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Programa de Pós-Graduação em Jornalismo – POSJOR/UFSC | PROJETO DE PESQUISA Pesquisador: Jorge Kanehide Ijuim Título: Ciência moderna e o fazer jornalístico: influências e aproximações Período de execução: Agosto/2012 – Julho/2014 Linha de Pesquisa: 1. Jornalismo, Cultura e Sociedade Grupo de Pesquisa: Fundamentos do Jornalismo Financiamento: Capes – Estágio sênior (parcial- ago/2012 – jul/2013) 1. Apresentação: As bases para o Jornalismo Moderno foram estabelecidas no Século XIX, quando a Imprensa institucionalizou-se como empresa de comunicação – produto e produtora da Indústria Cultural. Esta transformação aconteceu no clima e na circunstância da predominância do pensamento funcional- positivista. Ao mesmo passo que o espírito Comteano contribuiu para a modernização do fazer jornalístico, este pensamento dominante estimulou posturas que tornam discutíveis as ações deste jornalismo, como a crença na possibilidade de verdades absolutas, o privilégio individual sobre o coletivo, o primado da ciência sobre a sabedoria popular. Os objetivos do presente projeto de pesquisa são, primeiro, aprofundar o conhecimento sobre o pensamento científico, em especial nas ideias de Fritjof Capra, Edgar Morin e Boaventura de Sousa Santos, autores que têm refletido a ciência moderna por uma abordagem mais contemporânea. Numa perspectiva histórico-cultural, torna-se também necessária a discussão sobre os contextos em que o pensamento científico e o fazer jornalístico se entrecruzam. Na mesma linha de reflexão de Cremilda Medina, há que se compreender aspectos e influências para a construção teórica do jornalismo. Como decorrência, o segundo objetivo é averiguar como o amadurecimento destas podem contribuir para a construção de uma crítica aos modelos de jornalismo – ainda com evidência positivista. Com a construção dessa crítica, poderei estabelecer estratégias relevantes para, oportunamente, investigar vários questionamentos que perturbam acadêmicos e profissionais. 1

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Programa de Pós-Graduação em Jornalismo – POSJOR/UFSC | PROJETO DE PESQUISA

Pesquisador: Jorge Kanehide Ijuim

Título: Ciência moderna e o fazer jornalístico: influências e aproximações

Período de execução: Agosto/2012 – Julho/2014

Linha de Pesquisa: 1. Jornalismo, Cultura e Sociedade

Grupo de Pesquisa: Fundamentos do Jornalismo

Financiamento: Capes – Estágio sênior (parcial- ago/2012 – jul/2013)

1. Apresentação:

As bases para o Jornalismo Moderno foram estabelecidas no Século XIX,quando a Imprensa institucionalizou-se como empresa de comunicação –produto e produtora da Indústria Cultural. Esta transformação aconteceu noclima e na circunstância da predominância do pensamento funcional-positivista. Ao mesmo passo que o espírito Comteano contribuiu para amodernização do fazer jornalístico, este pensamento dominante estimulouposturas que tornam discutíveis as ações deste jornalismo, como a crença napossibilidade de verdades absolutas, o privilégio individual sobre o coletivo, oprimado da ciência sobre a sabedoria popular.

Os objetivos do presente projeto de pesquisa são, primeiro, aprofundar oconhecimento sobre o pensamento científico, em especial nas ideias de FritjofCapra, Edgar Morin e Boaventura de Sousa Santos, autores que têm refletido aciência moderna por uma abordagem mais contemporânea. Numa perspectivahistórico-cultural, torna-se também necessária a discussão sobre os contextosem que o pensamento científico e o fazer jornalístico se entrecruzam. Na mesmalinha de reflexão de Cremilda Medina, há que se compreender aspectos einfluências para a construção teórica do jornalismo. Como decorrência, osegundo objetivo é averiguar como o amadurecimento destas podem contribuirpara a construção de uma crítica aos modelos de jornalismo – ainda comevidência positivista. Com a construção dessa crítica, poderei estabelecerestratégias relevantes para, oportunamente, investigar vários questionamentosque perturbam acadêmicos e profissionais.

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2. Problematização:

O Jornalismo como o conhecemos hoje é fenômeno desenvolvido por umapráxis que remonta a experiência europeia desde o Século XVII. Comoinstrumento da burguesia, serviu inicialmente aos interesses econômicos e,quando esta burguesia aspirou a conquista dos palácios, transformou-se emtribuna para seus pontos de vista políticos e ideológicos. De veículo dedivulgação de informações úteis, passou a ser meio de difusão de ideias e ideaisdessa burguesia em ascensão. Produto e produtor da cultura da modernidade,institucionalizou-se como Imprensa no Século XIX, quando o fazer jornalísticopassou de atividade artesanal para empresa de comunicação de massa, umveículo da Indústria Cultural, e adotou os mesmos métodos e procedimentos deuma fábrica do sistema capitalista.

Diante desse contexto, o Jornalismo inspirou algumas finalidades distintas paradescrever a realidade social. Conforme interpreta Vladimir Hudec,

“O jornalismo orienta socialmente o público, formula e exprimeas suas diferentes opiniões, atitudes e ações sociais, as suasconcepções de mundo, dá uma ideia dos múltiplos fenômenos,processos e tendências contemporâneos em toda a suacomplexidade, das leis que determinam a função e odesenvolvimento da vida econômica, sociopolítica, intelectual eideológica da sociedade, a partir de posições partidárias e declasse” (1980, p. 36-37).

Para tanto, o autor tcheco destaca a necessidade de uma seleção de informaçõesde acordo com “algum ponto de vista ou intenção específicos [...]”, queenvolvem “interesses ou objetivos que determinam o conteúdo ideológico epolítico da informação [...]” (Hudec, 1980, p. 41).

