua mais densa manifestação foi plenamente histórica. O homem Jesus viveu entre nós. Estava como nós, preso à história. Como homem, Jesus teve o seu começo, foi concebido e nasceu da virgem, foi julgado e condenado à morte, foi morto e ressuscitou, ascendeu aos céus, está à direita do Pai e virá outra vez, quando julgará os

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mortos e os vivos. Esse é o credo da fé cristã, é o que nós confessamos. No relato evangélico, o anjo diz a Maria que o ser que haveria de nascer dela seria chamado Filho de Deus. O Filho sempre existiu como a segunda pessoa da Trindade, mas, o homem Jesus nasceu e morreu, experimentou a contingência, provou da condição humana, conheceu a história. Como uma das hipóstases da Trindade, o Filho sempre existiu. Como encarnação de Deus, porém, ele nasceu e morreu, teve uma existência histórica. Por isso, o Jesus da fé tem de ser o Jesus histórico, porque seres contingentes precisam do que precisarem na e a partir da sua contingência, não dá para ter um Jesus histórico perdido nas sombras da narração, e um Jesus da fé sem a necessária conexão com a vida e a libertação da história e na história.

No que todas essas considerações sobre a criação e a história implicam? Em primeiro lugar, que o único Deus que podemos conhecer, até onde o podemos conhecer, é o Deus que se revelou na história. Não podemos encontrar Deus por meio da especulação metafísica ou da mera contemplação mística, porque só podemos encontrar alguém que se manifeste na história. Somos criaturas, por isso, contingentes, Deus, que nos fez, tornou-se responsável por esse modo de existir que chamamos de história, e, na medida em que a deflagrou, necessariamente, nela se envolveu, o que não aconteceria se, apenas, nos abandonasse à história, pois, então, nunca poderíamos saber dele, porque só podemos saber do que toca, de alguma maneira a história, o que só é possível através de nela entrar algum modo. O Deísmo, portanto, sofre de um paradoxo, que o condena a ser, apenas, uma forma de Agnosticismo. A encarnação, a morte e a ressurreição do Filho tornaram-se a garantia definitiva de que Deus comprometeu-se conosco, na história, de forma definitiva e incondicional. Nosso destino tornou-se o destino de Deus na história, uma vez que Deus entra na mesma como nosso salvador, de modo que o triunfo de sua missão terá de ser necessariamente histórico.

Deus iniciou o que chamamos de história: Ele, ser infinito, criou seres inferiores a si, porém, embora tudo que é inferior ao infinito lhe é infinitamente inferior, somos consciências livres. Não somos frutos somente da decisão e do poder de Deus, como, também, de sua capacidade de ceder espaço para que nossa consciência pudesse manifestar-se. Assim não é de estranhar que um ser capaz de ceder de seu espaço, entre na história, espaço que nos foi concedido, para nos resgatar. Somos seres causados por Deus, que se responsabiliza pelo que causou.

Rebelar-se contra Deus não é tornar-se independente dele, é, tão somente, agir com absoluta ingratidão. A única maneira de tornar-se independente é deixando de existir em qualquer forma que seja possível. Deixar de existir, em qualquer forma, deveria ter sido a conseqüência imediata de nossa queda, uma vez que romper com Deus é romper com o nosso local de existir, pois, é nele que “vivemos, nos movemos e existimos” (como disse Paulo) e quem sai do local de existência, sai, por definição, da mesma. Entretanto, Deus, contra toda a lógica, continuou a nos manter, certamente, graças ao fator exógeno que chamamos de graça. O que acabou por determinar que, uma vez na existência, nela para sempre. Isso pode soar terrível, que, como seres causados e dependentes, estamos, para sempre, presos a essa condição, o que eiva de limitações o conceito liberdade. Mas, isso, de certa maneira, também, é verdade para a Trindade. Deus não pode aniquilar-se a si mesmo e, logo, não pode aniquilar a nenhuma de suas criaturas, sob pena de ser incoerente. Mas, como, também, Deus não pode ser injusto, tem de arcar com o custo da existência, que é o sacrifício do Cordeiro, o que deixa a Trindade livre para atribuir às suas criaturas a qualidade de vida que quiser, mediante os critérios que determinar. A

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história não terá fim.

É preciso reiterar que quando morremos saímos da história como a vivemos, para entrar na que estão vivendo os que estão à espera da ressurreição. Os que lá se encontram, também, estão presos à história: aguardando o fim destes tempos, a “parousia”, a volta de Cristo. Com a ressurreição a história será ressignificada, estará sem a presença do pecado, da maldade e da rebelião. Será a culminância de tudo o que a precedeu. Não será, portanto, a criação de algo novo, mas, uma continuação do que aconteceu antes, porém, purificada pela cruz de Cristo. Nessa nova fase o tempo continuará a existir para nós, pois temos começo, porém, sem a maioria das limitações que ora sofremos e que nos fazem percebê-lo como fator inexorável de entropia. Seremos plenos, mas, sempre contingentes e dependentes. Que relevância há numa teologia que ignore essa prevalência da nossa condição de habitantes da história?

Podemos viver uma história que precisa ser consertada, mas, não somos fora da condição histórica.

A salvação de Deus, portanto, tem de se manifestar na história, e para a história, dando-lhe sentido. Pensar a salvação na história é outro desafio de uma teologia integral. Se o somos em nossas circunstancias, como sugeriu Ortega y Gasset, a salvação passaria pelo resgate de nosso contexto, pela transformação das condições em que vivemos. Esse é um significado possível para a oração: “venha o teu reino”. Uma salvação que se faria completa com a renovação do ambiente em que vivemos.

Um ser humano salvo, portanto, deveria ser alguém que foi arrancado do inferno e teve o mesmo arrancado dele, o que significa que triunfou sobre as suas fraquezas, vícios e traumas. Estaria fora do alcance do inferno. Um pensável significado para o clamor: “livra-nos do mal”, isto é, não termos em nós nenhum ponto de apoio para o maligno. Uma vez salvo, o ser humano se desligaria totalmente da rebelião, já não seria mais, involuntariamente, recrutado por ela, sendo transformado à imagem de Jesus de Nazaré, por meio da vitória da vida divina em si. Seus dons e talentos poderiam ser plenamente desenvolvidos e livremente exercitados, passaria do individualismo para a vida em comunidade, do narcisismo a fraternidade, da intolerância a compaixão.

A dimensão comunitária da salvação se expressaria por meio do surgimento do ser humano coletivo, fruto da unidade que Cristo promove entre os seres humanos que alcança, por meio da criação do que Paulo chama de “um só novo homem”. A salvação seria um bem pessoal que transforma e aperfeiçoa tudo em nós, e em todas as esferas de nossa existência: espiritual, psicológica, econômica, social e política. A salvação não poderia se restringir ao crescimento espiritual e ao aperfeiçoamento moral. Salvação para o Deus que se manifesta na história teria de ser o resgate do ser humano nas suas circunstâncias, e de suas circunstâncias. Portanto, a salvação, nessa perspectiva é Deus resgatando a humanidade, pela equalização da sociedade e pelo resgate da pessoa.

Uma teologia será tão integral quanto a integralidade de sua leitura de Deus, em sua revelação.

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Teologia da Prosperidade Publicado em 25/06/07 às 16:28  

Por: Ariovaldo Ramos

"A prosperidade da decepção"

Quando, na década de 80, a teologia da prosperidade chegou ao Brasil, ela veio como uma nova tese sobre a fé, prometia o céu aqui para o que tivesse certo tipo de fé. As promessas eram as mais mirabolantes: garantia de saúde a toda prova, riqueza, carros maravilhosos, salários altíssimos, posições de liderança, prosperidade ampla, geral e irrestrita. Lembro-me de, nessa época, ter ouvido de um ferrenho seguidor dessa teologia que, quem tivesse fé poderia, inclusive, negociar com Deus a data de sua morte, afirmava que, na nova condição de fé em que se encontrava, Deus teria de negociar com ele a data de sua partida para mundo dos que aguardam a ressurreição do corpo. Estamos, há cerca de vinte anos convivendo com isso, talvez, por isso, a grande pergunta sobre essa teologia seja: Como têm conseguido permanecer por tanto tempo? A tentação é responder a questão com uma sonora declaração sobre a veracidade desta proposição, ou seja, permanece porque é verdade, quem tem fé tem tudo isso e muito mais. Entretanto, quando se faz uma pesquisa, por mais elementar, o que se constata é que as promessas da teologia da prosperidade não se cumpriram, e, de fato, nem o poderiam, quando as regras da exegese e da hermenêutica são respeitadas, percebe-se: não há respaldo bíblico. Então qual a razão para essa longevidade?

Em primeiro lugar, a vida longa se sustenta pela criatividade, os pregadores dessa mensagem estão sempre se reinventando, bem fez um de seus mais expoentes pregadores quando passou a chamar seu programa de TV de "Show da Fé", de fato é um espetáculo ás custas da boa fé do povo. Mesmo os mais discretos estão sempre expondo o povo, em alguns casos, quando mais simplório melhor, em outros, quanto mais bonita, e note-se o feminino, melhor. Além disso, é uma sucessão de invencionices: um dia é passar pela porta x, outro é tocar a trombeta y, ou empunhar a espada z, ou cobrir-se do manto x, e, por aí vai. Isso sem contar o sem número de amuletos ungidos, de águas fluidificadas e de bênçãos especiais. Suas igrejas são verdadeiros movimentos de massa, dirigidos por "pop stars" que tornam amadores os mais respeitados animadores de auditório da TV brasileira.

Em segundo lugar, a vida longa se mantém pela penitência; os pregadores dessa panacéia descobriram que o povo gosta de pagar pelos benefícios que recebe, algo como "não dever nada a ninguém", fruto da cultura de penitência amplamente disseminada na igreja romana medieval, aliás, grande causadora da reforma protestante. Tudo nessas igrejas é pago. Ainda que cada movimento financeiro seja chamado de oferta, trata-se, na prática, de pagamento pela benção. Deus foi transformado num gordo e avaro banqueiro que está pronto a repartir as suas benesses para quem pagar bem, assim, o fiel é aquele que paga e o faz pela fé; a oferta, nessas comunidades, é a única prova de fé que alguém pode apresentar. Na idade média, como até hoje, entre os romanos, Deus podia ser pago com sacrifícios, tais como: carregar a cruz por um longo caminho num arremedo da via "crucis", ou subir de joelhos um número absurdo de degraus, ou, em último caso, acender uma velinha qualquer, não é preciso dizer que a maioria escolhe a vela. Mas, isso é no romanismo! Quem quer prosperidade, cura, promoções, carrões e outros beneplácitos similares tem de pagar em moeda corrente, afinal, dinheiro chama dinheiro, diz a crença popular. E tem de pagar antes de receber e, se não receber não pode reclamar, porque Deus sabe o que faz e, se não liberou a bênção é porque não recebeu o suficiente ou não encontrou a fé meritória. Esses pregadores têm o consumidor ideal.

Em terceiro lugar são longevos porque justificam o capitalismo, embora, segundo Weber, o capitalismo seja fruto da ética protestante, (aliás, a bem da verdade é preciso que se diga que o capitalismo descrito por Max Weber em seu livro "A ética protestante e o espírito do capitalismo" não é, nem de longe, o praticado hoje, que se sustenta no consumismo, enquanto aquele se erguia da poupança, além disso, como

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sociólogo, Weber tirou uma foto, não fez um filme, suas teses se circunscrevem a sua época e nada mais) a fé, de modo geral, evangélica nunca se deu bem com a riqueza. A chegada, porém, dessa teologia mudou o quadro, o capital está, finalmente, justificado, foi promovido de grilhão que manieta a fé em troféu da mesma. Antes, o que se assenhoreava do capital tornava-se o avaro acumulador egoísta, agora, nessa tese, é o protótipo do ser humano de fé. Antes, o que corria atrás dos bens materiais era um mundano, hoje, para esses palradores, é o que busca o cumprimento das promessas celestiais. Juntamente com o capitalismo, essa mensagem justifica o individualismo, a bênção é para o que tem fé, ela é inalienável e intransferível. Eu soube de uma igreja dessas que, num rasgo de coerência, proibiu qualquer socorro social na comunidade para não premiar os que não tem fé. Assim, quem tem fé tem tudo quem não tem fé não tem nada. Antes, ter fé em Cristo colocava o sujeito na estrada da solidariedade, hoje, nesse tipo de pregação, o coloca no barranco da arrogância. Toda "esperteza" está justificada e incentivada. Não é de estranhar que ética seja um artigo em falta na vida e no "shopping center" de fé desses "ministros".

Mas, o que isso tudo tem gerado, de verdade? Decepção, fragorosa decepção é tudo o que está sobrando no frigir dos ovos. As bênçãos mirabolantes não vieram porque Deus nunca as prometeu, e Deus não pode ser manipulado. O sucesso e a riqueza que, porventura, vieram foram mais fruto de manobras "espertalhonas", para dizer o mínimo, do que resultado de fé. Aliás, para muitos foi ficando claro que o que chamavam de fé, nada mais era do que a ganância que cega, o antigo conto do vigário foi substituído pelo conto do pastor. Gente houve que ficou doente, mas, escondeu; perdeu o emprego, mas, mentiu; acreditou ter recebido a cura, encerrou o tratamento médico e morreu. Um bocado de gente tentando salvar as aparências, tentando defender os seus lideres de suas próprias mentiras e deslizes éticos e morais; um mundo marcado pela esquizofrenia. O individualismo acabou por gerar frieza, solidão e, principalmente, perda de identidade, porque a gente só se torna em comunidade. Tudo isso acontecendo enquanto muitos fiéis observavam o contraste entre si e seus pastores, eles sendo alcançados pela perda de bens, pela angústia de uma fé inoperante, pela perda de entes queridos que julgavam absolutamente curados e os pastores enriquecendo, melhorando sensivelmente o padrão de vida, adquirindo patrimônio digno de nota, sendo contado entre o "jet set", virando artistas de TV, tudo em nome de um evangelho que diziam ter de ser pregado e que suas novas e portentosas posses avalizavam.

E onde estão estes decepcionados? E para onde estão indo os seus pares? Muitos estão, literalmente, por aí, perderam aquela fé, mas não acharam a que os apóstolos e profetas da escritura judaico-cristã anunciaram; ouviram o nome Cristo, mas não o encontraram e pararam de procurar. Talvez, estejam perdidos para evangelho; para sempre. Outros, no meio de tudo isso foram achados por Cristo e estão procurando pelo lugar onde ele se encontra. Para os primeiros não há muito que fazer a não ser interceder diante do Eterno, para que se apiede dos que foram vergonhosamente enganados; para os que estão a procura, entretanto, é preciso desenvolver uma pastoral. Eles não estão chegando como chegam os que estão em processo de reconhecimento de Deus e do seu Cristo. Estão batendo às portas das comunidades que julgam sérias com a Bíblia a procura de cura para a sua fé, para a sua forma de ser crente, para a sua esperança de salvação, para a sua falta de comunidade e para a sua confusão doutrinária. Precisam, finalmente, ver a Jesus Cristo e a si mesmos; precisam, em meio a tanta desinformação encontrar o ensino, em meio a tanto engano recuperar a esperança. Necessitam de comunidade e de identidade, de abraço e de paciência, de paz e de alento, de fraternidade e de exemplo, de doutrina e de vida abundante. Quem quer que há de recebê-los terá de preparar-se para tanto, mesmo porque, ainda que certos da confusão a que foram expostos, a cultura que trazem é a única que têm e, nos momentos de crise, de qualquer natureza, será a partir desta que reagirão, até que o discipulado bíblico construa, com o tempo, uma nova e saudável cultura.  

Hoje, para além de tudo o que encerra a sua missão, a Igreja tem de corrigir os erros que, em seu nome, e, em muitos casos, sob a sua silenciosa conivência, foram e, ainda, estão sendo cometidos.

Fonte: www.ariovaldoramos.com.br

 Perdão Publicado em 24/04/07 às 17:16   No tom da paixão de Cristo

Por: Ariovaldo Ramos

Quando a humanidade pecou, lá no jardim, a punição apropriada para aquele

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ato era tudo deixar de existir. Não só a raça humana deixaria de existir, mas tudo o mais, porque a raça humana é o ápice e o “cabeça” da criação. Era um ato de ruptura com Deus que é em quem tudo existe. “Pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos.” At. 17.28 Romper com Deus é não ter mais lugar para viver, para mover-se e para existir. Logo, era um ato suicida. Era isso que o inimigo queria, ele é um suicida radical, sua lógica era algo como: se não tem pra mim, não tem pra ninguém.

Para sua surpresa, Deus prometeu a salvação. E a salvação veio em Cristo, que satisfez o princípio eterno de justiça, liberando o Pai para salvar a criação sem incorrer em injustiça.

Agora, se aquele ato no jardim tinha o potencial para a destruição total, então, todo ato semelhante tem o mesmo potencial. Todo pecado é um ato geocida, um ato de aniquilação de toda a criação. Por que, uma vez que a humanidade é uma pessoa só, o ato de cada um é o ato de todos. E essa condenação só não se consuma a cada pecado humano, por causa da todasuficiência do sacrifício de Cristo.

Quando Cristo exclamou: Pai perdoa-os, eles não sabem o que fazem. Ele estava dizendo isso; é como se dissesse: eles não sabem que cada ato dessa natureza é um geocídio. E se o Pai não perdoar, não terá outra escolha senão destruir toda a criação. Graças ao ato de Cristo, o perdão de Deus cobre a todo o pecador, mesmo que este não vá buscar o perdão, porque o princípio de justiça está plenamente satisfeito. Deus perdoa a cada um tendo em vista a preservação do Universo. E tudo o que o pecado gerou como efeito colateral, uma vez que seu efeito principal foi anulado, o sacrifício de Cristo possibilitou que seja restaurado. “Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram...”Ap. 21.1

Por tudo isso, todos nós devemos perdoar sempre aos que nos ofenderam, porque, graças ao ato de Cristo, o pecado perdeu o seu efeito fatal na criação. E se perdeu o efeito para o Universo, não podemos permitir que cause algum efeito em nós. Nos recordemos da força da petição que o Senhor nos ensinou, no que tange ao quesito perdão: “E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores.” Mt 9.12

Ariovaldo Ramos é filósofo e teólogo, além de diretor acadêmico da Faculdade Latino-americana de Teologia Integral e presidente da Visão Mundial. Confira também a página de Ariovaldo Ramos: www.lideranca.org/ramos

O amor de Deus Publicado em 17/10/06 às 19:04  

Por Ariovaldo Ramos

O amor de Deus não é incondicional

É um equívoco dizer que o amor de Deus é incondicional, para que seja assim o amor de Deus deveria cumprir duas condições que, a meu ver, estão implícitas no termo

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incondicionalidade: a não necessidade de pré-requisito e a não expectativa de reciprocidade. Vejamos:

A- "Nós o amamos a ele porque ele nos amou primeiro." I Jo 4.19 (RC)

Deus não ama incondicionalmente: Deus ama para ser amado. Deus espera que seu amor por nós desperte amor por Ele. Se Deus amasse incondicionalmente a salvação teria de ser universal.

Incondicionalidade significa não exigir nenhum pré-requisito e não esperar nenhum tipo de resposta. Não é o caso: Deus espera ser amado. Logo, antes de ser incondicional, o amor de Deus atua para criar em nós condições de amá-lo. Não é incondicional porque dos dois fatores que demarcam a incondicionalidade: a ausência de pré-requisito e o não aguardo de resposta - o amor de Deus contempla apenas o primeiro. O amor de Deus não exige pré-requisito: "Mas Deus mostrou-nos até que ponto nos ama, pois, quando ainda éramos pecadores, Cristo morreu por nós." (Rm 5.8 - SBP) O amor de Deus, entretanto, exige uma resposta: "Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna." (Jo 3.16 – RA) – Deus ama ao mundo, mas só salva àquele que responde ao seu amor.

B- "O amor de Cristo absorve-nos completamente, pois sabemos que se ele morreu por todos, então todos morreram. E ele morreu por todos, para que os que vivem já não vivam para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou." 2Co 2.14,15 (SBP)

O amor sacrificial de Cristo é suficiente para salvar a todos, mas, é eficaz aos que, conscientes desse amor, não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou. O amor de Cristo espera gerar conversão, para que haja salvação.

C- "Nós sabemos que tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus, dos que são chamados segundo o seu plano." Rm 8.28 (SBP)

Deus é soberano, mas se responsabiliza pela história daqueles que o amam; o caminho dos ímpios, porém, perecerá (Sl 1.6). Deus garante que interferirá na história para que esta seja benéfica para os que o amam, contudo, deixará que os ímpios sigam livremente o seu curso, o que terminará em perdição. E, ímpios são os que não respondem ao amor de Deus.

D- "Foi antes da festa da Páscoa. Jesus sabia que tinha chegado a sua hora de deixar este mundo para ir para o Pai. E ele, que amou sempre os seus que estavam no mundo, quis dar-lhes provas desse amor até ao fim. (...) Levantou-se então da mesa, tirou a capa e pegou numa toalha que pôs à cintura. Depois deitou água numa bacia e começou a lavar os pés aos discípulos e a enxugá-los com a toalha. (...) Se eu, que sou Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também de agora em diante devem lavar os pés uns aos outros." Jo 13. 1, 4, 5, 14 (SBP)

Mesmo o ato mais amoroso e aparentemente incondicional de Cristo tinha um propósito: provocar conversão em seus discípulos, de modo que o imitassem. Não era, portanto, uma demonstração da incondicionalidade de seu amor, mas um ato

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pedagógico visando um fim específico. Deus ama primeiro, porém não incondicionalmente, ele espera uma resposta.

