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MIRIANE DA SILVA SANTOS
A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DE FUNCIONÁRIOS DE UMA INSTITUIÇÃO
RESSOCIALIZADORA SOBRE OS DIREITOS HUMANOS DOS
ADOLESCENTES
Profa. Dra. Cleonice Pereira dos Santos Camino
(Orientadora)
João Pessoa
Março de 2009
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL
GRUPO DE PESQUISAS EM DESENVOLVIMENTO SÓCIO-MORAL
A Representação Social de Funcionários de uma Instituição Ressocializadora sobre
os Direitos Humanos dos Adolescentes.
Miriane da Silva Santos
João Pessoa
Março de 2009
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Psicologia Social como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Psicologia.
A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DE FUNCIONÁRIOS DE UMA INSTITUIÇÃO
RESSOCIALIZADORA SOBRE OS DIREITOS HUMANOS DOS
ADOLESCENTES
Autora: Miriane da Silva Santos
Dissertação aprovada em: 09 de março de 2009
____________________________________________ Profa. Dra. Cleonice Pereira dos Santos Camino (Orientadora)
Banca Avaliadora
______________________________________________ Profa. Dra. Maria da Penha de Lima Coutinho (UFPB)
____________________________________________ Profa. Dra. Verônica Lúcia do Rego Luna (UFPB)
____________________________________________ Profa. Dra. Heloísa Moulin de Alencar (UFES)
S237r Santos, Miriane da Silva. A representação social de funcionários de uma
instituição ressocializadora sobre os direitos humanos dos adolescentes / Miriane da Silva Santos.- João Pessoa, 2009.
146f. Orientadora: Cleonice Pereira dos Santos
Camino Dissertação (Mestrado) – UFPB/CCHLA 1. Direitos Humanos – adolescentes. 2.
Representações Sociais. 3. Instituição Ressocializadora.
SUMÁRIO
Lista de Quadros ------------------------------------------------------------------------ i
Lista de Gráficos ------------------------------------------------------------------------ ii
Lista de Tabelas ------------------------------------------------------------------------- iii
Lista de Siglas ---------------------------------------------------------------------------- iv
Resumo ------------------------------------------------------------------------------------ v
Abstract ----------------------------------------------------------------------------------- vi
Apresentação ----------------------------------------------------------------------------- 01
Capítulo I --------------------------------------------------------------------------------- 04
1- Evolução Histórica dos Direitos do Homem ------------------------------------
04
1.1- O teor da Declaração Universal dos Direitos Humanos ------------------- 16
1.2- O debate atual sobre os Direitos do Homem --------------------------------- 21
Capítulo II--------------------------------------------------------------------------------- 23
2- A política de assistência ao menor no Brasil ----------------------------------- 23
2.1- Direito do adolescente e as instituições ressocializadoras ----------------- 29
Capítulo III ------------------------------------------------------------------------------- 43
3- A Teoria das Representações Sociais --- -----------------------------------------
45
3.1- A teoria psicossociológica de Doise e os estudos desenvolvidos na área dos Direitos Humanos ------------------------------------------------------------------
50
Objetivo Geral --------------------------------------------------------------------------- 63
Objetivos Específicos ------------------------------------------------------------------- 63
Capítulo IV-------------------------------------------------------------------------------- 65
4- Método --------------------------------------------------------------------------------- 65
4.1- Delineamento da pesquisa ------------------------------------------------------- 65
4.2- Descrição do lócus da pesquisa ------------------------------------------------- 65
4.3- Participantes ------------------------------------------------------------------------ 67
4.4 Instrumento ------------------------------------------------------------------------- 67
4.5 Procedimentos ---------------------------------------------------------------------- 68
Capítulo V -------------------------------------------------------------------------------- 71
5- Resultados ----------------------------------------------------------------------------- 71
Capítulo VI ------------------------------------------------------------------------------- 112
6- Discussão e Considerações Finais -------------------------------------------------
112
Referências Bibliográficas -------------------------------------------------------------
121
Anexo I Termo de Consentimento à Instituição
Anexo II Termo de Consentimento Livre Esclarecido Individual
Anexo III Certidão de Aprovação do Comitê de Ética
Apêndice 1: Instrumento utilizado
Apêndice 2: Análise Fatorial dos Componentes processada pelo Tri-Deux-Mout
AGRADECIMENTOS
A meus pais e irmãos, sem os quais eu não teria forças para ter chegado até aqui.
A Cleo, por todo seu carinho, amizade e ensinamentos que perdurarão por toda minha
vida.
À Professora Maria da Penha, por ter sido a leitura do meu trabalho, sempre sugerindo
modificações visando um aperfeiçoamento.
Aos professores avaliadores externos, pelas sugestões e observações realizadas ao longo
das jornadas.
Aos funcionários do CEA, sobretudo nas pessoas do Sr. Rildo e da Sra. Maria Helena,
que tão gentilmente aceitaram colaborar na realização desta pesquisa, sem vocês nada
disto seria possível.
Aos “jovens” colegas de núcleo: Izayana, Aurora, Sandra, Deyse, Lilian, Márcia, Pablo,
Natália e Ana Paula, pela amizade compartilhada.
Ao amigo Pedro Camino, pela tentativa de ajuda em algumas etapas da pesquisa.
Aos colegas de turma, pelos momentos de descontração e cumplicidade.
Aos professores Júlio Rique e Verônica Luna, pelas observações feitas em meio às
apresentações no núcleo.
À professora Heloísa Moulin, pela gentileza em ter aceitado ser uma das avaliadoras
desta dissertação.
A Cláudio, companheiro de todas as horas, por todo amor e compreensão.
Ao CNPq, pelo apoio financeiro.
A todos vocês, meu muito obrigada.
Dedico este trabalho a todos aqueles que acreditam que um mundo mais justo ainda é possível.
Quando, seu moço nasceu meu rebento não era o momento dele rebentar.
Já foi nascendo com cara de fome e eu não tinha nem nome pra lhe dar. Como fui levando não sei lhe explicar. Fui assim levando
ele a me levar, e na sua meninice ele um dia me disse que chegava lá Olha aí! Olha aí! Olha aí! Ai o meu guri, olha aí Olha aí! É o meu guri.
E ele chega! Chega suado e veloz do batente. Traz sempre um presente pra me encabular. Tanta corrente de ouro, seu moço! Que haja pescoço pra enfiar. Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro: chave, caderneta, terço e patuá, um lenço e uma penca de documentos, pra finalmente eu me identificar
Olha aí! Olha aí! Olha aí! Ai o meu guri, olha aí Olha aí! É o meu guri.
Chega no morro com carregamento, pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador. Rezo até ele chegar cá no alto, essa onda de assaltos tá um horror! Eu consolo ele. Ele me consola. Boto ele no colo pra ele me ninar.
De repente acordo, olho pro lado e o danado já foi trabalhar.
Olha aí! Olha aí! Olha aí! Ai o meu guri, olha aí Olha aí! É o meu guri.
É o meu guri e ele chega!
Chega estampado manchete, retrato com venda nos olhos, legenda e as iniciais. Eu não entendo essa gente, seu moço! Fazendo alvoroço demais. O guri no mato.
Acho que tá rindo. Acho que tá lindo de papo pro ar. Desde o começo eu não disse, seu moço?! Ele disse que chegava lá
(O meu guri – Chico Buarque de Holanda)
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Especificação de competências quanto à implementação e aplicação de medidas sócio-educativas a adolescentes ---------------------------
33
Quadro 2: Caracterização das Unidades de Internação segundo relatório elaborado pela CNDHCF --------------------------------------------------------------
41
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Análise Fatorial de Correspondência das RS sobre os direitos 77
Gráfico 2: Responsabilidade abstrata atribuída à garantia dos DCA --------- 90
Gráfico 3: Responsabilidade concreta atribuída à garantia dos DCA --------- 90
Gráfico 4: Respostas à questão “Quem deve fazer mais pelos Direitos Humanos?" ---------------------------------------------------------------------------------
92
Gráfico 5: Respostas à questão “Quem, de fato, faz mais pelos Direitos Humanos?” ---------------------------------------------------------------------------------
92
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Tabela 1: Dados sócio-demográficos de funcionários de uma instituição de ressocialização ---------------------------------------------------------
72
Tabela 2: Definição do termo “direito” segundo funcionários de uma instituição ressocializadora -----------------------------------------------------------
80
Tabela 3: Direitos conhecidos por funcionários de uma instituição ressocializadora --------------------------------------------------------------------------
84
Tabela 4: Fontes atribuídas ao conhecimento dos direitos --------------------- 85
Tabela 5: Grau de importância atribuído ao Estatuto da Criança e do Adolescente segundo funcionários de uma instituição ressocializadora -----
87
Tabela 6: Direitos da Criança e do Adolescente citados por funcionários de uma instituição ressocializadora -------------------------------------------------
89
Tabela 7: Freqüências e percentuais de respostas à questão “Muitas pessoas dizem que as comissões de Direitos Humanos só defendem presos e bandidos. O que você acha disso?” ------------------------------------------------
95
Tabela 8: Justificativas para o empenho na atuação profissional -------------
97
Tabela 9: Aspectos considerados mais relevantes na atuação profissional segundo funcionários de uma instituição ressocializadora----------------------
99
Tabela 10: Como deveria ser uma capacitação em DH para os funcionários da instituição ressocializadora ---------------------------------------
103
Tabela 11: Técnicas utilizadas numa instituição ressocializadora para se falar em direitos humanos aos adolescentes ---------------------------------------
105
Tabela 12: Freqüências e percentuais de respostas à questão “Como deveria ser uma educação em direitos humanos para os adolescentes?”-----
109
Tabela 13: Freqüências e percentuais de respostas à questão: “Como uma instituição como essa pode defender e promover os direitos humanos?”----
111
LISTA DE SIGLAS
DH – Direitos Humanos
DCA – Direitos da Criança e do Adolescente
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
DUDH - Declaração Universal dos Direitos Humanos
DUDC - Declaração Universal dos Direitos da Criança
PNEDH - Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos
ONU – Organização das Nações Unidas
SAM - Serviço de Assistência ao Menor
FUNABEM - Fundação Nacional do Bem Estar do Menor
FEBEM - Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor
FUNDAC - Fundação da Criança e do Adolescente
CNDHCF - Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal
TRS - Teoria das Representações Sociais
RS - Representações Sociais
RESUMO
Tem-se tornado cada vez mais freqüente a veiculação na mídia de notícias acerca de atos infracionais envolvendo adolescentes. Tal panorama constitui-se, portanto, motivo de preocupação para as diferentes esferas, na medida em que se configura como um problema de ordem social e delata uma eminente falha na prática dos vários segmentos responsáveis pela socialização daqueles indivíduos. Quando apreendidos, os adolescentes são encaminhados a instituições ressocializadoras, onde se espera que devam receber atendimentos que garantam e respeitem seus direitos enquanto seres humanos. No campo da Psicologia Social, a temática dos direitos humanos estudada por Willem Doise, que considera que as representações acerca dos direitos são compartilhadas por diferentes membros de uma cultura, mas que também há modulações individuais sobre essas representações. Considerando que os centros de ressocialização acolhem, por um certo tempo, os adolescentes, e tendo em vista os pressupostos teóricos da teoria psicossociológica de Doise, o presente estudo teve por objetivo apreender as representações que os funcionários de uma instituição ressocializadora tinham acerca dos direitos dos adolescentes privados de liberdade. Participaram do estudo 47 funcionários de uma instituição que abriga adolescentes em conflito com a lei na cidade de João Pessoa. Em linhas gerais, os resultados demonstraram que: 1) os participantes apresentaram dificuldade em definir o termo “direito”, 2) dentre os direitos mais citados pelos participantes estavam: Saúde e Liberdade,Educação e Moradia. Os menos citados foram Bem-estar, Direitos de Classes, Reivindicação, Respeito e Votar e Não ser Agredido e Privacidade; 3) quanto aos direitos da criança e do adolescente que eles conheciam, os direitos mais citados foram Educação, Moradia, Saúde e Lazer. Os menos citados foram: Segurança e Não Pertinentes e Carinho, Cidadania e Nenhum; 4) as pessoas ou meios através dos quais os participantes tinham ouvido falar dos direitos foram, sobretudo, a Mídia e dentro da própria Instituição; 5) a respeito da garantia e defesa dos direitos, constatou-se que, para os entrevistados, todas as entidades mencionadas no questionário (Família, Escola, Governo, Instituição de Ressocialização, Ele Mesmo e Cidadãos Brasileiros) deveriam ser muito responsáveis pela garantia e defesa dos direitos, mas que, na realidade, apenas eles mesmos e a instituição assumiam a responsabilidade; 6) quando questionados sobre a realização da leitura do ECA, menos da metade afirmou já ter lido o estatuto completamente. Contudo, a maioria emitiu opinião sobre o que achava desse estatuto; 7) em relação à educação em direitos humanos (tanto para os funcionários quanto para os adolescentes), os participantes consideraram que esta deveria ser realizada, principalmente através de palestras. Observou-se que as representações dos funcionários sobre os direitos foram objetivadas em dois tipos de posicionamento face aos direitos: um completamente favorável e um outro que criticava sua aplicação. Essas representações foram pautadas a partir das experiências vivenciadas em dois diferentes contextos: dentro e fora da instituição. Os resultados apontaram para uma necessidade em se desenvolver programas de formação para esses funcionários, com práticas diversificadas e com maior participação da família e da sociedade, pois somente uma atuação conjunta será capaz de dar subsídios a uma atuação que se aproxime daquilo que preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Palavras Chave: Representações Sociais, Instituição Ressocializadora, Direitos Humanos, Adolescentes privados de liberdade.
ABSTRACT
The propagation of news about illegal acts involving adolescents by the media has been more frequent. It represents a matter of preoccupation to different spheres, at the same time it is classified as a problem of social order and exposes an imminent lack in the practice of many segments responsible for the socialization of those individuals. When arrested, the adolescents are led to re-socialization institutions, where it is expected that they receive assistance which can guarantee and respect their human being rights. According to this expectation, it is asked: what are the social representations (SR) about human rights (HR) of the staff of a re-socialization institution? The main purpose of this study is to answer this question. In order to investigate the SR, the present study was based on the psycho-sociological theory of Willem Doise, who emphasizes that the representations about rights are shared by different members of a culture, but there are individuals modifications of these representations. 47 employees of an institution which houses adolescents in conflict with the law in the city of João Pessoa participated of the study. An interview with the help of a structured questionnaire in four parts was performed. The four parts of the questionnaire were concerned the socio-demographic data, one Free Association in which the inductor stimulus were the human rights and the child and adolescent rights and the other two parts were concerned questions about the knowledge and the practice in HR. The answers to the objective questions were analyzed through the calculation of the observed frequencies and percentuals. In terms of the analysis of the subjective answers, a Semantic Content Analysis proposed by Bardin was performed. The Free Association data were processed through the Tri´Deux-Mots software. In general, the results demonstrated that: 1) the participants showed difficult in define the term “right”, 2) the rights more mentioned by the participants were: Health and Freedom, Education and Housing; 3) concerning the child and adolescent rights which they knew, the right which were more mentioned were: Education, Housing, Health and Leisure; 4) the sources in which the adolescents had heard about the rights were the Media and the Institution, 5) concerning the guarantee and defense of the rights, it was revealed that, for the interviewees, all the entities mentioned in the questionnaire (Family, School, Government, Re-socialization Institution, Himself and Brazilian Citizens) should be very responsible for the guarantee and defense of the rights, but in the reality, only themselves and the institution assumed the responsibility; in relation to education in HR, the participants agreed that it should be performed, mainly through lectures. It was observed that the SR of the employees about the rights were objectified in two sorts of position concerning the rights: one completely favorable and other which criticizes their application. These representations were based on experiences in two different contexts: inside and outside of the institution. The results indicated the necessity of developing programs of education for these employees, with diversified practices and with bigger participation of family and society, because only a cooperative performing will be able to give support to a practice which can reach the purpose of the Child and Adolescent Statute.
Keywords: Social Representations, Re-socialization Institutions, Human Rights, Adolescents prohibited of freedom.
Apresentação
Datam do período colonial os primeiros documentos registrando a preocupação
com uma política de atendimento às crianças e adolescentes desassistidos, dentre os
quais estão os adolescentes autores de atos infracionais. Desde então, surgiu uma série
de propostas no sentido de assegurar a essa população sua reinserção na sociedade
(Oliveira & Assis, 1999; Osterne, 1989).
Contudo, o que se observou durante o passar dos anos, foi que nenhuma das
alternativas sugeridas – e postas em prática – solucionou o problema, uma vez que
alguns fatores dificultaram, e por vezes impediram, a realização do trabalho. Dentre tais
fatores, destacam-se: a falta de preparação dos funcionários para lidar com os
adolescentes, a inflexibilidade das direções das instituições ressocializadoras e a
ausência de esclarecimento acerca da própria lei.
Dentro dos centros de ressocialização, o objetivo era que os direitos dos
adolescentes pudessem ser respeitados. No âmbito jurídico foram promulgadas leis, tais
como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), a Declaração Universal
dos Direitos da Criança (DUDC) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que
passaram a constituir respaldo legal para concretização do respeito e da garantia a esses
direitos (Marcílio, 1998). Sabe-se que, inclusive, foram elaborados programas cujo
conteúdo apresenta diretrizes de como as instituições como as de ressocialização podem
realizar um trabalho visando o resgate da dignidade humana, como é o caso do Plano
Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) (Brasil, 2006). Entretanto, o que
se tem observado hoje é uma grande discrepância entre reconhecer a existência de um
direito e reconhecer a também existência de estratégias que possibilitem sua garantia
(Prestes & Beltrão, 2006; Priuli & Moraes, 2007).
