programa de sociologia_jurídica_(2007)_-_sergio_cavalieri_filho

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  • 1. PROGRAMA DE SOCIOLOGIA JURDICA

2. Edies anterioresTtulo at a 6 edio:Voc Conhece Sociologia Jurdica? 1 edio 198311 edio 2005 2 tiragem11 edio 2006 3 tiragem 3. SERGIO CAVALIERI FILHODesembargador do Tribunal de Justia do Estado do Rio de Janeiro. Professor da Universidade Estcio de S. PROGRAMA DE SOCIOLOGIAJURDICA11 edio revista e atualizada Rio de Janeiro 2007 4. SUMRIOAbreviaturas e Siglas Usadas ..................................................................................................VIIApresentao ............................................................................................................................ IXCaptulo I - Gnese do Direito.................................................................................................... 1Captulo II - Funo Social do Direito ..................................................................................... 11Captulo III - Conceito Sociolgico do Direito ........................................................................ 23Captulo IV - Fatores da Evoluo do Direito .......................................................................... 31Captulo V - Fontes do Direito ................................................................................................. 41Captulo VI - A Autonomia da Sociologia Jurdica como Cincia e suas Relaescom Outras Cincias Sociais .......................................................................................... 57Captulo VII - Importncia do Estudo das Cincias Sociais e da SociologiaJurdica em Especial ....................................................................................................... 69Captulo VIII - Objeto da Sociologia Jurdica .......................................................................... 75Captulo IX - Eficcia das Normas Jurdicas e seus Efeitos Sociais ........................................ 81Captulo X - Aspectos Scio-Jurdicos de Algumas reas do Sistema JurdicoBrasileiro ........................................................................................................................ 97Captulo XI - Instrumentos Humanos de Realizao da Ordem Jurdica ............................... 127Captulo XII - Sistemas de Escolha dos Magistrados............................................................. 149Captulo XIII - Razes Sociais das Garantias Constitucionais dos Magistrados ................... 163Captulo XIV - A Opinio Pblica ......................................................................................... 175Captulo XV - O Mtodo da Sociologia Jurdica ................................................................... 185Captulo XVI - Direito e Anomia ........................................................................................... 195Bibliografia ............................................................................................................................. 209ndice Alfabtico-Remissivo .................................................................................................. 211ndice Sistemtico .................................................................................................................. 217 5. ABREVIATURAS E SIGLAS USADASart. artigoCDCCdigo de Defesa do ConsumidorCUTCentral nica dos TrabalhadoresDASDiviso Anti-SeqestroDASP Departamento de Administrao do Servio PblicoDec. DecretoDec.-Lei Decreto-Leied.edioEd.EditoraEMERJEscola de Magistratura do Rio de JaneiroEUAEstados Unidos da AmricaICEPSInternational Center of Economic Penal StudiesICMImposto sobre a Circulao de MercadoriasINAMPS Instituto Nacional de Assistncia Mdica da Previdncia SocialINPS Instituto Nacional de Previdncia SocialIPIImposto sobre Produtos IndustrializadosISSInstituto sobre ServiosOABOrdem dos Advogados do Brasilob. cit. obra citadaONUOrganizao das Naes Unidasp. pginaPE PernambucoProf.ProfessorRev. RevistaSTFSupremo Tribunal FederalSTMSuperior Tribunal MilitarTRETribunal Regional EleitoralTRTTribunais Regionais do TrabalhoTSETribunal Superior Eleitoral 6. APRESENTAOEste trabalho foi escrito no incio da dcada de 1980, sob o ttulo - Voc ConheceSociologia Jurdica? - no propsito de facilitar o estudo dessa cadeira integrante do currculodo Curso de Direito da Universidade Estcio de S. Talvez tenha alcanado a sua finalidadeporquanto a obra, no obstante despretensiosa, foi vrias vezes reeditada, estando agora emsua 11 edio. De l para c, entretanto, valendo-me da feliz imagem de Antunes Varella,muita gua correu debaixo das pontes do direito e inmeros diplomas foram produzidos nasoficinas legislativas, inclusive uma nova Constituio que, por sua vez, j sofreu vriasmudanas, o extraordinrio Cdigo de Defesa do Consumidor e o novo Cdigo Civil. Erapreciso atualizar este trabalho, o que procurei fazer agora sob o novo ttulo - Programa deSociologia Jurdica.O seu objetivo, todavia, no mudou: continua sendo uma tentativa de transmitiraos estudantes uma viso sociolgica do direito, j que, no exame diuturno da norma, perde-se muitas vezes o sentido de sua finalidade social.O Jurdico se compe de fato, norma e valor indissociavelmente, de sorte que seos operadores do direito no tiverem essa viso tridimensional do direito, no estaro aptos aaplic-lo de forma a realizar a sua funo social. A idia de que o direito norma, nada maisdo que a norma, ardorosamente defendida por Kelsen, h muito est ultrapassada, tanto assim que h norma expressa determinando ao juiz atender, na aplicao da lei, aos finssociais a que ela se dirige e s exigncias do bem comum.Se de alguma forma este trabalho continuar contribuindo para a melhorpreparao dos nossos operadores do direito, estar recompensado o esforo da sua reviso. 7. Captulo IGNESE DO DIREITO Escola Jusnaturalista ou do Direito Natural: a origem do jusnaturalismo. Escola Teolgica: origem da Escola Teolgica. Escola Racionalista ou Contratual: a concepo do direito do ponto de vista racionalista. Escola Histrica do Direito. Escola Marxista: origem e concepo do direito. Escola Sociolgica do Direito: origem e concepo sociolgica do direito. **** Nossa primeira tarefa consiste em conhecer a gnese do Direito, estabelecer a suafonte ou origem, para que depois possamos compreender a sua razo de ser e a funo quedesempenha na sociedade. Antes, porm, preciso dizer de que direito vamos tratar j que a palavra direitopode ser utilizada com significados diferentes. Fala-se em direito para indicar o conjuntosistemtico de normas (constitucionais, civis, penais, administrativas etc.) destinado aorganizar a sociedade e disciplinar a conduta humana na convivncia social. Mas tambmencontramos a palavra direito ligada ao direito de cada pessoa, por exemplo, quando algumdiz que tem o direito a isso ou quilo, de fazer ou no fazer alguma coisa. No primeiro casotemos o Direito Objetivo, tambm chamado de Direito Positivo, ou seja, o conjunto de regras(leis, regulamentos, costumes) que preside nossa vida em sociedade. Essas normas so dedireito objetivo porque vivem e sobrevivem fora e independentes das pessoas, a que conferemfaculdades de agir. No segundo, a palavra direito indica o direito subjetivo de cada pessoa(fsica ou jurdica), como o direito vida, liberdade, propriedade, educao, sade eassim por diante. Costuma-se dizer que o Direito Objetivo a norma de agir (norma agendi) e odireito subjetivo a faculdade de agir (facultas agendi). Essa faculdade corresponde a espaosde liberdade ou a poderes para atuar ou [p. 1] exigir uma atuao alheia. uma situao 8. jurdica subjetiva de vantagem a que o direito objetivo confere proteo direta, plena eespecfica. A palavra Direito normalmente escrita com letra maiscula quando se refere aoDireito Objetivo, e com minscula quando indica o direito subjetivo.Em nosso estudo vamos tratar do Direito Objetivo, vale dizer, das regras queorganizam a sociedade e disciplinam o comportamento social.Como nasce o Direito?Em tomo dessa questo existiu e ainda existe a mais acirrada controvrsia entrejuristas, filsofos, telogos, socilogos etc., de modo a no permitir um entendimentouniforme at o Juzo Final. A razo principal dessa controvrsia est no fato de cada qualprocurar ver e conceituar o Direito pelo ngulo de viso de sua cincia, esquecendo-se quepode ser ele enfocado atravs de pelo menos trs aspectos diferentes, como teremosoportunidade de assinalar.Por essas razes entendemos necessrio, antes de apresentarmos o enfoque dasociologia jurdica sobre a origem do Direito, fazer um sucinto apanhado sobre as vriasteorias ou escolas existentes, at chegarmos quela que mais se ajusta ao contedo da nossamatria.1. ESCOLA JUSNATURALISTA OU DO DIREITO NATURALPara os jusnaturalistas, o direito um conjunto de idias ou princpios superiores,eternos, uniformes, permanentes, imutveis, outorgados ao homem pela divindade, quando dacriao, a fim de traar-lhe o caminho a seguir e ditar-lhe a conduta a ser mantida. Seria comoum sopro tico com que a Divindade bafejou a sua criao. As principais caractersticas dodireito natural seriam, portanto, a estabilidade e a imutabilidade, j que se trata de princpiosimanentes ao prprio cosmos, cuja origem estaria na Divindade. Em suma, ao trazer existncia a criatura, o criador teria inculcado em sua conscincia um conjunto de princpiossuperiores, eternos e imutveis, que constituiriam o direito natural, ponto de referncia para sesaber o que justo ou injusto, bom ou mau, e base de todas as leis.1.1. Origem do JusnaturalismoA concepo do direito natural surge com os filsofos gregos - Herclito,Aristteles, Scrates, Plato etc. - e foi adotada em Roma por Ccero, o mais entusiastaintrprete da filosofia grega entre os romanos, que a exps eloqentemente em sua obra, De 9. Repblica: Existe uma lei verdadei- [p. 2] ra, reta razo, conforme a natureza, difusa emtodos, constante, eterna, que apela para o que devemos fazer, ordenando-o, e que desvia domal, que ela probe; que, no entanto, se no ordena nem probe em vo aos bons, no mudapor suas ordens nem por suas proibies os maus... de instituio divina que no se possapropor ab-rogar essa lei e que no seja permitido derrog-la... No preciso procurar um lioSexto para comentar ou interpretar; ela no diferente em Roma ou em Atenas; no diferente hoje nem ser amanh; mas sim, lei nica e eterna e imutvel, ela ser para todas asnaes e para todos os tempos... Esse trecho de Ccero sintetiza com preciso a concepo jusnaturalista, por issoque coloca em destaque a origem divina do direito e o seu carter permanente e imutvel,ontem, hoje, amanh, em todas as naes e para todos os tempos.2. ESCOLA TEOLGICA A Escola Teolgica em muito se assemelha Jusnaturalista, pois tambm concebeo direito como um conjunto de princpios eternos, permanentes e imutveis. No seu entender,entretanto, a origem do direito no estaria ligada apenas indiretamente Divindade, mas simdiretamente, j que as primeiras leis no teriam sido simplesmente inspiradas por Deus, masescritas e outorgadas por Ele. Em suma, a prpria Divindade teria se empenhado em elaboraras primeiras leis, entregando-as ao homem para serem observadas, como por exemplo odeclogo que, segundo a narrao bblica, foi escrito pelo prprio dedo de