projecto apoio ao desenvolvimento dos sistemas … · relembrem-se as regras da legística...

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COOPERAÇÃO CE – PALOP Programa PIR PALOP II Projecto APOIO AO DESENVOLVIMENTO DOS SISTEMAS JUDICIÁRIOS Nº IDENTIFICAÇÃO : REG/7901/014 N° CONTABILÍSTICO : 8 ACP MTR 4 * 8 ACP TPS 123 ACORDO DE FINANCIAMENTO : 6459/REG Workshops de apoio à revisão dos Códigos Legais Assistência técnica do INA com direcção científica e pedagógica do GPLP Workshop W3 Praia Outubro de 2004 Conferência temática-Legística aplicada Código comercial: a decisão de legislar Drª Assunção Cristas, GPLP (Portugal) TEXTO DE APOIO CO-FINANCIAMENTO COMISSÃO EUROPEIA GOVERNO PORTUGUÊS Fundo Europeu de Desenvolvimento Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento 5,0 Milhões de Euro 1,1 Milhão de Euro

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COOPERAÇÃO CE – PALOP Programa PIR PALOP II

Projecto APOIO AO DESENVOLVIMENTO DOS SISTEMAS JUDICIÁRIOS

Nº IDENTIFICAÇÃO : REG/7901/014 N° CONTABILÍSTICO : 8 ACP MTR 4 * 8 ACP TPS 123 ACORDO DE FINANCIAMENTO : 6459/REG

Workshops de apoio à revisão dos Códigos Legais Assistência técnica do INA com direcção científica e pedagógica do GPLP

Workshop W3 Praia Outubro de 2004

Conferência temática-Legística aplicada Código comercial: a decisão de legislar

Drª Assunção Cristas, GPLP (Portugal) TEXTO DE APOIO

CO-FINANCIAMENTO

COMISSÃO EUROPEIA GOVERNO PORTUGUÊS Fundo Europeu de Desenvolvimento Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento

5,0 Milhões de Euro 1,1 Milhão de Euro

Av. Óscar Monteiro Torres, 39 – 1000-216 Lisboa – Portugal Tel.: (351) 21 792 40 00 Fax: (351) 21 793 59 35 Correio electrónico: [email protected] Internet: www.gplp.mj.pt

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Programa PIR/PALOP II (Workshop de apoio à revisão dos códigos legais) Praia, 12 a 14 de Maio de 2004

LEGÍSTICA (Código comercial: o problema da decisão de legislar)1

ASSUNÇÃO CRISTAS (Directora do Gabinete de Política Legislativa e Planeamento

do Ministério da Justiça – Portugal)

Introdução

É esta a terceira intervenção que faço subordinada ao tema legística, no âmbito dos

workshops de apoio à revisão dos códigos legais, no quadro do Programa PIR PALOP II.

Em S.Tomé procurei fazer uma abordagem genérica do tema, em Luanda tive especial

atenção no tratamento das questões que fossem mais pertinentes à luz do tema do

encontro: o direito processual penal. Foquei, sobretudo, aspectos de legística material e de

metodologias de reformas de códigos estruturantes do ordenamento. Não vou, pois, repetir

o que é a legística e frisar a sua importância. Os textos dessas minhas intervenções estão

disponíveis no site legis-palop e segundo sei há a intenção do parte do Instituto Nacional

de Administração de Portugal de fazer publicar os trabalhos de todos os workshops.

Importava pois escolher dentro da matéria da legística aquela que mais relevo teria para o

tema que nos junta neste encontro: o direito comercial, ou a revisão do Código Comercial.

1 Este texto corresponde à exposição oral a apresentar no dia 12 de Outubro no “Workshop de Apoio à Revisão dos Códigos Legais” no âmbito do Programa PIR/PALOP II, a decorrer na Praia nos dias 12, 13 e 14 de Outubro de 2004.

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Assim, e depois de trocar algumas impressões com o ponto focal de Cabo Verde, optei por

centrar esta minha exposição num aspecto da legística material, melhor dizendo, no

primeiro aspecto da legística material: a decisão de legislar.

A propósito da decisão de legislar focarei algumas vertentes da legística, sempre na óptica

da revisão do direito comercial. Se é certo que estas intervenções sobre legística têm um

carácter eminentemente metodológico e o que digo pode ser aplicado à generalidade da

produção legislativa, também é verdade que penso que todos ganhamos se procurarmos

debater os problemas de legística à luz da matéria que estamos a tratar.

Creio, por isso, que o maior problema que neste momento se coloca prende-se

precisamente com a decisão de legislar e pode ser enunciado sob a forma da seguinte

interrogação:

No quadro do direito comercial actual faz sentido a existência de um Código Comercial?

O que procurarei explorar é, precisamente, como podemos fundadamente alicerçar a nossa

decisão de legislar.