Diante de tantas discussões que visam garantir o bem-estar dos indivíduos e dos
adolescentes em ressocialização, julga-se importante saber se os funcionários a quem é
atribuída a tarefa de cuidar desses adolescentes conhecem o conteúdo da DUDH, qual a
representação que eles têm desse documento e qual a prática que eles julgam realizar
dentro da instituição. Também contribuiu para a realização do presente estudo os
resultados de uma pesquisa desenvolvida por Camino (2005). Neste estudo, a autora
verificou que os adolescentes em ressocialização demonstraram conhecer,
principalmente, o direito à liberdade (direito do qual eles foram tolhidos), além do
direito à saúde, à educação, à moradia, ao lazer e ao trabalho. Quando questionados
sobre quem havia lhes falado sobre esses direitos, os adolescentes citaram, sobretudo, os
próprios funcionários da instituição. A partir desses resultados, surgiu uma questão
principal: se os adolescentes apontaram os funcionários da instituição como as fontes a
partir das quais eles ouviram falar sobre os direitos humanos – DH -, qual o
conhecimento dos funcionários sobre esta temática? Esta questão maior deu origem a
outras as quais o presente estudo buscou responder: estes profissionais estavam
realmente preparados para educarem em direitos humanos? De que forma eles eram
preparados? Eles, de fato, colaboravam na aplicação dos direitos? Os resultados
encontrados nessa população seriam os mesmos observados por outros autores (Camino,
2005; Camino, Camino, Pereira & Paz, 2003; Doise, & Herrera, 1994; Doise, Staerklé,
Clémence, & Savory, 1998; Doise, Spini, & Clémence, 1999; Fernandes & Camino,
2006; Galvão, 2005; Galvão, Da Costa & Camino, 2005; Gouveia, 2007; Pereira &
Camino, 2004) com relação ao conhecimento dos DH?
Para embasar essa investigação sobre os direitos humanos, adotou-se a
abordagem psicossociológica de Doise (2002a, 2002b). Também deram respaldo ao
presente trabalho estudos empíricos desenvolvidos na área (Camino, 2005; Camino,
Camino, Pereira & Paz, 2003; Doise, & Herrera, 1994; Doise, Staerklé, Clémence, &
Savory, 1998; Doise, Spini, & Clémence, 1999; Fernandes & Camino, 2006; Galvão,
2005; Galvão, Da Costa & Camino, 2005; Gouveia, 2007; Pereira & Camino, 2004).
Acredita-se que esta pesquisa seja um aprofundamento relevante na área de estudo, na
medida em que possibilitará reflexões e apontará direções que visem o desenvolvimento
de projetos cujas práticas garantam o cumprimento dos direitos humanos.
Estruturalmente, o estudo está organizado em seis capítulos. No primeiro, é
apresentada ao leitor a história e a fundamentação dos direitos humanos. No segundo
capítulo discute-se a questão da política de assistência à criança e ao adolescente,
focalizando, sobretudo, os projetos e os dispositivos legais criados com este intuito.
Também é abordada a origem, o desenvolvimento e o panorama atual das instituições de
ressocialização. O terceiro capítulo contextualiza a temática dos DH dentro da
Psicologia: primeiramente, apresentando a Teoria das Representações Sociais de Serge
Moscovici (2003), posteriormente remetendo à abordagem psicossociológica de
William Doise (1998, 2002a, 2002b) e, finalmente, apresentando resultados e
discussões de trabalhos empíricos desenvolvidos na área. No quarto capítulo, é
apresentado o método utilizado neste estudo. O capítulo subseqüente descreve os
resultados obtidos. O sexto capítulo versa acerca da discussão e considerações finais
acerca do estudo.
CAPÍTULO I _____________________________________
1- Evolução histórica dos Direitos do Homem.
O estudo da evolução dos direitos humanos é importante para que se perceba que
eles são frutos de lutas, realizadas em diferentes momentos históricos em que referidos
direitos foram concretizados, representando grandes conquistas da humanidade. A
decisão de por onde começar a se contar a história dos direitos do homem depende do
ponto de vista adotado pelos diferentes autores.
Moraes (2000) menciona que esta origem pode ser encontrada no antigo Egito e
Mesopotâmia, no terceiro milênio a.C., onde já eram previstos alguns mecanismos para
a proteção individual em relação ao Estado. O Código de Hammurabi (1690 a.C.) talvez
seja a primeira codificação a consagrar uma lista de direitos comuns a todos os homens,
tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a família, prevendo, igualmente, a
supremacia das leis em relação aos governantes. Ainda segundo Moraes (2000), se for
considerada uma perspectiva filosófico-religiosa, a influência sobre a gênese dos
direitos do homem pode ser encontrada também na propagação das idéias de Buda,
basicamente sobre a igualdade de todos os homens (500 a.C).
De acordo com Araújo Filho (1997), vários estudos sobre a necessidade da
igualdade e liberdade do homem foram desenvolvidos na Grécia, destacando-se as
previsões de participação política dos cidadãos e a crença na existência de um direito
natural anterior e superior às leis escritas, definida no pensamento dos sofistas e
estóicos (por exemplo, na obra Antígona – 441 a.C -, Sófocles defende a existência de
normas não escritas e imutáveis, superiores aos direitos escritos pelo homem). Contudo,
foi o Direito Romano quem estabeleceu um complexo mecanismo de interditos visando
proteger os direitos individuais em relação aos arbítrios estatais. A Lei das doze tábuas
pode ser considerada a origem dos textos escritos consagradores da liberdade, da
propriedade e da proteção dos direitos do cidadão (Araújo Filho, 1997). Posteriormente,
a forte concepção religiosa trazida pelo Cristianismo, com a mensagem de igualdade de
todos os homens, independentemente de origem, raça, sexo ou credo, influenciou
diretamente a consagração dos direitos fundamentais, enquanto necessários à dignidade
da pessoa humana.
Na concepção de Trindade (2002), a história dos direitos do homem deve ser
considerada a partir de uma ótica histórico-social, na medida em que dessa forma busca-
se a compreensão de como e por que as diversas forças sociais interferiram,
cronologicamente, no sentido de estimular ou retardar (ou mesmo modificar) o
desenvolvimento e a efetiva prática dos direitos humanos. Assumir tal postura implica,
segundo o autor, em se questionar os motivos que levaram ao surgimento da
enumeração e proposta de garantia dos direitos do homem somente no final do século
XVIII, em países do hemisfério ocidental e na forma e conteúdos especificamente
assumidos. Este mesmo questionamento é feito por Bobbio (2004), que acrescenta à
perspectiva histórico-social a dimensão filosófica. Neste sentido, os eventos sociais
deixam de ser considerados apenas a partir de sua narrativa e alinhamento temporal,
para se tornarem indícios reveladores de um processo, sendo considerados como algo
orientado para um fim. A partir das justificativas desses autores, a origem da luta pelos
direitos do homem deve ser buscada então na Europa Medieval (cuja população
representava a grande maioria da população mundial), quando a sociedade estava
organizada numa estrutura feudal, caracterizada pelas relações de subordinação, pelo
temor aos dogmas da Igreja Católica e pelo desmedido absolutismo monárquico.
Em meio a este contexto, o advento da Peste Negra, em meados do século XIV,
fez sucumbir cerca de um terço dos europeus, resultando numa escassez de mão-de-obra
para o trabalho nas grandes propriedades de terra. Com a redução do número de
trabalhadores, paulatinamente tornou-se perceptível a conseqüente valorização da mão-
de-obra e sua importância para a sociedade, o que produziu constantes combates dos
plebeus contra a nobreza e o clero (classes que dispunham de inúmeros privilégios, tais
como: isenção tributária, direitos aos melhores cargos políticos, posse da maioria e das
melhores propriedades de terra). Em meio a tais conflitos, uniu-se à plebe uma categoria
que vinha, aos poucos, adquirindo força econômica na sociedade, a burguesia
(Trindade, 2002). Era a burguesia quem sustentava economicamente a estrutura
medieval, fosse através de empréstimos concedidos aos monarcas ou através da
fabricação de artigos de luxo e artefatos de guerra consumidos pelos nobres. Contudo,
os burgueses não gozavam de benefícios nem representatividade política, uma vez que
tais regalias eram concedidas, por direito de nascimento, aos nobres.
O exemplo mais forte da organização social fundamentado numa estrutura
feudal era a França às vésperas da Revolução de 1789. Sua população era composta por
servos e pessoas livres. Estas últimas eram representantes do Primeiro, Segundo e
Terceiro Estados, que se ocupavam, cada um, de atividades específicas. Efetivamente, o
sustentáculo social era o Terceiro Estado, que não gozava dos mesmos direitos e da
representatividade dos outros dois estados e era, sobretudo, quem arcava com a maioria
dos deveres (Tosi, 2003). Mediante reivindicações da burguesia, classe que também
compunha o Terceiro Estado, títulos e privilégios puderam ser adquiridos mediante
pagamento de taxas ao monarca. Óbvio que estas aquisições foram contestadas pelo
Primeiro e Segundo Estados (clero e nobreza, respectivamente).
Somaram-se a essa configuração social: crises agrícolas (que levaram ao
aumento dos produtos de consumo básico entre os trabalhadores), crises fiscais
(decorrentes da participação da França na guerra americana contra a Inglaterra, o que
ocasionou o alocamento de 50% dos recursos do tesouro para pagar juros da dívida
pública), a crise política (em virtude da luta contra a derrubada do sistema absolutista) e
a crise econômica. Esta última, associada à crise fiscal, acarretou a falta de recursos
financeiros nos cofres públicos. Todos esses fatores contribuíram, conjuntamente, para
que a situação se tornasse insustentável e nascessem clamores por reivindicações pelos
direitos (Trindade, 2002). Como citado anteriormente, a questão da luta pelos direitos
na França esteve ligada a acontecimentos em dois outros territórios: a Inglaterra e os
Estados Unidos. Assim, considera-se relevante destacar, portanto, como os contextos
destes países articularam-se aos ideais da Revolução Francesa de 1789, que teve seu
ápice com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada em agosto do
mesmo ano.
No cenário inglês, o conflito entre monarca e burgueses havia-se solucionado no
século XVII, mas baseado numa trajetória de muitos embates. Em 1215, por exemplo,
os barões ingleses impuseram ao rei João Sem Terra a Magna Charta Libertatum, que
restringia os poderes reais e conferia liberdade a todos os homens do reino (excetuando-
se os servos). Ainda assim a burguesia sentia-se em desvantagem, tanto é que em 1628
foi assinada a Petition of Rights, segundo a qual as decisões do rei estavam
subordinadas ao Parlamento. Somente com a Revolução Gloriosa, em 1688, o
Parlamento (liderado por burgueses e nobres), com apoio das classes populares,
conseguiu destituir o monarca, substituindo o absolutismo por uma monarquia
constitucional (Araújo Filho, 1997; Trindade, 2002).
Depois dessa revolução, foi assinado o Bill of Rights, uma “Declaração de
Direitos” que reiterou os direitos individuais, instaurou a liberdade de imprensa e
impulsionou a iniciativa econômica. A Inglaterra possuía muitas colônias e grandes
extensões de terra nas quais se cultivava algodão. Em pouco tempo, formou-se uma
classe operária econômica e juridicamente livre, que passou a vender, por baixo preço,
sua força de trabalho. Acrescentando o incremento tecnológico à abundância em mão-
de-obra, a Inglaterra assumiu a liderança na substituição das manufaturas pela indústria
mecanizada, transformando-se numa potência econômica e abrindo espaço para o
desenvolvimento do Capitalismo (Tosi, 2003).
As transformações na sociedade inglesa do século XVIII vieram beneficiar,
sobretudo, a burguesia. À classe operária restava apenas compor o exército reserva de
mão-de-obra. Em momento algum se buscou estender a consciência dos direitos para o
âmbito social, uma vez que, todos os acordos até então assinados, defendiam os direitos
econômicos dos burgueses. Na tentativa de fugirem dessas condições de sobrevivência,
muitos súditos ingleses decidiram partir para a América, que embora fosse colônia da
Inglaterra, era a esperança de prosperidade e liberdade.
Para os europeus, havia mais liberdade individual na América, uma vez que os
fundamentos do feudalismo não haviam sido implantados neste território. A sociedade
colonial aí instalada tornava-se cada vez mais complexa. Ainda de acordo com Tosi
(2003), o interesse político era crescente, sobretudo pelo fato de os súditos brancos das
treze colônias terem direito ao voto censitário. Ao mesmo tempo em que eram
submissos à metrópole, os colonos buscavam adquirir autonomia no território norte-
americano. Quando a partir de 1764, o Parlamento inglês tentou instituir taxas sem o
prévio consentimento dos colonos, estes sentiram como se seus direitos fossem
violados. Desde então, estabeleceu-se um clima de revolta: a cada tentativa da
metrópole de aplicar tributos às treze colônias, a população reagia. A culminância das
rebeliões veio em 1776, com a Declaração de Independência dos Estados Unidos da
América, ressaltando-se que, durante este período, os norte-americanos tiveram o apoio
econômico e militar dos franceses.
Segundo Trindade (2002), com a Declaração de Independência, veio também a
Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia, considerada a primeira declaração de
direitos dos tempos modernos. Dentre seus princípios estavam: a igualdade natural de
todos os homens e a existência de direitos inatos dos quais não podiam ser privados
(vida e liberdade enquanto meios de se adquirir propriedades e procurar obter a
felicidade), a soberania popular, proibição de privilégios que não resultassem de função
pública, sufrágio masculino (limitado aos que tinham consciência do interesse comum e
da dedicação à comunidade), vedação da prisão ilegal e de buscas ou ordem de prisão
sem prévia acusação, garantia de liberdade religiosa.
Um ano após a independência dos Estados Unidos, foi aprovada a Constituição
americana, que a princípio não incorporava uma declaração de direitos fundamentais
dos indivíduos, mas por exigência de nove das treze colônias, foram realizadas emendas
constitucionais neste sentido. Tanto as declarações quanto a Constituição americanas
eram fundamentadas na filosofia jusnaturalista, e ampliavam os direitos civis e políticos
dos cidadãos, mas novamente, assim como ocorrera na Inglaterra, não foi considerado o
aspecto social.
Abre-se este espaço para esclarecer ao leitor o significado do termo “jus
naturalista” e de outros dois que a ele se relaciona. Na perspectiva de Araújo Filho
(1997), existem três concepções para fundamentar filosoficamente os direitos da pessoa
humana: a idealista, a positivista e a crítico-materialista. Para o autor, a primeira das
concepções (também conhecida por Jus naturalismo) fundamenta os direitos humanos a
partir de uma visão metafísica e abstrata, identificando-os como imutáveis,
independente das transformações histórico-sociais. Estes direitos são considerados
naturais por se entender que se tratam de direitos inatos (inerentes à natureza humana),
que cabem ao homem pelo fato de ele ser homem. Assim, sob a ótica do Jus
naturalismo, os homens já nasceriam livres, iguais e dignos por força da lei do universo,
ou por força da lei divina, ou, ainda, por intermédio do próprio homem, que extraía os
princípios supremos de sua própria razão ou inteligência. São defensores dessa linha de
raciocínio Aristóteles, São Tomás de Aquino, Hobbes, Grócio, Spinoza, Rousseau e
Kant.
Quanto à segunda concepção, a positivista (ou Direito Positivo), Cranston
(1979) considera que se trata da filosofia fundamentada por uma perspectiva histórica.
Assim, os direitos do homem constituem uma classe variável, que se modifica à medida
que ocorrem mudanças das necessidades e interesses, inversão de classes no poder ou
transformações técnicas. Esta concepção fundamenta também os direitos do homem no
reconhecimento deles pelo Estado, através de sua ordem jurídica positiva. O
Positivismo inaugurou um novo ciclo de pensamento jus filosófico que considerava os
direitos não como produto ideal de uma ordem ou força superior ao do Estado, mas sim
como uma expressão da vontade estatal, qualquer direito somente existiria quando
previsto em lei.
Finalmente, para a concepção crítico-materialista, inspirada na obra de Marx, os
direitos considerados fundamentais, pelas declarações e constituições dos séculos XVIII
e XIX, não passavam de expressão formal de um projeto político-social e ideológico
realizado por lutas sociais no momento da ascensão da burguesia ao poder. Os direitos
seriam produto das lutas de classes.
Para Araújo Filho (1997), foi a partir dessas três concepções que se ramificaram
as diversas explicações sobre os direitos essenciais aos seres humanos, as quais
contribuíram para a sua afirmação e evolução conceitual.
Uma vez esclarecidas essas concepções, retoma-se à época da Declaração de
Independência dos Estados Unidos, em que Benjamin Franklin e Thomas Jefferson,
idealizadores desta declaração, eram embaixadores deste país na França. Isto levou à
cogitação da hipótese de que a Revolução Francesa tivesse sido influenciada pela
Revolução Americana, ou, como propôs Thomas Paine (citado por Bobbio, 2004), que a
Revolução Francesa fosse uma continuidade da Americana. Contudo, a grande crítica
feita a esta hipótese é que os objetivos em cada uma das revoluções foram distintos.
Segundo Bobbio (2004), ao verificarem-se as propostas das duas declarações
referentes às revoluções Americana e Francesa, percebe-se que elas partiram do
pressuposto da singularidade do homem: os direitos que elas proclamaram pertenciam
aos indivíduos considerados um a um, que os homens possuíam antes de ingressarem
em qualquer sociedade. Entretanto, é possível constatar que a Declaração Francesa é
mais individualista que a Americana, uma vez que os constituintes americanos
relacionaram os direitos do indivíduo ao bem comum da sociedade, ao passo que os
franceses afirmaram exclusivamente os direitos dos indivíduos.
