projeto agroecologia em rede tecendo fios de uma agricultura e educação no e para o campo

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 8 • nº1388 Janeiro/2014 Projeto Agroecologia em Rede tecendo fios de uma agricultura e educação no e para o campo «Cultura e produção, Sujeitos da cultura, A nossa agricultura, Pro bem da população...» Gilvan Santos É com o objetivo de valorizar a importância da agricultura, que nos municípios de Tianguá e Viçosa do Ceará, um projeto denominado Agroecologia em Rede vem tecendo saberes entre famílias rurais na realização de capacitações voltadas para a produção agroecológica sustentável, organização coletiva e comercialização, por meio de estudos teóricos e atividades práticas. Essa iniciativa surgiu no ano final do ano de 2009, quando os Sindicatos de Trabalhadoras/es Rurais – STTR's desses dois municípios discutiam a situação das famílias que recebem tecnologias sociais de convivência com o Semiárido, e, o que acontece a partir do momento que as instituições e governos fazem a entrega encerrando sua responsabilidade. Fizeram um levantamento e avaliaram que em muitos casos o uso não estava sendo adequado, talvez por falta de conhecimentos, pois, mesmo tendo passado por cursos de formação durante o processo de recebimento da tecnologia, o tempo é insuficiente para que haja uma aprendizagem satisfatória. Nesse sentido, o projeto foi criado para desenvolver um processo formativo e de assistência, desempenhando o importante papel de dar continuidade às discussões, ampliar conhecimentos e estimular a aplicação dos saberes na prática, «uma coisa é você participar de um encontro e ver um vídeo e aí você perceber Tianguá Falando de conquistas Na opinião do agricultor Jorgiel, da comunidade Bom Jesus em Tianguá «antes de existir esse projeto de agroecologia em rede a gente tinha dificuldade com questão de assistência técnica, com o projeto veio fortalecer essa assistência e também ajudar a produção, a questão também da comercialização ajudou um pouco, a expandir também o nosso produto, ficar mais visado, porque teve toda uma articulação entre os dois sindicatos, pra tá ajudando, pra tá consolidando isso que a gente já tinha e ajudou bastante». Desse modo, houve a realização de duas grandes feiras uma em Viçosa e outra em Tianguá, onde as famílias tiveram a possibilidade de expor e comercializar aquilo que produziam para a população. Teve também, em Março de 2011 o lançamento de uma cartilha com onze dicas de receitas de defensivos naturais, que reuniam saberes técnicos e também populares das/os próprias/os agricultoras/es. Entre essas e outras conquistas obtidas, pode se considerar como mais relevante a Escola Família Agrícola Chico Antonio Bié que está se tornando realidade na Serra da Ibiapaba. Embora já fosse idealizada antes mesmo do Projeto Agroecologia em Rede, só se tornou possível através dele quando, no momento em que se fazia o diagnóstico, as famílias demandaram uma educação adequada a vida no campo e coerente com a realidade. Como Chico esclarece, «logo no primeiro ano do projeto notou-se claramente a insatisfação de algumas famílias com a educação recebida pelos filhos na escola convencional. Aí rumamos para outra dimensão que foi lutar pela fundação de uma Escola Família Agrícola na Região da Ibiapaba. Em dois anos de luta conseguimos formar a Associação Escola Família Agrícola da Região da Ibiapaba - AEFARI, com esse público vindo do projeto agroecologia em rede». Assim, o projeto que começou com o objetivo de fortalecer a produção agroecológica, ousou ir mais longe e criar uma escola alternativa para que as/os filhas/os tenham a oportunidade de aprender todas as disciplinas do ensino convencional inter-relacionada com sua vivência, cuidando da terra, plantas e animais de forma sustentável, reafirmando sua identidade camponesa e valorizando o trabalho agrícola. A previsão para início das aulas é dia 10 de março de 2014. Realização Patrocínio

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O Projeto Agroecologia em Rede durante dois anos (2010 e 2011) realizou acompanhamento técnico e formações para famílias agricultoras de Tianguá e Viçosa do Ceará com o objetivo que elas dêem continuidade capacitando outras. Dessa articulação está se consolidando uma Escola Família Agrícola para a organização e valorização da agricultura, da identidade camponesa e dos saberes agroecológicos.