Jeov, em duastbuas de pedra, sobre o Monte Sinai, e entregue a Moiss.2.1. Origem da Escola Teolgica A Escola Teolgica coexistiu com a Jusnaturalista durante toda a antigidade. Emquase todos os povos antigos encontramos lderes poltico-religiosos, como Moiss,Hamurabi, Manu, Slon etc., de origem quase legendria, semideuses, que foram osintermedirios entre a Divindade e o povo no que diz respeito ao recebimento das primeirasleis. Com o aparecimento do Cristianismo, o estudo do direito voltou a ser abrangidopela religio e continuou a ser considerado manifestao da vontade divina. A concepo dodireito se explana dentro do sistema filosfico de So Toms de Aquino, para o qualexistiriam trs categorias de direito, a saber: o direito divino, baseado nas Escrituras e nas 10. decises dos Papas e de [p. 3] Conclios; o direito natural, que em quase nada se diferencia dodireito natural apregoado pelos gregos e romanos; e o direito humano, por cujo intermdioaplicam-se os princpios da lei natural.Reunindo esses trs tipos (lei divina, lei natural e lei humana), So Toms deAquino tratou de explicar que a primeira, por provir de Deus, s existe no esprito divino; asegunda existente entre os homens por intuio; e a terceira, embora tenha como contedo alei natural, produto dos homens.3. ESCOLA RACIONALISTA OU CONTRATUALNa Escola Racionalista ou Contratual agrupamos vrios filsofos, autores deobras notveis, a comear por H. Grotius (De Iure Belli ac Pacis, publicada pela primeira vezem 1625), seguido por Thomas Hobbes (autor de o Leviathan), John Locke, Puffendorf,Thomasius, Montesquieu (Esprito das Leis), culminando com Jean Jacques Rousseau, a maisimportante figura do liberalismo dessa poca, autor da conhecida obra Contrato Social.3.1. A Concepo do Direito do Ponto de Vista RacionalistaPara os racionalistas, duas so as categorias de direito, ou rbitas jurdicas, asaber: a do direito natural e a do Direito positivo.Quanto ao direito natural, continuaria sendo um conjunto de princpiospermanentes, estveis e imutveis, no se distinguindo, neste ponto, do jusnaturalismo. Aorigem desse direito, entretanto, no mais seria a divindade, mas sim a natureza racional dohomem - imutvel diante de qualquer vontade divina ou humana.O carter permanente e imutvel do direito decorreria do fato de ser a naturezaracional do homem igual por toda a parte, em todos os tempos, e da qual decorreriamprincpios que, em conseqncia, nenhum poder, divino ou terreno, alcanaria mudar.O Direito positivo, por sua vez, decorreria do pacto social a que o homem foralevado a celebrar para viver em coletividade.No incio o homem teria sido isolado, como foi ilustrado por Daniel De Fe naconhecida histria de Robinson Cruso. Para sair do isolamento, os homens tiveram a idia deviver juntos, fundando a sociedade atravs de um pacto, o clebre contrato social que servede ttulo a um dos livros mais famosos de Rousseau. As relaes dos homens em sociedadeseriam disciplinadas pelas regras do direito positivo. [p. 4] 11. Entre o direito natural, aquele conjunto de princpios imutveis decorrente darazo, e o Direito positivo, haveria entretanto uma ntima e estreita relao, tal como h entreo esprito e o corpo, a sombra e a realidade, visto que o primeiro anterior, superior, e servede fundamento para o segundo.Equivale isso a dizer que o Direito positivo deve respeitar os princpiosfundamentais do direito natural por lhe serem superiores, no podendo deles se afastar sem setomar injusto e inquo. Em ocorrendo tal afastamento, impe-se a imediata reformulao doDireito positivo a fim de ajust-lo aos imutveis princpios do direito natural.Esta escola, como se v, ao admitir que o direito natural tem origem na naturezaracional do homem, deslocou pela primeira vez a sua fonte - de Deus para a prpria razo dohomem.4. ESCOLA HISTRICA DO DIREITOA Escola Histrica do Direito surgiu na Alemanha, no final do sculo XVIII ecomeo do sculo XIX, tendo como principais protagonistas Gustavo Hugo e Frederico Charlesde Savigny, este ltimo considerado o seu fundador. A escola inicia as suas atividades em plenoapogeu do neo-humanismo, quando o direito era considerado pura criao da razo humana.Pela primeira vez, essa escola rebelou-se contra a existncia de um direito natural,permanente e imutvel. Em vez de indagar o que deveria ser o direito, passou a pesquisarcomo se formava nas sociedades.Para ela, o Direito era um produto histrico, decorrente, no da divindade ou darazo, mas sim da conscincia coletiva dos povos (Volks geist), formado gradativa epaulatinamente pelas tradies e costumes.A formao do Direito seria to natural e espontnea como a origem dalinguagem. Embora se tenha pensado que a linguagem fora criada por Deus, ou era resultadode um acordo entre os homens, a filosofia demonstrava que sua gnese, o processo de suaformao foi gradativo e paulatino, decorrente das necessidades e usos do povo, sujeito atransformaes progressivas.Inmeros vocbulos surgem em uma lngua medida que vo se tornando maiscomplexas as relaes sociais, ao passo que em outras o nmero de palavras ainda reduzidopor causa da estagnao da vida social.Tambm o Direito se constitura naturalmente, como a linguagem, por fora dasnecessidades e usos do povo. [p. 5] 12. Seguindo essa linha de raciocnio, entendia Savigny que, em vez de um direitogeral e universal, cada povo em cada poca teria o seu prprio direito, expresso natural desua evoluo histrica, de seus usos, costumes e tradies de todas as pocas passadas.A grande preocupao da Escola Histrica, como se v, foi afastar a concepo dodireito natural, pelo que se esforou em demonstrar que o direito era um produto histrico,sujeito a permanente e natural evoluo, nem estabelecido arbitrariamente pela vontade doshomens, nem revelado por Deus, nem pela razo, mas sim pela conscincia nacional do povo.Como assinala Hermes Lima (Introduo Cincia do Direito, p. 276), conquista definitiva da Escola Histrica a noo do carter social dos fenmenos jurdicos,com seus dois elementos essenciais: continuidade e transformao. A escola mostrou que osfundamentos do direito se encontram na vida social. Eram esses fundamentos que as teoriasprecedentes iam buscar na razo.5. ESCOLA MARXISTAA teoria marxista surgiu em meados do sculo XIX, enunciada por doispensadores alemes - Karl Marx e Friedrich Engels - dois grandes reformadores sociais, maiseconomistas do que juristas. Marx, entretanto, fez seus estudos na Faculdade de Direito deBerlim, sendo igualmente filsofo. Seduzido pelos ensinamentos de Hegel, foi neles que seinspirou para formar suas idias sobre o direito.5.1. Origem e Concepo do DireitoPara a teoria marxista, o Direito pressupe o Estado. Surge somente quando huma sociedade - poltica, jurdica e economicamente organizada, com uma fonte emanadorado preceito jurdico e um rgo capaz de impor o cumprimento de suas prescries.Isso significa que o Direito apenas sanciona uma relao j existente, aplicandouma regra a uma situao preexistente, regra essa nica, que incide sobre diferentes pessoas,ainda que sejam em tudo desiguais. Fixa o Direito, acima de tudo, as relaes econmicas quepredominam em uma sociedade em certo momento histrico, razo pela qual Marx oconsiderava a expresso do interesse da classe dominante, instrumento ideolgico dedominao da burguesia sobre o proletariado. [p. 6]Essa concepo do Direito deve muito a Regel, que tambm une intimamente oDireito ao Estado, com a diferena essencial de que o Estado para ele uma instituio 13. eminentemente respeitvel, quase divina, que tem por misso manter a ordem e a paz nasociedade, ao passo que para Marx, o Estado instrumento de presso, que deve sercombatido por todos os meios e finalmente destrudo. Tal posio, em grande partesentimental, explicada pelo espetculo da misria que grassava na poca, sobretudo nasregies industriais que Marx pde conhecer, e pelo apoio que a classe dirigente concedia aoscapitalistas beneficirios desse regime.Na sntese da teoria marxista, o Direito tem origem, no em Deus, nem na razoou na conscincia coletiva, mas no Estado, no existindo Direito sem Estado nem Estado semDireito, sendo errnea a idia de que, desde que aparea a sociedade, a fatalmenteencontraremos o Direito (ubi societas, ibi jus). No tem valor igualmente o pressuposto deque haja um substrato eterno, que constitua o cerne essencial e perene do direito.Embora no seja nosso propsito, neste modesto trabalho, fazer crticas a qualquerdas teorias examinadas, entendemos necessrias algumas consideraes sobre a teoria marxista,a fim de facilitar desde logo a compreenso de questes que oportunamente sero abordadas. falso, por exemplo, afirmar que todo Direito emana do Estado, e que no existedireito nas sociedades chamadas primitivas. Qualquer observador capaz de constatar quemuito antes de existir o Estado, muito antes da sociedade se organizar poltica e juridicamente,j existiam regras disciplinadoras do relacionamento social. Esse direito, verdade, apresentacaracteres particulares, manifestando-se essencialmente atravs dos costumes, mas,indiscutivelmente, direito. Em tempo algum uma sociedade, por mais homognea que tenhasido, mesmo antes de existir o Estado, pde viver sem normas de conduta.No menos falsa e truncada a afirmao de ser o Estado instrumento de presso daclasse dominante sobre a menos favorecida, e por isso devendo ser combatido e destrudo. No esta efetivamente a finalidade do Estado. Ao lado da manuteno da ordem estabelecida, oEstado, sobretudo o Estado moderno, assume uma infinidade de funes que visam o bem-estarpblico: a distribuio da justia, a divulgao da instruo, a proteo da sade e da seguranapblicas etc. Se aqui ou acol o Estado divorciou-se de suas verdadeiras finalidades, nem porisso deve-se eliminar a instituio, mas sim corrigi-la, fazendo-a voltar aos seus reais objetivos.Simplesmente porque existe moeda falsa no se deve acabar com a verdadeira. [p. 7]6. ESCOLA SOCIOLGICA DO DIREITOA Sociologia e o Direito durante muito tempo ignoraram-se mutuamente,hostilizaram-se mesmo. O encontro entre as duas cincias ocorreu paulatinamente a partir de 14. 