E- "E diz também: Se o teu inimigo tem fome, dá-lhe de comer e se tem sede dá-lhe de beber. Ao fazeres isso, farás com que a cara lhe arda de vergonha." Rm 12.20 (SBP)

Mesmo o amor com que Deus manda que amemos não é incondicional, espera uma resposta. Ainda que a gente não deva parar de amar por motivo nenhum: "E não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não houvermos desfalecido." Gl 6.9 (RA) – a gente, também, não pode perder a esperança de alcançar a resposta desejada.

F- "Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR. Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força." Dt 6.4,5

Deus espera ser amado, porque esta é a única maneira adequada de relacionar-se com Deus na beleza de sua exclusividade, de sua santidade: amá-lo acima de todas as coisas – o que significa sempre escolher a Deus, não importa quão tentadora seja a possibilidade oferecida; quem ama a Deus acima de todas as coisas só escolhe o que Deus escolheria, porque sempre escolhe a Deus.

G- "Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu também o amarei e me manifestarei a ele. Quem não me ama não guarda as minhas palavras; e a palavra que estais ouvindo não é minha, mas do Pai, que me enviou." Jo 14.21,24 (RA) "Aquele que diz: Eu o conheço e não guarda os seus mandamentos é mentiroso, e nele não está a verdade. Aquele, entretanto, que guarda a sua palavra, nele, verdadeiramente, tem sido aperfeiçoado o amor de Deus. Nisto sabemos que estamos nele: aquele que diz que permanece nele, esse deve também andar assim como ele andou." 1Jo 2.4-6 (RA)

Quem ama a Deus? Aquele que o obedece. O que acontece com aquele que obedece a Deus? O amor de Deus é nele aperfeiçoado, isto é, nele o amor que saiu de Deus consegue cumprir a missão para a qual saiu. Deus ama para ser obedecido! Quem não obedece a Deus como resposta ao seu amor, não só não o ama como nem o conhece de fato; logo, não pode nele permanecer, até porque nem está nele.

H- "Nem todos aqueles que me dizem: ‘Senhor, Senhor!’ entrarão no reino dos céus, mas apenas os que fazem a vontade de meu Pai que está nos céus." Mt 7.21 (RA)

Os que não obedecem a Deus não serão salvos, não porque a salvação seja pelas obras, mas porque a graça de Deus, que em nós foi derramada, nos torna filhos da obediência, prontos para as boas obras e para andar de modo digno do chamado que recebemos; porque, pela graça, somos fortalecidos com poder no homem interior, podendo, assim, ser imitadores de Deus, como filhos amados, como nos ensina o apóstolo Paulo, na carta aos efésios.

Então, quem peca não é salvo? Para os que caem em pecado há uma palavra de obediência que, em sendo cumprida, demonstra que eles, ainda amam ao Senhor, embora, por um momento, o tenham desonrado: "Mas se confessarmos os nossos

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pecados, Deus que é fiel e justo perdoará os nossos pecados e nos purificará de todo o mal." I Jo 1.9 (SBP). Há uma ordem clara para todo o que, se dizendo filho de Deus, cai em pecado: arrepender-se. A ordem é não pecar, contudo, disse João: "Filhinhos meus, estas coisas vos escrevo para que não pequeis. Se, todavia, alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo." I Jo 2.1 (RA). É preciso, entretanto, ter sempre em mente a palavra do apóstolo: "Todo aquele que permanece nele não vive pecando; todo aquele que vive pecando não o viu, nem o conheceu. Todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática do pecado; pois o que permanece nele é a divina semente; ora, esse não pode viver pecando, porque é nascido de Deus." I Jo 3.4,8 (RA)

O amor de Deus não é incondicional, Deus ama para ser obedecido.

Tudo, na Bíblia, parece dizer que Deus não deixa de amar porque não houve resposta ao seu amor, entretanto, também não deixa de esperar que essa resposta venha. E se ela não vier, apesar de todo o amor que dispensa às suas criaturas, executará o juízo.

Ariovaldo Ramos é filósofo e teólogo, além de diretor acadêmico da Faculdade Latino-americana de Teologia Integral e presidente da Visão Mundial. Confira também a página de Ariovaldo Ramos: www.lideranca.org/ramos

Agora na TV: Ariovaldo Ramos, Ed René Kivitz e Ricardo Gondim juntos no programa Contra.Ponto - Todo domingo, às 23h, na Play TV (antigo Canal 21).

Os sublevados, a Palavra e o Ungido do Senhor Publicado em 04/07/06 às 18:19   Por Ariovaldo Ramos

Quando lemos o Salmo 2, temos a impressão de estarmos lendo o roteiro de um filme muito bem elaborado.

ABERTURA

A primeira cena, subentendida no texto, é a da entronização do Ungido: o Deus Todo-Poderoso entroniza Àquele a quem ungiu, colocando-O na posição de Rei e de autoridade absoluta sobre tudo.

Cena Dois

Mostra uma rebelião. Os reis e príncipes da Terra conspiram contra o Senhor e contra o Seu Ungido. Intentam uma revolução: o desejo deles é romper os laços e sacudir suas algemas, o que dá de fato a impressão de que reconhecem que há um Rei no Universo - só que não querem submeter-se a Ele, que são coisas diferentes. O reconhecimento está implícito na rebelião: não há rebelião onde não há poder constituído.

Cena Três

Registra a reação de Deus. Este ri e zomba daqueles que intentam rebelião contra Seu Reino. Demonstra a Sua ira da forma mais insólita possível, através de sonora gargalhada, porque Sua ira é acompanhada de profundo desprezo, e deixa claro que Ele próprio confundira esses insurretos.

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Cena Quatro

E o discurso de Deus ao Seu Ungido, ratificando Sua posição: "Eu, porém, constituí o meu Rei sobre o meu santo monte Sião", deixando claro que nenhuma insurreição, nenhuma sublevação vai mudar o decreto divino.

Cena Cinco

O Ungido fala aos insurretos. Em sua fala, descreve o decreto do Senhor. Comunica aos insurretos que o Seu Senhor deixou-Lhe claro que Ele é Seu Filho; que foi gerado por Ele, e que o Pai poderia pedir-Lhe qualquer coisa, até mesmo as nações e as extremidades da Terra, que lhas daria por herança e possessão. E diz mais: que o Senhor Lhe garante o direito de reger com vara de ferro, e de a despedaçar, como o oleiro despedaça o vaso que está formando com as suas próprias mãos. E dessa forma, o Ungido declara aos reis que a melhor coisa que podem fazer é serem prudentes; deixarem-se advertir por Ele; diz aos juizes da Terra: "A melhor coisa que vocês podem fazer é curvar-se a mim!". Deixa claro aos tais que, não submeter-se ao Ungido, é rebelar-se contra o Senhor ao afirmar: "Servi ao Senhor com temor, e alegrai-vos nele com temor". Este um conselho bastante sábio, já que Deus está rindo dessa tola insurreição e pronto para agir. O Ungido, portanto, aconselha os sublevados dizendo: "Olha, a melhor coisa que vocês podem fazer é servir ao Senhor com todo o respeito, e se alegrarem porque podem fazê-lo, e se alegrarem também n'Ele, que é um Deus bom... Mas, façam isso tremendo, porque Ele pode ficar bravo!"

E aí, Ele diz aos sublevados o que significa servir ao Senhor: significa beijar o Filho, porque senão o Filho vai ficar irritado, e eles vão perecer no caminho, porque o Filho vai ficar irado. Com isso Ele comunica que o Pai concedeu ao Filho a prerrogativa de aplicar a Sua ira, o Seu furor e a Sua justiça. Portanto, os sublevados estão perdidos: ou se submetem e beijam ao Filho, ou, perecem no caminho.

Esse beijo é o beijo da obediência. Segundo James Houston, há três tipos de beijos na Bíblia: o beijo nos pés, que é o beijo de arrependimento, como a moça na casa de Simão; o beijo nos lábios, que é o beijo da intimidade; e o beijo na mão, que é o beijo da obediência. Esse beijo ao qual o Filho se refere, ao qual o Ungido se refere, é o beijo na mão, o beijo da obediência, ou seja: beijem ao Filho, obedeçam-No para que Ele não fique nervoso e vocês pereçam no caminho. Esse é o discurso do Ungido: "Beijem-me para que eu não fique nervoso; porque, senão, a minha ira vai inflamar", ou seja, '"Eu vou aplicar a prerrogativa que tenho de exercer a ira de Deus."

Então o Ungido termina o Seu discurso dizendo: "Bem-aventurados todos os que se refugiam em Deus . Isso aqui é uma grande advertência, também, porque é possível refugiar-se em Deus, mas não é possível refugiar-se de Deus. O próprio salmista já advertira: "Se eu faço a minha cama nos mais altos céus, lá o Senhor está; se eu a faço no inferno, o Senhor também está lá." Portanto, é possível e desejável refugiarmo-nos em Deus; termos Deus como nosso refúgio, como nosso escudo e proteção, mas, não é possível refugiarmo-nos de Deus. Esta é a grande advertência final deste "salmo-roteiro", onde o Ungido deixa claro aos Seus desafetos que estes não têm escolhas. Portanto, é um grande roteiro; um roteiro muito bonito...

Quem é o Senhor?

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O Senhor é Deus.

Quem é o Ungido? A prerrogativa de Ungido pode ser assumida (e já foi) por várias figuras na História. Neste caso, o Ungido é Davi, e Deus está ratificando a unção de Davi como rei de Israel, a despeito de toda a sublevação, a despeito de todos os irritados, a despeito de todos os que têm a tendência de não submeter-se.

Quem sãos os sublevados? Os sublevados, no caso de Davi, são representados por Saul e seus asseclas, por alguns príncipes de Israel e juizes da Terra, que não se submeteram à Palavra de Deus. E o aviso é claro: Deus não revogará o seu decreto!

Num segundo momento, o Ungido é Jesus Cristo. Todos concordam e o Novo Testamento, por exemplo, cita o salmo 2 várias vezes - é o mais citado de todos os salmos - deixando claro que o Ungido, por excelência, é Jesus Cristo. Os sublevados são, de fato, os reis da terra, inflamados pelo próprio inferno, e também o próprio inferno, tentando desvencilhar-se da autoridade de Jesus Cristo. Mas, mais uma vez, a autoridade de Cristo é ratificada por Deus, e fica claro que esse decreto não vai mudar, e nada resta ao inferno, nada resta aos reis da Terra, nada resta à História, senão, submeterem-se, a Ele.

No terceiro caso, o Ungido é a Igreja. Parece-me que essa é a grande mensagem do Apocalipse: que a Igreja há de triunfar, que Deus a estabeleceu e que qualquer governo, qualquer império que se levantar contra a Igreja será derrotado, como o foi o Império Romano.

Creio que cada cristão pode tomar isto também para si, na medida em que esse texto garanta a fidelidade de Deus àqueles a quem ungiu. Isso faz com que os que estão sob os cuidados de Deus não temam nenhum adversário, nenhum inimigo e nenhuma sublevação, porque Deus está do seu lado. Deus, que o ungiu, há de sustentá-lo... Deus, que o constituiu, há de mantê-lo!

Além do mais, esse texto nos fala de uma particularidade na ação divina, o riso. Muitas vezes, quando (como Igreja) olhamos para a História e para a sublevação dos reis da Terra, dos juizes da Terra, que deveriam ser os primeiros a abraçar a Igreja, nós não entendemos a demora de Deus em agir. E a primeira impressão que temos é que Deus ainda não Se deu conta da gravidade da situação. Mas este texto diz que Deus está, de fato, apenas gargalhando dos sublevados, demonstrando, com isto, todo o Seu desprezo, toda a insignificância e irrelevância do ato deles. Precisamos aprender a confiar nisso, como Jesus Cristo, o Ungido por excelência, o fez. Não poucas vezes Ele advertiu Seus discípulos que estava fazendo a vontade do Pai, e que o Pai cumpriria cada uma de Suas promessas: que estava sendo cumprido um tempo, deixando claro que todos os movimentos da História estavam sendo feitos por permissão do Pai. Ele, por exemplo, deixa isso muito claro a Pilatos, quando diz: "Nenhuma autoridade terias se do alto não lhe fora dada". Portanto, a impressão - a quem presta atenção nas palavras de Cristo - é de que todo o movimento da História está sob a soberania de Deus. Alguns movimentos acontecem sob concessão, outros, por determinação, mas, todos, estão debaixo da soberania de Deus.

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Aprendemos com este texto algumas coisas interessantes.

Primeiro, que a sublevação dos homens em relação ao Senhor é sempre gratuita. Aqui no Salmo 2, você não tem os motivos. E gratuita... a sublevação é gratuita. Portanto, é uma sublevação que está vinculada à natureza humana, não, necessariamente, ao que Deus possa ou não fazer, ao que Ele tenha, ou não, feito, mas, é o resultado de uma natureza contaminada pelo pecado, de uma natureza rebelde por essência: portanto, uma rebelião gratuita.

Isso nos ajuda a entender os vários inimigos que amealhamos ao longo de nossa história de vida pessoal. Inimigos gratuitos, gente que ajudamos, que tratamos com deferência e que, de repente, passa a nos tratar como se fôssemos inimigos; sem que não consigamos entender o que está acontecendo. Foi assim com Jesus Cristo: Ele veio para o que era Seu, e os Seus não O receberam. Uma rebelião gratuita...

Esse texto também nos ensina que nenhuma rebelião, venha de onde vier, pode mudar o decreto de Deus. Deus é fiel às Suas palavras e às Suas decisões: o que Ele estabeleceu, Ele manterá.

Nesse texto, também, aprendemos a reagir a toda sublevação. E a reação é fiar-se na Palavra de Deus, como o Ungido faz aqui: "proclamarei o decreto do Senhor". Apesar de toda a rebelião, apesar de todo o movimento de insurreição, o Ungido sustenta-se na Palavra de Deus e, a partir da Palavra de Deus, exorta os sublevados ao arrependimento, à submissão. Essa é uma grande lição: é a lição que nos faz transcender as circunstâncias; é a lição que nos leva a um patamar seguro, que é a Palavra de Deus. Não importa o que as circunstâncias pareçam dizer, não importa o nível de sublevação registrado, só nos importa o que diz a Palavra de Deus, o que Ele proclamou, o que Ele decretou. Deus é fiel aos Seus decretos. E cabe a nós, que fazemos parte da Igreja que é ungida de Deus; que estamos em Cristo, o Ungido de Deus; que particularmente estamos sob a unção de Deus, e na unção de Deus, cabe a nós refugiarmo-nos n'Ele! Cabe a nós confiarmos que Sua Palavra é a Verdade, de que n'Ele estamos seguros, por mais que soprem os ventos da sublevação, da rebeldia e do inferno.

Bem-aventurados todos os que n'Ele se refugiam, porque Ele é fiel à Sua palavra.

Lei e Graça Publicado em 30/03/06 às 16:04  

Por Ariovaldo Ramos

Toda mensagem de Deus, que chega até nós, chega em forma de Lei. Porque Deus não pede, manda.

Toda a Lei de Deus tem de ser cumprida. Porque Deus fala para ser obedecido.

Ninguém, entretanto, tem condição de cumprir a Lei de Deus. Porque nada podemos fazer por nós mesmos. Não há suficiente força em nós.

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Logo, toda Palavra de Deus revela a nossa impotência. Toda a impotência reconhecida revela nossa necessidade. Toda a necessidade assumida revela a nossa dependência. Toda a dependência nos humilha.

Bem aventurados os humildes!

Ter consciência de sua humildade não é necessariamente estar em situação humilhante. A criança recém nascida se humilha diante do seio da mãe, mas, em hipótese alguma está em situação humilhante. Pelo contrário, o seio da mãe a dignifica.

Assim a Lei de Deus nos humilha para que a Graça de Deus nos exalte.

Deus, através de sua Lei nos coloca de joelhos para que, por meio de sua Graça, nos coloque de pé.

A Lei está para a Graça, assim como a Graça está para a Lei.

Ariovaldo Ramos é casado com Judith Ramos e têm duas filhas: Myrna e Rachel. É filósofo e teólogo, além de diretor acadêmico da Faculdade Latino-americana de Teologia Integral, missionário da Sepal e presidente da Visão Mundial. Ariovaldo será um dos preletores de plenárias do 33º Encontro Sepal para Pastores e Líderes. Para saber mais do Encontro Sepal clique AquiConfira também a nova página de Ariovaldo Ramos: www.lideranca.org/ramos

 Salmo 9 Publicado em 27/04/03 às 18:25   Escrito por: Pr. Ariovaldo Ramos -- Este é um salmo de ação de graças, mas, também, de fé no futuro...  Uma profissão de fé do salmista diante do futuro.  E começa dizendo isso: “Eeu vou louvar ao Senhor de todo o meu coração e vou contar as tuas maravilhas” (v.1).  Então, o salmista fica prevendo as maravilhas, antevendo o que  Deus vai fazer;  é como se ele estivesse envolvido por grande angúustia.  A impressão que temos aqui, é que o salmista, por alguma razão, esteve próximo de morrer e ainda encontra-se envolto pela angústia que quase o levou à morte. Contudo, está reagindo, passando da angústia ao louvor a Deus, só de antever o que Deus irá fazer.

É como se você estivesse no meio de um problema qualquer, maior que sua capacidade de entendê-lo e, em vez de lamentar o fato, você começasse a louvar a Deus, a bendizer o Seu nome, por estar consciente que os inimigos não iriam lhe alcançar.  Davi está fazendo deste salmo uma grande declaração de fé na ação libertadora de Deus que resume-se na idéia:  Deus vai me libertar! . É como se ele dissesse:  “Essa é uma declaração de fé de que Deus está comigo e  que vai impedir que as coisas ruins s cheguem até mim.   Ele vai impedir que eu seja destruído; irá me proteger.;  Eesse problema vai passar; eu vou sair dessa...”.

O interessante é que a palavra “maravilhosa” é uma das palavras que mais se encontra nos salmos.  Este salmo, por exemplo, funciona como uma explosão.  É como se o salmista, de repente, começasse a perceber Deus agindo em meio às dificuldades, em meio aos problemas, às falhas humanas e ao desespero.  Enfim, ele  começa ver Deus agindo, fazendo milagres, e interferindo na Hhistória.  Davi conhecia o Deus que estava servindo.

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Deus age na nossa vida como uma explosão.  Os pentecostais pulam e vibram.  Para fazerem isso tudo é porque eles devem ter visto alguma coisa.  Ou devem ter experimentado alguma coisa que é diferente do comum.  Alguma coisa sobrenatural.  O apóstolo Paulo compara o descer do Espirito Santo com embriaguez.  Em Ef 5.18 a tradução mais conhecida é: “Não vos embriagueis com vinho, no qual há dissolução, mas enchei-vos com o Espirito Santo”.  Mas, esta é uma tradução amena; a melhor tradução para aquele texto seria: “Não vos embriagueis com vinho no qual há dissolução, mas embriagai-vos com o Espíirito Santo”. Sejam, pois, embriagados com o Espirito Ssanto, aconselha-nos o apóstolo Paulo.  Nós temos que nos embriagar com o Espirito Santo.;  Oo beber da “água viva”, nos embriaga e isso é tremendo.

Jesus Cristo tinha esses rompantes.  Ele agiu assim quando falou com a mulher samaritana e , também, quando exultante orou: “Graças te dou, ó Pai, porque escondeste estas coisas dos sábios e entendidos e as revelastes aos pequeninos” (Mt. 11:.25). Podemos dizer que nesses momentos ele entrou num estado de euforia.  Bem sei que é um tanto complicado imaginarmos Jesus eufórico, mas o que está no texto é isso mesmo.  O texto original diz:  “Jesus ficou eufórico, exultou de alegria”.  E o que nós percebemos é que Jesus está falando com uma voz doce, ainda que, firme.  Só que, Jesus ficou eufórico.  Ele “berrou” diante de seus discípulos ao dar graças a Deus.

Então, este salmo é isso... Uma declaração de que vou louvar o Senhor por todas as Suas maravilhas, vou exaltar o seu nome, vou cantar louvores a Ele, porque os meus inimigos vão tropeçar e vão sumir da presença Deled’Ele.

É interessante como o salmista confunde os seus inimigos com os inimigos de Deus. Bem naquele espirito de Jesus quando aparece para Saulo no caminho de Damasco dizendo:  “Saulo, Saulo, porque me persegues?” (At.22.7).  E Saulo dizia:  “Quem  é o Senhor?  Eu estou perseguindo os seguidores de Estevão”.   Então, quando se olha para essa coisa de explosão, de ser cheio do Espirito Santo, percebe-se distinções muito claras na fé judaico-cristã.  Havia um grupo que sempre foi mais comedido e outro que achava  que tinha que ter “explosão”, algo revolucionário, que inquietasse, que fizesse as pessoas pularem de alegria e desconsiderar todas as barreiras.  Este salmo é do mesmo tipo que encontramos em Paulo que ensina: “Em tudo daí graças...” (1 Ts 5.18 ).  Posturas assim são verdadeiras declarações de fé.  A consciência  de que Deus vai honrar, que vai estender Sua mão.  Isso faz com que a pessoa reaja com cada vez mais louvor.

