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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MARIA ELISA BITTENCOURT LEITÃO PROFESSORES QUE ATUAM NA EDUCAÇÃO ESPECIAL: TRAJETÓRIAS DE VIDA E DE FORMAÇÃO ACADÊMICA VITÓRIA 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MARIA ELISA BITTENCOURT LEITÃO

PROFESSORES QUE ATUAM NA EDUCAÇÃO ESPECIAL: TRAJETÓRIAS

DE VIDA E DE FORMAÇÃO ACADÊMICA

VITÓRIA 2008

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MARIA ELISA BITTENCOURT LEITÃO

PROFESSORES QUE ATUAM NA EDUCAÇÃO ESPECIAL: TRAJETÓRIAS

DE VIDA E DE FORMAÇÃO ACADÊMICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre com ênfase em Edução Especial: diversidade e práticas educacionais inclusivas. Orientadora: Profª. Drª. Ivone Martins de Oliveira.

VITÓRIA 2008

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MARIA ELISA BITTENCOURT LEITÃO

PROFESSORES QUE ATUAM NA EDUCAÇÃO ESPECIAL: TRAJETÓRIAS

DE VIDA E DE FORMAÇÃO ACADÊMICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de

Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito final para obtenção do

Grau de Mestre em Educação na Linha de pesquisa Diversidade e Práticas Educacionais

Inclusivas.

Aprovada em 18 dezembro de 2008.

COMISSÃO EXAMINADORA ____________________________________________ Profa. Dra. Ivone Martins de Oliveira Universidade Federal do Espírito Santo Orientadora ____________________________________________ Profa. Dra. Anna Maria Lunardi Padilha Universidade Metodista de Piracicaba ____________________________________________ Prof. Dr. Hiran Pinel Universidade Federal do Espírito Santo ____________________________________________ Profa. Dra. Maria Aparecida Santos Corrêa Barreto Universidade Federal do Espírito Santo

VITÓRIA 2008

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AGRADECIMENTOS

O real não está na saída nem na chegada ele se dispõe para a gente é no meio da travessia (GUIMARÃES ROSA)

Essa travessia não se faz sozinha. Por isso, primeiramente, agradeço a Deus e a

todas as pessoas que, de alguma maneira, próximas ou distantes, acompanharam,

apoiaram, motivaram e colaboraram, tornando possível a construção do estudo que

decidi trilhar.

Aos meus pais, que estiveram ao meu lado, estimulando-me com muita sabedoria,

discernimento e bom senso, encorajando-me nas horas difíceis e me dando apoio e

inspirações necessários nessa caminhada.

Ao meu esposo, Antônio, pela colaboração, compreensão e força. Sem isso nada

seria possível.

Ao Fernando e à Júlia, meus filhos queridos, pelo carinho, ajuda e incentivo, sempre

presentes e decisivos em momentos difíceis.

Aos meus irmãos, José Álvaro, Maria Angélica, Nádia e a meus sobrinhos e

cunhados que acreditaram na conclusão deste trabalho.

À Profª Drª Ivone Martins de Oliveira, pela seriedade, dedicação, empenho e

compreensão durante o processo de orientação, muito obrigada por tornar possível

esta jornada.

À Profª Drª Agda, minha amiga, que gentilmente se dispôs a ajudar-me de forma

dedicada. Obrigada pela valiosa contribuição, dando-me tranqüilidade numa fase

crítica e estressante, quando muitas vezes ficávamos até tarde reunidas, dialogando

e ajustando os textos.

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À Profª Drª Denise Meyrelles de Jesus, pela amizade, carinho, compreensão,

exemplo de força intelectual e generosidade. Por todo o empenho, sabedoria,

oportunidade de crescimento, ensinando-me que seriedade, afetividade e trabalho

são, juntos, dádivas do grande mestre.

À Profª Drª Maria Aparecida Santos C. Barreto e ao Prof. Dr. Hiran Pinel, que

participaram do Exame de Qualificação de forma carinhosa, mostrando-se atentos e

cuidadosos, possibilitando a redefinição desta pesquisa.

À Profª Drª Anna Maria Lunardi Padilha, pelo carinho e gentileza em aceitar o

convite formulado.

Ao Prof. Dr. Carlos Eduardo Ferraço pela amizade de longa data. Obrigada pelo

apoio e incentivo.

A todos os professores do Curso de Mestrado que participaram da construção deste

trabalho, pela oportunidade de crescimento, realização profissional e pessoal.

Aos amigos de curso que entenderam e passaram pelos mesmos momentos e

souberam dar apoio, atenção, carinho e “ombro amigo”.

Aos 17 profissionais participantes da pesquisa que me acolheram de forma afetiva,

confiando em mim suas histórias de vida.

Aos meus colegas de trabalho da E.M.E.F. “Álvaro de Castro Mattos” pelo apoio e

incentivo.

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A leitura corrente é um verdadeiro trabalho de adivinhação, nosso espírito colhendo aqui e ali alguns traços característicos e preenchendo todo o intervalo com lembranças-imagens que, projetadas sobre o papel, substituem-se aos caracteres realmente impressos e nos dão sua ilusão. Assim, criamos ou reconstruímos a todo instante. Nossa percepção distinta é verdadeiramente comparável a um círculo fechado, onde a imagem-percepção dirigida ao espírito e a imagem-lembrança lançada no espaço correriam uma atrás da outra. (BERGSON)

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RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo analisar o percurso de constituição de professores

que atuam na área da Educação Especial. Tomando como referências autores,

como Nóvoa, Vigotski e Benjamin, enfoca a trajetória de vida desses sujeitos,

procurando identificar/compreender aspectos que tiveram participação ativa em sua

formação como professores da/na Educação Especial. Do ponto de vista

metodológico, constitui-se como um estudo de caso de professores que atuam na

área da Educação Especial. Tendo como foco a narrativa de 17 professores que

trabalham nos mais diversos contextos, em municípios do Espírito Santo, analisa

questões ligadas à vida, ao percurso de formação educacional e profissional que

permitiu a esses profissionais se constituírem professores na área Educação

Especial. Como critério para a escolha dos sujeitos, tomou como base egressos do

Curso de Pedagogia da UFES que cursaram a habilitação Magistério da Educação

Especial no período de 1998 a 2005. Inicialmente, analisa o percurso de formação

inicial de professores que atuam na Educação Especial, enfocando o interesse por

essa área, bem como experiências significativas vivenciadas. Em seguida, analisa

aspectos de atuação dos sujeitos na Educação Especial, destacando suas

percepções sobre a Educação Especial no contexto educacional atual, na

perspectiva dos sujeitos da pesquisa, elementos para compreender o percurso de

elaboração da identidade profissional dos entrevistados e práticas educativas na

área da Educação Especial. O percurso de análise dos dados, em consonância com

estudos desenvolvidos na área educacional, aponta o potencial das narrativas, no

que tange à compreensão do conhecimento do profissional, bem como o modo

como esse conhecimento se desenvolve diante de situações desafiantes

enfrentadas no espaço escolar, na medida em que lhe propicia a oportunidade de

falar/expressar sobre suas angústias, tensões e possibilidades. O estudo indica,

ainda, que a formação é um espaço de luta e conflitos que envolvem diferentes

concepções e um diálogo constante com o passado. Nesse processo, os

profissionais instrumentalizam-se, enfrentam dificuldades, questionam-se sobre

escolhas feitas, vivenciam experiências que reafirmam o compromisso com a

Educação Especial. Alguns passam a ter esperanças em mudanças na área social e

educacional como algo que está se fazendo e não como algo feito de uma única

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forma, (re)significando o trabalho educativo de modo a possibilitar, no espaço/tempo

da escola, momentos significativos de democratização do conhecimento a todos os

alunos, valorizando suas diferenças e organizando novas/outras práticas

pedagógicas.

Palavras-chave: Professor. Narrativa. Formação inicial. Formação continuada,

Educação Especial.

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ABSTRACT

This study aims at analyzing the construction of the professional identity

development of Special Educational Needs (SEN) teachers. Drawing on the

theoretical work of Nóvoa, Vigotski, Fontana e Benjamin, the research attempts to

identify the main factors which impacted both their formation and practice SEN

teachers. A case study and narrative analysis grounded our methodological

framework, and 17 SEN teachers from different city across the state of Espirito Santo

were selected. Inclusion criteria were narrowed to teachers with both a B.A. in

Pedagogy and a Special Educational Needs degree who took their course between

1998 and 2005. In its first stage, the study set out to analyze the SEN teachers’ initial

formation and the genesis of their interest in the area, as well as their meaningful

experiences which grounded their choice. Following this, we looked at the teachers’

perceptions underlying their practice as Special Educational Needs educators in

order to get a fuller understanding of the construction of their professional identity

and how this translates into the pedagogical practices of SEN. Data analysis

confirmed the potential of the narrative design as a powerful tool to apprehend how

teachers experience the conflicting realities and challenges of their professional

choice, for it provides a room for expressing their anxieties, self-doubts, tensions and

wishes. The study points to the fact that the construction of the SEN professional

identity involves the tension of balancing different conceptions, and a permanent

dialogue between the present and the past. In this process, teachers question their

own choice of career and undergo the hardships it poses, but ultimately their whole

experiencing of their journey reaffirm their commitment towards Special Educational

Needs. Some express hope in playing an active role in advancing changes in the

social and educational area, through a diversity of pedagogical practices and

interventions. Schooling would be thus reinvented by truly offering opportunities for

real democratization of knowledge and valuing diversity. Our findings may contribute

to offer insights into both theoretical and practical aspects of teachers’ professional

formation and their role in inclusive education, and how these intertwined processes

are experienced by them.

KEY WORS: Teacher, Narratives, Special Educational Needs, Training, Continuous education

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...............................................................................................................12

1 NARRATIVA, MEMÓRIA E TRAJETÓRIA DA PESQUISADORA:

UMA REFLEXÃO APONTANDO PARA AS QUESTÕES DE

INVESTIGAÇÃO .......................................................................................................….15

2 CONSTITUIÇÃO DO PROFESSOR, PROFISSÃO DOCENTE E

NARRATIVA...................................................................................................................27

2.1 A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO SOBRE A CONSTITUIÇÃO

DO PROFESSOR ...............................….......................................................................27

2.2 PROFISSÃO DOCENTE: MÚLTIPLAS FACES E DILEMAS...................................35

2.3 PROFESSOR, LINGUAGEM E NARRATIVA ……..................................................38

2.4 LINGUAGEM E NARRATIVA NA CONSTITUIÇÃO DO PROFESSOR...................41

3 EDUCAÇÃO ESPECIAL E DEMANDAS DE FORMAÇÃO DOCENTE...................................................................................................................44 3.1 BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL……..........................................44

3.2 UM PROFESSOR PARA EDUCAÇÃO ESPECIAL COM FORMAÇÃO

EM CONSONÂNCIA COM O MOVIMENTO DE INCLUSÃO.........................................52

4 CAMINHO METODOLÓGICO …………………………................................................57

4.1 O CURRÍCULO DO CURSO DE PEDAGOGIA DE 1995 E OS SUJEITOS

DA PESQUISA……………………...................................................................................60

5 LEMBRANÇAS E NARRATIVAS: PERCURSOS DE FORMAÇÃO INICIAL

DE PROFESSORES QUE ATUAM NA EDUCAÇÃO ESPECIAL…..….......................65

5.1OS SUJEITOS DA PESQUISA.. ……………………..................................................67

5.1.1 Grupo I: Sujeitos que se formaram nos anos de 1998 e 2000..............................67

5.1.2 Grupo II: Sujeitos que se formaram nos anos de 2001 e 2002.….........................70

5.1.3 Grupo III: Sujeitos que se formaram nos anos de 2003 e 2005................….........73

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5.2 O INTERESSE DOS PROFESSORES PELA EDUCAÇÃO ESPECIAL ................77

5.2.1 Grupo I: Sujeitos que se formaram nos anos de 1998 e 2000 ….........................77

5.2.2 Grupo II: Sujeitos que se formaram nos anos de 2001 e 2002 …........................81

5.2.3 Grupo III: Sujeitos que se formaram nos anos de 2003 e 2005 ….......................84

5.3 EXPERIÊNCIAS SIGNIFICATIVAS VIVENCIADAS NA FORMAÇÃO

INICIAL ....................................................................................................................87

5.3.1 Grupo I: Sujeitos que se formaram nos anos de 1998 a 2000 ….........................87

5.3.2. Grupo II: Sujeitos que se formaram nos anos de 2001 e 2002 ….......................92

5.3.3. Grupo III: Sujeitos que se formaram nos anos de 2003 a 2005 .....….................97

5.4. Períodos de conclusão do curso e experiências significativas de

formação................................................................................................................102

6 ATUAÇÃO NA EDUCAÇÃO ESPECIAL E IDENTIDADE

PROFISSIONAL……...................................................................................................105

6.1 A EDUCAÇÃO ESPECIAL NO CONTEXTO EDUCACIONAL ATUAL

NA PERSPECTIVA DOS SUJEITOS DA PESQUISA........................................... 107

6.2 ELEMENTOS PARA COMPREENDER O PERCURSO DE ELABORAÇÃO

DA IDENTIDADE PROFISSIONAL DOS ENTREVISTADOS................................118

6.3 PRÁTICAS EDUCATIVAS NA ÁREA DA EDUCAÇÃO ESPECIAL...................... 123

6.4 FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFESSORES NA EDUCAÇÃO

ESPECIAL..............................................................................................................139

7 REFLEXÕES FINAIS................................................................................................134

8 REFERÊNCIAS.........................................................................................................141

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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

Leitão, Maria Elisa Bittencourt, 1954- L533p Professores que atuam na educação especial : trajetória de

vida e de formação acadêmica / Maria Elisa Bittencourt Leitão. – 2008.

148 f. Orientador: Ivone Martins de Oliveira. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito

Santo, Centro de Educação. 1. Professores de educação especial - Formação. 2.

Educação especial. 3. Educação permanente. I. Oliveira, Ivone Martins de. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Educação. III. Título.

CDU: 37

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INTRODUÇÃO

Não é por estarmos expostos à chuva que podemos compreender os fenômenos de vaporização que a originam. Não é por vermos o sol que compreendemos sua função no nosso sistema cósmico (FONSECA, apud FEURSTEIN, 1995, p.89).

Discutir sobre a constituição do professor da área de Educação Especial é

essencialmente falar de sua formação, de sua memória, de sua vida, de sua

trajetória.

Trajetória significa caminhada, momentos, erros e acertos significativos em

determinadas fases de nossas vidas. Situações que vivemos e que nos remetem a

tomadas de decisões.

Ecléa Bosi (1994) indica que, na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas

refazer, reconstruir e reelaborar as experiências do passado, no trabalho de

recuperar a memória de uma vida. Fica o que significa. Segundo a autora, o

conteúdo dessas memórias sempre será avaliado com os recursos e os olhos

(imagens e idéias) do presente. Também nos adverte que lembrança é uma imagem

construída pelo conjunto de materiais que estão, em dado momento, disponíveis

para o sujeito que lembra.

A imagem da lembrança se materializa por meio da narrativa, que possibilita a

expressão significativa dessa memória, do vivido, do experienciado.

A narrativa fornece ferramentas para se perceber que a constituição do professor é

um campo de lutas, com diferentes concepções disputando espaços. Conhecendo

as lutas e as experiências do passado, o professor instrumentaliza-se, tem

esperança na mudança, na utopia como algo que está se fazendo.

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Em suas narrativas, os professores são sujeitos do processo, sentem-se

construtores e participantes e vão tomando consciência de sua própria formação e

constituição pessoal e profissional.

Dentro dessa perspectiva, abordamos, neste estudo, narrativas e experiências de

professores, desvelando sua formação e constituição no campo profissional e

pessoal. O estudo está organizado em seis capítulos.

O Capítulo I trata da narrativa do percurso de constituição profissional da

pesquisadora e aponta as questões de investigação, partindo dessa constituição.

Seu conteúdo traz lembranças e memórias de passagens significativas no campo

pessoal, familiar e profissional, as quais contribuem para a problematização de

aspectos relativos à constituição do professor.

No Capítulo II, destacamos a análise de alguns estudos que enfocam a constituição

do professor e suas narrativas, bem como suas práticas dentro do cotidiano da

escola. Em seguida, abordamos idéias e conceitos de autores, como Sacristàn,

Vigotski, Nóvoa e Benjamin, em quem nos baseamos para compreender a

constituição do professor e para analisar suas narrativas.

O Capítulo III discorre acerca de aspectos históricos da Educação Especial,

evidenciando o movimento de educação inclusiva, as demandas e desafios da

formação docente. Para discutir sobre a formação do professor para a Educação

Especial, trazemos algumas contribuições de Meirieu.

O conteúdo do Capítulo IV enfoca o caminho metodológico da pesquisa, que se

constituiu em um estudo de caso de profissionais que atuam na Educação Especial

no Estado do Espírito Santo, os quais cursaram Pedagogia na UFES e realizaram a

habilitação Magistério da Educação Especial.

Na discussão do Capítulo V, destacamos as narrativas dos professores, trazendo

suas lembranças por meio de frases significativas de suas memórias. O capítulo

apresenta a história de vida, o interesse pela área da Educação Especial,

experiências significativas da formação dos docentes sujeitos da pesquisa.

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No Capítulo VI, enfocamos a atuação dos sujeitos na Educação Especial,

destacando aspectos da constituição do eu pessoal e profissional. Abordamos

questões referentes à percepção dos sujeitos acerca do momento atual da

Educação Especial dentro dos sistemas de ensino no Estado do Espírito Santo, as

práticas desses sujeitos, bem como suas percepções sobre a formação continuada.

Fechando o estudo, apontamos as reflexões finais relativas à análise dessas

narrativas dos profissionais investigados, que contribuem para a compreensão da

constituição do professor que atua na Educação Especial.

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1 NARRATIVA, MEMÓRIA E TRAJETÓRIA DA PESQUISADORA: UMA REFLEXÃO

APONTANDO AS QUESTÕES DE INVESTIGAÇÃO

Um fato antigo, por mais nítido que se apresente na lembrança, não terá a mesma

imagem e idéia em outro momento da vida, já que, com o passar do tempo, nossa

percepção, nosso juízo de realidade e de valor são alterados. Não somos mais os

mesmos (BOSI, 2004).

Ao discutir, neste estudo, a constituição do professor, sinto-me instigada a refletir

sobre várias lembranças, que desvelam minha própria trajetória como professora,

focalizando passagens de minha vida pessoal, profissional e acadêmica.

Nóvoa (2003) indica-nos que, na área da educação e da cultura, nada faz sentido

sem a consideração do passado. Somos seres carregados de memória e, segundo o

autor, uma das tarefas da escola é trabalhar essa memória de forma que nos

possibilite lucidez para enfrentarmos os desafios do presente.

O autor também nos adverte que, em educação, nunca há história nem cultura a

mais, elas são condições essenciais para real transformação de nossas práticas

escolares e de nossas concepções pedagógicas, reafirmando nossa constituição

como profissionais da educação.

Nesse universo de lembranças, recordo-me da vida de meu pai. O mais velho de

oito irmãos, quatro homens e quatro mulheres. Fez o curso primário no Grupo

“Escolar Alberto de Almeida”, situado no bairro Santo Antonio, Vitória-ES. Após a

conclusão, parou para dar oportunidade aos outros irmãos. Seu pai achava que

quem deveria ter preferência nos estudos eram as suas irmãs. Ser professora era

importante, uma vez que o magistério era uma profissão considerada uma extensão

do lar, do cuidar dos filhos e que deveria ser exercida por aqueles que eram vistos

como um ser frágil, sensível, paciente, com o dom da maternidade.

Uma história pode ser nova e, no entanto, falar de

tempos remotos. O passado surge com ela (FONTANA,

2005, p. 104).

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Com 13 anos de idade, começou a trabalhar como auxiliar de serviços gerais. Aos

16, saiu de casa para trabalhar no município de Fundão - ES, como operário, na

reconstrução da linha férrea, ambiente onde a maioria dos operários era de

analfabeto funcional. Procurava fazer leituras e, com isso, o seu desejo de retomar

os estudos foi crescendo, de tal maneira que decidiu retornar à casa dos pais.

Um amigo de seu irmão ofereceu-lhe um emprego de ajudante de serviços gerais

em uma repartição pública ligada à companhia de navegação (Capitania dos

Portos), chamada Comissão de Marinha Mercante. Apresentou-se ao chefe que foi

logo lhe perguntando quanto pretendia ganhar. Respondeu-lhe que queria receber o

salário suficiente para retomar seus estudos.

Prestou exame de admissão ao ginásio e foi estudar no período noturno em uma

escola particular. Após, fez o curso científico no Colégio Estadual. Nessa época, já

dava aula particular de Matemática, pela qual tinha paixão. Tudo começou, quando

um professor de Matemática alcoolista, apresentando distúrbio de comportamento,

perseguia-o quando não comparecia às suas aulas, por motivo de trabalho. Isso o

revoltou de tal maneira, que resolveu dedicar-se a essa disciplina de forma intensiva,

passando a ensinar aos colegas de sala e muitas vezes aos seus filhos.

Dessa forma, foi se constituindo professor de Matemática, o que lhe possibilitou

iniciar trabalhos com alunos que apresentavam não só dificuldades durante o ano

letivo, como também com os que ficavam reprovados e teriam quer prestar exame

de segunda época. Chegou a ter sala com 60 alunos, e todos eram bem-sucedidos

em suas aprendizagens.

Como nos sugere Benjamin (1987), o passado não é apenas o que foi, mas uma

experiência de vida de cuja reminiscência nos apropriamos. Os modos de analisar e

significar o vivido não nascem em nós, neles materializam-se nossas interações com

as gerações que nos precederam.

Em meados de 1955, meu pai fez vestibular para Geografia na Faculdade de

Filosofia, Ciências e Letras do Espírito Santo. Ela estava em processo de formação,

portanto tinha como modelo a Faculdade Nacional de Filosofia, Ciência e Letras do

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Rio de Janeiro. Sua turma era constituída de seis alunos, cujas famílias eram de

classe média e com conhecimentos e experiências distintos daqueles vivenciados

por ele, que era de origem humilde e apenas trilhava por esse caminho.

Na faculdade, envolvia-se tanto em movimento estudantil quanto no esportivo, este

último era a sua grande paixão. Foi atleta de basquete e de remo, chegando a

ocupar a presidência do esporte e a vice-presidência dos movimentos estudantis.

Justifica sua paixão pelo esporte por ser fundamental na vida de qualquer pessoa;

nele o preconceito não existe e a disputa é democrática, o que não ocorria nas

políticas estudantis e nos diretórios acadêmicos, onde o clima era elitista e bastante

tenso.

As leituras, as discussões e a participação no movimento estudantil levaram-no a

assumir a tese de que a educação possui uma função política, numa dimensão

transformadora. Durante sua vida acadêmica, participou, como dirigente, de duas

convenções políticas na União Nacional de Estudantes (UNE). Também foi um dos

fundadores do primeiro jornal universitário da Universidade Federal do Espírito

Santo “O Pensador”. Concluiu o Curso de Licenciatura em Geografia numa fase de

muitos conflitos ideológicos.

Contrariando a realidade da época, ele defendia maior participação da mulher na

luta por condições que a levasse a ter um destaque maior na sociedade. Acreditava

que a mulher deveria ser peça fundamental na construção de uma sociedade mais

justa, conseqüentemente, apresentando-se como sujeito consciente de seu papel.

Para isso, era preciso investir em sua formação, possibilitando-lhe a apropriação do

saber sistematizado, e uma competência técnica, crítica e racional, que lhe

permitisse uma ação ordenada e em favor da transformação e emancipação social.

Hoje, considero meu pai um dos idealistas de sua época.

Ao concluir o Curso de Geografia, foi convidado a dar aulas no período noturno em

duas escolas particulares profissionalizantes: Escola Técnica do Comércio Capixaba

e Escola Técnica de Vitória. As turmas eram constituídas, em sua maioria, por

alunos trabalhadores do comércio e de outras atividades autônomas. Na relação

professor-aluno, havia mais autonomia, cordialidade e respeito.

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Os professores que atuavam no mercado de trabalho tinham status significativo na

sociedade. Em sua percepção, a sociedade atual vê os educadores com outro olhar,

isto é, como uma máquina de engrenagem que produz diploma para qualquer aluno.

Com isso, o educador se tornou objeto e não sujeito da ação educativa, o que

contribui para a desvalorização tanto da profissão quanto do profissional.

Na sala de aula, propiciava aos alunos uma aprendizagem enriquecedora e

agradável. Articulava os conteúdos teóricos à vida cotidiana deles. Isso era facilitado

por estar, também, ocupando um cargo em um órgão público federal que fazia

política de navegação, permitindo-lhe dominar conhecimentos de forma satisfatória

sobre economia, comércio exterior e exportação.

Não adotava livro didático, uma vez que este ficava desatualizado rapidamente.

Fazia planejamentos anual e semanal, trabalhava com textos, esquemas e

anotações, articulando informações que permitissem trazer o passado para o

presente. O sistema de avaliação dos alunos era por meios de notas, prova oral,

escrita e observações cotidianas. Sempre foi muito exigente com relação à

freqüência, porém procurava olhar o aluno respeitando suas limitações.

Mesmo criança, vivenciei parte dessa história de forma significativa. Os elos que

ligam as gerações mais velhas às mais novas aos poucos me levaram à escolha da

profissão de professora.

Fiz o curso científico (Antigo Segundo Grau, hoje Ensino Médio) e por me interessar

muito por Biologia, Química e Física e por gostar de questões referentes ao meio

ambiente, aos 18 anos, tinha a intenção de ser bióloga e trabalhar com pesquisas.

Em 1974, entrei na universidade e iniciei o Curso de Licenciatura em Biologia, com a

possibilidade de cursar o Bacharelado.

Paralelamente à faculdade, fui chamada, em 1975, para a minha primeira atividade

profissional: dar aula de Ciências, numa instituição educacional privada, que atendia

a alunos de 1ª a 8ª série do Ensino Fundamental.

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Hoje, percebo que essa escola tinha uma prática baseada em uma concepção

tecnicista. Orientados por essa concepção, os professores tinham seus

planejamentos e planos de aulas centrados apenas nos objetivos que eram

operacionalizados de forma minuciosa; havia uma preocupação com os recursos

tecnológicos e audiovisuais, que pareciam sugerir uma modernização do ensino. A

ênfase nas técnicas de ensino, na mudança de comportamento e em uma

“tecnologia comportamental” apontava a preocupação com a formação de pessoas

aptas para o mercado de trabalho.

Como qualquer profissional em processo de constituição, na formação básica,

compartilhava de tudo, porém discordava de alguns desses procedimentos, que hoje

considero como homogeneização e uniformização do ensino. Percebo que este

controle sobre os professores favorecia uma desprofissionalização, desencadeando

uma crise de identidade profissional e, conseqüentemente, contribuindo para a

reprodução das desigualdades sociais.

Diante desse contexto, assumi as aulas de Ciências de 5ª a 8ª série. Salas cujo

número de alunos por turma variava entre 35 e 40. Conforme norma da escola, a

configuração das cadeiras na sala de aula era de forma enfileirada, não sendo

permitido alterá-la. Tinha como justificativa que o contrário poderia desencadear

tumulto, desestabilizando a organização vigente.

Inicialmente, diante de minha inexperiência e da pouca flexibilidade do contexto

escolar, senti-me intimidada, o que me casou certo nervosismo. Com o passar do

tempo, fui me adaptando à rotina de maneira a diminuir minha insegurança, já que o

foco de minha atenção era dar prioridade ao aprendizado dos alunos. Considerava

que estava assumindo um importante papel na formação de cidadãos e tentando

contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Estabeleci algumas ações que seriam desenvolvidas no cotidiano das aulas.

Trabalharia com: livro didático, aulas expositivas, aulas práticas, exercícios

individuais e trabalhos em grupos, envolvendo temas diversificados que

contemplassem o planejamento anual e os interesses dos alunos. Nesse sentido,

procurava propiciar aos alunos aulas dinâmicas, criativas, atividades diversificadas e

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direcionadas ao incentivo e desenvolvimento cognitivo. Afinal, era assim que estava

aprendendo na graduação.

Um aspecto relevante na minha construção profissional foi ter tido contato anterior

com a prática escolar em concomitância com o curso de licenciatura. Esse saber foi

construído na interlocução estabelecida entre o mundo acadêmico e o mundo da

escola. Penso que ter um pé na formação inicial e outro na prática escolar

possibilitou-me extrair experiências, saberes/conhecimentos essenciais para minha

formação profissional. Observei que o trabalho, em cada sala de aula, demanda um

saber-fazer próprio e às vezes exclusivo àquele contexto, ou seja, esse saber é

sempre provisório, o que possibilita mudanças e ajustes, sempre que necessário.

Ensinar Ciências significa envolver os alunos em atividades que produzam algum

sentido para eles, é passar por questões mais amplas, permitindo trazer aos seus

problemas físicos explicações causais dos fenômenos apresentados, possibilitando

refletir sobre experiências que quebrem resistências, facilitando a relação com os

conteúdos, dando, assim, um novo sentido aos acontecimentos.

Sempre mantive boas relações com os alunos. Ainda hoje, ao encontrá-los, sou

lembrada pelas práticas desenvolvidas durante as atividades escolares. A relação

estabelecida entre professor e aluno constitui o cerne do processo pedagógico. É

difícil desvincular a realidade escolar da realidade do mundo; essa relação é uma via

de mão dupla, pois ambos, professor e aluno aprendem mutuamente no fazer

pedagógico. Como afirma Freire, (1996, p.73), “[...] nenhum professor passa pelos

alunos sem deixar sua marca”.

O processo de avaliação dos alunos se dava continuamente por meio de provas

escritas, auto-avaliação e trabalhos práticos, havendo pouca evasão e repetência.

Em contrapartida, as reuniões de pais aconteciam no horário noturno,

bimestralmente, após reunião do Conselho de Classe. Contava com um número

expressivo deles. Havia respeito e admiração pela figura do professor. Percebia que

a família, em sua grande maioria, participava da vida escolar de seu filho, pois

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comentava, com riqueza de detalhes, as atividades desenvolvidas nas salas de aula,

bem como as tarefas a serem realizadas em casa.

Os professores também eram avaliados continuamente pela equipe dirigente da

escola. Algumas vezes, éramos comunicados, outras, só tínhamos conhecimento no

final do ano letivo, quando o professor era dispensado de suas atividades. Trabalhei

dez anos nessa escola e, quando saí, foi por decisão minha.

Ao concluir o curso de licenciatura, além de continuar nessa escola, ingressei nas

escolas públicas da Rede Municipal de Ensino de Vitória e trabalhei nessa instituição

durante três anos. Fui professora contratada, como conseqüência, atuei em várias

escolas, o que me possibilitou vivenciar diferentes realidades. Em 1984, fui efetivada

como professora, com carga horária de 30 horas semanais.

Hoje, percebo o quanto foi relevante em minha constituição profissional docente

cursar a licenciatura já atuando como professora, num processo contínuo. Essa

simultaneidade contribui de forma expressiva no modo de ser professor.

Em 1982, ingressei no Curso de Pós-Graduação em Educação, o primeiro a ser

realizado no Estado do Espírito Santo. Lia filósofos e pensadores buscando saberes

e entendimentos que contemplassem temas, principalmente, com relação às

tendências filosóficas e comportamentais da sociedade.

Após o nascimento do meu segundo filho, em 1995, precisamente seis meses

depois, e paralelamente a uma difícil situação de doença familiar, fui convidada a

assumir a direção de uma escola em processo de intervenção. A escola passava por

sérios problemas na sua organização pedagógica, administrativa e social. La

atuavam alguns profissionais da educação que, descompromissados com as

questões sociais, dentre outras ações, diariamente desligavam a bomba d`água,

inviabilizando as aulas, comprometendo, assim, todo o processo educacional.

Essa escola se localizava num morro que, já naquela época, era de difícil acesso às

pessoas desconhecidas. Para ingressar na comunidade, existia um acordo entre os

membros do centro comunitário, do Conselho de Escola e moradores. Tal acordo

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permitia que transitassem livremente moradores locais e profissionais das seguintes

áreas: educação, saúde e religião. Esses cidadãos não seriam importunados, isto é,

não sofreriam assaltos, roubos e outros tipos de delitos.

As aulas de Educação Física só transcorriam normalmente se, em uma determinada

hora, a quadra fosse cedida para a comunidade. Os moradores eram: trabalhadores,

cumpridores de pena em regime de liberdade condicional, foragidos da Justiça,

traficantes, usuários de drogas, desempregados, dentre outros.

A situação era tal que a qualquer momento havia batidas policiais, tanto aéreas

quanto terrestres. As crianças inseridas nesse contexto ficavam agitadas, pois

sabiam que a ação dos policiais teria uma reação em nível familiar, ou seja, ao

chegar a suas casas, poderiam ser surpreendidas com a falta ou mesmo perda de

algum membro de sua família, da vizinhança ou de amigos próximos. O que fazer?