Começaria então por perguntar:

Porquê um Código Comercial? Qual a nossa preocupação quando pensamos em legislar

sobre matéria comercial? O que não anda longe de perguntar: para quem estamos a

legislar?

Para as empresas, para os cidadãos que as constituem e para os que com elas interagem.

Numa perspectiva mais ampla, para o país, para, através do tecido empresarial,

impulsionar o seu desenvolvimento. Tecido empresarial nacional e estrangeiro. E para

atrair o tão falado investimento estrangeiro é preciso, seguramente, ter um ordenamento

jurídico bem ordenado e facilmente apreensível. É sabido que um ordenamento complexo,

juntamente com outros entraves de ordem institucional, são factores fortemente

obstaculizantes da iniciativa económica, mormente estrangeira.

Esta evidência já por tantos falada, mas também tantas vezes esquecida, é chamada à

colação quando se pergunta: é necessário legislar?

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Relembre-se o que já falámos nos anteriores workshops a propósito da chamada “poluição

legislativa”. Neste caso, legislar pode ter o sentido inverso: não significar multiplicar leis,

mas pôr ordem na multiplicidade de leis existentes e reorganizar o ordenamento.

Na verdade, as críticas normalmente dirigidas à legislação comercial é que esta será

volumosa, avulsa, confusa; que o código está muito amputado (dos 749 artigos, 416 estão

revogados, permanecendo em vigora apenas 333) e que proliferam os diplomas

extravagantes 2.

Esta falta de unidade é comprovada pela tendência para uma crescente autonomização de

disciplinas comerciais: direito das sociedades comerciais, direito da concorrência, direito

da propriedade industrial, direito dos títulos de crédito, direito bancário, direito dos

valores mobiliários, direito dos seguros, direito marítimo.

1. Decidir Legislar

A necessidade de avaliação legislativa prévia à decisão de legislar é já ponto amplamente

aceite. Mas o que significa avaliação legislativa, neste contexto?

Estamos no campo da avaliação ex ante, a avaliação anterior à decisão de legislar e que,

precisamente, procura habilitar o decisor político com toda a informação necessária para

decidir resolver dado problema por via legislativa ou não e, caso opte pela via legislativa,

com que configuração.

Então, avaliar se é necessário ou não elaborar ou rever o Código Comercial significa,

desde logo e como em qualquer caso, avaliar o âmbito material onde se manifesta o

problema, o que pressupõe uma tarefa de estudo.

2 Uma descrição da evolução legislativa subsequente ao Código Comercial, com indicação de diplomas, pode ser encontrada em Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, I Vol., Almedina, Coimbra, 2001, pp.78 e ss..

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Mas qual é o problema, neste caso? Não estou a reportar-me aos múltiplos problemas que

se enquadram na área do direito comercial, mas sim ao problema que determina a decisão

de fazer ou manter um código comercial com dada configuração.

Diria que aqui o problema pode ser resumido a uma questão: necessidade ou conveniência

em organizar o direito comercial em face da sua autonomia ou não autonomia face ao

direito civil.

Qualquer que seja a resposta, no entanto, importa ponderar a necessidade de intervenção

legislativa.

Se o direito comercial for autónomo do direito civil, fará sentido fazer um novo Código

Comercial, dando-lhe um outro fôlego?

Se não for autónomo do direito civil, faz sentido revogar o Código Comercial e manter

apenas leis avulsas, integrando uma parte importante no Código Civil?

A resposta a estas questões não é fácil e depende, desde logo, de uma tarefa prévia a

qualquer decisão de legislar, que á a delimitação, a definição do âmbito material

envolvido. Ora isto pressupõe discutir uma questão que não é pacífica na doutrina: existe

um critério válido de comercialidade? Qual é? É possível partir de uma ideia material de

comerciante? Deve valer o modo por que apresente certa actividade humana ou antes o

modo por que certa actividade humana seja preparada e desenvolvida? 3

Da configuração deste problema e, como não podia deixar de ser, da configuração prévia

da possível solução, depende optar entre nada fazer ou, pelo contrário, legislar, o que

também pode ter contornos diversos.

3 Veja-se António Menezes Cordero, Manual...,cit., p.94.

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Relembrem-se as regras da legística material, nomeadamente a regra da necessidade.

Assim, antes de legislar, é preciso ver se tal é:

- necessário

- útil

- conveniente

É necessário reconfigurar o direito comercial ou, pelo menos, rearrumá-lo? Qual o

obstáculo que se quer ultrapassar?

É útil refazer o Código Comercial? Para quem? Quais os objectivos que se pretendem

alcançar? Qual o interesse público que se visa prosseguir? Não há outra via, não

legislativa?

Ainda que seja útil, é também conveniente? Fazendo apelo ao princípio da

proporcionalidade, como podemos antecipar as desvantagens possíveis em face das

vantagens prováveis? Por exemplo, avançar para um Código Comercial novo sem

suficiente sedimentação doutrinária e científica pode ser solução pior do que manter uma

lei velha e já muito esvaziada. Daí a importância também do princípio da

responsabilidade, aqui entendido como a preocupação em antecipar o grau provável de

efectividade de uma lei.