Por uma linha de raciocínio semelhante, José Luis Martinez Albertos salientaque a Imprensa atende tanto a fins puramente comerciais, regidos pelo sistemaliberal-capitalista, e a fins sociais, movidos pelo sistema comunista.Independente das diferenças de natureza ideológica, destaca Albertos, há finsespecificamente jornalísticos como

...dar noticias acerca de hechos comprobables (informar) yemitir juicios de valor acerca de la importância y trascendenciade estos acontecimentos que son noticia (comentar los datospara orientación de los lectores) (2001, p. 44).

Para esses fins, o pensador espanhol salienta a distribuição de tarefas dentro de

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qualquer periódico: a) a produção de notícias, pela equipe de repórteres, e b)elaboração de comentários e juízos de valor sobre os fatos de interesse relevante,pela equipe de redatores e editores (id, p. 44).

No outro lado do Atlântico, Bill Kovach e Tom Rosenstiel narram as motivaçõese as conjunturas que acarretaram no conceito de imprensa livre nos EstadosUnidos da América. A inspiração veio dos jornais políticos londrinos, que em1720 introduziram a ideia de que “a verdade devia ser uma defesa contra adifamação”. Jornalistas que escreveram sob o pseudônimo de “Cato” envidaramcontraposição à lei comum inglesa que determinara o contrário: não só qualquercrítica ao governo era crime, como “quanto maior a verdade, maior adifamação”, já que a verdade provocava maiores estragos (Kovach e Rosenstiel,2004, p. 37).

Como ressaltam os autores, esta argumentação teve grande desdobramento nascolônias norte-americanas, momento em que crescia o descontentamentocontra a coroa britânica. O preceito da livre expressão começou a tomar formaquando John Peter Zenger foi processado por criticar o governador real de NovaIorque. Ao recorrer às ideias de “Cato”, o advogado de Zenger, pago porBenjamin Franklin, obteve sua absolvição. O conceito enraizou-se nopensamento dos “pais da pátria”, sendo depois incorporado à Declaração deDireitos da Virgínia, e em seguida na legislação de várias outras colônias. Noperíodo de redação e aprovação da Constituição da nova nação, figuras comoThomas Payne e Samuel Adams mobilizaram a opinião pública para quereivindicasse uma declaração de direitos de escrita como condição para aprovara Constituição. Assim, uma imprensa livre tornou-se a primeira reclamação dopovo ao seu governo (2004, p. 38). O preceito foi contemplado posteriormentena Primeira Emenda:

O Congresso não legislará no sentido de estabelecer umareligião, ou proibindo o livre exercício dos cultos; ou cerceandoa liberdade de palavra, ou de imprensa, ou o direito do povo dese reunir pacificamente, e de dirigir ao Governo petições para areparação de seus agravos.

Por isso, Kovach e Rosenstiel acreditam que a principal finalidade do jornalismoé “fornecer aos cidadãos as informações de que necessitam para serem livres ese autogovernar” (2004, p. 31).

Tais finalidades aqui expostas, de orientação social (Hudec) e de informar ecomentar (Albertos); e a de liberdade de palavra, são preceitos que têm guiado ofazer jornalístico. Estas parecem pertinentes às reflexões de Robert Merton, queapontam a preocupação com a formação de opinião, identificada com a

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sociologia do conhecimento, da tradição europeia; e o direito à informação,associado à sociologia da opinião e da comunicação de massa, da tradiçãoestadunidense. Merton caracteriza no pensamento europeu a ênfase no modo emque o conhecimento e o pensamento são afetados pela estrutura social ambiente.Assim, a ênfase é a formação da sociedade por perspectivas intelectuais – foco noconhecimento. De outro lado, o pensamento norte-americano está centrado naopinião pública, na crença das massas, na cultura popular que supostamentematiza-se em conhecimento – foco na informação. Desta forma, “o europeuimagina e o norte-americano olha, o norte-americano investiga a curto prazo e oeuropeu especula a longo prazo” (1970, p. 535-585).

Problema

As finalidades distintas do Jornalismo e suas circunstâncias aqui discutidas sãorelevantes. No entanto, as ponderações de Merton suscitam a necessidade deexaminar com mais intensidade a questão pelo viés epistemológico. Para avançarna problematização dos pontos centrais desta pesquisa há que se questionarcomo e por quê o jornalismo europeu e o norte-americano – que influenciaram ofazer jornalístico na maioria dos países industrializados – construíram taispropósitos. Além dos fatos e motivações de ordem socioeconômicas e políticas atéaqui cogitados, que outros fatores podem ter contribuído para a formação dessespensamentos?

Como citei anteriormente, as bases para o Jornalismo Moderno foramestabelecidas no Século XIX, quando a Imprensa institucionalizou-se comoempresa de comunicação. Esta transformação aconteceu no clima e nacircunstância da predominância do pensamento funcional-positivista. Essesprincípios operaram tanto nas práticas científicas como nas práticascomunicacionais. Como lembra Cremilda Medina, naquele período, “se propõegramáticas presentes tanto na metodologia da pesquisa do conhecimentocientífico quanto na de captação e narrativa da contemporaneidade que sedifunde nos meios de comunicação social” (2008, p. 18). Sobre taisconfluências, questiona a pensadora luso-brasileira:

Que meditem os jornalistas e os cientistas se não é esse oprincípio que rege a pesquisa empírica – coleta de informaçõesde atualidade ou coleta de dados sobre fenômenos em estudo nolaboratório científico (2008, p. 19).

Este estado de espírito foi um grande contributo da revolução científica (Kuhn,1987) vivida na Europa desde o Século XVI. Os estudos sobre o universal e oparticular de Decartes e Bacon, e a explicação matemática do funcionamento danatureza, de Newton, proporcionaram avanços formidáveis no progresso material

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e na maneira de pensar e desenvolver as ciências. O cogito ergo sun e o universomecânico, por um lado, inauguraram a era antropocêntrica, como levaram a caboo paradigma da racionalidade científica. Tal visão de mundo proporcionou, entreoutros aspectos, algumas crenças: redução de toda realidade à soma das partes –fragmentação, especialização, disciplinaridade; redução do real ao experimental– certeza, divisão sujeito-objeto; homem e todos os seres vivos vistos comomáquinas; primado da ciência, da experiência e da razão – determinismo; ideiade homem dominador do planeta; prevalência do individualismo sobre o coletivo;saber como sinônimo de razão científica – a serviço do progresso (Capra, 1993).