Como mudar isso? Perguntava-me freqüentemente.

Como diretora, contava com o apoio de alguns membros do Conselho de Escola e

da comunidade e também, com alguns profissionais da escola como: um professor

de Educação Física, alguns auxiliares de serviços gerais e dois funcionários da

secretaria, um deles era membro da Pastoral do Menor, ligada à comunidade.

Não me intimidei com a situação. Algo deveria ser feito em prol daqueles alunos em

condições desfavoráveis. Procurava demonstrar calma e segurança diante dos

argumentos contraditórios, freqüentemente apresentados por eles. Muitas vezes,

senti-me ameaçada e desanimada e, em alguns momentos, tive que negociar de

maneira insatisfatória, porém era necessário preservar minha integridade. Mesmo

querendo dar continuidade ao processo de resgate, percebi que teria pouquíssimas

chances de sucesso, pois havia muita resistência no cotidiano escolar.

Hoje, ao lembrar o que passei nessa trajetória como profissional da educação,

remeto-me a Gadotti (1997, p. 26) quando diz:

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Se vocês me perguntassem: Você faria isso de novo? Eu responderia: `sim`. Com o sonho que tinha na época e com o conhecimento de que dispunha, e não com as idéias que tenho hoje [...] hoje, minha certeza é outra – digo `certeza` porque precisamos de certezas para pensar e agir - hoje eu creio que é na luta cotidiana, no dia- a- dia, mudando passo a passo que a quantidade de pequenas mudanças numa certa direção oferece a possibilidade de operar a grande mudança.

Entendemos que a grande mudança tão necessária para a transformação de

práticas educativas perpassa pela autonomia. Entretanto, para que tal possibilidade

ocorra, não basta que esteja outorgada por instrumentos legais, mas deve ser

construída conjuntamente com os profissionais envolvidos no processo de gestão e

organização escolar, mais precisamente nas relações interpessoais desse contexto,

de modo que se efetive numa prática cotidiana, voltada a ampliar a concepção de

democratização do espaço escolar.

Após um período afastada da regência, fui designada pela Secretária de Educação

do município da época para outra escola, cuja função seria retomar as atividades da

biblioteca que fora fechada por conflitos internos. Novos desafios apareceram, além

da necessidade de fazer um trabalho de harmonia e resgate com os profissionais da

escola. Não tinha a devida formação sobre o cotidiano de uma biblioteca. Fui buscar

conhecimentos, fazendo leituras e cursos. A biblioteca possibilitou-me percorrer

caminhos desconhecidos do conhecimento cognitivo, afetivo e social. Cresci,

amadureci, o que me possibilitou ajudar alguns dos colegas a entenderem a

importância da busca de leituras, pesquisas e a necessidade da formação

continuada em serviço.

Foram sete anos de persistência e resistência diante do trabalho desenvolvido na

biblioteca. Nem sempre os alunos são estimulados por seus professores a

freqüentar a biblioteca. Há educadores que resistem em buscar conhecimentos que

reflitam sobre suas práticas; não se permitem revisões que ampliem suas ações,

impedindo a busca e descobertas de caminhos, que certamente impulsionariam o

desvelar e de novas direções.

Segundo Paim (2005), Benjamin contribui para pensarmos a educação e a formação

de professores como um imenso campo de possibilidade. Leva-nos a pensar a

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formação por meio de algumas de suas categorias, como experiências vividas,

memória, história aberta, e nos possibilita estar atentos a vozes que vão sendo

sufocadas pelo tempo saturado de agora. Possibilita pensar outra formação, que

permita ao professor fazer-se, ou seja, ter uma formação básica que lhe possibilite

ter autonomia suficiente para ser sujeito do processo educacional, ser autônomo na

relação com outros sujeitos e se perceber produtor de conhecimentos em conjunto

com seus alunos, com seus colegas, com as comunidades escolares, respeitando as

diferenças, compreendendo-os como possuidores de saberes que precisam ser

respeitados.

Nessa concepção, passar-se-ia do formar ao fazer-se professor. Essa passagem

ocorre quando se pensa o ato educacional como um campo de possibilidades, como

uma história que está aberta, por se fazer, e não como algo pronto, fechado,

determinado, em que o professor fala, expõe, e os alunos ouvem e repetem.

Benjamin (1983) fornece ferramentas para se perceber que a formação é um campo

de lutas, com diferentes concepções disputando espaços. Conhecendo as lutas e as

experiências do passado instrumentalizam-se, passam a ter esperança na mudança,

na utopia como algo que está se fazendo e não virá de qualquer forma. Os

professores passam a ser sujeitos do processo, sentem-se construtores

participantes.

Refletindo sobre o percurso de meu pai e sobre o meu próprio na profissão de

professor/professora, percebo que o processo de constituição do ser professor é

complexo, multifacetado, prazeroso e dolorido, com interferências de vários

espaços-tempos, de vários saberes e fazeres. Todo esse processo me motiva a

aprofundar a discussão sobre como se constitui o professor. Entretanto, neste

momento, interessa-me a constituição de um professor em particular: o professor

que atua na Educação Especial.

Em 1999, a escola onde eu trabalhava na biblioteca começou a atender aos

primeiros alunos com necessidades educativas especiais. Como os demais colegas,

eu não tinha conhecimentos suficientes para atendê-las, mas o comprometimento e

a responsabilidade, associados ao interesse, curiosidade e minha caminhada

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profissional, permitiram-me ir em busca de novas aprendizagens, facilitando o agir

de forma positiva e responsiva diante de mais um desafio.

Nesse sentido, Nóvoa (1995, p.15) nos diz: “Toda profissão afirma uma identidade e

esta por sua vez, não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um

produto”. Essa identidade é um lugar de lutas e conflitos, é um espaço em

construção, maneira de ser e de estar na profissão. Entretanto, conviver com essa

dinâmica de lutas e conflitos exige não apenas competência técnica, mas também

compromisso, permitindo avançar e corresponder à exigência humana do processo.

O contato com os alunos com necessidades educacionais especiais e a percepção

das dificuldades e resistência dos professores em trabalhar com esses alunos

motivaram-me a buscar mais informações a respeito da Educação Especial.

Mergulhada nesse contexto, desde 2002, participei do Seminário Educação

Inclusiva, na Universidade Federal do Espírito Santo. Fiz o primeiro Curso de Libras

dessa Universidade e, nos anos de 2003 a 2005, participei do Projeto Integrado de

Pesquisa, intitulado “Construindo uma Práxis Pedagógica Diferenciada Pela Via da

Formação Continuada”, promovido pelo Programa de Pós-graduação em Educação

/PPGE/CE/UFES, coordenado pela professora Denise Meyrelles de Jesus.

O projeto teve como proposta trazer para o campo teórico e prático um conjunto de

reflexões e análises de suma relevância no discurso sobre as práticas e

organizações educativas inclusivas, a partir da formação continuada de profissionais

da educação. A participação nesse projeto permitiu-me aprofundar reflexões sobre

as transformações necessárias para a implementação de uma escola inclusiva.

Também esse projeto possibilitou-me, ainda, coordenar, juntamente com quatro

colegas de diferentes áreas em uma escola pública, o “Projeto de Aprendizagem

Mediada”. Nesse projeto, vivenciei momentos inesquecíveis. Ele foi desenvolvido em

uma turma de 4ª série, composta de 30 alunos, com diferentes níveis de leitura e

escrita. Nessa turma havia uma aluna com necessidades educacionais especiais

(NEE).

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Essa aluna apresentava dificuldades de coordenação motora fina, de oralidade, de

expressão de seu pensamento, de seguir regras e de relacionamentos com o grupo

e professores, por conseguinte resistia em realizar atividades propostas, mesmo

tendo condições cognitivas para fazê-las. Para isso, privilegiamos, em diferentes

momentos, o ensino coletivo, em pequenos grupos e individualmente, envolvendo

várias disciplinas e várias estratégias em diversos ambientes, tudo isso objetivando

fortalecer o apoio e a orientação entre os alunos. Com esse trabalho, percebemos

avanços no desenvolvimento social, afetivo e cognitivo dessa aluna. Também

constatamos a necessidade e as possibilidades de trabalhar com esses sujeitos na

escola.

Esse percurso leva-me a uma reflexão sobre a constituição do sujeito na

heterogeneidade das situações e, mais do que isso, motiva-me a pensar sobre a

formação do professor que trabalha com esses sujeitos na escola: como se constitui

o professor que atua na área da Educação Especial?

No ano de 2005, o Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Espírito Santo

possibilitava alunos em formação inicial cursar diferentes habilitações e, dentre elas,

a Habilitação em Magistério da Educação Especial. Após a graduação, esse

profissional poderia fazer cursos de aperfeiçoamento ou pós-graduação, para

continuar aprofundando reflexões na área. Atualmente, a formação inicial desses

profissionais se efetiva no Curso de Pedagogia ou Curso Normal Superior.

Na escola, esses conhecimentos são aperfeiçoados mediante o contato e a reflexão

sobre as ações realizadas com as crianças, a troca de experiências com outros

colegas de trabalho e com os projetos de formação continuada.

Diante desse contexto, interessa-me compreender como professores graduados em

Pedagogia se constituíram professores na área da Educação Especial. Analisando

as seguintes questões: o que interferiu nessa formação? Como a Universidade

participou desse processo? De que maneira as ações e experiências vividas no

contexto de trabalho repercutiram e repercutem nesse percurso?

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2 CONSTITUIÇÃO DO PROFESSOR, PROFISSÃO DOCENTE E

NARRATIVA

Com o objetivo de aprofundar a discussão sobre alguns desses aspectos,

apresentaremos alguns estudos que tratam da constituição dos professores, bem

como de suas práticas dentro do cotidiano da escola. Esses estudos abordam as

narrativas dos professores, enfocando temas, como formação do professor e o

cotidiano da escola, como propulsores dessa constituição profissional.

Em seguida, apresentaremos idéias de alguns autores e conceitos que tomamos

como base para compreender a constituição do professor e para analisar as

narrativas dos sujeitos desta pesquisa, focalizando as questões da Habilitação em

Educação Especial dos egressos do Curso de Pedagogia da UFES.

2.1 A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO SOBRE CONSTITUIÇÃO DO

PROFESSOR

Ao fazermos um levantamento de trabalhos produzidos a respeito da constituição do

profissional professor, constatamos que essa temática é abordada sob perspectivas

diferenciadas.

Entre outros trabalhos, podemos destacar Fontana (2005), que discute a

constituição da professora das séries iniciais do Ensino Fundamental. Para essa

pesquisa, a autora se baseia nos estudos de Vigotski sobre a constituição social do

sujeito, nos estudos de Bakhtin a respeito do papel do signo (palavra) na

constituição do sujeito e em Benjamim, que aborda a narrativa.

Conforme destaca Fontana (2005), alguns professores afirmam: “A gente aprende

dando aula”, “É no cotidiano que se aprende a ser professor e se vocaciona”; “O

docente organiza e recria o trabalho com base no aluno”. Entretanto, nem sempre se

discute ou problematiza o modo pelo qual esses processos e significados foram

produzidos e se consolidaram. Fala-se sobre o professor já constituído e não dos

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processos pelos quais se foi constituindo. A gênese e o desenvolvimento nos

indivíduos, do seu “ser profissional” não são traçados. Ela é inferida a partir das

representações constituídas e da interpretação que dela se faz com base nas teorias

assumidas.

Em muitos estudos sobre o tema, o que se destaca são as representações já

constituídas que expressam as concepções que o sujeito revela sobre o vivido e

sobre o lugar por ele ocupado nas relações sociais. Na análise, o foco é colocado

sobre o indivíduo, busca-se explicar esse indivíduo a partir dele próprio, de como ele

pensa e vive sua atividade profissional.

Segundo Fontana (2000), durante muito tempo, nas pesquisas educacionais, o

corpo docente foi situado como assexuado, configurando uma profissão neutra do

ponto de vista do gênero. Porém, questões referentes à profissão de professor eram

abordadas sobre a ótica de um ordenamento masculino do mundo. Paralelamente a

isso, também se relacionou o homem com o espaço público, lugar das decisões

políticas, da vida profissional; e a mulher com o privado, doméstico e familiar.

Com o tempo, as mulheres ingressaram no mercado de trabalho e passaram a

exercer a profissão de professoras, a maioria nas séries iniciais do ensino

fundamental. Essa situação acabou por cindir a professora em, (no mínimo) duas

personagens distintas “que não deveriam se misturar”: a profissional e a mulher

(mãe, esposa dona de casa, etc.).

Analisando narrativas de cinco professoras das séries iniciais do ensino

fundamental, a respeito de como se constituíram professoras, Fontana (2000)

aponta que essas professoras foram se constituindo, silenciosamente, ora

entrelaçadas à filha que se opunha ao pai ou que acatava a sugestão da mãe, ora

entrelaçadas à mãe que, pelas mãos dos filhos que aprendiam, reencontrou em si a

professora; ora entrelaçadas às alunas que foram no passado. O tempo, também,

marcou essas histórias. Essas professoras não nasceram professoras, nem se

fizeram professoras de repente. O fazer-se professora foi-se configurando em

momentos diferentes de suas vidas.

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Segundo a autora, a multiplicidade e o conflito que a professora vive nas relações

sociais em que se constitui também se produzem dentro dela: a professora é uma

multiplicidade de papéis e de lugares sociais internalizados que ora se harmonizam,

ora entram em choque. Cada professor(a) não é apenas professor(a), também é

mulher/homem, negro(a), mulato(a), branco(a), brasileiro(a), estrangeiro(a) em

nosso próprio chão, velho(a), a professora mais antiga da escola, aquela que está

iniciando o seu primeiro ano de trabalho, a professora militante, a professora não

sindicalizada, aquela que não depende de seu salário para viver, etc.

As relações sociais que se estabelecem entre o professor(a) e seus pares, seus

alunos, suas leituras, seus superiores hierárquicos marcam o sujeito e sua história.

As interações, elas próprias determinadas, configuram o sujeito singular.

No estudo de Fontana (2000), as professoras foram se constituindo num jogo

inquieto, nas relações sociais. Suas histórias são marcadas pelo sofrimento e

desestabilização, pelas perdas, alegrias e desilusões. Também pelo silenciamento,

isolamento e solidão do trabalho. “Tornar-se professora”, mais do que uma condição,

foi também o processo pelo qual elas se inseriram, de modo específico, no trabalho

como mulheres e trabalhadoras, na corrente das relações de trabalho e das práticas

educativas.

Gomes (2004) também se interessou em investigar aspectos da constituição do

professor das séries iniciais do ensino fundamental. O objetivo de seu estudo foi

analisar a construção de conhecimentos do professor no cotidiano escolar sobre a

própria prática pedagógica, a partir de análise de seus registros escritos.

Como referencial teórico, Gomes (2005) utilizou, dentre outros, os estudos de

Vigotski (1979), Bakhtin (2000), Foucault (2004) e Fontana (2003). Vigotski (1979)

contribui com sua visão sobre o desenvolvimento humano como um processo

sociocultural em que o homem se desenvolve a partir da apropriação da cultura, na

relação com outros homens. Em Bakhtin (1992), a autora busca os conceitos de

dialogia e polifonia para compreender as diferentes vozes que atravessam os

enunciados do sujeito e que o constituem; destaca que elaboramos o mundo e nos

elaboramos no mundo pela palavra do outro, da qual nos apropriamos. Também

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Foucault (2004), é utilizado para auxiliar na compreensão do papel da escrita na

constituição da subjetividade; para ele, a escrita é reveladora de uma verdade já

dita, vivida com o intuito de revê-la e reafirmá-la como verdadeira, com singularidade

própria de cada fato e com a particularidade do contexto em que esses fatos

acontecem.

Como metodologia da pesquisa, Gomes (2004) utiliza o estudo de caso de uma

professora que atua nas séries iniciais do ensino fundamental, analisando o

processo de constituição do conhecimento do professor sobre a prática pedagógica.

Para isso, enfoca os sentidos que emergem das relações estabelecidas no espaço

escolar, o trabalho pedagógico em frente à diversidade de fatores presentes no

cotidiano escolar, a constituição do conhecimento a partir da prática do registro.

Essa autora observou as aulas, analisou os cadernos de registros da professora,

que continham informações sobre o planejamento das aulas e relatórios do

andamento dessas aulas, entrevistas e diário de campo.

A autora analisa as diferentes vozes que atravessam os registros escritos da

professora. Para isso, discute a construção do conhecimento a partir da relação do

sujeito com o outro, ou seja, aponta que o saber docente é plural, composto por

diferentes saberes com os quais os professores estabelecem relações. Dentre essas

diversas vozes, destacam-se aquelas que remetem às práticas institucionalizadas de

organização do trabalho educativo na escola, às teorias, às práticas de ensino da

leitura e da escrita estabilizadas no contexto escolar e aquelas que emergem do

próprio processo de escrita.

Paim (2005) tem como objetivo investigar e avaliar aspectos da formação inicial de

professores e professoras do curso História da Universidade do Oeste de Santa

Catarina UNOESC – Chapecó, em início de carreira. Também avalia suas

experiências como profissionais bem como o fazer-se profissional dos professores

do Curso de História em início de carreira.

Para seu estudo, Paim (2005) baseia-se nas discussões de Thompson (1981) sobre

relações de trabalho, as quais são remetidas ao contexto escolar, possibilitando

abordar alunos e professores como produtores de conhecimentos, com saberes e

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sensibilidades diferentes, como sujeitos que têm culturas diferentes e que precisam

ser respeitadas. Também se apóia nas contribuições de Vigotski para pensar os

professores como produtores de conhecimento, numa ação partilhada, nas relações

entre o sujeito-professor e o objeto do conhecimento, entre o sujeito-professor e os

alunos, os colegas professores, a direção e a comunidade escolar.

Em sua pesquisa, os estudos de Bakhtin e de Benjamim também são utilizados

como suporte para discutir as narrativas dos professores. Paim (2005) utiliza a

narrativa de 20 profissionais (18 professoras e 2 professores egressos do Curso de

História da UNOESC – Chapecó no período de 1998/99). Avalia as experiências

vivenciadas na passagem de acadêmicos para profissionais. Para nortear a

pesquisa, utilizou questões embasadas nos seguintes aspectos: subjetividade do

novo professor; atividades docentes; relacionamento profissional; avaliação da

formação inicial; participação nas lutas da categoria bem como formação

continuada.

O autor utiliza, como fonte da pesquisa, relatórios de estágios e de pesquisas

produzidos pelos professores depoentes, materiais técnicos da universidade,

memórias e experiências vividas pelos professores em início de carreira, gravações

das entrevistas, estudos historiográficos e, com as ferramentas teóricas, fez recortes

e diálogos necessários.

Paim (2005) analisa as relações entre o eu e o nós, em diferentes espaços

vivenciados pelos depoentes, e aponta que os relatos evidenciaram que o professor,

ao concluir uma graduação, não está pronto, formado. A formação é um eterno

fazer-se; há, durante toda a carreira, um movimento contínuo de aprendizagem,

pois, como humanos, estamos em permanente processo de construção. Faz uma

distinção entre as funções do professor universitário que, como pesquisador, é

também construtor de conhecimento e do professor da escola básica, que tem como

função ensinar o conhecimento produzido na universidade.

O autor destaca, como pontos relevantes, no constituir-se professor(a), que, o

profissional ouse, busque, inove, ouse experimentar, enfim, vá além dos modelos

idealizados quer pelos projetos do curso de licenciatura, quer por meio de pesquisa.

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Reconhece a importância ou de se “estabelecer”, ou de se trabalhar as relações com

os alunos, de dialogar para além da relação professor/aluno, objetivando ser

entendido e entendê-los. Conclui que há, entre ambos, um entrecruzamento de

diferentes trajetórias situadas em tempo e espaço produzido com diferentes sujeitos.

As pesquisas destacadas até o momento abordam diferentes aspectos da

constituição de professores que atuam na educação básica. Discutem questões,

como: o fato de a profissão ser composta predominantemente por mulheres e suas

implicações para a constituição da identidade profissional; o entrelaçamento de

diferentes lugares e funções desempenhadas por esse professor nos diferentes

espaços de sua vida; as marcas que as relações estabelecidas com alunos, com

colegas de trabalho e com a própria profissão deixam no sujeito e em sua história; a

compreensão de que a formação é um processo constante, um eterno fazer-se.

Continuando a abordagem de trabalhos produzidos sobre a constituição do

professor, apresentaremos alguns estudos produzidos especificamente na área de

Educação Especial.

Outra pesquisa que investiga aspectos da formação do professor é a de Almeida

(2003), que tem como objetivo investigar a transformação da prática educativa dos

profissionais do ensino a partir da pesquisa e reflexão crítica da ação pedagógica

pela via da formação continuada em contexto, em uma escola que trabalha com

alunos com necessidades educacionais especiais.

A autora baseia-se em Habermas (1987a) que discute a relação entre o teórico e o

prático, numa abordagem crítico-social do conhecimento e da prática educacional, e

em Giroux (1997), que enfatiza ser fundamental, na formação dos profissionais da

educação, a responsabilidade de preparar crianças e jovens para uma nova forma

de pensar e viver a realidade e a sociabilidade que contemplem a diversidade.

A autora utiliza, ainda, pensamentos de Sacristan (2002), que ressalta a importância

do ato educativo e propõe uma reflexão sobre a aprendizagem voltada para os

interesses dos alunos.

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Almeida (2003) realiza uma investigação de natureza qualitativa, a partir da

pesquisa-ação crítica, focada na colaboração-intervenção em um estudo de caso. A

pesquisadora evidencia que as reflexões e análises do processo de pesquisa

mostram a importância da colaboração entre todos os envolvidos no fazer educativo,

bem como a implementação de grupos auto-reflexivo-críticos, como possibilidade de

efetivação e ressignificação da formação continuada em contexto. Também destaca

que o referido trabalho possibilitou vivenciar o desenvolvimento profissional docente,

a partir da pesquisa de sua própria prática, com vistas à consolidação da inclusão

educacional. Indica como pontos relevantes: a formação continuada na escola e a

necessidade de que os próprios profissionais a concebam e implementem; a

relevância de os coordenadores responsáveis pela execução do ato educativo

assumirem-se como articuladores e gestores do sistema de ensino, garantindo

políticas públicas que assegurem aos professores o domínio do saber para que seu

fazer seja consciente, planejado e seguro.

Além disso, o estudo evidencia que, para a construção de práticas educativas

inclusivas que atendam à diversidade dos alunos, alguns pontos precisam ser

considerados: a aprendizagem cooperativa; o planejamento e a organização

sistemática do ensino; o manejo das relações em sala de aula; a flexibilização e a

adaptação curricular; a observação constante e sistemática dos alunos a partir da

investigação didática; o compromisso com o ensinar; a adoção da crítica e da

cooperação; a melhoria das práticas, tomando como princípios norteadores a

pesquisa e a relação teoria/prática. Enfatiza, também, a importância do pensar e agir

coletivamente, uma vez que todos são responsáveis pelo processo de ensino-

aprendizagem dos alunos.

Martins (2005), também interessada em transformações na prática escolar, investiga

a atuação do pedagogo na escola. Destaca as possibilidades e as necessidades do

desenvolvimento de ações colaborativas entre pedagogos e professores, de modo a

favorecer um trabalho co-partícipe na construção de práticas pedagógicas

diferenciadas, buscando atender à diversidade dos alunos na escola.

Apóia-se em estudos de Ardoíno (2004), que enfatiza a educação e o pensamento

complexo. A autora também se baseia em Morin (2004), que propõe uma educação

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emancipadora, que favoreça o questionamento, a reflexão do cotidiano e a

transformação social.

Por fim, busca contribuições em Alarcão (2003), quando ela defende uma escola

viva que permita a professores, alunos, pais e funcionários interagirem diretamente

no seu cotidiano, proporcionando a todos um espírito colaborativo que supere a

competição; que tenha o aluno como elemento central da ação educativa; que

compreenda seu passado e o seu presente, sua história de aprendizagem e o seu

nível de desenvolvimento sociocultural e veja o professor como profissional do

humano.

Utiliza, como metodologia, a pesquisa-ação crítico-colaborativa. Esse estudo ocorreu

em uma escola municipal de Vitória, tendo como sujeitos: alunos de 5a série do

ensino fundamental, o pedagogo, uma professora, a equipe de apoio, bibliotecária,

estagiaria da Educação Especial, coordenadora do laboratório pedagógico e a

professora especialista.

A autora mostra possibilidades de viabilização de discussões, visando a práticas

pedagógicas diferenciadas, via encontros/desencontros em planejamentos, reuniões

pedagógicas dos profissionais da educação; avanços na problematização/

compreensão da escola como espaço social, entendimento de como o aluno

pensa/sente a escola/professor que deseja e de que necessita; ressignificação da

relação pedagogo x professor. Também aponta a necessidade de reestruturação da

escola para atender à diversidade dos alunos; com um trabalho coletivo que

possibilite aos profissionais se sentirem responsáveis pelo processo educacional,

com intervenções partilhadas por professor e pedagogo, dando “voz” aos

professores e estabelecendo diferentes relações nos movimentos de resistência.

Baseando-se na pesquisa-ação, os estudos desenvolvidos por Almeida (2003) e

Martins (2005) adentram na escola e se propõem a uma ação colaborativa, atuando

com os profissionais no sentido de criar condições para a reflexão sobre o processo

de inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais. Para isso, o

trabalho de investigação envolveu professores e equipe técnico-administrativa, além

dos alunos.

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Esses estudos contribuem para refletirmos sobre a constituição do professor na

escola inclusiva, especialmente, daqueles que atuam com alunos com necessidades

especiais, na medida em que fornecem um panorama do contexto em que essa

constituição vem ocorrendo.

A reflexão sobre esses estudos leva-nos à necessidade de aprofundar a discussão

sobre a profissão docente.

2.2 PROFISSÃO DOCENTE: MULTIPLAS FACES E DILEMAS

Nóvoa (1995), discorrendo sobre a importância da constituição do professor e sobre

as investigações relacionadas com o papel do educador, aponta-nos três grandes

fases no percurso evolutivo da investigação pedagógica: a primeira enfatiza a

procura de características intrínsecas ao “bom professor”; a segunda objetiva

encontrar o melhor método de ensino; e a terceira caracteriza-se pela análise do

ensino no contexto real da sala de aula.

Assim, esse mesmo autor nos indica que os professores têm passado por momentos

difíceis nos últimos anos. Nesse sentido, refere-se aos anos 60 como um período

em que os professores foram ignorados fazendo com que eles se sentissem

desvalorizados. A década de 70 é considerada como aquela em que os professores

foram “esmagados” com acusação de colaborar com a reprodução das

desigualdades sociais. Para o autor, os anos 80 concentraram-se na multiplicação

de instâncias de controle desses profissionais em consonância com o

desenvolvimento de práticas institucionais de avaliação como controle da ação

pedagógica.

Os professores têm se voltado ao palco das investigações e regressam por meio de

estudos que enfocam aspectos, como a identidade profissional, a formação, a

carreira docente e as condições de trabalho.

Estudos desenvolvidos por Nóvoa (2002) e colaboradores apontam a necessidade

de uma atenção maior para os dilemas que envolvem a profissão, bem como

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questões referentes à identidade profissional, à formação do professor. Como foi

apontado, a profissão docente apresenta-se de forma complexa, abarcando

múltiplas faces e, no contexto atual, muitos dilemas.

Conforme ressalta Sacristan (1995), o conceito de profissionalidade está em

permanente construção, sofrendo mudanças de acordo com a realidade social e o

momento histórico.

Para o autor, a profissionalidade docente ressalta o que é específico na ação

docente que se traduz no conjunto de valores, atitudes, concepções, conhecimentos,

diretrizes e comportamentos específicos do ser professor. Esse conjunto de

aspectos configura a prática pedagógica. Uma prática que sinaliza o modo como o

professor pensa e age sobre a realidade educacional e sobre si num dado contexto

social histórico.

A profissionalidade se apresenta absorvida por esse contexto e é afetada por ele.

Nesse sentido, Sacristán (1995, p. 68) pontua que, “No essencial, a profissão

docente não detém a responsabilidade exclusiva sobre a atividade educativa, devido

à existência de influencias mais gerais (políticas, econômicas, culturais)”.

Dessa forma, a profissionalidade docente e a prática do professor estão alicerçadas

em costumes e crenças próprios de uma determinada cultura, que delineiam o modo

de ser de cada professor e sua prática dentro das escolas.

Ao abordar o conceito de profissionalidade docente, o autor não se limita somente à

sala de aula. Discute, também, outras práticas institucionais escolares, destacando:

práticas do sistema educacional e sua estrutura; práticas organizativas de cada

escola; práticas didáticas e educativas de cada sala de aula e práticas educativas

fora do espaço escolar.

Porém, analisando o conceito de profissionalidade docente, Sacristàn (1995) enfoca

o ensino escolar e indica-nos que a educação é uma prática social que se consolida

na relação professor x aluno, bem como no ensinar e no aprender, como um reflexo

da cultura e do contexto social.

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Discorrendo sobre a formação do professor para assumir as funções historicamente

definidas para a profissão, Sacristàn (1995, p.68) se questiona se atualmente os

professores dominam esses conhecimentos:

As profissões definem-se pelas suas práticas e por um certo monopólio das regras e dos conhecimentos da atividade que realizam. Será que os professores dominam a prática e o conhecimento especializado ao nível da educação e do ensino? Em termos gerais, a resposta é negativa, ainda que a educação institucionalizada tenda a ser da sua competência.

Estudos realizados (PAIM, 2005; NÓVOA, 2002) reafirmam essas suposições de

Sacristàn. Há algumas décadas, as agências de formação não têm conseguido

fornecer aos professores um suporte básico que lhes permita um olhar amplo sobre

o processo de ensino e, a partir daí, o desenvolvimento de ações apropriadas ao

aprendizado de todos os alunos, independentemente de suas especificidades.

Discorrendo sobre a profissão docente, Nóvoa (2002) ressalta que a existência de

uma cultura partilhada e assumida socialmente pelos professores sobre o fazer

pedagógico é importante para a compreensão de uma sociologia profissional que

tem como base o ensinar e o aprender.

Ao abordar os dilemas da profissão docente, o autor destaca a necessidade de se

repensar o próprio conhecimento docente. Diante dos desafios enfrentados na

profissão e das dificuldades do professor em lidar com esses desafios, Nóvoa afirma

que o professor precisa reconstruir o conhecimento profissional a partir de sua

própria prática, aprendendo analisar e analisar-se. “No que se refere à profissão

docente, o estudo da actividade é a única maneira de resolver o dilema do

conhecimento” (NÓVOA, 2002, p. 259).

Nesse sentido, o autor indica, ainda, a necessidade de uma busca ou construção de

autonomia por parte do professor. Como profissional da educação, o docente

precisa repensar o seu trabalho para poder organizar e se organizar dentro do

projeto da escola e dentro de seu próprio projeto no âmbito do projeto coletivo de

toda a comunidade escolar.

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Para Nóvoa (2002), o professor precisa redefinir o sentido social de seu trabalho.

Precisa saber relacionar e relacionar-se com o espaço público o qual a escola

pertence, desenvolvendo ações que remetem não só aos saberes e fazeres

específicos da profissão, como também ao envolvimento político, na realidade em

que está inserido.

2.3 PROFESSOR, LINGUAGEM E NARRATIVA

Como vimos, atualmente, alguns autores têm buscado, nos estudos de Vigotski

(1979), elementos para compreender a trajetória e a constituição do professor

(FONTANA, 2000; PAIM, 2005; OLIVEIRA, 2006).

Em seus estudos, esses autores destacam aspectos, como o papel do contexto em

que esse professor vive na sua formação como pessoa e como profissional.

Os diferentes espaços onde o professor se insere no transcorrer de toda a sua vida,

interferem de forma substancial em suas idéias sobre o que é ser professor e sobre

suas práticas.

Desde a infância, as experiências vividas por esse sujeito na família e depois,

especialmente na escola, servem como referência para suas concepções sobre o

que é ser professor.

Assim, as relações que esse professor estabelece na infância, na adolescência e no

inicio da juventude com alguns professores, colegas e familiares de modo geral

marcam significativamente suas escolhas em relação à profissão bem como o seu

percurso profissional.

Porém, como isso ocorre? Vigotski (2000a; 2000b) auxilia-nos nessa reflexão. Para

o autor, a constituição do homem só se torna possível mediante um processo de

relação com outros homens. Tudo que é internalizado pelo indivíduo passa primeiro

pela esfera interpessoal, ou seja, pela relação estabelecida com os outros no espaço

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social, para, mais tarde, tornar-se intrapessoal, de domínio próprio do sujeito.

Escreve Vigotski, no Manuscrito de 29:

[...] qualquer função no desenvolvimento cultural da criança aparece em cena duas vezes, em dois planos – primeiro no social, depois no psicológico primeiro entre as pessoas como categoria interpsicológica, depois – dentro da criança (VIGOTSKI, 2000a, p. 26).