A necessidade, utilidade e conveniência de uma intervenção legislativa devem ser ditadas

pela própria dinâmica da sociedade a que essa intervenção se destina. Se é certo que o

direito tem um papel irrenunciável enquanto motor de desenvolvimento económico e

social, também é certo que ele brota da própria sociedade.

Basta falarmos, exemplificativamente, dos tipos contratuais legais. São raríssimos os tipos

legais que não correspondam à existência prévia de um tipo social (que saiba, apenas a

sociedade por quotas corresponde a uma “invenção” da doutrina a legislador).

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Normalmente, as pessoas, ao abrigo da sua autonomia privada são criativas, usam a sua

imaginação para, dentro dos limites da lei criarem vinculações que correspondem à

prossecução de interesses legítimos aos olhos do direito. Criam por isso contratos originais

que vão sendo sucessivamente usados e banalizados. Até que o Estado repara nesses

contratos, apreende a sua relevância económica e social, e entende intervir. Ou porque

constata que a prática tem conduzido a distorções de princípios estruturantes do

ordenamento que importa salvaguardar (ex. iguladade), ou porque considera que

determinadas soluções devem ser consagradas como supletivas, ou porque, dada a

relevância social do contrato, entende que faz sentido aparecer como coadjuvante da

vontade das partes, completanto com um regime legal aplicável as declarações das partes,

tantas vezes lacunosas.

É também nesta sede, de percepção da própria dinâmica económica e social que deve ser

analisada a decisão de manter ou não um Código Comercial. Compreendermos como a

complexidade das relações humanas, na sua dimensão económica e social, levaram ao

crescimento de áreas com crescente autonomia dentro do próprio direito comercial (ex.

sociedades comerciais ou valores mobiliários), ajuda seguramente a perceber o que, no

contexto da sociedade actual, é direito comercial numa acepção mais novecentista...

Do ponto de vista mais técnico, diria que o Código Comercial levanta uma especial

preocupação, que se prende precisamente com a construção sistemática do ordenamento.

Neste contexto relevam em particular as regras da proporcionalidade e da simplicidade.

Proporcionalidade no sentido acabado de referir: o esforço que impõe ao nível da

preparação e, sobretudo, posterior aplicação pode não se revelar compensatório ou pode

mesmo vir a revelar-se desvantajoso.

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Simplicidade, aqui entendida como simplicidade do próprio ordenamento jurídico; como

a capacidade que o ordenamento jurídico tem (ou não tem) de se organizar de uma

maneira lógica, coerente, que apareça com a simplicidade possível aos olhos do intérprete

e aplicador do direito, já para não falar de todos os que por ele se regem.

Interessa, decisivamente, perceber para quem se legisla e adoptar, também aqui, uma

perspectiva tão usada noutras análises e que é a do próprio utilizador da lei (ou

“consumidor” da lei ou se se quiser, “beneficiário” da lei).

Note-se que cada vez mais há a preocupação em aferir da qualidade das leis pela sua

compreensão e, normalmente associada, efectividade.

Como fazer então uma avaliação legislativa ex ante para perceber se é necessário ou não

um Código Comercial novo ou renovado?

Não é possível, neste campo, fazer estudos de impacto legislativo, do tipo custo-benefício-

risco (como o regulatory impact assessment - RIA) 4.

Este tipo de análise faz todo o sentido a propósito de matérias concretas que serão

trabalhadas no âmbito do hipotético código. Tratando-se além do mais de um código

comercial, as soluções terão um impacto grande para as empresas (lembre-se, uma

preocupação central no RIA do Reino Unido), que aconselha a sua séria medição antes de

se optar por um ou outro caminho. Se estes fazem sentido em relação a institutos

concretos, a soluções concretas, não fazem, contudo, sentido reportados à opção sobre

codificar ou não codificar dada área do direito.

4 Embora a chamada análise custo-benefício tenha mais incidência ao nível da avaliação ex post, procurando aferir se os objectivos da intervenção legislativa foram alcançados e a que custo, ela existe também ex ante, é esse aliás o sentido do regulatory impact assessment, instrumento usado no Reino Unido que procura antecipadamente, aliás, tão cedo quanto possível, os custos, benefícios e riscos de determinada proposta

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Não sei se é impossível estudar cientificamente o impacto de optar por reunir em código

certa matéria. Seguramente, é, pelo menos, muito difícil. Atesta essa dificuldade a

inexistência de estudos publicada sobre o assunto.