Pr. Ariovaldo Ramos Representante da AEVB no ConseaSalmo 9

Jerusalém x Antioquia e o missionário Publicado em 16/07/04 às 15:07   Por Ariovaldo Ramos

Igreja que se centraliza em missões influencia, muda, faz e fica na história.

"Disse Jesus: 'Toda autoridade me foi dada no céu e na terra, ide portanto e pregai o evangelho a toda a criatura' ". Como Jerusalém reagiu à universalidade dessa

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convocação?

Reagiu de forma muito morosa.

Pedro vai a Cornélio depois de um trabalho imenso do Espírito Santo para convencê-lo, com muita relutância. Não bastasse isso, ainda é chamado pelos líderes da Igreja em Jerusalém, onde é instado a apresentar um constrangido relatório sobre a pregação do Evangelho a gentios. Eis a crise que Jerusalém teve com o chamado de Cristo para a evangelização do mundo.

Signo da missão

A Igreja de Jerusalém só saiu para fazer missões quando foi perseguida. Isso se deu logo após o martírio de Estevão, quando, principalmente, o pessoal ligado a Estevão é caçado (O livro de Paulo, de Walter Wangerin, Editora Mundo Cristão) e chega a Samaria e Antioquia pregando o Evangelho. São eles que começam a pregar aos gentios.

Já a Antioquia nasce sob o signo da missão. Os seus presbíteros já trazem em si essa marca, são oriundos de diferentes partes do mundo. Por isso, diferente do apóstolo Pedro, que relutou, os presbíteros de Antioquia são absolutamente abertos ao Espírito Santo, estão prontos para ceder os seus dois melhores homens para o serviço missionário: Barnabé e Paulo.

A Igreja em Jerusalém reluta em pregar aos gentios, a Igreja em Antioquia já tem gentios em seu Conselho.

A Igreja em Jerusalém sofre de preconceitos farisaicos, a de Antioquia tem a visão de Jesus Cristo para todos os homens de todas as raças, de todas as tribos, de todas as línguas, de todas as nações.

A Igreja de Jerusalém desapareceu, a Igreja de Antioquia se tornou a "mãe de todas as igrejas" porque, a partir do ministério de Paulo e dos seus discípulos, isso sem contar o que Barnabé deve ter feito com Marcos, cuja memória perdemos, tem-se o desenvolvimento do Evangelho por toda a Europa e Ásia e, conseqüentemente, por todo o mundo.

Essa diferença aparece na formação das escrituras, a grande maioria dos livros que compõem o Novo Testamento foi escrita por missionários de Antioquia. Igreja que se centraliza em missões é Igreja que influencia, que muda, que faz e fica na história. E essa história começa com a visão que se tem do missionário.

Jerusalém via os missionários como uma espécie de aventureiros - e criticou seu líder quando este foi nisso envolvido pelo Espírito Santo. Antioquia via os missionários como os seus melhores homens.

A unidade como um fim Publicado em 09/03/05 às 17:22   Por Ariovaldo Ramos

Após a ceia comunitária, conjunta, ecumênica - no sentido evangélico da

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palavra - programaram uma reunião para pastores e líderes com o objetivo de falar sobre as vantagens da unidade. Coube-me o privilégio de falar sobre o tema "A unidade e a evangelização".

Ao elaborar o que haveria de falar, comecei, obviamente, a tentar entender a relação entre uma coisa e outra. Como não poderia deixar de ser, recorri à oração de Jesus Cristo registrada pelo evangelista João, no capítulo 17, do livro que leva o seu nome, principalmente os versículos que se sucedem a partir do versículo 20, que diz: "não rogo somente por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em mim por intermédio da sua palavra, a fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim, e eu em ti, também sejam eles em nós; para que o mundo creia que tu me enviaste."

Procurei, nestes dois versículos (20 e 21, de João 17), trabalhar o que deveria ser a minha fala. Entretanto, tão logo comecei a trabalhá-los me dei conta de que, historicamente falando, unidade e evangelização não são necessariamente complementares entre si.

Isso não é difícil de provar, tendo em vista que há milênios estamos divididos. Contudo, a Igreja continua a crescer, o Evangelho continua a ser pregado, as pessoas continuam a se converter. Então eu me dei conta de que unidade não é conditio sine qua non para uma evangelização eficaz.

A evangelização tem ocorrido e produzido o adensamento da Igreja, a despeito de todas as divisões que sabidamente temos sofrido, por motivos que variam dos mais nobres aos mais mesquinhos, ao longo de nossa História.

O pior é que parece que o apóstolo Paulo concorda comigo, pois, em Filipenses, capítulo 1, do versículo 15 ao versículo 18, ele diz: "Alguns efetivamente, proclamam a Cristo por inveja e porfia; outros, porém, o fazem de boa vontade; estes, por amor, sabendo que estou incumbido da defesa do evangelho; aqueles, contudo, pregam a Cristo, por discórdia, insinceramente, julgando suscitar tributação às minhas cadeias. Todavia, que importa? Uma vez que Cristo, de qualquer modo, está sendo pregado, quer por pretexto, quer por verdade, também com isto me regozijo, sim, sempre me regozijarei."

Em outras palavras, o apóstolo Paulo está ratificando o que temos dito, que evangelização e unidade não são conseqüentes, entre si, ou interdependentes. Pode haver evangelização sem que haja um mínimo de unidade, até mesmo em termos de intenção de alcançá-la. Isto é o que a História tem nos ensinado e, segundo testemunho do apóstolo Paulo, desde priscas eras da Igreja cristã.

O que, então, evangelização tem a ver com unidade? Creio que, em termos de operacionalização, muito pouco. E acho que o que os irmãos mineiros, de fato, estavam buscando, não era a relação entre evangelização e unidade, mas sim, a relação entre evangelização e união.

Neste caso, não há dúvida de que esforços conjuntos, promovidos por igrejas unidas num só propósito, facilitaria, e muito, a evangelização de qualquer cidade. Por exemplo, a cidade poderia ser dividida em áreas, e cada área ser alocada para uma igreja, de modo que esta se responsabilizasse pela evangelização de todos os indivíduos que habitam na

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sua proximidade.

É óbvio que isso não só apressaria o trabalho de evangelização da cidade como o tornaria factível. Há exemplos históricos disso, não só no Brasil mas, também, no Exterior. Aqui no Brasil, um dos exemplos mais eficazes foi o da evangelização de Santo André, encabeçada pela Primeira Igreja de Santo André, quando o pastor Bartimeu era, então, o pastor titular daquela comunidade.

Ele logrou envolver um grande número de igrejas evangélicas de Santo André no projeto e foi exatamente o que fez: dividiu a cidade em regiões e alocou uma para cada igreja, ou denominação, ou grupo de igrejas, o que, obviamente, não só acelerou o processo como o tornou possível.

Mas é óbvio que união e unidade não são exatamente a mesma coisa. Unidade fala de um só pensar, de um só sentir, de um único desejo e consciência. E algo muito profundo. A unidade fala de um homem coletivo, enquanto que a união fala da soma de esforços, da conjugação de esforços, da organização de esforços, independente do que sentem ou do que pensam individualmente os participantes (conjugados).

Temos então que concluir que, do ponto de vista da operacional, evangelização prescinde da unidade. Mas, quando observo a oração de Jesus Cristo, me dou conta de que se a operacionalização da evangelização pode prescindir da unidade, o resultado da evangelização não o deveria.

E por quê? Porque no versículo 20, do capítulo 17, do Evangelho de João, Jesus Cristo, diz: "não rogo somente por eles, mas também por aqueles que vierem a crer em mim por intermédio da sua palavra, a fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim, e eu em ti, também sejam eles em nós." Ora, há um desejo explícito de Jesus Cristo aqui, e mais do que um desejo, há um propósito.

O Senhor parece deixar claro que Ele espera que todos os que vierem a crer n'Ele, de fato, participem de uma unidade. Dessa forma, podemos dizer que o grande objetivo da evangelização é adensar a unidade que Jesus Cristo veio instaurar ou, melhor dizendo, restaurar.

Eu penso que é disso mesmo que estamos falando. Quando falamos de unidade da Igreja, não estamos falando de uma opção eclesiológica, ou de uma forma de ser Igreja, mas, falando da Igreja na sua essência. Porque Jesus Cristo, em Sua oração, parece não ver a Igreja de outra forma, senão, como uma grande unidade humana.

Daí Sua oração para que todos os que vierem a crer n'Ele, adensem essa unidade, já preexistente em relação àqueles que vão chegar. Dessa forma, podemos perceber que "unidade", para Jesus Cristo, é uma questão de essência. O que é a Igreja? Igreja é a unidade humana restaurada por Jesus Cristo. E parece-me que esse foi o grande objetivo de Jesus Cristo, ao ir à cruz. A gente pode perceber isso em Efésios, capítulo 2, versículo 15, onde está afirmado: "aboliu, na sua carne, a lei dos mandamentos na forma de ordenanças, para que dos dois criasse, em si mesmo, um novo homem, fazendo a paz, e reconciliasse ambos em um só corpo com Deus, por intermédio da cruz, destruindo por ela a inimizade. "

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O que estes dois versículos, o 15 e o 16, do capítulo 2 de Efésios, estão nos dizendo? Que o grande propósito da vinda de Jesus Cristo ao mundo e de Sua subida ao madeiro era criar uma unidade humana que Ele chamou de Igreja - a Sua Igreja.

Dá-nos, portanto, a impressão de que a visão de Jesus Cristo era muito maior que a Salvação de indivíduos, isoladamente, e muito maior do que a transformação destes mesmos indivíduos - porque, como é sabido, o movimento da Salvação é duplo: de um lado ele tira o sujeito do inferno e, do outro, tira o inferno do sujeito.

Mas esta informação de Efésios parece nos dizer que não pára aí, porque, se parasse, estaríamos falando de algo meramente individual. Efésios, contudo, aponta-nos para o coletivo.

Inclusive, a Bíblia de Jerusalém traduz este trecho, "um novo homem" como "um só novo homem" que, na minha opinião, é a tradução que capta o sentido mais profundo desta afirmação paulina. Ou seja, Jesus Cristo veio ao mundo para restaurar a unidade humana que foi quebrada no Éden, quando da rebelião da raça.

A impressão que este texto nos passa, portanto, é que Igreja, para Jesus Cristo, é o homem coletivo; que o grande objetivo de Jesus Cristo é ter um corpo de pessoas, como Igreja, que não apenas se amem, mas que, por tanto se amarem, tornam-se um só homem. Que têm, em si, inclusive como Paulo aconselha, um mesmo sentimento - "tende em vós", diz ele, "um mesmo sentimento" - que, como também Paulo aconselha, referindo-se às duas irmãs que estavam em litígio, pensam a mesma coisa e são permeados pela mesma consciência, uma vez que o Cabeça, o Cérebro, e a Consciência da Igreja é Cristo.

Na Igreja, assim, as pessoas já se vêem como extensão umas das outras - ou ao menos deveriam -, mesmo porque, por definição, são "membros um dos outros" - o grande corpo de Cristo. A própria figura do corpo já nos aponta para esta realidade: a realidade da harmonia, da unidade, a realidade do homem coletivo que tem a Jesus Cristo como cabeça.

Portanto, evangelização está intrinsecamente ligada à questão da unidade, não necessariamente pela operacionalização, mas, pelo seu propósito de convocar e agregar o maior número possível de seres humanos à unidade humana que Jesus Cristo implantou, e que chamou de "Sua Igreja".

Agora parece claro que, se o propósito da evangelização é o adensamento da unidade, era de se esperar que o movimento que leva esta mensagem de conversão aos seres humanos fosse caracterizado justamente pela unidade. Portanto, a unidade dá credibilidade à evangelização, e consequentemente, dá testemunho da obra de Cristo. Parece-me que é isto é o que está explícito na afirmação de Jesus Cristo em Sua oração ao Pai, quando Ele coloca a unidade como condição para que o mundo creia que Ele foi enviado pelo Pai.

É uma colocação fortíssima, e nos leva a considerar que, se a unidade não é imprescindível para a operacionalização da evangelização, ela é imprescindível para que essa operacionalização goze de crédito, e mais, para que a evangelização, de fato, revele tudo o que Jesus Cristo gostaria de ver revelado a respeito de Sua obra a Seu próprio

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respeito.

Jesus Cristo veio para restaurar a unidade humana, unidade esta que, uma vez restaurada, tornar-se-ia a casa viva do Deus vivo, porque um deus vivo tem que morar numa casa viva.

Assim, a Igreja, ao evangelizar, não apenas chama os homens à unidade, como está obrigada a evangelizar a partir da unidade, porque é na unidade que ela revela, de fato, o grande projeto de Jesus Cristo.

Hoje, quando pregamos o Evangelho, a partir de nossas divisões e idiossincrasias, o que comunicamos sobre Jesus Cristo é que Ele está dividido; que Ele não consegue manter o Seu povo unido; que Ele, no mínimo, não conta com a fidelidade de todo o Seu povo. Porque, ainda que o Seu desejo explícito seja a unidade de Seu povo, ainda que o Seu clamor seja pela unidade, ainda que o propósito da Sua obra tenha sido a formação de uma unidade humana, Seus filhos não se submetem à Sua vontade, não se abrem a essa unidade proposta por Jesus Cristo. Pelo contrário, cada vez mais se dividem e por, cada vez, menos.

E claro que a evangelização vai continuar a acontecer, que as pessoas vão continuar a se converter, até porque a conversão do ser humano é uma obra da graça de Deus e um ato soberano de Deus.

Mas não há a menor dúvida de que esta evangelização está comprometida. Ela não revela a verdadeira natureza do projeto de Jesus Cristo, e ela não testemunha de Jesus Cristo o que Ele gostaria de ver testemunhado; ela não fala do grande projeto de Cristo que é a grande unidade humana, unidade esta, que tornaria possível ao homem a expressão de Deus Triuno.

Por isso, unidade e evangelização, realmente, têm muito a ver. A unidade é a base da evangelização, e é o fim, o propósito da evangelização. Além do que o Senhor Jesus Cristo deixa claro que a unidade é um lugar. Ele afirma, na Sua oração ao Pai, uma relação. Ele diz: "para que sejam um, como nós o somos; eu neles, e tu em mim."

Ele diz: "a fim de que todos sejam como és tu, ó Pai, em mim, e eu em ti, também sejam eles em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste." Então, a unidade, aqui, é também um lugar: é o lugar espiritual da Igreja.

Assim como Deus está em Cristo, Cristo está em Deus, e nós estamos n'Eles; assim como Eles são unidos, assim como Eles constituem uma unidade, nós, n'Eles, nos constituímos, ou fomos constituídos, também unidade. E isso significa que o nosso esforço, o nosso trabalho, a nossa evangelização, enfim, todos os nossos atos, deveriam expressar a nossa unidade, a que foi constituída na Trindade.

Logo, quando evangelizamos sem levar em consideração a unidade, falamos de Deus como se Ele estivesse dividido; falamos de Cristo como se Ele não tivesse, de fato, tanta autoridade assim sobre os Seus filhos; e falamos do Evangelho como algo meramente individual.

Parece-me que, ao perder a dimensão da unidade, fomos, necessariamente, relegados

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ao individualismo, que é a negação do Cristianismo. Penso que é hora de repensarmos esta relação entre evangelização, para que de fato a nossa evangelização tenha crédito e Jesus Cristo possa ser crido, como todos o desejamos.

Contar com Cristo e começar de novo Publicado em 23/09/04 às 17:34   Por Ariovaldo Ramos

"Convidou-o um dos fariseus para que fosse jantar com ele. Jesus, entrando na casa do fariseu, tomou lugar à mesa (Lc 7.37-48 ).

E eis que uma mulher da cidade, pecadora, sabendo que ele estava à mesa na casa do fariseu, levou um vaso de alabastro com ungüento; e, estando por detrás, aos seus pés, chorando, regava-os com suas lágrimas e os enxugava com os próprios cabelos; e beijava-lhe os pés e os ungia com o ungüento.

Ao ver isto, o fariseu que o convidara disse consigo mesmo: Se este fora profeta, bem saberia quem e qual é a mulher que lhe tocou, porque é pecadora. Dirigiu-se Jesus ao fariseu e lhe disse: Simão, uma coisa tenho a dizer-te. Ele respondeu: Dize-a, Mestre.

Certo credor tinha dois devedores: um lhe devia quinhentos denários, e o outro, cinqüenta. Não tendo nenhum dos dois com que pagar, perdoou-lhes a ambos. Qual deles, portanto, o amará mais? Respondeu-lhe Simão: Suponho que aquele a quem mais perdoou. Replicou-lhe: Julgaste bem. E, voltando-se para a mulher, disse a Simão: Vês esta mulher?

Entrei em tua casa, e não me deste água para os pés; esta, porém, regou os meus pés com lágrimas e os enxugou com os seus cabelos. Não me deste ósculo; ela, entretanto, desde que entrei não cessa de me beijar os pés. Não me ungiste a cabeça com óleo, mas esta, com bálsamo, ungiu os meus pés.

Por isso, te digo: perdoados lhe são os seus muitos pecados, porque ela muito amou; mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama. Então, disse à mulher: Perdoados são os teus pecados.

A mulher foi a Cristo para pedir-lhe perdão. Foi contundente em sua declaração de arrependimento; parece que viu em Cristo uma possibilidade de começar de novo.

Você já pensou nisso: começar de novo? Não seria maravilhoso?

Essa é uma das coisas que mais me admira no relacionamento com Jesus, a possibilidade de recomeçar a vida. Nem sempre significa mudança das circunstâncias externas, porém, sempre significa mudança das circunstâncias internas.

O mundo à volta da gente pode não mudar um milímetro, mas, a gente muda quilômetros. Ele nos limpa! O mundo pode continuar em crise, mas, a crise não continua mais na gente. O mar pode continuar bravio, porém, a gente passa a andar por sobre o mar. A vida da gente fica mais importante que a crise e a gente tira a crise de "letra".

Do que será que aquela moça estava pedindo perdão? A reação de Simão parece indicar

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que a menina não gozava de boa reputação.

Você, se estivesse no lugar dela, do que pediria perdão a Jesus Cristo?

Eu gostaria de sugerir que você pedisse perdão ao Senhor pelo mesmo motivo que ela. Não precisa se ofender! Eu penso que a moça, com aquele gesto estava dizendo a Jesus: "Olha o que eu deixei que a vida fizesse de mim e comigo. Me perdoa, me dá um novo começo."

É assim mesmo: a gente vai vivendo displicentemente e, sem se dar conta de nossa maldade inata, que, muitas vezes, manifesta-se de maneira sutil, vai deixando a roda da vida nos esmagar. Um dia, a gente se levanta sem coragem de olhar-se no espelho: não nos agüentamos mais, temos vergonha daquilo que nos tornamos – subestimamos nossa fragilidade frente ao mal, assim como, nossa tendência para o mesmo.

A gente acumula preconceitos, teimosias, raivas, manias, mágoas, soberba, amargura, baixa auto-estima, orgulhos, vaidades, mentiras, frustrações, desesperanças, enganos, remorsos, depressões, vícios, inimizades e tantas outras manifestações da maldade...

E agora? Ora, faça como a moça! Vá a Jesus Cristo; Ele tem perdão para oferecer: perdão que esquece e que instaura a vida, que desperta amor, que gera um novo começo.

Aproveite, Deus está numa campanha de fazer surgir no ser humano o amor que nasce do perdão recebido – é tempo da graça.

Ah! Você não tem essa crise? É só uma questão de tempo ou de consciência. Aliás, espero que aconteça antes que seja tarde demais, porque a campanha tem tempo limitado.

Salmo 5 Publicado em 27/04/03 às 18:24   Por Pr. Ariovaldo Ramos

O que mais chama atenção nesse salmo de Davi é como ele expõe seu coração em relação aos seus adversários sem se fazer de vítima.

Davi expõe a Deus o que realmente está se passando.  E essa é a primeira lição que o livro de Salmos nos ensina: Davi abre o coração sem medo de dizer o que há ali para ser dito. Até porque Deus já sabe de tudo.  Nós é que precisamos saber.  Nós é que precisamos nos expor.  Deus já sabe de todas as coisas.  Não temos que esconder nada dele.  Aliás, não podemos fazer isso pois, Ele é Senhor que conhece o que é mais oculto.

A beleza desse salmo é esta abertura de coração.  Pois, muitas vezes, sobe ao nosso coração coisas que não queremos dizer, mas este salmo nos ensina que a melhor forma de resolvermos é falando com Deus, sendo transparentes para com Ele, dizendo tudo o que está se passando dentro de nós.  Porque, se não dissermos a Deus, um dia Ele irá nos corrigir.

Este salmo ensina, também, que só há louvor quando este sai do coração.  Ainda que

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não seja o melhor, tem que ser verdadeiro.  O texto não diz que temos que ser bonzinhos , mas verdadeiros.  Porque, bons, Deus já sabe que não somos.  Este salmo nos diz que temos que ter noção dos nossos erros, dos nossos pecados, e que não podemos fazer justiça com as nossas próprias mãos.