O que define o homem como ser cultural é uma rede de relações. Para compreender

esse ser de relações, é preciso pensá-lo a partir do contexto cultural e histórico onde

ele se constitui. É nas relações sociais nas quais ele está envolvido que se pode

explicar seu modo de ser, de agir, de pensar e de relacionar-se com os outros.

Nesse contexto, a palavra emerge como a mediadora do processo de conversão do

pensamento do outro em seu próprio pensamento. Os signos produzidos e

compartilhados é que tornam possíveis as relações entre os sujeitos e dos sujeitos

com eles mesmos.

A partir dessa perspectiva, podemos pensar a construção da identidade do professor

e do seu fazer pedagógico como um processo de apropriação de modos de ser, de

conhecimentos percebidos por ele na relação com os outros. Esse processo está em

constante estado de reformulação. O desenvolvimento humano não é um processo

puro e simples de acumulação, mas, sim, dinâmico, de transformações que

envolvem várias dimensões.

Essas concepções, em relação ao desenvolvimento humano, também se encontram

nos estudos de Bakhtin e de seu círculo. Está presente a idéia de sujeito situado em

seu contexto social e histórico concreto. Um sujeito atravessado e constituído pela

linguagem. Para Bakhtin (1986, p. 35), a:

[...] consciência adquire forma e existência nos signos criados por um grupo organizado, no curso de suas relações sociais. Os signos são alimento da consciência individual, a matéria de seu desenvolvimento, e ela reflete sua lógica e suas leis.

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De acordo com Bakhtin (1986), o diálogo é uma forma de interação verbal; assim,

pode-se compreender a palavra “diálogo” num sentido amplo, isto é, não apenas

como a comunicação em voz alta de pessoas colocadas face a face, mas também

como toda comunicação verbal de qualquer tipo.

É na interação verbal que o homem se constitui, por meio da apropriação das

palavras dos outros. Nossos enunciados estão repletos de ecos e lembranças dos

enunciados dos outros, lembra-nos Bakhtin (1992).

Em contrapartida, Nóvoa (1995, p.32) contribui para aprofundarmos a discussão

sobre a identidade desse profissional, quando aponta a necessidade de levarmos

em conta a dimensão pessoal e profissional do professor: ``[...] não é possível

construir um conhecimento pedagógico para além dos professores, isto é, que

ignore as dimensões pessoais e profissionais do trabalho docente``.

Ao discorrer sobre as dimensões pessoais e profissionais, Nóvoa (2001) chama a

atenção tanto para aspectos referentes às atividades do professor quanto para o

modo como ele interage com essa atividade. Nos dias atuais, a profissão coloca ao

professor uma serie de desafios que o afetam emocionalmente, não sendo possível

desvincular a discussão sobre sua identidade profissional desses aspectos.

Conforme ressalta Nóvoa (2001, p.255):

[...] a atividade docente caracteriza-se igualmente por uma grande complexidade do ponto de vista emocional. Os professores vivem num espaço carregado de afectos, de sentimentos e de conflitos. Quantas vezes prefeririam não se envolver [...] Mas sabem que tal distanciamento seria a negação de seu próprio trabalho.

Em suas reflexões, Nóvoa (2001) afirma que a maneira como cada professor ensina

está ligada diretamente à imagem que tem da profissão e essa imagem está

relacionada diretamente com aquilo que ele é como pessoa, sua constituição.

A imagem da profissão e da constituição do professor habita suas narrativas, suas

memórias, seu passado, sua história, seu presente.

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2.4 LINGUAGEM E NARRATIVA NA CONSTITUIÇÃO DO PROFESSOR

Paim (2005) considera a questão do “outro” trabalhada por Bakhtin (2002) como

central para a compreensão das narrativas dos professores. Isso se apresenta, em

nossa constituição, como forma de interligação indispensável entre dois indivíduos

que fazem parte da mesma troca lingüística, colocando-os assim em destaque como

seres possuidores do mesmo contexto social. Bakhtin (2005, p.72, apud Paim) nos

diz: “[...] nossas palavras não são ‘nossas’ apenas; elas nascem, vivem e morrem na

fronteira do nosso mundo e do mundo alheio; elas são respostas explícitas ou

implícitas às palavras do outro [...]”.

Ao discorrer sobre a narrativa, Benjamim (1993) também contribui para pensarmos a

constituição do professor ao trazer elementos importantes para (re)pensarmos a

formação desse profissional com imenso campo de possibilidades. Suas idéias

permitem dar vozes aos sujeitos às suas experiências vividas. Para o autor, a

narrativa. “Mergulha a coisa na vida de quem relata a fim de extraí-la outra vez dela.

É assim que adere a narrativa à marca de quem narra como à tigela de barro a

marca das mãos do oleiro” (BENJAMIM, 1983, p.63).

Abordando essa narrativa, o autor nos leva à questão da memória, possibilitando

pensá-la de forma não hierarquizada, racionalizada tecnicamente. Para ele,

memórias são plenas de conhecimentos e sensibilidades, associam-se ao vivido.

Memória é também esquecimento, apaziguamento com o passado. A (re)memória

está sempre relacionada com o presente, é um entrecruzamento de tempo, espaço,

vozes; não é uma autobiografia no sentido clássico. Memória é vida, possibilidade

da experiência vivida.

Nesse sentido, as reflexões de Benjamin (1983, p. 62) indicam-nos que a narrativa

``[...] não se exaure, conserva coesa a sua força e é capaz de desdobramento”. A

narrativa faz sentido quando tece e fia, constituindo novas possibilidades.

Como afirmam Vaz et al. (2001, p. 3), “É possível lidar com os conhecimentos

práticos dos professores sem aprendermos a ouvir suas narrativas”. Nesse sentido,

a narrativa se constitui fonte de eloqüência para as necessidades dos professores.

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Essa narrativa ganha desdobramentos e vai mostrando a constituição do professor e

constituindo-o por meio da história de vida e da experiência profissional.

Dentro dessa perspectiva, Vaz et al. (2001, p. 3) nos perguntam: “Mas o que faz da

narrativa algo tão especial?”. Os mesmos autores respondem que “[...] o homem é

essencialmente um contador de história que extrai sentido do mundo através das

histórias que conta” (VAZ et al. 2001, p. 4).

Reportando-se às reflexões de Connelly e Clandinin(1995, p.4), os autores

ressaltam que

[...] a principal razão para o uso da narrativa na investigação educativa é que os seres humanos são organismos contadores de histórias, organismos que individualmente e socialmente vivem vidas relatadas. O estudo das narrativas, portanto, é o estudo da forma como seres experimentam o mundo.

Dessas palavras, compreendemos que o homem organiza o mundo e a si mesmo

por meio das narrativas. Elas estão na base de nossos conhecimentos, crenças e

valores.

Entendemos como o autor que a narrativa manifesta e releva o conhecimento do

profissional, articulando teoria e prática, tornando-se um recurso facilitador de

expressão e também de sua constituição, de sua vivência.

Oliveira (2007), em seus estudos, aponta que o caminho das narrativas permite um

acesso ao âmbito da prática dos professores, pois seus relatos estão impregnadas

de suas concepções teóricas e práticas.

A narrativa é um recurso ancorado à linguagem, permitindo desvelar o aspecto

pessoal, individual,que se manifesta também no aspecto coletivo. O narrador busca

comunicar-se, expressar-se, tem em mente uma audiência, um interlocutor. Para o

pesquisador, o uso da narrativa permite levantar um véu que desvela a prática e

conhecimentos do professor.

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Vaz et al. (2001) afirmam que as narrativas são como confecções de colares de

contas. O narrador vai utilizando as contas e, interligando-as, forma um colar. Assim

o autor estabelece com a narrativa uma metáfora de colar de contas:

Uma narrativa é como um colar de contas. Ao narrar algo o narrador vai encadeando casos como contas são presas a um fio para formar o colar. A escolha dos casos e a ordem em que eles são encadeados são potencialmente informativos sobre sentimentos ou convicções enraizadas [...] (VAZ, 2001, p. 6).

Benjamin (1983) corrobora essas reflexões, quando afirma que, quanto mais o lugar

da narrativa se confronta com a experiência pessoal do narrador, mais satisfação

tem em contá-la. O autor acredita ser possível reingressarmos numa verdade

fechada do passado para contá-la de outra maneira. Porém, a narrativa é uma arte

de recontar as histórias que necessitam de uma comunidade de escuta e implica

presença do interlocutor, seja ele ouvinte, seja leitor. Assim,

Narrar histórias é sempre a arte de as continuar contando e esta se perde quando as histórias já não são mais retidas. Perde-se porque já não se tece e fia enquanto elas são escutadas. Quanto mais esquecido de si mesmo está quem escuta, tanto mais fundo se grava nele a coisa escutada (BENJAMIN, 1983, p. 62).

Nessa ótica de escuta de que fala Benjamin, é que temos estruturado nosso estudo

investigativo da constituição do professor. Escutar suas narrativas e analisar suas

histórias têm-se tornado nosso principal objetivo, buscando extrair e apreender a

identidade pessoal e profissional dos narradores.

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3 EDUCAÇÃO ESPECIAL E DEMANDAS DE FORMAÇÃO DOCENTE

Neste capítulo, faremos uma breve retomada histórica da Educação Especial, bem

como discutiremos alguns pontos da legislação vigente que orientam a prática da

inclusão escolar e a formação docente de forma a delinear o contexto de atuação do

professor que trabalha nessa área. Em seguida, abordaremos alguns aspectos

imprescindíveis para a prática do professor que atua nesse campo.

3.1 BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL

Os primeiros movimentos de que temos notícia objetivando ensinar o deficiente

iniciaram-se na Espanha, por volta do ano de 1500. Nessa época, alguns

educadores interessados se tornaram receptores de algumas crianças deficientes,

trabalho este que teve início apenas com crianças surdas, filhos de pessoas que

tinham boa situação econômica. Só em 1700, encontramos informações de pessoas

cegas que começaram a receber algumas instruções. As pessoas com déficit

intelectual e as que não tinham condições econômicas continuaram a ser internadas

em asilos.

Segundo Bueno (1993), em 1760 e 1784, na França, foram criados,

respectivamente, o Instituto Nacional dos Surdos e o Instituto dos Jovens Cegos. Em

conseqüência, surgiram pessoas interessadas nesses estudos, iniciando, assim, o

aprendizado da leitura e da escrita, dos cálculos e das artes, para esses sujeitos.

Entretanto, isso ocorreu muito lentamente, uma vez que não havia apoio da

sociedade.

Na Alemanha, em l832, foi criado o primeiro instituto para atendimento ao portador

de deficiência física. Somente em l848, surgiu, nos Estados Unidos, o atendimento a

pessoas com deficiência mental.

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A partir desse período, houve não somente um significativo crescimento das

instituições especializadas no atendimento a pessoas com eficiência, como também

expansão no atendimento a outros distúrbios, especialmente em países como

Estados Unidos e o Canadá.

A história da Educação Especial é marcada pelo preconceito e por movimentos

segregadores. Entretanto, lentamente, os saberes simplificadores e as crendices

foram, em parte, desconstruídos, dando lugar a estudos nos quais a “cura“ era o

principal objetivo a ser alcançado. O século XVIII, período de segregação e

categorização dos indivíduos, no que se refere à exclusão, foi marcado por um

grande movimento de internação de pessoas com deficiência mental, as quais eram

colocadas no mesmo patamar das consideradas loucas, devassas e/ou libertinas.

O primeiro programa sistemático de Educação Especial foi elaborado no século XIX,

na França, por Jean Itard, que realizou a primeira experiência na tentativa de

recuperação e educabilidade de Victor de Aveyron “o menino selvagem”. Victor foi

encontrado em uma floresta no Sul da França, vivendo entre animais, no final do

século XVIII. Com aproximadamente 12 anos, tinha hábitos considerados selvagens

e não falava, locomovia-se tanto de pé quanto utilizando mãos e pés.

Jean Itard relacionava as características de Victor com as condições de vida a que

foi submetido na floresta, junto de animais, sem qualquer contato com seres

humanos. Na busca de Itard em propiciar a Victor uma educabilidade, surgiu uma

das primeiras tentativas de educar e modificar o potencial cognitivo de uma criança

com características diferenciadas.

As primeiras classes especiais no contexto das escolas regulares surgiram por volta

de 1900, posibilitando que as crianças fossem atendidas educacionalmente. Muitas

conquistas só se deram por volta de 1950, em virtude de movimentos

reivindicatórios organizados pelos pais, em favor dos direitos de seus filhos.

No Brasil, a institucionalização da Educação Especial tem pouco mais de três

décadas. Em termos de legislação, aparece pela primeira vez na Lei de Diretrizes e

Base nº 4.024/61, aprovada em 20 de dezembro1961, apontando que a educação

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dos excepcionais devia, no que fosse possível, enquadrar-se no sistema geral de

educação. Na Lei nº 5.692/71, que tratou da reformas do ensino de 1º e 2º grau de

11 de agosto de 1971, foi previsto tratamento especial para os alunos que

apresentam deficiência física, mental e para os superdotados.

Também nessa década, foi criado, no MEC, o Centro Nacional de Educação

Especial (CENESP), com o objetivo de centralizar e coordenar as ações de política

educacional. Em toda a sua trajetória, esse centro manteve uma política

centralizadora, que priorizava os recursos financeiros para instituições privadas.

Em 1986, é criada a Coordenadoria Para Integração da Pessoa Portadora de

Deficiência (CORDE), na Presidência da República. Extinto o CENESP, criou-se a

Secretaria de Educação Especial do MEC. Em 1989, a CORDE foi transferida para o

Ministério da Ação Social e a área da educação do MEC tornou-se coordenação,

configurando uma redução do poder político da área nos dois casos. Em 1993,

voltou a existir a Secretária de Educação Especial (SEESP), no Ministério de

Educação. Isso nos mostra o quanto a Educação Especial tem se apresentado no

plano secundário das políticas públicas e também o quanto a descontinuidade tem

marcado sua trajetória.

Progressivamente, por meio do tempo, a legislação brasileira incorporou as suas leis

a vários artigos que expressam a garantia dos direitos às pessoas com

necessidades educativas especiais, impulsionando mecanismo de ação e

regulamentação de acesso ao espaço social e educacional.

As Leis. nº 4.024/61 e 5.672/71 trouxeram ao sistema da época poucas

contribuições. Embora essa legislação reforçasse a determinação de que os

portadores de deficiência deveriam ser atendidos na rede regular de ensino e,

quando necessário, receber tratamento especializado, o que ocorria é que esse

atendimento era realizado em turmas especiais, dentro das próprias instituições. Os

alunos dessas turmas eram rotulados e discriminados, não conviviam com outras

crianças e as práticas de ensino não contemplavam as especificidades dos alunos.

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A partir de 1988, com a promulgação da Constituição Federal, foi estabelecido que a

educação é direito social de todos os cidadãos brasileiros. O art. 208 prevê, como

dever do Estado, o atendimento educacional especializado aos portadores de

deficiências e preferencialmente na rede regular de ensino. Posteriormente, esse

dispositivo legal apareceu revisto na Lei nº 9.394/96, que afirma ser dever do Estado

promover o atendimento educacional na rede regular de ensino (art.4º, III).

Essa mesma lei prevê serviço de apoio especializado e abre possibilidades de

atendimento em classe comum. A implementação prática desse dispositivo de lei

requer a participação coletiva, visando primeiramente à mudança de atitude do

professor, novo processo de formação desse profissional que atuará com essa

clientela, nova proposta de gestão educacional, suspensão de barreiras

arquitetônicas, além da criação de suporte técnico especializado para atender às

especificidades desses educandos.

A Constituição de 1988 garantiu, em seu art. 206, a igualdade de condições para o

acesso e permanência na escola, A educação, como direito de todos, é dever do

Estado e da família (art. 205). Esse dispositivo estende-se, também, ao atendimento

educacional especializado (aos deficientes), art. 208, III, preferencialmente na rede

regular de ensino.

A partir da década de 90, as discussões referentes à educação das pessoas com

necessidades especiais tomaram nova dimensão em virtude da regulamentação da

Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de l996, Lei das Diretrizes e Bases da Educação

Nacional. Instituíram-se algumas mudanças na educação brasileira, principalmente a

Educação Especial, que deveria ser oferecida, preferencialmente, na rede regular de

ensino, objetivando atender a portadores de necessidades educativas especiais.

Isso significou uma nova forma de entender a inserção dessas pessoas na escola.

A partir da década de 90, movimentos favoráveis à inclusão, instituídos em nível

internacional, têm repercussão na Educação Especial no Brasil.

Nessa década, a UNESCO organizou, em Jomtien, Tailândia, com o apoio do

PNUD, do Banco Mundial e do FNUAP, a Conferência Mundial da Educação Para

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Todos, tendo como objetivo satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem de

todas as crianças, jovens e adultos. Declararam, também, entender que a educação

é de fundamental importância para o desenvolvimento das pessoas e da sociedade,

contribuindo “[...] para conquistar um mundo mais seguro, mais sadio, mais próspero

e ambientalmente mais puro e que ao mesmo tempo favoreça o progresso social,

econômico e cultural, a tolerância e a cooperação internacional”(1990).

Após essa aprovação, vários países, dentre eles, o Brasil, começaram a discutir o

documento e a proposta de educação para todos, incorporando os princípios e

metas apontados nas políticas públicas de educação. Influenciado por esse

movimento, o Brasil elaborou o seu Plano Decenal de Educação para Todos, que

criou um conjunto de diretrizes políticas para a recuperação da escola de ensino

fundamental, estabelecendo o compromisso com a eqüidade, qualidade e avaliação

do sistema escolar (MENDES, 2002).

Em 1994, na “Conferência Mundial Sobre Necessidades Educativas Especiais:

acesso e qualidade”, organizada pelo governo da Espanha em cooperação com a

UNESCO, com a participação de vários países e organizações internacionais,

produziu-se um documento denominado Declaração de Salamanca. Nesse

documento, reafirmou-se a preocupação e o compromisso com uma educação para

todos, especialmente para as crianças, jovens e adultos com necessidades

educativas especiais dentro do sistema regular de ensino.

Defende esse documento que cada criança tem características, interesses,

necessidades de aprendizagem que lhe são próprios e os sistemas educativos

devem ser organizados para atender às peculiaridades de cada criança.

As escolas regulares devem elaborar um projeto pedagógico não só para as

crianças ditas normais, como também para as deficientes. Isso que dizer que os

programas de estudos devem ser adaptados às necessidades das crianças e não ao

contrário. Também os administradores e orientadores das instituições de ensino

devem ser convidados a criar procedimentos mais flexíveis de gestão, remanejando

recursos pedagógicos, diversificando ações educativas, estabelecendo relações com

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os pais e a comunidade. Os professores deverão partilhar a responsabilidade do

ensino ministrado à criança com necessidades especiais.

As declarações de Salamanca (1994) e de Jomtien (1990) fortaleceram o processo

de inclusão de pessoas com necessidades educativas especiais na escola regular

brasileira, por reafirmar que o movimento pedagógico deve ser pluralista, não

garantindo apenas o acesso, mas também a permanência do aluno nos diversos

níveis de ensino, respeitando fundamentalmente sua identidade social, ressaltando

que as diferenças são normais e a escola deve considerar essas múltiplas

diferenças, promovendo as adaptações necessárias que atendam às necessidades

de aprendizagem do educando no processo educativo.

Nessa perspectiva, o sistema educacional inclusivo, no qual a escola deve acolher

todos, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, étnico-

raciais e lingüísticas, representa a possibilidade de combater a exclusão e responder

às especificidades dos alunos.

Assim, entre as ações governamentais, no sentido de favorecer o sistema

educacional inclusivo, no Brasil, podemos destacar o programa “Educação Inclusiva,

Direito à Diversidade”, instituído em 2004, que objetiva a disseminação da política de

inclusão nos 5.562 municípios brasileiros e no Distrito Federal, a formação de

gestores e formação de redes de apóio no processo de inclusão.

Participam do programa 106 municípios – pólo que atuam como multiplicadores para

demais os municípios de sua área de abrangência, tendo alcançado, nos últimos

anos, 23 mil professores de 1.869 municípios. O programa utiliza referenciais que

devem orientar a ação do município, da escola e da família para a organização de

sistemas educacionais inclusivos e também disponibiliza documentos de formação

docente para atendimento educacional especializado.

Com o apoio do MEC, a formação de professores se efetiva por meio de programas

como: “Interiorizando Braille” para divulgação do sistema integral e código

matemático unificado, projeto “Educar na Diversidade; formação docente para

práticas pedagógicas inclusivas”, envolvendo cerca de 15 mil professores de escolas

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públicas das 27 unidades federadas e o projeto para o ensino de “LIBRAS” para a

aprendizagem da língua brasileira de sinais, tradução e interpretação da língua

portuguesa para surdos.

Ainda em relação ao ensino de LIBRAS, temos a orientação do Decreto nº 5.626, de

22 de dezembro de 2005, especificando:

Art. 3o A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. § 1o Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o curso normal de nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o curso de Educação Especial são considerados cursos de formação de professores e profissionais da educação para o exercício do magistério. § 2o A Libras constituir-se-á em disciplina curricular optativa nos demais cursos de educação superior e na educação profissional, a partir de um ano da publicação deste Decreto (BRASIL, 2005, p. 1).

Dessa forma, fica instituído que o ensino de LIBRAS é obrigatório em todas as

licenciaturas, o que ajuda na efetivação de uma prática mais inclusiva em relação ao

aluno surdo, já no início da formação do professor.

Diante disso, percebemos um crescimento dos estudos na área de Educação

Especial, com pesquisadores interessados em investigar as deficiências

relacionadas com o movimento de inclusão iniciado em 1994. Esse movimento

resultou em mudanças na legislação brasileira que determinaram o acesso e

permanência de sujeitos com necessidades educativas especiais na escola regular.

Entretanto, o acesso desses sujeitos à escola tem gerado uma série de desafios:

percebe-se a presença de professores que não conseguem trabalhar com esses

alunos, muitas vezes por resistência, outros sobrecarregados ou mesmo

despreparados e se sentindo solitários para resolver os problemas. Na tentativa de

reverter esse quadro a formação inicial do professor tem sido revista para dar melhor

base às práticas educativas nos processos de inclusão escolar.

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Tomamos como exemplo as indicações contidas na Resolução nº CNE/CP 1, de 18

de fevereiro de 2002, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais Para a

Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de

licenciatura, de graduação plena. Uma dessas indicações, contidas nos arts. 1º e 2º,

I e II, orienta que a formação deverá preparar o graduando para uma atividade

docente, visando à aprendizagem do aluno e ao acolhimento da diversidade na sala

de aula.

Art. 1º As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, constituem-se de um conjunto de princípios, fundamentos e procedimentos a serem observados na organização institucional e curricular de cada estabelecimento de ensino e aplicam-se a todas as etapas e modalidades da educação básica. Art. 2º A organização curricular de cada instituição observará, além do disposto nos artigos 12 e 13 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, outras formas de orientação inerentes à formação para a atividade docente, entre as quais o preparo para: I - o ensino visando à aprendizagem do aluno; II - o acolhimento e o trato da diversidade [...] (BRASIL, 2002, p. 1).

Desse modo, é garantida, pelas diretrizes, a obrigatoriedade de incluir em todo e

qualquer Curso de Licenciatura estudos sobre a Educação Especial e inclusão

escolar.

Na realidade das escolas, os professores destacam que geralmente não possuem

suporte adequado para trabalhar com esses alunos. O que vemos, então, é um

quadro no qual os alunos que apresentam necessidades educacionais especiais

nem sempre são incluídos nas atividades de sala, nas brincadeiras e no recreio; em

muitas escolas, não há planejamento de um trabalho coletivo, que envolva os

diferentes profissionais no atendimento e educação desses alunos.

No mesmo documento que trata das diretrizes para a formação do professor, ainda o

art. 2º, VII, aponta que a formação inicial deverá propiciar o trabalho coletivo, o

trabalho em equipe para melhor organização das atividades nas escolas.

As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006, específicas para o Curso de

Graduação em Pedagogia, demonstram uma preocupação com a questão da

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diversidade e do trabalho coletivo na escola, indicando, em seu art. 5º, X e XI, que o

egresso do Curso de Pedagogia deverá:

[...] X - demonstrar consciência da diversidade, respeitando as diferenças de natureza ambiental-ecológica, étnico-racial, de gêneros, faixas geracionais, classes sociais, religiões, necessidades especiais, escolhas sexuais, entre outras; XI - desenvolver trabalho em equipe, estabelecendo diálogo entre a área educacional e as demais áreas do conhecimento (BRASIL, 2006, p. 2).

A inclusão escolar depende da organização da escola, uma organização em que

todos possam, dentro de um coletivo, trabalhar para efetivar práticas educativas que

contemplem a diversidade e a aprendizagem de todos os alunos. É imperativo que a

formação inicial seja um elemento disparador desse tipo de ação coletiva nas

escolas, por meio dos estágios, pesquisa e extensão.

3.2 UM PROFESSOR PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL COM FORMAÇÃO EM

CONSONÂNCIA COM O MOVIMENTO DE INCLUSÃO

Meirieu (2005), em seu livro “O Cotidiano da Escola e da Sala de Aula”, aponta

elementos identificadores de um profissional capaz de introduzir uma autêntica

“cultura escolar”. Em sua dinâmica, possibilita ao professor transpor obstáculos, abrir

perspectivas, criar oportunidades, assegurar o equilíbrio necessário aos alunos em

sala de aula, além de se envolver no jogo criativo da reflexão, do diálogo e da

palavra. Possibilita, ainda, a esse profissional saber recuar, avançar e oscilar,

apropriando-se de um conhecimento incorporado a outros que ele já possui,

desencadeando novos saberes e, ao mesmo tempo, possibilitando preparar o aluno

para a vida social e cultural necessária na construção e domínio de novos saberes.

Na perspectiva desenvolvida pelo autor, o profissional deve avaliar previamente

seu(s) aluno(s) tanto no plano cognitivo, quanto no afetivo, permitindo-lhe, assim,

pensar um planejamento que respeite os conhecimentos prévios desses alunos,

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considerando-os em suas diferenças e reagrupando-os de forma a respeitar suas

necessidades comuns e específicas.

O autor nos adverte que, mesmo numa sala de aula considerada homogênea, os

alunos apresentam inúmeras características particulares de apropriação de

informações, em suas sensibilidades, em suas aquisições anteriores, em suas

estratégias e em suas relações com os saberes.

Também ressalta que as instituições escolares sempre tiveram seu trabalho

complementado, por meio dos chamados “trabalho de casa”. Nestes, o aluno é

levado a apropriar-se sozinho dos saberes “supostamente” ensinados, em função de

suas necessidades específicas complementares às informações coletivas recebidas

em sala de aula. Com isso, o educador, ao remeter para fora da sala de aula a

apropriação de conhecimento, dilui em uma infinidade de procedimentos o trabalho

educativo e exime-se de suas responsabilidades. Em conseqüência, exclui o aluno

de vivenciar a aventura coletiva da sala de aula, os embates, as buscas de verdade

e a construção de aprendizagens mais objetivas, bem como da relação de diálogo e

cumplicidade do adulto professor e do “fazer junto” com seus colegas.

Para isso, é necessário um planejamento que respeite seus conhecimentos

anteriores que, agregados aos novos, desencadeariam situações de aprendizagens.

Diante dessas reflexões, o autor conclui que atualmente:

A homogeneidade estrutura o funcionamento da escola, com todos os desvios bastante conhecidos: reforço sistemático das forças centrípetas nos grupos e exclusão de qualquer diferença vista como impureza não assimilável, aprisionamento dos indivíduos em uma “natureza” que, no início, era apenas um diagnóstico puramente hipotético e estritamente funcional, criação dos guetos e última análise, desmoronamento dos próprios princípios da instituição escolar (MEIRIEU 2005, p. 123).

Meirieu (2005) considera a escola um espaço de desenvolvimento psíquico de cada

criança. É nela que se realizam sistemática e intencionalmente “[...] as construções e

a gêneses das funções superiores”. Para ele, essas funções psíquicas seriam

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resultado “[...] das influências culturais nas aprendizagens e no desenvolvimento”

(MEIRIEU, 2005, p.44) E o autor prossegue: ``Só quem não se lembra da própria

história não se recorda desse estado estranho que se apodera de um aluno no

momento que ele é compelido pelo professor e envolve-se em uma nova

aprendizagem`` ( p.114).

Entendemos que toda aprendizagem mexe com a curiosidade e com a inquietude,

uma vez que todo passado nos remete não só às lembranças duvidosas carregadas

da singularidade da história individual, como também dos desafios pessoais que

estabelecem o sujeito com o mundo.

Nesse mesmo sentido, precisamos encontrar uma forma de reduzir ou de amenizar

o acompanhamento insatisfatório que vem sendo dado à diversidade, trabalhando

em níveis diferentes de aprendizagens, possibilitando, assim, que as diferenças

individuais possam integrar-se a outros meios e a outras histórias, numa construção

identitária comum. Ouvindo uns aos outros, todos se sentem forçados a rever seus

pensamentos, a reavaliar suas aquisições, permitindo aproximações que

desenvolveriam a imaginação e perspectivas estimuladoras em busca de novos

conhecimentos, possibilitando vir à tona a escola pensada para todos.

O autor nos adverte:

[...] não se pode fazer da heterogeneidade um princípio de funcionamento que exclua toda homogeneidade, para que as pessoas possam enriquecer-se com suas diferenças, é preciso, ao mesmo tempo, que [...] todos dominem as ferramentas técnicas ou conceituais, que tenham a mesma compreensão das instruções e que estejam de acordo quanto ao modo de funcionamento de seu grupo (MEIRIEU, 2005 p.126).

Segundo Meirieu, os professores desprezam os níveis escolares e se queixam da

heterogeneidade da classe, não se dando conta de que é a heterogeneidade de

comportamento que pode ajudar nas atividades das disciplinas e no alcance dos

objetivos de aprendizagens. A heterogeneidade raramente se coloca como algo

significativo na instituição escolar contemporânea. Sempre há uma série de

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dispositivos postos para bani-la, como repetências, orientações, ensino

especializado – tudo que exclua de forma “satisfatória à sociedade“.

Em oposição a essa situação, o autor afirma que a qualidade das trocas intelectuais

parece garantir mais claramente as chances de progressão, de descobertas e de

criatividade, uma vez que esse modo de ser proporciona aos alunos criar situações

facilitadoras de alçar vôos, amadurecimento psíquico de forma a articular novas

situações de aprendizado.

Nessa perspectiva, Meirieu permite “instituir a escola” que, para ele, significa não se

ancorar nas estruturas do passado, buscando a facilidade ou cedendo às pressões

sociais por homogeneidade ou exclusão das diferenças, mas, sim, uma escola que

leve ao trabalho coletivo, onde há construção conjunta de regras necessárias para

adquirir saberes, dando a todos condições de dialogar com o outro dia a dia, vendo

no outro um companheiro de troca, em que juntos construirão uma história. Todos

aprenderão a argumentar em grupos heterogêneos, permitindo aos professores

acompanhar cada aluno. Todos poderão viver suas diferenças nas mesmas

condições.

Dessa forma, o autor assinala também que a escola deve criar não somente

condições que permitam aos alunos adquirir “um viver junto”, “um aprender junto”, a

partir de situações que lhes façam questionar, compreender as mesmas coisas,

como também argumentar e ouvir o outro. Portanto, uma escola que trabalhe sobre

a unidade e a diferença, de forma que, uma vez identificada a deficiência, esta seja

integrada ao grupo, propiciando aos indivíduos viverem suas diferenças na mesma

condição que os outros.

Diante do exposto, concluímos que, quando os educadores estão motivados e se

empenham em seu trabalho, encontram soluções que acabam também beneficiando

as crianças rotuladas, por alguns, com “dificuldades de aprendizagem”.

Enquanto as políticas públicas não se concretizarem em práticas educativas

satisfatórias, fazem-se necessários estudos que visem a contribuir para a alteração

desse quadro. Entendemos que investigar como se constitui o professor que atua na

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Educação Especial pode contribuir para auxiliar nos projetos de formação inicial e

continuada dos profissionais da educação que trabalham com esses alunos.

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4 CAMINHO METODOLÓGICO

Tendo em vista o objetivo desta investigação, que é analisar o percurso de

constituição do professor que atua na Educação Especial, optamos pela realização

de uma pesquisa qualitativa. Realizamos um estudo de caso de alunos egressos do

Curso de Pedagogia que fizeram a habilitação Magistério da Educação Especial e

que atuam na área, e também de alunos egressos do Curso de Pedagogia que

fizeram a habilitação Magistério da Educação Especial e que trabalham na área.

O estudo de caso insere-se numa abordagem qualitativa de pesquisa, que se apóia

em uma perspectiva que valoriza o papel ativo do sujeito no processo de produção

do conhecimento e que concebe a realidade como uma construção social. O foco de

estudo é o mundo do sujeito ou significados que este atribui às suas experiências

cotidianas e relações sociais.