Neste ambiente, Augusto Comte desenvolve seu espírito positivo, entendendoque os mesmos postulados alcançados pelas ciências naturais poderiam reger avida social. Para ele, a investigação científica só é positiva se o pesquisadoropera com o que é. Por isso, a observação é a única base possível dosconhecimentos acessíveis à verdade, adaptados sensatamente às necessidadesreais. Ao explanar sobre essas ideias, Medina sublinha,

A realidade objetiva é, pois, o privilégio do espírito positivo. Oponto de partida e o de chegada se resumem então na harmoniaentre a vida especulativa e a vida ativa (2008, p. 20).

Por isso, como interpreta a autora, o espírito positivo delimita os sentidos: 1) oreal em oposição ao quimérico; 2) o que é útil em contraposição ao que é inútil;3) ao contrário da indecisão ou das dúvidas indefinidas, a certeza constituídapela harmonia lógica; 4) um grau de precisão compatível com a natureza dosfenômenos e conforme a exigência das verdadeiras necessidades humanas opõeo conceito de preciso a vago; 5) o significado mais banal, positivo versusnegativo – caberia à filosofia organizar, e não destruir; 6) reforça-se a tendência,necessária para Comte, de substituir em tudo o relativo pelo absoluto (idem, p.20).

Os influxos positivistas levados aos modelos jornalísticos tiveram grandeimportância para sua evolução. A efervescência socioeconômica, política ecultural daquele final de milênio respondiam ao crescimento demográfico e oaumento da alfabetização. Este quadro exigia uma comunicação mais ágil e, damesma maneira, mais informações da atualidade, o que refletiu emsimplicidade e concisão na linguagem. O gênero reportagem criou condiçõespara a narração da experiência humana na forma de cenas vivas. O rigorcientífico traduziu-se nas salas de redação em trabalho de apuração e checagemde dados, com ganhos em precisão, entre outros benefícios.

A evolução dos meios de comunicação requereu a adoção de métodos eprocessos fabris que permitissem maiores tiragens e em periodicidade mais

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curta. Também foi necessária a formação de profissionais com a rapidez queessa demanda determinava. A inevitável padronização do fazer jornalístico, aomesmo tempo em que propiciava regularidade ao material publicado, colocavaem risco sua densidade e a necessária contextualização. A departamentalizaçãodas indústrias (cartesiana) foi transferida às empresas de comunicação na formade setorização (editorias) para concentrar esforços em assuntospreestabelecidos, muitas vezes “fechando-se” ao ponto de negligenciar relaçõese correlações entre acontecimentos.

Mais que estes aspectos aparentemente técnicos, os espírito positivo levou àImprensa outras posturas que determinaram problemas mais sérios. Aracionalidade com ênfase no real e no útil evoluiu para a crença nas certezasabsolutas; em outros termos, jornalistas acreditavam que suas matérias“espelhavam” a realidade. A procura da verdade com visão acrítica naquelemomento fazia com que os profissionais se imaginassem comunicadoresdesinteressados na missão de informar. Como esclarece Nelson Traquina, com agrande popularidade das câmeras fotográficas, criou-se a metáfora de que asnotícias eram “retrato” da realidade (2005, p. 146-149). A chamada “teoria doespelho” foi considerada insuficiente no decorrer do Século XX e hoje háconsenso entre teóricos de que a Imprensa tem por incumbência, sim, a procurada verdade, mas produz versões da verdade.

Para citar mais uma herança do pensamento positivo que geraquestionamentos, é bom lembrar que a lógica científica implanta a relaçãosujeito-objeto. Na maioria das vezes adequado nas ciências naturais, no camposocial esta desliza ao enxergar fenômenos também como objetos (coisificação).Este equívoco se repete no jornalismo ao encarar a maioria dos acontecimentoscomo “coisas”. Isto pode-se averiguar numa amostragem de matérias publicadassobre a Fundação Casa (antiga Febem), que abriga adolescentes em situação derisco1. Primeiro, há grande incidência sobre a ocorrência de tentativas de fugas erebeliões. Quando as reportagens se propõem a tratar de forma reflexiva, o tomrecai para as insuficiências do sistema, a insegurança da população com asfugas. Em outras palavras, o tema Fundação Casa é visto como fato-coisa e nãode maneira a ultrapassar o campo da segurança pública – não é tratado comofenômeno social. Por que a sociedade necessita de tantas instituições paraabrigar esses adolescentes? Raramente uma matéria jornalística provoca adiscussão sobre as causas do aumento da marginalidade juvenil, conjugada aoestado de pobreza da população, ao índice de desemprego, a instabilidadefamiliar, entre outros fatores.

1 Veja referências e links após Referências bibliográficas.

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Por essas razões, devo então formular algumas perguntas orientadoras dapesquisa: Se a Imprensa tem tratado fatos como objetos e não como fenômenos,esta ainda carrega em seus fazeres estereótipos e estigmas que banalizam a vidahumana? A objetivação e a preferência pelo útil têm levado a Imprensa aconstituir critérios de noticiabilidade que privilegiem o imediato de modoquantitativo que acaba por escorregar na superficialidade? A mesma objetivaçãoe utilitarismo têm levado os profissionais a atenderem mais aos interesses dopúblico em detrimento do interesse público? A aspiração de credibilidade domaterial informativo recomenda recorrer a fontes confiáveis; a má interpretaçãodeste preceito tem gerado nos repórteres uma dependência exagerada às fontesoficiais? (endeusamento das ciências)

Com estas e outras questões em mente, devo afirmar que os propósitos dopresente estudo são pertinentes, quais sejam compreender melhor opensamento científico contemporâneo e os contextos em que se desenvolvem, eaveriguar como tais noções podem contribuir para a construção de uma críticaaos modelos de jornalismo aqui questionados. Estes constituem a base dosobjetivos desta pesquisa.