O salmo 5 nos ajuda a compreender que um dia seremos julgados, por pior que seja a nossa história e que nós mesmos seremos culpados.

A beleza do Juízo de Deus não está no fato de  que Ele amedronta os homens com sua justiça e, sim, que cada indivíduo é responsável pela sua própria história, decisões, pela sua vida.  Porque, só seres responsáveis podem ser julgados.  E não temos  como fugir dessa existencial característica: o homem é um ser que escolhe.  Mesmo que estejamos diante da morte a escolha para morrer é nossa.  Naquele momento, fica claro, diante todos os seres vivos que, apesar de subjugados pela circunstância, os senhores da nossa história somos nós mesmos. Um exemplo disso, na Bíblia, são as palavras de Deus a Caim:  "o pecado jaz à porta, cabe a ti dominá-lo”(Gn 4.6).

Pelo ponto de vista das Escrituras, há pelo menos um momento em que cada pessoa se torna responsável.  O equilíbrio da sabedoria bíblica é esse: sempre há dois lados.  Ou seja, temos as pressões externas, internas, históricas.  Temos aquelas que vêm da sociedade, etc.  Mas, a ultima nota sempre fará de nós um sujeito:  pois seja o que for que façamos, em algum momento ttivemos a chance de uma escolha.  

Essa é a angústia das Escrituras, porque de um lado temos a liberdade humana e de outro lado a soberania de Deus.  O interessante é constatar que o meu desespero e a minha angústia não muda o status de Deus e nem a minha reverência a Ele.  Pois, todo ser humano é culpado pelo que faz.  Portanto, é melhor falar com Deus do que calar com angústia no coração.  Porque Deus ouve, responde e cura...    

Reflexões sobre o Salmo 3 Publicado em 27/04/03 às 18:14   Por Pr. Ariovaldo Ramos

Este salmo foi escrito por Davi no período que ele fugia de Absalão. Absalão era um jovem forte, rigoroso carismático e voluntarioso.  O seu meio irmão Amnon, atacou e violentou a sua irmã.  Absalão esperava que Davi tomasse alguma posição.  Esperava que Davi fizesse justiça.  Mas, Davi não fez nada.  Extremamente fora de controle, Absalão tomou as dores da irmã e matou o seu irmão.  Além disso, rebelou-se contra o pai conquistando aliados dentro do reino e destitui o pai do reinado, fazendo com que fugisse de Jerusalém.

Absalão significa “a paz do seu pai”.  Entretanto, aqui é exatamente o contrário, pois Absalão se tornou um grande tormento para o rei Davi.  Mas, Davi tinha culpa nessa confusão toda.  Pelo menos em dois momentos...

O primeiro momento é identificado no pecado de Davi contra o próprio Deus.  E o segundo, é que Deus havia dito que a espada não iria mais se apartar do seu reino e que o que ele tinha feito às escondidas, seria feito contra ele mesmo de forma pública.  O que ele havia feito no oculto com as concubinas na presença de todo o mundo ficaria

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notório em todo o Israel.  

Quase todos ficaram contra Davi, na verdade, ele só escapou porque era um guerrilheiro em Israel.  No tempo de Saul Davi tinha construído vários esconderijos no deserto.  Ele estava se valendo dos velhos esconderijos para escapar da fúria do seu filho.  Da mesma maneira em que ele tinha escapado da fúria do rei Saul, escapava de Absalão.  Davi voltou à velha situação quando ele era apenas alguém que tinha uma promessa na mão e mais nada.  O que nós podemos aprender aqui?  

Aprendemos que, às vezes, experiências que nos foram amargas, mais tarde podem se revelar em grandes aprendizados.  Porque nós pensamos que o que estamos sofrendo hoje é o máximo que podemos experimentar.  Pensamos assim, porque não conhecemos o futuro.  Pode ser que aquilo que hoje é um sofrimento insuportável, amanhã se torne um grande aprendizado.  Davi só escapou porque teve que fugir de Saul, senão, Absalão o teria encontrado e destruído.  Ele não conseguiu porque  Davi havia aprendido a andar no deserto quando fugia da perseguição de Saul.

As pessoas diziam que o que Davi estava passando era por causa de seu pecado contra Deus, através de Absalão o Senhor o estava punindo.  A lógica dessas pessoas era que se Deus estava punindo a Davi, então, não havia salvação para ele.  Essa era também, a lógica dos seus inimigos.  Eles se perguntavam entre si:  “porque Davi está perdendo o reino?  Porque ele tem que fugir de seu próprio filho?  Porque Deus o está punindo?”.  E Deus o está punindo mesmo.  As causas são claras em sua história: ele tomou a mulher de Urias e, ainda o assassinou.  

Além disso, foi um péssimo pai, pois viu o filho fazer o que fez com sua própria filha e não tomou nenhuma atitude - o que levou o seu filho Absalão a concluir que o pai já não estava em condições de governar e que não entendia mais o significado de ser um rei. Não tinha nenhum compromisso com a justiça e principalmente com Deus.  Portanto, partindo desse princípio, Absalão fez uma grande campanha contra o pai.  

Não era difícil convencer o povo de Israel de que o rei Davi era um louco maldito e que tinha cometido muitos erros.  A conclusão era aparente:  esse homem rompeu com Deus não sabe mais o que significa governar o reino, portanto, não tem o direito de estar no trono.  Mas a punição de Deus era para promover arrependimento e não destruição da pessoa.  

Eles diziam: “Não há mais salvação em Deus para ele, pois Deus o abandonou”. Aprendemos outra lição aqui neste salmo.  É que Deus nunca está contra os seus escolhidos, ao contrário, Ele está sempre a favor, por causa disso, corrige.  Se Deus não corrigir é sinal que não está se importando.  E isso deve nos deixar preocupados.  Mas Deus corrige a todos aos que ama, e o faz da maneira que Ele quer, promovendo uma transformação genuína em seus corações.

Ter ou não ser, essa é a questão? Publicado em 24/05/04 às 12:17   Por Ariovaldo Ramos  

Por que será que estamos sempre querendo mais? Certa vez perguntaram a Nelson Rockfeller: Quanto dinheiro é suficiente? - "Sempre um pouquinho mais do que temos em nossa conta bancária". Disse, denunciando nossa

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insaciabilidade. E tudo indica que ele está certo.

Porque este desejo de ter? Quantas famílias já não foram destruídas pela insaciabilidade de um dos cônjuges, ou mesmo dos dois, que leva um ou os dois cônjuges a dedicarem-se tanto a ganhar dinheiro que não têm mais tempo para a família.

Deseja-se tanto ter mais coisas, que o cônjuge com maior encargo na provisão fica sob uma pressão constante, chegando a estado de estresse insuportável. E o que dizer sobre o que o consumismo pode fazer com os filhos, a ponto de não se aceitarem se não tiverem o que se lhes é oferecido pelo sistema? Quantas famílias podem contar histórias como esta? Por que tanta necessidade de ter?

Penso que, de fato, a necessidade não é ter, é e sempre foi a de ser. O problema é que confundimos uma coisa com a outra, entendemos que para ser é preciso ter. Aliás é nesse estribo que se sustenta a sociedade de consumo, é o grande argumento dos especialistas de mercado, convencer o consumidor de que ele só será na medida em que tiver sempre e cada vez mais.

Quanto mais tiver, mais se sentirá sendo. Daí a insaciabilidade, porque o que esta posto, é que ser não é um estado, é um processo que se sustenta pela posse e na posse.

Se nós voltarmos para Gênesis, veremos que foi exatamente nesse ponto que o inimigo nos fez tropeçar. Ele disse ao homem coletivo, comunhão do macho e da fêmea: "Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão vossos olhos e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal." Gn 3.5

Qual deveria ter sido a resposta da raça humana a esta afirmação? Simples! Deveria ter dito: - "Nós já somos como Deus, já somos a imagem e semelhança de Deus, não há nada que nós precisemos fazer ou possuir para ser como Deus!"

Ser imagem e semelhança de Deus era o estado da humanidade. Onde foi que eles tropeçaram e se deixaram enganar? Quando acreditaram que para ser , não lhes bastava estar na posição em que estavam, precisariam possuir. Este foi e tem sido o grande equívoco da humanidade.

O inimigo nos fez crer que para ser como Deus era preciso possuir o que Deus possuía, o que, naquele momento, significava conhecer o que Deus conhecia. Que grande equívoco, já éramos! Não precisaríamos nem fazer, nem ter nada para ser. Bastava-nos continuar na posição em que estávamos.

Nós somos como resultado do ato criador divino, simplesmente assim. Entretanto nós acreditamos que ser era um processo e não um estado. Tornamo-nos insaciáveis porque passamos a pensar que ainda não éramos. Esse ter para ser, afunda-nos na seguinte questão: Como saber quando chegamos ao estado de ser? Se ainda não somos, então não sabemos o que é ser, como, então, saber quando chegamos lá, se chegarmos? Logo, nunca seremos.

Somos prisioneiros do possuir. É como se a gente precisasse estar sempre sentindo-se sendo e, para sentir-se sendo, precisamos continuar possuindo e, mais grave ainda, é que começamos comparar o nosso processo de ser com o processo dos nossos semelhantes,

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de maneira que começamos a concluir que quem possui mais do que nós está sendo mais do que nós, quem conhece mais do que nós esta sendo mais do que nós, quem pode mais do que nós, está sendo mais do que nós.

Que tem gente que é mais que nós e gente que é menos que nós. Eis a gênese de toda a enfermidade social, de toda a discriminação.

Ser, entretanto, é simplesmente estar na posição em que fomos colocados na criação, como imagem e semelhança de Deus.

Como nos livrarmos desta carga que nos foi imposta desde os tempos perdidos na memória? O caminho é voltar para Deus, e isso acontece na medida em que reconhecemos que não só não podemos possuir o que ele possui, como não precisamos disso para ser. Voltar para Deus, portanto, é pedir-lhe perdão por não termos nos mantido na nossa posição de estar sob Ele e simplesmente ser.

Ser é estar onde Deus nos colocou, na dependência dele. Deixemo-lo aprofundar em nós a sua natureza, de modo que nós nos aprofundemos naquilo que somos.

Estaremos contentes com tudo o que temos, quando o que temos não decidir mais o que somos. Quando nos dermos conta, como nos diz meu amigo Luiz Mattos, de que já somos, estaremos em condição de, diante da tentação de deixar o ter determinar o ser, dar ouvido à voz de Deus ecoando a frase de sabedoria eterna: A minha graça te basta!

Resistindo por Jesus Publicado em 26/04/04 às 12:50   Por Ariovaldo Ramos

Dia de calor escaldante, como era próprio da região desértica do oriente médio, dois soldados sarracenos, muçulmanos, postados em posição de guarda, num acampamento de seu exército, observam que, ao longe, vem se aproximando um monge cristão, trocam sorrisos matreiros e, num ato que parecia ensaiado, soltam os dois cães, treinados para matar, que tinham presos pela coleira, ao lado de cada um.

Os cães furiosos se lançam em direção do pobre frade, porém, para surpresa dos soldados, ao aproximarem-se do religioso, repentinamente, tornam-se dóceis, submetendo-se aos gestos carinhosos do estranho que, sozinho, maltrapilho, caminhava em direção daquele acampamento.

Era Francisco de Assis, que, no período das cruzadas, foi para a região do conflito, numa corajosa e solitária tentativa de demonstrar que a fé cristã não era o que os cruzados estavam praticando, e que o seu método era sempre a paz.

Francisco estava certo, uma fé que quer conquistar corações jamais pode usar a força para a obtenção de seus propósitos. Como disse o fundador e mantenedor dessa fé: "Bem aventurado os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus."

Todos gostaríamos de ver o mal erradicado da história, porém, o que nem sempre nos

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damos conta, é que o mal não é uma entidade, o mal é um comportamento, uma intenção, uma motivação, portanto, para que Deus erradique o mal, há que escolher entre duas possibilidades: Ou mata todos os maldosos ou os converte. Deus escolheu, pelo menos, em relação aos homens, a conversão.

A conversão pressupõe diálogo, interesse, sensibilidade para com o outro. As pessoas se convertem diante do amor e da razão, a força é, na maioria das vezes, irracional. Além do que, a força evoca a punição.  Alguém poderia dizer que ninguém sentiria falta dos maus, se Deus os destruisse. Porém, diante da santidade de Deus não há quem não seja mal. Logo, não escaparia ninguém, nem você.

O cristianismo não tem outro caminho senão o da paz; não tem outra retaguarda senão a intercessão; não tem outro método senão a pregação, não tem outra forma de pregar senão vivendo, para, em vivendo o que prega, poder pregar o que vive.

Como disse Agostinho: "Prega o tempo todo, se necessário, usa as palavras." Isso vale para qualquer relacionamento, o que significa que pastores que usam de constrangimentos para pastorear, como o fato de ser ungido por Deus para aquela função, ou qualquer outra forma de coerção, está atentando contra a mensagem e a prática do evangelho.

A arma que os pastores e líderes podem usar com legitimidade é a autoridade moral, fruto de uma vida exemplar. Qualquer ato que não nasça da paz e nela desemboque atenta contra a Palavra de Cristo.

Líderes cristãos, no curso da história, tem cometido essa incompreensão a um custo incalculável, foi assim nas cruzadas, na inquisição, na querra contra os protestantes, na colonização das Américas, da Oceania e da África.

A história, também, tem registrado omissões desastrosas por parte de segmentos cristãos, que foram decisivas para os eventos em curso. Parte considerável dos cristãos alemães se omitiram frente a Hitler, dos italianos frente a Mussolini, dos portugueses frente a Salazar, dos espanhóis frente a Franco, dos brasileiros frente a ditadura militar e, agora, dos estadunidenses frente a Bush.

Esse novo senhor da guerra está vendendo a idéia de se estar em guerra pelos valores cristãos. Dizem que ele ora, mas o fariseu que, segundo Jesus, disse DE SI PARA CONSIGO MESMO, graças te dou oh! Pai, também pensava estar orando, "nem todo o que diz  Senhor, Senhor, entrará no Reino de Deus, mas, todo aquele que faz a vontade de meu Pai". Disse o Jesus.

Sabe de uma coisa, ninguém briga por Deus, a gente guerreia por nossos desejos, por nossa ganância, enfim, por impublicáveis motivos. Por Cristo, por Deus, a gente perdoa, ama, abraça, restaura, ajuda, socorre, alimenta, sustenta, enfim, abençoa.

Cristãos, resistam aos senhores da guerra, jamais admitamos que um ser humano, sequer, seja derrubado em nome de Jesus de Nazaré, o Cristo, o Filho do Deus vivo, que não julgou por usurpação o ser igual a Deus, mas a si mesmo se humilhou, assumiu a forma de servo e, achado em figura humana, foi obediente até a morte e morte de cruz.

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O justo pelos injustos, o castigo que nos traz a paz estava sobre ele e nas suas pisaduras fomos sarados. Ele evangelizou-nos a paz. Que Ele seja bendito para sempre! Que em nome dele se viva em paz!

Um movimento de oração Publicado em 08/08/08 às 17:33   Por: Ariovaldo Ramos

Orar é preciso.

Orar é o privilégio de entrar confiadamente no trono da graça. Deus gosta destas visitas: "Orai sem cessar." E mais: "Quem pede, recebe"; e..."se estivermos em Cristo e as Suas palavras estiverem em nós, pediremos o que quisermos e nos será feito." I Ts 5:17; Lc 11:10; Jo 15:17.

Além disso, temos inúmeros testemunhos de respostas à oração: conversões; avivamentos; crescimento da igreja; milagres e muito mais.

A oração é uma das poderosíssimas armas de que a igreja dispõe para expandir o Reino de Deus. Queremos, portanto, sugerir-lhe um programa de utilização dessa arma.

PROGRAMA DE ORAÇÃO INTERCESSÓRIA

Todos nós queremos ver a expansão do Reino de Deus; ver muitas conversões; e ver muitas pessoas glorificando a Deus através de vidas íntegras.

O objetivo do programa é envolver o maior número possível de irmãos, em um movimento de oração atuante, para que esta expansão aconteça.

A base motivadora é o texto de Tiago 5:16b: "A súplica do justo pode muito na sua atuação."

A inspiração metodológica é o texto de Mt 18:19: "Ainda vos digo mais: Se dois "de vós na terra concordarem acerca de qualquer coisa que pedirem, isso lhes será feito por meu Pai que está nos céus."

OPERACIONALIZAÇÃO

1.Sugira aos irmãos que formem grupos de dois a cinco componentes, os quais se reunirão semanalmente para orar.

- Os grupos deverão informá-lo sobre o dia, hora e local em que pretendem reunir-se. Para despertar compromisso, cadastre-os

2.Alimente semanalmente os grupos com pedidos de oração e com curtas meditações sobre oração. Se possível, imprima-os.

- Dê, no máximo, cinco pedidos por grupo para não inviabilizar a reunião. - Os pedidos deverão ser objetivos, isto é, conter a causa e o que se espera receber como

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resposta por parte de Deus. - As meditações deverão estimular a fé dos intercessores.

3.Mantenha ou promova a manutenção de um registro de todos os pedidos distribuídos para os grupos.

4.Acompanhe os pedidos para saber como Deus respondeu.

5.Anuncie aos grupos as respostas dadas por Deus.

6.Periodicamente reúna todos os grupos num dia de jejum e oração, com testemunhos; estudos/mensagens sobre oração; e muita oração.

7.A reunião dos grupos - sugere-se a seguinte programação:

a. Momento individual de oração, pedindo perdão pelos pecados e perdoando os que lhes ofenderam (para que caiam quaisquer barreiras em relação a Deus);

b. Períodos de louvor ao Senhor (salmo, cânticos ou declarações)

c. Momento de meditação - que pode ser o que você sugeriu ou outro.

d. Oração uns pelos outros para que a meditação torne-se realidade em suas vidas.

e. Que conversem sobre cada pedido, estabelecendo o ponto de concordância sobre cada um.

f. Que, estabelecida a concordância, orem estribados na promessa do Senhor Jesus. - As orações devem ser objetivas indo ao ponto concordado e com ações de graça.

Por favor, este programa não é uma receita. Ele pretende ser, apenas, um programa que pode ser adotado integralmente, em parte, ou, ainda, ser utilizado como inspiração para a elaboração de um outro programa, que seja mais adequado à realidade de sua igreja.

As vantagens deste programa:

1.O povo forma grupos espontâneos;

2.As reuniões dos grupos poderão ser em hora, dia e local que acharem mais adequados;

3.Aumenta a intensidade da vida comunitária;

4.O fato de ser grupo serve de estímulo, um estimula o outro;

5.Estimula a fé de cada um;

6.Estimula à objetividade;

7.Exercita o povo na oração e na gratidão;

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8.Gera um movimento de oração na igreja.

É isso... Que Deus o abençoe no propósito de levar o rebanho de Jesus Cristo a uma movimentação em oração.

Autoridade espiritual Publicado em 07/10/07 às 19:31   Por: Ariovaldo Ramos

Fala-se muito, nos dias de hoje, sobre autoridade espiritual; alguns há que creditam tanto sua pretensa autoridade que a oferecem como "cobertura" para outros. Mas qual é a nossa autoridade para pastorear as ovelhas de Cristo? Entendo que a forma mais segura de responder a essa questão é observar Jesus Cristo concedendo essa autoridade para alguém.

Pedro, o apóstolo é o nosso homem. Jesus avisara a seu discípulo que Satanás pedira para cirandá-lo, para peneirá-lo como se faz com o trigo quando de separá-lo das impurezas e que Cristo havia rogado por ele para que sua fé não desfalecesse (Mc 14.27-31). É interessante Satanás se oferecendo para tirar de Pedro todas as impurezas, ele devia pensar que só encontraria impurezas e nenhum trigo. Bem, Pedro foi peneirado e, embora tivesse dito que estava pronto a morrer por Jesus, que o mestre jamais lhe seria um tropeço, ainda que o fosse para os demais, negou a Jesus Cristo, tal como fora avisado (Mc 14.66-72). Parece que só havia impurezas e nenhum trigo.

Como prometera Cristo ressuscitou ao terceiro dia e, entre as orientações que ultimou de seus anjos, convocou a Pedro para encontrar-se com ele na Galiléia ((Mc 16.7). A convocação foi nominal, não havia como o recalcitrante discípulo entender que não era consigo que o Ressurreto queria conversar. Encontraram-se no lugar combinado e, para surpresa geral, o Senhor, ao invés de aplicar ao moço uma severa advertência, perguntou-lhe se este o amava, por três vezes repetiu-lhe a pergunta, recebendo resposta afirmativa em todos os casos. É verdade que o Mestre, por duas vezes, usou para o verbo amar a palavra de descreve um amor incondicional, e que Pedro, o tempo todo, usou a palavra que descreve amizade, termo que o Salvador também usou na terceira inquirição. Pedro, contra todas as expectativas continuou afirmando que era mais amigo de Cristo que os demais, e, finalmente, chamou como testemunha, em sua defesa, a onisciência de Cristo, reconhecendo-o, implicitamente, como Deus (Jo 21.15-22).

Jesus, surpreendentemente, não contestou a Pedro e, mais, a cada uma de suas respostas comissionou-o, em relação ao seu próprio rebanho, para cuidar, alimentar e guiar as suas ovelhas; após o que ordenou-lhe que o seguisse por onde ele o desejasse. Concedeu-lhe o que hodiernamente é chamado de autoridade espiritual.