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Page 1: Projeto Agroecologia em rede tecendo fios de uma agricultura e educação no e para o campo

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 8 • nº1388

Janeiro/2014

Projeto Agroecologia em Rede tecendo fios de uma agricultura e educação no e para o campo

«Cultura e produção, Sujeitos da

cultura, A nossa agricultura, Pro bem da

população...» Gilvan Santos

É com o objetivo de valorizar a

importância da agricultura, que nos

municípios de Tianguá e Viçosa do Ceará,

um projeto denominado Agroecologia em

Rede vem tecendo saberes entre famílias

rurais na realização de capacitações

voltadas para a produção agroecológica

sustentável, organização coletiva e

comercialização, por meio de estudos

teóricos e atividades práticas.

Essa iniciativa surgiu no ano final do

ano de 2009, quando os Sindicatos de

Trabalhadoras/es Rurais – STTR's desses

dois municípios discutiam a situação das

famílias que recebem tecnologias sociais de convivência com o Semiárido, e, o que acontece a

partir do momento que as instituições e governos fazem a entrega encerrando sua

responsabilidade.

Fizeram um levantamento e

avaliaram que em muitos casos o uso não

estava sendo adequado, talvez por falta de

conhecimentos, pois, mesmo tendo

passado por cursos de formação durante o

processo de recebimento da tecnologia, o

tempo é insuficiente para que haja uma

aprendizagem satisfatória.

Nesse sentido, o projeto foi criado

para desenvolver um processo formativo e

de assistência, desempenhando o

importante papel de dar continuidade às

discussões, ampliar conhecimentos e

estimular a aplicação dos saberes na

prática, «uma coisa é você participar de um

encontro e ver um vídeo e aí você perceber

Tianguá

Falando de conquistas

Na opinião do agricultor Jorgiel, da comunidade Bom Jesus em Tianguá «antes de existir

esse projeto de agroecologia em rede a gente tinha dificuldade com questão de assistência

técnica, com o projeto veio fortalecer essa assistência e também ajudar a produção, a questão

também da comercialização ajudou um pouco, a expandir também o nosso produto, ficar mais

visado, porque teve toda uma articulação entre os dois sindicatos, pra tá ajudando, pra tá

consolidando isso que a gente já tinha e ajudou bastante».

Desse modo, houve a realização de duas grandes feiras uma em Viçosa e outra em Tianguá,

onde as famílias tiveram a possibilidade de expor e comercializar aquilo que produziam para a

população.

Teve também, em Março de 2011 o lançamento de uma cartilha com onze dicas de receitas

de defensivos naturais, que reuniam saberes técnicos e também populares das/os próprias/os

agricultoras/es.

Entre essas e outras conquistas obtidas, pode se considerar como mais relevante a Escola

Família Agrícola Chico Antonio Bié que está se tornando realidade na Serra da Ibiapaba. Embora já

fosse idealizada antes mesmo do Projeto Agroecologia em Rede, só se tornou possível através

dele quando, no momento em que se fazia o diagnóstico, as famílias demandaram uma educação

adequada a vida no campo e coerente com a realidade.

Como Chico esclarece, «logo no primeiro ano do projeto notou-se claramente a insatisfação

de algumas famílias com a educação recebida pelos filhos na escola convencional. Aí rumamos

para outra dimensão que foi lutar pela fundação de uma Escola Família Agrícola na Região da

Ibiapaba. Em dois anos de luta conseguimos formar a Associação Escola Família Agrícola da

Região da Ibiapaba - AEFARI, com esse público vindo do projeto agroecologia em rede».

Assim, o projeto que começou com o objetivo de fortalecer a produção agroecológica,

ousou ir mais longe e criar uma escola alternativa para que as/os filhas/os tenham a oportunidade

de aprender todas as disciplinas do ensino convencional inter-relacionada com sua vivência,

cuidando da terra, plantas e animais de forma sustentável, reafirmando sua identidade

camponesa e valorizando o trabalho agrícola. A previsão para início das aulas é dia 10 de março de

2014.

Realização Patrocínio

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Articulação Semiárido Brasileiro – CearáBoletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

alguma coisa, e outra coisa é você ter um acompanhamento, você vai tirando as dúvidas, e você vai

percebendo a mudança», destaca o agricultor João Jovem da comunidade Areia Branca em

Tianguá.