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3. Metodologia:

As propostas deste projeto de pesquisa, a partir de seu objetivo geral, visaaprofundar o conhecimento e a compreensão sobre o pensamento científicocontemporâneo, em especial as ideias de Capra, Morin e Santos e, emconsequência, averiguar como tais ideias podem contribuir para a construção deuma crítica aos modelos de jornalismo que carregam forte carga funcional-positivista.

Para tanto, inicialmente terei que me debruçar sobre a obra destes autores e embibliografia correlata que permita diálogo, aproximações, complementaridadese eventuais contradições, de modo a facilitar a apreensão dessas ideias. Nestaetapa da pesquisa devo recorrer ao Método Filosófico proposto por DominiqueFolscheid e Jean-Jacques Wunenburger. Este oportuniza “desenvolver umconjunto de análises e de raciocínios, sustentados pela referência a autoresclássicos, para dar ensejo, no final, a uma tomada de posição afirmada sobre otema proposto” (1997, p. 171). Como entendem os autores, em tais estudos nãolidamos com dados ou fatos puramente exteriores, mas trata-se de se dedicar apenetrar nos pensamentos expressos em tais referenciais. Assim, osprocedimentos deste método recomendam pensar o que já foi pensado, pois“pensar o já pensado é repensar, e repensar é sempre pensar” (idem, p. 7-9).

Como decorrência, pretendo averiguar como essas reflexões podem ajudar aconstruir uma crítica aos modelos jornalísticos que venho questionando. Paraesse intento, também deverei correlacionar estes estudos à práxis jornalística –amostra de material jornalístico a ser examinada – de forma a interagir areflexão e a ação. Nesta fase, devo recorrer à Análise Pragmática da Narrativaproposta por Luiz Gonzaga Motta. Este desenvolveu sua metodologia ao seapropriar da Narratologia, experiência consagrada no campo da Literatura.Como adaptação aos estudos do jornalismo, adquire procedimentos próprios e,por isso, não pode ser comparada as realizadas pela Literatura. Por seuscritérios, busca-se analisar as estratégias narrativas contidas nos textosjornalísticos, já que estas advêm de “um permanente jogo entre as intenções dojornalista e as interpretações do receptor, pois nenhuma narrativa é ingênua”(Motta, 2007, p. 156). Nesse momento, também poderei recorrer a algunsrecursos da análise do discurso, que proporciona oportunidade de inferências apartir da observação de certos indicadores denotativos e conotativos, conformesugestões de Eduardo Manhães (2006).

O contato com outros pesquisadores terá grande relevância para esta pesquisa. Por

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isso, desejo realizar entrevistas em profundidade, momentos em que podereidirimir eventuais dúvidas levantar novas questões. Conforme Jorge Duarte, asentrevistas em profundidade constituem “recurso metodológico que busca, combase em teorias e pressupostos definidos, recolher repostas a partir da experiênciasubjetiva de uma fonte” (2006, p. 62). Sendo um instrumento para finsqualitativos, podem ser semiabertas, com questões semiestruturadas. Por isso, umadas principais qualidades é a flexibilidade de permitir ao entrevistado definir ostermos da resposta e ao pesquisador ajustar livremente as perguntas.

Uma etapa crucial será a sistematização de tais estudos através da construção dacrítica aos modelos jornalísticos em questão. Mais uma vez, a metodologiafilosófica será de grande importância para concretização desta proposta. Porfim, deverei elencar alguns temas para serem problematizados e originar novosprojetos de pesquisa e desenvolvidos oportunamente.

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4. Alcance, Resultados, Contribuições e Metas:

A realização desta pesquisa proporcionará a oportunidade de produzir alguns

trabalhos científicos interessantes, de modo a contribuir com o ensino e a

pesquisa na UFSC, como poderá ser compartilhada com a comunidade

acadêmica e entre profissionais do jornalismo. Como metas, prevejo as

seguintes produções:

1. Relatório de pesquisa – que poderá ser publicado na forma de livro ou e-book;

apresentado em congressos como Intercom, SBPJor;

2. Artigos/capítulos de livros – pelo menos seis trabalhos com ênfase em

aspectos distintos;

3. Problematização – pelo menos três temas problematizados que possam

inspirar novos projetos de pesquisas.

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5. Objetivos:

Gerais

- Aprofundar o conhecimento e a compreensão sobre o pensamento científico

contemporâneo, em especial as ideias de Capra, Morin e Santos e, em

consequência, averiguar como tais noções podem contribuir para a construção

de uma crítica aos modelos de jornalismo que carregam forte carga funcional-

positivista.

2.2 – Específicos

- Ao estudar detidamente o pensamento científico contemporâneo, a partir da

obra de Capra, Morin e Santos, correlacionar à teoria do jornalismo, de modo a

levantar supostas confluências e contradições;

- Estabelecer relações entre estes estudos e a prática jornalística de maneira a

buscar estratégias que ajudem a observar os possíveis conflitos e fragilidades

dos modelos aqui questionados;

- Ao identificar esses possíveis conflitos, problematizar temas que possam intuir

outras investigações futuras.

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6. Justificativa:

O fabuloso progresso tecnológico das últimas três ou quatro décadas podem nosiludir a pensar que os personagens da revolução científica inaugurada no SéculoXVI seriam pré-históricos. A rigor, qualquer inovação ocorrida nessesquatrocentos anos é evolução, fruto ou consequência de ideias brotadas a partirde Copérnico, Galileu e Newton. Como lembra Capra (1993), a racionalidade, oexperimentalismo e o rigor da lógica metodológica fizeram o homem modernosubstituir sua fé no divino pela fé em sua inteligência e em suas próprias mãos.Em outros termos, o homem, como personagem central do mundo, trocou Deuspela Ciência.