Conforme André (2005), estudos de caso são estudos pontuais que tomam porção

reduzida da realidade, abordando-a de forma aprofundada. Não é um método de

pesquisa, mas uma forma particular de estudo, um tipo de conhecimento. O

conhecimento gerado a partir do estudo é mais concreto, mais contextualizado, mais

voltado para a interpretação do leitor e é baseado em populações de referências

determinadas.

Nesse tipo de pesquisa, somente um caso será estudado, embora possa ser

representativo de muitos outros, ou seja, completamente distinto de outros casos.

Assim, diferentemente da pesquisa tradicional, o leitor participa, ao estender a

generalização para populações de referência.

No estudo de caso, as perguntas das pesquisas são preferencialmente do tipo

“como e por quê”. O pesquisador vai para o campo de pesquisa com questões mais

amplas, que serão delimitadas melhor no transcorrer da coleta de dados.

Nosso objetivo é analisar como egressos do Curso de Pedagogia da Universidade

Federal do Espírito Santo-UFES se constituíram como professores na área de

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Educação Especial e que, atualmente, trabalham nessa área. Assim, em nossa

pesquisa, o foco de interesse é um fenômeno contemporâneo e que visa a contribuir

para uma compreensão maior dos desafios e das perspectivas para a formação do

profissional que trabalha na área da Educação Especial.

André (2005) aponta qualidades determinantes para um pesquisador que se envolve

com o estudo de caso, principalmente se for estudo de caso qualitativo: tolerância à

ambigüidade, aprendendo a conviver com as dúvidas e incertezas dessa modalidade

de pesquisa; flexibilidade no trabalho, o que implica ter um plano de ações, mas, ao

mesmo tempo estar aberto aos imprevistos; sensibilidade em relação às percepções

dos sujeitos sobre o fenômeno investigado.

O pesquisador deve ser comunicativo, empático, fazer boas perguntas e saber ouvir

atentamente os sujeitos. Deve ser paciente com as pausas, com as explicações,

com as dúvidas e ter um profundo respeito e uma postura ética diante de seus

depoimentos. Também é necessário manter uma atitude de vigilância, tentando

distanciar-se o mais possível para não contaminar os dados e as interpretações.

Este estudo trata-se, portanto, de um estudo de caso coletivo, em que a

pesquisadora se concentra não apenas no caso de um sujeito, mas de vários.

Nossos sujeitos foram professores que cursaram a Habilitação Magistério da

Educação Especial do Curso de Pedagogia da UFES, no período de 1998 a 2005. A

definição desse período se deve ao fato de 1998 ter sido o anos de conclusão da

primeira turma do Curso de Pedagogia que realizou a habilitação Magistério da

Educação Especial e 2005 foi o ano em que iniciamos a pesquisa de campo.

Para este estudo, destacamos alguns objetivos específicos: identificar a história de

vida de cada sujeito envolvido na pesquisa; como se constituiu o interesse pela área

da Educação Especial; analisar as passagens significativas na formação inicial dos

sujeitos; conhecer a experiência profissional dos sujeitos na Educação Especial.

Para a coleta de dados, utilizamos, especialmente, entrevistas semi-estruturadas,

seguindo o caminho das narrativas dos sujeitos envolvidos na pesquisa. Segundo

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Oliveira (2007), seguir o caminho das narrativas possibilita o acesso ao

conhecimento produzido no âmbito da prática dos professores.

[...] os conhecimentos docentes surgem como resultado de experiências práticas, teóricas e pessoais [...] possuem características singulares e se expressam nas ações cotidianas de seu trabalho [...] a narrativa, como instrumento de investigação, permite ter acesso a esses conhecimentos produzidos no âmbito da prática (OLIVEIRA, 2007, p. 251-252).

Para as entrevistas semi-estruturadas, utilizamos questões abertas que contribuíram

para que pudéssemos perceber o modo como os participantes da investigação

concebiam a sua formação na área de Educação Especial.

A entrevista semi-estruturada, como material empírico privilegiado na pesquisa,

constitui uma opção teórico-metodológica que está no centro de vários debates entre

os pesquisadores. Durhan (1986) nos adverte para muitas armadilhas embutidas no

processo de identificação subjetiva que se estabelece nesse tipo de coleta de dados,

especialmente quando o entrevistador e entrevistado compartilham um mesmo

universo cultural. Ressalta que se corre sempre o risco de começar a explicar a

realidade pelas categorias “nativas”, ou seja, de passar a olhar a realidade

exclusivamente pela ótica do interlocutor. Assim, aponta também a necessidade de

o pesquisador estar atento a essa situação.

Como em todas as etapas da pesquisa, é preciso ter o olhar e a sensibilidade

armadas pela teoria, operando com conceitos e referencial teórico para olhar, as

anotações do diário de campo, as entrevistas de áudio e vídeo (quando

necessários), os documentos, gerados no trabalho de campo, de forma a abranger

os diferentes universos de significados dos sujeitos envolvidos na pesquisa. Assim,

ao focalizar as entrevistas, tivemos o cuidado de analisar a forma e o conteúdo da

fala do entrevistado, tons, ritmos e expressões gestuais que acompanhavam ou

mesmo substituíam suas falas.

Também utilizamos a consulta de documentos, como Atas de Colação de Grau dos

formandos do Curso de Pedagogia da UFES, em que consta a relação dos nomes

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dos alunos que concluíram o Curso de Pedagogia com Habilitação em Magistério da

Educação Especial, entre os anos de 1998 a 2005, com o objetivo principal de

complementar as informações apresentadas pelos sujeitos durante as entrevistas,

além do projeto do curso, currículo 1995.

4.1 O CURRÍCULO DO CURSO DE PEDAGOGIA 1995 E OS

SUJEITOS DA PESQUISA

Com a implantação das Diretrizes Curriculares Para o Curso de Pedagogia-

Licenciatura, houve mudanças significativas no currículo do Curso de Pedagogia da

UFES, a partir do ano de 2006. Porém, como os sujeitos desta pesquisa cursaram o

currículo anterior, optamos, neste trabalho, por apresentar as principais

características do currículo 1995 do referido curso.

O currículo do Curso de Pedagogia da UFES, implantado em 1995, era constituído

por uma habilitação básica que formava o professor para atuar nas séries iniciais do

ensino fundamental. Além disso, possuía habilitações complementares que

formavam profissionais para trabalhar nas áreas de Educação Especial, Educação

Infantil, Educação de Jovens e Adultos e no Magistério das Disciplinas Pedagógicas

do Ensino Médio. Em 2001, foi instituída a Habilitação em Gestão Educacional

(Supervisão, Orientação, Administração e Inspeção Escolar), que até este momento

tinha o conteúdo e a certificação ofertada em nível de Especialização pelo próprio

Centro de Educação.

Entretanto, o interesse pela Educação Especial pode ser observado no curso já em

1979.

Conforme apontam dados do relatório do projeto de pesquisa piloto desenvolvido em

2006/02, na disciplina “Estágio em Pesquisa” (LEITÃO, 2006), em 1979, na

Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), foi incluída, no currículo do Curso

de Pedagogia, uma disciplina ministrada pela professora Maria de Fátima Prates

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Ferreira, chamada “Problemas Comportamentais do Educando”, cujo objetivo era

abordar e trazer conhecimentos práticos sobre o aluno excepcional, porém de uma

forma muito ampla.

O interesse que o tema despertou foi em tal proporção, que levou a professora a

buscar leituras bem como outras informações sobre o tema, contribuindo, assim,

para que os estudos se desenvolvessem de forma satisfatória. Em 1988, essa

professora, que então retornava de estudos especializados na área da Educação

Especial, teve novamente a oportunidade de assumir a disciplina, que possuía,

nesse momento, um outro nome: “Tópicos Especiais”.

Nessa época, a Educação Especial continuava tendo boa aceitação entre os alunos.

Eram poucas as pessoas com deficiências que andavam nas ruas, por isso, à

medida que os alunos iam tendo mais conhecimentos, ficavam curiosos e sentiam

necessidade de visitar instituições, como: APAE, Pestalozzi, Instituto Braille. A

reação dos alunos era de medo, entretanto, nesses espaços, ainda não existiam

pessoas com deficiências severas (hidrocefalia, deficiência múltiplas, etc.).

No mesmo período, foi criada a Comissão de Reformulação do Currículo do Curso

de Pedagogia de 1989, aprovada pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão

(CEPE) da UFES, por meio da Decisão nº 332/89 - CEPE/UFES, que teve uma

atuação significativa para a criação da habilitação Magistério da Educação Especial,

nesse curso. Essa comissão era composta pelos seguintes professores: Maria de

Fátima Prates Ferreira, Denise Meyrelles de Jesus, Ana Lúcia Baptista Rocha,

Regina Lúcia Gianórdoli, Terezinha de Jesus Balestreiro e Liney Orlandina Lucas.

A versão curricular de 19891 possuía duas habilitações, que se destinavam a formar

o professor para atuar no Magistério das Disciplinas Pedagógicas da Escola Normal

e no Magistério da Pré-Escola e Séries Iniciais do Ensino Fundamental. Nesse

currículo, identificamos uma disciplina que contemplava discussões sobre a

1 Até o ano de 1989, o Curso de Pedagogia da UFES possuía as seguintes habilitações: Orientação Educacional, Supervisão Escolar, Administração Escolar e Magistério das Disciplinas Pedagógicas do 2º Grau.

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Educação Especial: “Alternativas de Atendimento ao Aluno Especial”.2 A principal

mudança instituída com o currículo 1995 foi a criação de novas habilitações.

Entendendo que o Centro de Educação da UFES, diante de seu papel de formação

de profissionais para atuar na educação básica, deveria assumir a responsabilidade

também pela produção de conhecimento e formação de professores para trabalhar

na Educação Especial, essa comissão, instituída 1990, após estudos, propôs a

criação da Habilitação Magistério da Educação Especial, para integrar o novo

currículo do curso, juntamente com outras habilitações.

Como justificativa para essa habilitação, ressaltem:

As decisões internacionais referentes à igualdade de oportunidades como direito de todos impõe ações principalmente aos segmentos sociais capazes de intervir para o cumprimento desse direito e para melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. A constituição brasileira (1988), seguindo tal orientação, garante o direito ao atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência; preferencialmente, na rede regular de ensino.` A universidade brasileira, enquanto responsável pela promoção de análises críticas e por propor alternativas visando uma sociedade mais justa se inclui enquanto uma das organizações que deverão se ocupar de tal tarefa (CENTRO DE EDUCAÇÃO, 1997, p. 1).

Nessa proposta, a habilitação Magistério da Educação Especial possuía uma carga

horária de 540 horas. Essa habilitação era composta pelas seguintes disciplinas:

Introdução à Educação Especial (60 horas); Portadores de Necessidades Educativas

Especiais: desenvolvimento e aprendizagem (60 horas); Desenvolvimento Curricular

no Ensino Especial I (60 horas); Desenvolvimento Curricular no Ensino Especial II

(60 horas); e Estágio em Educação Especial (300 horas).

Em 10 de agosto de 1994, por meio da Resolução nº 30/94 – CEPE/UFES, o

Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) da UFES aprovou a proposta

2 A ementa dessa disciplina era: “Educação Especial no contexto social. A política da Educação Especial no Brasil e no Espírito Santo. Áreas de excepcionalidades. Avaliação psicopedagógica. Alternativas de atendimento. Procedimentos educacionais. Planejamento em Educação Especial.” (1995).

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curricular elaborada pela comissão e ratificada pelo Conselho Departamental do

Centro de Educação.

No período de 1998 a 2005, a Universidade Federal do Espírito formou 78

pedagogos com habilitação em Magistério da Educação Especial no Curso de

Pedagogia, no Centro de Educação da UFES.

Na tabela a seguir, destacamos o número de alunos que se formaram na habilitação

em Educação Especial no Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Espírito

Santo, entre os anos de 1998 e 2005.

Tabela 1

Alunos formados na habilitação Magistério da Educação Especial entre os anos de 1998 a 2005

Ano 1º semestre 2º Semestre Total

1998 5 5 10

1999 3 20 23

2000 - 1 1

2001 12 1 13

2002 - 11 11

2003 - 1 1

2004 - 4 4

2005 7 8 15

Total 27 51 78

Fonte: Atas de Colação de Grau dos formandos do curso de Pedagogia da UFES (1998 a 2005)

De maneira a compreender o percurso de constituição do professor que atua na

Educação Especial, nosso olhar voltou-se para alguns desses egressos do curso

que realizaram a habilitação Magistério da Educação Especial e que, diante disso,

se inseriram em contextos escolares com demandas para alunos com necessidades

especiais. Assim, entrevistamos profissionais que atuaram ou atuavam na educação

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básica, como professores regentes, professores itinerantes, professores de

laboratórios, em secretarias de educação e/ou no ensino superior.

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5 LEMBRANÇAS E NARRATIVAS: PERCURSOS DE FORMAÇÃO

INICIAL DE PROFESSORES QUE ATUAM NA EDUCAÇÃO ESPECIAL

As lembranças puras, chamadas do fundo da memória, desenvolvem-se em lembranças–imagem cada vez mais capazes de se inserirem no esquema motor. À medida que essas lembranças adquirem a forma de uma representação mais completa, mais concreta e mais consciente, elas tendem a se confundir com a percepção que as atrai ou cujo quadro elas adotam. Portanto, não há nem pode haver no cérebro uma região onde as lembranças se fixem e se acumulem (BERGSON, apud BOSI,1999, p. 146).

Conforme ressalta Bosi, a lembrança é capaz de se revelar por meio de clarões

repentinos, pequenos flashes que trazem à tona algo que já vivemos. Porém, as

lembranças não emergem exatamente como aconteceram, mas transformadas pela

lente do presente, reconstruções. O emergir das lembranças é semelhante a uma

justaposição ou fusão do já vivido com o vivido no presente.

Ao se referir à imagem–lembrança, a autora esclarece que “[...] esta nos traz à tona

momentos únicos, singulares, não repetidos, irreversíveis da vida [...]. A imagem

lembrança tem data certa: refere-se a uma situação definida, individualizada” (1994,

p. 49). Explicita que, em cada indÍviduo, as lembranças favorecem situações

emocionais diferenciadas que podem modificar o modo de perceber hábitos e afetos.

A autora exemplifica esse fato afirmando que o indivíduo, “[...] enquanto evoca, ele

está vivendo atualmente e com uma intensidade nova a sua experiência” (BOSI,

2003, p. 44).

Nesse sentido, Bosi enfatiza a importância da lembrança, do rememorar,

esclarecendo-nos que o conhecimento do passado, a organização e localização

cronológica do tempo, possibilitando-nos buscar elementos para refletir sobre o

presente e, conseqüentemente, projetar e reconstruir o futuro. As considerações

dessa autora auxiliam-me na reflexão sobre as narrativas dos professores a respeito

de seu percurso de constituição.

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Segundo Jobim e Souza (2005, p. 13), “[...] reconstruir a própria trajetória é tomar

consciência do percurso histórico e singular de cada um e, assim, conciliar os limites

de cada opção particular às circunstâncias mais amplas em que ela se deu”. Essas

palavras da autora destacam a possibilidade de reconstrução da história de vida do

sujeito e, no caso particular de professores, também de retomada do percurso de

sua formação pessoal e profissional.

Para o trabalho de pesquisa, acompanhar e analisar a reconstrução de passagens

desse percurso, relatado por professores, auxilia na compreensão do próprio

processo de constituição desses sujeitos como professores.

Com o objetivo de compreender o percurso de constituição do eu pessoal e do eu

profissional de egressos do Curso de Pedagogia que cursaram a habilitação

Magistério da Educação Especial, entrevistamos 17 profissionais da educação que

atuam em municípios da grande Vitória.

Indagamos esses sujeitos sobre a origem do interesse pela área da Educação

Especial, buscamos informações sobre passagens significativas na formação inicial,

na área de Educação Especial; sobre momentos relevantes na formação desses

sujeitos, após concluírem o curso de graduação, bem como aspectos relevantes da

sua prática pedagógica desses sujeitos em salas de aula, além de procurar captar a

percepção dos sujeitos da pesquisa sobre o momento atual da Educação Especial

nos sistemas de ensino.

No processo de análise, focalizamos as narrativas dos sujeitos, buscando elementos

para discutir aspectos relacionados com a formação inicial, com a experiência

profissional na Educação Especial e com a formação continuada.

Neste capítulo, apresentaremos os sujeitos da pesquisa, destacaremos aspectos de

suas histórias de vida, o interesse pela área da Educação Especial e as experiências

mais significativas vivenciadas no Curso de Pedagogia por meio das categorias que

emergiram nas narrativas.

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5.1 OS SUJEITOS DA PESQUISA

A análise inicial dos dados apontou a relevância de se abordar as condições de

formação inicial dos sujeitos da pesquisa tendo, como referência o período em que

concluíram a habilitação Magistério em Educação Especial.

Assim, inicialmente, os sujeitos foram distribuídos em três grupos: sujeitos que se

formaram nos anos de 1998 a 2000; sujeitos que se formaram nos anos 2001 e

2002; sujeitos que se formaram nos anos 2003 a 2005.

5.1.1 Grupo I: Sujeitos Que Se Formaram Nos Anos de 1998 a 2000

O Grupo I é composto de sete sujeitos, os quais aparecem neste estudo com os

seguintes nomes fictícios: Augusto, Ana, Margarida, Ivan, Ingrid, Luíza e Vânia.

Entre os sujeitos deste primeiro grupo, a faixa de idade varia entre 35 e 40 anos, e a

grande maioria é do sexo feminino. Todas as cinco mulheres desse grupo são

casadas. Três possuem dois filhos, uma tem apenas um filho e uma não tem filhos.

Os dois homens se declararam solteiros.

Em relação à origem socioeconômica, constatamos que os sujeitos se distribuem

entre camadas populares e classe média à maior parte estudou apenas em escola

pública.

No que se refere à continuidade dos estudos, após a conclusão do Curso de

Pedagogia, observamos que a maior parte se interessou-se em fazer pós-

graduação: temos uma doutora, dois doutorandos e um especialista.

Destacamos, a seguir, informações gerais sobre cada um dos sujeitos, partindo de

frases significativas que expressam suas idéias, seus desejos e sua constituição

como professor na Educação Especial.

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Margarida

“Acho que a pior parede que se levantou na Educação Especial é a não crença de alguns professores na aprendizagem desses alunos.”

Margarida nasceu no interior do Estado do Espírito Santo, de família simples, pai

operário de construção e mãe costureira. Tem três irmãos. Tem 40 anos de idade, é

casada, tem uma filha com 19 anos. Estudou em escola pública, fez Curso de

Magistério no ensino médio. Em 2000, concluiu o Curso de Pedagogia e fez duas

habilitações: Educação Especial e Formação de Professores. Em seguida, fez o

curso de Mestrado e Doutorado. Atua há sete anos na área educacional.

Augusto

“Eu ouvi um professor falar: `Eu não fui preparado para isso`, e eu pergunto: alguém está preparado para a vida? A mãe foi preparada para ter um filho especial? quando estaremos preparados?”

Augusto fez magistério no ensino médio com estudos adicionais nas séries iniciais.

Em 1998, concluiu o Curso de Pedagogia com habilitação em Educação Especial,

deu continuidade aos estudos fazendo o curso de mestrado e atualmente cursa

doutorado na linha de pesquisa de Diversidade e Práticas Educacionais Inclusivas.

Ana

“Eu não gosto de fingir que faço, para depois não ter que fingir que acontece.”

Ana é natural do Vitória/Espírito Santo. Tem dois irmãos é a única mulher, vem de

família simples. Seu pai é engenheiro e sua mãe professora de Português. É

casada, tem dois filhos pequenos. Estudou em escola particular, inclusive no ensino

médio. Em 1998 concluiu o Curso de Pedagogia com habilitação em Educação

Especial, tem 11 anos de experiência na área educacional.

Luíza

“Foi na APAE que conheci a prática, foi lá que comecei a produzir possibilidades”.

Luíza nasceu no Estado do Rio de Janeiro, tem 30 anos e veio para Vitória com oito

anos de idade. Seu pai funcionário público federal e sua mãe professora. Tem um

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irmão que é mais novo, é casada e não tem filho. No ensino fundamental estudou

tanto na escola pública quanto na escola particular. Fez o Curso de Magistério no

ensino médio. Em 1999, concluiu o Curso de Pedagogia com habilitação em

Educação Especial. Já na época do magistério, trabalhou em escola de 1ª a 4ª série

como estagiária de uma unidade escolar que hoje não existe mais, era localizada na

Praia do Canto chamada Caminhos do Saber, que depois virou Rubem Braga e, por

último, é denominada Escola Crescer.

Ingrid

“Vejo que as pessoas tratam a Educação Especial com descaso. Acho que ainda não entenderam o que é a Educação Especial, a necessidade desta modalidade.”

Ingrid nasceu no interior do Estado de São Paulo, tem quatro irmãos, duas mulheres

e dois homens, sendo ela a do meio. Seu pai, tendo como profissão caminhoneiro,

veio a falecer tragicamente muito cedo, deixando-a órfã com apenas cinco anos de

idade. Sua mãe é uma costureira que, por força das circunstâncias, assumiu o

sustento da casa. É casada, tem dois filhos e 44 anos de idade. Fez o ensino

fundamental em escola pública e o ensino médio em uma escola particular. Após um

período de interrupção e morando na cidade de Vitória no Estado do Espírito Santo,

retomou seus estudos fazendo o Curso de Magistério e, posteriormente, o Curso de

Pedagogia com habilitação em Educação Especial, concluído em 2000. Fez Pós-

Graduação em Educação, focando o Trabalho do Coordenador Pedagógico.

Continuou sua vida acadêmica fazendo o Curso de Mestrado na linha de pesquisa

de Educação Especial e, atualmente, faz o curso de doutorado nessa mesma linha

de pesquisa.

Ivan

“Nós somos Ph.D. em identificação de problemas e leigos em busca de soluções dos mesmos. Se estamos tendo problemas [...]quais são as ações e as soluções?”

Ivan vem de família simples, nasceu no município de Cariacica/Espírito Santo, tem

seis irmãos, seu pai só tem “leitura de mundo” (analfabeto), sua mãe é do lar.

Solteiro, sempre estudou em escola pública. Fez o Curso de Magistério com estudos

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adicionais em Ciências, no Município de Cariacica. Em 1999 concluiu o Curso de

Pedagogia com habilitação em Educação Especial. Tem 20 anos de experiência

profissional.

Vânia

“Eu acredito muito na sensibilização das pessoas, sensibilizar as autoridades, as empresas, o outro, através das pesquisas (divulgando-as), mostrando que existem possibilidades das pessoas especiais crescerem em suas potencialidades.”

Vânia vem da cidade de Muqui, interior do Estado do Espírito Santo. Seus pais são

professores. Tem 40 anos, é casada e tem dois filhos pequenos. Sempre estudou

em escola pública, No ensino médio, ainda em Muqui, fez, paralelamente, o Curso

de Magistério no turno matutino e Técnico em Contabilidade no noturno. Com 20

anos, veio para Vitória por ter sido aprovada no concurso público do Banestes. Em

1999, concluiu o Curso de Pedagogia com habilitação em Educação Especial, tem

curso de pós-graduação em Administração de Recurso Pessoal, área em que atua

como analista de Recursos Humanos. Trabalha há três anos com as deficiências em

seu contexto de trabalho.

Ao selecionarmos as frases dos sujeitos, procuramos destacar aquelas que, a nosso

ver, foram mais significativas de forma a caracterizar o conjunto de suas respostas a

respeito de como se colocam em relação à Educação Especial. Constatamos que

essas respostas são perpassadas por questionamentos sobre a prática educativa

envolvendo alunos com necessidades educacionais especiais, constatações de

desafios e manifestações de expectativas e anseios em relação ao trabalho

educativo desenvolvido nessa área.

5.1.2 Grupo II: Sujeitos Que Se Formaram Nos Anos de 2001 e 2002

O Grupo II é composto de cinco sujeitos, os quais aparecem neste estudo com os

seguintes nomes fictícios: Creuza, Vitória, Deise, Clara e Suzana.

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Esse grupo se constitui exclusivamente de mulheres, numa faixa etária entre 35 e 49

anos. As cinco mulheres desse grupo têm origem socioeconômica vinculada à

camada popular da sociedade. Quatro delas são casadas e apenas uma é solteira.

Das que se declararam casadas, três possuem dois filhos cada e uma apenas um

filho.

Os dados, ainda, apontam que todas as entrevistadas estudaram em escolas

públicas. Em relação à continuidade dos estudos após o Curso de Pedagogia,

observamos que três das entrevistadas possuem Mestrado em Educação.

Apresentaremos, a seguir, informações sobre esses sujeitos, mais uma vez

destacando frases significativas que expressam suas idéias, desejos e sua

constituição como professor na Educação Especial.

Creuza

“Enquanto o município não vê a Educação Especial como prioridade, fazendo parte do ensino, parte do sistema, a sociedade também não a vê, e aí dificulta o trabalho dentro da escola”

Creuza nasceu em Vitória/Espírito Santo. Vem de uma família de nove irmãos, três

homens e seis mulheres, sendo a mais velha delas. Seu pai é um comerciante que

veio a falecer quando ela tinha apenas dez anos. Sua mãe, dona de casa, assumiu o

lugar do seu pai no comércio. É casada, tem dois filhos e tem 49 anos de idade.

Estudou em escola pública, fez o Curso de Magistério e, em 2001, concluiu o Curso

de Pedagogia com habilitação em Educação Especial. Em seguida, fez o curso de

mestrado na referida linha de pesquisa. Tem sete anos de experiência profissional.

Vitória

“Nós não estamos na Educação Especial porque somos bonzinhos, nem o aluno está na sala de aula por caridade, mas por direito, ele tem direito de permanecer ali.”

Vitória nasceu no Estado do Espírito Santo, no município de Vila Velha. De família

simples e pequena, sua mãe morreu muito jovem e, em virtude disso, ela e sua

única irmã foram para um colégio interno. É casada e tem uma filha também casada.

No ensino médio fez o Curso de Magistério, tem duas graduações, uma na área de

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História e outra em Pedagogia com habilitação em Educação Especial, tendo

concluído em 2003. Atualmente, cursa Mestrado em Educação, tem 20 anos de

experiência profissional.

Deise

“Fui fazer Educação Especial, porque acreditava que, na minha sala de aula regular comum, eu ia ter aluno com necessidades educacionais especiais e que eu teria que estar preparada para recebê-los.”

Deise é natural do Espírito Santo e sempre morou no município de Cariacica, Tem

27 anos e dois irmãos. Sua mãe é do lar e seu pai empresário. É solteira, sem filhos.

Estudou em escola pública, porém no ensino médio, foi para a escola particular onde

fez o Curso Técnico em Contabilidade. Em 2002, concluiu o Curso de Pedagogia

com habilitação em educação infantil e gestão educacional, Após, iniciou o Curso de

Mestrado na linha de pesquisa de Diversidade e Práticas Educacionais Inclusivas

concluindo-o em 2006. Atua há cinco anos na educação.

Clara

“Temos que ter outra forma de educação, outro caminho, onde as pessoas tenham direitos de ter conhecimentos. Que a administração mude sua forma de ver o profissional. Muitos profissionais gostam de trabalhar, mas têm suas limitações.”

Clara é natural do município de Cariacica/ Espírito Santo, tem seis irmãos, e ela a

mais nova. Sua mãe uma é lavadeira e seu pai é ferroviário. Tem 31 anos, é casada

e tem dois filhos, um com oito anos o outro com seis anos. Sempre estudou em

escola pública, cursou ensino médio no Colégio Estadual de Vitória. Fez Curso de

Pedagogia com habilitação em Educação Especial, tendo concluído em 2002. Tem

seis anos de experiência na área educacional.

Suzana

“Quando eu comecei, eu tinha um aluno com síndrome de Down, outro autista e outro com síndrome West, eu pensei: Gente, como eu vou trabalhar com essas crianças?”

Suzana nasceu no interior do Estado do Espírito Santo, vem de uma família

constituída por cinco irmãos. Ela é a única do sexo feminino. É casada e tem duas

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filhas adolescentes. Estudou em escola pública, fez ensino médio no Colégio

Estadual de Vitória com estudos adicionais em Técnico de Enfermagem. Concluiu,

em 2003, o Curso de Pedagogia com habilitação em Educação Especial. É

funcionaria pública federal há 15 anos e há a quatro atua paralelamente na

Educação Especial.

Neste grupo, destaca-se, nas frases dos sujeitos, a preocupação com políticas

públicas na área de Educação Especial. Também já identificamos a repercussão do

movimento de inclusão nas escolas regulares, nas opções dos ex-graduandos no

que se refere à própria formação, bem como ao interesse em se preparar para atuar

com alunos com necessidades educacionais especiais.

5.1.3 Grupo III: Sujeitos Que se Formaram Nos anos de 2003 A 2005.

O Grupo III é composto de cinco sujeitos, os quais aparecem neste estudo com os

seguintes nomes fictícios: Marlene, Aline, Nilda, Mônica e Rose.

Este grupo é composto, em sua totalidade, por cinco mulheres na faixa etária entre

25 e 27 anos. Três das entrevistadas são solteiras e duas são casadas e não

possuem filhos.

Em referência à origem socioeconômica, três das entrevistadas indicam pertencerem

à camada popular e duas à classe média. Quanto aos dados relacionados com a

escolarização, temos: duas oriundas de escola pública e três que mesclaram seus

estudos em escolas públicas e particulares.

Neste grupo, três das componentes possuem Mestrado em Educação e duas

possuem Curso de Especialização.

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Marlene

“O movimento da inclusão é um movimento sóciopolítico que envolve reflexão, nova concepção de escola, de aluno, de homem, enfim de toda sociedade.”

Marlene nasceu na cidade de Vila Velha no Estado do Espírito Santo, depois foi

morar no município de Cariacica. Tem uma irmã (gêmea), filha de pai assalariado,

que cursou até a 4º série do ensino primário e mãe do lar, que cursou até a 8º série

do ensino fundamental. Sempre estudou em escola pública. No ensino médio fez o

Curso de Magistério no Instituto de Educação em Vitória. É solteira, e tem 25 anos

de idade. Concluiu o Curso de Pedagogia em 2005 com habilitação em Gestão e

Educação Especial. Atualmente, cursa Mestrado em Educação na referida linha de

pesquisa. Tem cinco anos de experiência profissional.

Aline

“A realidade não é bonita, não, a gente tem que dar um pouco de afeto, sim, eu não aprendi que meu aluno de seis anos iria presenciar sua mãe ser morta, e que tal fato traria dificuldades de aprendizagens.”

Karolini nasceu em Colatina, interior do Estado do Espírito Santo. Tem 26 anos, é

casada e sem filhos. No ensino médio, ainda em Colatina, fez Curso Técnico em

Contabilidade. Durante o Curso de Pedagogia, fez algumas habilitações, como

Psicopedagogia e Literatura Infanto-Juvenil. Em 2005, concluiu o Curso de

Pedagogia, com habilitação em Educação Especial. Tem dois anos de experiência

na área de educação.

Nilda

“Comecei a sentir aceitação pelos professores que diziam: `Eu não entendo disso ainda, mas você pode ler isso ou aquilo, minha área é essa`. Poucas coisas existiam no Espírito Santo, em relação ao surdo, mas a Universidade não esteve fechada.”

Nilda nasceu no Estado do Espírito Santo, no município de Vila Velha, tem 25 anos,

solteira, filha única de pais surdos. Estudou da 1ª à 8ª série em escola pública,

depois fez o ensino médio regular numa escola particular. Concluiu em 2005 o Curso

de Pedagogia com habilitação em Educação Especial. Tem cinco anos de

experiência profissional.

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Mônica

“Acredito que seja mesmo, através de uma carga de decepções, de não ter visto resultados, da desvalorização e falta de condições de trabalho que vêm a desmotivação.” Mônica nasceu e sempre morou em Vitória/ Espírito Santo, tem uma irmã mais nova,

mãe pedagoga e pai que trabalha com vendas. Na educação infantil, freqüentou a

escola pública e fez da 1ª série até o segundo grau em escola particular onde fez

curso profissionalizante na área de informática. Tem 27 anos, é casada e não tem

filhos. Em 2005, concluiu o Curso de Pedagogia com habilitação em Educação

Especial. Atualmente cursa o mestrado na linha de pesquisa de Diversidade e

Práticas Educacionais Inclusivas. Tem cinco anos de experiência na área de

Educação.

Rose

“Acho que a educação liberta da ignorância, traz perspectiva de vida, mas a gente tem que acreditar e ter convicção disso.”

Rose tem 26 anos, é solteira. Nasceu no Estado do Espírito Santo, tem um irmão e

uma irmã, e é a mais nova da família. Seu pai, por ter ficado órfão muito cedo, não

teve oportunidade de estudar. Já sua mãe fez magistério. Estudou em escola pública

de 1ª a 8ª série e na escola particular o 2º grau, onde fez o Curso Técnico em

Processamento de Dados. Em 2003, concluiu o Curso de Pedagogia com duas

habilitações, uma em gestão e outra em Educação Especial. Fez pós-graduação em

educação infantil e, posteriormente, mestrado na linha de pesquisa de Diversidade e

Práticas Educacionais Inclusivas. Tem quatro anos de experiência na área

educacional.