Assim, ele ficava disponível quinze dias por mês, sendo uma semana em Tianguá e outra

em Viçosa, mas nos momentos de formação e aulas de campo, as famílias dos dois municípios

eram reunidas no mesmo espaço, «nossa metodologia de trabalho era em visitas coletivas na

dinâmica teórica e prática. As experiências acompanhadas eram os quintais produtivos das

cisternas-calçadão do p1+2, sistemas agroflorestais e mandalas», explica Chico.

As ações eram planejadas no início do ano, e, tendo em vista que demandavam altas

despesas, os sindicatos procuraram apoio em instituições parceiras como a EMATER-CE (Empresa

de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará), a ESPAF (Escola de Formação Política e

Cidadania) e o Instituto Agropolos.

Esse último contribuiu com

as capacitações fornecendo

m a t e r i a l d i d á t i c o e

disponibilizando facilitadores/as,

«nós tivemos capacitação em

cooperativismo, associativismo,

comercialização, defensivos

orgânicos...», lembra Manoel

Vicente, diretor do STTR de

Tianguá.

Os sindicatos, por sua vez,

articulavam o local para acontecer

as formações e a alimentação que

e r a f o r n e c i d a p e l a s / o s

próprias/os agricultoras/es

participantes. As outras atividades

eram as aulas de campo e os

intercâmbios intermunicipais

onde as famílias de Tianguá e de

Viçosa conheciam as experiências

umas das outras, obedecendo a um roteiro e calendário preparados anteriormente.

Nessas trocas de conhecimentos, algumas descobriram que já exerciam práticas

agroecológicas, mas não sabiam do que se tratava realmente, como diz João Jovem, «a gente já

tinha mais ou menos uma noção de trabalhar, no sentido de não queimar, no sentido de florescer

perto da casa que era muito quente [...] quando a gente começou participar das reuniões,

começou a perceber que estava no caminho certo e que aquilo que a gente tava comprando para se

alimentar, poderia estar fazendo em casa: o cheiro verde, o plantio de macaxeira [...]».

Vale citar que as atividades eram direcionadas às famílias, mas também mobilizava as

comunidades em mutirões, tornando o projeto conhecido e sensibilizando outras pessoas a se

interessar pelos saberes ali partilhados. Contudo, uma dificuldade que se apresentou foi o fato de

que muitas quiseram e não puderam participar por não ter terra própria e autonomia para

produzir.

Preparando para a continuidade

O projeto iniciou com 16 famílias em Tianguá, 35 em Viçosa do Ceará e com o tempo

algumas desistiram e outras foram aderindo. Nesse contexto, as capacitações visavam prepará-

las para um novo modelo de produção agrícola, mas também, para dar continuidade multiplican-

do os conhecimentos e capacitando outras.

João Jovem afirma que, «na maioria

das coisas, na questão de poda, na questão

de adubação, daqueles defensivos

orgânicos, eu acho que a gente tá super

preparado para enfrentar o trabalho e

preparar mais pessoas». Manoel do Vale,

do Assentamento Nova Esperança enfatiza,

«eu já faço isso e a mulher hoje conversa

com as companheiras dela e as

companheiras já estão mudando».

Entretanto, no aspecto produtivo o

projeto tem sofrido uma paralisação em

conseqüência da estiagem dos dois

últimos anos em que a produção foi

mínima ou inexistente e poucas famílias se

mantiveram produzindo, pelo menos para

o próprio consumo, é o caso de Manoel do

Vale que diz, «com todo fracasso a gente às

vezes tira um cachinho de banana, tira umas

laranjinha, limão a goiaba também tem uns

pés que a gente sempre tira e faz o suco da

goiaba, tem a manga também, tem dois pés

de acerola que dá muita acerola também».

Isso em muito se deve à influência

positiva do projeto nas estratégias de

aproveitamento da água e cobertura do solo,

«se não tivesse orientação, a gente não tinha

a consciência e talvez não tinha conseguido

manter um pouco de produção», confirma

Antonio Feitosa do Assentamento Nova

Esperança.

Assim, é aguardando a chegada da

estação chuvosa que as «famílias

continuam participando das ações do

sindicato e a gente continua sabendo como

está a situação da área», ressalta Manoel

Vicente.

E, a articulação em rede permanece e

se organiza também na luta por uma escola

e uma educação que discuta, valorize o

meio rural e a realidade agrícola, para que

os saberes agroecológicos sejam ensinados

às/aos filhas/os dessas e de outras famílias

rurais.