Deixando a cargo dos historiadores o debate acerca da natureza das diferenças
entre as duas revoluções e suas respectivas constituições, retomam-se aqui os
acontecimentos do cenário francês. No ano de 1788, o rei Luís XVI convocou os
representantes dos três estados (Estados Gerais) que compunham a sociedade francesa a
fim de que fossem tomadas deliberações no sentido de resolver a crise insustentável na
qual se encontrava o país. Esta convocação era sinal evidente da fragilidade do
absolutismo monárquico. No ano seguinte, quando os três estados começaram a se
reunir, a crise havia se intensificado ainda mais (Trindade, 2002), crise esta que se
estendeu também à reunião dos estados. Deputados representantes do Primeiro e
Segundo Estado propunham a Luís XVI estratégias que beneficiavam a estes dois
segmentos, o que foi rapidamente contestado pelos deputados do Terceiro Estado. Por
fim, este último saiu como vitorioso, substituindo o título “Estados Gerais” por
Assembléia Nacional Constituinte, apresentando em 11 de julho de 1789 a primeira
versão da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a versão definitiva foi
aprovada em agosto do mesmo ano.
Numa perspectiva histórica, a promulgação desta declaração significou o fim de
uma época e o início de outra. Para o historiador Georges Lefebvre (citado por Bobbio,
2004, p.99): “proclamando a liberdade, a igualdade e a soberania popular, a Declaração
foi o atestado de óbito do Antigo Regime, destruído pela revolução”. De modo conciso,
pode-se dizer que o núcleo da declaração francesa estava contido nos seus três primeiros
artigos: condição natural do indivíduo enquanto precedente à formação da sociedade
civil; esclarecimento da finalidade da sociedade política e; justificativa acerca da
legitimidade do poder atribuído à nação. A declaração previa ainda quatro “direitos
naturais” e “imprescindíveis” do homem: liberdade, propriedade, segurança e
resistência à opressão, tratados de modo desigual ao longo dos artigos previstos.
Dentre os quatro direitos naturais, a liberdade foi o que recebeu maior espaço
dentro da declaração, ao passo que o direito da resistência à opressão só foi mencionado
quando foram enumerados os quatro direitos. Além disso, a igualdade não se configurou
como um direito natural, ela foi apenas mencionada no primeiro artigo. A Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa não considerava, por
exemplo, as mulheres como sujeitas de direitos iguais aos dos homens. O voto era
censitário e só podiam votar os homens adultos e ricos; as mulheres, os pobres e os
analfabetos não podiam participar da vida política. Deve-se também lembrar que estes
direitos não valiam nas relações internacionais. Com efeito, neste período na Europa, ao
mesmo tempo em que se proclamavam os direitos universais do homem, tomava um
novo impulso o grande movimento de colonização e de exploração dos povos extra-
europeus; assim, a grande parte da humanidade ficava excluída do gozo dos direitos
(Tosi, 2003).
A julgar pelos esclarecimentos apresentados subseqüentemente, a conclusão a
que se chega é que a igualdade proposta pela declaração francesa tratava da igualdade
civil, e não de uma igualdade social. A igualdade da Revolução Francesa era somente (e
parcialmente) a igualdade dos cidadãos frente à lei, mas o capitalismo estava criando
novas grandes desigualdades econômicas e sociais e o Estado não intervinha nesta
situação. A Declaração era um manifesto contra a sociedade hierárquica de privilégios
nobres, mas não um manifesto a favor de uma sociedade democrática e igualitária
(Trindade, 2002; Tosi, 2003). Acrescenta-se também que, desde sua aprovação até os
dias atuais, a grande crítica feita à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão é
que ela é acusada de ser excessivamente abstrata e ligada aos interesses de uma classe
particular Bobbio (2004).
As “declarações” sucessivas à de 1789 vieram posteriormente a constituir o
preâmbulo às duas Constituições elaboradas durante o período revolucionário, em
meados de 1848. Tais revoluções constituíram um acontecimento chave na história dos
direitos humanos, porque conseguiram que, pela primeira vez, o conceito de “direitos
sociais” fosse acolhido na Constituição Francesa; ainda que de forma rudimentar e
ambígua, apareceram os primeiros “direitos sociais”: a assistência pública aos pobres e
necessitados (considerada “um direito sagrado”), o trabalho, a instrução primária
universal e gratuita. Estava, assim, segundo Trindade (2002), aberto o longo e tortuoso
caminho que levaria progressivamente à inclusão de uma série de direitos novos e
estranhos à tradição liberal: direito à educação, ao trabalho, à segurança social, à saúde,
que modificariam a relação do indivíduo com o Estado. Este revolucionismo, que
influenciou as lutas operárias e populares do século XIX e XX, tomou grande impulso
com as revoluções socialistas do século XX.
A Revolução Mexicana de 1915, por exemplo, havia colocado claramente em
primeiro plano a necessidade de garantir os direitos econômicos e sociais (Tosi, 2003).
De fato, através das lutas do movimento operário e popular, os direitos sociais,
sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, começaram a ser colocados nas Cartas
Constitucionais e postos em prática, criando assim o chamado “Estado do Bem-estar
Social” (Welfare State) nos países capitalistas (sobretudo europeus) e garantindo uma
série de conquistas econômicas e sociais nos países socialistas. É oportuno assinalar que
todo o processo relativo à luta pelos direitos do homem não foi tão linear e simples
como parece no que até aqui foi exposto. Na verdade, nunca foi fácil colocar em prática,
ao mesmo tempo, os direitos de liberdade e os direitos de igualdade. Ainda assim, todos
esses movimentos reivindicatórios representaram um grande avanço para a era moderna,
sobretudo por servirem de subsídios para a promulgação da Declaração Universal dos
Direitos do Homem.
Em julho de 1945, por ocasião da constatação dos horrores advindos com as
duas grandes guerras mundiais, sobretudo a segunda, os líderes políticos das potências
vencedoras, ao temerem a eclosão de uma terceira guerra e ao mesmo tempo
tencionando a paz mundial, criaram a Organização das Nações Unidas (ONU). Visando
satisfazer as expectativas inerentes a sua criação, o primeiro ato da Assembléia das
Nações Unidas foi proclamar, em 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos
Direitos do Homem (DUDH). Apesar disto, nem todos os países membros das Nações
Unidas, à época, partilharam por inteiro das convicções expressas no documento:
embora aprovando por unanimidade, os países comunistas (União Soviética, Ucrânia e
Rússia Branca, Tchecoslováquia, Polônia e Iugoslávia), a Arábia Saudita e África do
Sul abstiveram-se de votar (Comparato, 1999). Seja como for, a DUDH, retomando os
ideais da Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade) representou a
manifestação histórica de que se formara, enfim, em âmbito universal, o
reconhecimento dos valores supremos da igualdade, da liberdade e da fraternidade entre
os homens, como ficou consignado em seu artigo I: “Todas as pessoas nascem livres e
iguais em dignidade e em direitos. São dotadas de razão e de consciência e devem agir
em relação umas às outras com espírito de fraternidade”. Desta maneira, a Declaração
Universal dos direitos humanos reafirmou o conjunto de direitos das revoluções
burguesas (direitos de liberdade, ou direitos civis e políticos) e os estendeu a uma série
de sujeitos que anteriormente estavam deles excluídos (proibindo a escravidão,
proclamando os direitos das mulheres, defendendo os direitos dos estrangeiros, etc.);
apresentou também os direitos da tradição socialista (direitos de igualdade, ou direitos
econômicos e sociais) e do cristianismo social (direitos de solidariedade) e estendeu- os
aos direitos culturais (Tosi, 2003).
3.1- O teor da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Conforme destacado anteriormente, a DUDH inicia-se com a proclamação dos
três princípios fundamentais em matéria de direitos humanos: a liberdade, a igualdade e
a fraternidade. O princípio da igualdade essencial para os seres humanos, não obstante
as múltiplas diferenças de ordem biológica e cultural que os distinguem entre si, é
afirmado no artigo II. O pecado capital contra a dignidade humana consiste, justamente,
em considerar e tratar o outro – um indivíduo, uma classe social, um povo – como um
ser inferior sob pretexto da diferença de etnia, gênero, costumes ou fortuna patrimonial.
Algumas diferenças humanas, aliás, não são deficiências, mas bem ao contrário, são
fontes de valores positivos e, como tal, devem ser protegidas e estimuladas. Como
conseqüências dessa igualdade de essência, o artigo VII reafirma a regra fundamental da
isonomia, proclamada desde as revoluções americana e francesa do século XVIII.
Na Declaração Universal dos Direitos do Homem, o princípio da liberdade
compreende tanto a dimensão política, quanto a individual. A primeira vem explicitada
no artigo XXI e a segunda nos artigos VII e XVI a XX. Reconhece-se, com isto, que
essas dimensões são complementares e independentes. A liberdade política, sem a
liberdade individual, não passaria de engodo de Estados autoritários ou totalitários
(Comparato, 1999).
O princípio da fraternidade está na base dos direitos econômicos e sociais, que a
Declaração afirma nos artigos XXII a XXVI. Trata-se de exigências elementares de
proteção às classes ou grupos sociais mais fracos ou necessitados, a saber: o direito à
seguridade social (arts. XXII e XXV); o direito ao trabalho e à proteção contra o
desemprego (art. XXIII,); os principais direitos ligados ao contrato de trabalho, como a
remuneração igual por trabalho igual (art. XXIII), o salário mínimo (art. XXIII); o
repouso e o lazer, a limitação horária da jornada de trabalho, as férias remuneradas (art.
XXIV); a livre sindicalização dos trabalhadores (art. XXIII); o direito à educação:
ensino elementar obrigatório e gratuito, a generalização da instrução técnico-
profissional, a igualdade de acesso ao ensino superior (art. XXVI).
Após enunciar, nos três primeiros artigos, os valores fundamentais da liberdade,
da dignidade e da fraternidade, e proclamar que todos os seres humanos têm direito à
vida, à liberdade e à segurança pessoal, a Declaração assenta a proibição da escravidão e
do tráfico de escravos (art. IV).
Com base nos dispositivos da Declaração que consagram as liberdades
individuais clássicas e reconhecem os direitos políticos (art. XXI), as Nações Unidas
adotaram, subseqüentemente, três convenções internacionais: uma destinada a regular
os direitos políticos das mulheres, segundo o princípio básico da igualdade entre os
sexos; a segunda versando sobre o consentimento para o casamento, a idade mínima
para o casamento e o registro de casamentos (art. XVI da Declaração) e; a terceira ,
tratando da eliminação de todas as formas de discriminação racial (Comparato, 1999).
Outro traço saliente da Declaração Universal de 1948 é a afirmação da democracia
como único regime político compatível com o pleno respeito aos direitos humanos (arts.
XXI e XXIX). O regime democrático já não é, pois, tido como uma opção política entre
muitas outras, mas a única solução legítima para a organização do Estado.
A promulgação da Declaração Universal dos Direitos do Homem foi, segundo
Bobbio (2004), a prova de que a humanidade partilhava crenças e valores comuns. Os
destinatários a quem ela se referia não eram mais cidadãos desse ou daquele Estado,
mas se tratava de todos os homens. Ainda segundo este autor, ela sintetiza um
movimento que começou com a universalidade abstrata dos direitos naturais, evoluiu
para a particularidade dos direitos positivos e culminou com a universalidade dos
direitos positivos universais. Quanto ao seu conteúdo, acredita-se que a Declaração não
se apresente numa forma definitiva, pois conforme exposto anteriormente, ela resultou
de todo um processo histórico originário das lutas e reivindicações pelos direitos do
homem.
Em relação aos avanços dos direitos, segundo Tosi (2003), após a promulgação
da Declaração foram realizadas várias conferências bem como assinados pactos e
protocolos internacionais que possibilitaram o desenvolvimento dos direitos a partir de
três tendências:
1) Universalização: à época do surgimento da DUDH, apenas 48 países aderiram
ao projeto. Hoje, quase a totalidade das nações (184 dos 192 países reconhecidos
pela Organização das Nações Unidas) está em concordância com a Declaração.
Presencia-se assim um processo pelo qual os indivíduos estão se transformando
de cidadãos de um Estado em cidadãos do mundo;
2) Multiplicação: nos últimos cinqüenta anos, a ONU promoveu uma série de
conferências específicas que aumentaram a quantidade de bens que precisavam
ser defendidos: a natureza e o meio ambiente, a identidade cultural dos povos e
das minorias, o direito à comunicação e à imagem e;
3) Diversificação: as Nações Unidas também definiram melhor quais eram os
sujeitos titulares dos direitos. A pessoa humana não foi mais considerada de
maneira abstrata e genérica, mas na sua especificidade e nas suas diferentes
maneiras de ser: como mulher, criança, idoso, doente, homossexual, etc.
Destes processos de universalização, multiplicação e diversificação dos direitos
do homem, originaram-se as gerações dos direitos. Alguns autores (Tosi, 2003;
Trindade, 2002) apresentam uma classificação reconhecendo a existência de quatro
gerações de direitos humanos. Segundo os defensores dessa classificação, cada uma das
gerações está relacionada à proteção de determinados interesses da humanidade:
- Direitos da Primeira Geração: são os relacionados à proteção da vida e da liberdade.
São as chamadas liberdades negativas, caracterizando limites à atuação do Estado frente
ao cidadão. Esses direitos surgiram principalmente com a Revolução Francesa de 1789.
Para Araújo Filho (1997), a primeira geração inclui os direitos civis e políticos: os
direitos à vida, a liberdade, à propriedade, à segurança pública, a proibição da
escravidão, a proibição da tortura, a igualdade perante a lei, a proibição da prisão
arbitrária, o direito a um julgamento justo, o direito de Habeas corpus, o direito à
privacidade do lar e ao respeito de própria imagem pública, a garantia de direitos iguais
entre homens e mulheres no casamento, o direito de religião e de livre expressão do
pensamento, a liberdade de ir e vir dentro do país e entre os países, o direito de asilo
político e de ter uma nacionalidade, a liberdade de imprensa e de informação, a
liberdade de associação, a liberdade de participação política direta ou indireta, o
princípio da soberania popular e regras básicas da democracia (liberdade de formar
partidos, de votar e ser votado, etc.);
- Direitos da Segunda Geração: são os chamados direitos de proteção social, que se
caracterizam pelo direito dos cidadãos em exigirem uma prestação positiva do Estado
para sua proteção. São as chamadas liberdades positivas dos cidadãos. São provenientes
principalmente das lutas das classes trabalhadoras, após a Revolução Industrial. A
segunda geração, na concepção de Araújo Filho (1997) inclui os direitos econômicos,
sociais e culturais: o direito à seguridade social, o direito ao trabalho e a segurança no
trabalho, ao seguro contra o desemprego, o direito a um salário justo e satisfatório, a
proibição da discriminação salarial, o direito a formar sindicatos, o direito ao lazer a ao
descanso remunerado, o direito à proteção do Estado do Bem-Estar-Social, a proteção
especial para a maternidade e a infância, o direito à educação pública, gratuita e
universal, o direito a participar da vida cultural da comunidade e a se beneficiar do
progresso científico e artístico, a proteção dos direitos autorais e das patentes
científicas;
- Direitos da Terceira Geração: a terceira geração de direitos humanos está relacionada
aos direitos de fraternidade (Tosi, 2003). Em regra não se destinam à proteção
individual, mas sim à proteção de grupos, o que se afina com as necessidades das
sociedades de massa, provenientes da urbanização das sociedades humanas. Citam-se
como exemplos: o direito à paz, ao desenvolvimento da nação, direito ao meio
ambiente, direito à solidariedade, direito do consumidor;
- Direitos da Quarta Geração: é uma categoria nova de direitos ainda em discussão e que
se refere aos direitos das gerações futuras que criariam uma obrigação para com a
geração atual, isto é, um compromisso de deixar o mundo em que se vive, melhor, se for
possível, ou “menos pior”, do que o recebido, para as gerações futuras. Também se
discute a estruturação de direitos relacionados à genética e ao pluralismo.
1.2- O debate atual sobre os Direitos do Homem.
Para Bobbio (2004), a atualidade traz grandes debates que giram em torno da
temática dos direitos do homem, um deles remete a sua fundamentação. Este debate
resulta de reflexões originadas há séculos, de acordo com as quais se buscava encontrar
um “fundamento irresistível” para o direito, ou seja, o pensamento de que existiam
direitos para os quais fosse impossível qualquer espécie de refutação. Conforme este
autor, esta busca nunca obteve êxito em função de quatro dificuldades. Primeiro, tem-se
o fato de que a expressão “direito do homem” é muito vaga. A maioria das definições é
tautológica, dizem algo apenas sobre o estatuto desejado ou proposto pelos direitos (não
fazendo referência ao conteúdo do termo), ou ainda consideram os direitos a partir de
concepções avaliativas. Segundo, porque os direitos do homem constituem uma classe
variável, ou seja, vêm se modificando em conformidade com as condições históricas, o
que é declarado como direito absoluto hoje, pode não o ser amanhã. Em terceiro lugar,
além de mal definível e variável, a classe dos direitos é também heterogênea. Noutras
palavras, os direitos apresentados na Declaração apresentam pretensões diversas e às
vezes incompatíveis, o que remete a muitos fundamentos, e não a um único fundamento
para os direitos. Finalmente, tem-se a problemática da antinomia entre algumas classes
de direitos. São antinômicos no sentido de que a realização de um impede a realização
do outro. Todavia, utilizando as palavras de Bobbio (2004, p.43), “o problema
fundamental em relação aos direitos, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de
protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político”. Um outro debate
também destacado pelo autor, é sobre o fato de os direitos serem considerados
universais ou relativos.
A luta pelo reconhecimento e a busca pela defesa e garantia dos direitos do
homem constituiu-se numa grande conquista, quando se analisa os movimentos
revolucionários e os diferentes contextos nos quais foi iniciado o debate acerca do tema.