Nesse cenário, não só os centros de pesquisa, como qualquer organização –pública ou privada – tem procurado se equipar com os instrumentos criadospelas ciências. Seu braço operativo, a tecnologia, é símbolo do moderno, doatual, da eficiência. A título de ilustração, vou narrar um caso real:

O jornalista João e seu amigo Marcelo viajavam de carro pelo interiorpaulista. Marcelo advertiu ao jornalista sobre a quantidade de novaspenitenciárias recém-instaladas às margens daquela rodovia. Era umadezena ao longo do trecho que deveriam percorrer até a capital. A cadaunidade prisional a que avistavam, Marcelo citava uma curiosidade que haviaobservado sobre este fenômeno. As novas casas de detenção teriamtransformado aqueles lugares com a criação de um pequeno comércio noentorno – pensão, minimercado, farmácia, lanchonete. Seria natural queamigos e familiares dos detentos teriam que pernoitar, se alimentar, fazerpequenas compras nos dias de visitas. O jornalista imaginou uma pauta, poisreconheceu a importância das informações levantadas pelo amigo. Comochefe de reportagem de um jornal de circulação nacional, João imediatamenteestruturou a pauta e encaminhou a um repórter. Após três ou quatro dias semretorno, João cobrou uma posição do colega de equipe, para o que respondeu:“a pauta não tem sustentação, não há qualquer dado ou estatística de algumórgão oficial que comprove este virtual crescimento nessas cidades em que hánovas penitenciárias”. João recolheu a pauta e a jogou no lixo. “Desisto, acultura do jornal para o qual trabalho – e de seus profissionais – nãoconsegue enxergar esta pauta”, teria dito o chefe de reportagem2.

A frustração do jornalista é compreensível. A cultura de supervalorização daciência – e de seus instrumentos – impõe à sociedade – e à imprensa integraesse mesmo bolo social – o estigma de que a reportagem só terá credibilidade se2 Os nomes foram trocados e o título da publicação não foi citado justamente porque o episódio narrado representa a frustração do jornalista em questão, razão que me leva a preservar as identidades dos en-volvidos.

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for chancelada por informações oficiais. Nas observações de Santos, pela lógicada ciência moderna, “é necessário reduzir os fatos sócias às suas dimensõesexternas, observáveis e mensuráveis”. Daí uma primeira questão para reflexão:Por que a Imprensa é tão dependente das fontes oficiais? A resposta pareceóbvia, mas merece aprofundamento.

O senso comum... e a informação não oficial

Na narrativa aqui transcrita, poderíamos questionar se a “falta de informaçãooficial” já não justificaria a pauta (?). Afinal, se o repórter teve como ponto departida o viés econômico (pensamento segmentado – cartesiano), poderiatambém vislumbrar a matéria por outros olhares, como o social, cultural,hábitos e costumes porventura alterados nesses lugares (?).

Santos sublinha que a ciência moderna desprezou o senso comum num combateideológico contra o irracionalismo do ancien régime, caracterizado comoconhecimento superficial e ilusório; criou-se a oposição trevas/luz. Por suaperspectiva, o autor defende que o pesquisador deva promover uma rupturaepistemológica com o senso comum (primeira ruptura), com uma observaçãocrítica e rigorosa sobre a manifestação do senso comum. Mas, esta feita, ocientista deve transformar suas constatações novamente em senso comum(reencontro – segunda ruptura), ou seja, colocar esta criação/geração deconhecimento à disposição e em favor do coletivo. Em outros termos, taisnoções coincidem ao que Morin (2006) já caracterizou como pensamento único,que se contrapõe ao que Capra chama de ecologia dos saberes.

Da mesma forma, o jornalista, por critérios rigorosos de noticiabilidade e desuas técnicas de reportagem, poderia examinar a pauta (inicial e aparentementebaseada em ideias vulgares) de outras maneiras e torná-la viável (?).Criatividade: desenvolver a pauta por outros olhares. Nestes termos, paraSantos, “caminhamos para uma nova relação entre a ciência e o senso comum,uma relação em que qualquer deles é feito do outro e ambos fazem algo denovo” (grifos no original). O jornalismo poderia caminhar também por estasvias?

O pensamento abissal – redução das versões únicas

Em Para além do pensamento abissal (2007), Santos descreve a bipolarização domundo através de um sistema de distinções visíveis e invisíveis. São linhas,limites imaginários que remontam Tordesilhas e outros tratados que separam arealidade social em dois mundos – norte-sul, civilizado-selvagem, colonizador-colonizado. O conhecimento e o direito modernos representam suasmanifestações mais elaboradas. No campo do conhecimento, este pensamento

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consiste na concessão à ciência moderna o monopólio da distinção universalentre o verdadeiro e o falso. O caráter exclusivo deste monopólio está no cerne dadisputa epistemológica moderna entre as formas científicas e as não científicas deverdade. A ciência como conhecimento monopolista privilegia uma epistemologiadas consequências; estas vêm sempre antes das causas.

O foco nas consequências mais que nas causas parece ser outra postura marcanteque a Imprensa assimilou do pensamento positivo. Nos recentes episódios sobreo movimento reivindicatório de policiais militares, desde a Bahia e depois seestendendo a outros estados, os meios de comunicação divulgaram maciçamenteo “estado de insegurança” vivido pela população. Numa breve amostra dematérias disponibilizadas sobre o assunto3, constata-se a ênfase nasconsequências, refletida nos discursos de danos, prejuízos, incompetênciapolítica, intolerância dos profissionais, entre outros. Se a ciência positiva tornafenômenos sociais em objetos (coisas), alguns setores da Imprensa também ofazem e raramente têm se preocupado com as causas desses fenômenos, o queacaba por configurar versões únicas (não plurais) dos acontecimentos.