O mesmo se diga em relação às técnicas da chamada análise económica do direito. Para

além de se referirem a institutos em concreto, diria, a um nível “microjurídico”, e não a

um nível “macrojurídico” da própria organização do ordenamento, nem sequer têm

especial propensão para estas matérias. A análise económica do direito tem-se centrado

mais em aspectos relacionados com a responsabilidade das pessoas, seja penal, seja civil

(aqui incluída a responsabilidade contratual). A pergunta que, normalmente, é colocada é

esta: se se impuser x as pessoas vão deixar de fazer y? Ou vão passar a fazer z? Até que

limite? 5

Todavia, alguns aspectos desse tipo de análise podem ser transportados, a meu ver, para

qualquer o processo que conduz à decisão sobre legislar ou não em certo sentido. Um

deles é a necessidade de definição clara de objectivos, o que anda paredes meias com uma

identificação clara dos problemas.

Qual é o objectivo que se pretende alcançar quando se pensa em elaborar ou renovar o

Código Comercial?

A resposta tem, necessariamente uma vertente técnico-jurídica e uma vertente política.

Como bem chamam à atenção os autores do livro Legística, p.23, “a definição do

problema e a avaliação do âmbito material, não obstante poderem ser considerados como

passos metodologicamente neutros e apolíticos, têm ínsita uma concepção do interesse

público que não se reconduz à pura ciência jurídica.” 6.

legislativa para as empresas e para instituições privadas de solidariedade social (businesses, charities or the voluntary sector) de maneira a habilitar os decisores políticos de informação crucial à sua decisão. 5 A análise económica do direito tem-se centrado mais em aspectos relacionados com a responsabilidade das pessoas, seja penal, seja civil (aí incluída a responsabilidade contratual). A pergunta que, normalmente, é colocada é esta: se se impuser x as pessoas vão deixar de fazer y? Ou vão passar a fazer z? Até que limite? Veja-se, por exemplo, Richard Posner, Economic Analysis of Law, 4ª edição, Little, Brown and Company, Boston, 1992, ou Robert Cooter e Thomas Ulen, Law and Economics, 2ª edição, Addison-Wesley, Nova Iorque, 1997. 6 David Duarte, Alexandre Sousa Pinheiro et al em Legística. Perspectivas sobre a Concepção e Redacção de Actos Normativos, Almedina, Coimbra, 2002, p.23.

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Não será fugir à verdade dizer que o objectivo genérico, que vale quer numa análise

técnica, quer numa abordagem política, é assegurar a existência de um ordenamento

jurídico-privatístico harmonioso e eficaz, capaz de responder às necessidades da vida

comercial, que possa servir de motor do desenvolvimento económico e, pelo contrário,

não seja um entrave a esse mesmo desenvolvimento. Depois, em relação a cada matéria

em concreto, diversos objectivos, que carecem de opção política, surgirão.

Interessa, pois, avaliar ao nível da configuração dos problemas pela ciência do direito,

tendo em atenção a necessidade de evitar o fenómeno da poluição legislativa e procurando

pautar a avaliação por critérios de necessidade e proporcionalidade.

Esta avaliação implica, desde logo, perceber, com rigor, se o quadro legal vigente cumpre

ou não satisfatoriamente (ou mais do que satisfatoriamente?) esse objectivo.

2. Condicionantes

Encontrado um leque de situações da vida, inseridas nos quadros do direito, que gozam

(ou não) de autonomia e que carecem de tutela legislativa, importa perceber qual a

intervenção adequada, o que implica ter em atenção condicionantes de ordem diversa.

Desde logo interessa perguntar se existem imposições ou limitações provenientes do

quadro legal, maxime constitucional, em vigor.

Para algumas áreas do direito, a Constituição é absolutamente determinante quer da

decisão de legislar, quer do conteúdo das soluções normativas. Lembre-se que no

workshop de Luanda, dedicado ao direito processual penal, a decisão de renovar o Código

de Processo Penal estava desde logo tomada, em virtude da imposição pelos textos

constitucionais de soluções manifestamente incompatíveis com a lei processual penal

vigente.

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Na área do direito comercial, a presença da Constituição não se faz sentir com o mesmo

peso. Sobretudo, ainda que possa conter limites inultrapassáveis ou ser impulsionadora de

algumas soluções em concreto, não tem palavra a dizer sobre a existência ou não de um

Código Comercial autónomo e com certo conteúdo.

Não encontramos, pois, nem indicações nem limitações decorrentes de um quadro

normativo superior no que toca à decisão de manter um Código Comercial autonomizado..

As indicações e limitações que podemos colher decorrerão de outros campos, que não o

legislativo.

Assim, como já referi, interessa perguntarmo-nos sobre as relações da vida que

pretendemos tutelar. Interessa aferir da sua importância económica e social e identificar os

interesses que se julga importante salvaguardar. Dessas relações, importa perceber qual a

sua frequência, relevância, qual o seu contexto. Tal análise irá permitir a descoberta do

moderno (no sentido actual) direito comercial. Neste contexto, é crucial ouvir a sociedade:

perceber as suas preocupações, as suas queixas, as suas hipóteses de solução.