1882, quando foi publicada a obra de Herbert Spencer - Principles of Sociology, onde h umcaptulo dedicado s leis. Passando por vrios autores, culmina nos ltimos anos do sculoXIX com mile Durkheim, a quem coube o trabalho de fixar definitivamente as relaes entreo direito e a sociologia. Sem ser jurista, mas sim filsofo, coube-lhe o mrito de terreconhecido e evidenciado a natureza eminentemente social do direito.Alm de Durkheim, merecem destaque Lon Duguit e Nordi Greco, entre osfundadores da Escola Sociolgica. Depois da Segunda Guerra Mundial verificou-se umaligao mais ativa e fecunda entre socilogos e juristas.6.1. Origem e Concepo Sociolgica do DireitoPara a Escola Sociolgica, o Direito tem a sua origem nos fatos sociais,entendendo-se como tais os acontecimentos da vida em sociedade, prticas e condutas querefletem os seus costumes, valores, tradies, sentimentos e cultura, cuja elaborao lenta eespontnea da vida social. Costumes diferentes implicam fatos sociais diferentes, razo pelaqual cada povo tem a sua histria e seus fatos sociais. E o Direito no pode formar-se alheio aesses fatos por ser um fenmeno decorrente do prprio convvio do homem em sociedade.A razo disso bastante simples: sendo o homem um ser social, no pode viverisolado, como Robinson Cruso em sua ilha, cuja histria no passa de utopia. Obrigados aviver necessariamente ao lado uns dos outros, carecemos de regras de proceder, normas dedisciplinamento da vida em coletividade. A sociedade, complexo de pessoas e coisas,necessita de uma organizao que, orientando a vida coletiva, discipline a atividade dosindivduos. Esta organizao pressupe regras de comportamento que permitam a convivnciasocial. O Direito , justamente, o conjunto de normas que regulam a vida social.A sociedade humana , portanto, o meio em que o Direito surge e se desenvolve,pois a idia do direito liga-se idia de conduta e de organizao, provindo da conscinciadas relaes entre os indivduos. [p. 8]Paulo Nader sintetiza com maestria essa viso sociolgica: Direito e sociedadeso entidades congnitas e que se pressupem. O Direito no tem existncia em si prprio. Eleexiste na sociedade. A sua causa material est nas relaes de vida, nos acontecimentos maisimportantes para a vida social. A sociedade, ao mesmo tempo, fonte criadora e rea de aodo Direito, seu foco de convergncia. Existindo em funo da sociedade, o Direito deve serestabelecido sua imagem, conforme as suas peculiaridades, refletindo os fatos sociais, quesignificam, no entendimento de mile Durkheim, maneiras de agir, de pensar e de sentir, 15. exteriores ao indivduo, dotadas de um poder de coero em virtude do qual se lhe impem(Introduo ao Estudo do Direito, 21a ed., Forense, pp. 25/26).Se o homem no vivesse em sociedade, jamais poderia germinar em suaconscincia a idia do direito, pois o mundo do direito o das relaes entre os homens.Direito realidade da vida social, e no da natureza fsica ou do mero psiquismo dos sereshumanos. Em suma, no haveria o direito sem sociedade. Da a veracidade de antigo brocado:ubi societas, ibi jus onde est a sociedade est o Direito. Mas a recproca tambmverdadeira: ubi jus, ibi societas - onde est o Direito est a sociedade -; a vinculao entreambas tal que um no pode existir sem o outro. Assevera o Mestre Miguel Reale: O Direitono existe seno na sociedade e no pode ser concebido fora dela. Uma de suas caractersticas asocialidade, a sua qualidade de ser social (Lies Preliminares de Direito, 12a ed.,Saraiva, p. 2).O Direito tem, pois, uma relao dialtica com a realidade social, com os fatosque nela ocorrem, o que permitiu que se afirmasse: No existe o direito e o fato, pois,segundo a forma exata de Sforza, o fato e o direito existem enquanto coexistem (Joo Calvoda Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, Coimbra, Almedina, 1990, pp. 6/7).O que caracteriza a Escola Sociolgica , portanto, considerar o Direito, no comotendo origem em Deus, nem na razo, nem na conscincia do povo, e nem ainda no Estado -mas sim na sociedade, mais especificamente, nas inter-relaes sociais.O Direito para a Sociologia Jurdica uma cincia essencialmente social, oriundada sociedade e para a sociedade. As normas do Direito so regras de conduta para disciplinaro comportamento do indivduo no grupo, as relaes sociais; normas ditadas pelas prpriasnecessidades e convenincias sociais. No so regras imutveis e quase sagradas, mas simvariveis c em constante mudana, como o so os grupos onde se originam.Dignas de destaque as palavras do insigne Paulo Nader: A sociedade sem oDireito no resistiria, seria anrquica, teria o seu fim. O Direito a [p. 9] grande coluna quesustenta a sociedade. Criado pelo homem, para corrigir a sua imperfeio, o Direito representao grande esforo para adaptar o necessidades de vida (ob. cit., p. 25).A democratizao do Direito pode ser apontada como uma das mais relevantesconseqncias da Escola Sociolgica. Com efeito, enquanto o Direito teve origem divinaapenas os nobres, sacerdotes e altas castas sociais a ele tinham acesso. Enquanto teve porfundamento a razo, a ele tinham acesso os sbios, filsofos e juristas. O Direito foidemocratizado quando passou a ter origem na sociedade. O acesso Justia passou a ser a sua 16. principal finalidade; o povo passou a ter conscincia dos seus direitos como aspecto dacidadania; o Direito ganhou as ruas, as praas e fez-se linguagem de todo o povo. A Escola Sociolgica, como no poderia deixar de ser, aquela que se conciliainteiramente com o contedo de nossa matria, razo pela qual serve-lhe de base doutrinria.[p. 10] 17. Captulo II FUNO SOCIAL DO DIREITO A presena do direito na sociedade. Atividades de cooperao e de concorrncia. Caractersticas da atividade de concorrncia. O conflito de interesse e sua composio. Funo preventiva do direito. Funo compositiva do direito. Critrios de composio de conflitos: composio voluntria; critrio autoritrio; critrio da composio jurdica e suas caractersticas. A funo social do Direito na atual ordem jurdica brasileira. **** O Direito do ponto de vista sociolgico , conforme vimos no captulo anterior,um fato social, e como tal tem sua origem, no na Divindade, nem na razo, nem naconscincia coletiva dos povos, tampouco no Estado - mas sim na prpria sociedade, nasinter-relaes sociais. Por conseguinte, trata-se de uma cincia essencialmente social, umapeculiaridade da sociedade humana.7. A PRESENA DO DIREITO NA SOCIEDADE Nem todos tm idia de quanto o Direito se faz presente no meio social, de comoest entrosado com quase tudo que se passa na sociedade, participando das mais simples smais complexas relaes sociais. difcil praticarmos um ato que no tenha repercusso nomundo do direito. Como lembrou Ruggiero (Inst. de Direito Civil, vol. I, pp. 11/12), o camponsque, semeando o seu campo, deixa cair algumas sementes sobre o campo vizinho, pratica,embora ignore, um ato jurdico, pois d origem a uma figura de acesso, a satio, tomando ovizinho proprietrio da semente lanada e dos seus eventuais frutos. O fumante, que deita forao resto do seu [p. 11] cigarro ou charuto, realiza um ato de derelicto, abandonando uma coisasua. O banhista, que apanha na praia a concha preciosa trazida pelas ondas, pratica umaocupatio, adquirindo a propriedade duma res nullius. 18. Tenha ou no conscincia disso, a dona de casa, quando adquire uma simplescaixa de fsforo no quiosque ou gneros alimentcios no supermercado, realiza um contratode compra e venda. Diariamente, quando milhares de pessoas tomam o trem, nibus, o Metr,ou outro qualquer transporte pblico, realizam, at inconscientemente, um contrato detransporte, atravs do qual, mediante o simples pagamento da passagem, a transportadora seobriga a lev-los inclumes ao ponto de destino. E se por infelicidade ocorrer um acidente doqual resulte leso ou morte para algum, segundo as regras do direito, ser a transportadoraobrigada a indenizar os prejuzos, envolvendo danos emergentes e lucros cessantes, isto ,tudo aquilo que a vtima efetivamente perder e aquilo que deixar de ganhar em razo doacidente, pelo restante de sua sobrevida.Como se v, o Direito invade e domina a vida social desde as mais humildes s maissolenes manifestaes, quer se trate de relaes entre indivduos, quer entre o indivduo e o gruposocial, como a famlia e o Estado, quer se trate ainda de relaes entre os prprios grupos.Por que o Direito se faz assim presente na sociedade?Qual a sua funo social? o que procuramos responder neste captulo. Para bem compreendermos a funosocial do Direito, entretanto, temos antes que analisar as atividades que o indivduodesenvolve na sociedade, as suas caractersticas e o que podem gerar.7.1. Atividades de Cooperao e de ConcorrnciaAs atividades humanas assumem formas mltiplas, econmicas ou no, mas todaselas, segundo a magistral lio de San Tiago Dantas, podem ser reduzidas a dois tipos:atividades de cooperao e atividades de concorrncia.As primeiras caracterizam-se pela convergncia de interesses. Graficamentepodem ser ilustradas assim: >. Envolvem fins ou objetivos comuns. Um indivduo desenvolveuma atividade qualquer, de que o outro diretamente se aproveita, e medida que se empenhana realizao dos seus interesses, coopera na realizao dos interesses dos outros.Exemplo de atividade de cooperao a do vendedor e a do comprador: ovendedor tem mercadorias para vender e o comprador tem interesse [p. 12] em adquiri-las,necessita delas. Os interesses dos dois convergem para um ponto comum, cooperando assimcada qual na realizao do interesse do outro.O mesmo se diga do indivduo que tem um prdio e, no precisando us-la parasua prpria moradia ou instalao, prope-se a ceder seu uso a outrem, mediante o pagamento 19. de aluguel. Outro indivduo, por sua vez, necessitando de um prdio para morar, j que no opossui, prope-se a pagar o aluguel pretendido pelo locador. H reciprocidade de interessesentre o locador e o locatrio, de sorte que, medida que cada qual desenvolve sua atividade,coopera na realizao do interesse do outro. O mdico, o advogado e outros profissionaisliberais desenvolvem este tipo de atividade em relao aos seus clientes.7.2. Caractersticas da Atividade de ConcorrnciaH paralelismo nas atividades de concorrncia; nunca se encontram, pois noconvergem para um interesse comum. Graficamente podem ser ilustradas assim: =. Nelas, doisindivduos, embora tenham objetivos idnticos, desenvolvem atividades independentes,paralelas, que os colocam, um em relao ao outro, em posio de competidor ou concorrente.Dois comerciantes, estabelecidos na mesma rua e no mesmo ramo de comrcio,do-nos um exemplo de atividade de concorrncia: eles podero explorar seu comrcioindefinidamente sem entrar em choque, ainda que concorram entre si. Outro exemploencontramos em dois proprietrios de prdios vizinhos: cada um pode usar sua propriedadecomo quiser, sem a interferncia ou colaborao do outro. So concorrentes, no sentido deque perseguem, independentemente, fins semelhantes.A lio de Paulo Nader bem sintetiza o que dissemos at aqui: Na cooperao aspessoas esto movidas por um mesmo objetivo e valor e por isso conjugam o seu esforo. Ainterao se manifesta direta e positiva. Na competio h uma disputa, uma concorrncia, emque as partes procuram obter o que almejam, uma visando a excluso da outra. Uma dasgrandes caractersticas da sociedade moderna, esta forma revela atividades paralelas, em quecada pessoa ou grupo procura reunir os melhores trunfos, para a consecuo de seus objetivos.A interao, nesta espcie, se faz indiretamente e, sob muitos aspectos, positiva (ob. cit., p. 23).8. O CONFLITO DE INTERESSE E A SUA COMPOSIOTanto nas atividades de cooperao como nas de concorrncia podem ocorrerconflitos de interesses. Na atividade de cooperao, por exemplo, [p. 13] aps pagar o preo ereceber a mercadoria, verifica o comprador que h algum defeito que impede ou prejudica seuuso. Procura ento o vendedor para devolver o material e receber de volta o valor pago, oupara obter outra mercadoria em perfeito estado, mas este se recusa a atend-lo. Nessemomento rompe-se o perfeito equilbrio que deveria haver na atividade de cooperao, esurge o conflito. 