Este mesmo pensamento abissal, em pleno século XXI, mantém a relaçãocolonizador-colonizado, civilizado-selvagem. Por seu lado, alguns veículos decomunicação mantêm esta postura. “Made in Paraguai” é o título da reportagempublicada por Veja em março de 2007. Seu subtítulo complementa: A Funaitenta demarcar área de Santa Catarina para índios paraguaios, enquanto osdo Brasil morrem de fome. A matéria acusa uma suposta demarcação de TerraIndígena (TI) fraudulenta no Morro dos Cavalos, no município de Palhoça (SC).Através de uma apuração descuidada, o repórter cometeu inúmeros equívocosem sua pretensa contextualização. Já no título, “made in Paraguai”, denota umprimeiro estigma: tudo e todos daquele país são falsificados. Num texto cheio deironia, certezas arrogantes, o repórter afirma sua disposição em contestar as“grandes extensões dessas áreas demarcadas para abrigar tão poucos”.

Este discurso sobre a relação extensão de terras e poucos índios, por sinal, temsido usual nos últimos anos. Os conflitos na reserva Raposa Serra do Sol, emRoraima, por exemplo, têm sido alimentados por este sermão. Em reportagemsobre os “riscos de segurança nacional e de internacionalização da Amazônia”, arevista Istoé, de maio de 2008, também marcou posição sobre o assunto. Numamatéria correlata intitulada “Muita terra para pouco índio”, o repórter apontanúmeros com a precisão cartesiana:

A extensão das terras dos índios em Roraima é superior à área deum país como Portugal, de 92 mil quilômetros quadrados. Um

3 Veja referências e links após Referências bibliográficas.

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símbolo maior da distorção na política de demarcação é a reservaRaposa Serra do Sol, que se estende por 17 mil quilômetrosquadrados e abriga apenas 18 mil índios, a maioria da etniamacuxi.

Para justificar e reforçar a tese da “entrega da Amazônia aos índios e a ONGsestrangeiras”, a equipe de reportagem trouxe o depoimento de militares de altapatente:

Em recente palestra no Clube Militar, no Rio de Janeiro, o co-mandante militar da Amazônia, general-de-exército Augusto He-leno Pereira, mesmo sob o risco de ser punido por indisciplina,denunciou os disparates que acontecem na região. “A política in-digenista está dissociada da história brasileira e tem de ser revis-ta urgentemente”, afirmou o general Heleno. O general-de-briga-da Antônio Mourão, comandante da 2ª Brigada de Infantaria daSelva, apoia integralmente seu colega de farda. “A demarcaçãocontínua coloca a soberania em risco. Daqui a pouco, os índiosvão declarar a independência de seus territórios”, adverte Mou-rão.

Além de incorporar a linguagem e a atitude da “segurança nacional” e do progressomaterial, é interessante notar que o repórter e o veículo para o qual trabalhadesconsideram a cultura indígena, a história do país. Por ignorância ou por nãoaceitá-la. Essa postura revela a manutenção de pensamento e práticas coloniaisque, além de serem excludentes e desumanizadores.

Exclusão e desumanização

A ciência moderna, que tem colaborado para a manutenção desse pensamentoabissal, apresenta limitações quanto ao conteúdo do conhecimento que busca.Como alerta Santos, sendo um conhecimento mínimo que fecha as portas amuitos outros saberes sobre o mundo (pensamento único x ecologia dossaberes), este é desencantado e triste que transforma a natureza num autômato.Assim, o rigor científico, por fundar-se no rigor matemático, quantifica e, aoquantificar, desqualifica; ao objetivar os fenômenos, os objetualiza e os degrada– os caricaturiza. Nestes termos, acentua Santos:

O conhecimento ganha em rigor o que perde em riqueza eretumbância dos êxitos da intervenção tecnológica esconde oslimites da nossa compreensão do mundo e reprime a perguntapelo valor humano do afã científico assim concebido (2010, p. 58).

Se o rigor científico objetiva os fenômenos e os degrada – caricaturizando-os –também a imprensa, ao invés de narrar a contemporaneidade, caricaturiza e

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degrada o valor humano que move a realidade social. Ao ignorar a natureza e acultura indígenas, por exemplo, as reportagens aqui criticadas reduzem aspessoas-índios a objetos inconvenientes (desumaniza), um estorvo à ordem eprogresso empreendido pelos que estão no lado de cá da linha abissal.

Assim também, quando reportagens, pela sutileza retórica, apresentamcaricaturas estereotipadas do negro, da mulher, do pobre, das pessoas emsituação de rua ou do estrangeiro, reforçam preconceitos e reduzem-nos a umavida marginal – ignora-os, os torna invisíveis. A questão da migração nasAméricas tem sido marcada por coberturas discriminatórias, como constatadodurante o 9º Fórum de Austin sobre Jornalismo nas Américas, em setembro de2011, no Texas (EUA). Os mais de 50 jornalistas e especialistas de 20 países daAmérica Latina e do Caribe decidiram buscar maneiras de cobrir a imigração deforma mais humana e equilibrada, pois o tema tem sido tratado com muitahipocrisia e muitos clichês. Para eles, a cobertura da migração precisa tratar dospróprios imigrantes, de suas famílias, das razões históricas da migração, daspolíticas dos governos, de questões de saúde, de fatores econômicos e sociais, dehabitação e de tantos outros pontos que fazem parte do fenômeno.