Quando em seu discurso, autores como Tosi (2003) e Bobbio (2004) destacam a
discussão contemporânea sobre os direitos a partir de três tendências (universalização,
multiplicação e diversificação), não pretenderam considerá-las aspectos independentes,
muito pelo contrário, eles julgaram que, por muitas vezes, nas questões relativas aos
direitos do homem, as três confundiam-se entre si. Entretanto, a combinação entre elas e
a classificação dos direitos a partir de gerações possibilita a análise e a compreensão dos
direitos do homem sob diferentes aspectos, dentre os quais o mais relevante é o que
considera o homem a partir de sua singularidade enquanto representante de um grupo.
Como exemplo, os autores citam a Declaração Universal dos Direitos da Criança –
DUDC. Ao considerar a criança não mais como uma extensão de sua família, mas um
ser com direitos próprios, oponíveis, inclusive, aos de seus pais ou aos de qualquer outra
pessoa, a DUDC reconheceu-lhe todos os direitos capazes de lhe assegurar vida com
dignidade e o pleno desenvolvimento de suas potencialidades.
Considerando-se esta nova concepção de infância, serão apresentadas no
capítulo subseqüente as políticas adotas em defesa da criança e do adolescente no Brasil
e no mundo.
CAPÍTULO II _____________________________________
2- A política de assistência à criança e ao adolescente no Brasil
Segundo Osterne (1989), o marco referencial para se situar a política de
assistência à criança e ao adolescente no Brasil foi o ano de 1964. Conforme aponta a
autora, foi neste período que se deu a sistematização das diretrizes visando à aplicação
dessa política. Mas para que seja possível se compreender de que forma chegou-se a tal
configuração, convém apresentarem-se as origens das ações do Estado quanto à
problemática da criança e do adolescente desassistidos.
Ainda na ótica de Osterne, data de 1693 o primeiro documento registrado
relatando a primeira tentativa ligada à assistência aos menores enjeitados. O governador
da colônia na época, Paes de Sande, relatou ao rei a situação na qual se encontravam as
crianças abandonadas no Rio de Janeiro. Alegando falta de recursos, o rei transferiu a
responsabilidade por estas crianças à Santa Casa. Já em 1734, o Padre Ignácio
Mascarenhas, com consentimento do bispo a quem era subordinado, solicitou
autorização para recolher trinta órfãos pobres. Contudo, por não concordar que sua casa
ficasse sujeita à fiscalização do governador, o projeto do padre não foi adiante. Quatro
anos mais tarde, a Santa Casa do Rio de Janeiro recebeu uma doação para que fosse
criada a “roda dos enjeitados”. Este artifício tinha por finalidade inicial recolher as
crianças abandonadas, mas posteriormente passou a ser utilizado por famílias que não
tinham condições de criarem seus filhos. A política na qual se fundamentava essas
“instituições” era a caridade assistencialista, e os proventos por meio dos quais era
possível a realização do trabalho originavam-se de donativos feitos tanto pela Coroa
quanto por doações particulares. Este tipo de prática perdurou até o início da República.
No início século XX, as descobertas científicas acerca da criança e do
adolescente possibilitaram maiores inspirações para os cuidados para com a infância e a
juventude. Conseqüentemente, os projetos elaborados neste sentido passaram a ser mais
amplos. No ano de 1902, surgiu o primeiro projeto legislativo defendendo o direito da
criança e do adolescente, proposto por Lopes Trovão. Este projeto foi seguido por outra
proposta elaborada por Alcindo Guanabara, em 1906 (Osterne, 1989). No ano de 1913,
o Decreto 21.518 oficializou a criação do Instituto Sete de Setembro. Em 1917 foi
apresentada ao Senado a primeira lei que considerava como “não criminosos” os
adolescentes entre 12 e 17 anos. Já em outubro de 1927, foi aprovado o Código de
Menores, elaborado por Mello Mattos. Este código não era endereçado a todas as
crianças, mas àquelas tidas em estado de situação irregular. Em seu artigo primeiro, o
código afirmava que ele era aplicável “ao menor, de um ou outro sexo, abandonado ou
delinqüente, que tivesse menos de 18 anos de idade”.
O Código de Menores visava estabelecer diretrizes claras para o trato da infância
e juventude excluídas, regulamentando questões como trabalho infantil, tutela e pátrio
poder, delinqüência e liberdade vigiada (Oliveira e Assis, 1999). Veio, então, a
Revolução de 1930, com grandes modificações políticas, entre elas o surgimento de um
Estado autoritário, cuja Constituição editada em 1934 proibiu o trabalho para os
menores de 14 anos. Na Constituição de 1937 foi ampliada a proteção à infância e a
assistência aos casos de carência, que foi colocada sob responsabilidade do Estado.
Neste sentido foi que, em 1942, ofereceu-se à criança e ao adolescente o Serviço de
Assistência ao Menor (SAM), em substituição ao antigo Instituto Sete de Setembro.
Dentre as principais propostas do SAM estavam: sistematizar e orientar os
serviços de assistência a menores desvalidos e delinqüentes, proceder à investigação
social e ao exame médico-psicopedagógico dos menores desvalidos e delinqüentes;
deixá-los à disposição do Juízo de Menores do Distrito Federal; recolher os menores em
estabelecimentos adequados, a fim de ministrar-lhes educação, instrução e tratamento
sômato-psíquico, até o seu desligamento; estudar as causas do abandono e da
delinqüência infantil para a orientação dos poderes públicos; promover a publicação
periódica dos resultados de pesquisas, estudos e estatísticas (Oliveira e Assis, 1999).
Além do SAM, algumas entidades federais de atenção à criança e ao adolescente foram
criadas. Algumas destas instituições visavam o campo do trabalho, sendo todas elas
atravessadas pela prática assistencialista, citam-se como exemplos: Legião Brasileira de
Assistência (LBA), Casa do Pequeno Jornaleiro, Casa do Pequeno Lavrador e Casa do
Pequeno Trabalhador.
No âmbito mundial, na época em que aqui vigorava a proposta do Serviço de
Assistência ao Menor, foi promulgada a Declaração Universal dos Direitos da Criança –
DUDC -, mais precisamente no ano de 1959, o que acarretou sérios impactos na
maneira em que as diferentes nações passaram a conceber a idéia de infância. Partindo
da premissa de que às crianças é necessário que se proporcione uma proteção especial, a
DUDC trouxe a noção de que as crianças e os adolescentes necessitavam também de
cuidados e assistência especiais. Assim, a Declaração Universal dos Direitos da Criança,
inspirada na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), trouxe visibilidade à
criança, como ser humano distinto de seus pais e da família, cujos interesses podem,
inclusive, se contrapor aos desse núcleo (Marcílio, 1998). Essa nova concepção do ser
humano criança como sujeito de direitos, igual em dignidade e respeito a todo e
qualquer adulto, homem ou mulher, e merecedor de proteção especial, em virtude do
reconhecimento de seu peculiar estágio de desenvolvimento, foi a base de sustentação
da teoria que se construiu ao longo dos anos, consolidada na Convenção Internacional
sobre os Direitos da Criança, que foi adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas
em 20 de novembro de 1989. Dentre os direitos propostos pela DUDC estão: a
sobrevivência e o pleno desenvolvimento, o melhor padrão de saúde possível, direito à
educação, à convivência em família, liberdade para expressar seus pontos de vista e
receber informações, ter um nome e uma nacionalidade, ter o direito de brincar e de
receber proteção contra todas as formas de exploração sexual e de abuso sexual. A
Declaração dos Direitos da Criança e a Convenção das Nações Unidas sobre esses
direitos tiveram forte impacto internacional e junto aos governos nacionais. Depois
delas foram convocadas outras reuniões internacionais para cuidar de graves problemas
contemporâneos que afetam a vida e o desenvolvimento de milhões de crianças no
mundo todo (Marcílio, 1998).
Retomando a realidade brasileira à época da criação do SAM, o que se pôde
observar durante os anos subseqüentes de experiência foi que a inflexibilidade de uma
administração autoritária, a precariedade das instalações físicas, o despreparo dos
técnicos e dirigentes e os maus tratos aos quais eram submetidos os menores,
correspondiam a uma prática que divergia da teoria proposta inicialmente. Uma nova
tentativa de ressocialização veio então com a criação da Fundação Nacional do Bem
Estar do Menor – FUNABEM -, em 1964, com propostas mais audaciosas. A
FUNABEM tinha como objetivo formular e implantar a Política Nacional do Bem Estar
do Menor, herdando do SAM prédio e pessoal e, com isso, toda a sua cultura
organizacional. A FUNABEM propunha-se a ser a grande instituição de assistência à
infância, cuja linha de ação tinha na internação, tanto dos abandonados e carentes, como
dos infratores, seu principal foco, mas novamente foram observadas as mesmas
deficiências apresentadas pelo S.A.M. (Oliveira e Assis, 1999).
Em 1979 foi promulgado um novo Código de Menores, em substituição ao
Código de Menores de 1927. No entanto, não houve uma ruptura com a antiga linha de
arbitrariedade, assistencialismo e repressão junto à população infanto-juvenil. Esta lei
introduziu o conceito de “menor em situação irregular”, que reunia o conjunto de
meninos e meninas que estavam dentro do que alguns autores denominam infância em
“perigo” e infância “perigosa”. Esta população era colocada como objeto potencial da
administração da Justiça de Menores.
A década de 80 permitiu que a abertura democrática se tornasse uma realidade.
Isto se materializou com a promulgação, em 1988, da Constituição Federal, considerada
a Constituição Cidadã. Para os movimentos sociais que lutavam pela infância
brasileira, a década de 80 representou também importantes e decisivas conquistas. A
organização dos grupos em torno do tema da infância era basicamente de dois tipos: os
menoristas e os estatutistas (Marcílio, 1998). Os primeiros defendiam a manutenção do
Código de Menores, que se propunha a regulamentar a situação das crianças e
adolescentes que estivessem em situação irregular (Doutrina da Situação Irregular). Já
os estatutistas defendiam uma grande mudança no código, instituindo novos e amplos
direitos às crianças e aos adolescentes, que passariam a ser sujeitos de direitos e a contar
com uma Política de Proteção Integral. O grupo dos estatutistas era articulado, tendo
representação e capacidade de atuações importantes. Foi justamente esta articulação que
lançou bases para a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA -,
promulgado no ano de 1990.
A promulgação do ECA consolidou uma grande conquista para a sociedade
brasileira: era a concretização de uma lei que contemplava o que de mais avançado
havia em termos de proteção à infância e à juventude. Este novo documento alterou
significativamente as possibilidades de uma intervenção arbitrária do Estado na vida de
crianças e jovens (Marcílio, 1998). O ECA revogou o Código de Menores de 1979, bem
como a lei que criou a FUNABEM, adotando a doutrina de proteção integral, que
reconhece a criança e o adolescente como cidadãos e sujeitos de direito.
Em sua Parte Geral, o Estatuto dispôs uma série de princípios inerentes à
proteção dos interesses das crianças e dos adolescentes, abrangendo direitos
fundamentais, competência para sua aplicação, medidas quanto à convivência familiar,
ao trabalho e ao acesso à educação e cultura. Ficando clara, nesta primeira parte, a
mudança dos conceitos e do pensamento social sobre a criança e o adolescente que
vigoravam nos códigos minoristas, uma vez que a mudança da própria doutrina a ser
aplicada aos infantes buscava a proteção do cidadão em construção. Sendo crianças e
adolescentes indivíduos em situação peculiar de desenvolvimento, necessitavam de uma
proteção integral e prioritária. Neste sentido, atos irregulares cometidos por algumas
dessas duas classes não deviam mais ser encarados como problemas destes indivíduos
(a criança e o adolescente) ou de suas famílias, eram antes de mais nada um problema
social relativo às políticas públicas. Em sua segunda parte, o ECA estabeleceu as
diretrizes da política de atendimento a ser oferecida, medidas de proteção quando
direitos e garantias assegurados fossem violados, dispositivos à prática do ato
infracional e a estrutura da Justiça da Criança e do Adolescente (Marcílio, 1998). Esta
nova legislação trouxe também duas inovações no procedimento a ser adotado para a
aplicação destas normas, as quais foram a descentralização e a participação. A respeito
da descentralização, o Estatuto prevê que União, Estado e Município tenham
explicitamente definida a sua parte no trato da criança e do adolescente. A participação
está na atuação progressiva e constante da sociedade, que deve exigir o cumprimento do
Estatuto a fim de proteger seus cidadãos futuros. O ECA é reconhecido pela UNICEF
como um dos instrumentos legislativos mais avançados do mundo sobre a temática da
proteção à criança e ao adolescente, ultrapassando inclusive a Convenção das Nações
Unidas por prever uma parceria mais atuante entre governo e sociedade.
No caso das crianças e adolescentes envolvidas com atos infracionais, o ECA
apresenta em seu terceiro título as medidas sócio-educativas a serem adotadas para com
esse público. A última das medidas é a privação da liberdade, que só deve ser utilizada
quando nenhuma das outras medidas sugeridas surtirem efeito. A privação de liberdade
faz-se dentro das instituições ressocializadoras. Tópico que será abordado a seguir.
2.1- Direito do adolescente e as instituições ressocializadoras.
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA -, que trouxe consigo uma nova
concepção de criança e adolescente – considerando-os pessoas em desenvolvimento,
sujeitos de direitos e destinatários de proteção integral – apresenta no Título III
disposições quanto ao que deve ser feito nos casos em que crianças e adolescentes
cometem atos infracionais. Tais disposições versam acerca da especificação da natureza
do ato infracional, da justa aplicação de medidas sócio-educativas e da competência dos
órgãos específicos quanto à implementação e aplicação destas medidas (Volpi, 1999).
O ECA preconiza que as medidas sócio-educativas devem comportar aspectos
de natureza coercitiva, e não punitiva, bem como serem aplicadas em correspondência
com a infração, as circunstâncias sócio-familiares e a disponibilidade do programa e do
serviço. O estatuto prevê ainda que as medidas garantam a superação da condição de
exclusão, sejam operacionalizadas juntamente com a família e comunidade em geral,
assegurem a integridade do adolescente e respeitem os princípios da não-discriminação
e não-estigmatização (Volpi, 1999).
Espíndula e Santos (2004) afirmam que, conforme previsto no ECA, crianças
menores de 12 anos autoras de atos infracionais devem ser encaminhadas ao Conselho
Tutelar, a fim de que sejam aplicadas as medidas sócio-educativas cabíveis. Para os
maiores de 14 até os 18 anos, estão previstas como medidas: 1) advertência; 2)
obrigação de reparar o dano; 3) prestação de serviços à comunidade; 4) liberdade
assistida; 5) regime de semi-liberdade e; 6) privação de liberdade em estabelecimentos
específicos.
A advertência é a medida sócio-educativa considerada mais branda, pois
consiste em uma repreensão verbal, feita pelo promotor de justiça ou pelo juiz, na
presença dos pais ou responsáveis pelo adolescente, explicando-lhes a ilegalidade da
conduta praticada, bem como as conseqüências da reiteração da prática de infrações. É
importante que, para que sejam obtidos resultados efetivos, a advertência seja aplicada
ao adolescente logo em seguida à primeira prática do ato infracional, e que não seja
aplicada por repetidas vezes. A grande crítica feita a este tipo de medida é que, por ser
muito branda, ela gera no adolescente a sensação da inimputabilidade (Colpani, 2003).
A obrigação de reparar o dano caracteriza-se por, de forma coercitiva e
educativa, levar o adolescente a reconhecer o erro e repará-lo. Estabelece-se três
hipóteses de reparação: devolução da coisa, ressarcimento do prejuízo e a compensação
do prejuízo por qualquer meio. Trata-se, pois, de uma medida com caráter pedagógico,
que ensina ao adolescente o respeito por tudo que pertence às outras pessoas,
proporcionando o desenvolvimento “do senso por responsabilidade daquilo que não é
seu” (Volpi, 1999).
A prestação de serviços à comunidade é uma proposta de ressocialização do
adolescente infrator através de um conjunto de ações, como alternativa à internação.
Deve ser aplicada de acordo com a gravidade e os efeitos do ato infracional cometido, a
fim de mostrar ao adolescente os prejuízos causados pelos seus atos, sendo necessária a
colaboração da comunidade na fiscalização do cumprimento da medida. Além disso,
não pode prejudicar a rotina escolar do adolescente e deve ser aplicada em função de
suas habilidades pessoais. Favorece o desenvolvimento da solidariedade (Colpani,
2003).
Ainda de acordo com este autor, a liberdade assistida consiste em acompanhar e
orientar o adolescente, objetivando a integração familiar e comunitária, através do apoio
de assistentes sociais e técnicos especializados. Garante ao adolescente os aspectos de:
proteção, inserção comunitária, cotidiano, manutenção de vínculos familiares,
freqüência à escola, e inserção no mercado de trabalho e/ou cursos profissionalizantes e
formativos. A duração da medida é limitada a seis meses, e pode ser prorrogada,
revogada ou substituída por outra medida. Deve ser aplicada nos casos de reincidência
ou prática habitual de atos infracionais.
Uma outra medida sócio-educativa é o regime de semi-liberdade. Ele afasta o
adolescente do convívio familiar e da comunidade, sem, contudo, restringir totalmente o
direito de ir e vir, pois se destina aos adolescentes que trabalham e estudam durante o
dia e, à noite, recolhem-se a uma entidade específica na aplicação do regime de semi-
liberdade (Volpi, 1999).
Finalmente, tem-se como proposta de medida ressocializadora a internação do
adolescente. Sua aplicação só é recomendada no último dos casos, quando não houve
resultados em nenhuma das propostas citadas anteriormente. Consiste na privação da
liberdade do adolescente, estando sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade
e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento que é o do adolescente. O
tempo da internação poderá ser de, no mínimo, 6 meses e não pode exceder o prazo de
três anos, sendo que, de um modo geral, o adolescente deve ser liberado quando
completar 18 anos de idade. A exceção é para quando a medida é aplicada próximo à
maioridade, quando então, mesmo contando com 20 ou 21 anos, o jovem permanece
privado de sua liberdade. Aplica-se: aos casos mais extremos, nos quais a infração
cometida corresponde à grave ameaça ou violência à pessoa; por reiteração no
cometimento; por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente
imposta (Colpani, 2003).