As narrativas neste item indicam que os três grupos têm semelhanças na origem

socioeconômica. Os professores são oriundos das camadas populares e pertencem

à classe média. A maioria dos sujeitos é do sexo feminino. Dentre os 17 sujeitos

apenas dois são do sexo masculino.

A faixa etária varia entre 25 e 49 anos. Dos sujeitos que prosseguem os estudos,

temos desde indicação de Curso de Especialização ao doutorado, o que mostra que

estão envolvidos com a formação continuada.

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Para permitir uma compreensão maior das características dos sujeitos da nossa

pesquisa, apresentamos, a seguir, um quadro contendo as principais informações

apresentadas sobre eles.

Grupo Sujeitos Idade Ano da

conclusão

Situação

familiar

Atuação

profissional

(cargo/função)

Tempo de

atuação na

área

educacional

Estado

civil

Filhos

Gru

po

I

Ana 37 1999 Casada 2 Professora 11

Augusto 40 1998 Solteiro _ Professor 20

Ingrid 45 2000 Casada 2 Professora 20

Ivan 37 1999 Solteiro _ Professora 20

Luíza 37 1999 Casada _ Professora 8

Margarida 40 2000 Casada 1 Professora 3

Vânia 40 1999 Casada 2 Func. Pública 3

Gru

po

II

Clara 31 2002 Casada 2 Professora 6

Creuza 49 2001 Casada 2 Especialista 7

Deise 27 2002 Solteira _ Prof. e Gestora 5

Suzana 37 2003 Casada 2 Professora 15

Vitória 49 2002 Casada 1 Professora 20

Gru

po

III

Aline 26 2005 Casada _ Prof. e Espec. 2

Marlene 25 2005 Solteira _ Professor 5

Mônica 27 2005 Casada _ Professora 5

Nilda 25 2005 Solteira _ Professora 5

Rose 26 2003 Solteira _ Professora 4

Quadro 1: Características dos sujeitos da pesquisa

No caso desse grupo, as frases mais significativas identificadas por nós apontam um

olhar para o cotidiano escolar e uma busca de distanciamento e reflexão sobre esse

contexto.

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5.2 O INTERESSE DOS PROFESSORES PELA EDUCAÇÃO ESPECIAL

Neste item, destacaremos das narrativas aspectos que apontam a gênese do

interesse pela Educação Especial dos sujeitos envolvidos na pesquisa.

5.2.1 Grupo I: Sujeitos que se formaram nos anos de 1998 a 2000

Analisando as narrativas dos sujeitos, percebemos que o interesse pela área de

Educação Especial surge em momentos distintos de suas vidas, desde experiências

vividas na infância até aquelas vivenciadas no Curso de Pedagogia.

Ingrid aponta que, para ela, o interesse surgiu da própria história de sua vida. Relata

que, em várias ocasiões, passou por situações ou fases com momentos difíceis de

superação que foram despertando nela esse interesse. Relembra um episódio

ocorrido com sua avó e relata:

Minha avó gostava muito de meu pai. Durante muito tempo chorou a morte dele. Um dia, após levantar da cama, chegou à mesa e falou: `Nunca mais vou derramar uma lágrima pela morte do Wilson`. O que aconteceu? Ela respondeu: `Tive uma revelação de como ele ficaria se tivesse ficado vivo`. Disse ter tido um sonho e nele visto meu pai que aparecia numa cadeira de rodas todo bobo, sem movimentos nenhum, babando, todo mundo tendo que dar atenção, ela falou que aquilo foi à gota final para parar de chorar a morte dele, que nunca mais choraria e, realmente, foi o que a aconteceu, ela passou a ver a coisa de forma diferente.

Essa experiência descrita por Ingrid a ajudou a começar a pensar nas questões que

perpassam as pessoas que apresentam deficiência. Porém, o interesse continuou

no momento em que começou a lecionar e teve contato com crianças que

necessitavam de mais atenção e apoio especial.

Margarida, Luiza e Ana identificam esse interesse em uma etapa posterior de suas

vidas, a partir de experiências vivenciadas no e pelo Curso de Magistério em nível

de ensino médio e no cursinho pré-vestibular. “No Magistério, tive oportunidade de

estagiar [...] o trabalho coletivo foi muito bom, pois ia inventando coisas para todos,

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inclusive para os dois alunos com necessidades educacionais especiais”

(MARGARIDA).

Fui estagiária durante três anos, período todo do Magistério. Lá eu conheci a

Educação Especial (LUIZA).

Na época do cursinho, tinha uma colega com síndrome de Down [...] foi quem

despertou a Educação Especial em mim (ANA).

O interesse de Margarida pela Educação Especial surgiu no magistério quando teve

oportunidade de estagiar numa escola da prefeitura de Jeribá, onde houve os

primeiros contatos com os alunos com necessidades educacionais especiais. Na

sala de aula, dentre os alunos, havia dois meninos, um com deficiência intelectual e

outro com uma deficiência não identificada. O trabalho coletivo de intervenção foi

satisfatório, ela planejava ações que contemplavam todos os alunos, que favoreciam

a leitura e escrita bem como a socialização e aprendizagem dos alunos com

necessidades educativas especiais. Isso deu certo, graças às orientações dadas

pelas professoras do magistério que as ajudaram na formação de saberes sobre

Psicologia, Sociologia e Filosofia da Educação, o que lhe trouxe muito prazer e

vontade de descobrir outros conhecimentos.

A narrativa de Margarida revela que seu interesse pela Educação Especial parece

estar relacionado com uma questão mais ampla, que diz respeito às injustiças

sociais. Em seu relato, a depoente narra passagens vividas em sua infância que

evidenciam a emergência de uma percepção das desigualdades sociais e da

discriminação vivida por sujeitos em condição social desfavorecida. Nesse sentido, o

interesse pela Educação Especial surge como uma maneira de atuar em prol do

sujeito que, como ela, vivera algum tipo de discriminação.

Porém, Margarida narra que, aos 11 anos de idade e ainda morando em São Paulo,

sua família queria que ela fosse artista, cantora. Ela achava muito ridículo. Eles

queriam que ela participasse de programas de calouros na TV e do programa infantil

onde era escolhida a “Princesa de Sílvio Santos”, mas ela sempre dizia que queria

ser professora e sua mãe ficava muito irritada. Seu mundo era muito diferente do

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que a família queria. Nessa perspectiva, ela achava que a educação ia dar mais

conhecimentos, por isso, fez magistério.

Ana narra que, em sua sala, estudava uma aluna com síndrome de Down que se

apegou a ela. Relata: “Parecia coisa de ímã, ela sentava do meu lado, eu ajudava

muito ela, não era muito comprometida na aprendizagem. Nós conversávamos

muito, estudávamos juntas, os professores a deixavam fazer alguns trabalhos

comigo”. Então o professor de Geografia trouxe para ela uma revista com um artigo

referente à pessoa com necessidades educacionais especiais. Depois de ler a

revista, resolveu fazer vestibular para Pedagogia.

Luíza foi estagiária de 1ª a 4ª série durante quase três anos, período em que

cursava o magistério. Na escola em que estagiava, havia a política de receber o

aluno com necessidades educacionais especiais. Teve uma aluna com síndrome de

Down, com quem diz manter contato até hoje, embora ela esteja morando no Norte

do País. Mesmo não tendo clareza do que seria, nem visão do que era a Educação

Especial, ela já havia determinado que iria fazer alguma coisa nessa área.

Examinando o caderno de inscrição para o vestibular da UFES, decidiu fazer o

Curso de Pedagogia com Habilitação em Educação Especial.

Outros sujeitos tiveram o interesse despertado a partir de experiências vivenciadas

no próprio Curso de Pedagogia. Augusto comenta que os professores da área de

Educação tiveram uma participação decisiva em sua escolha pela área: “Eu comecei

a gostar da coisa, muito em função dos professores [...] que abriam uma perspectiva

para a Psicopedagogia [...] comecei a me interessar pelo autismo.”

Já nos primeiros meses da formação inicial, Augusto sentiu-se interessado pela

Educação Especial, em virtude da atuação de professores do Curso de Pedagogia,

que também lhe mostraram perspectivas para a atuação na área de

Psicopedagogia. Começou a se interessar pelo autismo e encantou-se de tal forma

que pensou na possibilidade de, posteriormente, fazer cursos na área de Medicina

como: Psiquiatria, Neuropsicologia, enfim, algo que contribuísse para entender a

condição fisiológica do sujeito, bem como trabalhar e fazer intervenções com os

alunos portadores dessa deficiência.

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Analisando a narrativa de Ivan, percebemos que o interesse pela área da Educação

Especial surgiu a partir de uma identificação com os sujeitos da Educação Especial.

O narrador relata:

Quando iniciei no Curso de Pedagogia, estava passando por momentos difíceis de minha vida. Tinha saído de minha casa, terminado um relacionamento afetivo, vivenciando momentos de conflito interior muito grande, estava desanimado, não me encontrando na habilitação de Educação Especial, rejeitava e perguntava: o que eu estou fazendo neste lugar? Não aceitava aquelas crianças. Certa vez, numa aula de campo juntamente com a professora Denise e um grupo de alunos, fomos para a escola [...], época em que a Prefeitura de Jeribá estava implantando o projeto das escolas pólo da Educação Especial. Num dado momento, caminhando sozinho nas dependências da escola, encontrei um aluno deficiente auditivo, que apontou para minha orelha que tinha um brinquinho e me cutucou, apontando para a mesma e fez um gesto indicando minha identidade sexual. Aquilo foi um grande choque, caiu a ficha, eu que era excluído, estava excluindo também. Eu pensei: Sou tão marginalizado quanto eles, como posso contribuir para uma sociedade melhor, onde as pessoas sejam aceitas pela sua singularidade, se também excluo? Aquele menino me fez ver, com aquela comunicação, que nos éramos iguais, pertencíamos a esta sociedade excludente. Foi daí que comecei a me encantar e abraçar a Educação Especial como causa. Este foi um momento muito significativo tanto na minha vida pessoal quanto na acadêmica (IVAN).

A narrativa de Ivan nos remete ao desafio de pensar na inclusão dentro da

sociedade como um todo, para todos, com todos, sem preconceito.

Finalmente, Vânia interessou-se pela Educação Especial devido ao mercado de

trabalho, pois suas colegas já atuavam nessa área. Um de seus professores

orientou que o mercado estava aberto para essa área e deveria ficar atenta às

oportunidades, porque Educação Especial é um diferencial para quem é professor.

As empresas têm um percentual de oferta que atende às pessoas com

necessidades educacionais especiais. As escolas já recebem esses alunos, embora

saibamos que, muitas vezes, eles não têm um acolhimento satisfatório. Diante desse

contexto, a professora revela ter feito sua opção e, no decorrer do percurso, foi

aprendendo a gostar dessa habilitação.

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5.2.2 Grupo II - sujeitos que se formaram nos anos de 2001 e 2002

No processo de rememorar o que ocorreu durante as narrativas, Suzana nos lembra

da multiplicidade de facetas que vão se mostrando nos ecos, nas lembranças do

tempo e que nos permite alargar horizontes e buscar outros modos de ver. Isso se

exemplifica neste relato:

Esses dias mesmo, eu estava pensando por que havia escolhido a Educação Especial, foi quando me lembrei de um fato interessante: quando eu era pequena, com quatro ou cinco anos de idade, tinha um vizinho que era doente mental. Eu gostava muito dele, vivia brincando com ele, minha mãe tinha medo. Naquela época, as pessoas deficientes eram muito mais discriminadas, mas eu era muito amiga dele, eu o adorava, então ele morreu, fiquei muito triste, tinha muita saudade, vivia sonhando com ele. E, certo dia, sonhei que ele me chamava para ir morar com ele. Contei à minha mãe e ela ficou enlouquecida [com medo] risos... fui crescendo e observando que sempre gostei de me aproximar das pessoas que eram discriminadas, como: as que não se gostavam, negros, pobres, enfim, eu sempre me aproximava deles tornando amiga. As pessoas perguntavam: `Mas por que isso?´. Eu não sabia responder, mas sempre tive isto comigo, sabia que queria trabalhar com elas. Sempre tive um olhar voltado para as pessoas que precisavam de atenção’ (SUZANA).

No relato de Suzana, é possível perceber que sua história de vida e suas interações

sociais a instigaram em direção à área da Educação Especial, o que nos faz refletir

sobre a importância da valorização da história de vida dos professores e como isso

se reflete em sua prática educativa. Uma experiência vivida na infância com um

vizinho que era doente mental se destaca no interesse pela Educação Especial,

além de uma preocupação com as pessoas discriminadas.

Em contrapartida, Vitória interessou-se pela Educação Especial quando atuava

como professora, mesmo antes de cursar Pedagogia. Vitória destaca marcas das

diferentes culturas escolares vivenciadas, marcas significativas que foram

despertando seu interesse pela Educação Especial. Marcas que indicavam um modo

específico de se trabalhar com crianças com necessidades educacionais especiais

na escola regular. Constatamos isso quando ela nos contou:

Tudo começou quando atuava numa escola pertencente ao Estado e aconteceu um fato interessante; na escola tinha uma salinha

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separada das outras, onde tinha uma professora que trabalhava com alunos especiais. Eu ficava curiosa com esta sala primeiro porque ela era separada das outras e a professora dessa sala, não participava com a gente em nenhum momento, de planejamentos, de recreios, nem de nada. O recreio tanto dela, quanto das crianças era separado. E aquilo me deixava curiosa do porquê. E esta professora aposentou. Então a diretora me chamou e pediu para assumir aquela sala. Foi um choque, você não acredita. A sala era homogênea, tinha meninos que estavam ali seis até sete anos. Tinha um menino que não aprendia a ler e escrever, e fiquei curiosa por que aqueles meninos estavam tanto tempo lá. Consegui exame de vista para alguns alunos. E esse menino foi um deles, o que ele tinha era oito graus de miopia, ele não enxergava nada. Ele não aprendia porque não enxergava nada. A partir do momento que ele começou a usar óculos, ele saiu da sala e foi seguindo até a quarta série. Nesta série, ele sofreu um acidente vindo a falecer. Ele já estava adulto, tinha perdido um tempo enorme naquela sala, simplesmente porque não enxergava. E era um menino normal, mas não sei por que a professora nem a família não perceberam isso. E ali dentro tinham outros casos semelhantes (VITÓRIA).

Diante desse relato, somos desafiados a olhar o professor no sentido de romper com

a dicotomia entre os que pensam e os que executam a educação. É preciso que ele

repense sua prática, tenha um olhar construtivo, articule-se ao desejo político que se

traduz no compromisso de aprofundamento teórico permanente, sistematizado,

responsável; uma consciência humanizadora sobre a realidade social. Como Freire

(2002, p.85), penso que “Nosso papel no mundo não é só de quem constata o que

ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito da ocorrência”. Nesse

sentido, entendemos que a mudança é possível, uma vez que mudar significa não

estar alheio à nossa postura, à tomada de decisão, mas estar imerso numa condição

de protagonista desse contexto.

De forma semelhante a Augusto, do grupo I, o interesse de Creuza e Clara pela

Educação Especial surgiu a partir de experiências propiciadas pela universidade:

Eu conheci o professor [...] maravilhoso, da criança que ele falava. Eu tinha aquele histórico, tinha sido essa criança, também tive dificuldades e alguém acreditou em mim [...] comecei a pensar nesse professor da sala de aula, qual o papel dele, da importância que ele tem [...] e vi que realmente queria fazer Educação Especial (CLARA).

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Estava dentro de mim, sempre achei que deveria buscar mais [...] fiz habilitação em Educação Especial e foi aí que me envolvi [...] foi que optei pela Educação Especial por esta linha de trabalho (CREUZA).

Em sua narrativa, Creuza destaca que seu interesse pela Educação Especial deu-se

durante a graduação por influência de professores da área de Educação Especial e

a partir do trabalho desenvolvido no Núcleo de Pesquisa e Extensão em Educação

Especial (NEESPE/CE/UFES), onde teve contato com as crianças com

necessidades especiais. Porém, ressalta que foi no Curso de Mestrado que

realmente fez opção de trabalho pela referida área.

Em uma das aulas do Curso de Pedagogia, Clara ouviu o professor discorrer sobre

dificuldades de aprendizagem dos alunos e procedimentos diante daquelas

situações. Enquanto ele falava, Clara foi se identificando com aquele histórico.

Tinha sido aquela criança e alguém tinha acreditado nela, entretanto foi a sua

professora. Começou a refletir sobre essa situação e a questionar o papel do

professor de sala de aula, principalmente daqueles com dificuldades especiais. Após

conversar com esse professor, ele conseguiu para ela um espaço na APAE.

Trabalhou nessa instituição durante algum tempo e viu que realmente queria atuar

na área da Educação Especial.

Por outro lado, a narrativa de Deise ressalta o ambiente de trabalho como fator

preponderante em sua escolha. Afirma que foi quando começou a trabalhar na

APAE que conheceu o que era ser especial, o quanto valia a pena brigar e lutar por

eles, chorar por alguém, seja na educação infantil área em que trabalha como

professora no turno matutino, seja na APAE, onde é gestora no turno vespertino.

Assim, o interesse pela Educação Especial passa pela vivência dos sujeitos em seu

cotidiano social, na sua experiência no espaço profissional e, principalmente, dentro

da universidade, por meio das disciplinas e vivência no Curso de Pedagogia.

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5.2.3 Grupo III: Sujeitos Que Se Formaram Nos Anos de 2003 a 2005

Entre os sujeitos do terceiro grupo, encontramos Mônica e Nilda que viveram

experiências anteriores à universidade, as quais foram significativas em suas

escolhas profissionais. Destacamos o papel da escola básica e da família nessas

escolhas.

Inicialmente, Mônica passou por uma experiência marcante quando, aos 14 anos,

cursava a 8ª série do ensino fundamental. A narradora relata:

Sabia que queria trabalhar com a deficiência em virtude de um fato marcante ocorrido. Quando estava com14 anos e estava cursando a 8ª série, na escola a aconteceu uma feira de ciências. Meu grupo escolheu trabalhar sobre doenças, enfocando as síndromes. Então fomos para APAE onde tive a oportunidade de conhecer os trabalhos que eram desenvolvidos pela mesma. Foi aí que entrei na sala de fisioterapia (estimulação). Tinha um menino com deficiências múltiplas, fazendo exercícios na barra. Seu nome era Leonardo, pedi autorização à sua mãe que estava perto da porta para tirar umas fotos dele, ela autorizou. Então o chamei: `Vem, Leo, tirar foto!`. Aí ele soltou as mãos, dando vários passos em minha direção e, com muita alegria, me abraçou. Eu fiquei encantada e sua mãe perplexa. A partir daí, vi que era aquilo que queria, mais pela visão da fisioterapia.

Paralelamente a isso, sua avó enfrentava uma doença que demorou muito tempo

para ser diagnosticada, era uma esclerose múltipla. Os músculos iam atrofiando,

embora ela se encontrasse mentalmente muito bem. Essa situação era muito triste.

A narradora se imaginava na função de fisioterapeuta, o que lhe possibilitaria

contribuir para a autonomia do outro. Porém, sua mãe, que era pedagoga, insistia

que teria que fazer o Curso de Magistério. Mônica resistia, não era o que queria. No

ensino médio, fez um Curso de Informática. Após a conclusão desse curso, ainda

passou por períodos conflituosos com sua mãe. Tentou vestibular para Psicologia,

mas não conseguiu aprovação na segunda fase. No ano seguinte, fez curso pré-

vestibular e, muito a contragosto, tentou vestibular para o Curso de Pedagogia.

Passou.

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Durante muito tempo, ela diz ter chorado, porém conta que foi pela trajetória dos

professores que começou a se apaixonar e ir modificando sua visão referente ao

curso. Enfatiza que foi precisamente no quarto semestre. Teve uma professora que,

como uma “fada madrinha”, mudou toda sua história acadêmica. Essa professora a

acompanhou por um bom tempo, relembra com muita emoção. Diz considerá-la

como um anjo que abriu portas, janelas, enfim, mostrou-lhe que estava no caminho

certo. Reconhece também que outros professores foram significativos na

reconstituição do que estava “quebrado” dentro dela.

Em contrapartida, o interesse de Nilda tem relação com a experiência familiar:

Eu tinha acesso às escolas relacionadas à educação dos surdos, já que ia visitar junto com meus pais, via que pouca coisa havia mudado desde a época deles até a data que tinha ido lá. Então comecei a me incomodar e querer fazer Pedagogia (NILDA).

A mãe de Nilda é surda e, um dia, vendo televisão junto com sua filha, surpreendeu-

se com uma reportagem que mostrava várias crianças surdas falando em LIBRAS,

língua de sinais, ela comentou que, se a educação mudasse, e tivesse a língua de

sinais na escola, ela voltaria a estudar. Esse fato levou Nilda a refletir sobre as

pessoas que, assim como sua mãe, não tiveram oportunidade de escolarização na

idade correta, bem como nas várias crianças que estão no processo de

escolarização por meio da oralização. Ela compreendia bem essa realidade. Foi

quando se interessou pelo Curso de Pedagogia.

Marlene, Aline e Rose tiveram seu interesse pela área despertado quando já

estavam cursando Pedagogia.

No 4º período, Marlene fez estágio extracurricular numa escola particular na

educação infantil. Ao término, foi contratada para outro estágio na Educação

Especial numa escola da Prefeitura Municipal de Jeribá. Lá, acompanhou duas

crianças especiais, uma deficiente visual e outra com deficiência intelectual.

Conversava muito com a professora de apoio pedindo orientações sobre o ensino

em Braille e sobre a deficiência intelectual. Junto com a professora regente, fazia os

planejamentos. Segundo Marlene, foi um trabalho muito interessante e possibilitou-

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lhe escolher e amadurecer o que queria do Curso de Pedagogia. Em conseqüência

disso, fez a habilitação em Educação Especial. Também sentiu necessidade de

fazer outros cursos que contribuíssem para melhor entender a deficiência mental.

Como não estava trabalhando enquanto cursava Pedagogia, Aline decidiu que iria

aproveitá-lo de forma que lhe permitisse apropriar o máximo de conhecimentos. Tal

atitude levou-a a fazer vários cursos como também a Habilitação em Educação

Especial: “[...] aí você começa a ver com outros olhos, sua visão muda, você

aprende com a realidade”, afirma ela.

Rose destaca que até o quarto período não tinha nenhuma motivação, chegando a

pensar, inclusive, em mudar para outro curso; no entanto, afirma: “Tudo mudou

quando conheci a Educação Especial no Núcleo Ensino, Pesquisa e extensão em

Educação Especial, quando fez iniciação científica``. O trabalho desenvolvido na

briquedoteca desse núcleo foi o que impulsionou seus estudos. A partir daí, foi

descobrindo o Curso de Pedagogia. No projeto desenvolvido na brinquedoteca,

atendiam as crianças de escolas públicas e de orfanato. Filmavam e discutiam as

situações que levassem a refletir sobre o que tinha sido feito, o que poderia ser

melhorado e quais eram as outras opções de trabalho. Tinham momentos de

formação nos grupos de estudos e faziam avaliações das práticas. Nesse contexto,

também estavam as crianças com deficiências.

A partir das narrativas das integrantes do Grupo III, fica evidenciado que, para

algumas, o interesse pela área da Educação Especial surgiu de suas vivências antes

da entrada na universidade, como é o caso de Mônica e Nilda. Para Marlene, Aline

e Rose, o percurso dentro da universidade foi o que instigou a escolha por adentrar

na área da Educação Especial.

Assim, podemos inferir que o interesse pela área surge em momentos diferentes

para as entrevistadas, consolidando-se na trajetória dentro da universidade durante

a formação inicial, apontando em definitivo a importância do conhecimento e da

vivência acadêmica em suas escolhas.

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5.3 EXPERIÊNCIAS SIGNIFICATIVAS VIVÊNCIADAS NA FORMAÇÃO INICIAL

Ao discorrerem sobre as experiências vivenciadas no Curso de Pedagogia da

Universidade Federal do Espírito Santo–UFES, os sujeitos entrevistados destacaram

aspectos referentes à: parte prática do curso, disciplinas e leituras, professores,

participação em monitorias e projetos de iniciação científica e convivência com os

colegas. Desses aspectos, os mais enfatizadas pelos sujeitos foram os professores

e a parte prática do curso.

5.3.1 Grupo I: Sujeitos que se formaram nos anos de 1998 a 2000

a) Os professores

A grande maioria dos sujeitos entrevistados aponta os professores como parte dos

aspectos mais significativos vivenciados no curso. Os professores destacados e

mencionados nas narrativas são docentes que integraram a proposta curricular

iniciada em 1995, quando o Curso de Pedagogia da Universidade Federal do

Espírito Santo passou a oferecer as seguintes habilitações: Magistério da Educação

Especial, Magistério da Educação de Jovens e Adultos, Magistério das Disciplinas

Pedagógicas do Ensino Médio.

A estrutura do currículo implantado em 1995 estendeu-se até o ano 2001 e teve a

perspectiva da docência como base principal da formação da identidade do

estudante de Pedagogia. Em 2001, houve uma alteração curricular, com a

implantação da habilitação em Gestão Educacional, que até aquele momento era

ofertada em nível de Pós-Graduação lato sensu.

Nesse contexto, destaca-se nas narrativas, especialmente, a atuação dos

professores em sala de aula, pautada pelo conhecimento teórico, pelas estratégias

para levar os alunos a um processo de reflexão crítica, pela organização e uso

adequado dos recursos didáticos para o processo de ensino e aprendizagem. A

esse respeito, Vânia relata: Na formação inicial, existiram professores que me

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marcaram muito, como as duas professoras de Educação Especial e também tem

outra [...] era muito exigente, trabalhava as questões das leis na educação [...]. Mas

por que elas me marcaram? Pelo conteúdo que elas tinham, por colocar a gente

para pensar e cobrar. Elas tinham orientações para passar para a gente, mas não

era de graça, eu acho que este é o papel da universidade mesmo, apresentar

soluções fazendo a gente pensar, o que não acontece na escola pública.

No entanto, para alguns, parece ter tido um peso maior a postura de acolhimento,

atenção e incentivo de alguns professores em momentos críticos, durante o curso,

conforme o relato de Ivan.

Quando iniciei o Curso de Pedagogia, estava passando por momentos difíceis [...] vivenciando momentos de conflito interior muito grande, estava desanimado, não me encontrando na habilitação de Educação Especial [...] não aceitava aquelas crianças. [...] as primeiras disciplinas eu não gostava [...], a professora me deu aquela sacudida, só que ela sabia do momento de vida que eu passava, eu aprendi muito com ela, construí uma outra relação com a professora da Educação Especial. Ela é meu sonho de consumo (IVAN).

Em sua narrativa, fica clara sua rejeição inicial às disciplinas de Educação Especial,

entretanto, a postura firme, porém afetiva de uma professora o conquistou,

modificando sua visão em relação à Educação Especial.

De forma semelhante ao relato de Ivan, as narrativas de Ana, Ingrid, Vânia e

Margarida indicam a influência dos professores de várias disciplinas dentro do Curso

de Pedagogia. No entanto, em algumas dessas narrativas, os professores de

Educação Especial são lembrados como os que mais lhes marcaram durante a

formação inicial, como podemos destacar em alguns depoimentos que se seguem:

Eu gostei da Matemática, da parte de Ciências, mas, com certeza, o que me marcou foi a Educação Especial (ANA).

Os professores que mais me marcaram foram a professora de Educação Especial e a professora de Matemática (INGRID).

As narrativas dos sujeitos nesse item mostraram a importância e influência da

prática e postura dos professores dentro da universidade. Para Nóvoa (2000), a

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universidade no Século XXI deve privilegiar a situação pedagógica. Para o autor, em

toda situação pedagógica, há um professor, um aluno e um saber. Nesse sentido,

Nóvoa enfatiza que estamos caminhando na perspectiva de privilegiar a relação

aluno e saber, estando o professor na posição de apoio na construção e na

conjugação desse saber.

b) Parte prática do curso

Nesse grupo, dois entrevistados fazem referência à parte prática do curso,

mencionando a experiência vivenciada no estágio curricular supervisionado. Dentro

da grade curricular do Curso de Pedagogia, o estágio tem uma carga horária de 300

horas para cada habilitação e segue o caminho da vivência do cotidiano das escolas

aliado à pesquisa, principalmente, nas disciplinas da Habilitação em Educação

Especial, como ressaltado nas narrativas dos sujeitos.

Assim, nas narrativas de Vânia e Margarida, aparecem lembranças referentes ao

estágio em Educação Especial como nos relatam:

[...] foi na escola pública, eu acompanhei uma criança que tinha uma situação diferente dos outros alunos, no estágio que fiz numa escola municipal no Bairro M. O. O menino não se concentrava e a professora regente não tinha canal aberto com ele, não havia uma atividade diferenciada para ele estar desenvolvendo suas potencialidades. Mas, com a orientação da professora de Educação Especial, eu aprendi como trabalhar. A gente começou a pesquisar o que ele fazia, o que ele gostava de fazer, como era a vida dele, daí, passei a fazer atividades com o que ele gostava, como pesca, peixe, siri (VÂNIA).

[...] a professora de Educação Especial ajudava nas questões da pesquisa, com a pesquisa-ação e ela só teve um período com a disciplina Estágio em Educação Especial, que foi o suficiente para deslanchar em nós a questão da pesquisa (MARGARIDA).

Dessas duas narrativas, podemos inferir que o período de estágio em Educação

Especial vivenciado pelas duas componentes do Grupo I é marcado pela articulação

com a pesquisa, com o cotidiano das escolas e com a proximidade da realidade do

aluno com necessidades educacionais especiais.

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Essa articulação, dentro do estágio supervisionado, tem favorecido a construção de

um significado mais forte para a práxis dos alunos do Curso de Pedagogia, como

nos coloca Barreto (2007, p. 272)

A nossa intenção é que o estágio supervisionado seja um momento importante na formação do futuro professor [...]. Nesse contexto as disciplinas de estágio em Educação Especial [...] vêm ganhando novo significado, à medida que devem constituir-se como momentos `articuladores` entre os estudos teóricos do curso de pedagogia e a docência vivenciada na escola.

c) Disciplinas e leituras

Um outro aspecto bastante ressaltado pelos sujeitos diz respeito às aulas e às

leituras propostas nessas aulas. O Curso de Pedagogia está organizado em dois

turnos: matutino e noturno, tendo o seguinte quadro de disciplinas como base

curricular:

O currículo do Curso de Pedagogia se fundamenta na relação teoria-prática. Além das disciplinas de Fundamentos da Educação (Filosofia da Educação, Sociologia da Educação, Psicologia da Educação, História da Educação, etc.), as Metodologias de Ensino (Português, Matemática, Ciências, História e Geografia) incluem, em seus programas, conteúdos específicos e metodologias também específicas. Nos períodos finais do curso e visando a integração de conteúdos, o aluno deverá fazer 600 horas de Estágio Supervisionado (300 horas para cada habilitação) (CENTRO DE EDUCAÇÃO, 1995).

Nas narrativas dos sujeitos entrevistados, temos lembranças das metodologias

usadas pelos professores como: aulas dialogadas, reflexão em grupo a partir de

aulas de estágios, ligados à prática da pesquisa, orientação para produção de

artigos científicos, leitura de relatórios de pesquisas, leituras de livros como

aprofundamento teórico e avaliação como um processo dinâmico envolvendo

docentes e discentes.

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Augusto faz alguns apontamentos que fornecem indícios de como percebe hoje as

aulas ministradas no passado:

Esta noção de compreender como a criança aprende e cria possibilidades de aprendizagens e desenvolvimento para todos [...] organizar cognitivamente o aluno de maneira a facilitar o aprendizado, foi dada pela Educação Especial. A professora trabalhava com essa noção de apostar nisso que dá certo, uma vez que existe uma trajetória no pensamento de toda criança que o professor precisa saber. As aulas tinham uma seqüência, a coisa estava traçada num modelo histórico-cultural, isto ficava bem nítido para nós, alunos. Elas tinham um eixo teórico condutor um momento muito significativo.

Em seu relato, Augusto chama a atenção para a base teórica do curso, apontando

que as disciplinas tinham um “eixo condutor”. Especificamente no que se refere à

Educação Especial, destaca a ênfase à abordagem do desenvolvimento infantil, à

dimensão cognitiva às possibilidades de organizar o trabalho pedagógico de maneira

a provocar desenvolvimento em todos os alunos.

Ampliando os comentários sobre o eixo condutor do curso, Margarida relata as

contribuições que disciplinas da área de fundamentos da educação tiveram em sua

formação, desencadeando reflexões e desejo de mudança na educação.