Com que autoridade Pedro exerceria o pastorado? Como ele lograria não ser denunciado pelo rebanho como falastrão, mentiroso, covarde e traidor? No que consistia a sua autoridade, afinal?

A autoridade de Pedro consistia em ser um pecador perdoado. Sua autoridade era o seu

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testemunho.   Ele podia dizer sem medo: - Ele me perdoou e restaurou e pode fazer isso com qualquer ser humano. A autoridade de Pedro consistia no fato de ser ele portador de um milagre, pois, com todas as suas incoerências e inconstâncias ele amava a Jesus. E isto é um milagre, pois, naturalmente, não há quem busque a Deus (Rm 3.11). Ser salvo é voltar a amar a Deus e atingir o ápice da salvação é a amar a Deus de todo o coração, de toda a alma e de todo o entendimento. Tem Autoridade Espiritual aquele que pode testemunhar do perdão de seus pecados, de ter sido alvo do milagre de voltar a amar a Deus, e ter passado a seguir a Jesus sem prévias condições.

Alguém poderia objetar: - Se é isso! Então qualquer pessoa o pode! Contesto: - E não foi isso que os reformadores quiseram dizer ao ensinar sobre o sacerdócio universal dos santos?

Todos os cristãos podem e todos os cristãos devem.

Humildade Publicado em 23/09/07 às 14:03   Por: Ariovaldo Ramos

Liderança X Quebrantamento

Quebrantamento é o ato de humilhar-se perante a poderosa mão de Deus, é o ato de reconhecer a dependência de Deus para tudo, principalmente, para viver a vida que Ele demanda de nós, uma vida que expresse Sua imagem, a plena expressão da frase: "Sem mim nada podeis fazer". Um líder, na fé cristã tem essa consciência.

Isso se parece mais com fraqueza do que com liderança, poderá argumentar alguém entretanto só fará tal comentário quem não entendeu a natureza da liderança na fé cristã. As escrituras Judaico-Cristã ensinam stque houve uma rebelião no Universo, que um dos três arcanjos, criados por Deus, rebelou-se e arrastou, por sedução, a raça humana para dentro da insurreição, nos tornamos, então, prisioneiros desta criatura, mas, o Eterno veio resgatar-nos por meio de uma de suas pessoas, que, abandonando o estado de Gloria em que vivia, se fez ser humano e, voluntariamente, entregou-se à morte em nosso lugar.

Somos, portanto, todos os que reconhecemos o seu sacrifício e nos rendemos a ele, aqueles que voltaram da grande rebelião para um estado de submissão e adoração a Deus, logo, nosso maior desafio é reaprender a viver, reconhecendo a vida como uma dádiva do Eterno, e, mais, como fruto de seu sustento seja em manutenção, seja em conteúdo isto é, aprender que viver e depender de Deus. Em sendo assim de que tipo de líderes necessitamos? Daqueles que nos conduzam pelo caminho da submissa obediência ao Criador. Daí, quebrantamento deve ser o estilo de vida do líder cristão , porque essa é toda a estrada por onde as ovelhas de Cristo devem ser conduzidas.

Fonte: www.ariovaldoramos.com.br

Absalão, "A Paz do Seu Pai" Publicado em 25/08/06 às 18:34   Por: Ariovaldo Ramos

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Este salmo foi escrito por Davi no período que ele fugia de Absalão. Absalão era um jovem forte, rigoroso carismático e voluntarioso. O seu meio irmão Amnon, atacou e violentou a sua irmã. Absalão esperava que Davi tomasse alguma posição. Esperava que Davi fizesse justiça. Mas, Davi não fez nada. Extremamente fora de controle, Absalão tomou as dores da irmã e matou o seu irmão. Além disso, rebelou-se contra o pai conquistando aliados dentro do reino e destitui o pai do reinado, fazendo com que fugisse de Jerusalém.

Absalão significa “a paz do seu pai”. Entretanto, aqui é exatamente o contrário, pois Absalão se tornou um grande tormento para o rei Davi. Mas, Davi tinha culpa nessa confusão toda. Pelo menos em dois momentos... O primeiro momento é identificado no pecado de Davi contra o próprio Deus. E o segundo, é que Deus havia dito que a espada não iria mais se apartar do seu reino e que o que ele tinha feito às escondidas, seria feito contra ele mesmo de forma pública. O que ele havia feito no oculto com as concubinas na presença de todo o mundo ficaria notório em todo o Israel.

Quase todos ficaram contra Davi, na verdade, ele só escapou porque era um guerrilheiro em Israel. No tempo de Saul Davi tinha construído vários esconderijos no deserto. Ele estava se valendo dos velhos esconderijos para escapar da fúria do seu filho. Da mesma maneira em que ele tinha escapado da fúria do rei Saul, escapava de Absalão. Davi voltou à velha situação quando ele era apenas alguém que tinha uma promessa na mão e mais nada. O que nós podemos aprender aqui? Aprendemos que, às vezes, experiências que nos foram amargas, mais tarde podem se revelar em grandes aprendizados. Porque nós pensamos que o que estamos sofrendo hoje é o máximo que podemos experimentar. Pensamos assim, porque não conhecemos o futuro. Pode ser que aquilo que hoje é um sofrimento insuportável, amanhã se torne um grande aprendizado. Davi só escapou porque teve que fugir de Saul, senão, Absalão o teria encontrado e destruído. Ele não conseguiu porque Davi havia aprendido a andar no deserto quando fugia da perseguição de Saul.

As pessoas diziam que o que Davi estava passando era por causa de seu pecado contra Deus, através de Absalão o Senhor o estava punindo. A lógica dessas pessoas era que se Deus estava punindo a Davi, então, não havia salvação para ele. Essa era também, a lógica dos seus inimigos. Eles se perguntavam entre si: “porque Davi está perdendo o reino? Porque ele tem que fugir de seu próprio filho? Porque Deus o está punindo?”. E Deus o está punindo mesmo. As causas são clara em sua história; ele tomou a mulher de Urias e, ainda o assassinou. Além disso, foi um péssimo pai, pois viu o filho fazer o que fez com sua própria filha e não tomou nenhuma atitude - o que levou o seu filho Absalão a concluir que o pai já não estava em condições de governar e que não entendia mais o significado de ser um rei. Não tinha nenhum compromisso com a justiça e principalmente com Deus. Portanto, partindo desse princípio, Absalão fez uma grande campanha contra o pai. Não era difícil convencer o povo de Israel de que o rei Davi era um louco maldito e que tinha cometido muitos erros. A conclusão era aparente: esse homem rompeu com Deus não sabe mais o que significa governar o reino, portanto, não tem o direito de estar no trono. Mas a punição de Deus era para promover arrependimento e não destruição da pessoa.

Eles diziam: “Não há mais salvação em Deus para ele, pois Deus o abandonou”. Aprendemos outra lição aqui neste salmo. É que Deus nunca está contra os seus

Page 72: Textos de Ariovaldo Ramos

escolhidos, ao contrário, Ele está sempre a favor, por causa disso, corrige. Se Deus não corrigir é sinal que não está se importando. E isso deve nos deixar preocupados. Mas Deus corrige a todos aos que ama, e o faz da maneira que Ele quer, promovendo uma transformação genuína em seus corações.

Fonte: www.multiplicando.org.br

Liderança X Quebrantamento Publicado em 17/07/06 às 19:39   Por Ariovaldo Ramos

Quebrantamento é o ato de humilhar-se perante a poderosa mão de Deus, é o ato de reconhecer a dependência de Deus para tudo, principalmente, para viver a vida que Ele demanda de nós, uma vida que expresse Sua imagem. É a plena expressão da frase: "Sem mim nada podeis fazer". Um líder, na fé cristã, tem essa consciência.

Isso se parece mais com fraqueza do que com liderança, poderá argumentar alguém, entretanto, só fará tal comentário quem não entendeu a natureza da liderança na fé cristã. As escrituras judaico-cristãs ensinam que houve uma rebelião no Universo, que um dos três arcanjos, criados por Deus, rebelou-se e arrastou, por sedução, a raça humana para dentro da insurreição. Tornamos-nos, então, prisioneiros desta criatura, mas, o Eterno veio resgatar-nos por meio de uma de suas pessoas, que, abandonando o estado de Gloria em que vivia, se fez ser humano e, voluntariamente, entregou-se à morte em nosso lugar.

Somos: todos os que reconhecemos o seu sacrifício e nos rendemos a ele, os que voltaram da grande rebelião para um estado de submissão e adoração a Deus, logo, nosso maior desafio é reaprender a viver, reconhecendo a vida como uma dádiva do Eterno e como fruto de seu sustento, seja em manutenção, seja em conteúdo, isto é, aprender que viver é depender de Deus.

Em sendo assim de que tipo de líderes nós necessitamos? Daqueles que nos conduzam pelo caminho da submissa obediência ao Criador. Daí, quebrantamento deve ser o estilo de vida do líder cristão, porque essa é toda a estrada por onde as ovelhas de Cristo devem ser conduzidas.

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Ariovaldo Ramos é casado com Judith Ramos e têm duas filhas: Myrna e Rachel. É filósofo e teólogo, além de diretor acadêmico da Faculdade Latino-americana de Teologia Integral e presidente da Visão Mundial. Confira também a nova página de Ariovaldo Ramos: www.lideranca.org/ramos

Ser Pastor Hoje... Publicado em 23/03/05 às 17:33   A ética na formação pastoral

Por Ariovaldo Ramos

Page 73: Textos de Ariovaldo Ramos

A batalha pelo ser humano, nesta era pós-cristã, dar-se-á no campo da ética. Não só porquê o que está em pauta é a questão das finalidades, mas, também, porquê é o único campo onde as forças pró ser humano podem travá-la. A globalização já decidiu o rumo da vida humana nos campos econômicos e sociais, a sociedade já está estruturada de modo irreversível, independente das forças que assumam o poder nas nações, pois, o que está em curso é supra-nacional. Resta, portanto, o campo da ética.

Júlio Santa Ana, in Tempo e Presença n# 295, em seu artigo "Ética, cinco anos depois... ", nos dá um quadro sobre a questão ética nos relacionamentos internacionais: 1- 0 crescimento da economia mundial e o desenvolvimento tecnológico já permitiriam a diminuição da carga horária para os trabalhadores, permitindo melhor desfrute do progresso. Os empresários, entretanto, optaram pela dispensa de funcionários e, mais que isso, pela exclusão do mercado de toda uma massa de trabalhadores; 2- No plano geopolítico, os Estados Unidos da América, dada sua inquestionável superioridade bélica, tornaram-se o xerife do mundo: estão em condições de intervir em qualquer conflito mundial, garantindo, assim, um clima de paz, porém, só o fazem de acordo com os seus interesses particulares; 3- A cultura que está sendo disseminada é a "mass media ", a cultura da classe dominante mundial - sobreviverá o movimento cultural que se adaptar, que se inserir.

Régis de Morais, in Tempo e Presença n# 295, no escrito "Retomar a ética à luz de nosso tempo", reitera que a batalha a ser travada é ética: "a proscrita de grande parte do século 20 - a ética - voltou agindo discretamente. Discreta, mas eficientemente", diz ele. Insiste que esse é o caminho da esperança: "Nenhuma hora é hora de desistir. Sempre repito que nós podemos ter tentado muitas alternativas, mas, com certeza não tentamos todas ". Descreve, em relação ao Brasil, um quadro positivo, que passa pela deposição de um Presidente da República, pelo fortalecimento sindical, pela indignação frente ao desmando político, pela reação frente a absurdos como as chacinas e atos estúpidos como o assassinato de Galdino: o índio patachó.

Declara que essa batalha tem uma nova e decisiva frente: a questão das drogas. Por quê declara que tudo isso é questão ética? Porque ética - ethos, em grego - designa a morada do homem, não é algo pronto, porém, é a busca de se construir um abrigo permanente onde o homem se realize plenamente - ambiente que faça jus ao termo humano. Esta batalha encerra a busca de soluções estruturais e de conversões pessoais.

Luiz Alberto Gómez de Souza, in Tempo e Presença n# 295, em "O legado de Betinho: a ética na política ", chama-nos a atenção para o grande soldado pela ética surgido em solo pátrio, Betinho, mostrando como a opção deste pela sociedade, num projeto supra-partidário, despertou a nação para a consciência da possibilidade de construir uma sociedade igualitária, participativa, livre, diversa e solidária. Isto, a partir da adoção de uma ética que estabelece o sentido de público, como a busca do bem de todos, e subordina o direito de alguns aos direitos da maioria. Deixou claro que esse é um caminho longo, que tem de ser percorrido com liberdade, principalmente, em relação às amarras que impõe formas restritas de encaminhamento da coisa pública, como os partidos políticos, numa consciência de que, política, é um exercício de vida que se baseia na crença de que a sociedade não está presa às garras de nenhum tipo de fatalismo, o que torna possível sonhar com transformações sociais profundas.

Page 74: Textos de Ariovaldo Ramos

Manfredo Araújo de Oliveira, in Tempo e Presença n# 295, no texto "Os dilemas éticos de uma economia de mercado", afirma que "desemprego estrutural, crise ecológica e nova problemática da relação norte-sul são problemas extremamente sérios que revelam com toda a clareza, dramaticidade dos dilemas éticos de uma economia de mercado capitalista. Se não formos capazes de enfrentar esses dilemas, talvez a sobrevivência do ser humano em nosso planeta se torne impossível".

Isto porque, desde Hobbes, a economia de mercado passou a ser considerada um sistema neutro de produção de riquezas onde a justa distribuição das mesmas não está em pauta. Essa lógica cruel gerou um nível de desigualdade social insuportável, fragilizou as economias emergentes, como, estarrecidos, estamos assistindo, comprometeu o ecosistema. Estamos, portanto, frente a um dilema básico: "a relação entre eficiência e justiça: uma batalha ética".

Todas essas contribuições nos remetem para a necessidade da ética na formação pastoral, pois, como agente propagador e construtor do Reino de Deus, o pastor é, eminentemente, um propalador da ética, ou, talvez deves semos dizer, de éticas. O Reino de Deus se propõe a ser a casa do homem onde o humano se concretiza. José Adriano Filho, em seu texto: "Denúncia dos causadores da ruína do povo " in Tempo e Presença n# 295, chama a atenção para o fato de que o movimento profético dos séculos VIII e VII A.C. caracterizou-se, marcadamente, por essa pregação ética levada a efeito por meio da denúncia que, evocando o pacto, fazia lembrar a nação que o Deus da Bíblia é o Deus dos e pró pequeninos. Além da denúncia, o pastor deve compreender que o pastorado, mais do que o cuidado pastoral da ovelha, enquanto indivíduo, tem de se caracterizar pela construção de modelos comunitários que exemplifiquem o que deve ser a casa do homem, isto é, que sejam paradigmas éticos. "Não se pode esconder uma cidade edificada sobre o monte" (Mt 5.14), disse Jesus.

O mesmo que, reiteradas vezes, pronunciou: "eu, porém, vos digo... ", numa campanha pela compreensão da ética proposta por Deus.

O pastor precisa aprender que atuação da igreja passa pela proposição de caminho que oriente o ser humano em seu devir (termo filosófico que designa processo de tornar-se o que deve ser) pessoal e social. Que soberania divina, eleição, predestinação, não têm nada a ver com fatalismo ou determinismo. O ser humano é coagente da história, por isso será julgado. O homem é responsável.

É preciso compreender o papel da graça comum, que torna a vida e o progresso possíveis enquanto se desenrola a história da salvação. Ainda que a perfeição não seja passível de ser alcançada, a melhoria, o aprimoramento social, o é. A salvação tem de ser apreendida em seu papel social, pois salvação é sempre para e não apenas por.

A ética tem de ocupar papel preponderante na formação pastoral, além do exposto, por ser categoria teleológica, ou seja, por fazer parte do capítulo que trata das finalidades. Por quê e para o que somos. E esta é a matéria prima da Teologia, e só existe na forma que a conhecemos porque o ser humano perdeu a capacidade de responder essa questão. É claro, portanto, que o ministério pastoral é pró-ética, uma vez que não faria sentido falar de conversão se não houvesse para onde ir, ou melhor, para onde voltar. É claro, também, que isso afeta o todo humano: o indivíduo, a sociedade, a política, a economia, a cidade, o campo - todos os componentes do ethos, da casa humana.

Page 75: Textos de Ariovaldo Ramos

O evangelho que ora assistimos é antiético; não constrói casa alguma, na medida que promove o individualismo alienante. A irresponsabilidade social e histórica, nesse sentido atenta contra a solidariedade e, quando age socialmente, opta pelo paternalismo da assistência social que não conscientiza, não desperta companheirismo e comunidade, nem promove libertação. Não se dá conta de que há uma ação perversa de alienação em curso, cujo objetivo é fazer os pequeninos converterem-se, não só aos seus opressores, como, aos meios de opressão; realidade, essa, muito bem retratada por Chico Buarque na letra "Brejo da Cruz":

"A novidade que há no brejo da cruz, são as crianças se alimentarem de luz.(...)

Mas há milhões desses seres que se disfarçam tão bem.

Ninguém pergunta de onde essa gente vem.(...)

Já não se lembram, que há um brejo da cruz, que eram crianças, e que comiam luz."

Ou a ética faz parte da educação teológica ou teremos um Evangelho antiético, anti-história e escravizador, por individualista que será.

Este texto é fruto de um simpósio promovido pela Aetal (Associação das Escolas Teológicas da América Latina), onde, durante o período de perguntas e respostas, foi perguntado ao Pr. Ariovaldo Ramos, pelo Prof. Irineu De Carli Júnior:

"Em face de tantos problemas apresentados de forma tão acurada e pertinente pelo senhor, quais, na sua opinião, seriam as possíveis soluções para uma Ética Ministerial mais verdadeira em nosso meio, hoje?"

Resposta: "Acredito eu que as respostas estariam alicerçadas em três pontos principais:

1. Que os vários seminários evangélicos, preocupem-se em levar seus alunos à reflexão, ou seja, que as escolas teológicas se preocupem em ensinar seus alunos a pensar por si mesmos. Com participação em classe, com boa leitura, e com o ensino de Lógica como matéria acadêmica, dentro do estudo do pensamento humano.

2. Que os vários seminários evangélicos, preocupem-se em resgatar a mensagem de Cristo para hoje! Ou seja, que os alunos saibam ler os jornais e ver as notícias debaixo de uma perspectiva cristã crítica, contextualizada, prática e pertinente.

3. Que os vários seminários evangélicos, se conscientizem de que são prestadores de serviço para a igreja local. De que a ela e a sua realidade devem estar subordinados, preparando líderes que tragam respostas pertinentes para as perguntas que estão sendo feitas hoje!

Já chega de estudarmos respostas sobre perguntas que ninguém mais esta fazendo.

Os seminários, portanto, juntamente com a Igreja, devem, a partir de seus pressupostos desenvolver proposições que venham ao encontro das necessidades do homem de hoje,

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dentro da Palavra de Deus. Não que com isso o homem vá nortear a interpretação bíblica, mas, antes, que a interpretação bíblica irá trazer princípios de vida prática para a realidade desse homem. "

Pobres ateus Publicado em 20/12/08 às 10:45   Por: Ariovaldo Ramos

Me disseram que o ateísmo está crescendo.

Fiquei a pensar... Quem quer o mundo oco e solitário dos ateus?

Não eu!

Eu quero o mundo povoado dos cristãos, dos judeus, dos muçulmanos, dos animistas... Quero um mundo onde a gente não esteja só.

Um mundo com anjos de pé e caídos.

De entidades, de elfos, de mística, de mágica, de mistérios...

Quero o mundo onde os tambores invoquem.

Onde a multidão de línguas estranhas dos pentecostais façam os seres da escuridão retroceder.

Quero o mundo que produziu Beethoven, que, surdo dizia ouvir a música que Deus queria escutar, a quem aplaudiu na nona.

Que produziu Shakespeare, que disse que havia mais entre o céu e a terra, do que supõe a nossa vã filosofia, e que valia morrer por amor.

Que desafiou Mozart a zombar de Deus, enquanto, qual o profeta Balaão, só conseguia emitir os sons que boca de Deus entoa!

Quero o encanto catártico de Haendell gritando ALELUIA! de forma arrebatadora! A beleza de Bach nos fazendo ver a paz da Família Eterna.

Quero mundo das lindas e majestosas catedrais e dos pregadores das praças, das esquinas, dos caminhos...

Da riqueza sonora profunda dos cantos gregorianos e dos vociferantes pregadores: convocando os homens a mudar e o Espírito Santo a se levantar contra o mal.

Quero o mundo que faça um ser humano, diante a pior das borrascas, ver o seu salvador andando sobre o mar, anunciando a possibilidade.

Aquele em que o guerreiro, diante da incerteza, se ajoelha perante o Eterno e se levanta com um brilho nos olhos, certo de que tem uma missão, um motivo para brandir a espada, porque se há de correr o sangue humano, tem de haver uma razão, que dando significado a vida o faça não temer a morte.

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Um mundo de poetas e romancistas, que fazem a morte gerar vida, que contam histórias porque, em meio ao mais insano, há algo para contar, e se há o que contar, então significa; e se há como contar, então há um significante anterior, de modo que, por mais que cada leitor possa, de alguma maneira, reinventar, ninguém consegue negar que leu, e, se leu, podia ser lido.