Mas, como se referia no início, se é importante salvaguardar, é porque o Estado entende

que é um interesse susceptível de tutela. Resta saber qual a melhor maneira de o tutelar.

3. Como legislar?

Depois de ser chegar à conclusão de que é necessário fazer uma intervenção legislativa -

porque o quadro legal existente é constituído por leis avulsas, “remendadas” em excesso,

por vezes de difícil compatibilização ou mesmo contraditórias entre si, com soluções

inadequadas ou apenas meramente satisfatórias; porque há interesse político e científico

em reorganizar dada área do ordenamento – coloca-se a questão de saber como fazê-lo.

É possível melhorar determinada área do direito de formas substancialmente diversas e

que estão em conexão estreitíssima, indissociável, com os objectivos elegidos e com a

avaliação que se faça dos problemas à luz desses objectivos.

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Assim, a melhor via será codificar a matéria ou apenas consolidá-la, promovendo

compilações organizadas de leis? Ou será que a melhor opção é integrar as matérias

noutros diplomas de áreas vizinhas?

Codificar?

São conhecidas as vantagens e desvantagens da codificação em geral 7.

Um código, enquanto lei portadora de uma globalidade ordenada de regras 8, tem a

vantagem de, em princípio, tornar o direito “mais simples, mais claro, mais estável, mais

coerente” 9.

Por outro lado, pode gerar rigidez e imobilismo, favorecendo uma maior resistência à

mudança. Embora um código, do ponto de vista da hierarquia das fontes do direito, seja

uma lei como outra qualquer (muitas vezes segue mesmo a forma de decreto-lei), a

verdade é que, fruto da construção que lhe subjaz, tende a ser considerada pelos práticos (e

mesmo pelos teóricos) do direito como uma lei mais importante.

Relembre-se que “a pretensão dominante da codificação foi reagir contra a multiplicidade,

dispersiva e confusa, das fontes do Direito, e imprimir a estas unidade, clareza e

estabilidade, segundo adequados critérios de ordenação sistemática.” 10.

Será que codificar é a única maneira de resolver este problema?

Consolidar?

Consolidar é algo menos que codificar, mas algo mais que compilar. Uma compilação de

leis traduz-se apenas na recondução de fontes preexistentes a um diploma único.

7 Veja.se, por exemplo, Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11ª edição, Almedina, Coimbra, 2001, pp.357 e ss.. 8 Oliveira Ascensão, O Direito..., cit., p.351. 9 Mariana França Gouveia, Revisões de Códigos Legais. Alguns Exemplos do Ordenamento Juridico Português, intervenção no 1º Workshop de Apoio à Revisão dos Códigos Legais, no âmbito do Programa PIR PALOP II, S.Tomé, 4 de Dezembro de 2003. 10 Mário Bigotte Chorão, Código, in Pólis – Enciclopédia Verbo da Sociedade de do Estado, vol.1, Verbo, 1983, pp.921-924, p.921.

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A consolidação não se limita a reunir leis, mas não é inovadora, como um código. Os

textos existentes são alterados, o que passa para a consolidação não são as fórmulas, são as

regras, que podem receber uma nova formulação. 11

Não se trata de técnica usada em Portugal, mas, por exemplo, no Brasil continua a ser

usada.

Integrar?

Uma última opção será integrar as diferentes matérias comerciais noutros diplomas, já

existentes, e que podem ser modificados, com vantagem, para as acolher. Por exemplo, o

Código Civil pode receber a matéria dos contratos comerciais.

Equivale esta opção a negar autonomia ao direito comercial.

Não quer dizer, no entanto, que desapareçam os institutos jurídicos comerciais ou que o

património histórico e cultural do direito comercial se desvaneça; quer dizer apenas que

terá outra arrumação em paralelo com institutos homólogos do direito civil 12.

À luz destas diferentes opções, que dizer da legislação comercial portuguesa, maxime do

Código Comercial de 1888?

Em primeiro lugar, cabe perguntar se precisa de ser alterada.

Sem atender a diversos diplomas avulsos, relevam na área comercial, para além do Código

Comercial, o Código das Sociedades Comerciais (1986), o Código do Registo Comercial

(1986), o Código Cooperativo (1996), o Código dos Valores Mobiliários (1999), o Código

da Propriedade Industrial (2003), o Código da Insolvência e Recuperação de Empresa

(entrado em vigor a 15 de Setembro deste ano e que substituiu o Código dos Processos

Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, que já havia retirado esta matéria do

Código de Processo Civil, matéria que originariamente, por seu turno, constada do livro 4º

11 Veja-se Oliveira Ascensão, O Direito..., cit., p.354. 12 Veja-se António Menezes Cordeiro, Da Modernização do Direito Civil, I, Aspectos Gerais, Almedina, Coimbra, 2004, p.159.