Em uma direção semelhante, Vânia menciona o livro “Ninguém vai ser bonzinho na

sociedade inclusiva”, de Cláudia Werneck, que a marcou muito, por enfocar o que é

o sofrimento de uma família ao receber uma criança com necessidades

educacionais especiais, bem como por auxiliar na busca de caminho para atuar com

essa criança: o que fazer, como começar.

d) Participação em projetos de monitoria e/ou iniciação científica e estágios

não curriculares

Desde o ano de 2001, as pesquisas na Universidade Federal do Espírito Santo vêm

sendo regidas pela Resolução nº 35/2001 que caracteriza e regulamenta todas as

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atividades relacionadas com a pesquisa e extensão. Destacamos um trecho dessa

resolução, no que tange às atividades de iniciação científica:

§ 3º As atividades de iniciação científica serão regidas pelas presentes normas e por regulamentação específica, estabelecida em convênios com agências de fomento. Art. 2º As atividades de pesquisa compreendem: I) a investigação de questões ou problemas científicos e culturais na busca de respostas inovadoras; [...] III) a preparação de futuros investigadores por meio da iniciação científica e sua formação mais avançada nos programas de pós-graduação (RESOLUÇÃO nº 35/2001, p. 1)

Dentro do Grupo I, apenas um sujeito menciona a participação em projetos de

monitoria e/ou iniciação científica.

Nas recordações de Ana, perpassam fatos significativos do Curso de Pedagogia

referentes à sua participação, como bolsista de iniciação científica, apontando, em

sua narrativa, uma articulação entre formação inicial e pesquisa na vivência da

universidade, como destacamos em sua fala:

Eu me lembro do professor de História da Educação com quem trabalhei durante um ano e meio como bolsista do Conselho Nacional de Pesquisa C.N.P.Q. Aí conheci a professora da Educação Especial que convidou a mim e a uma outra colega para sermos bolsistas. O projeto era sobre informática aplicada na Educação Especial. Ela nos apresentou o projeto de pesquisa para lermos e estudarmos, colocou a gente para estudar mesmo, trabalharmos com os softwares, como eles funcionariam na Educação Especial. E aí, eu me identifiquei mesmo com o curso. Foi bom porque aproveitei o máximo que a universidade podia me oferecer. O Curso de Pedagogia foi um curso bom, eu acho que o curso é o aluno que faz, você que busca, procura esclarecer as coisas, eu acredito que quem faz a universidade, o conhecimento é o aluno (ANA).

5.3.2. Grupo II: Sujeitos que se formaram nos anos de 2001 e 2002

a) Professores

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No Grupo II, os entrevistados também fazem referência aos professores, ao

destacar os aspectos significativos do curso. Os professores lembrados pelos dois

sujeitos do grupo são caracterizados como docentes compromissados com o ato de

ensinar, de mediar o conhecimento aos alunos.

Destacamos, por um lado, que, ao mesmo tempo em que os sujeitos desse grupo

enfatizam a boa atuação dos professores na área da Educação Especial, por outro

lado, indicam uma precariedade no número de professores efetivos que estavam de

licença para a capacitação para doutorado e pós-doutorado, o que diminuía a

possibilidade de pesquisa, pois atividades ligadas às pesquisas só podem ser

realizadas por professores efetivos, como é destacado nas falas de Vitória e

Suzana:

Também tinha a realidade da UFES, tinha muito professor fora fazendo curso [...] (VITÓRIA). O que mais senti falta, foi de práticas, não havia muita articulação entre a teoria e a prática. Muitos professores saíram para fazer cursos [...] (SUZANA).

Mesmo com o quadro de professores efetivos reduzido, os alunos apontam um

“prazer de participar” das aulas de alguns deles, os conhecimentos que possuíam e

o modo como instigavam à reflexão. Até os professores que “pegavam pesado”,

especialmente nas provas, causando estresse e “sofrimento”, foram lembrados com

carinho pelos sujeitos.

No entanto, aqui também se ressaltam as narrativas que evidenciam uma

participação dos professores no sentido de auxiliar os ex-alunos a superar

determinadas dificuldades, durante a realização do curso.

Podemos constatar, nas lembranças de Vitória, um elo forte com a figura do

professor durante a formação inicial, que soube responder aos seus anseios dentro

da universidade, apoiando-a, incentivando-a a prosseguir seus estudos:

Quando começou o ano letivo, chegando no corredor da universidade, vi uma grande quantidade de jovens e, quando

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cheguei na porta da sala, uma pessoa me perguntou: `Você que é a professora?`. Aquilo acabou comigo, eu me senti em desvantagem em relação à juventude [...].A professora de Filosofia me ajudou a refletir muito sobre isso, em que contexto acontece, qual contexto político. Ela me deu muita força, gostava muito de mim por participar das aulas [...]. No meu imaginário eu era velha demais para estar naquele ambiente, mas eu sempre tive isso, tenho uma vontade louca de estudar. Eu faço porque gosto, eu gosto do ambiente acadêmico (VITÓRIA).

Na mesma direção, Clara indica como conseguiu superar sua dificuldade na escrita

por meio da ajuda de duas professoras do Curso de Pedagogia, apontando esse fato

como ponto positivo e marcante de sua formação inicial, como podemos analisar,

em seu relato:

Tinha uma grande dificuldade na universidade. Na minha família ninguém tinha visto uma universidade, não existia oportunidade. A professora de História da Educação passou um trabalho, imaginei que era como na escola. Peguei um livro e respondi às perguntas. Nem imaginava que na universidade tinha biblioteca central, os outros colegas fizeram certo. Eu estava perdida, ela me deu nota dois e chamou-me para conversar, mas, antes, ela havia conversado com os outros professores a meu respeito, como eu estava indo nas disciplinas. Eles responderam que estava bem. Quando cheguei na sala dela, ela disse que queria saber como eu havia tirado aquela nota, eu respondi que não sabia, já que tinha dado as respostas iguais as que estavam no livro. ´Mas não é assim que se pesquisa`, ela disse. `Tinha que trazer o pensamento de outros autores`, e eu, por não saber, consultei apenas um livro. Então, ela explicou como deveria ter sido feito e pediu outro trabalho, fiz e tirei nota oito. Fiz um trabalho para a disciplina da professora de Educação Especial. Quando ela me entregou ela disse: `Você tirou sete, mas poderia ter tirado oito e meio, você acha que tem dificuldades? Acha que deve melhorar na escrita? Nossas dificuldades a gente tem que superar, faça um curso, se aperfeiçoe, não é motivo para se preocupar, você vai passar tranqüila, vai superar`. Aí eu fiquei tranqüila, foi diferente, me deu forças. Ela sabia da minha dificuldade e me mostrou um caminho sem me constranger. A nota baixa tem seu lado positivo. Se as duas professoras não tivessem conversado comigo, eu não teria crescido. Eu sabia da minha dificuldade na escrita, foi muito importante (CLARA).

Notamos que a postura e as ações de alguns professores buscando conhecer

melhor o aluno, a partir de conversas com outros professores, bem como dialogando

com eles, apontando suas potencialidades e limitações (levando esses alunos a uma

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reflexão) e incentivando-os a superá-las foram essenciais para o avanços desses

alunos nos estudos.

b) Parte prática do curso

Nas lembranças de Suzana, as experiências significativas se voltam somente para o

estágio. Ao se reportar às lembranças do estágio que cursou em duas escolas,

destaca os momentos de discussões sobre as situações vivenciadas no cotidiano

escolar. A professora colaborava trazendo suas experiências e, após, faziam um

fechamento.

Deise apresenta um relato mais detalhado sobre os aspectos na parte prática do

curso. Aponta as experiências na área da Educação Especial, que, segundo ela,

foram “bem marcantes”. Relata que, no curso, havia a prática de se fazer em

reflexões sobre o que poderia ser feito para motivar ou tentar modificar as situações

vivenciadas pelo professor na escola. Pelo seu relato, constatamos que essa prática

teve repercussões em seu trabalho como professora, atualmente. Deise afirma que,

hoje, em sua prática, pensa: “Quando um menino diz que não quer algo, eu relembro

o que passei e questiono: será que ele não quer mesmo ou existe algo por trás?”.

Ainda no relato de Deise, no que diz respeito ao estágio, podemos perceber uma

reflexão crítica referente a questões contraditórias vivenciadas no cotidiano escolar,

como exemplificado em sua fala:

[...] fizemos estágio [...] era específico da Educação Especial em uma escola municipal. Eu observava que o professor não estava nem aí para o aluno especial. Ele andava pela sala, fazia o que queria, era uma turma de 4ª série. A prática que eu queria era a que o professor realmente se interessasse pelo aluno [...].

A fala de Deise aponta a questão da exclusão dentro da escola, partindo da prática

docente em frente ao aluno com necessidades educacionais especiais, uma prática

que ignora a possibilidade do aluno, excluindo-o dentro da escola.

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Os relatos de Deise e Suzana nos reportam às reflexões de Gentili (2001, p.32),

quando discorre acerca da forma invisível da exclusão que segrega incluindo:

[...] segregar incluindo; quer dizer, atribuir um status especial a determinada classe de indivíduos, os quais não são exterminados fisicamente nem enclausurados em instituições especiais [...]. Esta forma de exclusão significa que determinados indivíduos estão dotados das condições necessárias para conviver com os incluídos, só que em uma condição inferiorizada, subalterna [...].Poderíamos dizer que, em nossas sociedades fragmentadas, esta é a forma ´normal` de excluir. E, sendo `normal`, é a forma transparente, invisível, de excluir.

O estágio, para Deise, proporcionou um momento de reflexão, que a instigou a

pensar outra prática que atendesse às necessidades dos alunos. Assim, o estágio

cumpre a função de mostrar a realidade da educação, do cotidiano da escola,

apontando possíveis transformações da realidade no sentido de repensar as práticas

em favor da real inclusão do aluno.

c) Disciplinas e leituras

Não houve menção às disciplinas e às leituras pelos sujeitos deste grupo.

d) Participação em projetos de monitora e iniciação científica

Neste grupo, apenas uma entrevistada faz referência à participação em projetos de

monitoria e/ou iniciação científica, ressaltando a relevância que essa experiência

teve em sua formação, como podemos analisar em sua narrativa:

A experiência significativa na formação inicial foi meu trabalho no Núcleo de Pesquisa e Extensão, onde tive contato com as crianças com deficiências, que realmente precisam de atenção mais específica, mais individualizada e não tinham atenção na sala de aula comum. Aqui eu tive a oportunidade de trabalhar com crianças com deficiência e ter um novo olhar para as necessidades deles, e foi aqui, no Núcleo, durante as discussões e a proximidade com o conhecimento, que foi bastante significativo (CREUZA).

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Creuza atuou como bolsista no ano de 2001. Nesse projeto, trabalhava

colaborando nas atividades realizadas com crianças com necessidades

educacionais especiais, além de participar de reuniões e realizar leituras que

embasavam o trabalho realizado.

5.3.3. Grupo III: sujeitos que se formaram nos anos de 2003 a 2005

a) Os professores

Em referência à importância dos professores, dentro do Grupo III, temos as

narrativas de Aline e de Mônica que indicam algumas professoras como

responsáveis pelo sucesso e continuidade no Curso de Pedagogia. Apontam a

trajetória dos professores que servem como exemplo para os alunos, o interesse e o

acompanhamento de seus percursos, como podemos constatar nas falas abaixo:

O que me marcou mais positivamente durante o curso de Pedagogia, foram às professoras de Currículo e de Educação Especial (ALINE).

Foi pela trajetória dos professores que eu comecei a me apaixonar e ir modificando o que eu achava referente ao curso. No quarto semestre, eu tive a professora de Educação Especial, que, para mim, foi uma mãe. Ela me acompanhou desde o começo. Considero como um anjo, ela abriu portas, janelas, enfim, vi que estava no caminho certo (MÔNICA)

b) A parte prática do curso

Marlene e Aline, componentes do Grupo III, em seus depoimentos, relembram a

prática do estágio como parte fundamental de sua formação inicial. Chamam a

atenção para características do estágio cursado, como participação em projetos de

pesquisa e extensão, produção de trabalhos a partir dessas experiências em

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conjunto com professores e apresentação em congressos, como destacamos nos

relatos a seguir:

O estágio muito contribuiu para minha prática na formação inicial, como também para ajudar a refletir sobre o Curso de Pedagogia que eu estava fazendo. Então minha formação inicial contribuiu para muitas reflexões, permitiu, juntamente com a prática, questionamentos do cotidiano, por exemplo, quando a professora de Educação Física pedia para planejarmos, admirava a parceria que existia entre eu e a professora de sala de aula. Este estágio me possibilitou escolher e amadurecer o que eu queria do Curso de Pedagogia. O estágio era aliado à intervenção, aonde não íamos para a escola só para observar, mas fazíamos pesquisa, projetos, seminários que apresentávamos em congresso, unindo ensino e pesquisa (MARLENE).

À noite fazia Educação Especial e Educação Infantil por escolha própria. No estágio de Educação Especial, apresentei um estudo de caso, fiz estágio supervisionado nas escolas municipais de Jeribá. Tive suporte da universidade. Na escola, eu tinha apoio da pedagoga e de uma mestranda na área da Educação Especial que planejava as aulas, também tinha a professora da universidade que orientava o estágio. Três dias ficava na sala, fazia planejamento com a professora regente e, na outra escola, fazia estágio sozinha. O professor da universidade me orientava e eu ia observar os alunos na sala de aula (ALINE).

c) Disciplinas e leituras

Apenas Marlene faz referência às disciplinas e às leituras realizadas, ao falar

sobre as experiências significativas durante o curso. Destaca disciplinas em que

os professores “exigiram mais” dos alunos, em que desenvolveram atividades de

pesquisa e aquelas que remetiam mais à prática em sala de aula. Marlene relata:

Também na disciplina História da Educação era exigido muito que nós estudássemos, desenvolvendo pesquisa. O primeiro artigo que a gente publicou foi com o professor de Matemática e foi interessante, aliando ensino e pesquisa. Essas disciplinas que exigiram mais da gente foram as que realmente marcaram [...]. Foram momentos significativos na formação inicial disciplinas como Filosofia, Sociologia, Psicologia Geral, mas os períodos que me marcaram foram os da fase final do 5º Período em diante, porque as disciplinas estavam mais ligadas à nossa prática de sala de aula.

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d) Participação em projetos de monitora, iniciação científica e estágios não

curriculares

No Grupo III, as narrativas de Rose e de Mônica expressam, de forma veemente,

suas vivências na universidade e a repercussão dessas oportunidades para sua

formação pessoal e profissional.

A pesquisa, durante a formação inicial, é o que aparece de mais significativo nas

lembranças de Rose e Mônica, como destacam:

A experiência de iniciação científica foi o que impulsionou meus estudos. Nos momentos de formação nos grupos de estudos, fazíamos avaliações de nossas práticas, sempre filmávamos nossos atendimentos no núcleo de Educação Especial e, na hora das discussões, a gente observava situações que nos levavam a refletir sobre o que tinha feito, o que poderia ainda ser feito e quais outras opções que poderia ter para trabalhar, com os alunos que apresentavam necessidades especiais. Tivemos orientações com três professores que estavam fazendo suas pesquisas. Nós tivemos oportunidades de vivenciar o outro lado da universidade, fora da sala de aula. Viajávamos para apresentar nossos trabalhos. Isto era uma coisa nova e muito boa (ROSE). Quando estava no quarto período, começaram a abrir as bolsas de monitoria para o NEESP. Fiz e acabei sendo umas das selecionadas [...]. Trabalhava como monitora de Educação Especial no projeto de iniciação científica, no projeto da brinquedoteca, fui monitora de duas professoras da Educação Especial. A gente planejava aulas juntas. Para mim foi uma oportunidade única, isso me deu uma carga de estudo muito grande. Também tive oportunidade de participar de eventos, como a Reunião da Associação Nacional de Pesquisa em Educação (ANPED) e na Reunião Anual da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência-SBPC (MÔNICA).

Essa vivência em pesquisa narrada pelas componentes do Grupo III confirma a

necessidade de investirmos cada vez mais em pesquisas na graduação, ofertando

aos alunos oportunidades que refletirão em sua formação.

A narrativa dos sujeitos coloca em evidência a relevância da participação em

projetos de pesquisa e de extensão, além da iniciação para a formação do futuro

profissional.

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No caso da área de Educação Especial do Centro de Educação da UFES, a maioria

dos projetos de pesquisa e extensão desenvolvidos no período em que os sujeitos

fizeram sua formação inicial estiveram ligados ao Núcleo de Ensino Pesquisa e

Extensão em Educação Especial (NEESP/UFES).3 A maior parte dos nossos

entrevistados participou de projetos realizados no NEESP. Nesse sentido,

concordamos com Barreto e Victor (2006), quando enfatizam a importância do

Núcleo de Ensino Pesquisa e Extensão em Educação Especial na formação dos

graduandos do Curso de Pedagogia:

[...] o NEESP tem sido o espaço de desenvolvimento de muitas pesquisas organizadas, principalmente, pelos professores do Centro de Educação em parceria com professores de outros centros [...]. Essa confluência nos possibilita compartilhar conhecimentos sobre a Educação Especial e a Educação Inclusiva em suas mais variadas formas de troca de experiências e promover a interlocução das diferentes áreas envolvidas a respeito do que se sabe ou do que ainda não se sabe sobre o assunto (BARRETO; VICTOR, 2006, p. 182).

Nilda, que compõe o Grupo III, em seu relato, demonstra a preocupação por não ter

muito conteúdo acerca do aluno surdo, na universidade, bem como analisa como

ponto positivo o fato de esta buscar alternativas para trabalhar a questão, como no

caso de pesquisas e atividades de extensão, realizadas no Núcleo de Educação

Especial do qual Nilda pôde participar. Esse relato é apresentado na fala que se

segue:

Comecei a sentir certa aceitação pelos professores que diziam: `Eu não entendo disso ainda, mas você podia ler isto, ou aquilo`. [...] comecei a entender que poucas coisas existiam no Espírito Santo em relação ao surdo, mas a universidade não estava tão fechada [...]. No 6º período, o NEESP ofereceu uma oficina de libras para a comunidade, e aí eu reencontrei uma pessoa que eu já conhecia quando era pequena, de comunidades surdas, mas não tinha muito contato. Percebi que tinha outra pessoa que falava o que eu gostaria de ouvir. E, a partir daí começamos a manter contato, afinar nossos discursos, continuamos juntas nessas questões. Ela me auxiliando mais. Por já estar mais avançada, me dava referências para ler, aí fui ficando mais animada, a idéia de mudar

3 O Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação Especial vem realizando pesquisas na área de Educação Especial/inclusão escolar desde o ano de 1996, contando com a participação de professores dos cursos de licenciaturas, do Curso de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade federal do Espírito Santo (BARRETO; VICTOR, 2006).

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de curso já não passava mais pela minha cabeça. Percebi a escassez da área (NILDA).

As narrativas de Rose, Mônica e Nilda destacam a importância da vivência no

NEESP. Essa vivência com atividades de pesquisa tem sido o eixo de articulação

entre teoria e prática dentro do NEESP, uma vez que os atuais objetivos desse

núcleo se caracterizam por desenvolver trabalhos de extensão e pesquisa na área

de Educação Especial, articulados com as atividades de docência no curso de

Pedagogia (BARRETO; VICTOR, 2006).

No Núcleo de Educação Especial, uma série de pesquisas foi desenvolvida desde a

sua criação. No caso específico citado por Rose, a investigação envolveu a

participação de três professores – dois do Centro de Educação e um do Centro de

Educação Física – que realizavam um projeto integrado de pesquisa cujo objetivo

era discutir aspectos referentes ao jogo, à criança com desenvolvimento típico e

atípico e à mediação pedagógica, na abordagem histórico-cultural.

Cada um dos três professores coordenadores era responsável por um subprojeto.

Os sujeitos dessas pesquisas eram crianças, entre três e seis, que viviam em um

orfanato e crianças com síndrome de Down que viviam com suas famílias. Esse

projeto contou com o financiamento do Fundo de Apoio a Pesquisa (FACITEC) e

implicou a construção de uma brinquedoteca nas dependências do NEESP. Para o

desenvolvimento do projeto, os professores coordenadores tiveram a participação de

alunas de iniciação científica dos Cursos de Pedagogia e Educação Física e de uma

bolsista de aperfeiçoamento.

Todos os projetos previam situações de intervenções lúdicas com as crianças. Para

o desenvolvimento dessas ações, eram realizadas reuniões semanais com as

alunas para avaliação do trabalho desenvolvido com as crianças, análise de

filmagens feitas durante a intervenção e planejamento das ações subseqüentes.

Como parte das atividades de Iniciação Científica, as alunas tinham que produzir

relatórios sobre as ações e reflexões desenvolvidas nas pesquisas.

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Desses projetos implementados, resultou a produção de artigos que foram

apresentados em diferentes eventos regionais e nacionais, além de publicações em

anais de congressos e capítulos de livros.

Ações como essas que fizeram parte da formação inicial de Rose, de Mônica – e de

outros sujeitos de nossa pesquisa – e que são manifestadas em suas lembranças

revelam-se como fundamentais para sua constituição como professoras na

Educação Especial, o que também é destacado por Barreto (2007), ao discutir sobre

a importância da pesquisa na formação inicial do professor no Curso de Pedagogia:

[...] a pesquisa e a prática docente, assim como o contexto escolar têm permeado as atividades de nosso curso [...] .A pesquisa em Educação e em educação especial vem contribuir para a formação do futuro professor, a partir do momento em que o ajuda a entender a prática docente e as teorias que procuram fundamentar essa prática [...] Dessa forma, incentivamos a iniciação científica dos alunos/estagiários nas pesquisas em educação que buscam a especificidades e a compreensão dos dilemas/complexidades do contexto escolar que demanda a coletividade, o diálogo e a parceria na construção de uma escola para todos (BARRETO, 2007, p. 278-279).

5.4 PERÍODOS DE CONCLUSÃO DO CURSO E EXPERIÊNCIAS SIGNIFICATIVAS

DE FORMAÇÃO

As narrativas apresentadas nos itens referentes às experiências significativas

vivenciadas na formação inicial nos mostram muitas reflexões acerca da formação

dos professores. Uma dessas reflexões que destacamos é a prática da pesquisa

como propulsora do conhecimento para os entrevistados.

Aliada à pesquisa aparece a importância da figura do professor como aquele que

desperta interesse pela área da Educação Especial e constrói possibilidades de

novas posturas, novos olhares em frente aos alunos e à educação.

Essa nova postura, relatada pelos componentes dos três grupos, caracteriza-se

como uma preocupação de articular as questões teóricas às questões da prática, o

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que possibilita uma ação sobre a realidade. Essa postura fica evidenciada nos

relatos acerca dos estágios.

Paim (2005), em sua análise, destaca o estágio como algo que pode “Ser uma coisa

meio traumatizante”. Justifica enfatizando que, muitas vezes, falta diálogo entre o

professor regente e o estagiário. Isso acontece, porque o professor não percebe (ou

não quer perceber) a importância que tem para os sujeitos em formação inicial,

vivenciar experiências e partilhar contribuições significativas com quem já esta na

prática a algum tempo. Contribuições que sinalizam possibilidades de parcerias,

trabalhando teoria e prática de forma integrada que se unam no cotidiano, vinculado

à história dos alunos, permitindo, ao mesmo tempo, a “aprendizagem de escuta”.

Esse processo pode possibilitar, assim, uma ação pedagógica permeada pela

reflexão na ação, pela discussão de novas possibilidades que possivelmente que

emergirão novas realidades.

Nóvoa (2000), refletindo acerca da formação inicial e continuada, aponta a

necessidade de pensarmos no desenvolvimento profissional do professor. Em sua

visão, os primeiros anos de vida docente são direcionados para a socialização

profissional e criação de uma identidade própria. Nóvoa enfatiza que a construção

do conhecimento profissional implica dimensões da experiência, da reflexão e da

reformulação.

Na narrativa de Luíza, componente do Grupo I, podemos encontrar indícios da

construção dessa identidade profissional e da construção de conhecimentos,

fomentados pela universidade. Luíza em sua entrevista, reconhece a importância da

universidade na formação inicial quando afirma:

[...] Devo à universidade meu conhecimento teórico e a minha habilitação em Educação Especial. Quando, na prática, a nossa professora apresentava para nós condições de fazer a trajetória histórica do nosso país, quando nos apresentou os estudos de Benjamin Constant e falou das possibilidades de podermos encontrar alunos com diversas deficiências na escola regular e nos movimentos sociais que vêm junto com essa movimentação da Educação Especial (LUÍZA).

Desse modo, entendemos que a prática do estágio e da pesquisa, o perfil do

professor, além das leituras, durante a formação inicial, orientam significativamente

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a construção da identidade profissional do professor, mesmo com sua história

pessoal e acadêmica anterior à universidade.

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6 ATUAÇÃO NA EDUCAÇÃO ESPECIAL E IDENTIDADE

PROFISSIONAL

Neste capítulo, abordaremos as narrativas que denotam a experiência profissional

dos sujeitos na Educação Especial.

Os sujeitos desta pesquisa passaram por experiências diferenciadas em sua vida

profissional. Atuaram e/ou atuam:

a) em cargos distintos em Secretarias de Educação de municípios do Estado e em

escolas especiais;

b) como professores regentes em salas de aula regulares e especiais;

c) como professores de apoio, atuando em salas de aula ou salas de recursos;

d) como pedagogos na escola regular;

e) em departamento de recursos humanos.

Dos 17 sujeitos entrevistados, apenas um não atuava, no momento da coleta de

dados, em instituições de ensino, embora suas atividades profissionais contemplem

o atendimento a pessoas com necessidades especiais.

Constamos que essa diversidade de espaços de atuação bem como de tempo de

envolvimento com a Educação Especial se reflete nas narrativas dos sujeitos.

A análise das narrativas apontou, como momentos relevantes no percurso de

constituição dos profissionais, questões ligadas ao cotidiano das escolas, suas

práticas, seus desejos de mudanças e sua visão do panorama atual na área da

Educação Especial. Questões que, indubitavelmente, perpassam o eu pessoal de

cada sujeito entrevistado, o que indica a impossibilidade de separar o profissional do

pessoal, como afirma Nóvoa (1995, p.33):

[...] no professor, não é possível separar as dimensões pessoais e profissionais [...] os professores constroem a sua identidade por referência a saberes práticos e teóricos, mas também por adesão a um conjunto de valores, etc. Donde a afirmação radical de que não há dois professores iguais e de que a identidade que cada um de

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nós constrói como educador baseia-se num equilíbrio único entre as características pessoais e os percursos profissionais.

O autor destaca ainda a importância de refletirmos sobre como cada professor se

torna professor, apontando as seguintes dimensões: adesão, ação e

autoconsciência.

Para Nóvoa, a adesão significa comprometimento do profissional, buscando

envolvimento do aluno em situações que lhe possibilitem ações desencadeadoras

de suas potencialidades. A dimensão da ação remete à necessidade de uma relação

íntima com a pessoa que somos, de forma a propiciar situações que nos permitam

tomar decisões que favoreçam o investimento contínuo na reavaliação permanente e

crítica reflexiva sobre as práticas educativas e, a partir disso, definirmos um percurso

norteador de mudanças.

A autoconsciência ganha destaque como aquela que permite ao professor uma

atitude reflexiva sobre a própria ação, uma vez que uma prática educativa eficaz é

fruto de uma reflexão da experiência pessoal partilhada entre os pares. Nesse

sentido, a escola se evidencia como o local privilegiado nesse processo de formação

e autoformação docente. Sendo assim, a ação educativa implica conhecimento de si

num movimento constante de construção e reconstrução da aprendizagem pessoal e

profissional.

Dentro dessa perspectiva, podemos refletir que as experiências, no campo

profissional e pessoal, estão imbricadas na identidade do professor e, dessa forma,

podemos afirmar que:

O processo identitário passa também pela capacidade de exercermos com autonomia a nossa actividade, pelo sentimento de que controlamos nosso trabalho. A maneira como cada um de nós ensina, directamente dependente da imagem que temos da profissão, está em relação directa com aquilo que somos como pessoa [...] (NÓVOA, 1995, p. 36).

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Assim, passamos a destacar, nas narrativas dos sujeitos envolvidos na pesquisa,

suas identidades e seus percursos profissionais, tendo como foco a singularidade

presente em suas trajetórias.

Tomamos, como referência de análise, quatro aspectos mais marcantes que

emergiram dos depoimentos dos sujeitos, a saber:

a) a Educação Especial no contexto educacional atual, na perspectiva dos sujeitos

da pesquisa;

b) elementos para compreender o percurso de elaboração da identidade

profissional dos entrevistados;

c) práticas educativas na área da Educação Especial;

d) formação continuada dos professores na Educação Especial.

6.1 A EDUCAÇÃO ESPECIAL NO CONTEXTO EDUCACIONAL ATUAL NA

PERSPECTIVA DOS SUJEITOS DA PESQUISA

Compreender aspectos da constituição do professor que trabalha com a Educação

Especial implica delinear o contexto em que este atua bem como compreender a

maneira como esse profissional percebe esse contexto.

Neste item, analisaremos aspectos dos depoimentos dos professores, os quais

apontam sua percepção sobre o momento atual da Educação Especial nos sistemas

de ensino no Estado do Espírito Santo e na APAE, enfatizando um panorama da

Educação Especial no Estado do Espírito Santo como um todo.

Em contrapartida, há um destaque a alguns avanços em relação à Educação

Especial em determinados municípios do Estado.

Para Rose, Nilda e Aline, componentes do Grupo III, o momento atual da Educação

Especial tem mostrado alguns avanços em determinados municípios, como

destacado em seus depoimentos:

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Acho que a Educação Especial, em Jeribá, tem avançado muito suas discussões em relação a outros estados do País, e em relação aos municípios na perspectiva da inclusão, porém ainda precisamos progredir mais. Tenho realizado estudos exploratórios no Centro Municipal de Educação Infantil (CEMEI) em Jeribá, por isso venho acompanhando. Até por que a maioria das pessoas que estão na coordenação em Jeribá são pessoas que passaram pelas discussões da Universidade. Quanto ao município de Cambará, penso que está difícil e precário em sua caminhada, da mesma forma Aroeira, que parece querer melhorar (ROSE). Podemos dizer que Pequi foi o primeiro município a sair na frente aqui no Espírito Santo, no que se refere à educação bilíngüe. Em alguns municípios, eu vejo interesse nessa perspectiva, tanto que me procuraram para dar curso de libras lá. O que falta são profissionais, mas, graças a Deus, a gente já não conta com aquela barreira de oralistas. É possível construir... Trabalhar com esta gente, agora é possível construir. Em Pequi, na construção da nossa política, fizemos reuniões com a comunidade surda para que eles se colocassem, falassem tudo que não queriam, e propusessem aquilo que queriam, [...]. Pequi tem feito isto, quebrando paradigmas (NILDA). A Secretária de Educação de Aroeira é muito dinâmica. Não falta material para trabalho, tem formação continuada. A escola é que gerencia suas necessidades, já que o dinheiro é depositado no caixa escolar, então tudo que precisamos temos. Na prefeitura de Cambará tudo é muito difícil, a verba é pequena [...]. Gosto muito de Aroeira, embora tenha problemas, acho que eu consigo fazer um bom trabalho (ALINE).

Assim, essas narrativas indicam avanços nas discussões acerca da Educação

Especial, levando em conta a participação das pessoas com necessidades

educacionais especiais e uma crescente valorização do professor em relação à

disponibilidade de material didático e formação de professores, principalmente em

municípios componentes da Região Metropolitana da Grande Jeribá.

Entretanto, ressaltam-se muitos aspectos que devem ser amplamente debatidos de

forma a se proceder a uma avaliação e redefinição dos rumos da política

desenvolvida pelas Secretarias Municipais de Educação, de forma a se avançar no

trabalho desenvolvido. Esses aspectos dizem respeito especialmente a: condições

de trabalho nas diferentes instituições, lugar dos professores da Educação Especial

na escola regular, demandas da Educação de Jovens e Adultos com necessidades

educacionais, processo de “exclusão” do aluno com deficiência incluído na escola

regular.

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Os desafios a serem enfrentados são destacados por Ingrid e Ana, componentes do

Grupo I, ao apresentarem um panorama da Educação Especial no Estado do

Espírito Santo como um todo. Ingrid enfatiza que não há uma política, um encontro

de idéias e metas entre os municípios e seus sistemas, concernente à Educação

Especial. Ana ressalta que a inclusão é um processo em conquista nos municípios.

Eu diria que está um caos, cada um fazendo um pouco, da forma que entende, da forma que compreende. Tem municípios que falam assim: `Olha, nós não temos uma legislação, nós estamos pensando em fazer um Plano Municipal de Educação`. Mas os municípios têm psicólogos, fonoaudiólogos, centro de referência, trabalham com salas de recursos, enfim, uma gama de dispositivos, porém não têm uma política. Um problema sério também que eu tenho percebido, é que, se nós não temos uma política na zona urbana, na zona rural não tem absolutamente nada, é muito triste. Você começa a pensar que a Educação Especial não tem sido vista com a devida atenção, que ela tanto merecia (INGRID).