Quero a fé que faz uma menina entrar numa das melhores faculdades do pais, sonhando que um dia, tudo o que sabe ajudará um ser desprovido de tudo, num dos miseráveis cantões do planeta, a sorrir com esperança!

Quero a loucura dos missionários que abandonam tudo no presente, certos de que levarão milhares a viver o futuro.

Quem quer o socialismo frio do ateus?

Eu quero o socialismo dos crentes que, em meio à marcha dos trabalhadores, e, diante do impasse do confronto com as forças do estabelecido, grita ao megafone: companheiros, avancemos! Deus está do nosso lado!

Da ciência não quero as equações, quero o grito de "Eureka!", onde o cálculo se mistura com a revelação.

Da matemática quero a música, a certeza de que há sons no universo, que não só os podemos cantar, mas que há quem nos ouve.

Que ouviremos a grande e última trombeta, que reunirá toda a criação para o canto da redenção.

Eu não quero capitalismo nenhum, mas prefiro o dos seres humanos que acreditavam que o trabalho é um culto ao Criador e que o seu produto tinha de gerar um mercado a serviço do bem.

Quem quer o capitalismo consumista dos ateus, que reduz a vida ao aqui e agora, e transforma todos em desesperados que, pensando que não sobrará para eles, correm para acumular para o nada?

Os ateus dizem que evoluímos, mas que não vamos para lugar nenhum; que a ciência pode tudo; que verdade é a palavra dos vencedores; que os mais fortes sobreviverão, e que é o direito natural deles.

Não! Mil vezes não!

Quero o mundo onde os fracos tenham direito ao Reino; onde os mansos herdarão a terra; onde os que choram serão consolados; onde os que têm fome e sede de justiça serão fartos; onde os que crêem na justiça estejam prontos a morrer por ela; onde os mortos ressuscitarão.

Quem quer um mundo explicado, onde tudo é virtude ou falha de um neuro-transmissor qualquer?

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Quero um mundo onde a fé , o amor, a paixão curem, mudem histórias e construam caminhos! Onde os artistas tenham o que registrar!

Um mundo onde o sol nasça e se ponha, onde as estrelas, polvilhando o infinito, apontem um caminho, falem da esperança de uma grande e decisiva família, e que qualquer ser humano ao ver isso, não se envergonhe de falar: maravilha! Um Deus fez isto!

Mas não quero a teologia técnica...

Quero o Deus apaixonado dos cristãos, que abandona sua glória e se faz gente, trazendo a divindade para a humanidade e, ressuscitado, ao voltar, leva a humanidade para a divindade!

Quero o Deus inquieto de Israel, o pai dos judeus, com quem é possível lutar. Quero do Deus que se permite ser detido por um Jacó.

Quero o Deus chorão de Jesus de Nazaré, que mesmo a gente tendo brigado com Ele, nunca conseguiu brigar conosco.

O Deus Pai, Mãe e Filho que repartiu conosco o privilégio de ser!

Quero o mundo do medo do desconhecido, e do maravilhar-se com o desconhecido: o mundo do encanto.

Como disse o pai da filosofia moderna, o que se descobre ser ao pensar, precisa de um mundo para aterrissar, precisa que haja alguém que faça pensar valer a pena, alguém que, ao fim, é da onde se pensa, e se ele não existe, então nada existe, porque o que pensa não tem como pensar a partir de si.

Quero o mundo que ri da finitude; que desdenha das limitações; que resiste ao sofrimento; que olha para o infinito sabendo que nossa existência não é determinada pela morte ou por nossas impossibilidades; que não somos frutos de um acidente.

Quero mundo que se sustenta na fé de que ressuscitaremos, de que brilharemos como o sol ao meio dia; de que vale a pena lutar pelo bem; de que vale a pena existir!

O Espírito Santo e a Cooperativa do Reino Publicado em 06/02/08 às 22:45   Por: Ariovaldo Ramos

“Qual destes três te parece ter sido o próximo do homem que caiu nas mãos dos salteadores? Respondeu o intérprete da lei: O que usou de misericórdia para com ele. Então lhe disse: Vai e procede tu de igual modo.” Lc 10.36-37

A parábola do samaritano foi contada pelo Senhor Jesus com o propósito de responder a uma pergunta do mestre da lei, que perguntou: “Quem é o meu próximo?”. Depois que Jesus terminou de contar a história, em vez de ele perguntar ao mestre da lei: “Quem foi

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o próximo do homem samaritano?”. Para a qual a resposta seria: “O homem caído à beira do caminho”, ele perguntou: “Quem foi o próximo do que estava caído à beira do caminho?” E o mestre da lei, que não diria “o samaritano” nem morto, porque odiava samaritanos, respondeu: “O próximo do sujeito que estava caído à beira da estrada foi aquele que o tratou com misericórdia”.

Jesus demonstrou ao homem da lei não era tão difícil aquela pergunta, e que o fariseu não sabia a resposta porque fizera a pergunta errada. Ele ele devia ter perguntado “De quem eu devo ser próximo?”. E a resposta que vem na parábola do bom samaritano é: “Todo aquele que você vir que precisa de você”. Então, quando você vê alguém que precisa de você, assume um dever para com ele. Porque esse é o princípio do direito, esse é o princípio da justiça. É o que está nas Escrituras.

Quando se atenta para o fato de que quem está em necessidade é um sujeito de direitos, entende-se por que Jesus Cristo deu como sinal de que ele era o Messias, para os discípulos de João, o fato de o evangelho estar sendo pregado aos pobres. Eles são os sujeitos de direito, eles são os mais necessitados entre os necessitados. Isso não quer dizer que o evangelho não seja para todo mundo, mas que começa com os pobres. Porque são as boas novas do reino de Deus. Significa que Deus vai reverter o quadro, reverter os efeitos da queda, e todos nós somos, obviamente, os frutos da queda. Mas de todos nós que somos fruto da queda, os pobres, os miseráveis, os despossuídos são os que a sentem de forma mais aguda; são os que percebem a queda de forma mais aguda. Então o reino de Deus começa entre os pobres.

Em João 16.8-13 está escrito:

“E, quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo: do pecado, porque não crêem em mim; da justiça; porque vou para o Pai e não me vereis mais; e do juízo, porque já o príncipe deste mundo está julgado. Tenho ainda muito o que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora. Quando, porém, vier o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda verdade, porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir.”

Eu gosto desse texto porque ele começa a falar do ministério do Espírito Santo, que é um ministério preterido. Embora nós tenhamos passado pelo pentecostes, pelo avivamento pentecostal, pela descoberta do que mais tarde nós chamamos de pentecostalismo, eu entendo que o ministério do Espírito Santo é o ministério preterido pela igreja. A igreja, na minha opinião, não percebeu dois fatos. Primeiro, que o Espírito Santo é que está na administração, o encargo é dele agora, ele é a pessoa da Trindade cuidando da igreja e abençoando a igreja, trabalhando a construção da igreja e a missão da igreja, que é a sua missão. E a outra coisa que nós não percebemos é o que ele faz desse ministério, desse propósito, dessa necessidade.

Nós abraçamos os dons e os ministérios do Espírito Santo, mas não percebemos que os dons e os ministérios com os quais o Espírito Santo nos presenteia estão dentro de uma lógica da ação do Espírito Santo que é muito maior. É muito maior do que levar-nos a falar em línguas estranhas, ou a interpretá-las ou a ter dons de cura, ou espírito de conhecimento, ou palavra de sabedoria também. Todas essas coisas são do Espírito Santo, sem dúvida nenhuma e fazem parte da atuação dele na igreja. Mas o propósito do Espírito de Deus é muito mais amplo, mais intenso e mais profundo.

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Primeiro: ele vem para lutar pela justiça, ele convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo. Traduzimos tudo isso em conversão pessoal. Ou seja, ele vai convencer o sujeito de que ele é pecador, de que a justiça foi feita em Cristo Jesus e de que, se ele se converter, ele escapará do juízo. Mas o texto diz que o Espírito Santo vem para fazer um trabalho no mundo, para deixar claro para o mundo que este está em pecado; que há um padrão de justiça e que tudo vai ser julgado.

Não há ninguém no universo que mude de idéia para o bem, que não tenha sido por meio do Espírito Santo. Porque as Escrituras dizem que os seres humanos não buscam o bem. Não há nem um justo sequer, não há quem faça o bem. Como disse Chesterton, o maior problema da humanidade não é explicar o mal, é explicar o bem. Uma vez um menino me falou que não acreditava em Deus, por causa do mal. Eu disse: “Mas eu acredito em Deus justamente por causa do mal!” E expliquei: “O mal não conhece limites, não respeita a moral, não respeita o limite étnico, não respeita a lei, não respeita a vontade humana. Então, por que o mal ainda não tomou conta de tudo?”. Porque existe um poder que impede o avanço dele. A Bíblia diz que esse poder é uma pessoa e é nela que eu creio. Então é óbvio que Deus existe, senão como é que se explica o bem?

O Espírito Santo vem produzir o bem. Ele é o administrador da graça. O Pai dispensa a graça, o Filho torna possível ao Pai dispensar a graça, e o Espírito administra a graça. Se nós não percebermos a relação trinitariana nas Escrituras, vamos cair na loucura dos testemunhas de Jeová, sem dizer o que eles dizem. E a loucura deles é não saber exatamente o que está acontecendo, e não entender Deus e não entender minimamente o que Deus está fazendo na história. Porque não percebem que Deus é uma comunidade: Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Um só Deus e três pessoas, um mistério! Não são três deuses, é um Deus só. Eles não são independentes entre si, eles são co-dependentes, co-eternos, eles estão sempre juntos. Eles nem se entendem separados, acho que nunca pensaram em se separar, porque isso é absolutamente uma impossibilidade. Então é um mistério, a gente não sabe responder tudo sobre a Trindade, até porque se houvesse alguém que soubesse responder tudo sobre a Trindade, estaria lá, e seria a quarta pessoa.

Eu entendo que a Trindade explica por que a humanidade é necessariamente uma comunidade, e é necessariamente uma unidade. E tinha de ser, porque é a imagem e semelhança de Deus; Deus é uma família, que resolveu criar algo à sua imagem e semelhança, logo, tinha de criar nossa família. Deus é uma comunidade, resolveu criar algo à sua imagem e semelhança, portanto, tinha de criar outra comunidade. Deus é uma unidade que contém outras unidades, decidiu criar algo à sua imagem e semelhança, então, tinha de criar uma unidade semelhante. Por isso que nós somos imagem e semelhança de Deus. Os anjos também são seres responsáveis, inteligentes, mas não são imagem e semelhança de Deus, porque nós somos as únicas criaturas de Deus que, guardadas as devidas proporções, podemos experimentar o que só Deus conhece, que é a Unidade, quando mais de um é um só.

Então, o Espírito Santo vem administrar graça para isso ganhar acordo. Para a imagem de Deus aparecer, de fato. E ele vem trabalhar a questão da justiça. Isso é extraordinário, porque lembra uma frase hermética de Tiago, que disse que justiça é um fruto que se semeia na paz. E eu levei anos estudando esse texto. E questionava: “Deus, eu não entendo isso. Não é verdade, não é a paz que gera a justiça, é a justiça que gera a

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paz!” Eu insistia, mas não conseguia pregar, porque não conseguia entender minimamente o que estava escrito ali. Um dia, me dei conta dessa comparação de Deus Espírito Santo vindo para ministrar a justiça. E percebi que Tiago estava dizendo que a paz que Deus celebra é a paz que promove o direito. Então, quando ele disse “bem-aventurados os pacificadores” ele não estava dizendo “bem-aventurados os que botam panos quentes,”mas sim, “bem-aventurados os que fazem sobressair o direito”. Porque, logo depois dessa bem aventurança, ele disse: “Bem- aventurados os que estão prontos para ser perseguidos por isso”.

O que Tiago estava dizendo era que só há uma paz que interessa para o cristão: a paz que promove a justiça; que faz o direito sobressair. A paz que não faz o direito sobressair não interessa para o cristão, porque não é paz. Se alguém foi subjugado, manietado, explorado, espoliado, então não é paz. Só há paz quando se sobressai o direito. Aí eu entendi que tinha de ser essa a frase de Tiago, porque Deus não trabalha com o princípio da guerra. Embora alguns irmãos adorem falar que Deus é guerreiro. Deus é guerreiro, tem cara de leão e tudo, mas independente do rosto que o Senhor escolher em algum momento, ele não é guerreiro. Os pensamentos dele são de paz, e ele trabalha a partir da paz, pois a paz que Deus promove é a que faz o direito sobressair. O Espírito Santo vem para trazer essa perspectiva da justiça, e o Espírito Santo também vem para conduzir-nos a toda a verdade. A idéia aqui é criar um só coração, um só sentimento. Não é a verdade institucional, não é a verdade confessional, mas é uma verdade relacional. Porque a verdade é uma pessoa: Jesus de Nazaré, o Cristo, o Filho do Deus Vivo. Aquele que disse: “Eu sou o caminho, e a verdade e a vida”.

Para nós cristãos, a verdade é uma Pessoa. Todos nós temos de estar em torno dela. Todos nós temos de estar submissos a ela, todos nós que estamos de joelhos diante dela. A pessoa de Jesus de Nazaré, o Cristo, verdadeiramente Homem e verdadeiramente Deus. A verdade é uma vida a ser vivida, porque é a vida de Cristo. Então o Espírito vem trabalhar isso e vai criando uma comunidade, uma cooperativa. O primeiro ministério do Espírito Santo é a promoção da justiça; depois, o outro ministério do Espírito Santo é levar os homens a esse encontro, a esse relacionamento, que se sustenta na pessoa de Jesus; depois, o Espírito Santo vem para convencer, nesse trabalho ele convencerá o mundo, e o mundo mudará de idéia, as pessoas mudarão de idéia. Então, todas as vezes que você vir alguém sustentando o bem, sendo sustentado pelo bem e promovendo o bem, você está vendo um milagre. Você está vendo o milagre da graça, o milagre da ação do Espírito Santo.

E nós sabemos da graça, mas nem tanto. Por exemplo, quando o seu filho erra, você o disciplina. Mas quantas vezes você celebra quando o seu filho acerta? Nós não sabemos da graça. Se nós soubéssemos da graça, saberíamos que quando um filho faz o que é mal, ele está fazendo o que é próprio ao ser humano, a natureza caída. Mas quando ele faz o bem, ele foi alvo de um milagre. E eu tenho que celebrar esse milagre com ele, até para ele se abrir cada vez mais ao Espírito Santo e ao milagre do bem. Mas nós não trabalhamos assim. Nós trabalhamos com a idéia de que o mal é um acidente ou um equívoco, ou um ato deliberado. E o bem é uma obrigação, é natural, é o que tinha de ser. Mas não é verdade, porque nós não aprendemos a primeira informação que as Escrituras nos dão, que é: o mundo de vocês virou. O que era antítese virou tese, e vice-versa.

Vivemos em um mundo em que agora a tese é o mal, não o bem. Porque todo mundo

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sabe fazer o mal, mas nem todo mundo sabe fazer o bem. E nesse fazer o bem, ninguém sabe se fez o bem mesmo. Nós ficamos sempre discutindo o que é o bem. Todas as vezes que discutimos o que é ação social, nós estamos tentando discutir o que é o bem. E já mudamos muito: da assistência para a ação social, da ação social para o desenvolvimento sustentável e depois acharemos uma outra coisa, porque descobrimos pouco a pouco como é que se faz o bem. Primeiro achamos que fazer o bem era dar comida ao faminto. Depois, pensamos que o bem não era só socorrer o sujeito, ele precisava ser emancipado, melhorar culturalmente, economicamente, precisava de atualização profissional, e então isso era o bem. Não, só isso não bastava, o sujeito fazia parte de uma comunidade, então nós tínhamos de trabalhar com toda a comunidade; nós tínhamos de criar todo um programa de desenvolvimento da comunidade. Ou seja, nós discutimos o que é o bem. Porém, o mal nós sabemos o que é.

Se eu pedir a você que interprete alguém que ama, você ficará na dúvida. Tentará não parecer meloso demais, piegas, pegajoso. Mas, se eu pedir que você interprete alguém que está com ódio, você vai saber. E a primeira informação que as Escrituras nos deram foi essa: o mundo de vocês virou. Mas Jesus Cristo veio para trazer a ordem original. E essa é a ação do Espírito Santo. É muito mais ampla. Ele veio para fazer um trabalho para a promoção da justiça, de relacionamento, de percepção do que realmente é a verdade. Ele veio para ser um intérprete. Quando houve o pentecostes, os irmãos falaram em línguas estranhas. Eles receberam uma capacidade que não tinham, e isso é ação do Espírito Santo.

Mas o Espírito Santo fez um outro milagre. Fazendo um paralelo com o pentecostes, imagine a seguinte situação: Se eu chegasse em uma platéia formada por mais de cem pessoas que não se conhecessem e pedisse que cada uma gritasse seu próprio nome ao mesmo tempo, o que aconteceria? Eu tenho certeza de que depois ninguém saberia dizer o nome do irmão do lado. Porque não dá para entender o que uma centena pessoas está falando ao mesmo tempo, a toda voz. Então, no pentecostes nós assistimos a dois milagres. Tivemos irmãos recebendo uma capacidade que não tinham e os circunstantes entendendo o que normalmente não poderiam entender. E cada um, na sua própria língua.

A primeira mensagem do texto bíblico que narra o pentecostes é que Deus tem algo para dizer e quer ser entendido. A segunda mensagem é que Deus tem um intérprete: o Espírito Santo. Ele faz a gente entender Deus e a gente se entender. Sem o Espírito Santo, a gente não se entende. Isso é palpável em muitas famílias: as pessoas têm o mesmo código, a mesma linguagem, a mesma cultura, obviamente, mas elas não se entendem, porque falta o tradutor. O Espírito Santo é tradutor por excelência. O texto sagrado diz que nós não sabemos como orar, mas o Espírito Santo intercede por nós, com gemidos inexprimíveis, ou seja, o Espírito Santo conserta a nossa oração. Tem um bocado de gente que fica perguntando: “Como devo orar?”. A Bíblia diz: “Ore de qualquer jeito, você não sabe orar, mesmo!” Então, confia que o Espírito Santo vai interpretar você para Deus, assim como interpreta Deus para você.

O Espírito Santo, o grande intérprete, está criando uma grande comunidade. E o Espírito Santo vai mais longe, porque interpreta a criação para nós. Em Romanos 8.19-21 e 23 é dito:

“A a ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus. Pois a

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criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria criação seja redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora. E não somente ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo.”

Se perguntássemos ao apóstolo: “Como nós sabemos que a criação geme e que suporta angústias até agora?” Ele responderia: “Porque o Espírito Santo, depois que veio habitar em nós, nos fez gemer do mesmo jeito. E interpretou o gemido da criação para nós”. Ou seja, o Espírito Santo veio criar uma grande comunidade, que une toda a criação, que faz a criação, homens e as demais criaturas de Deus, se entenderem. Quando Jesus Cristo veio conversar com a gente, veio não só nos tirar do inferno, mas também tirar o inferno de nós, e veio revelar para nós o que significa ser gente. Ele estava falando de um projeto cósmico. Por algum motivo, nós reduzimos isso ao intimismo humano, à subjetividade humana. Mas o Espírito Santo veio para administrar a graça de Deus e a graça de Deus veio para recuperar toda a criação. Por isso que não basta ter uma nova criatura: é preciso ter um novo homem; não basta ter um novo homem; tem que ter uma nova terra.

A minha linha de pensamento foi se ampliando: uma nova criatura, um novo homem, uma nova terra. E o leitor pode imaginar que quando eu pensei em criatura, eu estava falando de outras criaturas, e quando eu falei de novo homem eu estava pensando na gente. Não, eu estava pensando na gente quando falei de nova criatura. Quando eu falei do novo homem, eu me referia à igreja. Porque a igreja é um homem só, coletivo, um ser humano coletivo. Paulo, em Colossenses, diz que nós fomos ressuscitados com Cristo, que Cristo é a nossa vida e que nós temos de nos revestir: “Não mintais uns aos outros, uma vez que vos despistes do velho homem com os seus velhos feitos” (Cl 3.9). Até o verso 8 desse capítulo é possível pensar que Paulo está falando do indivíduo, mas então ele diz que nós nos despimos do velho homem. E continua: “E vos revestistes do novo homem, que se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou” (v. 9- 10).

E o leitor pensa: Então ele me vestiu de uma outra pessoa, agora eu sou uma outra pessoa. Mas, no versículo 11, ele diz: “Dentro, no qual [ou seja, nesse novo homem] não pode haver grego, nem judeu, nem circuncisão, nem incircuncisão, nem bárbaro, nem cita, nem livre, porém Cristo é tudo  em todos”. E percebe-se que ele está falando da sociedade. Paulo está chamando a velha sociedade, onde todos mentiam uns para os outros, de velho homem. Então o velho homem não sou eu no pecado; o velho homem, para Paulo, é a velha sociedade que se mantinha na mentira. Em que todos os relacionamentos eram mentirosos, que tudo era mantido na base da falsidade, mas agora há uma nova sociedade e Paulo chama essa nova sociedade de novo homem. E esse novo homem vai sendo refeito à imagem de Jesus, se tornando à imagem daquele que o criou.