20. Pensemos agora no caso do inquilino que, aps firmar contrato de locao ealojar-se no imvel, recusa-se a pagar os aluguis convencionados, a despeito deinsistentemente procurado pelo locador. Estar rompida a convergncia de interesses existenteno momento da celebrao do contrato e, a partir de ento, ambos estaro em conflito. Conflitos surgem igualmente nas atividades de concorrncia, quando as partes voalm daquilo que lhes lcito fazer no campo do seu prprio interesse. Aqueles dois comerciantes, estabelecidos na mesma rua com o mesmo gnero decomrcio, enquanto no transpuserem os limites daquilo que lhes lcito, apesar deconcorrentes, continuaro em harmonia. Pode um deles at vender mais barato que o outro, ouoferecer melhores produtos, e com isso ganhar a clientela do outro. No momento porm em que o comerciante A resolver fazer uma concorrnciaindevida ou desleal ao comerciante B, dizendo, por exemplo, que seus produtos so de baixaqualidade, que a sua honestidade questionvel etc., estaremos diante de um conflito deatividades de concorrncia. Lembram-se dos proprietrios de prdios vizinhos? Vimos que cada um pode usarseu imvel como melhor lhe parecer: residir nele, alug-lo, instalar-se comercialmente etc.Suponhamos por exemplo que o proprietrio do imvel A nele instale uma fbrica que soltafumaa e fuligem, e o proprietrio do imvel B a se estabelea com uma lavanderia. Entreesses dois estabelecimentos comerciais, ambos situados num bairro industrial e exercendoatividades lcitas, surge um conflito. Se o proprietrio do imvel A mantiver emfuncionamento sua fbrica, a lavanderia do imvel B no poder funcionar. Consideremos, por ltimo, o caso de dois condminos residentes no mesmoprdio, um no apartamento 201 e o outro no andar imediatamente superior, no apartamento301. Cada qual poder tambm usar seu imvel como bem lhe convier. Um belo dia, entretanto, o imvel do andar superior comea a apresentarvazamento no imvel inferior: umedece as paredes, danifica os mveis, prejudica o confortodos que nele residem. O condmino prejudicado [p. 14] procura o proprietrio do imvelsuperior por vrias vezes, coloca-o a par da situao, solicita-lhe uma providncia, mas este,embora prometa resolver o problema, na verdade nada faz. Este tipo de conflito, muitoconstante nas grandes cidades, onde h uma infinidade de condomnios, caracterstico daatividade de concorrncia. Sobre o tema, Paulo Nader pondera com propriedade: O conflito se faz presente apartir do impasse quando os interesses em jogo no logram uma soluo pelo dilogo e as partesrecorrem luta, moral ou fsica, ou buscam a mediao da justia. Podemos defini-lo como 21. oposio de interesses, entre pessoas ou grupos, no conciliados pelas normas sociais. Noconflito a interao direta e negativa. O Direito s ir disciplinar as formas de cooperao ecompetio onde houver relao potencialmente conflituosa. Conclui o prestigiado autor: Osconflitos so fenmenos naturais sociedade, podendo-se at dizer que lhe so imanentes.Quanto mais complexa a sociedade, quanto mais se desenvolve, mais se sujeita a novas formasde conflito e o resultado o que hoje se verifica, como algum afirmou, em que o maior desafiono o de como viver e sim o da convivncia (ob. cit., p. 23).Todos os conflitos que podem surgir na vida social so redutveis a um dessestipos: conflitos de cooperao, os que ocorrem na atividade de cooperao, e conflitos deconcorrncia, os que se verificam na atividade de concorrncia. O que determina a naturezado conflito a natureza da atividade.9. FUNO PREVENTIVA DO DIREITOO conflito gera o litgio e este, por sua vez, quebra o equilbrio e a paz social. Asociedade no tolera o estado litigioso porque necessita de ordem, tranqilidade, equilbrio emsuas relaes. Por isso, tudo faz para evitar ou prevenir o conflito, e a est a primeira e principalfuno social do Direito - prevenir conflitos: evitar, tanto quanto possvel, a coliso de interesses.Muita gente acredita que o Direito tem um carter essencialmente repressivo, masna realidade assim no . O Direito existe muito mais para prevenir do que para corrigir,muito mais para evitar que os conflitos ocorram do que para comp-los.O Direito previne conflitos atravs de um conveniente disciplinamento social,estabelecendo regras de conduta na sociedade: direitos e deveres para locador e locatrio,vendedor e comprador, enfim, para todos. medida que cada um respeitar o disciplinamentoestabelecido pelo Direito, evitar entrar em conflito com outrem na sociedade. [p. 15]Esse tambm o entendimento de Paulo Nader, repetidamente citado: O Direitoest em funo da vida social. A sua finalidade a de favorecer o amplo relacionamento entreas pessoas e os grupos sociais, que uma das bases do progresso da sociedade. Ao separar olcito do ilcito, segundo valores de convivncia que a prpria sociedade elege, o ordenamentojurdico toma possveis os nexos de cooperao, estabelecendo as limitaes necessrias aoequilbrio e justia nas relaes. Aduz que a funo preventiva exercida para evitardesinteligncias quanto aos direitos que cada parte julga ser portadora. Isto se faz mediante aexata definio do Direito, que deve ter na clareza, simplicidade e conciso de suas regras,algumas de suas qualidades (ob. cit., p. 25). 22. O Direito, como vemos mais uma vez, uma cincia social. Suas normas soregras de conduta para disciplinar o comportamento do indivduo na sociedade, visandoatender uma necessidade social. Sem essas normas de conduta, os conflitos seriam to freqentes de modo a tomarimpossvel a vida em coletividade. Se o indivduo vivesse s, isolado, no necessitaria de regras de conduta, poispoderia viver e fazer o que bem entendesse. Vivendo porm em grupo precisa limitar-se,comportar-se, respeitar direitos e interesses dos outros. Quanto maior o relacionamento, quanto mais complexas as relaes sociais, maiorser a possibilidade de conflito, e, portanto, maior tambm a necessidade de disciplina eorganizao.10. FUNO COMPOSITIVA DO DIREITO A observncia das normas previne muitas ocorrncias, mas o conflito,lamentavelmente, inevitvel, porque nem todos na sociedade submetem-se disciplinaimposta pelo Direito. Aqui um vendedor que recebe o preo mas no quer entregar a coisa,acol, um locatrio que no quer pagar o aluguel e assim por diante. At mesmo na famlia, vejam s, o menor e mais forte grupo social, os membrosligados por vnculos de afeio, de sangue, com inmeras normas de direito disciplinando asrelaes dos cnjuges, pais, filhos etc., todas objetivando prevenir conflitos, estes acabam porocorrer. E como ocorrem! Basta entrar numa Vara de Famlia para se ter conscincia dosconflitos que esto ocorrendo no lar. Cenrio de lutas, alegrias e sofrimentos do homem, pondera Paulo Nader, asociedade no simples aglomerao de pessoas. Ela se faz por um amplo relacionamentohumano, que gera a amizade, a colaborao, o [p. 16] amor, mas que promove, igualmente, adiscrdia, a intolerncia, as desavenas. Vivendo em ambiente comum, possuindo idnticosinstintos e necessidades, natural o aparecimento de conflitos sociais, que vo reclamarsolues. Os litgios surgidos criam para o homem as necessidades de segurana e de justia(ob. cit., p. 25). Pois bem: surgindo o conflito, h que solucion-lo. A sociedade reclama que ascoisas sejam repostas num ponto de equilbrio em que possam permanecer. Superar um conflito de interesses aquilo que chamamos composio. E a est asegunda grande funo social do Direito: compor conflitos. 23. Em que consiste a composio de um conflito?No consiste em fazer desaparecer o conflito, porque isso, como j vimos, impossvel. No se pode evitar o conflito, por mais que se procure preveni-lo.A maneira de solucionar o conflito , ento, colocar os dois interesses emantagonismo na balana, e determinar qual o que deve prevalecer e qual o que deve serreprimido. Esse o sentido de toda composio. O Direito apresenta soluo de acordo coma natureza do caso, seja para definir o titular do direito, determinar a restaurao da situaoanterior ou aplicar penalidades de diferentes tipos (Paulo Nader, ob. cit., p. 25).11. CRITRIOS DE COMPOSIO DE CONFLITOS1) Critrio da composio voluntria;2) Critrio autoritrio;3) Critrio da composio jurdica.11.1. O Critrio da Composio Voluntria aquele que se estabelece pelo mtuo acordo das partes. Surgindo o conflito, aspartes discutem entre si e o resolvem da melhor maneira possvel, quase sempre atentandopara os prprios deveres e obrigaes estatudos pelas normas do direito. O estudante, porexemplo, entra numa livraria e compra um livro. Ao chegar em casa observa que lhe faltamalgumas pginas; volta livraria, reclama ao vendedor e este, imediatamente, substitui o livrodefeituoso por outro perfeito. Houve um conflito de interesses - resolvido por meio dacomposio voluntria.A mais moderna legislao processual no mundo todo tem estimulado a composiovoluntria como forma de aliviar a sobrecarga do Judicirio. No Brasil, a Lei dos JuizadosEspeciais (Lei n 9.099/95) prev expressamente (arts. 21 a 24) uma fase de conciliao, conduzida via de regra por [p. 17] conciliadores, antes da causa ser submetida ao julgamento do juiztogado. O Cdigo de Processo Civil tambm estabelece uma audincia prvia de conciliao tantono procedimento sumrio (arts. 277/278) como no ordinrio (art. 331). Temos ainda a Lei deArbitragem (Lei n 9.307/96), da qual podero valer-se todas as pessoas capazes de contratar paradirimir litgios relativos a direitos patrimoniais disponveis. A conciliao e a arbitragem no so,a rigor, formas puras de composio voluntria, uma vez que sempre contaro com a interfernciade um terceiro - o conciliador ou o rbitro. So, todavia, formas mistas que estimulam e valorizama participao dos litigantes na composio do conflito. 24. 11.2. O Critrio Autoritrio Por esse critrio, cabe ao chefe do grupo - Rei, Cacique, Senhor etc., o poder decompor os conflitos de interesses que ocorrem entre os indivduos que se encontram sob suaautoridade. Normalmente a autoridade lana mo do seu foro ntimo, do prprio senso deJustia, daquilo que a conscincia lhe inspira, para desempenhar a tarefa de compor conflitos. Muito usado este critrio nas sociedades antigas, menos perfeitas, alguns casos decomposio tomaram-se famosos. Todos por certo j ouvimos falar na justia salomnica, ena clebre frmula usada pelo Rei para resolver um conflito entre duas mulheres quedisputavam a mesma criana, ambas reclamando-a como filho. O Rei Salomo mandou trazer uma espada com a qual, disse, iria cortar a crianaao meio, dando uma metade para cada mulher. Assim pde constatar qual era a meverdadeira - aquela que imediatamente se ops idia, preferindo que seu filho, vivo, fosseentregue falsa me. Foi uma soluo tirada por Salomo do seu foro ntimo e que, no caso, bemsolucionou o conflito. Na sociedade de hoje o critrio autoritrio ainda utilizado no meio familiar. Ochefe da famlia muitas vezes tem de resolver os conflitos de interesses que surgem entre osseus membros, filhos, parentes, empregados etc., lanando mo de solues que vai buscar emseu foro ntimo. Estes dois critrios, entretanto, so imperfeitos e insuficientes para resolverconflitos de interesses que surgem nas sociedades humanas, quando estas atingem sua formaplenamente evoluda. a que se apresenta o terceiro critrio, justamente aquele que mais nosinteressa.11.3. O Critrio da Composio Jurdica e suas Caractersticas A composio jurdica sempre feita mediante um critrio elaborado e enunciadoanteriormente, e aplicvel a todos os casos que ocorrerem a [p. 18] partir de ento. So poiscaractersticas do critrio jurdico - a anterioridade, a publicidade e a universalidade. A anterioridade o trao caracterstico e fundamental da composio jurdica, eimplica em dizer que o critrio aplicado preexiste ao conflito. Deve ter sido elaborado antespara poder ser aplicado ao conflito que ocorrer depois. Graas anterioridade, samos dodomnio do puro autoritarismo e entramos no domnio do direito. 