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do Código Comercial), a Lei Uniforme relativa a letras e livranças e a Lei uniforme

relativa ao cheque, já dos anos 30 do século passado.

Da matéria constante do Código Comercial, praticamente só restam os contratos

comerciais (por exemplo, transporte, empréstimo ou compra e venda comercial).

Temos pois Código Comercial esvaziado ao mesmo tempo que proliferam outros códigos

na área comercial.

Fará sentido o esforço de condensação de toda esta legislação num diploma único?

4. Importância das experiências estrangeiras

Se é verdade que um ordenamento não nasce sozinho, que encontra as suas raízes

profundas num património jurídico comum, é certo que determinadas áreas do

ordenamento são mais susceptíveis de acolherem influências do que outras e são, diria eu,

mais “internacionalizáveis” do que outras.

Quero dizer com isto que, por exemplo, se no campo dos direitos processuais (como o

processo penal, que vimos em particular no workshop de Luanda) a marca nacional é

muito grande e as vinculações à própria ordem constitucional são grandes, já noutros

ramos do direito, sobretudo na área do direito privado, há uma maior flexibilidade para

beber influências noutros ordenamentos e procurar ligações recíprocas.

A propósito do confronto com a actividade privada não mercantil, Fernando Olavo escreve

que o direito não é particularista, “mas sim universalista, pela necessidade de se realizar

de nação para nação”, o que facilita e promove a unificação internacional 13. Não é por

acaso que na área da harmonização jurídica a integração europeia teve início precisamente

na área do direito comercial (veja-se o caso das directivas das sociedades comerciais) e

sucessivamente se foi estendendo a outras áreas. Curiosamente, nos tempos mais recentes,

com o reforço do 3º pilar da União outras áreas começam a ganhar preponderância.

13 Fernando Olavo, Alguns Apontamentos sobre a Reforma da Legislação Comercial, in Boletim do Ministério da Justiça n.º 293, 1980, pp.5-22, p.7.

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Além disso, os aspectos ligados à vida comercial têm mais tendência a interessarem a

diversos ordenamentos e a necessidade de agilização do comércio internacional (entendido

num sentido amplo) leva à uma preocupação acrescida em ver como os outros resolveram

problemas idênticos (não é por acaso que existe há tanto tempo leis uniformes para letras,

livranças e cheques). Diria que international benchmarking é, pois, crucial nesta área.

É, pois, imperiosa a necessidade imperiosa de colher experiências estrangeiras.

Mas importa ter em conta que, se é certo que colher a experiência de outros ordenamentos

nos conforta de alguma maneira, também é verdade que não nos podemos demitir de

reflectir e de decidir sobre as melhores escolhas para o nosso ordenamento.

A comparação internacional não pode funcionar como panaceia para a resolução de

problemas de existência lógica de certo ordenamento jurídico-privatista com certa

configuração. Digo isto porque porventura também conseguimos detectar falhas mais ou

menos graves noutros ordenamentos. Isso não nos pode legitimar para não procurar fazer

mais e melhor.

Esta preocupação foi em mim aguçada por um case study que analisei recentemente num

curso de gestão para dirigentes públicos ministrado pela Universidade de Harvard numa

parceria, precisamente, como o Instituto Nacional de Administração de Portugal. Consistia

nisto: o dirigente de uma grande empresa de alumínios, não obstante saber que a sua

empresa tinha comparativamente com as demais uma excelente taxa de acidentes de

trabalho, colocou como objectivo essencial chegar à taxa zero de acidentes. A

consequência foi que isso obrigou a um repensar e redesenhar dos processos produtivos, o

levou a um aumento dos resultados da empresa.

Não estamos a falar de gestão, mas este exemplo serve de ponto de partida para outras

reflexões. Alguém tem de ser o líder em certa área e porque não podemos ser nós? Porque

não podemos ser nós a gizar o ordenamento jurídico que melhor nos serve?

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Por isso digo que o estudo de modelos comparados pode servir, pois, como uma

inspiração. E isto não quer dizer que não se conclua que dado modelo, por ser tão bom,

pode ser acolhido com grandes benefícios. Porque não? Até porque há vantagens grandes

associadas a adoptar legislação parecida com a já existente noutros países, a maior das

quais será poder usufruir da literatura técnica sobre o assunto, bem como de poder ver o

direito em acção através das decisões dos tribunais. No fundo, será poder entrar num

diálogo com doutrina e jurisprudência estrangeiras que tem potencial para ser muito

frutuoso.

Tudo será possível desde que cumprida a necessidade incontornável de repensar

aprofundadamente os quadros da organização do direito privado.

Este repensar passa certamente por decisões técnicas, mas, mais uma vez, não deixa de

dever ser visto à luz de uma decisão política. O direito privado, neste caso o direito

comercial não é imune a decisões de ordem política e, seguramente, não o será a opção,

por exemplo de manter ou não um código comercial.