A respeito das entidades responsáveis pela implementação, financiamento e
execução de cada uma das medidas descritas, faz-se, no Quadro 1, uma breve
apresentação:
Quadro 1: Especificação de competências quanto à implementação e aplicação de medidas sócio-educativas a adolescentes.
MEDIDAS UNIÃO ESTADO MUNICÍPIO
Executivo Judiciário
Advertência N A - N F E -
Reparação do dano N A - N F E -
Serviços Comunitários N A - N F E N F E
Liberdade Assistida N F A N F E - N F E
Semi-liberdade N F A N F E - N F E
Internação N F A N F E - A
N= normatiza; A= apóia; F= financia; E= executa. (Extraído de Volpi, 1999).
Conforme já mencionado, a privação de liberdade, enquanto medida sócio-
educativa, só deve ser utilizada como último recurso. Contudo, de acordo com Lima
(1999, 2006), o número de adolescentes aos quais ela é aplicada vem aumentando
consideravelmente nos últimos anos. Esta autora sugere que o aumento estabelece
ligação com o diagnóstico elaborado pelos profissionais das instituições e dos
conselhos, quando os adolescentes para lá são encaminhados. Desta forma, os
diagnósticos são realizados no intuito de justificar a aplicação da medida privativa da
liberdade. Longe de serem objetivos e imparciais, eles se tornam instrumentos
estigmatizantes, tendo em vista que são elaborados por profissionais que se deixam
influenciar por sua maneira de perceber o adolescente, por sua relação com a instituição
e com sua própria concepção de trabalho.
Em sua pesquisa, Lima (1999) constatou que devido à superlotação nas unidades
de internação e à escassez e despreparo do pessoal, os diagnósticos elaborados são
imprecisos, não deixando claro que medida sócio-educativa é a mais adequada para os
assistidos. A falta de rigor e a imprecisão não possibilitam uma ação sócio-educativa
que garanta continuidade ao longo do tempo. Desta forma, a avaliação acaba se
tornando um julgamento do indivíduo (a criança ou o adolescente), e não uma proposta
de intervenção devidamente acompanhada.
No intuito de oferecer um espaço ressocializador para os adolescentes privados
de liberdade, foi criada na década de 1970 a FEBEM (Fundação Estadual do Bem-Estar
do Menor). Cada estado contava com sua própria FEBEM e em todas elas o objetivo
geral era planejar e executar programas de atendimento às crianças e adolescentes
carentes, abandonados ou autores de atos infracionais (Guirrado, 1980). Ao menos a
nível teórico, a proposta da FEBEM era realizar trabalhos inspirados numa perspectiva
humanista, priorizando a condição do público alvo enquanto seres em desenvolvimento
e dignos de uma proteção integral. O intuito era que dentro das instituições fossem
observados aspectos como o tipo de infração cometida, a idade do indivíduo e sua
compleição física quando fossem realizados os internamentos. Pretendia-se também que
cada instituição oferecesse uma arquitetura que comportasse a demanda, assim como se
afirmava que os funcionários destinados ao cuidado das crianças e dos adolescentes
fossem preparados para tal fim.
Em documento sobre a política de funcionamento da FEBEM, segundo Guirrado
(1980), é esclarecido que os assistidos por esse tipo de instituição não deveriam ser
vistos como despesas de custeio, mas como um investimento útil e promissor. De
acordo com essa autora, no decorrer do discurso apresentado pelo documento, as
crianças e os adolescentes atendidos pelas FEBEM eram vítimas do consumismo, da
estrutura de suas famílias, da falta de preparo dos profissionais nas escolas, enfim,
vítimas da sociedade de um modo geral. Daí a necessidade do surgimento de
instituições ressocializadoras que atendessem as suas necessidades básicas de: amor e
compreensão, educação, profissionalização, segurança social e recreação.
Embora tenha sido declarado por seus responsáveis que a proposta das FEBEMs
seriam orientadas pela filosofia humanista, o que se percebeu nos anos posteriores a sua
criação foi uma discrepância entre a teoria e a prática. A incoerência entre normatização
e ação ficou mais visível depois da promulgação do Estatuto da Criança e do
Adolescente (Espíndula & Santos, 2004; Lima, 2006). Na concepção das autoras o
ambiente da FEBEM sempre foi caracterizado pela realização de práticas
fundamentadas no tradicionalismo, no autoritarismo, na violência e exploração de
crianças e adolescentes. Quando surgiu o ECA, numa tentativa de ruptura com essa
atuação tradicional, tentando-se garantir os direitos fundamentais das crianças e dos
adolescentes (sobretudo os de classes mais desfavorecidas), o que se percebeu, de fato,
foi que a realidade no contexto institucional tinha continuado o mesmo.
As constatações feitas no interior dessas instituições mostravam, conforme Volpi
(1999) que muitos dos internos não deveriam estar privados de liberdade. A ineficácia
na aplicação e execução das medidas sócio-educativas era evidente. E a medida que
mais crianças e adolescentes eram privados de liberdade de modo arbitrário, um outro
problema ficava evidente: a superlotação nas dependências institucionais. Ainda
conforme Volpi, as internações não respeitavam o princípio da observância à natureza
da infração, idade dos internos e sua compleição física. Também este autor observou
que muitos adolescentes ficavam privados de sua liberdade mais tempo do que era
previsto, e a estrutura física da instituição não era preparada para comportá-los. Isso
para não citar o fato de que os profissionais, no trato com o adolescente e sua família,
usavam práticas discriminatórias.
De acordo com Espíndula e Santos (2004), o próprio significado do termo
FEBEM (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) trazia em si um conteúdo
discriminatório, pois para a maioria da população, a palavra “menor” estava associada
às crianças e aos adolescentes oriundos das classes mais pobres. Foi por isso que com a
criação do ECA, a FEBEM passou a se chamar FUNDAC (Fundação da Criança e do
Adolescente). Além da mudança no nome, a instituição passou por modificações em sua
estrutura interna, visando à garantia e cumprimento dos direitos e deveres previstos no
ECA. Posteriormente, também em função do caráter discriminatório, os termos “menor
delinqüente” e “menor infrator” foram substituídos por “crianças e adolescentes em
conflito com a lei” e posteriormente para “crianças e adolescentes em ressocialização”.
Ao que tudo indica, a transição da proposta de uma doutrina de situação
irregular para uma doutrina de proteção integral, prevista pelo ECA, não tem
apresentado bons resultados em todas as instituições ressocializadoras. Em um estudo
realizado por Lima (2006) em São Paulo, por exemplo, a autora verificou que embora a
direção da instituição tenha aderido a práticas contrárias ao uso da violência física
contra o adolescente, os funcionários mais antigos ofereceram resistência à mudança,
justamente por já terem arraigadas em seu cotidiano práticas de caráter punitivo e
violento. Quanto aos funcionários mais novos, embora comungassem das idéias
inovadoras propostas pela direção, não se sentiam à vontade para expressarem um
posicionamento crítico frente à instituição.
Em face dessas práticas dos funcionários, torna-se relevante salientar que existe
um documento a ser utilizado como norteador para os funcionários de instituições
ressocializadoras. Trata-se do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos –
PNEDH – (Brasil, 2006). Neste documento, é proposto que o sistema de segurança deve
ser voltado para a promoção e fortalecimento dos direitos humanos, sobretudo porque a
realidade tem demonstrado a necessidade em se avançar para que os agentes de justiça
sejam, de fato, protetores dos DH. As decorrentes denúncias de violência institucional
são indícios da urgência de realização de formações profissionais e mudanças
estruturais. A educação em DH para esses profissionais deve viabilizar uma mudança de
mentalidade desses agentes quanto suas práticas profissionais. O PNEDH prevê ainda
que as atividades de formação e estruturação busquem resgatar a auto-estima dos
funcionários, garantam interdisciplinaridade nas ações de educação em direitos
humanos, respeitem aos saberes e práticas culturais e regionais, bem como serem
diferenciadas em função da profissão dos funcionários (Brasil 2006).
Mesmo existindo este plano, o que se percebe na realidade é um paradoxo
quanto à teoria. Em um mapeamento realizado a pedido do Ministério da Justiça (IPEA,
2002), foi elaborado um perfil das instituições de ressocialização brasileiras e dos
adolescentes por elas atendidos. O mapeamento teve como objetivo principal levantar as
políticas estaduais de atendimento sócio-educativo aos adolescentes em conflito com a
lei, bem como a estrutura de atendimento das unidades de aplicação de medidas de
privação de liberdade. Buscou-se, sobretudo, saber quais mudanças foram
implementadas no atendimento sócio-educativo visando o cumprimento do que
propunha o ECA.
Quanto à atual situação das instituições ressocializadoras, o mapeamento mostra
a realização de modificações nas dependências de algumas instituições. Contudo,
problemas relacionados à superlotação, resultante da fragilidade do sistema de aplicação
de medidas sócio-educativas não privativas de liberdade, e as práticas nos moldes da
antiga FEBEM ainda persistem, o que causa motins e rebeliões geradores de mortes dos
adolescentes. Outrossim, o espaço das instituições continua sendo considerado
inadequado para a permanência dos adolescentes, e não há conservação e limpeza de
suas dependências. Além disso, os investimentos realizados voltam-se para a questão da
segurança dentro da instituição, reforçando a idéia de que as medidas aplicadas aos
adolescentes são norteadas por princípios carcerários, e não sócio-educativos (IPEA,
2002).
O mapeamento mostra também que quanto à educação escolar, 99% das
unidades oferecem o Ensino Fundamental e 63% oferecem o Ensino Médio. A maioria
o faz através da inserção de escolas públicas dentro das unidades. Contudo, Assis e
Constantino (2005) alertam para o fato de que embora os índices quanto à educação
aparentemente tenham passado por melhoras, alguns aspectos necessitam ser avaliados
sob uma ótica mais cautelosa: a relação entre a escola e a unidade, o despreparo dos
educadores para lidar com a demanda, a falta de estímulo dos próprios adolescentes e a
defasagem em relação à série e idade. Problemas quanto aos cursos profissionalizantes
oferecidos dentro das instituições também foram identificados. De acordo com os
resultados, muitos desses cursos não estavam atendendo às necessidades do mercado de
trabalho fora das instituições.
Outros resultados apresentados a partir do mapeamento dizem respeito à:
precariedade no sistema de saúde voltado para o atendimento aos adolescentes; ausência
de programas desenvolvidos em parceria com a família e a comunidade, no caso da
primeira, a participação restringe-se às visitas semanais; dificuldade da realização de
atividades de caráter esportivo e cultural, em função da inadequação na estrutura física;
ausência de atividades relacionadas à integração do egresso na sociedade, tendo em
vista que nem eles nem seus pais conseguem traçar metas para a fase que sucede à saída
deles da instituição (IPEA, 2002).
Em relação ao perfil dos adolescentes atendidos por essas instituições, o
mapeamento revela que: existe no Brasil cerca de 10 mil adolescentes privados de
liberdade, os quais, na maioria (90%) são do sexo masculino, de 16 a 18 anos de idade
(76%), da raça negra (mais de 60%), não trabalhavam antes de cometerem a infração
(49%), viviam com a família antes do delito (81%), não freqüentavam a escola (51%),
eram usuários de drogas (86%), e consumiam, majoritariamente, maconha (67,1%),
cocaína/crack (31,3%), e álcool (32,4%). Os principais delitos praticados por esses
adolescentes foram: roubo (29,5%); homicídio (18,6%); furto (14,8%); e tráfico de
drogas (8,7%).
No estado da Paraíba, no qual foi desenvolvida a pesquisa que originou a
presente dissertação, os resultados não se distanciam do panorama nacional (Zenaide,
2002): dos 199 adolescentes que cumpriam medida de privação de liberdade, 195 eram
do sexo masculino, 68% foram declarados pardos, um maior número de adolescentes se
concentraram no intervalo de 16 a 18 anos (78%), apresentaram defasagem quanto à
escolaridade quando observadas suas idades, eram usuários de drogas (sobretudo a
maconha, 59%) e a infração mais cometida foi o roubo (50%) seguido pelo homicídio
(22%).
De acordo com Zenaide (2002), a FUNDAC dispunha de três unidades de
internação no estado, sendo que a situada na capital apresentava mais problemas, dentre
eles: a superlotação, rebeliões dos adolescentes, escassez no abastecimento de água e
inadequação da estrutura arquitetônica. Atualmente, a nova gestão da instituição adota
uma política inspirada na prática da não violência contra o adolescente, buscando
amenizar o problema da superlotação e mantendo sob controle as rebeliões. Maiores
informações a respeito das facilidades e dificuldades quanto à realização do
atendimento aos adolescentes serão fornecidas no capítulo “Resultados” da presente
dissertação.
Visando atualizar a caracterização das instituições ressocializadoras, a Comissão
Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB (CNDHCF) realizou em
2006 uma série de visitas às instituições de todo o país.
Segundo relatório elaborado pela CNDHCF (2006), a organização e
funcionamento das instituições ressocializadoras do Brasil, numa perspectiva geral,
apresentavam um verdadeiro descumprimento das propostas previstas no ECA em
vários aspectos. Primeiramente, observa-se que havia unidades, como no estado da
Bahia, nas quais eram constatados casos de adolescentes que há dois anos estavam em
internamento provisório, quando o prazo máximo estabelecido por lei é de 45 dias
detido. Outro aspecto que também chamou a atenção dizia respeito ao fato de que em
quase 60% das Unidades de Internação os adolescentes fizeram reclamações de serem
vítimas de espancamentos, tendo sido, inclusive, observadas lesões em seus corpos. Em
relação a esses maus tratos, os adolescentes acusaram os educadores sociais ou policiais
militares.
O relatório elaborado pela CNDHCF (2006) mostra ainda a precariedade
existente no atendimento jurídico aos internos: as unidades oferecem um número
insuficiente de defensores públicos e são registrados casos em que o defensor não visita
a unidade e que o único contato entre este profissional e os adolescentes acontece
durante as audiências. Dentre outras constatações registradas pode-se mencionar:
reclamações quanto à forma com que é realizada a revista das visitas (desnudamento,
inclusive de bebês), violação das correspondências dos internos, ausência ou escassez
do acesso aos meios de comunicação, precariedade na assistência à saúde (incluindo-se
ausência de programas), administração de psicotrópicos aos adolescentes e registros de
homicídios e suicídios dos internos.
De modo sucinto, o quadro a seguir retrata os principais aspectos observados
pela CNDHCF (2006). Os resultados demonstram a situação de descaso e desrespeito
aos direitos dos adolescentes institucionalizados.
Quadro 2: Caracterização das Unidades de Internação segundo relatório elaborado pela CNDHCF Adaptado de Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB (2006)
Os resultados de outras pesquisas realizadas no Brasil também convergem com
os que foram até aqui apresentados. Priuli e Moraes (2007) fizeram um levantamento
dos dados de adolescentes privados de liberdade na cidade de São José do Rio Preto
UF
Denúncias de espancamento
Falta de escolarização
Falta de profissionalização
Alojamento precário e/ou superlotado
Ausência de assistência jurídica ou defensoria
Precariedade ou inexistência de atendimento à
saúde
SP X - X X X X RJ X - X - X X MG X X X X X X ES X - - X X X PR - X X X X X SC - - - X X X RS - - - X - X AC - - X X X - AM X - - X X X PA X X X X X X RO X - X X X - RR - - - X - - MT X - - X X X MS - - - X - X GO X - - X X X DF X - - X X X BA X X X X X X CE X - X X - - PB X - - X - X PE X - - X X - PI - - X X - X SE X X X X - X
(SP) e chegaram ao mesmo perfil de adolescente encontrado pelo mapeamento
encomendado pelo Ministério da Justiça. Em seu estudo junto a policiais militares no
estado do Rio de Janeiro, Lucena (2000) concluiu que as infrações mais cometidas pelos
adolescentes, bem como as drogas por eles mais utilizadas, foram, na opinião dos
policias, as mesmas apontadas a nível nacional.
Além destes, outros estudos também vêm sendo realizados no sentido de se
verificar a consonância entre o serviço oferecido pelas instituições de ressocialização e
as prerrogativas previstas pelo ECA. Espíndula e Santos (2004) realizaram uma
pesquisa com os assistentes de desenvolvimento social nas instituições de
ressocialização no Recife (PE) e concluíram que os agentes tinham uma representação
diferenciada dos adolescentes institucionalizados e os adolescentes ditos “normais”. O
que se relacionava à crença dos agentes de que a privação de liberdade dos adolescentes
deve-se à ausência de uma estrutura familiar. Na perspectiva desses funcionários a
continuidade da desestrutura após a saída do adolescente da instituição contribui na sua
não recuperação.
Também na cidade do Recife (PE), Oliveira (2007) realizou um estudo junto a
profissionais que atendiam a adolescentes no programa Liberdade Assistida. Em seu
estudo, a autora verificou que para aqueles funcionários, o atendimento aos adolescentes
era caracterizado por inúmeras dificuldades: escassez de recursos financeiros, cobranças
na realização de um trabalho que por vezes não atendia às expectativas dos familiares
dos adolescentes e da sociedade de um modo geral, insuficiência de programas
escolares e também profissionalizantes para os adolescentes, desarticulação entre as
redes de atendimento ao adolescente e a ausência de parecerias com a comunidade.