Sobre a humanização, tema que me preocupa há pelo menos dez anos, encontro noHumanismo Universalista, de Silo, argumentos relevantes que sustentam minhasconvicções em torno da viabilidade do que chamo de jornalismo humanizado. Oargentino Mario Luis Rodríguez Cobos (Mendoza, 1938- 2010), mais conhecidocomo Silo, é considerado o fundador desta linha de pensamento, o que o levou areceber o título de doutor Honoris Causa pela Academia de Ciências da Rússia. EmInterpretazioni dell’Umanesimo, do italiano Salvatore Puledda, ele aponta algunsaspectos que defende:

Os humanistas são internacionalistas, aspiram a uma naçãohumana universal. Compreendem globalmente o mundo em quevivem e atuam em seu ambiente imediato. Não desejam ummundo uniforme, mas múltiplo: múltiplo em etnias, línguas ecostumes; múltiplo nas localidades, nas regiões e nasautonomias; múltiplo nas ideias e nas aspirações; múltiplo emcrenças, o ateísmo e a religiosidade; múltiplo no trabalho,múltiplo na criatividade. (Silo, in Puledda, 1999).

O espírito deste suposto parece ser a alteridade como condição para o humanoser. Ao ignorar as diferenças e o diferente, reportagens como as aqui criticadasincorrem na intolerância e na redução de indígenas ou imigrantes em selvagens,colonizados, ilegais; talvez uma versão contemporânea da discussão do séculoXVI “se o índio tem alma” – desumanos.

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Por estas breves reflexões, devo acreditar que os propósitos deste projeto depesquisa adquirem relevância aos Estudos do Jornalismo em dois sentidosdesejáveis: Primeiro verticaliza a reflexão buscando aprofundarquestionamentos sobre sua essência que afligem pesquisadores e profissionais.Pela perspectiva horizontal, sonda e busca nas Ciências Sociais e na Filosofiaoutras lentes que possam trazer mais nitidez à compreensão do fenômenojornalístico.

7. Orçamento:

(se houver)

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8. Cronograma:

Atividades/tempo 2/2012 1/2013 2/2013 1/2014Estudos sobre o pensamento cientifico contemporâneo e referências complementaresCorrelações às teorias do jornalismoDefinição de amostra e análise de material jornalísticoEntrevistas em profundidadeConstrução da crítica propostaProblematização de temas e produção de artigosElaboração de relatórios

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9. Bibliografia:

ALBERTOS, Jose Luis Martínez. Curso general de redacción periodística. Madri: Paraninfo, 2001.

CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: A ciência, a sociedade e a cultura emergente. 9ed. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Cultrix, 1993.

Constituição dos Estados Unidos da América – 1787. Disponível em Biblioteca Virtual de Direitos Humanos – Universidade de São Paulo. http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/constituicao-dos-estados-unidos-da-america-1787.html , acesso em 10 fevereiro 2012.

DUARTE, Jorge. Entrevista em profundidade in DUARTE, Jorge e BARROS, Antonio (org). 2ed.Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas, 2006.

FOLSCHEID, Dominique e WUNENBURGER, Jean-Jacques. Metodologia filosófica. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

HUDEC, Vladimir. O que é jornalismo? Trad. Maria Manuel Ricardo. Lisboa: Editorial Caminho, 1980.

KOVACH, Bill e ROSENSTIEL, Tom. Os elementos do jornalismo: O que os jornalistas devem saber e o público exigir. 2ed. São Paulo: Geração Editorial, 2004.

KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. Trad. Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 1987.

MANHÃES, Eduardo. Análise do discurso. in Duarte, Jorge; Barros, Antonio (org) Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. 2ed. São Paulo: Atlas, 2006.

MEDINA, Cremilda. Ciência e jornalismo: Da herança positivista ao diálogo dos afetos. São Paulo: Summus, 2008.

MERTON, Robert K. Sociologia, teoria e estrutura. Trad. Miguel Maillet. São Paulo: Ed. Mestre Jou, 1970.

MOTTA, Luiz Gonzaga. Análise pragmática da narrativa. In Lago, Cláudia; Benetti, Marcia (org). Metodologia da pesquisa em jornalismo. Petrópolis: Vozes, 2007.

PULEDDA, Salvatore. Interpretaciones del humanismo. Do original Interpretazionidell'Umanesimo, Multimage, 1999. ISBN 8886762135. Trad. Mónica B. Brocco. Disponível em:

http://loshumanistas.cl/InterpretacionesDelHumanismo.htm , acesso em 10 maio 2011.

SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. 7ed. São Paulo: Cortez, 2010.

_______________________. Pela mão de Alice: O social e o político na Pós-modernidade.8ed. Porto/Portugal: Afrontamento, 2002.

______________________. Crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 4ed. São Paulo: Cortez, 2002.

______________________. Conhecimento prudente para uma venda decente: Um discurso sobre as ciências revisitado. 2ed. São Paulo: Cortez, 2006.

SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Orgs). Epistemologias do sul. 2ed.Coimbra/Portugal: Almedina, 2010.

TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo – Vol. 1 – Porque as notícias são como são. 2ed.Florianópolis: Insular, 2005.

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Matérias jornalísticas consultadasSobre a Fundação CasaBrasil 247. Estamos entrando na era pós-instituição. 25 de Janeiro de 2012, (jornal digital), disponível em http://www.brasil247.com.br/pt/247/brasil/37964/“Estamos-entrando-na-era-pós-instituição”.htm . Acesso em 27 janeiro 2012.

G1 - 04/02/2012 12h42 - Princípio de rebelião é controlado em unidade da Fundação Casa em SP - http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2012/02/principio-de-rebeliao-e-controlado-em-uni-dade-da-fundacao-casa-em-sp.html

OESP - 30 de novembro de 2011 | 10h 28 - Rebelião em Fundação Casa termina com dois feridos na zona leste de SP - http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,rebeliao-em-fundacao-casa-termina-com-dois-feridos-na-zona-leste-de-sp,804890,0.htm

Folha.Com - 30/11/2011 - 10h43 - Adolescentes fazem funcionários reféns na Fundação Casa em SP - http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1014299-adolescentes-fazem-funcionarios-refens-na-fundacao-casa-em-sp.shtml

Folha.Com - 16/07/2011 - 18h59 - Jovens incendeiam ala de unidade da Fundação Casa em SP - http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/944719-jovens-incendeiam-ala-de-unidade-da-fundacao-casa-em-sp.shtml