Cabe perguntar, então, experiências de que ordenamentos. De ordenamentos com a mesma

matriz continental? De ordenamentos com matriz diferente?

Se olharmos para os países de matriz continental, encontramos exemplos de Códigos

Comerciais autónomos – França, Alemanha, Espanha - e também exemplos de direito

comercial incluído no Código Civil – Itália - e ainda experiências diversas, como a suíça,

que tem um Código das Obrigações de 1881, que inclui o direito comercial, autonomizado

do Código Civil de 1907. Já no fim do século XX e início do XXI temos o aparecimento

de dois códigos civis que procedem à unificação do direito privado: o Código Civil

holandês, de 1991, e o Código Civil brasileiro, de 2003. Isto já para não falar do Código

da Federação Russa de 1996 .

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Há quem diga que embora em alguns ordenamento ainda haja, formalmente, um Código

Comercial, do ponto de vista científico e dogmático essa autonomia perdeu-se no século

XX, com uma elaboração mais científica dos códigos civis 14. Tal será mesmo o caso do

designado por Código de Comércio francês, de 2000, que não se tratará de um verdadeiro

código, mas de uma mera compilação da generalidade dos diplomas comerciais 15. O

direito comercial manter-se-á, auxiliado pelo elevado peso da tradição, mas “qualitativa e

quantitativamente diferente: mais fraco, menos coeso e mais sujeito a fraccionar-se em

múltiplas disciplinas autónomas.” 16.

Se olharmos para direitos de matriz anglo-saxónica verificamos que o direito dito

comercial, de grande relevância prática, não logra contudo obter autonomia face ao direito

dito civil. Institutos examinados nessa sede seriam, à luz do direito continental, ora civis

ora comerciais 17.

Antes de se decidir legislar sobre a “arrumação” do direito comercial, interessa, pois,

estudar atentamente as experiências estrangeiras. No caso português, ganhará porventura

maior relevo, dada a proximidade científica, a experiência italiana.

5. O direito comercial numa encruzilhada

A questão da unificação ou não do direito privado colocou-se, ao legislador português,

aquando da feitura do Código Civil.

14 “Foi o fim da era dos códigos comerciais.” Escreve António Menezes Cordeiro, Da Modernização..., cit., p.157, e mais adiante, na p.171, afirma que “não conhecemos verdadeiros códigos comerciais europeus ocidentais posteriores a 1900.”. 15 Menezes Cordeiro, Da Modernização..., cit., p.171, que dá nota do descontentamento da doutrina francesa perante este tipo de reforma. 16 Menezes Cordeiro, Da Modernização..., cit., p.163. 17 Neste sentido, a propósito do direito inglês, Menezes Cordeiro, Da Modernização..., cit., p.160. Esta observação pode ser facilmente corrobada, confrontando-se, por exemplo, Roy Goode, Commercial Law, 2ª edição, Penguin, Londres, 1995, ou, a respeito do Uniform Commercial Code norte-americano, James J.White e Robert S. Summers, Uniform Commercial Code, West Group, St.Paul, Minn, 2000.

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No decreto-lei de 1944 que lançou a reforma do direito civil, autorizando o Ministro da

Justiça a elaborar uma revisão geral do código, determinou-se que o projecto poderia ou

não englobar o direito comercial, consoante se achasse preferível. A Comissão de

Reforma, no entanto, remeteu para mais tarde o tratamento do direito comercial e

verificou-se uma “comercialização” do texto civil, fortemente inspirada no modelo

italiano 18. Esta aproximação é visível, por exemplo, no regime das sociedades civis sob

forma civil.

Em 1961 o Ministro da Justiça determinou a revisão do Código Comercial, mas apenas em

1966 e 1967 foram designados membros de uma Comissão incumbida de estudos

preparatórios à revisão do direito das sociedades comerciais. Este centrar na área das

sociedades comerciais acabou por comprometer uma revisão global do código comercial 19.

Em 1977 o Ministro da Justiça designou diversas comissões de reforma, uma das quais

para reformar o direito comercial. No entanto colocou a tónica, precisamente, no direito

das sociedades comerciais. Essa orientação foi consagrada definitivamente no início dos

anos 80 pelo então Ministro da Justiça que incumbiu Raúl Ventura de elaborar um

anteprojecto de código das sociedades comerciais. Devido a delongas da Assembleia da

República o projecto viria a ser apresentado mais tarde, já com alterações de Luís Brito

Correia.

Escreve Vasco Lobo Xavier, em 1983, que “a elaboração de novos Códigos Comerciais

que substituam as codificações do século XIX aparece actualmente como uma tarefa muito

espinhosa, dada a enorme variedade dos assuntos a regular e a dificuldade de encontrar o

verdadeiro elemento aglutinador do direito mercantil. [...] Perante isso desenha-se a

tendência para se preferir o recurso a leis que regulem autonomamente os grandes sectores

do Direito Comercial clássico (dir. bancário, das sociedades, dos seguros, das letras de

câmbio, etc.).” 20.