Ainda segundo Oliveira (2007), os profissionais do programa denunciaram uma
precariedade das políticas públicas, uma vez que o ECA é uma lei que precisa de
dispositivos para sua efetivação. A autora constatou que, para os participantes, o
preconceito da sociedade para com os adolescentes envolvidos em atos infracionais foi
apontado como um fator que dificultava a reinserção dos adolescentes. Quanto à
realização do trabalho pelos profissionais, foi observada uma descrença quanto à sua
eficácia, uma vez que a família foi mencionada como um verdadeiro entrave aos bons
resultados, tendo em vista que a instituição família foi concebida como o ambiente
primário para a socialização e o que se observava na realidade dos adolescentes
atendidos era um contexto de total desestrutura, o que também foi observado por
Espíndula e Santos (2004).
Em uma outra pesquisa realizada junto a funcionários de instituições
ressocializadoras, Lima (1999) constatou que, no Rio de Janeiro, os profissionais
apresentaram uma representação negativa dos adolescentes em conflito com a lei e não
apresentaram uma visão coesa acerca da função e da política adotada dentro da
instituição ressocializadora.
Em face desses resultados, questiona-se: quais as representações que têm os
funcionários de instituições ressocializadoras acerca dos direitos dos adolescentes
internos? As práticas que eles dizem desenvolver dentro das instituições estão de acordo
com essas representações? Esses funcionários estão, de fato, preparados para educar os
adolescentes em direitos humanos? Para auxiliar na busca das respostas para essas
indagações, serão apresentados no próximo capítulo: a Teoria das Representações
Sociais, a perspectiva psicossociológica de Willem Doise (1994, 1998, 1999, 2002a,
200b), bem como resultados de pesquisas desenvolvidas no campo dos direitos
humanos dentro da Psicologia.
CAPÍTULO III _____________________________________
3- A Teoria das Representações Sociais
A Teoria das Representações Sociais (TRS) teve sua origem a partir da década
de 1960, quando da publicação da obra “La Psychanalyse, son Image et son Publique”,
de autoria de Serge Moscovici. Na concepção de Farr (1994), a teoria resulta de uma
apropriação e da conseqüente modificação do conceito de representação coletiva
elaborado por Durkheim.
Atribui-se a Durkheim a origem do conceito de representação coletiva, que foi
quem iniciou estudos sobre representações individuais e coletivas, vinculados à idéia da
construção de uma ciência de base essencialmente sociológica. Em Durkheim (citado
por Moscovici, 2003), a representação é coletiva porque conduz todos os membros de
um grupo, a pensarem e agirem uniformemente, dando uma idéia de homogeneidade.
Na perspectiva de Moscovici (2003), ao propor a noção de representações
coletivas, Durkheim designou as categorias de pensamento, através das quais
determinada sociedade elaborava e expressava sua realidade, demonstrando deste modo,
a especificidade do pensamento social em relação ao pensamento individual. Em
contrapartida, a respeito da representação individual, Durkheim considerava ser esta
“um fenômeno puramente psíquico, irredutível à atividade cerebral que o permite”. Para
o autor, estas representações teriam origem nas relações estabelecidas entre o conjunto
dos indivíduos associados, sendo as representações coletivas independentes e exteriores
às consciências individuais, isto é, existentes no conjunto e exteriores ao particular,
como fatos sociais (Farr, 1994).
Durkheim (citado por Moscovici, 2003) via as representações como artifícios
irredutíveis a qualquer análise, sendo, portanto, formas estáveis de compreensão
coletiva, formas de regulação social. Ainda sob o ponto de vista de Durkheim, as
representações coletivas seriam constituídas por uma diversidade de formas intelectuais
as quais incluíam a ciência, religião, mito, modalidades de tempo e espaço, entre outras,
sendo que algumas delas exerciam sobre os indivíduos, uma espécie de coerção para
que atuassem em determinado sentido. Em oposição a esse pensamento, Moscovici
(2003) defende que as representações não podem ser consideradas como algo dado, nem
podem servir como variáveis explicativas, considerando assim as representações sociais
como um fenômeno de caráter dinâmico, “operando em um conjunto de relações e de
comportamentos que surgem e desaparecem, junto com as representações”.
Neste sentido, Cabecinhas (2004) ressalta o motivo da mudança terminológica
presente na obra de Moscovici (de representação coletiva para o conceito de
representação social): a justificativa está na diversidade da origem tanto dos indivíduos
quanto dos grupos. É devido a esta diversidade que se dão interações sociais nas quais
os indivíduos transformam o que é individual em social e vice-versa. Portanto, as
representações são sociais porque são partilhadas na heterogeneidade da diferenciação
social.
Moscovici (citado por Farr, 1994) afirma que a noção de representação coletiva
de Durkheim descreve, ou identifica uma categoria coletiva que deve ser explicada ao
nível da Psicologia Social e considera mais adequado, num contexto moderno, estudar
representações sociais do que estudar representações coletivas. O conceito de
representação coletiva é resgatado na TRS, porém Moscovici vai além, no sentido de
entender as representações não apenas como fatos observáveis e conceitos, mas sim
como fenômenos sociais. As sociedades modernas são caracterizadas pelo seu
pluralismo e pela rapidez com que as mudanças econômicas, políticas e culturais
ocorrem. É aqui que surge a noção de representação social de Moscovici, que
moderniza a ciência social ao substituir representações coletivas por representações
sociais, a fim de tornar a ciência social mais adequada ao mundo moderno. Sintetizando,
as representações coletivas cedem o lugar às representações sociais porque as primeiras
não têm em conta a sua diversidade de origem e a sua transformação.
Na opinião de Moscovici (2003), há três formas pelas quais as representações
podem tornar-se sociais: 1) sendo partilhadas pelos membros de um grupo sem terem
sido produzidas por ele. Estas representações caracterizam-se por serem hegemônicas e
prevalecem em todas as práticas simbólicas; 2) configurando-se como produto da
circulação de conhecimento e de idéias de grupos que estão em contacto mais ou menos
próximo. Cada grupo cria as suas próprias versões e partilha-as com os outros. Estas são
representações emancipadas, com certo grau de autonomia e por último; 3) provenientes
de um conflito ou controvérsia social e que não são partilhadas pela sociedade no
conjunto. Estas representações controversas devem ser consideradas no contexto de uma
oposição ou luta entre grupos.
Segundo Moscovici (2003) as representações sociais são definidas como:
“um conjunto de conceitos, proposições e explicações originado na
vida cotidiana no curso de comunicações interpessoais. Elas são o
equivalente, em nossa sociedade, aos mitos e sistemas de crenças
das sociedades tradicionais e, atualmente, podem ser vistas como o
saber do senso comum”.
Ainda segundo o autor, as representações sociais têm como função contribuir
exclusivamente nos processos de formação de conduta e de orientação das
comunicações sociais. As representações sociais, enquanto formas de conhecimento
prático, são responsáveis ainda por outras duas funções: a função afetiva e a função
cognitiva. A primeira situa os indivíduos dentro do campo social dando proteção e
legitimação dentro da especificidade dos grupos, enfatizando a elaboração de estratégias
coletivas ou individuais para a manutenção das identidades ameaçadas. A função
cognitiva possibilita transformar o estranho, potencialmente ameaçador, em algo
familiar.
De acordo com Moscovici (2003) as representações sociais devem ser analisadas
a partir de três dimensões: 1) informação – refere-se à organização dos conhecimentos
que um determinado grupo possui relativamente ao objeto representado; 2) campo de
representação – consiste na abrangência da representação, remetendo à idéia de
imagem, de modelo social, ao conteúdo concreto e limitado das proposições referentes a
um aspecto preciso do objeto da representação e; 3) atitude – refere-se à relação que se
estabelece com o objeto da representação social. É a articulação entre estes três
conceitos (informação, campo de representação e atitude) em meio ao processo de
comunicação que permite às representações explicarem como o novo é produzido nos
processos de interações sociais e como, por sua vez, estes geram as representações.
A compreensão das representações está também ligada a uma cuidadosa análise
do contexto no qual estão inseridos os indivíduos, tendo em vista que elas são
historicamente construídas e vinculam-se a diferentes grupos socioeconômicos,
culturais e étnicos que exprimem, cada um, suas representações em meio às práticas
cotidianas (Franco, 2004; Moscovici, 2003).
Na formação das representações sociais intervêm dois processos sócio-
cognitivos fundamentais (Moscovici, 2003), os quais estão intrinsecamente ligados e
são influenciados por fatores sociais: a objetivação e a ancoragem.
A objetivação, fase figurativa da representação, consiste em reproduzir um
conceito em uma imagem, é tornar real um esquema conceitual (Moscovici, 2003).
Refere-se a como se organizam os elementos constituintes da representação e ao
percurso através dos quais tais elementos adquirem materialidade. O processo de
objetivação envolve três fases distintas. Na primeira fase, as informações e as crenças
acerca do objeto da representação sofrem um processo de seleção e descontextualização,
permitindo a formação de um todo relativamente coerente, o qual depende das normas e
dos valores grupais. A segunda corresponde à seleção das informações pertinentes a
determinados objetos ou situações para organizar uma imagem do objeto coerente
(formação do núcleo figurativo). A última etapa da objetivação é a naturalização, na
qual o núcleo figurativo formado se constitui como categoria natural, adquirindo
materialidade. Ou seja, os conceitos tornam-se equivalentes à realidade e o abstrato
torna-se concreto (Cabecinhas, 2004; Moscovici, 2003; Spink, 1993).
A ancoragem, fase simbólica da representação, é um processo pelo qual procura-
se classificar o que não é familiar (ou o que é novo) em um conjunto de categorias
usuais, isto é, o enraizamento no social de crenças, valores, modelos etc., que se tem
como referência na relação com o objeto. Por meio do processo de ancoragem se
confere uma significação a um dado objeto representado, de acordo com a cultura do
grupo de pertença e/ou de referência. Desta forma, o objeto adquire materialidade,
proporcionando o enraizamento social da representação social e de seu objeto. O
processo de ancoragem precede e sucede à objetivação. Enquanto processo que antecede
a objetivação, refere-se ao fato de qualquer tratamento da informação exigir pontos de
referência, sendo a partir das experiências e dos esquemas já estabelecidos que o objeto
da representação é pensado. Enquanto processo que sucede à objetivação, a ancoragem
permite compreender a forma como os elementos representados contribuem para
exprimir e constituir as relações sociais (Cabecinhas, 2004; Moscovici, 2003).
O estudo das representações sociais caracteriza-se por uma grande pluralidade
metodológica, temática e conceitual. Para Farr (1994), um dos aspectos que caracteriza
a pesquisa em representações sociais é o fato dela não privilegiar nenhum método de
pesquisa específico. A questão da metodologia deve estar ligada à questão dos níveis de
análise.
Em relação à forma como os psicólogos sociais orientam suas investigações,
Doise (2002) distingue quatro níveis de análise e aponta para a necessidade da
articulação entre estes níveis. Assim, para Doise (2002), a pesquisa nas representações
sociais deve-se caracterizar pelo uso articulado de diferentes níveis de análise. A seguir
será apresentada a visão desse autor sobre as representações e sua contribuição para os
estudos dos direitos humanos.
3.1- A teoria psicossociológica de Doise e os estudos desenvolvidos na área dos
Direitos Humanos.
No âmbito da Psicologia Social, a temática dos direitos humanos, enquanto
representações sociais, encontra na abordagem psicossociológica de Willem Doise
(1998, 2001, 2002a, 2002b) sua maior contribuição.
Doise (2002a) sugere que a análise dos dados e dos objetos teóricos nos estudos
em Psicologia Social pode ser realizada a partir de quatro níveis. No primeiro nível, o
intra-individual, encontram-se os modelos que se dedicam ao estudo de como os
indivíduos organizam suas experiências com o meio ambiente. Nesses modelos, a
interação entre o indivíduo e o ambiente social é negligenciada. O segundo nível, o
inter-individual, trata dos modelos que descrevem o modo como os indivíduos
interagem numa dada situação, não tomando em consideração as diferentes posições que
estes possam ocupar fora dessa situação. O terceiro nível, o posicional ou intergrupal,
leva em consideração as diferentes tomadas de posições ocupadas pelos atores sociais
em meio às relações sociais. Os modelos que adotam este nível focalizam a dinâmica
das relações que os grupos sociais mantêm com os outros grupos, sendo os fenômenos
sociais dependentes da identificação dos indivíduos com esses grupos. Finalmente, o
último nível, o ideológico ou societal, ocupa-se dos sistemas de crenças, representações,
avaliações e normas sociais. Neste sentido, na opinião de Doise (2002a), o estudo das
representações sociais, enquanto objeto de estudo da Psicologia Social, envolve
diferentes níveis de análise e beneficia-se da sua articulação.
Doise (2002a) considera ainda que os estudos sobre representações sociais
iniciados por Moscovici constituem, atualmente, o maior subsídio para a construção de
uma psicologia societal, uma vez que propõem uma relação entre os sistemas cognitivos
complexos do indivíduo e o simbolismo das interações sociais. De modo semelhante,
Pereira e Camino (2003) consideram que a teoria das representações sociais seja a
abordagem mais apropriada para se estudar os direitos humanos, pois independente da
perspectiva adotada, os DH apresentam-se na consciência dos indivíduos como
realidades concretas, ou seja, é um tema sobre o qual as pessoas ouvem e presenciam
em seu cotidiano.
Definindo as representações enquanto “princípios organizadores das relações
simbólicas entre indivíduos e grupos”, Doise (2002a, p.30) considera que seu estudo
recorre a três hipóteses: a primeira – organização do campo representacional – considera
que diferentes membros de uma determinada cultura partilham efetivamente certas
crenças comuns em relação a um determinado objeto social. Isto porque as
representações são construídas em meio às relações de comunicação, que por sua vez
implicam na existência de padrões de referências ou orientações comuns aos indivíduos.
Desta forma, o estudo dos DH, enquanto representações sociais, requer a observação de
tais orientações, a fim de que seja possível identificar uma base comum aos direitos e de
que forma esta base está organizada. A segunda hipótese – princípios organizadores das
diferenças individuais – refere-se à natureza das tomadas de posições individuais. Doise
(2002a, 2002b) acredita que as relações entre as diferenças individuais e as
representações sociais não devem ser desconsideradas. Para o autor, as variações nas
tomadas de posição são organizadas de forma sistemática. Assim, estudar essas
diferenças proporciona explicações referentes à como os indivíduos assumem diferentes
posicionamentos frente aos direitos do homem. A terceira e última hipótese considera a
ancoragem dos princípios organizadores das representações. Esta análise é realizada de
três modos diferentes: investigando a ancoragem das representações nas atitudes
individuais (nível psicológico), estudando a influência da pertença dos indivíduos nos
grupos sociais sobre as representações (nível sociológico) e, analisando o
posicionamento ideológico dos grupos sociais (nível psicossociológico).
Em vista das proposições anteriormente apresentadas, conclui-se que, para Doise
(2002a), os direitos humanos são considerados representações sociais normativas
construídas ao longo das gerações. Orientados por essa definição e pelos níveis de
análise, Doise e colaboradores vêm desenvolvendo vários estudos sobre os direitos
humanos utilizando como base o conteúdo da Declaração Universal dos Direitos do
Homem – DUDH – (Clémence, Doise, De Rosa & Gonzalez, 1995; Doise & Herrera,
1994; Doise, Staerklé, Clémence, & Savory, 1998; Doise, Spini, & Clémence, 1999;
Doise, 2002a).
Num estudo cujos objetivos eram definir os princípios organizadores, o consenso
e a variabilidade no campo representacional dos direitos do homem, bem como
identificar as ligações desses princípios às posições individuais em domínios próximos,
Clémence, Doise, De Rosa e Gonzalez (1995) aplicaram um questionário em jovens
com idades entre 13 e 20 anos de quatro diferentes países. O instrumento dispunha de
questões que versavam sobre a percepção da violação dos direitos. Os dados foram
analisados em três momentos: no primeiro, foi observado o que era considerado como
base comum na organização da representação das violações dos direitos do homem, no
segundo, foram analisadas as variações inter-individuais e no terceiro foi realizada uma
ligação com as variáveis de ancoragem. Os autores verificaram que, para os
participantes dessa pesquisa, foram consideradas violações dos direitos do homem: o
racismo, as privações graves, os maus tratos às crianças e as violações de direitos
jurídicos formais. Estes resultados demonstraram um consenso entre os participantes
dos diferentes países quanto ao que foi considerado como uma violação dos direitos do
homem, uma vez que a percepção de violação obedecia a uma hierarquia partilhada. A
respeito das modulações individuais, Clémence et al. (1995) identificaram três
tipologias de indivíduos: os indivíduos que apresentaram uma visão alargada dos
direitos, os que apresentaram uma visão restritiva e os de visão atípica. Os participantes
da tipologia de visão alargada posicionaram-se em favor da proteção do indivíduo
contra as autoridades, mesmo reconhecendo seu papel regulador. Os da segunda
tipologia atribuíram maior poder ao governo, acatando suas normas e cultivando uma
concepção mais fatalista da realidade. Finalmente, os da tipologia atípica posicionaram-
se menos favoráveis perante a defesa das liberdades públicas.
Em outra pesquisa realizada com estudantes da cidade de Genebra, Doise e seus
colaboradores (Doise, Staerklé, Clémence & Savory, 1998) buscaram verificar o
conhecimento desses jovens sobre os DH. Foi utilizado um questionário no qual era
solicitado aos participantes que mencionassem os direitos lembrados bem como
julgassem o que consideravam como um bom ou um mau exemplo de direito numa
escala de quatro pontos. Os direitos que compunham essa parte do questionário
baseavam-se nos artigos da DUDH. Os resultados obtidos através de uma Análise
Fatorial dos Componentes Principais demonstraram que os direitos citados pelos
estudantes organizavam-se em quatro diferentes fatores: os direitos concretos, direitos
fundamentais, direitos à recusa e direitos públicos. Os autores observaram uma relação
entre o progresso na socialização (considerada no estudo como o ano escolar cursado
pelo aluno) e o aumento no número de direitos citados. E mais: conforme a série escolar
aumentava, mais os estudantes passavam da citação de direitos concretos para os mais
abstratos, relacionados ao bom funcionamento da sociedade.