25. O que se entende por publicidade? No basta, na composio jurdica, que o critrio tenha sido elaborado antes doconflito. preciso tambm que o critrio tenha sido anunciado, revelado, declarado pelaautoridade que o elaborou; necessrio que se d conhecimento do critrio antes de suaaplicao. Composio jurdica somente aquela que obedece a um critrio anteriormenteelaborado e tambm previamente dado publicidade, tomando-o conhecido. Por universalidade entende-se que o critrio jurdico nunca pode ser cominadoapenas para um determinado caso concreto, mas sim para todos os casos que se apresentaremcom a mesma tipologia. Quer isto dizer que todos os conflitos idnticos que surgirem aps aelaborao e divulgao do critrio devero se compor pelo mesmo critrio, pois isto implicaa universalidade. Alguns autores preferem falar em generalidade em lugar de universalidade,muito embora este ltimo termo seja mais usado. Em suma, para que a composio seja jurdica, tem que ser realizada atravs deum critrio anteriormente estabelecido e perfeitamente enunciado para conhecimento detodos, que atenda universalidade dos casos que se apresentarem dentro do mesmo tipo. Concluindo, destacamos as duas principais funes que o Direito realiza nasociedade. A primeira a de prevenir conflitos, que podem ocorrer tanto nas atividades decooperao como nas de concorrncia. Isto ele faz atravs do adequado disciplinamento dasrelaes sociais. A segunda a de compor conflitos, que acabam por ocorrer no obstante todapreveno exercida pelo direito, e isto ele faz atravs do critrio jurdico.11.4. A Funo Social do Direito na Atual Ordem Jurdica Brasileira Cumpre por ltimo registrar que o Direito no desempenha apenas essas duasfunes na sociedade. Modernamente a sua misso muito mais ampla uma vez que lhe cabe,em ltima instncia, prover o bem comum, que na belssima lio de Miguel Reale no asoma dos bens individuais, [p. 19] nem a mdia do bem de todos; o bem comum, a rigor, aordenao daquilo que cada homem pode realizar sem prejuzo do bem alheio, uma posioharmnica do bem de cada um com o bem de todos (ob. cit., p. 59). O Direito, diz Paulo Nader, na atualidade um fator decisivo para o avanosocial. Alm de garantir o homem, favorece o desenvolvimento da cincia, da tecnologia, daproduo das riquezas, o progresso das comunicaes, a elevao do nvel cultural do povo,promovendo ainda a formao de uma conscincia nacional(ob. cit., p. 27). 26. A atual ordem jurdica brasileira d grande nfase funo social do Direito. AConstituio de 1988, ao garantir o direito de propriedade, ressaltou que ter ela que cumprira sua funo social (arts. 5, XXII, XXIII; 170, III; 182, 4, III; 186). O novo Cdigo Civil,por sua vez, prestigia esta questo a ponto do seu grande coordenador, o jurista Miguel Reale,ter afirmado que a socialidade uma das suas principais caractersticas. Assim como oCdigo Civil de Napoleo foi fruto do liberalismo do sculo XVIII, cuja trilha foi seguidapelo nosso Cdigo de 1916, a viso social do Direito - o Direito como instrumento para aconstruo de uma sociedade mais justa, igualitria e solidria - foi a grande motivao donovo Cdigo Civil. Pode-se afirmar que a passagem do individualismo para o social acaracterstica essencial da evoluo jurdica do nosso tempo. A funo social do Direito consagrada no novo Cdigo Civil no seu art. 422 aodispor que a liberdade de contratar ser exercida em razo e nos limites da funo social docontrato. Temos ali uma clusula geral a ser observada em todo e qualquer contrato, dos maissimples aos mais complexos, e que altera substancialmente o contedo da atividadecontratual. Exige dos contratantes uma postura mais humana, menos individualista,inaugurando um novo tempo no mundo negocial. Quem contrata no mais contrata apenascom quem contrata; contrata tambm com a sociedade. Na jornada de Direito Civil promovidapelo Centro de Estudos Judicirios do Conselho da Justia Federal foi proposta a seguinteinterpretao para esse dispositivo: A funo social do novo Cdigo Civil no elimina oprincpio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princpio, quandopresentes interesses metaindividuais ou interesse relativo dignidade da pessoa humana(enunciado n 23). No artigo 187 do novo Cdigo Civil a funo social do Direito colocada comolimite para o exerccio de todo e qualquer direito, verdadeiro cinto de segurana, alm do qualse toma abusivo. Em outras palavras, o exerccio de todo direito subjetivo est condicionadoao fim que a sociedade se props: a paz, a ordem, a solidariedade e a harmonia coletiva,enfim, [p. 20] ao bem comum, porque o Direito, repita-se, o instrumento de organizaosocial para atingir essa finalidade. San Tiago Dantas assinala: Pode-se dizer que, hoje, maisdo que um direito subjetivo, o que se concede ao indivduo uma proteo jurdica, ou pelomenos um direito subjetivo que no tem no arbtrio do titular a sua nica medida, pois nopoder, em caso algum, ser exercido contra a finalidade social que a lei teve em mira quandoo reconheceu e protegeu. Valer-se do direito para colimar resultados contrrios suainstituio, eis o abuso do direito (Conflito de Vizinhana e sua Composio, 2a ed.,Forense, p.100). 27. Em conformidade com a Constituio, como no poderia deixar de ser, o l doart. 1.228 do novo Cdigo Civil submete o exerccio do direito de propriedade sua funosocial. O direito de propriedade deve ser exercido em consonncia com as suas finalidadeseconmicas e sociais... Ao falar em finalidade social o diploma civil refere-se ao destinosocial da coisa, seu estado normal de servir ao ser humano. Um imvel rural s atende suafinalidade social quando utilizado na produtividade compatvel com sua potencialidade, e noquando destinado a latifndio improdutivo. O imvel urbano tambm tem que ser utilizadoem conformidade com a sua potencialidade - moradia, comrcio, indstria - e no para aespeculao imobiliria. Tambm aqui a finalidade social ope-se ao individualismo, podendoser encontrado um eloqente exemplo disto no pargrafo quarto deste mesmo artigo 1.228 doCdigo Civil: O proprietrio poder ser privado da coisa se o imvel reivindicado consistirem extensa rea, na posse ininterrupta e de boa-f, por mais de cinco anos, de considervelnmero de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras eservios considerados pelo juiz de interesse social e econmico relevante, caso em que serfixada uma justa indenizao ao proprietrio.O que se evidencia, com os exemplos citados, que a socialidade no se resume auma disposio abstrata, mas a um princpio que modernamente alimenta toda a nossa ordemjurdica. [p. 21] 28. Captulo IIICONCEITO SOCIOLGICO DO DIREITO Normas de conduta. Caractersticas das normas de conduta: a obrigatoriedade e a sano. Origem das normas de conduta: a escola monista e a escola pluralista. Provisoriedade e mutabilidade das normas de direito. Conceito sociolgico do direito. ****O Direito, como j ficou assentado, fato social que se manifesta como uma dasrealidades observveis na sociedade. fenmeno social, assim como a linguagem, a religio,a cultura, que surge das inter-relaes sociais e se destina a satisfazer necessidades sociais,tais como prevenir e compor conflitos.Propomo-nos neste captulo a explicitar a concepo do Direito como fato social,formulando um conceito que se enquadre na viso sociolgica do Direito.Conceituar, como sabido por todos, no tarefa simples, arriscando-se aqueleque se empenha em realiz-la a formular um conceito parcial. Essa tarefa se toma ainda maisarriscada quando se trata do Direito. Kant teria afirmado, j no sculo XVII, que os juristasainda esto procura de uma definio para o Direito.Antes de tentar conceituar qualquer coisa, deve o estudante considerar todos oselementos dessa coisa, seus requisitos, caractersticas, finalidade etc., e ento procurar fazer umadescrio de tudo isso. S assim poder chegar perto da realidade na formulao do seu conceito. o que procuraremos fazer com relao ao Direito, lanando mo dos vriosprincpios expostos nos captulos anteriores. [pg. 23]12. NORMAS DE CONDUTASe o Direito, como j vimos, est ligado idia de organizao e conduta, ento deveser ele entendido como um conjunto de normas de conduta que disciplinam as relaes sociais. O 29. mundo do Direito o mundo das relaes entre os homens, pois na conjugao desses doiselementos - a sociedade e o indivduo - encontramos a sua razo de ser. Como tem sido assinaladopor muitos autores, o Direito a nica relao inteiramente determinada pela coexistnciahumana e que se exaure de homem para homem. Cuida, pois, o Direito da disciplina das relaesextrnsecas do homem, cabendo moral a disciplina de suas relaes intrnsecas.No somente as relaes que se travam entre o indivduo e outro indivduo soobjeto do Direito, mas tambm aquelas que se realizam entre o indivduo versus o grupo, ogrupo versus o indivduo e o grupo versus outro grupo.13. CARACTERSTICAS DAS NORMAS DE CONDUTATrata-se de normas de conduta que se destinam a todos, aplicveis a todas asrelaes abrangveis pelo seu escopo. Por isso so chamadas normas universais ou genricas.So tambm abstratas porque no se referem a casos concretos quando de suaelaborao, mas sim a casos hipoteticamente considerados. Assim, por exemplo, quando anorma do art. 121 do Cdigo Penal incrimina a ao de matar, no objetiva concretamente ocaso de A matar B, mas sim qualquer hiptese de homicdio.Portanto, o Direito no se dirige a pessoas determinadas nem a relaesconsideradas individualmente. No regula de forma direta, por exemplo, o contrato celebradoentre A e B em determinado momento e em determinado lugar porque a individualidade doscomandos no prpria do Direito.O carter de generalidade das normas do Direito faz que este tenha em vistaapenas o que na sociedade acontece com mais freqncia. E isso permite, como j assinalado,o prvio conhecimento do critrio a ser aplicado na composio dos conflitos e asseguraigualdade de tratamento s partes. Sabe-se previamente como ser resolvido um determinadotipo de conflito se e quando ocorrer, com a garantia de que as partes nele envolvidas serotratadas da mesma maneira. [pg. 24]13.1. A ObrigatoriedadeEm regra so normas obrigatrias, isto , de observncia necessria. E nempoderia ser diferente, sob pena de o Direito no atingir os seus objetivos. Claro est que, se aobservncia das normas jurdicas fosse facultativa, totalmente incua se tomaria a disciplinapor elas imposta. Seria um tiro sem bala. 30. A obrigao , portanto, elemento fundamental do Direito, embora primeiravista possa parecer paradoxal. Para o pblico em geral, a palavra direito d idia de privilgio,faculdade, regalia, liberdade, ou seja, tudo que oposto obrigao. Dizemos eu tenhodireito a isso ou quilo para indicar algo que nos favorea, e no uma obrigao. Esquecemo-nos, entretanto, que, na exata medida em que o Direito nos confere um beneficio, vantagemou poder, cria uma obrigao ou dever para outrem, e vice-versa.Ento, a noo do Direito est intimamente ligada noo de obrigao. Atmesmo no campo do direito contratual, onde muitos autores acreditam reinar a autonomia davontade a coisa no bem