Aquele que criou o novo homem é uma comunidade, a qual vai crescendo a fim de se parecer cada vez mais com a comunidade original, a comunidade que o criou. Nessa comunidade, não pode haver discriminação, todo mundo é igual. Nessa comunidade nós nos tratamos com misericórdia, com bondade, com humildade, com mansidão e com longanimidade. Nessa comunidade, suportamos uns aos outros. Nessa comunidade, nós

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nos perdoamos mutuamente. Nessa comunidade, nós nos amamos a ponto de nos unir perfeitamente. Nessa comunidade, a paz é o árbitro. Nós não fazemos nada para quebrar a paz que há entre nós. Nessa comunidade nós nos instruímos e nos aconselhamos mutuamente, em toda a sabedoria. Nessa comunidade, louvamos juntos. Nessa comunidade, tudo o que nós fazemos, o fazemos em nome do Senhor, dando por ele graças a Deus Pai.

E em vez de percebermos essa referência ao coletivo, nós geralmente indivualizamos o texto. Temos a tendência de individualizar tudo na Bíblia. Por isso eu tenho muito medo do movimento cristão, que diz que não se precisa de igreja. Eu aturo até que falem que não se precisa de instituição. Mas é impossível aceitar que não se precisa de igreja, porque Cristo veio formar uma nova humanidade e nós a chamamos de igreja. É impossível ser cristão isoladamente. A vida cristã é construir comunidades, pois a queda é justamente o fim das comunidades, bem como todo tipo de rebelião contra Deus o é. A vida cristã é construir comunidades, é retomar, consertar, curar relacionamentos. Porque estamos todos criando uma cooperativa junto com Deus, com o auxílio do Espírito Santo. O Espírito Santo veio para interpretar Deus para nós; nos interpretar para Deus; veio para levar o mundo a entender no que consiste a justiça, o pecado e o juízo; veio para interpretar a criação para nós e para fazer-nos guardiães da criação.

O Espírito Santo é o grande tradutor, o grande intérprete, por isso é possível uma cooperativa. Porque a cooperativa pressupõe relacionamentos curados, comunhão, alvos comuns, projetos comuns e trabalho comum. Todo mundo trabalhando por todo mundo. Esse é o trabalho do Espírito Santo, o qual atua também através dos dons e ministérios das pessoas. Em vista disso, é ótimo ter dons de línguas ou de interpretação de línguas. Ter dom de palavra, de conhecimento, de sabedoria, de cura, tudo isso é extraordinário. Ter ministérios apostólico, profético, evangelístico, de mestre, de pastor, é maravilhoso. Mas tudo isso está dentro do projeto cósmico da Trindade. E a Trindade é essa cooperativa profunda, extraordinária, a qual quer transformar esse planeta numa outra cooperativa com essa profunda unidade, entre todas as suas criaturas.

A  maior parte das pessoas pensa que o Senhor veio para que nós vivamos bem. Não. O Senhor veio para que a gente viva plenamente, mas viva muito mal. Porque ele veio para que a gente viva o tempo todo incomodado. Cheio de alegria , cheio de paz, triunfante e derramando lágrimas feito um doido (é o paradoxo cristão). Pois nós não conseguimos mais conviver com esse gemido que o Espírito Santo nos faz ouvir, o tempo todo. E esse gemido já não está mais no seu ouvido, está no seu coração. Você sabe que nós temos de fazer alguma coisa. É isso o que o Espírito Santo vai dizer o tempo todo: Façam alguma coisa, eu estou com vocês para isso, façam alguma coisa! Ouçam esse gemido. Então chega um momento em que ele não nos permite só ouvir o gemido, ele nos faz gemer junto. Então é assim: nós somos gente cheia de alegria, cheia de paz e cheia de choro. Porque o Espírito Santo não nos deixa dormir, entendeu?

Milhões de cristãos têm experiências reais de serem acordados de madrugada. O Espírito Santo acorda o sujeito e diz: “Ajoelha e ora!”. Ele não pensa que, como ele, há milhões de cristãos no mundo todo que o Espírito Santo arrancou da cama. E o crente reclama: “Mas, Espírito Santo, eu preciso dormir!”. “Você agora não vai dormir, eu vou ser o seu descanso. Agora você vai orar! E você não está sozinho, há milhões! Você não sabe, mas você está numa grande reunião, agora. Porque eu preciso que vocês clamem, e eu preciso que vocês se levantem e façam alguma coisa! Porque eu vim montar essa

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cooperativa para a Trindade.” Então o ato de Jesus na cruz não é um fim em si mesmo. A Trindade tinha um sonho. Quando nós nos reunimos para orar, nós nos reunimos para dizer à Trindade: nós compramos o seu sonho.

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Procura-se mártires Publicado em 09/01/08 às 12:00   Por: Ariovaldo Ramos

Há tempo a Editora Mundo Cristão lançou “O Livro dos Mártires”, de John Foxel, e, hoje, lembrei dele, um livro escrito em 1559, sobre os mártires da Reforma Protestante, começando por Wycliff, passando por Huss, Tyndale e Lutero, culminando nos mártires escoceses e ingleses, vítimas da luta dentro da Igreja da Inglaterra pela liberdade de interpretar as escrituras,  pela liberdade de expressão, pela liberdade de crer conforme a consciência nascida da simples leitura das Escrituras Sagradas. Um livro fascinante, uma tradução brilhante de Almiro Pisetta, que, embora fluente,  e valorizando a língua portuguesa como uma língua de cultura, mantém o sabor da alta renascença pré-moderna, porém, já sob influência das mudanças que desembocariam no Iluminismo. O texto é ilustrado com beleza chocante pelas litogravuras de  Marcelo Moscheta.

Ao ler “O Livro dos Mártires” somos expostos à paixão dos reformadores, a gente se dá conta de que a Reforma Protestante não foi apenas um movimento de retomada doutrinária a partir da releitura da Bíblia à luz dos pais da Igreja, principalmente, Agostinho, mas, também, um movimento apaixonado de homens em busca da verdade, da Glória de Deus e do verdadeiro espírito da Igreja. Homens dispostos à morte por profundo amor à vida como se pode ver na frase de Walter Mill, martirizado em 1558: “Quando tudo estava pronto para a sua execução, ele foi conduzido até a fogueira por homens armados, e Oliphant (seu executor) ordenou que ele entrasse no fogo. Mas ele disse:- Não! Se o senhor me puser na fogo com suas próprias mãos e colaborar para a minha morte, verá que morrerei feliz. Mas, pela lei de Deus estou proibido de agredir-me a mim mesmo. – Então Oliphant colocou-o na fogueira e ele aceitou de bom grado dizendo: -Subirei ao altar do Senhor. ... E assim, ... manteve-se de pé sobre as brasas e disse o seguinte: -'Queridos amigos! A causa pela qual eu padeço neste dia não se refere a nenhum crime imputado contra mim (embora eu seja um miserável pecador perante Deus), mas refere-se apenas à defesa da fé em Jesus Cristo que nos é apresentada no Novo Testamento. Por essa fé, como os fiéis mártires de bom grado se sacrificaram na certeza de que, depois da sua morte corporal, teriam a felicidade eterna, assim hoje louvo a Deus que por Sua misericórdia me escolheu, dentre Seus servos, para selar a Sua verdade com a minha vida. Vida que dEle recebi e assim, de bom grado, ofereço para a Sua glória. Portanto, para fugir à morte eterna, não vos deixeis seduzir pelas mentiras de padres, monges, frades, priores, abades, bispos e todo o resto, seita do Anticristo. Contai apenas com Jesus Cristo e Sua misericórdia, para que possais vos livrar da condenação.'" (pgs 227,228)

É verdade que os tempos mudaram e, com eles, nosso relacionamento com o

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catolicismo;  de fato, nosso problema hoje está mais dentro de nosso arraial, que fora dele; e como estamos precisando recuperar essa paixão nos dias que correm! Como estamos precisando recuperar a verdade de que só se pode contar com Jesus Cristo e Sua misericórdia para a salvação e, também, para a transformação! Como, novamente, precisamos escapar dessa enxurrada de auto titulados que chamam para si a unção, que é de toda a Igreja (1Jo 2.20,27), submetendo o povo de Deus à opressão das penitências, agora revestidas pelo nome de campanhas de oração, sempre antecedidas por algum sacrifício de ordem financeira! Como precisamos recuperar a Reforma Protestante, mesmo que isso possa a vir a custar novas formas de martírio!

Beijando o Filho Publicado em 16/12/07 às 25:14   Por: Ariovaldo Ramos

Beijai o Filho para que se não irrite, e não pereçais no caminho; porque dentro em pouco se lhe inflamará a ira. Bem-aventurados todos os que nele se refugiam." Sl 2

O Filho está irritado com os líderes das nações, por não se inclinarem a ele, e lhes está dando um ultimato. Todos os que estão sendo vítimas da injustiça social, em todo o mundo, sabem o que significa os líderes das nações não se submeterem ao Filho. Feliz, entretanto, é a pessoa que, em meio a tudo isso, se refugia no Filho, reconhecendo a necessidade pessoal de submeter-se. Há, pelo menos, três maneiras de se refugiar no Filho:

1- Pelo arrependimento - Arrepender-se entender que, em Deus existindo, não se pode viver de qualquer jeito. Há um jeito certo de viver, o jeito de Deus.

2- Pela confissão de pecados - Quando a gente concorda com Deus, que estamos errados, diante da lei, e que precisamos mudar, e que só o podemos com a graça a nós derramada através do Filho.

3- Pela imitação de Cristo - Quando nos damos conta de que a questão não é a mera quebra da lei, mas o ser gente, e que gente, como gente deve ser, é ser igual a Jesus, e, então, passamos a olhar para Jesus como se olha ao espelho, para nos arrumarmos como gente à luz da imagem de Jesus.

Gente que, assim, se refugia em Cristo, é feliz.

A prosperidade da decepção Publicado em 05/11/07 às 13:09   Por: Ariovaldo Ramos

Quando, na década de 80, a teologia da prosperidade chegou ao Brasil, ela veio como uma nova tese sobre a fé, prometia o céu aqui para o que tivesse certo tipo de fé. As promessas eram as mais mirabolantes: garantia de saúde a toda prova, riqueza, carros maravilhosos, salários altíssimos, posições de liderança, prosperidade ampla, geral e irrestrita. Lembro-me de, nessa época, ter ouvido de um ferrenho seguidor dessa teologia que, quem tivesse fé poderia, inclusive, negociar com Deus a data de sua morte, afirmava que, na nova condição de fé em que se encontrava, Deus teria de negociar com ele a data de sua partida para mundo dos que aguardam a ressurreição do corpo. Estamos, há cerca de vinte anos convivendo com isso, talvez, por isso, a grande pergunta sobre essa teologia seja: Como têm conseguido permanecer por

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tanto tempo? A tentação é responder a questão com uma sonora declaração sobre a veracidade desta proposição, ou seja, permanece porque é verdade, quem tem fé tem tudo isso e muito mais. Entretanto, quando se faz uma pesquisa, por mais elementar, o que se constata é que as promessas da teologia da prosperidade não se cumpriram, e, de fato, nem o poderiam, quando as regras da exegese e da hermenêutica são respeitadas, percebe-se: não há respaldo bíblico. Então qual a razão para essa longevidade?

Em primeiro lugar, a vida longa se sustenta pela criatividade, os pregadores dessa mensagem estão sempre se reinventando, bem fez um de seus mais expoentes pregadores quando passou a chamar seu programa de TV de “Show da Fé”, de fato é um espetáculo ás custas da boa fé do povo. Mesmo os mais discretos estão sempre expondo o povo, em alguns casos, quando mais simplório melhor, em outros, quanto mais bonita, e note-se o feminino, melhor. Além disso, é uma sucessão de invencionices: um dia é passar pela porta x, outro é tocar a trombeta y, ou empunhar a espada z, ou cobrir-se do manto x, e, por aí vai. Isso sem contar o sem número de amuletos ungidos, de águas fluidificadas e de bênçãos especiais. Suas igrejas são verdadeiros movimentos de massa, dirigidos por “pop stars” que tornam amadores os mais respeitados animadores de auditório da TV brasileira.

Em segundo lugar, a vida longa se mantém pela penitência; os pregadores dessa panacéia descobriram que o povo gosta de pagar pelos benefícios que recebe, algo como “não dever nada a ninguém”, fruto da cultura de penitência amplamente disseminada na igreja romana medieval, aliás, grande causadora da reforma protestante. Tudo nessas igrejas é pago. Ainda que cada movimento financeiro seja chamado de oferta, trata-se, na prática, de pagamento pela benção. Deus foi transformado num gordo e avaro banqueiro que está pronto a repartir as suas benesses para quem pagar bem, assim, o fiel é aquele que paga e o faz pela fé; a oferta, nessas comunidades, é a única prova de fé que alguém pode apresentar. Na idade média, como até hoje, entre os romanos, Deus podia ser pago com sacrifícios, tais como: carregar a cruz por um longo caminho num arremedo da via “crucis”, ou subir de joelhos um número absurdo de degraus, ou, em último caso, acender uma velinha qualquer, não é preciso dizer que a maioria escolhe a vela. Mas, isso é no romanismo! Quem quer prosperidade, cura, promoções, carrões e outros beneplácitos similares tem de pagar em moeda corrente, afinal, dinheiro chama dinheiro, diz a crença popular. E tem de pagar antes de receber e, se não receber não pode reclamar, porque Deus sabe o que faz e, se não liberou a bênção é porque não recebeu o suficiente ou não encontrou a fé meritória. Esses pregadores têm o consumidor ideal.

Em terceiro lugar são longevos porque justificam o capitalismo, embora, segundo Weber, o capitalismo seja fruto da ética protestante, (aliás, a bem da verdade é preciso que se diga que o capitalismo descrito por Max Weber em seu livro “A ética protestante e o espírito do capitalismo” não é, nem de longe, o praticado hoje, que se sustenta no consumismo, enquanto aquele se erguia da poupança, além disso, como sociólogo, Weber tirou uma foto, não fez um filme, suas teses se circunscrevem a sua época e nada mais) a fé, de modo geral, evangélica nunca se deu bem com a riqueza. A chegada, porém, dessa teologia mudou o quadro, o capital está, finalmente, justificado, foi promovido de grilhão que manieta a fé em troféu da mesma. Antes, o que se assenhoreava do capital tornava-se o avaro acumulador egoísta, agora, nessa tese, é o protótipo do ser humano de fé. Antes, o que corria atrás dos bens materiais era um mundano, hoje, para esses palradores, é o que busca o cumprimento das promessas

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celestiais. Juntamente com o capitalismo, essa mensagem justifica o individualismo, a bênção é para o que tem fé, ela é inalienável e intransferível. Eu soube de uma igreja dessas que, num rasgo de coerência, proibiu qualquer socorro social na comunidade para não premiar os que não tem fé. Assim, quem tem fé tem tudo quem não tem fé não tem nada. Antes, ter fé em Cristo colocava o sujeito na estrada da solidariedade, hoje, nesse tipo de pregação, o coloca no barranco da arrogância. Toda “esperteza” está justificada e incentivada. Não é de estranhar que ética seja um artigo em falta na vida e no “shopping center” de fé desses “ministros”.

Mas, o que isso tudo tem gerado, de verdade? Decepção, fragorosa decepção é tudo o que está sobrando no frigir dos ovos. As bênçãos mirabolantes não vieram porque Deus nunca as prometeu, e Deus não pode ser manipulado. O sucesso e a riqueza que, porventura, vieram foram mais fruto de manobras “espertalhonas”, para dizer o mínimo, do que resultado de fé. Aliás, para muitos foi ficando claro que o que chamavam de fé, nada mais era do que a ganância que cega, o antigo conto do vigário foi substituído pelo conto do pastor. Gente houve que ficou doente, mas, escondeu; perdeu o emprego, mas, mentiu; acreditou ter recebido a cura, encerrou o tratamento médico e morreu. Um bocado de gente tentando salvar as aparências, tentando defender os seus lideres de suas próprias mentiras e deslizes éticos e morais; um mundo marcado pela esquizofrenia. O individualismo acabou por gerar frieza, solidão e, principalmente, perda de identidade, porque a gente só se torna em comunidade. Tudo isso acontecendo enquanto muitos fiéis observavam o contraste entre si e seus pastores, eles sendo alcançados pela perda de bens, pela angústia de uma fé inoperante, pela perda de entes queridos que julgavam absolutamente curados e os pastores enriquecendo, melhorando sensivelmente o padrão de vida, adquirindo patrimônio digno de nota, sendo contado entre o “jet set”, virando artistas de TV, tudo em nome de um evangelho que diziam ter de ser pregado e que suas novas e portentosas posses avalizavam.

E onde estão estes decepcionados? E para onde estão indo os seus pares? Muitos estão, literalmente, por aí, perderam aquela fé, mas não acharam a que os apóstolos e profetas da escritura judaico-cristã anunciaram; ouviram o nome Cristo, mas não o encontraram e pararam de procurar. Talvez, estejam perdidos para evangelho; para sempre. Outros, no meio de tudo isso foram achados por Cristo e estão procurando pelo lugar onde ele se encontra. Para os primeiros não há muito que fazer a não ser interceder diante do Eterno, para que se apiede dos que foram vergonhosamente enganados; para os que estão a procura, entretanto, é preciso desenvolver uma pastoral. Eles não estão chegando como chegam os que estão em processo de reconhecimento de Deus e do seu Cristo. Estão batendo às portas das comunidades que julgam sérias com a Bíblia a procura de cura para a sua fé, para a sua forma de ser crente, para a sua esperança de salvação, para a sua falta de comunidade e para a sua confusão doutrinária. Precisam, finalmente, ver a Jesus Cristo e a si mesmos; precisam, em meio a tanta desinformação encontrar o ensino, em meio a tanto engano recuperar a esperança. Necessitam de comunidade e de identidade, de abraço e de paciência, de paz e de alento, de fraternidade e de exemplo, de doutrina e de vida abundante. Quem quer que há de recebê-los terá de preparar-se para tanto, mesmo porque, ainda que certos da confusão a que foram expostos, a cultura que trazem é a única que têm e, nos momentos de crise, de qualquer natureza, será a partir desta que reagirão, até que o discipulado bíblico construa, com o tempo, uma nova e saudável cultura.  

Hoje, para além de tudo o que encerra a sua missão, a Igreja tem de corrigir os erros

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que, em seu nome, e, em muitos casos, sob a sua silenciosa conivência, foram e, ainda, estão sendo cometidos.

Humanitária, nunca humanista Publicado em 01/08/07 às 24:06   Por: Ariovaldo Ramos

A fé cristã é humanitária e não humanista. O humanismo acredita na bondade intrínseca do homem; já a fé cristã afirma que o homem é mau e constantemente mau o seu desígnio.

Quando a raça humana caiu, tudo o que permaneceu de bom nela é fruto do ato divino de emprestar, aos humanos, algo dos seus atributos comunicáveis.

Ao rompermos com Deus escolhemos ser o oposto dele, logo, escolhemos a maldade como estilo de vida.

Agora, como Deus é o lugar onde vivemos, nos movemos e existimos, ao rompermos com Deus, deveríamos ter deixado de existir, uma vez que fora de Deus nada existe ou pode existir.

Então, ao rompermos com Deus dois milagres aconteceram conosco: 1- fomos mantidos na existência, logo, fomos mantidos em Deus. 2- algo da bondade de Deus foi depositada em nós, de modo que, embora optando pela maldade, continuamos a saber e fazer o bem de várias maneiras.

Essa possibilidade do bem, em nós, não é mais intrínseca à humanidade, é fruto desse depósito de bondade de Deus em nós. Assim, na mesma medida em que não acreditamos que os seres humanos sejam capazes de, por si mesmos, fazer o bem, acreditamos que vale a pena investir na humanidade porque algo da bondade de Deus lhe foi emprestada. O que torna possível a pessoas que não amam a Deus amarem o próximo.

A fé cristã é humanitária, acredita que investir no bem da humanidade vale a pena, porque a bondade de Deus está atuando na humanidade e pela humanidade.

A fé cristã não se ilude com a humanidade, mas, ao mesmo tempo, não perde a esperança na humanidade.

A fé cristã luta pela humanidade porque sabe que essa é a luta de Deus.

Ecologia Publicado em 11/12/06 às 9:03   Por: Ariovaldo Ramos

Essa questão é ecológica:

“E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra.” Gn 1.28

Esse verso é conhecido como o mandato cultural, a ordem de Deus para que a raça

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humana se expanda e assuma o planeta e, geralmente, tem sido interpretado como uma permissão para que a humanidade exerça total domínio sobre a criação.

Deus estava entregando o planeta aos cuidados da raça humana, quando ainda éramos parceiros de Deus, antes da queda. Portanto, ver o mandato cultural numa perspectiva predatória, é um contra-senso, não combina com o caráter de Deus, não combina com o estado da humanidade na ocasião, nem com a conclusão divina sobre a sua criação: “Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom.” Gn 1.31. Uma obra sem necessidade de reparos.