No intuito de verificar a existência da ligação entre o senso comum sobre os DH
e o conteúdo da DUDH, Doise e Herrera (1994) realizaram uma outra pesquisa na
cidade de Genebra com 96 profissionais de quatro categorias: jornalistas, estudantes de
uma escola superior, estudantes universitários e funcionários de um rede de televisão.
Os resultados demonstraram que, de um modo geral, 40,00% dos participantes
evocaram direitos que podiam ser relacionados com algum artigo da Declaração
Universal dos Direitos do Homem. Foram observadas freqüências mais elevadas nas
citações aos artigos relacionados com as liberdades públicas e políticas (liberdade de
pensamento, de religião, direito à livre associação), os princípios fundamentais
(igualdade em dignidade e não discriminação), os direitos da pessoa (direito à vida e
interdição da escravidão e da tortura), os direitos econômicos sociais e culturais
(segurança social, direito ao trabalho, direito ao repouso, direito à educação, direito à
vida cultural) e as relações entre pessoas e grupos (direito à vida privada, à livre
circulação, à nacionalidade, ao casamento, etc.). Ao se comparar a taxa de evocação de
cada artigo, Doise e Herrera (1994) não observaram muita diferença entre os quatro
grupos sócio-profissionais: jornalistas e universitários evocaram mais o artigo
relacionado à tortura quando comparados aos demais e os universitários demonstraram
uma maior sensibilização pelo direito à vida do que os outros grupos.
Spini e Doise (1998) realizaram uma investigação com o objetivo de identificar
os princípios organizadores da representação de estudantes sobre seu envolvimento com
os direitos humanos. Os resultados revelaram que a responsabilidade sobre o
cumprimento dos direitos foi representada pelos estudantes através de duas dimensões:
governamental-pessoal (quando consideravam a pessoa a quem era atribuída a
responsabilidade) e abstrato-concreto (quando se consideravam o nível de
comprometimento). A combinação das duas dimensões resultou em quatro princípios
organizadores: pessoal-concreto, governamental-concreto, pessoal-abstrato e
governamental-abstrato. Analisando as respostas dos participantes a partir desses
princípios, Spini e Doise (1998) concluíram que os participantes julgaram que, de um
modo geral, o governo era quem, de fato, mais se envolvia com os direitos humanos.
Para Doise (2002b), os resultados de todos esses estudos confirmam que a
DUDH constitui-se como uma referência importante nas atuais representações que se
tem sobre os direitos humanos e que fatores como experiências sociais, crença na
eficácia para se fazer respeitar os direitos e atitudes do tipo liberal ou coletivista
interferem na modulação individual dos posicionamentos no campo dos direitos.
No Brasil vêm sendo desenvolvidos estudos que corroboram em grande parte os
achados de Doise e colaboradores, assim como também têm sido realizados outros de
natureza inovadora, que buscam apreender informações não contempladas por seus
precursores. A seguir, são apresentados brevemente essas pesquisas.
Fernandes e Camino (2006) realizaram uma pesquisa com estudantes
secundaristas da cidade de João Pessoa, estado da Paraíba. De acordo com os resultados,
observaram que: a televisão foi apontada pela maioria dos participantes como a
principal fonte de informação sobre os DH, seguida pela família e pela escola; embora
tendo ouvido falar sobre os direitos, os estudantes, em sua maioria, tiveram dificuldades
em definir o que era um direito; os direitos mais citados pelos estudantes foram os
direitos sociais (educação, moradia saúde, trabalho) e os individuais (ser respeitado,
direito à cidadania, ao voto, à segurança). Constataram ainda que, segundo os
respondentes, algumas informações vinculadas pela televisão reforçavam a idéia de que
os DH só serviam para proteger bandido. Os resultados desse estudo assemelharam-se
ao de Doise e Herrera (1994) no que diz respeito aos direitos citados pelos participantes,
mas compreende uma inovação na medida em que procurou averiguar que definição do
termo “direito” era formulada bem como através de quais fontes os entrevistados tinham
ouvido falar sobre o tema. Em vista desses resultados, as autoras consideraram que era
importante analisar os programas televisivos, a fim de verificar o conteúdo que estava
sendo veiculado.
Um outro estudo foi desenvolvido por Pereira e Camino (2003) com
universitários paraibanos visando identificar as representações sociais sobre
envolvimento dos universitários com os DH e a relação dessas representações com o
posicionamento político dos estudantes. A análise dos dados demonstrou a existência
das duas dimensões associadas à responsabilidade pelo cumprimento dos direitos
encontradas por Spini e Doise (1998): a governamental-pessoal e a abstrato-concreto.
Os estudantes paraibanos, embora atribuíssem ao governo brasileiro, no nível abstrato,
um maior grau de responsabilidade na aplicação dos DH, consideraram-se, no nível
concreto, mais envolvidos que o governo. Resultado semelhante foi observado por
Camino, Camino, Pereira e Paz (2004) e por Pereira, Ribeiro e Cardoso (2004). Mesmo
considerando que faziam mais do que o governo, os estudantes julgaram que deveriam
fazer mais pelos direitos do que efetivamente faziam. Ambas as pesquisas contrariam os
resultados encontrados por Spini e Doise (1998), no qual a responsabilidade pelo
cumprimento dos direitos, a nível concreto, foi atribuída ao governo. O fato dessa
diferença ocorrer apenas no nível concreto, segundo Pereira e Camino (2003), pode
estar relacionada à história política do Brasil, a qual é marcada por uma imagem
negativa cultivada acerca do governo brasileiro ou por representações difundidas
segundo as quais os países de Primeiro Mundo dão mais importância aos direitos que os
países de Terceiro Mundo.
Adotando os pressupostos teóricos de Doise (2002), Camino (2004) realizou uma
pesquisa com 160 estudantes, com idades variando de 8 a 18 anos, sendo 60 crianças e
60 adolescentes, de escolas públicas e privadas da cidade de João Pessoa. Os objetivos
da pesquisa foram: verificar o desenvolvimento da concepção dos direitos humanos da
infância até o final da adolescência, quais os direitos citados espontaneamente pelas
crianças e adolescentes e como eles se organizavam e quais os princípios organizadores
desses direitos.
Quando questionados sobre os direitos que eles conheciam, os participantes
mencionaram, de um modo geral o direito à Educação, ao Lazer, à Alimentação e à
Moradia. A respeito da fonte do conhecimento acerca dos direitos, a autora verificou a
existência de uma diferença entre os dois grupos de participantes: as crianças, mais do
que os adolescentes, disseram receber informação sobre os direitos através da Família
em contrapartida, os adolescentes afirmaram que o conhecimento acerca dos direitos era
transmitido através da Mídia e da Escola. Em relação às diferenças encontradas entre os
tipos de escola, os estudantes da rede pública, mais do que os da rede privada, disseram
que aprenderam sobre os direitos sozinhos. Já os estudantes da rede privada,
mencionaram a Mídia como fonte de conhecimento. Em relação à pergunta “Você sabe
o que é ter um direito?”, foram observadas diferenças significativas entre os grupos de
idade. As crianças, mais do que os adolescente, deram respostas do tipo Não Pertinentes
(respostas em branco, sem sentido e tautológicas) e Pouco Pertinentes (respostas nas
quais foi ressaltada uma perspectiva restrita e individual sobre os direitos), enquanto
que as adolescentes deram respostas do tipo Pouco Elaboradas (respostas nas quais foi
apresentada uma visão um pouco mais generalizada dos direitos) e Bem Elaboradas
(respostas nas quais foi apresentada uma visão mais alargada e universal dos direitos).
Ainda em estudo de Camino (2004), foi apresentada aos estudantes uma lista de
18 direitos retirados da Declaração dos Direitos da Criança, sendo-lhes solicitado que
marcassem numa escala de 5 pontos o grau de importância atribuído a cada direito. Os
escores referentes às respostas dos participantes aos dezoito direitos possibilitaram a
realização de uma análise fatorial dos componentes principais. Os resultados desta
análise mostraram a existência de três fatores que eram responsáveis por 40,60% da
variância total.
Outro estudo desenvolvido por Camino (2008) foi realizado com adolescentes de
três diferentes contextos sociais – estudantes, adolescentes em ressocialização e
adolescentes em situação de rua – a fim de averiguar se o contexto influenciava no
conhecimento desses jovens sobre seus direitos, a quem era atribuída a responsabilidade
pela garantia dos direitos e qual a fonte de informação sobre os DH, segundo os
participantes. Para os adolescentes, os direitos mais conhecidos foram: o direito à
educação, à alimentação, ao lazer e à moradia, direitos estes que se relacionam com
algum dos artigos da DUDH. Os participantes, de um modo geral, não souberam definir
o termo “direito”, citando, no máximo, respostas pouco elaboradas ou mencionando
exemplos de direitos. Quando questionados sobre onde ou com quem tinham ouvido
falar sobre os direitos, os adolescentes citaram, principalmente, a mídia, a escola e a
família. Finalmente, com relação à responsabilidade atribuída à garantia dos direito,
Camino (2008) verificou que: os estudantes, mais que os adolescentes dos outros
grupos, indicaram o Governo como sendo o mais responsável pela garantia dos direitos;
os adolescentes que cumpriam medida sócio-educativa atribuíram esta responsabilidade,
sobretudo, aos Pais; e, os adolescentes que passavam o dia na rua indicaram, mais que
os outros adolescentes, que nenhuma das três instituições (Governo, Pais e Escola)
garantia o respeito a esses direitos. Assim como no estudo de Doise e Herrera (1994), os
direitos citados pelos participantes dessa pesquisa estabeleceram alguma ligação com
algum dos artigos da DUDH. Com relação à responsabilidade atribuída à garantia dos
direitos, os resultados do estudo de Camino (2008) demonstraram que apenas o grupo
dos adolescentes estudantes considerou o Governo como o principal responsável por
essa garantia, o que também foi observado entre os estudantes da pesquisa de Spini e
Doise (1998).
Camino, Galvão, Rique e Camboim (2006) realizaram uma pesquisa com 60
adolescentes que passavam os dias nas ruas, 52 crianças e adolescentes que viviam em
um abrigo e 60 adolescentes em situação de ressocialização. Os principais objetivos do
estudo eram: verificar se os participantes sabiam o que é ter um direito, quais os direitos
conhecidos e a fonte deste conhecimento. Quanto ao conhecimento dos direitos, a
maioria das crianças e adolescentes que passavam os dias na rua disse que não sabia o
que era ter um direito; o oposto foi observado no grupo das crianças e adolescentes do
abrigo e dos adolescentes em ressocialização, embora estes participantes tenham
demonstrado uma dificuldade em definir o termo direito. Dentre os que alegaram saber
quais eram os direitos conhecidos, nos três grupos, o direito citado com maior
freqüência foi o direito à educação. Em relação à fonte do conhecimento, a maioria dos
adolescentes em condição de rua citou os Professores e a Escola como fonte deste
conhecimento, o que também foi observado entre as crianças e adolescentes do abrigo;
já para os adolescentes em ressocialização, a própria Instituição Ressocializadora foi
indicada como a principal fonte deste conhecimento. Os resultados dessa pesquisa
ampliaram a proposta de Doise e Herrera (1994), Doise et al. (1998) na medida em que,
além do conhecimento sobre o tema, buscou também identificar as fontes sobre o
conhecimento dos DH e que definição era dada ao termo.
Ainda sobre a questão do conhecimento dos direitos, Galvão, Da Costa e
Camino (2005) realizaram um estudo junto a adolescentes que cumpriam medidas
sócio-educativas em duas diferentes instituições. Os autores verificaram que os
adolescentes possuíam um conhecimento restrito dos direitos, uma vez que só citaram
14 diferentes tipos de direitos, os quais estavam relacionados a 10 artigos da DUDH.
Dentre esses direitos, os mais citados nas duas instituições foram: trabalho, liberdade e
educação. Além disso, os participantes também denunciaram direitos que, na sua
concepção, não eram respeitados dentro das instituições, tais como: direito à assistência
médica, às visitas dos familiares, a atividades recreativas, bem como o relato dos maus
tratos.
Diferente das pesquisas realizadas por Camino et al. (2004, 2005, 2008),
Gouveia (2007) realizou um estudo com adultos, funcionários de um abrigo. Nesta
pesquisa, verificou que, para os participantes de sua pesquisa, os DH tinham três
significados: eram algo inerente aos seres humanos, eram vistos como direitos dos
cidadãos e eram considerados como o que proporciona bem estar ao ser humano. Os
funcionários consideraram ainda que se empenhavam na aplicação e respeito aos
direitos, mas julgaram também que o empenho poderia ser maior e que tanto o governo
quanto os cidadãos e a sociedade, de um modo geral, eram responsáveis pela promoção
e defesa dos DH. Também quanto à promoção e defesa dos DH, os funcionários
entrevistados por Gouveia (2007) afirmaram que isto poderia ser feito mediante o
respeito aos direitos humanos, o aumento dos recursos materiais dentro da instituição
abrigo, através do empenho e do comprometimento profissional e por meio de uma
maior conscientização junto aos funcionários e sociedade em geral sobre os DH. A
autora verificou ainda que os funcionários mencionaram que dentre as ações praticadas
por eles dentro do abrigo, aquelas que mais demonstravam o cumprimento dos direitos
eram: a promoção do desenvolvimento das crianças, o afeto direcionado a elas, o
trabalho realizado com as famílias e o comprometimento profissional. Outro aspecto
mencionado pelos funcionários era que a instituição não colaborava na construção da
identidade das crianças atendidas porque elas não tinham direito à interação, construíam
uma imagem negativa do abrigo, eram tratadas de forma impessoal e havia escassez de
recursos materiais. Em linhas gerais, a autora concluiu que o serviço prestado às
crianças do abrigo distanciava-se das propostas de respeito aos direitos humanos.
Num estudo realizado com professores de escolas públicas e privadas, com o
objetivo de conhecer a concepção desses educadores sobre os DH, Paz (2008) observou
que: os direitos foram definidos como uma conquista da cidadania, o complemento dos
deveres e como algo que satisfazia as necessidades humanas. A autora constatou ainda
que foram citados 126 tipos de direitos, os quais podiam ser classificados em direitos
sociais e direitos individuais.
Em linhas gerais, as pesquisas apresentadas tiveram como objetivo verificar o
conhecimento dos DH, identificar quais definições eram atribuídas ao termo bem como
através de que meios se tinha ouvido falar sobre os direitos, a quem era atribuída a
responsabilidade pela garantia dos DH, identificar os princípios organizadores da
representação sobre o envolvimento com os direitos e identificar através de que
estratégias os direitos poderiam ser promovidos e defendidos.
Os resultados dos estudos aqui apresentados apontaram para a existência de um
conhecimento universalizado sobre os direitos, na medida em que se observou que os
direitos citados foram semelhantes em diferentes amostras, variando, sobretudo, na
freqüência em que foram mencionados. Isso demonstra que, de certa forma, existe um
empenho quanto a sua divulgação. A respeito dessa divulgação, observou-se que as
principais fontes apontadas como responsáveis pela transmissão do conhecimento sobre
os DH foram a mídia, a escola e a família. Contudo, observa-se também que essa
divulgação não se dá de modo satisfatório, acarretando a construção de concepções
restritas e discriminatórias, como no caso da concepção de que os DH servem apenas
para defender presos e bandidos.
No decorrer da apresentação dos estudos empíricos voltados para a temática dos
direitos humanos, observou-se também haver uma diferenciação entre as populações a
respeito da responsabilidade concreta e abstrata atribuída à garantia dos DH. Nos países
de primeiro mundo a população atribuiu maior credibilidade ao governo no que se
refere à responsabilidade dessa garantia, ao passo que nos países de terceiro mundo
constatou-se que era a própria população quem mais fazia pela garantia dos direitos. A
respeito de se tomar iniciativas e realizar práticas que garantam o respeito e a promoção
dos DH, os resultados demonstraram a existência de uma escassez em recursos
materiais e humanos, embora as pessoas reconhecessem que deveriam fazer mais pelos
direitos humanos.
Com base na teoria psicossociológica de Doise e nos trabalhos empíricos aqui
mencionados, procurou-se realizar um estudo no qual fosse possível verificar o que os
funcionários de uma instituição para adolescentes em processo de ressocialização
relatavam sobre os direitos humanos e sua prática profissional. Assim, a realização do
presente estudo baseou-se na necessidade de aprofundar determinadas questões surgidas
a partir das pesquisas realizadas e possibilitou a elaboração dos objetivos a seguir:
- Objetivo Geral:
- Apreender as representações referentes à concepção e prática de funcionários de uma
instituição de ressocialização acerca dos direitos humanos.
- Objetivos Específicos:
Verificar:
- o conhecimento dos funcionários acerca do Estatuto da Criança e do Adolescente e dos
Direitos da Criança e do Adolescente;
- a quem os funcionários atribuíam a responsabilidade pela garantia dos direitos a nível
concreto e abstrato;
- como os funcionários julgavam que era desenvolvida sua prática profissional;
- como os funcionários pensavam que devia ser sua capacitação em direitos humanos;
- como os funcionários pensavam que devia ser a educação em direitos humanos para os
adolescentes privados de liberdade.
CAPÍTULO IV _____________________________________
4- Método
4.1- Delineamento da pesquisa
Trata-se de um estudo de campo ex-pos facto.