assim, pois na realidade tambm ali essa autonomia move-sedentro de limites extremamente reduzidos.No percebemos que o Direito sobretudo obrigao porque estamos habituadosa obedecer a suas normas, a tal ponto que no lhe sentimos quase o peso, da mesma formaque no sentimos certas imposies fsicas, como a gravidade. Ocorre tambm que, em geral epor definio, essas normas correspondem nossa maneira de pensar e sentir, talo nossocondicionamento social.No momento em que transgredimos qualquer dessas normas, entretanto, tomamoslogo conscincia da sua obrigatoriedade pois temos ento que responder pelas conseqncias.Alguns autores, em lugar de obrigatoriedade, preferem falar em coercibilidade danorma, para indicar que ela envolve a possibilidade jurdica de coao. Esta, a rigor, aprincipal diferena entre a norma jurdica e a regra moral. A moral incompatvel com a foraou coao mesmo quando estas se manifestam juridicamente organizadas. Pondera o festejadoMiguel Reale que a moral o mundo da conduta espontnea, do comportamento queencontra em si prprio a sua razo de existir. O ato moral implica a adeso do esprito aocontedo da regra. S temos, na verdade, moral autntica quando o indivduo, por ummovimento espiritual espontneo realiza o ato enunciado pela norma. No possvelconceber-se o ato moral forado, fruto da fora ou da coao. Ningum pode ser bom pelavio- [pg. 25] lncia (ob. cit., p. 44). tambm por isso que se tem afirmado (Kant foi oprimeiro) ser a Moral autnoma e o Direito heternomo, visto ser posto por terceiros aquiloque juridicamente somos obrigados a cumprir.13.2. A SanoO Direito dirige-se a seres dotados de liberdade, que agem comandados pelavontade. Como podem as pessoas inobserv-lo, tomou-se necessrio estabelecer uma sano, 31. o meio mais eficaz encontrado pela sociedade para tomar a norma jurdica de observncianecessria.A obrigao no pode existir sem sano. Por isso alguns tericos chegam adefinir o Direito como um sistema de sanes.Sano a ameaa de punio para o transgressor da norma. o prometimento deum mal, consistente em perda ou restrio de determinados bens, assim como na obrigao dereparar o dano causado, para todo aquele que descumprir uma norma de Direito. apossibilidade de coao da qual a norma acompanhada.H, em nosso entender, uma pequena diferena entre sano e pena, embora naprtica os autores e a prpria lei no a considerem. Sano a ameaa de castigo para otransgressor da norma, e pena j o prprio castigo imposto; sano a pena abstratamenteconsiderada, e pena a sano concretizada; a sano cominada pelo legislador, e a pena fixada pelo juiz; a sano exerce uma coao psicolgica sobre os indivduos, ao passo que apena exerce uma coao fsica ou material.Essa coao psicolgica, geradora do temor pena, faz com que a maioria seconduza dentro dos limites do Direito. a chamada preveno geral, atravs da qual consegueo Direito evitar a ocorrncia de inumerveis conflitos.Tal coao por Vanni (Lezioni di Filosofia del Diritto) vista como fora psquicado direito, que se dirige vontade, exercendo constrangimento sobre a conscincia.Para uma minoria no basta a coao psicolgica, acabando por transgredir asnormas, na esperana de no ser punida. Para esses destina-se a coao fsica ou material. Aautoridade pblica aplica a pena, empregando o poder coercitivo de que dispe para punir oresponsvel pelo ilcito. o remdio extremo usado contra uma minoria que no observa asnormas, no empenho de lev-la a respeitar o Direito, livrando a sociedade de sua condutaperniciosa. a chamada preveno especial. [pg. 26]14. ORIGEM DAS NORMAS DE CONDUTAJ vimos, logo no primeiro captulo, que esta uma questo discutida, havendoaqueles que entendem serem as normas de origem divina, outros, frutos da razo, daconscincia coletiva ou do Estado. Para a sociologia jurdica, entretanto, no h comotergiversar: as normas de Direito emanam do grupo social.Sobre o grupo social que deve estabelecer as normas de Direito, as opinies sedividem em duas escolas. 32. 14.1. A Escola MonistaEnglobando quase todos os juristas, esta escola entende que apenas um tipo degrupo social- o grupo poltico - o Estado devidamente organizado -, est apto a criar normasde direito.A doutrina monista, que se encontra mais prxima das teorias de Hegel, Marx eKelsen, sendo igualmente ensinada pelos puristas clssicos, pode ter sua razo de ser no quese refere cincia do Direito, mas no com relao sociologia jurdica. Um simples olharsobre a vida social nos convence de que existiram prescries jurdicas antes de a sociedadeorganizar-se em Estado, e que ainda existem prescries, mesmo nas sociedades j poltica ejuridicamente organizadas, alm das que foram impostas pela autoridade poltica.Houve e ainda h direitos supranacionais e infranacionais que no emanam dacompetncia dos rgos da sociedade global, como por exemplo o direito religioso de vriospovos, o direito cannico, muulmano, judaico etc.Henri Levy Brhl (Sociologia do Direito, p. 29) cita como exemplo de direitosupranacional as instituies consuetudinrias profissionais, que se difundiram em inmerasregies, sem considerar fronteiras entre Estados nem a nacionalidade dos interessados. A maiscaracterstica dessas instituies foi o direito mercantil (jus mercatorium), muito divulgado naIdade Mdia e observado to escrupulosamente quanto qualquer outra lei nacional.14.2. A Escola PluralistaA escola pluralista que, alm de alguns juristas, compreende socilogos efilsofos, considera que todo agrupamento de certa consistncia ou [pg. 27] expresso podeoutorgar-se normas de funcionamento que, ultrapassando o carter de simples regulamentos,adquirem o alcance de verdadeiras regras jurdicas. Segundo Henri Levy Brhl, o principaladepto da doutrina pluralista G. Gurvitch, que a defendeu em diversos trabalhos.Inocncio Galvo Telles, catedrtico da Faculdade de Direito de Lisboa, bemsintetiza esta questo na lio que segue: O Direito necessrio. No uma criaoarbitrria; existe imprescindivelmente. Os homens, sem dvida, em fase adiantada doprogresso, intervm na sua criao. A nossa Assemblia Nacional, o nosso Governo, comfreqncia criam Direito, atravs de leis, decretos-leis, regulamentos. H a uma atividaderacional, orientada no sentido da formao do Direito, nos termos que aos governantes seafiguram como os melhores para satisfazer as necessidades e exigncias da vida. Mas, ainda 33. que no houvesse esta criao racional e um pouco artificial, o Direito necessariamentebrotaria como florao espontnea da sociedade. Foi assim que aconteceu noutros tempos soba forma de costumes, e isso mostra o carter necessrio do Direito (Introduo ao Estudo doDireito, 9 ed., Lisboa, Livraria Petrony, vol. I, p. 27).15. PROVISORIEDADE E MUTABILIDADE DAS NORMAS DE DIREITOOs defensores do direito natural, conforme j assinalamos, tanto os que oconcebiam como tendo origem na Divindade como aqueles que o entendiam fruto da razo,consideravam o direito um conjunto de princpios permanentes, estveis e imutveis.Tal concepo, entretanto, no se ajusta ao ponto de vista sociolgico, que oconsidera produto social. Se o Direito emana do grupo social, no pode ter maior estabilidadeque o grupo. E o grupo, como sabido, sofre constantes modificaes.Se pudssemos isolar um grupo por um perodo de dez ou vinte anos, mesmoassim haveramos de constatar, no fim desse tempo, que o grupo social havia sofridoprofundas modificaes: os adultos envelheceram, os jovens tornaram-se adultos, as crianastornaram-se jovens, com concepes e vises diferentes da vida.Assim porque o prprio ser humano est em constante mudana: mudam oshbitos, pensamentos etc. da criana para o adolescente, do adolescente para o jovem, dojovem para o adulto, do adulto para o velho, embora muitas vezes nem se perceba a mudana.Da a razo do eterno choque de geraes entre jovens e adultos. Mudamos em nossa maneirade ser e [pg. 28] queremos que os jovens de hoje se comportem como ns, que contestvamosna juventude exatamente aquilo que agora pensamos e fazemos.J os filsofos gregos haviam chamado a ateno para essa permanentemutabilidade das coisas e do prprio homem. Herclito, um dos mais destacados, afirmava:Panta rei - tudo passa, tudo muda, tudo est em constante transformao.Imaginemos agora o que se passa nos grupos modernos, onde h uma constantetroca de influncias recprocas possibilitada em razo dos modernos meios de transporte ecomunicao. Mal um fato ocorre aqui, o outro lado do mundo toma conhecimento quaseimediatamente, e vice-versa. O mesmo acontece com hbitos, costumes, moda etc.Evidentemente, as mudanas nos grupos modernos so bem mais rpidas e constantes do quenos grupos primitivos. Como pode o Direito, sendo originrio do grupo, permanecer imutvel,quando esse mesmo grupo se modifica constantemente? 34. Mudando o grupo, mudam-se tambm as normas de Direito, razo pela qual, doponto de vista sociolgico, no tem o Direito carter estvel ou perptuo, mas simessencialmente provisrio, sujeito a constantes modificaes. A observao, assinalou Levy (ob. cit., p. 33), prova de maneira clara que oDireito est sujeito a transformaes contnuas, pois o simples confronto com os diferentessistemas jurdicos do passado ou dos pases estrangeiros basta para dar idia da prodigiosadiversidade das normas de direito aplicadas na superfcie do globo. Aqui mesmo em nosso pas profundas modificaes foram feitas em nossa ordemjurdica para ajust-la s novas realidades sociais decorrentes das transformaes por quepassamos nas ltimas dcadas. Tivemos uma nova Constituio em 1988 que, por sua vez, jsofreu mais de quatro dezenas de emendas; o Cdigo de Processo Civil sofreu uma srie dealteraes e outras precisam ser feitas com urgncia; espera-se para breve um novo Cdigo deProcesso Penal e, para no nos alongarmos, em 2002 entrou em vigor um novo Cdigo Civilem relao ao qual j se fala em mudanas. To incontestvel o carter provisrio do direito que alguns adeptos do direitonatural conceberam uma noo que denominaram direito natural de contedo varivel. Destaca-se, por derradeiro, como j ficou demonstrado, que em qualquer tipo deatividade realizada pelo indivduo na sociedade, seja de cooperao ou de concorrncia,podem surgir conflitos e que o Direito se prope [pg. 29] primeiramente a preveni-los;quando no consegue impedir que ocorram, empenha-se em comp-los.16. CONCEITO SOCIOLGICO DO DIREITO Juntando todas as caractersticas at aqui examinadas, formulamos o seguinteconceito de Direito: conjunto de normas de conduta, universais, abstratas, obrigatrias emutveis, impostas pelo grupo social, destinadas a disciplinar as relaes externas doindivduo, objetivando prevenir e compor conflitos. Trata-se de normas universais porque se destinam a todos; abstratas porque soelaboradas para casos hipoteticamente considerados; obrigatrias porque so de observncianecessria, coercitiva; mutveis porque sujeitas a constantes transformaes; impostas pelogrupo e no somente pelo Estado. [pg. 30] 35. Captulo IV FATORES DA EVOLUO DO DIREITO Fatores econmicos: influncia do fator econmico sobre o Direito Romano e sobre o Direito Moderno. Fatores polticos. Fatores culturais: concepo de cultura. Fatores religiosos. Outros fatores sociais. ****O Direito, em sua concepo sociolgica, um produto de mltiplas influnciassociais. No so regras permanentes e inalterveis, mas sim, como vimos no captulo anterior,sujeitas a