Vê-se claramente a falta de uma política educacional igualitária. O processo de inclusão é uma história muito nova na educação, começou de um jeito, foi se transformando em outro, isso incomoda aos professores. Eu acho que ele está sendo conquistado, quer em Pequi, quer em Jeribá, quer nas APAES (ANA).

Também podemos destacar das narrativas ainda do Grupo I, os depoimentos de

Margarida e Ivan que apontam, dentro do momento atual da Educação Especial, as

precárias condições de trabalho dos professores nas escolas que contribuem para

um desencanto entre os profissionais, como podemos analisar a seguir:

[...] há hoje em dia um desencanto, as crianças carregam em seu corpo as marcas de uma sociedade desestruturada pela falta de apoio das famílias, de condições financeiras, de saúde. São órfãos desta sociedade. A professora também tem os seus desencantos, baixos salários, desvalorização profissional. Porém a professora chega à escola cheia de vontade e encontra essa tristeza. Mas não podemos parar, os alunos estão órfãos e a professora também, a escola está cheia de órfãos. A começar por ela, que, muitas vezes, não tem suporte das Secretarias, das famílias e, às vezes, dos próprios colegas. Mas ela não pode desistir, tem que ir em frente, resistir e tentar mudar esta história porque o que está estabelecido tem que mudar (MARGARIDA).

Um colega levou um vídeo, onde mostrava uma professora de 26 anos de idade dando depoimento que ela faz tratamento psicológico para lidar com os problemas do cotidiano da escola, porque o

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profissional termina se apropriando dos problemas vividos pelos alunos. Outra coisa que desencanta o profissional são os baixos salários, sobrecarga de trabalho, dificuldade muito grande de lidar com toda gama de diversidade que encontramos hoje na escola. Temos que pensar possibilidades, como enfrentar isto. Aí eu digo, que nos especializamos em problemas e não vemos soluções. Até porque buscar soluções é muito mais demorado, requer planejamento e o profissional se desencanta (IVAN).

Além de falar de questões relativas ao desencanto dos professores diante da

desvalorização profissional, os sujeitos indicam a sobrecarga de trabalho e a

dificuldade de lidar com a diversidade encontrada no cotidiano da escola.

Podemos apreender das narrativas desses sujeitos que ainda não há uma política

efetiva dentro do Estado que sustente as ações dos sistemas municipais como um

todo. Os depoimentos apontam as tentativas isoladas de cada sistema. Porém, os

pontos negativos que se apresentam estão muito próximos, como os baixos salários

e a dificuldade de reorganização das escolas em busca da educação inclusiva.

Como Barreto (2008), entendemos que é preciso investir e definir as prioridades em

relação à Educação Especial: “Apesar de reconhecida a limitação de recursos nos

municípios do interior do Espírito Santo, é importante afirmarmos que Política

Pública não é intenção; é definição de prioridades e investimentos [...]” .

Ainda dentro do Grupo I, temos as narrativas contundentes de Ana e Luíza que

indicam o momento atual da Educação Especial, por meio da visão que alguns

professores regentes têm do papel dos professores que atuam na Educação

Especial. Analisemos suas falas a esse respeito:

Trabalhei em uma escola que era escola pólo na época, senti-me descriminada por ser contratada e professora da Educação Especial dos alunos. Como eu trabalho direito, eu não abaixo a cabeça, eu sou responsável, não chego atrasada, trabalhava com compromisso. A pedagoga achava que eu tinha que esperar após o meu horário os pais dos alunos chegarem, como babá. Eram os alunos da mesma escola, e outros que vinham no contraturno. A gente não pode obrigar as pessoas a nada. A conscientização é uma coisa de cada um, não adianta construir algo com alguém que não quer. Quando você começa o ano como contratada, as pessoas são estranhas para você, com o passar dos meses você vai estabelecendo vínculos (ANA).

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A gente tem que reaprender e reconstruir algumas idéias que foram construídas. Eu tive que buscar para fazer uma nova construção de algumas situações. O professor de 1ª a 4ª serie tem aquela coisa assim de `Tenta me ajudar`. Se for para você entrar na sala e ficar só com ele, está bom. Também têm aqueles que falam `Que bom que você chegou! Vamos pensar juntos`. Eles não têm aquela visão de 5ª a 8ª serie de `Ele está me vigiando`. Eles pensam ´Por que trabalhar na minha sala?`. `Trabalha lá fora!`. Então existe essa resistência ainda, não são todos (LUIZA).

As narrativas dessas duas professoras apontam como algumas escolas ainda vêem

e trabalham a inclusão escolar como uma demanda somente do professor

especialista e não como uma responsabilidade da escola e todos os seus

profissionais. Nesse sentido, Mendes (2002) ressalta a importância do trabalho

coletivo entre os profissionais, quando discute sobre as necessidades dos alunos e

as demandas de adaptações ou modificações na prática docente. Afirma que “A

delimitação das tarefas de adaptações e arranjo devem partir de orientações de

profissionais especializados com o professor da classe comum (MENDES, 2002, p.

79).

Um aspecto em especial é ressaltado por Creuza e Vitória, integrantes do Grupo II: a

dificuldade que encontram de aceitação de seu trabalho em sala de aula, por parte

do professor regente. Já para Clara a dificuldade que se apresenta é a questão do

horário para o planejamento, como podemos verificar a seguir:

Falta consolidar esta estrutura e a gente começou a pensar uma política diferenciada no ano passado [...] porque há uma dificuldade enorme de aceitação deste professor de apoio na sala de aula, que é fazer um trabalho articulador dentro da sala.[...] a Educação Especial, no município de Cambará, não tem muita autonomia [...]. Com raras exceções, a aceitação do aluno especial dentro da sala é muito difícil, as salas de aula são cheias, então é muito complicado trabalhar com estes alunos nas salas (CREUZA).

[...] falam com a gente, `Não tem uma vaguinha para mim lá, não?`. Essa visão sempre foi a cara da prefeitura de Jeribá e permanece até hoje. E até justifico esse tipo de fala, porque, na verdade, a Educação Especial sempre foi um caso à parte na educação da prefeitura de Jeribá. [...] muitas vezes a gente não era bem recebido, as pessoas não acreditavam que havia possibilidades no trabalho, entretanto a gente começou a crescer, isto em 2004. Como coordenadora, eu fiz um trabalho que eu nem sei se eles consideraram positivo, porque sempre, na Secretaria de Educação,

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eles têm algum problema em relação a isto. Então fui para outra escola, onde tinha uma pedagoga muito boa, fazíamos um trabalho muito bom, não posso chamar de excelente, porque tinham professores que não aceitavam a gente dentro da sala, não aceitavam o trabalho colaborativo, queriam que continuássemos a pegar o aluno e tirá-lo da sala porque era mais cômodo (VITÓRIA).

O erro da escola regular é a falta de tempo para o professor planejar, porque só tem dois horários, um na hora da Educação Física, que o pedagogo usa para olhar a pauta, ele não lhe ajuda, não pergunta nada, porque tem medo da gente perguntar algo que ele não saiba responder, e terá que pesquisar. Ele é inseguro. Em 50 minutos, o professor não faz um planejamento, ele precisa estudar para fazer atividades que atendam a todos (CLARA).

Em seus depoimentos, Vânia, componente do Grupo I, e Mônica e Marlene,

integrantes do Grupo III, fazem referência ao aluno da Educação Especial.

Por outro lado, a narrativa de Vânia aponta a necessidade de pensarmos a

Educação de Jovens e Adultos com necessidades educacionais especiais, dentro

dos três turnos disponibilizados nos sistemas de ensino:

A dificuldade que eu tive com o projeto envolvendo o deficiente surdo foi quando tive que indicar escolas, para que eles pudessem estudar, pois o primeiro momento era apenas de sensibilização, para mostrar a importância do estudo, o porquê estudar, o que ia representar para eles. Mas as escolas no diurno só têm crianças, então houve muita dificuldade de integrá-lo nas mesmas, eles reclamaram que eram muito velhos, e que não iam se sentir bem no meio da garotada (VÂNIA).

Para Mônica e Marlene, o momento atual da Educação Especial encontra-se

representado por situações como a exclusão do aluno com deficiência e a falta de

colaboração entre os profissionais da escola:

Nessa escola que estou tendo mais problemas, os professores queriam que eu desse conta dos alunos que não reconheciam as letras. Quando a pedagoga substituta chegou, eu falei: `Que bom que você chegou! Vamos trabalhar juntas` e coloquei a situação ora vigente, ela me apoiou, mas, quando vou para sala de aula as professoras dizem: `Olha, eu estou sozinha`. [...] Tentei mudar isso, através da articulação nos trabalhos. O processo de entrada é mais fácil, porém o trabalho coletivo é mais difícil. Eu fui convencida pela diretora para expor meu trabalho e tive um bom retorno, eles saíram de lá falando: `Precisamos

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trabalhar coletivamente`. Mas, infelizmente, isto pouco acontece. Há pouco tempo eu passei por uma situação: a diretora e a pedagoga queriam levar um aluno para APAE, o mesmo não apresenta nenhum comprometimento definido, ele é uma criança com desenvolvimento completo, mas a APAE queria um relatório para justificar a entrada dele. Então, chegando nessa escola numa certa manhã, a diretora falou para a pedagoga: `Vamos pedir para Mônica assinar o relatório`. Eu perguntei: `Que relatório?`. Ela me explicou e eu disse: `Eu não vou assinar, acho que você tem que fazer o relatório sim, mas não criando situações que não ocorrem com o aluno` (MÔNICA).

Depois de formada, como professora de apoio na Rede Municipal de Aroeira, alguns de meus desafios foram a falta de conhecimento, de informações sobre a área e a resistência dos professores. As professoras não dão condições para os nossos trabalhos. Essa dificuldade de trabalhar em conjunto, a dificuldade de partilhar tarefas com o outro professor, que já está acostumado a trabalhar individualmente. Mudar essa concepção, esse modo de fazer. Quando a gente fala em inclusão, em trabalho coletivo, professor de apoio, é também uma das principais dificuldades. Na escola, não há uma cultura de valorizar o planejamento e, se não há um planejamento, como fazer um trabalho colaborativo? (Marlene).

Na fala dos entrevistados, destaca-se, ainda, a figura do estagiário que é contratado

para atuar em salas de aula onde há alunos com necessidades educacionais

especiais.

O aluno da Educação Especial tem uma estagiária que toma conta dele e a professora fica com os outros ditos normais. No município de Cambará não tem estagiário, a professora tem que dar conta de todos os alunos da sala. Às vezes tem um professor itinerante que visita a escola uma vez por semana e atende o aluno especial durante uma hora, isto eu estou vivenciando. No município de Aroeira, tem um professor itinerante que só atende o turno vespertino, já que eles alegam que o número de professores itinerantes são insuficientes para dar conta de toda a municipalidade ou que não tem condições de contratar mais profissionais. Isso é o que eles alegam, porém não sabemos ao certo. Nessa situação, o professor tem que se virar e o pedagogo têm que dar suporte a eles, pelo menos deveria, já que este é o seu papel. O pedagogo, de um modo geral, é muito burocrático, acho que não leva a nada. O que ele tem que fazer é dar suporte ao professor ajudando nos planejamentos, isto é, fazer acontecer na prática, no cotidiano da escola (ALINE).

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Enquanto estagiária, tinha muitos problemas, como: a falta de diálogo com o professor do laboratório, a falta de oportunidade de participar dos planejamentos. [...] alguns de meus desafios foram a falta de conhecimento, informações sobre a área e a resistência dos professores. As professoras não dão condições para os nossos trabalhos. [...] a dificuldade de partilhar tarefas com o outro professor, que já está acostumado a trabalhar individualmente (MARLENE).

Ao refletirmos sobre essas narrativas dos professores referentes ao momento atual

da Educação Especial, pudemos visualizar uma amostra do quadro que tem sido

desenhado em relação à organização da Educação Especial dentro do Estado do

Espírito Santo. Os professores apresentam um panorama da Educação Especial no

Estado e destacam alguns avanços em determinados municípios.

Porém, na narrativa de todos eles, percebemos ênfase em uma série de desafios a

serem superados, como: a sobrecarga de trabalho; a dificuldade dos profissionais da

escola de lidar com a diversidade encontrada no cotidiano escolar; uma visão de

inclusão escolar como responsabilidade somente do professor especialista e não da

escola como um todo; a falta de colaboração entre os profissionais da escola e a

necessidade de um investimento maior em políticas de Educação de Jovens e

Adultos com necessidades educacionais especiais. 4 Enfim, em suas narrativas, a

maioria dos sujeitos ressalta, ainda, a exclusão do aluno com deficiência no contexto

da escola regular, bem como uma certa indefinição do lugar e do porquê dos

profissionais que atuam com alunos com necessidades de Educação Especial.

As narrativas aqui apresentadas se encontram em concordância com Jesus (2008),

quando analisa dados de sua pesquisa em relação às políticas e às ações acerca da

Educação Especial no Estado do Espírito Santo:

A matrícula de alunos com necessidades educacionais especiais por deficiência parece que se materializa em todo o Estado. No entanto, fica evidente que nem todas as especificidades estão presentes igualmente em todos os

4 A condição de exclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais dentro da escola aparece com muita força nos depoimentos dos entrevistados, o que nos indica que a prática da educação inclusiva não se efetiva com a matrícula dos alunos com deficiências.

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municípios e nem de longe estamos garantindo o acesso a todos [...] O atendimento dos alunos é `lembrado` como se realizando predominantemente em espaços fora da sala de aula comum, mesmo que aconteçam no espaço da escola (JESUS et.al, 2008, p. 24).

Assim, é preciso repensar a organização da escola e as práticas educativas para

que passemos a viver outro momento na Educação Especial no Estado do Espírito

Santo. Não podemos deixar de reconhecer que alguns municípios já encaminham

propostas de avanços na área, porém estamos no início desse processo.

Precisamos de uma política mais definida que abarque ações na totalidade do

Estado para que a inclusão se efetive, não apenas por matrícula, mas também por

uma escola para todos.

Além de relatar sobre suas percepções a respeito da Educação Especial na escola

regular, os sujeitos também se manifestaram sobre a atuação da Associação de

Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE).

A prática, dentro da instituição especial, foi foco de discussão de cinco entrevistados

que já atuaram ou ainda atuam nesses espaços e, sendo parte de suas vivências,

ganha destaque em suas narrativas.

Dentro do Grupo I, apenas Ana e Luíza narram experiências em instituições

especiais. As falas das duas entrevistadas trazem sentimentos opostos em relação à

prática na instituição especial. Para Ana, a instituição se revela muito paternalista,

fugindo da função de educar. Luíza a vê como o lugar ideal para os alunos com

necessidades educacionais especiais.

[...] a APAE era meio paternalista, achava que eu tinha que assumir não só a criança especial, mas também a situação financeira do aluno. Eu vejo de forma negativa, principalmente, porque são famílias muito simples, que confundiam as coisas, viam os professores como babá e eu não aceitava assumir isso. Com 12 alunos na sala, é muito desagradável, e hoje continua a mesma coisa, não mudaram esta visão, isto é horrível. Tenho amigos que continuam lá e dizem que continua a mesma coisa. Quando a gente cuida como babá de uns, como ficam os outros? Tem pessoal de apoio, mas de apoio não tem nada. Eu já me vi no banheiro cuidando de um aluno enquanto na sala outros estavam

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brigando, se machucando. Os outros profissionais reclamavam da mesma coisa relacionada a tal fato, isso em 2000. Eu aprendi muito (ANA).

Foi na APAE de Jeribá que conheci a prática, foi lá que comecei a produzir possibilidades. Aprendi o que é inclusão dentro da APAE. Lá que os municípios buscam as orientações e recursos, você tem que vê, nós não temos alunos só da escola especial, mas também alunos do ensino regular [...] de vez em quando, digo eu sou o movimento `APAEANO` em pessoa, eu defendo a escola especial. Eu tenho uma visão de que os alunos devam passar o dia inteiro dentro de uma escola especial e, se você virar para mim e falar que eles têm que estar numa escola regular, eu digo: `Acho uma maldade, é cruel` (LUIZA).

Encontramos, dentro do Grupo II, também como no Grupo I, dois depoimentos

opostos em relação à instituição especial. Deise se reporta à instituição como o local

em que há uma possibilidade de desenvolver as noções básicas de autocuidado nos

alunos com necessidades educacionais especiais. Clara, em seu relato, deixa clara

sua discordância com esse tipo de ação, pontuando que os profissionais, por suas

ações, demonstram não crer no potencial desse alunado.

Aqui, na APAE do município de Aroeira, nós temos muitos meninos com seqüelas, então dificilmente eles vão fazer leitura e escrita, não espere isto deles. Mas, pode ir ao banheiro, andar, sentar numa cadeira, já deve dar-se por muito feliz, a gente sempre tem que esperar algo deles. Não se pode ver a vida do menino passando e dizer: `Problema, eu não estou nem a`. [...] Dentro da APAE a gente trabalha com formação, é capacitação para inserir o aluno no mercado de trabalho. A gente visa isto só que tendo como referência a deficiência mental. Há uma grande dificuldade para esta inserção, porque é característica deles esquecerem, não decorarem, ter dificuldade de saber seu próprio nome enfim, uma série de limitações. Na verdade o que as empresas mais buscam são os surdos, os deficientes físicos. Os Downs com nível de comprometimento baixo é a minoria. Geralmente eles têm grau de comprometimento moderado e grave. Quando uma mãe vem na APAE, a gente orienta para matricular numa escola regular, só que ela tem uma certa resistência (DEISE).

Trabalhei na APAE [...] lá é um mundo à parte. Ela já foi válida, hoje tenho minhas restrições. Os anos vão passando e o sistema não muda, não se refaz. Colocar todas as crianças na escola regular não é o ideal. Eu acompanhei algumas crianças que freqüentavam os dois sistemas de

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ensino. Com relação à educação, no tempo que estive lá, não vi nada que pudesse crer, alguns educadores têm a visão de que os alunos não são capazes de aprender, não incluem nos projetos, argumentam que vão ensinar-lhes pontilhar seu nome, que visão é esta? Alguns sabem ler, os trabalhos que aparecem para o mundo são daqueles que conseguem, não são de todos, tanto que são alguns que participam de determinadas oficinas (CLARA).

A narrativa de Rose é o único depoimento referente à instituição especial, dentre os

componentes do Grupo III. Sua narrativa indica a importância da instituição, no

entanto mostra a necessidade de repensar as práticas, como podemos observar em

sua fala:

Acho que a APAE tem uma contribuição para dar, embora tenha um histórico de segregação. Vejo que Apae pode contribuir muito se reformular a forma de atendimento dela. Foi daí que me engajei e pensei, vou continuar na Educação Especial, é importante conviver com a deficiência. Falar é fácil, mas a experiência com ela é que define efetivamente, transforma, você acaba com os estereótipos, você aprende com a criança. Une o que você aprende com a prática. A APAE é uma instituição especial que como outra carece de recursos em todos os sentidos também [...]. Tanto na instituição especial quanto na escola regular, existem situações, como: questões da rotatividade de profissionais, questão da formação continuada, falta de recursos, questão que tudo vem de cima para baixo. Relacionamentos conflituosos, etc. Acho até que na APAE eles vivenciam de forma mais marcante, porque lá tem um clima de quartel general. Tudo é muito centralizado, passa pela mão do diretor, pela mão do presidente, então, se você sair da linha você dança. Tudo lá é centralizado, há também uma disputa de poder muito grande (ROSE).

Ingrid também faz uma reflexão crítica sobre a APAE e ressalta seu papel no

contexto educacional atual:

O que eu tenho visto nessa corrida com a pesquisa em relação às escolas especiais é como um diretor de uma escola falou: `Nós estamos num processo de transição, a APAE hoje está deixando de ser APAE educadora para ser APAE clínica`. Outros pensam que as escolas especiais não podem deixar de existir, senão vamos ficar sem verbas. Então vejo ainda as escolas especiais como um mal necessário, é preciso pensar uma parceria sem gerar uma dependência. Parece que tudo necessita da APAE. Tem

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município que a formação dos professores é iniciativa da APAE (INGRID).

Essas seis narrativas representam bem o debate atual acerca do papel da instituição

especial em tempos de inclusão. Por um lado, vemos um discurso em defesa dessas

instituições; por outro, observamos uma recusa, uma negação desse espaço por

profissionais da área educacional.

O debate, hoje, necessita avançar no sentido de pensarmos outro perfil para essas

instituições. Um perfil que se comprometa com a inclusão escolar fomentada na

escola, com essas instituições atuando como parceiras que contribuam com o

conhecimento e a implementação de ações que fogem ao cotidiano da escola.

6.2 : ELEMENTOS PARA COMPREENDER O PERCURSO DE ELABORAÇÃO DA

IDENTIDADE PROFISSIONAL DOS ENTREVISTADOS

Em seus estudos, Guarnieri (1996) aborda o início da carreira docente, compactua

da idéia de que é no decorrer do exercício profissional que se edifica o processo de

tornar-se professor, sugerindo que o seu aprendizado se dá naturalmente, ou seja, a

partir de seu exercício o profissional, vai adquirindo mais conhecimento no processo

de aprender a ensinar, efetivando, assim, a articulação entre o conhecimento

acadêmico e o cotidiano escolar. Nessa perspectiva, também afirma Guarnieri

(1996, p.6):

O professor iniciante pode abandonar ou mesmo rejeitar os conhecimentos teóricos acadêmicos que recebeu em sua formação, porque não consegue aplicá-lo em sua prática [...] Tal postura do professor contribui para sua adesão integral à cultura existente na escola, à medida que vai incorporando rotinas, tarefas, procedimentos e valores presentes nessa cultura, que são considerados adequados pelos mais antigos. Assim sendo, o professor iniciante pode tornar-se passivo, resistente à mudança e procurar evitar conflitos, pela adesão a um modelo aceito e inquestionável.

Entendemos que o contexto escolar fornece condições essenciais para que o

profissional professor desencadeie processos essenciais para desenvolvimento e

articulação da teoria com a prática, favorecendo o relacionamento no conhecimento

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pedagógico na formação com o cotidiano escolar. Nesse sentido, ressaltamos que é

no convívio com o outro que vamos nos constituindo profissionalmente

Por outro lado Bolívar (2002), ao abordar a idéia de tempo de atuação profissional na

carreira, ressalta três questões. Para ele, a primeira tem duas dimensões: dimensão

objetiva, que destaca a variedade seqüencial de posições que o profissional ocupa

no transcorrer da vida; e dimensão subjetiva que enfatiza as experiências

individuais, profissionalmente reconstruídas no passado e no futuro, referenciando-

as na construção do presente.

Na segunda questão, o autor declara que, sendo a carreira profissional um

mecanismo de mudança individual, a pessoa, ao ocupar variados cargos, vai

modificando sua identidade. Tal fato se evidencia quando o profissional se apresenta

ao outro, demonstrando posturas e interações diferenciadas.

Na terceira questão, o autor esclarece que, na carreira do professor, há um

entrelaçamento entre as estruturas individuais e sociais. Tal forma tem como objetivo

oferecer ao mundo social um único modelo organizacional de trabalho.

Na concepção do autor, observamos modificações sobre a carreira profissional e

experiências individuais, ressaltadas as condições individuais de tempo e lugar

ocupados por experiências pessoais. Acontece pelas situações de oportunidades

vividas no mecanismo de mudança.

Bolívar ( 2002, p. 52), retrata de forma significativa esse pensamento, quando diz:

O desenvolvimento de uma carreira é um processo que, embora

pareça linear, apresenta avanços recuos, descontinuidades ou

mudanças imprevisíveis. A carreira de professor ou professora será

uma criação conjunta da interação dialética entre os que queriam

ser (fatores maturativos e psicológicos) e os fatores do ambiente

social.

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Nessa perspectiva, entendemos que, ao longo da carreira do professor, vão

aparecendo diferentes possibilidades profissionais, são desvelados diferentes

processos de aprendizagens e comportamentos, o que contribui para que a

identidade do docente se consolide. Nesse se fazer professor, pode sentir-se

autônomo chegando a ter posturas de flexibilidade no cotidiano da classe, o que

possibilita vislumbrar e expressar diferentes formas do papel docente.

As narrativas que se seguem desvelam o caminho percorrido pelos sujeitos da

pesquisa, mostrando como suas identidades foram desenhadas a partir das

demandas vivenciadas no espaço escolar.

No relato de Ivan, são destacas dúvidas e angústias que acompanham

especialmente profissionais que estão iniciando seu percurso como professor na

Educação Especial. Augusto indica, ainda, os conflitos, os “guetos” e os

desencantos que, por vezes, emergem entre esses profissionais:

Eu tenho uma preocupação muito grande com as questões que permeiam a inserção dos alunos com necessidades educacionais especiais. Eu diria que as pessoas têm medo em lidar com a diversidade, acabam ficando nervosas e ansiosas em virtude de não terem conhecimentos, mas, no convívio com eles, como amadurecem, crescem! (IVAN).

O profissional que trabalha na perspectiva histórico-cultural corre todos os riscos, ele tem muitas vezes que `quebrar o pau` na escola [...]. Daí o mesmo ser renegado pelos colegas, criam-se os guetos, ninguém lhe ouve. [...] Os motivos que levam o professor a não querer ensinar, é a falta de condições objetivas, materiais, recursos adequados etc. Ele é gente, tem amor, têm vontades, desejos como fazer caminhadas e não pode, desejo de fazer a unha e não pode, desejo de viajar e não pode. Ele precisa de um pouco de paz (AUGUSTO).

Nesse contexto caracterizado por uma ampliação das demandas colocadas à escola

e aos seus profissionais, pelas dúvidas e angústias, Ivan, Vânia e Mônica indicam

algumas características que deveriam permear a atuação desses profissionais da

educação como um todo.

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Ivan ressalta especialmente o “equilíbrio entre o racional e o emocional” e a

disposição para o trabalho colaborativo entre esses profissionais:

Para ser gestor de escola pública, tem que saber trabalhar o racional e o emocional de forma equilibrada. Diferente da particular que enfoca mais o racional. A gente tem que se preocupar com o cognitivo destas crianças, principalmente nesta sociedade do conhecimento tão competitiva, tão bárbara que estamos vivenciando, temos que trabalhar os saberes. O cognitivo é um ato democrático, a escola tem um grande papel na transformação deste novo possível [...] (IVAN).

Acho que o desafio é ter um trabalho mais colaborativo, coletivo, que o diálogo esteja presente na busca de soluções, do enfrentamento de problemas, que o profissional saia deste lugar e tome posições. Tenho gerado algumas polêmicas justamente para que os profissionais reajam, criem situações em favor dos alunos (IVAN).

Vânia destaca a motivação, a valorização da profissão e a sensibilidade das

autoridades, de empresas e da universidade para o estabelecimento de pesquisas,

de diretrizes e de ações que possibilitem mudanças de atitudes em relação aos

sujeitos com necessidades especiais:

Eu acho que a falta de valorização da profissão. O salário é crÍtico? É, mais a valorização está acima disso, pois meu encantamento pela profissão vem de meus pais, pois eles, quando passavam na rua, as pessoas diziam: `Este é o meu professor de Matemática, esta é a minha professora de Francês`, eles tinham orgulho da profissão. Este encantamento da profissão vem quando você escolhe ser alguma coisa, como: professor, educador, médico, etc. Você tem primeiro o gosto por aquilo que você faz. Para mim a motivação vem de dentro, isto é, tenho que estar motivado para acontecer a ação. Agora a valorização externa é muito importante, eu diria que até ganhando pouco a pessoa faz muito, então a valorização pessoal é tão importante quanto a profissional. Todo mundo sabe que professor não tem valor, ganha mal. A própria terminologia dar aula, ele dá. Os outros profissionais não fazem isto, eles vendem seu trabalho, eles prestam consultoria. Muitas vezes a pessoa que não tem uma profissão definida, vai ser professor (VÂNIA).

Mesmo diante dos desafios que se colocam, alguns entrevistados, especialmente

dos Grupos II e III, apontam, por um lado, o encantamento pela profissão e, por

outro, o receio do desencantamento e da descrença quanto à atuação na Educação

Especial.

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O relato de Nilda nos traz um receio acerca do desencantamento, principalmente,

provocado pela burocracia vivenciada na escola, como podemos analisar em sua

fala:

A burocratização do sistema, a desvalorização, isto vai juntando,

juntando, e fazendo com que o profissional se desencante, perca

sua visão inicial, dando murro em ponta de faca. É horrível. E eu

não quero passar por tudo isso. De coração, sei que vai ser difícil.

Nem cheguei a analisar isto ainda, mas aquilo que meu pai e minha

mãe passaram, não quero que as outras crianças passem por isso.

Eu quero mirar bem nisso para que nunca perca este gás. Quero

que o surdo tenha um futuro melhor, alcance o mercado de trabalho,

que não fiquem fadados ao insucesso. Só porque são surdos não

podem ocupar um cargo político, ser um médico? Eu quero lutar por

isso.

Podemos vislumbrar no relato de Nilda o medo do desencantamento e, ao mesmo

tempo, um desejo de resistir ao que está posto, mostrando a efervescência e a

consolidação de sua identidade profissional. O desabafo de Nilda nos remete ao

pensamento de Pinel (2007), quando discorre sobre as angústias vividas pelos

educadores que lutam pela efetivação da inclusão:

O desenvolvimento humano (e, por conseguinte, profissional) depende desse manejo (espécie de resistência e resiliência), que não se trata de regras prescritas. Não há verdades absolutas, mas emissão ou transparência dos `modos de ser sendo si mesmo no cotidiano do mundo` diante das vicissitudes que a existência provoca mostrar-se, dentro de determinados contextos ambientais e sócio-históricos, além de uma vida íntima sobrecarregada (PINEL, 2007, p. 194).

Deise, que atua como gestora em uma instituição de ensino especial, destaca os

desafios do cotidiano escolar e as possibilidades de aperfeiçoamento profissional

que surgem no enfrentamento desses desafios:

Quando você ouve os relatos das mães, que geralmente são pessoas que amaram muito e agora estão sofrendo, ou pessoas que largaram a vida para viver a vida desse menino [...] Eu aprendo

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muito a cada dia e o que mais gosto são os desafios, pensar que nunca vai acontecer e ver acontecer, uma síndrome que você pensa que nunca ia ver e se depara com ela (DEISE).

Mônica, integrante do Grupo III, relata:

Muitas vezes me pergunto se, um dia, vou me decepcionar. Vejo muitas críticas, as pessoas com falas negativas, nunca positivas, pessoas cansadas, debilitadas, com doenças. Isto eu vejo acontecer em todas as escolas que passei até agora, eu me coloco neste lugar. Quanto tempo vai demorar para eu continuar com essas mesmas idéias? Em que momento este processo vai conseguir me vencer? Sei que estas pessoas desanimadas também podem ter começado como eu, com muito comprometimento, porém sei que é difícil se comprometer pelos outros, porque você vai querer se envolver por você e mais 20 da escola. Vem o desencantamento, o cansaço de caminhar. Acredito que seja mesmo através de uma carga de decepções, de não ter visto resultados, da desvalorização e falta de condições de trabalho que vem a desmotivação. O `Projeto Cidadão` que veio de cima, nem sequer procuraram saber se a escola tinha estrutura para recebê-lo como uma sala. Então, o que aconteceu, não tendo sala, eles juntaram duas turmas em uma, tornando-a superlotada, então me pergunto: `Como gerar condições mais amplas sem estrutura para isso?` (MÔNICA).

Com muita sensibilidade, Mônica traz um drama vivido por professores iniciantes na

profissão. Professores altamente motivados, mesmo diante das dificuldades

enfrentadas, mas que se perguntam se essa motivação durará muito tempo, tendo

em vista todos os desafios apontados neste trabalho.

Esses relatos de intensa vivência dos entrevistados vão mostrando o pano de fundo

que nos permite compreender como a identidade desses profissionais vai se

elaborando dentro do percurso trilhado na escola. Podemos refletir, a partir dessas

narrativas, que a escola e as demandas que se apresentam são elementos que

contribuem para a construção da identidade profissional dos entrevistados.

6.3 PRÁTICAS EDUCATIVAS NA ÁREA DA EDUCAÇÃO ESPECIAL

Neste item, enfatizaremos as descrições das práticas educativas que foram

destacadas na narrativa de sete professores entrevistados, focalizando o cotidiano

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da sala de aula e o envolvimento com os alunos com necessidades educacionais

especiais.

Dentro dessas narrativas do Grupo I, a prática aparece como destaque nos

depoimentos de Ingrid, Augusto e Ivan. As descrições das práticas de Ingrid e de

Augusto denotam uma crença no potencial do aluno com necessidades

educacionais especiais, eles buscam meios para estimular a aprendizagem desses

alunos, mesmo quando a escola como um todo não reconhece essa possibilidade,

como podemos analisar em suas falas a seguir:

[...] Na escola que eu trabalhava eu era única que fazia Habilitação em Educação Especial, então todo alunos que a escola achava que eram ´problema`, mandava para mim. Tive o Carlos, que foi meu aluno na 3ª série. Ele tinha a fala comprometida, tinha espasmos, não conseguia escrever direito, tive que fazer um trabalho com ele, ele tinha vergonha de falar e eu precisava que ele falasse, então passei a dar aulas com microfone e uma caixa de som, e isso motivava o Carlos a participar mais das aulas, aí eu comecei a tirar, o microfone. Como ele tinha espasmo, ele não conseguia escrever direito, então eu trabalhava os textos dele, enquanto os demais alunos copiavam as atividades do quadro. Eu trazia os textos dele impressos e trabalhava também com perguntas que ele respondia e eu registrava, o que deu muito certo. Ele foi o despertar da escola, para enxergar que é possível dar conta de alguém comprometido (INGRID).