Sobre greves da PMDN-Globo – 03 janeiro 2012Greve da polícia militar lança o pânico em Fortalezahttp://www.dn.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=2219354&seccao=EUA%20e%20Am%E9ricas

A tarde online - 02/02/2012 ÀS 13:17Justiça decreta ilegalidade da greve da políciahttp://www.atarde.com.br/cidades/noticia.jsf?id=5805992&t=Justica+decreta+ilegalidade+da+greve+da+policia

Folha de S. Paulo - domingo, 12 de fevereiro de 2012Insegurança causa medo até em policial civil http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/25435-inseguranca-causa-medo-ate-em-policial-civil.shtml

Estadão.Com – 13 de fevereiro de 2012 | 3h 04Mesmo sem greve, mortes continuam em Salvadorhttp://www.estadao.com.br/noticias/impresso,mesmo-sem-greve-mortes-continuam-em-salvador-,835054,0.htm

Revista Época – 09/02/2012 21h10Rio tem 14 mil homens do Exército à disposição em caso de greve da PMhttp://revistaepoca.globo.com/Brasil/noticia/2012/02/rio-tem-14-mil-homens-do-exercito-disposicao-em-caso-de-greve-da-pm.html

Jornal da Manhã – TV Globo Bahia – 13/02/2012Prejuízo do comércio com a greve da PM foi de R$ 300 milhõeshttp://globotv.globo.com/rede-bahia/jornal-da-manha/v/prejuizo-do-comercio-com-a-greve-da-pm-foi-de-r-300-milhoes/1810441/

Sobre a questão indígena COSTA, Otávio. Amazônia a soberania está em xeque. Revista Istoé. São Paulo. Ed. 2012, 28 mai. 2008. Disponível em http://www.istoe.com.br/reportagens/4261_AMAZONIA+A+SOBERANIA+ESTA+EM+XEQUE?pathImagens=&path=&actualArea=internalPage , acesso em 4 julho 2011.

EDWARD, José. Made in Paraguai. Revista Veja, Ed. Abril, São Paulo. Ed. 1999, 14 mar. 2007. Disponível em http://veja.abril.com.br/140307/p_056.shtml , acesso em 2 julho 2011.

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Bibliografia preliminarAlém das Referências Bibliográficas já citadas, também merecerão atenção,preliminarmente, as seguintes obras:

ALSINA, Miquel Rodrigo. A construção da notícia. Petrópolis: Editora Vozes, 2009.

BENETTI, Márcia; LAGO, Cláudia. Metodologias de pesquisa em jornalismo. Petrópolis:Vozes, 2007.

BERGER, Peter L. e LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade. Trad. Floriano deSouza Fernandes. Petrópolis: Vozes, 1985.

CANCLINI, Nestor G. Culturas híbridas: Estratégias para entrar e sair da modernidade. 2ed. Trad. Ana Regina Lessa e Heloísa Pezza Cintrão. São Paulo: Edusp, 1998.

CAPRA, Fritjof. A teia da vida: Uma nova compreensão dos sistemas vivos. 9ed. Trad. Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 2000.

CUNHA, Isabel Maria Ferin (org). Jornalismo e democracia. Lisboa: Paulus, 2007.

_____________________________________. Media, imigração e minorias étnicas II. Lisboa: Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas, Presidência do Conselho de Ministros, 2006.

_____________________________________. Media, imigração e minorias étnicas I. Lisboa: Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas, Presidência do Conselho de Ministros, 2004.

CUNHA, Isabel Maria Ferin. Comunicação e culturas do quotidiano. Lisboa: Quimera, 2002.

GENRO FILHO, A. O segredo da pirâmide: Para uma teoria marxista do Jornalismo. PortoAlegre: Editora Tchê, 1987.

GOMIS, Lorenzo. Teoría del periodismo: como forma el presente. Barcelona: Paidós, 1991.

GRECO, Milton. Interdisciplinaridade e revolução cerebral. 2ed. São Paulo: Pancast, 1994.

LÉVINAS, Emmanuel. Humanismo do outro homem. Trad. Pergentino S. Pivatto (coord). Petrópolis: Vozes, 1993.

LIPPMAN, Walter. Opinião pública. Petrópolis: Editora Vozes, 2008.

MEDINA, Cremilda. A arte de tecer o presente: Narrativa e cotidiano. São Paulo: Summus, 2003.

MEDINA, Cremilda e GRECO, Milton (org). Saber plural – Novo pacto da ciência 3. São Paulo: ECA/USP – CNPq, 1994.

MEYER, Philip. Os jornais podem desaparecer? Como salvar o jornalismo na era da informação. Trad. Patrícia De Cia. São Paulo: Contexto, 2007.

MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Trad. Eliane Lisboa. Porto Alegre: Sulina, 2006.

________________. Ciência com consciência. 3ed. Trad. Maria D. Alexandre e Maria Alice Sampaio Dóris. Rio de Janeiro: Bertrand, 1999.

MORIN, Edgar e KERN, Anne Brigitte. Terra-pátria. Trad. Paulo Neves. 5 ed. Porto Alegre: Sulina, 2005.

RESTREPO, Luis Carlos. O direito à ternura. Trad. Lúcia M. Endlich Orth. Petrópolis: Vozes, 1998.

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ROUANET, Sérgio Paulo. As razões do Iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

SAID, Edward. Humanismo e crítica democrática. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

________________. Cultura e imperialismo. Trad. Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

SODRÉ, Muniz. A narração do fato: Notas para uma teoria do acontecimento. Petrópolis: Vozes, 2009.

SODRÉ, Muniz e PAIVA, Raquel. O império do grotesco. Rio de Janeiro: Mauad, 2002.

SOUSA, Jorge Pedro. Teorias da Notícia e do Jornalismo. Chapecó/Florianópolis: Argos/LetrasContemporâneas, 2002.

TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo: a tribo jornalística. Vol II. Florianópolis, EditoraInsular, 2005.

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