constantes modificaes, porque se originam no grupo social- e o grupo est empermanente transformao.Tal como a agulha magntica sob a ao de uma corrente eltrica, h fatores queagem sobre o Direito, fazendo-o oscilar. Observa-se aqui, com muita nitidez, a influnciacondicionante da sociedade sobre o Direito enquanto fato, da qual falava Siches, tomando-oum produto de processos sociais (vide captulo VIII).Inicialmente pode-se dizer que, sendo o Direito uma decorrncia das relaessociais, um produto da sociedade, tudo o que agir sobre a sociedade produzir reflexo tambmsobre o Direito.Inmeros so pois os fatores sociais que concorrem para a evoluo do Direito,no sendo possvel, neste modesto trabalho, examin-las todos. Vamos apenas destacaraqueles que, em nossa opinio, so os principais, a saber: os fatores econmicos, polticos,culturais e religiosos.17. FATORES ECONMICOSA estrutura econmica de uma sociedade reflete-se diretamente no seuordenamento jurdico. O sistema de propriedade, as formas de produ- [pg. 31] o (indstria, 36. agricultura etc.), as relaes entre empregados e patres - tudo isso se reflete na ordemjurdica, influenciando-a.A organizao social tem o seu ponto bsico de articulao no modo pelo qual oshomens produzem, possuem e comerciam. Assim sendo, podemos afirmar, sem possibilidadede erro, que o Direito vai se modificando medida que vai se alterando a estrutura econmicada sociedade.To marcante a influncia da economia sobre o Direito que alguns autoreschegam a se posicionar no sentido de conceber o Direito como reflexo, exclusivamente, daconstituio econmica, como por exemplo K. Marx e F. Engels, criadores do materialismohistrico. Para eles, o fator econmico era a mola mestra da histria, os demais fenmenosculturais no passando de simples reflexos superestruturais das foras genticas armazenadaspelas relaes econmicas de produo.Seligman, citado por Hermes Lima (Introduo Cincia do Direito, p. 293),afirma que todo o desenvolvimento jurdico toma-se inexplicvel se o isolam das foraseconmicas. Nesse sentido, o fato econmico a causa, a situao legal, o resultado.Achille Loria (ob. cit., p. 293), que dedicou especial ateno s relaes entredireito e economia, assinala que raas e naes as mais diferentes tm de sujeitar-se aomesmo direito quando so iguais as relaes econmicas nelas dominantes e que a naosofre mutao radical do prprio direito quando, com o crescimento da populao, suaestrutura econmica se transforma.Sem dvida constitui exagero considerar o Direito reflexo exclusivo daconstituio econmica, embora no se possa negar que, entre as foras modeladoras doDireito, o fator econmico o que exerce uma influncia mais decisiva, ainda que seguido demuito perto pelo poltico.17.1. Influncia do Fator Econmico sobre o Direito RomanoEm Roma, como observou Levy Brhl (ob. cit., pp. 80 e segs.), a sociedadeinicialmente compunha-se de camponeses que viviam da lavoura; tinham que tirar da terra oseu sustento.Ora, os costumes desses camponeses, na medida em que nos so acessveis, eramos que mais convinham a agricultores. Caracterizavam-se por forte concentrao de poderesnas mos do pater famlias e rgida disciplina domstica. 37. Todos os membros do grupo domstico estavam submetidos autoridade dochefe, o nico dotado de capacidade jurdica. Os demais membros [pg. 32] no tinhamqualquer iniciativa, nem autonomia, no importando idade ou situao social. Uniam-se todosem tomo do pater familias para a produo dos bens necessrios sobrevivncia do grupo.Tal direito estava perfeitamente adequado a uma sociedade de pequenosagricultores.A pelo III sculo antes de Cristo, os agricultores romanos tomaram-secomerciantes. Lanaram-se ao mar, entraram em contato com outros povos, dedicaram-secom grande intensidade compra e venda de mercadorias.Essa modificao na estrutura econmica imediatamente repercutiu no direito. Aorganizao da famlia tomou-se menos rgida, passando a ser submetida ao controle dasociedade global e no mais exclusivamente ao pater familias. Encontrou-se um meio paraliberar o filho da tirnica autoridade do pai - a emancipao; outro meio para libertar a mulhercasada da autoridade do marido - o casamento sine manu; multiplicaram-se os sistemas demanumisso de escravos; o formalismo atenuou-se com a introduo da noo de boa-f nodireito, indispensvel no comrcio, e operaes foram inventadas para as quais o simplesconsentimento podia gerar obrigaes; os estrangeiros deixaram de ser tratados comoinimigos e passaram a ser amigos.17.2. Influncia do Fator Econmico sobre o Direito ModernoAlgo idntico ao ocorrido em Roma desenvolveu-se quando da criao da grandeindstria e do maquinismo, no fim do sculo XVII. Surgiu uma nova classe, enriquecida pelaposse de capitais mobilirios, em decorrncia do enfraquecimento correlativo dosproprietrios de terras. A burguesia ascendeu ao poder poltico.Aos poucos foram surgindo os grandes organismos econmicos, nacionais emultinacionais, acarretando isso tudo um tremendo abalo na ordem jurdica. Novos ramos dodireito foram brotando no velho tronco do Direito Civil e aos poucos ganhando autonomia,tais como o direito comercial, do trabalho, industrial, econmico etc.Lembra Machado Neto (Sociologia Jurdica, p. 244): A prpria instituio daescravido, sua substituio pelo servilismo durante o regime feudal e sua posterior superaopelo assalariado na moderna sociedade burguesa, so transformaes econmicas derepercusso imensa sobre o status pessoal em geral, e sobre a condio jurdica do homemtrabalhador em particular. [pg. 33] 38. Cumpre ainda assinalar que, na estrutura jurdica atual, apresentam inegvelrepercusso econmica: o Direito Civil, na parte que se refere s obrigaes, contratos,direitos reais, sucesses; o direito comercial, do trabalho, tributrio etc. O prprio DireitoPenal, que mantm maior distncia do econmico, no foge regra, principalmente no que dizrespeito aos crimes contra o patrimnio, falimentares e a ordem econmica.18. FATORES POLTICOSA palavra poltica, embora ligada etimologicamente a polis (cidade),modernamente utilizada para designar a cincia e a arte de governar, abrangendo as relaesentre o indivduo e o Estado, as relaes dos Estados entre si, bem como as funes eatribuies do Estado.Se bem examinarmos o conjunto de atribuies do Estado, veremos que exatamente atravs da regulamentao jurdica que o Estado as exerce. Por isso j houvequem identificasse Estado e Direito (vide Teoria Marxista, primeiro captulo) e ainda hoje aperspectiva da maioria dos juristas em face do Estado. que os juristas enfocam o direitoexclusivamente pelo ngulo da cincia jurdica, pelo seu aspecto normativo puro, como j ofazia Kelsen, razo pela qual sua teoria foi to mal compreendida pelos socilogos.Sem entrar em polmica, voltamos a enfatizar que do ngulo sociolgico em quenos situamos h uma ntida distino entre o Direito e o Estado, embora no se possa negar aproximidade em que se situam, este se realizando socialmente atravs daquele.A apario do poder poltico, como observou Nordi Greco (Sociologia Jurdica,Ed. Atalaya, 1949, p. 310), longe de ser o responsvel pela gnese do direito, apenas umevento que exerce uma reao grave e imediata, tanto na funo e estrutura jurdicas, comosobre o contedo do direito.Por essa razo, o regime poltico de um pas exerce influncia direta sobre suasregras de Direito Pblico e at de Direito Privado. Segundo o regime em que se vive,monrquico, aristocrtico, feudal ou democrtico, o Direito Constitucional - a esttica doEstado, bem como o Direito Administrativo e o Direito Fiscal - a sua dinmica, apresentaropeculiaridades.A prpria organizao da famlia, a aquisio e o uso da propriedade, a livreiniciativa comercial ou econmica, as relaes entre empregados e patres etc., assumiroaspectos variantes, de maior ou menor rigidez, dependendo dos fatores polticos vigentes. [pg. ] 39. O atual momento poltico brasileiro oferece eloqente exemplo disto. To logochegou ao poder o Partido dos Trabalhadores, o Presidente Luiz Incio Lula da Silvaarregimentou foras polticas para realizar profundas reformas constitucionais, como as daPrevidncia e a Tributria que afetaro muitos milhes de brasileiros, sendo ainda certo queoutras esto em andamento, igualmente de grande repercusso social - a reforma doJudicirio, a Poltica e a Trabalhista.A influncia dos fatores polticos sobre o Direito toma-se mais patente no caso derevoluo. Mal concluda a tomada do poder pelo grupo revolucionrio, surge um Direitonovo, substituindo aquele que servia de sustentculo normativo ao sistema social, poltico eeconmico contra o qual a revoluo se lanou.A revoluo, anota Paulo Nader, um acontecimento poltico motivado pelainsatisfao social quanto s instituies e regime vigentes. Caracteriza-se por dupla ao:intelectual e de fora. Pressupe idealismo, que se funda em novas concepes, em umaideologia que se pretende implantar na organizao social. Imbudo pelo chamado espritorevolucionrio, o grupo que destituiu os governantes e assume o poder deve iniciar o trabalhode reformulao social, de acordo com a filosofia preconizada. com essa mudana efetivaque a revoluo se completa. Se o movimento contraria o sistema de legalidade do Estado,possui o poder de instituir uma nova ordem jurdica. A legitimidade do Direito criado baseia-se no apoio popular, pois a revoluo implica adeso social. A possibilidade de instaurao deum novo Direito, notadamente o Constitucional, bsica, pois a luta revolucionria exige umnovo instrumental jurdico capaz de dar validade e eficcia s transformaes que visa aoperar no quadro social (ob. cit., p. 56). Esse novo Direito, refletindo as novas tendnciaspolticas, traz no seu bojo a inteno de legitimar e justificar o poder, com o que se fecha ociclo revolucionrio.Assim foi na Grcia com a Legislao de Slon, como lembrou Machado Neto(ob. cit., p. 161), que significou a superao de uma questo social; assim foi em Roma com aLei das XII Tbuas, que estabeleceu uma nova relao entre patrcios e plebeus; assim nomundo medieval com a Magna Carta (1215); assim no mundo contemporneo, com aDeclarao dos Direitos do Homem e a Legislao Napolenica, decorrentes da vitria darevoluo francesa; e assim at mesmo no Brasil, no que diz respeito s nossas constituiesde 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988. A primeira resultou da revoluo daindependncia; a segunda, da repblica; a terceira, das revolues de 1930 e 1932; a quarta,do advento do fascismo e [pg. 35] do Estado Novo; a quinta, da redemocratizao do pas 40. aps a guerra que derrotou o fascismo no plano internacional; a sexta, da revoluo de 1964; altima, da redemocratizao do Estado Brasileiro. Dentre as principais conseqncias da atuao dos fatores polticos, sobre odireito, mencionados por Machado Neto (ob. cit., pp. 305-306), destacamos as seguintes: 1) O direito sofre, necessariamente, o impacto de uma tendncia centralizadora. Da norma indiferenciada passa-se centralizao jurisdicional e da centralizao legislativa. 2) Criam-se condies objetivas para o aparecimento gradativo da distino entre direito pblico e privado: o primeiro como a regulamentao da conduta dos indivduos naqueles pontos que mais de perto dizem respeito ao interesse coletivo ou estatal; e o segundo, em que o interesse dominante o dos particulares. 