18 Menezes Cordeiro, Da Modernização..., cit., p.46. 19 Menezes Cordeiro, Da Modernização..., cit., p.48. 20 Vasco Lobo Xavier, Código Comercial, in Pólis – Enciclopédia Verbo da Sociedade de do Estado, vol.1, Verbo, 1983, pp.944-948, p.945.

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O Código das Sociedades Comerciais veio a ser aprovado em 1986. O Código Comercial

ainda continua por rever.

Desta constatação, de que não foi possível nos sessenta anos subsequentes ao Código Civil

preparar um Código Comercial, retira Menezes Cordeiro a melhor demonstração da falta

de autonomia do direito comercial 21.

Diria pois que, neste momento, o direito comercial precisa de (re)encontrar o seu espaço,

que pode ser sozinho ou junto com o direito civil.

E este espaço não está separado de outros espaços que vêm ganhando importância

crescente nos últimos tempos, como seja a área do direito do consumo com o consequente

reequacionar do papel central do direito civil.

Esta reflexão está a ser reiniciada em Portugal. O mote não foi o Código Comercial, mas

sim o Código Civil. No caderno de encargos anexo ao protocolo celebrado com quatro

faculdades de direito portuguesas e o Gabinete de Política Legislativa e Planeamento do

Ministério da Justiça aflorou-se, precisamente, a questão de integrar no Código Civil

certos contratos. O protocolo convidava as Faculdades de Direito a suscitarem outras

observações, sobre matérias eventualmente não referidas e que, na sua óptica merecessem

ponderação. Neste quadro, a autonomia ou não autonomia do direito comercial foi

suscitada nos relatórios preliminares.

A questão não é, no entanto pacífica 22Em 1980, Fernando Olavo, falando na abertura do

ano judicial a propósito da reforma do direito mercantil propugnava fortemente pela

manutenção da dualidade do direito privado, com a manutenção de dois códigos

separados: o civil e o comercial. No entanto, embora apresente argumentos e indique áreas

eminentemente comerciais, onde devem vigorar regras diferentes das aplicáveis ao direito

civil, não avança com um critério rigoroso de comercialidade 23.

21 Da Modernização..., cit., pp.170 e 171. 22 Sobre o critério e autonomia do direito comercial, veja-se, por exemplo, Orlando de Carvalho, Critério e Estrutura do Estabelecimento Comercial I – O problema da empresa como objecto de negócios, 1967, pp.120 a 179. 23 Fernado Olavo, Alguns Apontamentos..., cit., pp.7 e 8.

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Encontra ainda uma base de apoio na prática legislativa portuguesa, que sempre consagrou

a dicotomia do direito privado 24.

Recentemente, Menezes Cordeiro vem abordar o problema precisamente a propósito da

modernização do direito civil português. Debruçando-se sobre a questão da autonomia ou

não autonomia do direito comercial, pronuncia-se em sentido fortemente favorável à não

autonomia, preconizando a inclusão de algumas áreas (como os contratos) no código civil:

“[a] revisão aprofundada do Código Civil levará à absorção do direito comercial ou, pelo

menos: das áreas contratuais do Direito Comercial.”25. Assim é, porque, em seu entender,

o direito comercial apenas se explica com algo de histórico-culturalmente propiciado, não

sendo possível apontar um conceito dogmático claro de “comercialidade”, o que contrasta

com a “comercialização” do Código Civil, que acolhe “pretensos princípios mercantis”,

como a tutela da confiança, e é muito mais “internacional” do que o Código Comercial 26.

Isto só para citar dois autores.Creio, pois, que as perguntas a que um legislador atento

deve responder antes de decidir elaborar e aprovar um Código Comercial são as seguintes:

Existirá um critério substancial de comercialidade suficientemente seguro que justifique a

autonomia do direito comercial? 27

Caso não exista, haverá vantagens em “forçar” a manutenção de um Código Comercial

autonomizado ou fará mais sentido, por exemplo, promover a integração das matérias em

códigos já existentes e consolidar as restantes áreas?

24 Fernado Olavo, Alguns Apontamentos..., cit., pp.11 e 12. 25 Da Modernização..., cit., pp.167 e ss.. 26 Da Modernização..., cit., pp.168 e 169.

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do Estado, vol.1, Verbo, 1983, pp.944-948

White, Jamnes J. e Robert S. Summers, Uniform Commercial Code, West Group, St.Paul, Minn, 2000

27 E aqui permitou-me citar as palavras particularmente expressivas de Menezes Cordeiro, Da Modernização..., cit., p.162, face ao carácter cultural da ciência do direito: “[a] autonomia do Direito comercial ou existe ou é indefendível.”.