Eu tinha um aluno, ele dizia: `Não adianta, eu não aprendo`. Falava batendo na cabeça. Certo dia, dividi a sala com atividades variadas. Como tinha feito assinatura de revistas em quadrinhos, dei para uns, para outros jogos e outros livros que trouxera de casa. E comecei a ensiná-lo, ele, então, desencadeou o processo de aprendizagem, foi incrível (AUGUSTO).

Em seus depoimentos, Ingrid e Augusto ressaltam a disponibilidade para observar e

conhecer os alunos com necessidade educacionais especiais. Destacam-se,

também, a crença em sua capacidade de aprender, bem como um investimento na

busca e estratégias para atingir cada aluno, com sua singularidade.

Esse interesse relatado pelos entrevistados remete-nos às reflexões de Padilha

(2001) que destaca, em seu estudo, que a prática educativa deve basear-se na

crença no potencial do aluno com necessidades educacionais especiais. A autora

enfatiza:

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Move-me a busca dos sujeitos que são todos os deficientes mentais - sujeitos simbólicos, que mesmo com o mundo aos pedaços, continuam capazes de sonhar, imaginar, desejar, aprender e também amar. Eles esperam dos seus educadores maior compreensão de suas possibilidades [...]. Esperam poder participar do mundo cultural das pessoas consideradas normais (PADILHA, 2001, p. 43).

Ainda na narrativa de Ivan fica expressa, por um lado, a preocupação com o papel

da escola em ter um trabalho coletivo e, por outro lado, a preocupação com o papel

da família, como destacamos abaixo no trecho de sua fala:

A semana passada esteve aqui na escola uma mãe para matricular uma menina com problema de bexiga. Ela faz suas necessidades fisiológicas na calça. Avisei à mãe que tinha vaga, porém esperasse um pouquinho. No outro dia, sentei com os professores, pedagogo e a coordenação, relatei a história dessa aluna, para, a partir de um entendimento, haver um acolhimento possível. Às vezes a família acha que a escola é responsável por tudo. Os pais devem reconhecer o que é direito deles e o que é de dever da escola. Falta autoridade dos pais com os filhos. Vejo meninos de sete a oito anos que os pais não têm autoridades com eles, entretanto eles cobram esta autoridade da escola. Então eu falo: `Posso ter esta autoridade que você não tem?´, mas ele é o seu filho. Há uma inversão de papéis, uma vez que é competência da escola transmitir os saberes necessários, para o crescimento do indivíduo, como fazer isso se os educadores estiverem ocupando o lugar da família? (IVAN).

A descrição dessas práticas relatadas por três componentes do Grupo II revela uma

atuação superando desafios dos alunos com necessidades educacionais especiais

impostos pela própria escola, como é o caso das narrativas de Vitória e Clara.

A gente levava os meninos para uma salinha, para fazer exames, era um atendimento com fichas separadas, horários determinados, prontuários, era uma visão medicalista, modelo médico mesmo. Nesta época, já tinham as escolas pólo da Prefeitura de Jeribá. A Prefeitura de Jeribá sempre teve convênio com APAE. Na minha visão, eu sempre achei que não se pode aprender com as pessoas que são iguais, sempre achei que você tem que aprender na inter-relação com o outro, sempre pensei que isto não ia dar certo, nunca fui favorável. Mas, a Prefeitura de Jeribá sempre concordou com isso, tanto que as crianças eram levadas para fazerem exames, e permaneciam um ou dois dias na APAE. Muitas vezes a escola fingia esquecer esses alunos lá e dizia: `Ah! Deixa ele lá, a escola não agüenta, não dá conta`. Aí nós começamos a tentar modificar isto, Íamos para as escolas para saber o que estava acontecendo, saber o que o professor pensava sobre isto, o que eles precisavam, efetivamente, porque a gente nunca tinha contato com eles, só

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através de relatório anual que a escola recebia e às vezes nem lia (VITÓRIA).

Tiago realmente era terrível. Ligava o ventilador toda hora, abria a porta e fugia. A diretora dizia: `Deixa´, mas eu corria atrás dele e colocava-o na sala novamente, isto o tempo todo. Eu dizia comigo `Você vai ficar dentro da sala!`. Ele não sentava, ficava em pé, eu dava aula vigiando a porta. Foi aí que pensei: “tenho que dar limites que ele possa suportar”. Então conversava com ele e dizia: `Você vai correr porque eu estou permitindo!`. Mandava ele ligar o ventilador e falava a mesma coisa.Todo dia antes do recreio, ele tinha que fazer uma atividade pequena de três ou quatro minutos, dentro do que ele podia suportar, depois ele ia para o recreio. Para descobrir isto, demorei um mês, aí ele achou que tinha perdido a graça e foi melhorando. Tiago começou a ler. Eu levava vários livros e trabalhava com ele. Estava com 12 anos e três anos na primeira série. Eu queria que ele avançasse, mas a pedagoga achava que ele estava dando certo, então devia continuar ali. Isto era previsto, já que na 4a série, tinha um homem de barba, bigode, usava botas, camisa de manga comprida e óculos, que estava há dez anos na escola no meio daquelas crianças.Ele não tinha nem o nome na pauta. Ela queria que acontecesse a mesma coisa com Tiago. Gritou comigo e disse: `Ele vai ficar retido!´. Pesquisei em vários livros e fiz um relatório justificando minha posição, acrescentei as atividades desenvolvidas por ele e assinei. Falei com a mãe dele que o mesmo tinha sido aprovado, entreguei a pauta junto com o relatório, a pedagoga leu não perguntou nada, mas ficou morta de raiva de mim. Fiz o que achava certo (CLARA).

Nesses depoimentos, vemos dois profissionais empenhados em instituir novas

práticas educativas na escola. Destacam-se a preocupação e o investimento na

superação de visões resistentes ao trabalho com alunos com necessidades

especiais nas salas de aula na escola regular.

O investimento desses profissionais aponta uma postura de desconstrução de

conceitos cristalizados e deterministas, em busca de práticas inclusivas que passem

a ter sentido para o aluno com necessidades educacionais especiais, bem como

para o próprio educador, transformando a sala de aula em “[...] um espaço de

investigação dos processos cognitivos, psicomotores, sociais e ou afetivos dos

discentes (dos docentes também)” (PINEL, 2008, p. 246).

Os relatos de Vitória e Clara evidenciaram que, nesse processo de investimento em

prol do aluno com necessidades educacionais especiais, a avaliação e a progressão

são colocadas como um desafio a ser enfrentado dentro da própria escola.

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Em relação aos desafios da e na escola, Padilha (2006), analisando a especificidade

do trabalho educativo, aponta-nos a necessidade de uma “escola mediadora” que

promova práticas educativas voltadas para o desenvolvimento humano dentro de um

processo histórico de objetivação do gênero humano. Nesse sentido, a autora

afirma:

[...] a maioria das pessoas não está se apropriando das riquezas materiais e intelectuais das obras da humanidade. Se a educação fica esvaziada de conteúdo, há esvaziamento do ser humano. O que se busca é a valorização da escola, do saber do professor, do conhecimento científico socialmente existente [...] (PADILHA, 2006, p. 131).

Para que a escola se torne mediadora, Padilha (2008) discorre que é preciso levar

em conta as relações de ensino com a apropriação do conhecimento de nossos

alunos. Dessa forma, a autora nos instiga a pensar e refletir nas práticas elaboradas

nas escolas em relação à aprendizagem dos alunos enfatizando:

Muitas precisam da escola para que possam entrar em contato, às vezes pela primeira vez, com toda a agenda escolar (lápis, cadernos, direção da escrita, saber copiar, desenhar...). E nem todas conseguem aprender tudo isso em classes lotadas como são as nossas, ainda mais se não forem ensinadas. Se, para Marx, o produto não se separa dos modos de produção, para os estudiosos de sua teoria, os resultados do ensino não se separam das formas como se processam, portanto, as formas, os processos e os métodos são fundamentais para que os alunos se apropriem dos conhecimentos (PADILHA, 2008, p. 113).

A narrativa de Suzana mostra o sucesso do trabalho colaborativo entre professor

regente e professor especialista. Um sucesso de um espaço/escola que se abre

para a aprendizagem do aluno e do professor por meio de uma prática coletiva:

Eu trabalho junto com professor regente na sala de aula, trabalho os alunos da Educação Especial de acordo com o conteúdo que a professora esteja dando. Nós temos muito entrosamento. Tenho um aluno que é deficiente auditivo, eu não sei LIBRAS. Ele está aprendendo na escola oral-auditiva, então conversei com ele: `Você esta aprendendo LIBRAS e vai me ensinar`. Nós estamos fazendo um livro de receitas de aproveitamento de alimentos, digitei o alfabeto em LIBRAS onde aparecem as mãozinhas que indicam o alfabeto, então eu digito as letras e ele vai transcrevendo para LIBRAS e nós vamos trabalhando [...]. Eu fico direto nas salas de aulas, só quando o aluno autista está muito agitado eu tiro ele um

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pouquinho, mas sempre retorno à mesma. Ele era resistente em fazer as atividades de sala, eu vivia insistindo e ele não fazia, até que, um dia, eu não disse nada, peguei uma folha com atividades e comecei a fazer. Daí em diante, ele pegou uma folha também e foi fazendo, então passou a me pedir ajuda, assim como também peço ajuda a ele (SUZANA).

Mendes (2006), analisando os resultados de vários estudos e pesquisas na área da

inclusão escolar, mostra que o apoio ao professor regente, por parte de um

professor especialista, é fundamental tanto para a aprendizagem do aluno com

necessidades educacionais especiais quanto para a formação do professor em seu

espaço de sala de aula.

Os resultados apontaram que muitas são as possibilidades quando se estabelece um ambiente colaborativo entre o professor do ensino comum e o professor de educação especial [...]. Os professores avaliaram que as estratégias implementadas beneficiaram não apenas seus alunos surdos, mas todos os demais [...] o potencial da colaboração entre professores do ensino comum e especial, enquanto estratégia de formação e de facilitação da inclusão escolar (MENDES, 2006, p. 165).

No Grupo III, temos apenas a narrativa de Aline apontando a descrição da prática

dentro da escola, uma descrição que chama a atenção para a necessidade de apoio

ao professor regente que trabalha com alunos com necessidades educacionais

especiais, como enfatizado em sua fala:

Minha turma aqui, no município de Cambará, é de 2ª série com 30 alunos, dentre estes, 16 alunos não sabiam nem o alfabeto, dois são especiais, e 12 são alfabetizados. É uma turma muito difícil, porque eles são muito agitados. Agora, no final, do ano que a professora itinerante começou a vir dar atendimento uma vez por semana, durante uma hora aos dois meninos especiais. Eu já havia relatado as dificuldades deles, mas ninguém me escutava. Um deles não tinha nenhuma reação, nem para pedir para ir ao banheiro. Há três meses resolvi dividir a turma e fazer um trabalho diferenciado, mas foi uma experiência muito desgastante, vi que precisava de alguém para me ajudar e não tinha. Por isso não tive como continuar o trabalho (ALINE).

Os depoimentos desses sete professores demonstram a descrição de suas práticas

e desenham o retrato de como os alunos com necessidades educacionais especiais

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estão dentro das escolas. Vemos que muitas escolas não sabem o que fazer com os

alunos e os encaminham para a instituição.

Em outras escolas, os profissionais da Educação Especial são os únicos

responsabilizados pela escolarização desses alunos, ou seja, não há uma

participação efetiva dos professores regentes. Também fica evidenciado que a

família tem, em alguns casos, relegado à escola a tarefa do cuidado desses alunos e

não à escolarização.

Assim constatamos, por meio das narrativas, que alguns professores da Educação

Especial conseguem, mesmo diante das dificuldades apresentadas nas escolas,

desenvolver um bom trabalho com os alunos que apresentam necessidades

educacionais especiais, mas ao mesmo tempo fica evidenciado que é urgente a

necessidade de pensar em projetos coletivos, ações colaborativas, relacionamento

de ajuda entre os profissionais, como indicado por Pinel (2000, p. 169):

“Relacionamento de ajuda impõem um sentir-pensar-agir que pode ser sinônimo de

´caminhar juntos´ [...]. Este trabalho, o de relacionar para ajudar, exige com-partilhar

conflitos, tristezas, alegrias, esperanças, sonhos [...]”.

Entendemos que os relacionamentos de ajuda entre os profissionais da escola

encaminham o sucesso na aprendizagem dos alunos, dos professores e de toda a

escola. As narrativas destacadas neste item refletem, assim, a necessidade de

repensarmos a prática da escola como um todo para que a inclusão se efetive.

6.4 FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFESSORES NA EDUCAÇÃO ESPECIAL

Diante dos relatos dos sujeitos da pesquisa, constatamos que a prática educativa

dos professores que atuam na Educação Especial é permeada por desafios, como o

enfrentamento da resistência de professores e equipe de gestão da escola a um

trabalho educativo que efetivamente inclua o aluno com necessidades educacionais

especiais. Em contrapartida, ao se referirem especificamente à ação educativa com

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esses alunos, evidencia-se como fundamental o interesse, a crença nas

possibilidades de desenvolvimento desses alunos e a criatividade no

estabelecimento de estratégias de ensino que os motivam e os levam ao

aprendizado.

O tema “formação continuada” aparece com destaque na narrativa de seis sujeitos

dos diferentes grupos. De modo geral, essas narrativas enfocam concepções de

formação continuada que, segundo os sujeitos, estariam em consonância com

políticas de formação apropriadas ao movimento de inclusão nas escolas regulares.

Apontamos, nos trechos a seguir, o que é mais representativo para cada

entrevistado em relação ao tema.

As narrativas de Marlene, Rose e Aline, integrantes do Grupo III, enfocam a

formação continuada como um dispositivo de reflexão dos professores e da própria

escola. Destacamos, nos trechos a seguir, seus depoimentos:

A formação continuada hoje tem duas perspectivas, que é aquela formação dada pela Secretaria da Educação, onde vem pessoas de fora para dar seminários, palestras, e aquela feita na própria escola, que eu acho importantíssima porque os professores e pedagogos pensam sobre o seu fazer naquela escola, pois tem tanta coisa na rotina da escola que várias coisas se perdem. Então eu acho que essa formação continuada feita pelos próprios professores tem sua importância, ver o que está acontecendo nas outras escolas. A maioria dos professores tem curiosidade de voltar a estudar, de pensar, de refletir sobre [...]. Há uma boa recepção dos professores, mas há uma reclamação com relação a esses cursos dados, que são temáticas muito gerais que não atendem às necessidades da escola, não têm relação com a prática deles. E aí também nos leva a pensar sobre o que é formação continuada, porque a Secretaria oferece curso, curso, curso, mas se restringe a isso? Que formação continuada é essa que a gente está propondo para escola? A gente precisa guardar um momento de reflexão, um projeto educativo para as crianças, num projeto coletivo, e não só essa coisa de curso, que rende muita reclamação e resistência (MARLENE).

Quanto às políticas da Educação Especial, tivemos alguns avanços, principalmente em Jeribá, mas ainda está por engatinhar. Política passa pela formação, se a gente não investir na formação inicial e continuada, a gente não avança (ROSE).

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No município de Aroeira estou fazendo um curso de afro-descendente, eu estou gostando muito, estou tendo outra visão do que foi a escravidão. Tem uma formação em serviço dentro do calendário, mas são três vezes no ano. O professor de 5ª a 8ª série já é diferente, ele tem formação no dia do planejamento (ALINE).

Marlene inicia sua fala discorrendo sobre o que classifica como “dois tipos de

formação continuada”. Uma formação que vem pronta da Secretaria de Educação e

outra formação que acontece no cotidiano da escola. A narrativa de Marlene aponta

aquilo que chamamos de formação em contexto, que objetiva tratar dos assuntos do

cotidiano e realidade local sem se esquecer da contextualização da realidade macro.

Os depoimentos contidos nessas três narrativas apontam a necessidade de se

investir, prioritariamente, em formação do professor.

As reflexões acerca da formação continuada dentro do Grupo I advêm das narrativas

de Ivan e Margarida. Os dois componentes do grupo indicam a formação continuada

como aquela que deve trazer mudanças no cotidiano da escola a partir da reflexão

sobre as práticas lá vivenciadas:

Às vezes, o professor vem à escola, mas não vive a mesma. Já estive em escola onde tinham professores que estavam em todos os espaços que estivesse ocorrendo formação continuada, mas não se apropriavam desse saber. O papel da formação continuada é tirar o sujeito desse lugar de conforto, se apropriar de saberes, questionar atitudes, reformular-se, repensar suas ações. Aqui, quando dá 11h30min, eu falo que foi dado à largada, porque eles saem para ir dar aulas em outros lugares, como: Goitacaz, Pequi, Cambará. A gente tem no calendário momento de parada, de formação continuada, entretanto encontramos resistência dos professores. Muitos falam: `Eu já fiz tudo isso`, porém eu pergunto: `Mas como você fez isso? Em que momento? De que modo foi esse fazer?` Então podemos refazer a receita e modificar os dados. É possível modificar isso na escola (IVAN).

A formação continuada que está aí não atende às necessidades do profissional muito menos do cotidiano escolar. Para mim, a formação continuada é aquela que traz mudanças. Ela precisa partir da escola, do contexto do indivíduo, da rede de reflexões. Não adianta participar de um grande evento uma vez por mês ou uma vez por ano, sendo que este evento está descolado das coisas do cotidiano da escola. Como a escola pode produzir o seu conhecimento? Penso que a formação continuada é para isto, é para as pessoas se aprofundarem, se interligarem com o macro da escola (MARGARIDA).

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As narrativas desses dois professores destacam a formação continuada como uma

ferramenta que deva ser capaz de ajudar nas reflexões da escola e de seus

profissionais em busca de transformações e mudanças nas práticas educativas.

Em uma mesma direção, a narrativa de Vitória, componente do Grupo II, expressa

seu entendimento e anseio pela formação continuada, partindo da prática de

pesquisas em colaboração com pesquisadores da universidade, como destacamos

abaixo em sua fala:

Acho que a universidade ainda está longe do chão da escola, mas uma coisa eu percebo, as pesquisas dos mestrandos e dos doutorandos que vão para as escolas que fazem a diferença, porque fizeram lá na escola com certeza tanto que até incentivou o diretor a fazer mestrado. Os professores passaram a estudar e pesquisar mais, eu acho que esse é o caminho certo, mas, no momento que eu precisei, quando eu estava na escola, eu vim até a universidade, procurei orientação com uma professora da Educação Especial, porque ela tinha sido minha professora e através do pesquisador a gente conseguiu profissionais para ir à escola fazer um trabalho colaborativo no sentido de formação, de conversar com os professores, de discutir alguns assuntos. Na escola surtiu efeito, mas eu não tenho conhecimento de outro lugar. Acho que a universidade tem que estar mais próxima das escolas com suas pesquisas. A gente vê a alegria deles, quando a universidade chega (VITÓRIA).

Essas seis narrativas mostram dois aspectos que precisam ser levados em

consideração na organização da formação continuada dentro dos sistemas de

ensino.

O primeiro aspecto é o que aponta a formação continuada como aquela que deve

privilegiar as questões do cotidiano da escola para que as práticas sejam

repensadas. Nesse sentido, Jesus (2006) afirma que a formação em contexto, no

cotidiano, por meio de pesquisas pode promover outras formas de o professor se

colocar dentro da escola:

[...] temos buscado criar dispositivos teórico-metodológicos instituintes de outras práticas pedagógicas escolares, pela via da formação continuada em contexto [...] . Assim sendo, o envolvimento dos profissionais da educação com processos de pesquisa se coloca como uma forma constituidora de uma atitude de investigação, portanto instituinte de uma outra forma de estar na profissão [...] (JESUS, 2006, p. 90).

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O outro aspecto que aparece nessas narrativas, em relação à formação continuada,

é o que destaca a formação continuada como um momento de aprendizagem para

cada profissional e não somente como um “pacote” pronto a ser seguido pela escola,

ou pelos profissionais em eventos esporádicos que são organizados pela

Secretarias.

Assim, a análise das narrativas indica que a formação continuada precisa ser vista

como parte integrante do processo de ensino, pois é, também, por meio da formação

continuada que as reflexões ocorrem, experiências acontecem, o que favorece

inovação das práticas educativas.

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7 REFLEXÔES FINAIS

Nunca se pode saber de antemão de que são capazes as pessoas, é preciso esperar, dar tempo ao tempo, o tempo é que manda, o tempo é o parceiro que está a jogar do outro lado da mesa, e tem na mão todas as cartas do baralho, a nós compete-nos inventar os encartes com a vida (JOSÉ SARAMAGO- Ensaio sobre a cegueira).

Neste trabalho, mergulhamos nas narrativas de professores que atuam na Educação

Especial de maneira a conhecer suas histórias, compreender os percursos que os

levaram a essa área, analisar aspectos de sua formação e de sua vida profissional.

Nesse processo, fomos recolhendo elementos para compreender como se

constituíam professores na Educação Especial.

No mergulho que fizemos na história de vida desses sujeitos, Saramago nos auxiliou

a enxergar alguns processos. O tempo se coloca como elemento para reflexão.

Tempo para amadurecer processos. Tempo para uma visão mais ampla dos

fenômenos educacionais. Tempo para fazer escolhas. Tempo para investir

laboriosamente na formação. Tempo para viver o cotidiano da escola e para se

inserir no movimento de construção de práticas pedagógicas que possibilitem a

inclusão efetiva de todos os alunos na escola.

Nesse percurso, “Nunca se pode saber de antemão de que são capazes as

pessoas”. Os sujeitos de nossa pesquisa, em alguns momentos, surpreenderam-

nos. Encontramos identidades impregnadas por um passado de luta pela

sobrevivência numa sociedade marcada pela desigualdade, injustiça e preconceitos,

que atravessaram a vida desses sujeitos. Além disso, o egoísmo e o individualismo

extremado dessa mesma sociedade, impostos de forma impiedosa pela classe

dominante, por meio do poder que concentra, também afloraram, de forma decisiva,

na vida de alguns de nossos entrevistados. Entretanto, esses mesmos sujeitos

mostraram que dessas condições emergiram força de vontade para intervir e

modificar o rumo dessa história. Muitos demonstraram postura e racionalidade que

traduzimos como admiráveis, uma vez que carregam uma forte dose de flexibilidade,

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dinamismo e competência, de onde surgem novas práticas sociais bem como novas

formas de pensar em uma educação mais justa, participativa e igualitária.

As narrativas dos professores aqui apresentadas e analisadas alcançam um

patamar para além de um depoimento. Essas narrativas constituem-se como

memórias significativas de um percurso trilhado, percurso entrelaçado pelo

cotidiano, pelas experiências e pela formação.

O conjunto dessas narrativas indica que a constituição do professor tem seu início

formal não só durante o curso de graduação, mas também mostra que essa

constituição está permeada pelas condições históricas e sociais vivenciadas,

levando-nos a visualizar a importância do papel da família que marca, de forma

definitiva, o relato de todos os sujeitos da pesquisa como uma memória significativa,

o que impõe refletirmos na inseparabilidade do eu pessoal e do eu profissional.

No processo de entrevista e de análise, constatamos que as narrativas, ao mesmo

tempo em que possibilitaram a cada sujeito da pesquisa falar de si mesmo, também

propiciaram, em alguns casos, a alguns deles tomar consciência de sua trajetória.

Nas narrativas, a vida e a palavra se encontraram: "[...] a matéria da narrativa é a

própria vida humana, os instrumentos utilizados para a construção dessa história

são as palavras. É a palavra que possibilita a sistematização da experiência vivida"

(OLIVEIRA, 2007, p. 252).

As palavras dos sujeitos mostram que, se a opção pela educação e pela Educação

Especial tem sua origem em situações vivenciadas na infância ou na adolescência, a

formação inicial é um momento crucial no processo de constituição do professor. Um

momento de consolidação de escolhas feitas, de reafirmação das opções que foram

gestadas em etapas anteriores.

Na formação inicial, alguns aspectos se destacam para que essa opção se

consolide: o perfil de alguns professores que, com compromisso e atenção aos

alunos se apresentam como modelos a serem seguidos; a possibilidade de vivenciar

experiências de formação em que teoria e prática estejam articuladas e em que os

alunos possam ter contato efetivo com o cotidiano escolar, orientados pelo olhar de

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seus professores, seja na realização de estágios ou da participação em projetos de

pesquisa e de extensão.

A universidade aparece, assim, como uma força motriz, impulsionando o olhar e

ações em direção à consolidação da escolha ou à opção pela Educação Especial.

Um relato emocionante acerca da formação inicial é apontado na narrativa de Rose

que nos permite refletir o quanto esse é realmente um momento crucial na formação

do professor. Para Rose, uma formação mais humana começa pelo respeito e

solidariedade, como descrito abaixo:

Durante a formação inicial, tivemos vários momentos marcantes. Dentre eles, uma situação atípica dentro da sala de aula. Uma colega nossa estava com leucemia. Ela muito nova, não se deixava abater nunca, saía da quimioterapia e vinha para as aulas. A gente ajudava bastante. Víamos seus cabelos caírem... quando passava mal, devido à reação dos medicamentos, nós a levávamos para fora de sala. Quanto ela ficava internada, a gente ia para o hospital também. Ficamos amigas da mãe dela, já que ela mesma começou a vivenciar a sala de aula. Então o grupo viveu a doença, foram dois semestres, todos com ela. Ela não queria que ninguém tivesse pena. Seu rosto era lindo. Muito vaidosa, vinha para as aulas, sempre com brincos, batom e muito arrumada. Nós cuidávamos da dor dela, foi uma vitoriosa. Hoje, curada, ela vai se casar. Continuou os estudos, fez uma pós-graduação em Engenharia e tem o emprego dela. Até hoje nós nos encontramos. Isso aconteceu entre 2000 e 2001, foi uma vitória nossa. Os professores falavam: esta turma é diferente. E nós éramos diferentes mesmo, turma pequena, 15 alunos, porém cada um de um jeito. Tinha gente conflituosa, outra muito autoritária, outra arrogante e lidávamos com toda esta diversidade com muito respeito (ROSE).

Partindo desse relato, nossas reflexões ganham força no sentido de pensarmos um

espaço na universidade permeado por reflexões de uma sociedade mais justa para

todos. Um espaço que favoreça a vivência de um cotidiano mais humano e mais

solidário, que instigue o futuro professor a vivenciar e construir universos solidários

também dentro da escola em que irá atuar.

No percurso de constituição do professor, a profissão também se destaca como

espaço fundamental. As escolas comuns bem como a instituição especial aparecem

como universos constituidores do professor, espaços nos quais ele é marcado pela

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realidade do sistema. Sua constituição é afetada pelo modo como se organiza a

escola como instituição.

O cotidiano da escola torna-se o centro das memórias dos entrevistados. É no

cotidiano da escola que se apresenta o aluno com necessidades educacionais

especiais, é sobre esse aluno que recai as principais preocupações, porque ele é

beneficiado ou prejudicado pela formação e constituição do professor.

É nessa escola que a realidade do sistema educacional é vivenciada, como pontuou

o elenco dos entrevistados nesta pesquisa. Temos um desabafo de uma professora

entrevistada que nos mostra como é preciso pensar nesse cotidiano, nessa escola,

nessa instituição, nesse sistema, nessa formação:

Não acredito na Educação Especial de hoje, não neste molde que ela está, nem tanto pelo professor de apoio, nem itinerante e nem em laboratório. Acredito numa mudança na educação. Não dá mais para trabalhar com séries, neste modelo de seriação, nem nesta divisão de professor da Educação Especial e professor do ensino regular. É preciso conversar com este aluno que está crescendo, não sei de que forma, mas alguém tem que pensar isto, num outro tipo de educação que atenda a todos na sua singularidade (CLARA).

O desabafo de Clara aponta a necessidade de pensarmos em uma educação que

privilegie a singularidade humana, uma educação que desconstrua os preconceitos

e dê lugar às possibilidades de práticas mais humanas para todos dentro da escola.

A escola está inserida dentro de uma sociedade e, nesse sentido, Padilha (1999)

faz-nos alguns questionamentos:

O que somos nós quando não sabemos lidar com as crianças que são diferentes da imagem que fazemos de criança inteligente e capaz? Operamos com a realidade de cada um de nossos alunos? Classificamos o mundo e compreendemos a crueldade do sistema capitalista? [...] Conseguimos mudanças radicais na escola? Conseguimos que os professores sejam mais valorizados? Então não sabemos seriar, incluir, comparar... Então somos todos deficientes cívicos. Deficientes em nossa cidadania... (PADILHA, 1999, p. 17).

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As perguntas da autora nos levam a pensar na sociedade em que a escola está

inserida, uma sociedade padronizada que discrimina a singularidade que é própria

da humanidade. É diante desse quadro que a formação continuada se apresenta

como possibilidade de reflexão dentro da escola, como apontaram as narrativas dos

sujeitos da pesquisa. É nas memórias relativas a esse cotidiano que a formação

continuada aparece como elemento essencial para o prosseguimento de sua

formação.

Entendemos, como os sujeitos da pesquisa, que a escola hoje é espaço

fundamental para a organização da formação continuada. Um espaço que busque a

ética, o conhecimento de si mesma, o compartilhamento de idéias e soluções em

conjunto e, como nos indica Nóvoa (1992, p 27): "Uma das pedras-de-toque da

eficácia das escolas é a implementação de programas de formação contínua e

profissional do seu pessoal, nomeadamente do pessoal docente". A escola, dessa

forma, é parte importante na constituição da profissionalidade e identidade do

professor.

O relato de cada sujeito apontou que é na escola, junto aos alunos, que o

profissional docente revela toda sua constituição, todo seu perfil profissional e

pessoal, por isso a necessidade de repensar o espaço escola, como apontaram as

narrativas analisadas.

O aluno é parte principal de toda a formação do professor, porque é ele que se

beneficiará da atuação do professor. O aluno com necessidades educacionais

especiais aparece com muita força nas narrativas dos professores, de modo que

eles fazem parte, também, da constituição do professor. As necessidades dos

alunos aparecem nas narrativas como o cerne das preocupações e lutas dos

docentes. Conforme ressalta Pinel (2007, p. 195-196).

O discente, este sim, está em boa parte do tempo em estado imediato e mergulhado nas injustiças cotidianas; envolvido nos terrores frente às ameaças, que se cumprem ou não; à fome (de comida e de afeto sincero e legítimo); penetrado pela miséria (econômica) e humana [...]. O ético e o estético aparecem evocando cuidado, e exigem posicionamentos do educador [...].

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É esse posicionamento de cuidado, buscando práticas que efetivem a valorização

humana de que fala o autor que permeou todo o nosso estudo na análise das

narrativas.

Nossa intenção neste estudo foi refletir acerca de como o professor vai se

constituindo em sua identidade, em sua profissionalidade. Identificamos que o

contexto social e histórico onde esse professor vive tem um papel fundamental em

sua constituição. Destaca-se a família, a universidade, por meio da formação inicial

e a escola, pelo cotidiano do trabalho docente.

Na universidade, a formação inicial, o conhecimento teórico adquirido vai sendo

materializado, não só na forma de se relacionar com os outros como também no

modo de visualizar o mundo num contexto social e político atrelado à contínua

reflexão. A formação inicial oficializa e alimenta um processo que se revela contínuo,

dependente das relações sociais, do contexto socioeconômico, do cotidiano da

escola, da formação continuada, da presença do aluno, da vida vivida.

Na escola, pensamos que as relações cotidianas entre professor e aluno favorecem

interações que possibilitem perspectivas que conduzam às mudanças. O ambiente

de trabalho, bem como o cotidiano da escola, são imprescindíveis nesse fazer-se, na

construção dessa identidade profissional e pessoal.

Também observamos as oscilações docentes relacionadas com o tempo de

experiência e destacamos que esse tempo de experiência influencia na colaboração

de um colega mais experiente, ou seja, que o favoreça com uma conduta

colaborativa e o ajude na partilha de ações disparadoras de práticas inovadoras.

As narrativas também permitiram um olhar mais amplo, além do muro da escola, no

que tange à profissão docente, à medida que possibilitaram captar mudanças,

compreender melhor a escola no contexto social mais amplo, enfocando as

condições de trabalho do professor, sua formação, e refletir sobre políticas

educacionais.

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Finalmente, as palavras contidas nas narrativas nos mostraram que a constituição

do professor é entendida como um processo contínuo que se faz com vários elos,

espaços e tempos. Uma constituição em que não é possível separar o eu pessoal e

o eu profissional.

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