3) Aparecimento das condies objetivas para o direito separar-se das normas sociais: o direito passa a ser a norma estatal por excelncia; a moral e as normas do trato vo aparecer como as formas especficas da socializao, quando esta realizada diretamente pela sociedade e pelos diversos grupos sociais extra-estatais.19. FATORES CULTURAIS Se compararmos o direito de uma sociedade culturalmente desenvolvida com o deoutra inculta, constataremos imediatamente a necessria harmonia existente entre a ordemjurdica e os fatores de cultura. O direito evolui acompanhando a evoluo cultural, a ponto depodermos afirmar ser ele o aspecto cultural de um povo. Cada povo tem sua peculiaridade, sua tendncia ou dom natural. A Grcia, porexemplo, notabilizou-se pela arte, pela cultura; os hebreus pela religio; os fencios pelanavegao; Roma pelo direito. Pois o direito de cada um desses povos reflete o aspectocultural em que mais se desenvolveram, e quando a cultura de um colocada em contato coma de outro, h influncias recprocas sobre o direito de cada um. A conquista da Grcia, como sabido por todos, exerceu influncia decisiva, no apenas nas artes e na literatura romanas,mas tambm nas suas instituies jurdicas.19.1. O Que Cultura? H na mitologia grega um personagem, lembrado por Machado Neto (ob. cit., p.156), que bem ajuda nessa tarefa de conceituar a cultura. [pg. 36] 41. Quando da criao do mundo, Epimeteu conseguiu para os animais, seus protegidos,tudo aquilo que lhes era necessrio para a sobrevivncia: dentes fortes e agudos, foradescomunal, plos abundantes, chifres pontiagudos, cascos resistentes, espinhos, carapaas,destreza invulgar etc. Para o homem nada restou, ficando ele nu e desamparado na natureza.Foi ento que Prometeu, com pena do homem, subtraiu um archote do carroflamejante de Zeus e deu-o de presente humanidade.Indignado com a ousadia de Prometeu, amigo dos homens, o rei dos deusessubmeteu-o a cruel castigo, acorrentando-o ao Cucaso, onde um abutre vinha periodicamentedevorar-lhe o fgado. Assim agira Zeus porque sabia que, de posse do fogo divino, o homemse tomaria um verdadeiro semideus, de criatura passaria a criador, capaz de transformar emutilidade, em armas de defesa e ataque, tudo aquilo em que colocasse as mos.Na verdade assim foi, pois com base nos conhecimentos que adquiriu edesenvolveu, o homem transformou pedra em machado, pele de animais em vesturio, metaisencontrados na natureza em mquinas e instrumentos agrcolas. Com o seu desenvolvimentocultural conseguiu dominar as foras da natureza, domesticar os animais, disciplinar alavoura, criar a arte, a cincia, a religio, a tcnica, o direito, a filosofia, a msica, enfim,levar ao infinito os seus conhecimentos.Cultura isso. Numa definio simplista, cultura tudo aquilo que o homemacrescenta natureza. So conhecimentos que vo se formando, transmitindo-se a outrasgeraes como autntica herana social.Na definio de Taylor, citado por Hermes Lima (ob. cit., p. 13), cultura o conjuntode conhecimentos, crenas, artes, de regras morais, jurdicas e de costumes, e de quaisquer outrasaptides do homem, por ele adquiridas em sua condio de membro da sociedade.Nos tempos modernos, a intercomunicao social poderoso fator de formao edesenvolvimento cultural, ao passo que o isolamento retarda o progresso da cultura do povo,gerando a estagnao e a imobilidade, como ocorreu nas ltimas dcadas com a China.A maior evidncia de ser o Direito uma manifestao de cultura social, umfenmeno cultural, est no fato de surgirem novos ramos do Direito medida que se expandeo mundo cultural do povo. Falamos hoje em Direito Espacial, Nuclear, das Telecomunicaesetc., realidade somente possvel graas ao progresso cientfico dos tempos modernos.20. FATORES RELIGIOSOSNos povos antigos, o direito no se diferenciava da religio. Praticamente seconfundiam porque o poder, a autoridade, o direito e a religio [pg. 37] emanavam da mesma 42. divindade, e quase sempre estavam centralizados nas mos da mesma pessoa. Quando o chefepoltico no era tambm o lder religioso, este partilhava do poder, exercendo imensainfluncia sobre o povo.Em alguns povos, como os egpcios, hebreus, caldeus, torna-se difcil distinguirlegislador e profeta, jurista e sacerdote, cdigo e livro sagrado, lei e tabu, crime e pecado,processo e ritual, pena e purgao do pecado. As legislaes eram, portanto, repletas derituais, preceitos e proibies de ordem religiosa.Os primeiros intrpretes do direito foram os sacerdotes, homens talhados para talofcio pela natureza das ocupaes que desempenhavam nas sociedades rudimentares. Tinhama posse dos postos de comando (legisladores, chefes militares, conselheiros), o quecorrespondia posse tambm da riqueza e dos privilgios. Os sacerdotes contavam com acrena popular que os considerava inspirados pelos deuses, e cercavam o direito de umformalismo terrvel, convertendo-o em cincia de iniciados, inacessvel ao povo. Tudo eraconservado em segredo na mesma famlia, transmitindo-se de pai para filho o monoplio deconhecer o direito.Somente aps um lento e prolongado processo de secularizao, sob o impacto decivilizaes mais adiantadas, o direito foi se separando da religio - o mundo profano dosagrado.Hoje, pode-se dizer, de um modo geral que a religio se ocupa com o foro ntimo,com a conscincia pessoal, ao passo que o direito trata do foro externo; a religio se preocupacom as relaes entre o homem e a divindade, o direito disciplina as relaes sociais que setravam entre o homem e o homem, ou entre o homem e o grupo.20.1. Influncia da Religio sobre o DireitoAlguns sistemas jurdicos, tal como entre os povos antigos, ainda hoje estoprofundamente impregnados de religio, a exemplo do que ocorre no Mundo Islmico, onderegras jurdicas e religiosas praticamente se confundem. Entretanto, mesmo os sistemasjurdicos leigos, onde religio e direito no se confundem e a Igreja est separada do Estado,no deixam de receber a influncia constante dos fatores religiosos.Como exemplo lembramos as transformaes ocorridas no Direito romano, noque diz respeito a casamento, divrcio, filiao, estado jurdico da mulher etc., quando sedefrontou com as idias crists nos sculos III e IV de nossa era. Na Idade Mdia, quando daformao do Direito cannico, a religio continuou exercendo largamente a sua influncia, 43. culminando [pg. 38] com a criao de novas instituies. Nos dias atuais, os pases ondepredomina o protestantismo so bem mais liberais para com certos assuntos jurdicos do queaqueles onde predomina o catolicismo. O divrcio, por exemplo, foi aprovado no Brasildepois de longa e sistemtica campanha contrria que a Igreja Catlica lhe moveu. E at hojeno temos leis regulamentando o controle da natalidade em razo da acirrada oposio quesetores conservadores religiosos lhe fazem.20.2. Outros Fatores Sociais Esses so os principais fatores sociais da evoluo do Direito, mas como estes,muitos outros existem a exercer idntica influncia, pois, sendo o direito um fenmeno social,atuam sobre ele todos os fatores que atuam sobre a sociedade. O clima, o territrio, o nmerode habitantes, os recursos naturais, os grupos organizados, e a prpria opinio pblicadespertada pela mdia a respeito de algum caso rumoroso, so outros tantos fatores daevoluo do Direito. Serve-nos de bom exemplo o recente Estatuto do Desarmamento que, aopromulg-lo, o Presidente Lula disse que essa nova lei expressa a vontade unnime dasociedade. H, na realidade, a generalizada convico de que a quantidade de armas emcirculao, em poder da populao, causa direta dos altos ndices de violncia. Pelo menos amaioria dos homicdios no ocorreria se o agressor no estivesse armado, o que j no seriapouco. Em vinte anos (1979/1988) meio milho de pessoas foram assassinadas no Brasil,segundo levantamento do Ministrio da Justia. Esse nmero de homicdios representametade dos mortos nos oito anos de guerra Ir-Iraque, na dcada de 1980, e a sexta parte dosmortos na Guerra do Vietn, um dos conflitos mais violentos do final do sculo XX. Entre ospases que no enfrentam guerra civil, o Brasil detm o recorde de mortes por arma de fogo.Em termos absolutos, o estado mais violento So Paulo, palco de 6.429 assassinatos entrejaneiro e junho de 1999. Em seguida vem o Rio de Janeiro com 3.045 homicdios. Segundo oex-ministro da Justia Renan Calheiros, o Brasil o campeo mundial em homicdios.Afirmou ele ainda que mais de 90% desses homicdios, em que criminosos e vtima no seconhecem, no so esclarecidos (O Globo, 18.07.2000). Entretanto, a aprovao da Lei do Desarmamento no foi nada fcil. O PresidenteFernando Henrique no conseguiu fazer andar o seu projeto de lei a respeito da matria,mesmo depois de fazer do envio da mensagem ao Congresso uma festa pblica e umcompromisso. O Lobby contra o projeto, [pg. 39] organizado principalmente por fabricantesde armas e munio, foi mais forte. Para vencer essa resistncia foi necessria uma grande 44. mobilizao da opinio pblica, para o que a mdia e as associaes civis muito contriburam,organizando e divulgando grandes manifestaes em passeatas, no Rio de Janeiro e em todo oBrasil. A batalha, entretanto, no est ganha. A lei precisa ser regulamentada, e oslobistas das armas certamente voltaro luta para tentar influir nessa etapa. E aregulamentao pode decidir a sorte da legislao. Como disse Rubem Csar Fernandes,diretor do Viva Rio, fcil a lei no pegar: basta todo mundo achar que a batalha j estganha. Com efeito, daqui a menos de dois anos haver um referendo popular que decidirsobre a proibio ao comrcio de armas no pas. Se a opinio pblica no continuar informadae motivada tudo poder retomar estaca zero. Conclumos este captulo com as palavras do saudoso e sbio Oscar Tenrio, avida das normas jurdicas no eterna; elaboradas para as relaes dos homens em sociedade,tm o seu destino condicionado ao substractum social que elas disciplinam e ordenam (Leide Introduo ao Cdigo Civil Brasileiro, Borsoi, 1955, p. 64). As mudanas na sociedademais cedo ou mais tarde refletem em mudanas na legislao em vigor ou em uma novainterpretao dada a normas anteriores. [pg. 40] 45. Captulo V FONTES DO DIREITOConceito de fonte e espcies: fontes materiais ou de produo;fontes formais ou de conhecimento. As fontes mais importantes do ponto devista sociolgico. O costume - conceito e elementos. Origem e expanso docostume. O papel do costume. Espcies de costume. A jurisprudncia: o papelda jurisprudncia em Roma e nas sociedades modernas; o papel dajurisprudncia nas sociedades legalistas. Exemplos de jurisprudnciatransformada em lei. Relao entre a jurisprudncia e o costume. A lei.Semelhana e distino entre a lei e o costume. Sistema preferido - o costumeou a lei?****O tema relacionado s fontes do Direito normalmente abordado por todas asobras de Introduo Cincia do Direito, decorrendo da a indagao: por que tambmexamin-lo num compndio de Sociologia Jurdica? que a Sociologia Jurdica, como j vimos, enfoca o Direito por aspecto prprio,peculiar - o fato social, e disso decorrem pontos de vista especiais com relao s suas fontes.Teremos oportunidade de ver que as principais fontes do Direito para a Sociologia Jurdicano so as mesmas para a Cincia do Direito, que o enfoca pelo aspecto normativo.Ademais, o exame do tema proposto ajudar o estudante a ver com mais clareza asdistines entre a Sociologia Jurdica e a Cincia Jurdica.21. CONCEITOS E ESPCIESA p