Quando Deus diz: Dominai! Parece que não há parâmetros preestabelecidos, e há muitas formas de exercer domínio, inclusive essa, antiecológica que praticamos. Mas o contexto e os desdobramentos imediatos falam de um modelo inequívoco: “Tomou, pois, o SENHOR Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e o guardar.” Gn 2.15. Deus propôs que o planeta fosse um grande jardim. O jardim é um modelo comunitário. A beleza do jardim é a do conjunto, pressupõe harmonia e partilha dos recursos, uma engenharia onde o espaço, a sobrevivência, a necessidade de crescimento e as características de todos sejam garantidos. Desenvolvimento sustentado.

Nesse projeto o homem é um jardineiro com a peculiaridade de fazer parte do jardim, a restrição de não ameaçar a sobrevivência das demais, que paira sobre todas as espécies, está, por excelência, sobre o jardineiro, somos responsáveis por administrar o relacionamento do planeta com os seus ocupantes, e destes entre si. Não temos o direito de crescer de modo ilimitado, não podemos canalizar todos os recursos para nós, nem por em risco a sobrevivência do planeta, fazemos parte e dependemos do equilíbrio ecológico. Se tivéssemos sido o jardineiro que o Criador desejou, a consciência do jardim faria natural o controle da natalidade. Bem, não o fomos, pelo contrário, tornamo-nos a antítese do jardineiro. Três questões, imbricadas entre si, se tornaram imperiosas: nosso modelo de progresso, a racionalização do consumo e o controle de como ocupamos o planeta.

Tudo Começa Com a Solidariedade Publicado em 22/08/06 às 20:42   Por: Ariovaldo Ramos

Quando Jesus estava andando no tanque de Betesda, ele conversou com um homem que estava doente há 38 anos. Provavelmente, aquele homem chamou a atenção de Cristo, por ser o único que não estava mais disputando com os demais na tentativa de chegar primeiro ao tanque, assim que o anjo movimentasse a água; porque o primeiro que entrava na água, assim que ela era agitada, era curado. Esta postura do homem levou Cristo a perguntar-lhe se ele queria ser curado. A resposta do moço foi que ele não tinha ninguém que o carregasse quando a água era agitada e, por isso, nem lhe adiantava mais ficar atento ao movimento da mesma, sempre alguém, em melhores condições que ele, lhe tomava a frente.

A resposta do moço a Jesus traz, em si mesma, um desafio. Pois, o moço queixou-se da falta de solidariedade: “Não tenho ninguém!” Disse ele.

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Quanto milagre está esperando apenas por um pouco de solidariedade! Quanta solução esta mera prática já teria produzido na sociedade em que vivemos! A solidariedade tem potencial para solucionar a questão da pobreza. E foi, sem dúvida, uma marcante característica do ministério de Jesus de Nazaré.

Não se explica, portanto, qualquer movimento, em nome de Cristo, que não se inicie num compromisso solidário para com os circunstantes.

Jesus iniciou sua pregação anunciando o que ele chamou de “O Reino de Deus”; quando se verifica o significado desse termo nas Escrituras, percebe-se que fala de um novo sistema de vida, que abrange todas as facetas da mesma, as privadas e as públicas; e que é destacadamente, um sistema que se sustenta na prática da solidariedade. O Reino de Deus é, portanto, antes de tudo, um reino de amigos, como disse Hans Burki; um reino de solidariedade.

Assim, qualquer movimento cristão é, por excelência, um movimento de solidariedade, entendendo-se por tal, a responsabilidade para com o próximo, que leva-nos a tratá-lo como gostaríamos de ser tratados se estivéssemos na mesma situação. E como todo ser humano vive num contexto social, qualquer movimento cristão tem de redundar em aprimoramento das condições sociais e em emancipação da sociedade beneficiada.

A graça de Deus Publicado em 23/03/06 às 13:11  

Por Ariovaldo Ramos

Surpreendi-me ao ouvir um pregador, ao falar sobre as fraquezas que nos mantêm presos aos pecados, dizer: - Ninguém, de fato, precisa perder o sono por isso, a graça nos entende, nos perdoa e nos acolhe.

Do que será que ele está falando? Pensei. Será que ele pensa que há um ser chamado Graça? Essa graça não existe! Tem gente falando da graça como se fosse uma espécie de quarta pessoa da Trindade. E que ação é esta que ele descreve? A graça, não despreza a lei, nos dá condições de cumprir a lei.

Graça é o nome que o apóstolo Paulo dá à possibilidade que a Trindade, por causa do sacrifício de Cristo, tem de perdoar o pecador arrependido, de elevá-lo a categoria de filho, passando a habitar nele, e de transformá-lo a imagem de Jesus de Nazaré.

Deus é gracioso, mas, não faz de conta que nada aconteceu. A graça não é um colchão de amortecimento que absorve a queda, como nos filmes de Hollywood. Quando o Senhor, por sua graça, perdoa o arrependido, o admoesta: "Vá, e não peques mais". E, juntamente com a admoestação, concede-lhe a força para que não seja mais escravo do pecado.

Pela graça nós somos salvos! E salvação é libertação e transformação.

Ariovaldo Ramos é casado com Judith Ramos e têm duas filhas: Myrna e Rachel. É filósofo e teólogo, além de diretor acadêmico da Faculdade Latino-americana de Teologia Integral, missionário da Sepal e presidente da Visão Mundial. Ariovaldo será um dos preletores de plenárias do 33º Encontro Sepal para Pastores e Líderes. Para saber mais do Encontro Sepal clique AquiConfira também a nova página de Ariovaldo Ramos: www.lideranca.org/ramos

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Não Quero Mais Ser Evangélico! Publicado em 23/06/03 às 25:11   Por:Ariovaldo Ramos

"Irmãos, uni-vos! Pastores evangélicos criam sindicato e cobram direitos trabalhistas das Igrejas". Esse, o título da matéria, chocante, publicada pela revista Veja de 9 de junho de 1999 anunciando formação do "Sindicato dos Pastores Evangélicos no Brasil".

Foi a gota d'água! Ao ler a matéria acima finalmente me dei conta de que o termo "evangélico" perdeu, por completo, seu conteúdo original. Ser evangélico, pelo menos no Brasil, não significa mais ser praticante e pregador do Evangelho (Boas Novas) de Jesus Cristo, mas, a condição de membro de um segmento do Cristianismo, com cada vez menor relacionamento histórico com a Reforma Protestante - o segmento mais complicado, controverso, dividido e contraditório do Cristianismo. O significado de ser pastor evangélico, então, é melhor nem falar, para não incorrer no risco de ser grosseiro.

Não quero mais ser evangélico! Quero voltar para Jesus Cristo, para a boa notícia que Ele é e ensinou. Voltemos a ser adoradores do Pai porque, segundo Jesus, são estes os que o Pai procura e, não, por mão de obra especializada ou por "profissionais da fé". Voltemos à consciência de que o Caminho, a Verdade e a Vida é uma Pessoa e não um corpo de doutrinas e/ou tradições, nascidas da tentativa de dissecarmos Deus; de que, estar no caminho, conhecer a verdade e desfrutar a vida é relacionar-se intensamente com essa Pessoa: Jesus de Nazaré, o Cristo, o Filho do Deus vivo. Quero os dogmas que nascem desse encontro: uma leitura bíblica que nos faça ver Jesus Cristo e não uma leitura bibliólatra. Não quero a espiritualidade que se sustenta em prodígios, no mínimo discutíveis, e sim, a que se manifesta no caráter.

Chega dessa "diabose"! Voltemos à graça, à centralidade da cruz, onde tudo foi consumado. Voltemos à consciência de que fomos achados por Ele, que começou em cada filho Seu algo que vai completar: voltemos às orações e jejuns, não como fruto de obrigação ou moeda de troca, mas, como namoro apaixonado com o Ser amado da alma resgatada.

Voltemos ao amor, à convicção de que ser cristão é amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos: voltemos aos irmãos, não como membros de um sindicato, de um clube, ou de uma sociedade anônima, mas, como membros do corpo de Cristo. Quero relacionar-me com eles como as crianças relacionam-se com os que as alimentam - em profundo amor e senso de dependência: quero voltar a ser guardião de meu irmão e não seu juiz. Voltemos ao amor que agasalha no frio, assiste na dor, dessedenta na sede, alimenta na fome, que reparte, que não usa o pronome "meu", mas, o pronome "nosso".

Para que os títulos: "pastor", "reverendo", "bispo", "apóstolo", o que eles significam, se todos são sacerdotes? Quero voltar a ser leigo! Para que o clericalismo? Voltemos, ao sermos servos uns dos outros aos dons do corpo que correm soltos e dão o tom litúrgico da reunião dos santos; ao, "onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu lá estarei" de Mateus 18.20. Que o culto seja do povo e não dos dirigentes - chega de show! Voltemos aos presbíteros e diáconos, não como títulos, mas, como função: os que, sob unção da igreja local, cuidam da ministração da Palavra, da vida de oração da

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comunidade e para que ninguém tenha necessidade, seja material, espiritual ou social. Chega de ministérios megalômanos onde o povo de Deus é mão de obra ou massa de manobra!

Para que os templos, o institucionalismo, o denominacionalismo? Voltemos às catacumbas, à igreja local. Por que o pulpitocentrismo? Voltemos ao "instruí-vos uns aos outros" (Cl 3. 16).

Por que a pressão pelo crescimento? Jesus Cristo não nos ordenou a sermos uma Igreja que cresce, mas, uma Igreja que aparece: "Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras, e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus. "(Mt 5.16). Vamos anunciar com nossa vida, serviço e palavras "todo o Evangelho ao homem... a todos os homens". Deixemos o crescimento para o Espírito Santo que "acrescenta dia a dia os que haverão de ser salvos", sem adulterar a mensagem.

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Fome Zero: Porquê participar? Publicado em 11/02/03 às 24:59   Por Ariovaldo Ramos

Uma multidão de trabalhadores, em greve geral, marcha pela rua principal da capital de um país qualquer, quando depara-se com a tropa de choque armada "até os dentes", o impasse se estabelece, cai sobre os grupos um silêncio tétrico quebrado por um membro do comitê de greve, que, lançando mão do megafone, conclama:- "Companheiros, avancemos, porque Deus está do nosso lado".

Com essa história, o teólogo Hugo Assman respondeu  à pergunta, feita por um jovem, sobre o que seria a teologia da libertação. A AEVB, embora, não espose a referida teologia, concorda com a premissa de que Deus opta, preferencialmente, pelo pobre.

Por isso a Associação Evangélica Brasileira celebra oportunidade que lhe foi concedida, de fazer-se representar no Consea, Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional.

Muito se tem dito sobre o Programa Fome Zero, pró e contra. Bem, o programa está na rua, entre outras coisas, para suscitar o debate, que é salutar meio de exercício da democracia. Nós, evangélicos, queremos colaborar, entendemos que a erradicação da fome, não só pelas ações emergenciais, como pela eliminação de suas causas, é premente ao Brasil.

Compreendemos, também, que fome é um conceito complexo, que envolve tudo o que compõe o que chamamos de "Qualidade de Vida". Como disse Jesus: "Nem só de pão vive o homem." Ou, no dizer do poeta: "A gente não quer só comida!".

Mas, a gente quer colaborar, arregaçar as mangas, dar  a nossa cota, irmanando-nos com os demais segmentos da sociedade civil. Há muito esperávamos um governo convertido

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ao pobre; que levasse a sério o critério de Jesus para reconhecer os seus: "Tive fome e me destes de comer, nu e me vestistes, enfermo e me visitastes, encarcerado e fostes ver-me".

Caridade tem sido o nosso labor desde sempre, por isso, mais do que ninguém, temos claro que a solidariedade mitiga, mas, não resolve, pois, atua, apenas, sobre as consequências, e que, também, caridade para sempre é inviável para quem faz e deletério para quem a sofre, porém, a experiência nos ensinou que só quem se desespera diante dos sintomas corre para eliminar as causas.

É claro, o governo não pode ser o pai dos pobres, mesmo, porque, esse papel é de Deus, que como ensinou o profeta Isaías, está a perguntar: "A quem enviarei; quem há de ir por nós?" Nós queremos ir!

Só o crescimento resolve isso! Ressurge a grita! Nós já ouvimos isso:  "Vamos fazer o bolo crescer primeiro, para termos o que dividir!" Estamos até hoje esperando por nosso pedaço! E, pior, enquanto aguardamos sentados, observamos, cada vez mais ricos, senhores passarem por nós com a boca lambuzada.

Não! Cristo nos ensinou que a multiplicaçâo só acontece após a entrega de, aparentemente, irrisórios cinco pães e dois peixes. É por aí que queremos ir, é o que nasce da solidariedade que acaba por reciclar as estruturas. A contribuição da tradição judaicocristã ao ocidente  que o diga.

Será que esse projeto, apesar da boa vontade, dá conta? É pergunta que nos tem sido feita, como se o projeto fosse um produto acabado. Se o fosse, seríamos claque e não agentes.

O artigo 9° da Medida Provisória que constituiu o Consea reza que, ao mesmo "compete assessorar o Presidente da República  na formulação de políticas e definição de diretrizes para que o governo garanta o direito humano à alimentação, e especialmente integrar as ações governamentais visando o atendimento da parcela da população que não dispõe de meios para prover suas necessidades básicas, em especial o combate à fome."

É isso! Onde o pacote fechado? Nós, no dia 30 de janeiro de 2003, com esperança, fomos à deflagração de um movimento conjunto, à celebração de uma parceria entre governo e sociedade civil, com vistas à erradicação da fome, que permitirá o engendramento de políticas construtoras de estrada, que nos leve das ações emergenciais ao desenvolvimento sustentado.

Bem, é verdade que esse negócio de ficar falando de fome constrange, expõe as nossas mazelas. Os que ganham com a maquiagem da realidade ficam aperriados, a ponto de darem voz a quem nunca permitiram falar, desde que simploriamente lhes confirmem a tese.

Porém, como disse Jesus: "A verdade os libertará". Sabe, nós evangélicos, majoritariamente pobres, negros e mulheres temos aprendido que, mais do que países subdesenvolvidos, o que existe são elites subdesenvolvedoras. Nossa contribuição, por isso, carrega, também, o desejo de ver a conversão de nossa elite.

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Pr. Ariovaldo Ramos           Representante da AEVB no Consea

Por falar em retomar as bases Publicado em 07/06/05 às 19:42   Por Ariovaldo Ramos

A Revista Eclésia, em sua última edição, trouxe um trabalho sobre o livro "O Código da Vinci", escrito por Dan Brown, a obra de ficção que descreve Jesus como marido de Maria Madalena. Um livro de muito sucesso.

Aliás, estou convencido de que uma fórmula para o sucesso é escrever comprometendo a pessoa de Cristo. Sempre dá certo.

Eu não uso o meu tempo para ler esse tipo de abuso, não importa se é de Saramago ou de qualquer outro, mas há os que lêem - e são muitos.

E é interessante ver como as pessoas são influenciadas por um texto que se declara de ficção. É por isso que um texto como o recém-lançado "A fraude do Código da Vinci", de autoria de Erwin Lutzer, é importante.

Lutzer não só revela a falácia do texto em questão, mas constrói um argumento forte sobre a supremacia dos quatro evangelhos.

O autor faz uma bela reconstituição histórica de como os quatro evangelhos foram legitimamente sustentados pelos concílios contra todas as perspectivas.

E o mais importante é que o trabalho é tão bom que deveria ser lido por todos os cristãos, independente de terem ou não tido contato com a obra de Brown, principalmente nos dias de hoje, quando a Igreja brasileira está tão carente de retomar as bases históricas e escriturísticas. Vale a pena ler.

O que aconteceu recentemente em Campos (RJ), cidade onde, em 48 horas, três prefeitos assumiram a prefeitura, envolvendo evangélicos e crime eleitoral, apenas comprova o que a história já nos havia ensinado - a relação entre o poder religioso e o poder temporal sempre acaba em promiscuidade.

Os escândalos que pipocaram no Estado do Rio de Janeiro envolvendo evangélicos e política fizeram a festa dos jornalistas locais. Eles nunca tiveram tanto escândalo à disposição para exposição escancarada.

Não é preciso dizer o que isso faz com a credibilidade da Igreja, nem como isso deve estar envergonhando os cristãos sérios, e só o ter de usar essa frase já denuncia o estado da Igreja.

Quem sabe os profetas do Rio, finalmente, comecem a dar nome aos bois que estão arrastando a Igreja local para o lodaçal.

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O desfecho da eleição municipal decretou que, nos próximos quatro anos, não haverá governo popular na cidade de São Paulo.

Os evangélicos têm muito a ver com isso. No mês passado, o governo do Estado rechaçou com violência uma operação de ocupação de espaços sub-utilizados na cidade de São Paulo.

Isso já aconteceu outras vezes, e a prefeitura sempre vinha em socorro dos sem-teto. Mas o governo popular acabou. Acho que os evangélicos não se deram conta disso. Aliás, quem disse que evangélico se importa com gente sem-teto?

ECLÉSIA - ANO 9 - EDIÇÃO 106

Aprendendo a contar os nossos dias

Por: Ariovaldo Ramos

Há alguns dias estive no aniversário de um grande amigo e ponderei sobre a sábia e enigmática frase de Moisés: "Ensina-nos a contar os nossos dias, para que alcancemos coração sábio." (Sl 90.12). Parece que esse conselho, do grande libertador, sempre nos vem à mente nessas ocasiões. Porém, apesar da beleza da fala do homem de Deus, permanece o desafio do tipo "decifra-me ou o devorarei": o que significa contar os dias da maneira proposta?

Não sei se alguém tem a resposta, mas eu gostaria de propor uma.

Jesus Cristo, certa feita, disse: - "E eu vos recomendo: das riquezas de origem iníqua fazei amigos." (Lc 16.9). Na ocasião, ele estava respondendo ao ataque de alguns fariseus, que estranhavam o fato de Jesus estar recebendo publicanos e pecadores. Por uma questão de justiça para com os fariseus é preciso que se diga que, em princípio, eles tinham razão: publicanos e pecadores não eram simples almas perdidas; eram membros do povo de Israel que traíram ao seu Deus e ao seu povo! Não tivessem os romanos privado os judeus de aplicarem a justiça, tais pessoas teriam sido apedrejadas. Para dar essa resposta, o Senhor lançou mão de quatro parábolas: a ovelha perdida, a dracma perdida, o filho perdido e o administrador infiel.

Na primeira, fala de um pastor que abandona, no campo, 99 ovelhas e vai atrás da que se perdeu. Uma loucura! Deixar seu aprisco à deriva de ladrões e animais selváticos e, mais, quando volta, vai festejar o achado. E as demais ovelhas? Uma loucura! Com essa parábola Jesus parece confirmar que ao receber publicanos e pecadores estava, aparentemente, fazendo uma loucura, mas Ele viera para isso mesmo: cometer uma ´loucura´ pela salvação dos homens.

Na segunda parábola Jesus explica o porquê da disposição à loucura, o valor do homem: embora para os fariseus o publicano e o pecador valor nenhum tivessem, Jesus os via de

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modo diferente. E como a senhora que, perdendo uma dracma, cerca de R$ 0,30, desarruma tudo concedendo a moeda um valor que de fato não possuía, assim, também, para Jesus o ser humano mais pecador é tão valioso que vale a pena desarrumar tudo para achar um, como fez a mulher que perdeu a dracma.

Na terceira parábola o Senhor, num primeiro momento, concorda com os fariseus, os publicanos e os pecadores são os filhos que, como o filho pródigo, por vontade própria, se apartaram do Pai amoroso. Porém os fariseus, representados pelo irmão mais velho, não conseguiram se sintonizar com o coração do Pai vez que, confiados em seus pretensos méritos próprios acabaram por desenvolver um senso de justiça própria, que os tornou incompassivos e judiciosos.

Por fim, por meio da parábola do administrador infiel Jesus acusa os fariseus de estarem mal administrando fortuna alheia, tanto a vida quanto o conhecimento lhes foi legado e este saber deveria ter-lhes desenvolvido o senso da impossibilidade, ou seja, a consciência de que, jamais, por si mesmos, conseguiriam viver segundo tão elevado padrão e que, o melhor que poderiam fazer era, a partir do que sabiam, diminuir a distância entre os pecadores e Deus pela compreensão, pelo amor, pela bondade, pelo ensino, fazendo amigos a partir de riqueza alheia, pois tanto a vida como a revelação pertencem a Deus. "Para que, quando aquelas (a vida e a sabedoria) vos faltarem, esses amigos vos recebam nos tabernáculos eternos." (Lc 16.9).

Ao recomendar aos mestres da lei que usassem a vida e o conhecimento para fazer amigos para a eternidade, o Senhor respondeu nossa pergunta: - Como viver de modo a alcançar coração sábio? E a resposta de Jesus é: - Vivendo para fazer amigos, pessoas de quem nos aproximamos para aproximá-las de Deus e, para dEle, por elas, sermos aproximados.

Por quê?

Porque como disse o psicólogo suiço Hans Burky:- "O Reino de Deus é um reino de amigos". Porque amigo é esteio nas horas difíceis: "Em todo tempo ama o amigo, e na angústia se faz o irmão." (Pv 17.17). Porque amigo é fonte de amadurecimento: "Como o ferro com o ferro se afia, assim o homem, ao seu amigo." (Pv 27.17). Porque amigos são para sempre. Embora, na ressurreição, nem nos casaremos, nem nos daremos em casamento; sendo, porém, como os anjos no céu (Mt 22.30), teremos amigos: aqueles amigos que nos receberão nos tabernáculos eternos! (Lc 16.9).