4.2- Descrição do lócus da pesquisa
A instituição na qual se realizou o presente estudo foi uma instituição de
ressocialização, situada na cidade de João Pessoa, que atendia a adolescentes do sexo
masculino com idades entre 12 e 18 anos. Quanto à estrutura física, dispunha de três
dependências que apresentavam condições de superlotação para as quais eram
encaminhados os adolescentes. Havia também uma sala reservada a momentos de
“reflexão” para os internos que descumpriam as normas da casa. À época da realização
desta pesquisa, a instituição contava com 177 funcionários, sendo 67 ligados à
FUNDAC e 111 ligados a empresas prestadoras de serviço terceirizado.
Dentro da instituição, os adolescentes tinham acesso à educação tanto no período
matutino quanto no vespertino, as classe eram organizadas por ciclos de ensino. Havia
também uma enfermaria, na qual eram tratados os casos considerados mais “leves”, os
quadros mais graves eram encaminhados a hospitais localizados na própria cidade. Para
facilitar o acesso ao atendimento odontológico, estava sendo construído um consultório
para tal fim nas dependências da instituição. A instituição dispunha também de um
auditório no qual eram realizados os grupos operativos com os adolescentes, assim
como reuniões com seus familiares e comemoração de datas festivas. Havia ainda salas
destinadas a atendimentos individuais aos adolescentes pelas psicólogas, assistentes
sociais e advogadas. Existia um pátio o qual era destinado às aulas de Educação Física,
à realização de torneios esportivos e ao banho de sol. Dentro da instituição, os
adolescentes tinham direito a cinco refeições diárias, mas os familiares também podiam
levar outro tipo de alimento para os internos, por meio das visitas, que aconteciam nas
quartas-feiras.
Durante o período que antecedia a realização das entrevistas, observou-se a
presença de muitos adolescentes aparentemente jovens (entre 12 e 14 anos) que foram
apreendidos. Segundo relato dos próprios funcionários, estes mesmos adolescentes eram
os maiores responsáveis pelo alto índice de reincidência registrado na instituição. Os
delitos nos quais estavam envolvidos eram principalmente pequenos furtos. Em
conversas informais com os funcionários, foram registradas muitas informações que
diziam respeito à rotina da instituição: uso de drogas trazidas pelos familiares e
facilitadas por alguns funcionários, relatos sobre episódios homossexuais, a construção
de armas artesanais pelos adolescentes, o grande número de adolescentes que morreram
após saírem da instituição, o sensacionalismo da imprensa que depreciava o trabalho
desenvolvido pela equipe, dentre outros.
Como era de se esperar, alguns funcionários não consentiram em participar da
pesquisa. Os que participaram, demonstraram muita receptividade às entrevistas, alguns
inclusive fizeram indicações bibliográficas de material a ser consultado para maiores
esclarecimento acerca da política de atendimento à criança e ao adolescente.
Finalmente, um fato que chamou a atenção, se relacionou à ausência de notícias
vinculadas na mídia acerca de rebeliões e homicídios no período da realização desta
pesquisa. Quadro este que se distancia bastante do ambiente observado por Galvão
(2005) quando realizou seu estudo na mesma instituição. Para os funcionários, o
aparente clima de tranqüilidade devia-se “à política adotada pela nova direção” (sic).
4.3- Participantes
Participaram deste estudo 47 funcionários de uma instituição de ressocialização
da cidade de João Pessoa, sendo 33 do sexo masculino (70,21%) e 14 do sexo feminino
(29,78%).
4.4- Instrumentos
Foi realizada uma entrevista dividida em vários segmentos (Apêndice 1). Do
primeiro – Parte I – constavam os dados sócio-demográficos dos participantes. Do
segundo – Parte II -, a Técnica de Associação Livre de Palavras (TALP). A TALP foi
validada em pesquisas de Representações Sociais por Di Giacomo (1986) e De Rosa
(1988). É um tipo de técnica que possibilita uma investigação aberta estruturada com
base na evocação de respostas dadas mediante um ou mais estímulos indutores. Esses
estímulos possibilitam o surgimento de universos semânticos de palavras que reúnem
grupos de pertença, tendo como fator contribuinte o aparecimento e a utilização de
elementos implícitos, ocultos ou latentes, que seriam perdidos ou mascarados em
produções discursivas. No caso do presente estudo, os estímulos indutores utilizados
foram dois: estímulo 1, Direitos Humanos e estímulo 2, Direitos da Criança e do
Adolescente.
Dos demais segmentos constavam: a Parte III, que continha questões sobre os
direitos humanos e os direitos da criança e do adolescente (direitos conhecidos, fonte de
conhecimento dos direitos, quem é responsável por sua garantia, educação em direitos
humanos) e a Parte IV, que apresentava questões versando sobre uma educação voltada
para os direitos humanos.
4.5- Procedimentos
4.5.1- Ético
Inicialmente, foi solicitada autorização da FUNDAC – entidade responsável pela
instituição ressocializadora – e em seguida encaminhou-se para o Comitê de Ética da
Universidade Federal da Paraíba a documentação a fim de se obter aval para realização
da pesquisa (ver anexos I, II e III). Tendo-se recebido o consentimento desse comitê,
houve um contato com o diretor da instituição ressocializadora no intuito de informar os
objetivos do estudo e também solicitar-lhe autorização. Após este último
consentimento, iniciou-se a pesquisa.
4.5.2- Administração
Quando foram apresentados os objetivos da pesquisa à direção da instituição,
solicitou-se permissão para que as entrevistas fossem gravadas, o que foi prontamente
concedido. Contudo, ao serem informados sobre a gravação, os participantes tiveram
receio de que o conteúdo da entrevista fosse divulgado à direção da instituição, mesmo
tendo-se garantido o sigilo quanto aos dados coletados. Desta forma, foram aplicados
questionários em situação de entrevista. As entrevistas foram realizadas individualmente
nas dependências da própria instituição, com duração média de 40 minutos.
4.5.3- Análise dos dados
A análise dos dados relativos à Técnica de Associação Livre de Palavras foi
realizada a partir das seguintes etapas: primeiramente foi construído um banco de dados.
As evocações apreendidas foram processadas pelo software Tri-Deux-Mots, que
permitiu a visualização gráfica tanto das variáveis fixas (profissão, escolaridade, sexo e
idade) bem como das variáveis emergidas a partir do sujeito (variáveis de opinião). A
análise do gráfico obtido pelo Tri-Deux-Mots deu-se através da leitura das modalidades,
que foram distribuídas sobre dois eixos de maneira oposta. Para interpretação dos
dados, foi utilizada a Análise Fatorial de Correspondência (AFC), cujo princípio básico
é destacar os eixos que explicam as modalidades de respostas, mostrando estruturas
constituídas de elementos do campo representacional. A utilização da AFC evidenciou
as relações de atração e exclusão entre os componentes representacionais dos
participantes.
As respostas às questões objetivas foram analisadas a partir do cálculo das
freqüências e percentuais observados. Em relação à análise às respostas subjetivas, foi
realizada uma Análise de Conteúdo Semântico, proposta por Bardin (1977/2000). As
categorias resultantes desta análise foram criadas por dois pares de juízes que
trabalharam isoladamente e após a classificação das respostas e uma discussão entre
apenas três juízes, permaneceram as categorias que obtiveram um consenso de, no
mínimo, 2/3 dos juízes. Houve classes de categorias elaboradas com relação a uma
determinada questão em que a resposta de um mesmo sujeito foi classificada em
diferentes categorias.
Para análise estatística dos dados, foram realizados Testes do Qui-quadrado para
uma única amostra ou para amostras independentes. Neste último caso, as respostas
foram agrupadas, segundo a função dos participantes, em dois grupos distintos: GI
(Agentes Sociais) e GII (Técnicos, os quais ocupavam os seguintes cargos: Secretárias,
Assistentes Administrativos, Arquivista, Psicólogas, Assistentes Sociais, Professores e
Enfermeiro). Cada grupo contou com o seguinte número de participantes: GI= 30 e
GII= 17. Em ambas as análises, quando o nível de significância do Qui-quadrado foi
menor do que 0,05, considerou-se que as freqüências diferiam uma das outras tomando
por base os desvios maiores que 2 entre a freqüência esperada e a obtida.
.
CAPÍTULO V _____________________________________
5- Resultados
A apresentação dos resultados seguirá a ordem em que as questões foram
apresentadas aos participantes durante a realização das entrevistas. Assim, inicialmente
serão apresentados os resultados relativos aos dados sócio-demográficos dos
participantes. Na seqüência, apresenta-se os resultados provenientes da Técnica da
Associação Livre de Palavras, seguidos pelos resultados referentes às representações
dos entrevistados sobre os direitos humanos e sobre as práticas educativas em DH.
5.1- Parte I: Dados sócio-demográficos
Conforme apresentado na Tabela 1, a caracterização sócio-demográfica mostra
que: a idade dos participantes variou de 21 a 54 anos; em sua maioria, os entrevistados
já tinham cursado o Ensino Médio e atuavam na instituição num período de 1 a 5 anos
e; as profissões dos participantes eram variadas: agente, professor, assistente social,
psicólogo, secretária, assistente administrativo, arquivista e enfermeiro.
Pretendia-se ainda entrevistar outros funcionários (diretor, vice-diretora,
advogadas), contudo, em função da falta de disponibilidade destes profissionais, em
função dos compromissos a serem cumpridos, não foi possível sua participação na
pesquisa.
A instituição dispunha também de outras categorias de profissionais (lavadeiras,
cozinheiras, pedreiros) que não foram entrevistados. Isto porque se optou pela
participação dos profissionais que mantinham um contato direto com os adolescentes.
Tabela 1: Dados sócio-demográficos de funcionários de uma instituição de ressocialização (N=47)
Profissão F % Agente Social 30
63,80
Professor 4
8,51
Assistente Social 3
6,40
Secretária 3
6,40
Assistente Administrativo 3
6,40
Psicóloga 2
4,30
Enfermeiro 1
2,10
Arquivista 1
2,10
Total 47
100,00
Escolaridade F % Ensino Médio 33
70,20
Superior 14
29,80
Total 47
100,00
Idade F % 21-25 anos 14
29,80
31-40 anos 14
29,80
> 40 anos 19
40,40
Total 47
100,00
Tempo de Atuação F % 1-5 anos 31
66,00
6-10 anos 5
10,60
> 10 anos 11
23,40
Total 47
100,00
5.2- Parte II: Técnica da Associação Livre de Palavras (TALP)
A partir dos resultados dos dados coletados na associação livre de palavras, foi
realizado seu processamento no software Tri-Deux-Mots, juntamente com as variáveis
fixas consideradas (1- profissão, 2- escolaridade, 3- sexo, 4- idade), foi possível
observar a emersão de campos semânticos sobre as representações dos direitos humanos
e dos Direitos da Criança e do Adolescente elaboradas por funcionários responsáveis
pela ressocialização de adolescentes autores de atos infracionais. A organização espacial
dos campos semânticos pode ser visualizada no Gráfico 1, o qual apresenta um plano
fatorial composto por dois fatores (F1 e F2).
O fator 1 (F1), denominado “Posicionamento frente aos direitos”, situa-se na
linha horizontal e é representado pela cor vermelha, correspondendo ao fator de maior
poder explicativo com 62,10% da variância total das respostas. Já o fator 2 (F2),
denominado “Contextualização dos direitos”, na linha vertical é representado pela cor
azul, apresenta 18,90% da variância total das respostas (Anexo V). Na totalidade, os
dois fatores apresentaram poder explicativo de 81,00% da variância.
O fator 1 foi assim nomeado porque em seu eixo emergiram elementos relativos
ao modo como os funcionários se posicionaram perante os direitos: nos dois campos
semânticos foi possível observar o reconhecimento dos direitos, entretanto, face aos
elementos evocados, observou-se que no lado direito do eixo, as representações dos
funcionários foram objetivadas a partir de uma perspectiva crítica, ao passo que no lado
esquerdo emergiram representações ancoradas num posicionamento favorável aos
direitos. A respeito desses dois posicionamentos, acredita-se que estejam ancorados nos
tipos de informação e as fontes através das quais os funcionários ouviram falar sobre os
DH. Julga-se que essas informações são as veiculadas pela mídia e o senso comum,
caracterizados por uma concepção discriminatória e sensacionalista acerca dos direitos.
Em relação ao fator 2, “Contextualização dos Direitos”, sua nomenclatura
deveu-se ao contexto em relação ao qual os funcionários reportaram os elementos
evocados. Observou-se que no lado superior do eixo, as evocações referiram-se a
direitos presentes no cotidiano dos funcionários, mas externos ao ambiente de trabalho.
Já no lado inferior do eixo, os funcionários objetivaram os direitos ancorados na sua
rotina profissional. A seguir é realizada uma apresentação mais detalhada de tais
resultados.
O fator Posicionamento frente aos direitos (F1), apresenta à sua direita o campo
semântico das representações sociais dos direitos referentes ao estímulo indutor 1:
direitos humanos. De acordo com o gráfico, as evocações dizem respeito às
representações dos funcionários que ocupavam cargos de agentes sociais, para quem os
DH foram considerados uma lei que deveria promover a igualdade e proporcionar
segurança aos cidadãos. Entretanto, na perspectiva dos agentes, o que se observava na
realidade era que esta mesma lei só servia para proteger bandido. Nessa elaboração
ficou explícito que, embora reconhecessem a existência dos direitos, os agentes não
atribuíram credibilidade à sua aplicação para todos de um modo igualitário,uma vez
que, para esses profissionais, os DH não ofereciam proteção aos cidadãos que estavam
em dia com seus deveres. Em contrapartida, no lado esquerdo do gráfico emergiram as
evocações dos profissionais que ocupavam os cargos técnicos, com nível de instrução
superior e do sexo feminino. Para esse grupo de profissionais, o primeiro estímulo
indutor fez emergir as seguintes representações: os DH enquanto uma conquista da
cidadania, sendo mais lembrado o direito ao estudo. Considera-se que estas
representações foram ancoradas numa perspectiva favorável aos direitos porque no
discurso das funcionárias emergiu a concepção de que os DH de fato existiam, mas para
que eles fossem respeitados, cabia aos cidadãos reivindicarem pela sua garantia, e a
melhor maneira de se fazer isso era buscando respaldo na educação, que foi também
apontada como uma possibilidade de mudança e melhoria na qualidade de vida
No fator Contextualização dos direitos (F2), na parte superior encontram-se as
representações sociais dos funcionários com mais de 41 anos de idade, independente do
sexo ou da sua profissão. Nesse campo, os direitos humanos foram representados nas
seguintes citações: algo inerente à condição do ser humano, mas que só existia na
teoria. Os DH emergiram ainda como uma necessidade da associação entre direitos e
deveres, como uma maneira de se proporcionar ao cidadão um maior esclarecimento no
sentido de que a garantia dos direitos viesse a ocorrer mediante o cumprimento dos seus
deveres. Outras representações de direitos humanos foram: a confusão entre direitos e
deveres e as citações dos direitos à proteção e ao trabalho. De um modo mais
específico, pode-se afirmar que na concepção desses funcionários, que são também em
sua maioria os que ocupavam o cargo de agentes, os direitos humanos eram vistos como
algo com o que eles conviviam no cotidiano fora da instituição, contudo, as inúmeras
situações de descaso das autoridades competentes para com a população de um modo
geral, geraram a idéia de que os DH só existem no papel, enquanto uma lei não colocada
em prática, tendo em vista que, embora todas as pessoas fossem sujeitos de direitos,
nem todos eram beneficiados. Constatou-se também que, embora tenha havido entre os
funcionários uma confusão entre o que era um direito e o que era um dever, também os
funcionários apontaram para a necessidade em se esclarecer aos cidadãos que para que
todos pudessem gozar de seus era essencial que todos tivessem a consciência de seus
deveres. Este pensamento relaciona-se à representação emergida no lado direito do
primeiro fator. Ou seja: os direitos existiam, mas não eram para todos.
Ainda em relação ao fator 2 (F2), na parte inferior, constam as representações
dos profissionais com idades de 21 a 30 anos, independendo do sexo ou do grupo ao
qual eles pertenciam (se agentes ou técnicos). Esses profissionais objetivaram o
estímulo indutor 1 nas citações aos direitos à liberdade, vida e lazer. O lado inferior
desse fator foi o único em todo o gráfico no qual emergiram evocações ao estímulo
indutor 2: Direitos da Criança e do Adolescente. O estímulo foi representado no direito
da criança e do adolescente ter acesso a uma moradia e de não ser discriminado.
Analisando-se todo o contexto no qual foi realizado o presente estudo, acredita-se que
essas objetivações foram ancoradas no contexto de trabalho dentro da instituição.
Segundo o discurso dos próprios funcionários, a instituição ressocializadora era melhor
do que a casa de muitos dos adolescentes internos, pois lá eles tinham direito à
alimentação, à educação, ao lazer, ao atendimento médico e estavam protegidos contra
os perigos iminentes aos seus ambientes de origem. Observou-se também que os
profissionais dessa faixa etária mencionaram o direito ao qual os adolescentes não
tinham acesso quando em processo de ressocialização, que era o direito à liberdade.
Outro aspecto que corrobora a idéia de que as evocações desse campo representacional
se relacionavam com a realidade de trabalho dos funcionários, foi que eles apontaram
que muitas vezes o trabalho da instituição não apresentava melhores resultados porque a
sociedade discriminava os adolescentes por eles terem se envolvido com atos
infracionais.
Gráfico 1: Análise Fatorial de Correspondência das RS sobre os direitos +---------------------------------------F2--------direitosedeveres1--------+ ¦ natural1 deveres1 ¦ ¦ · ¦ ¦ trabalho1 · ¦ ¦ · proteção1 ¦ ¦ · ¦ ¦ >41ANOS · teoria1 ¦ · ¦ ¦ cidadania1 · ¦ ¦ · ¦ ¦ · segurança1 leil ¦ FEMININO · AGENTES ¦ ¦ · ¦ +F1 protegebandido1¦ ¦ estudo1 · ¦ ¦ TÉCNICOS · ¦ ¦ · ¦ ¦ moradia2 liberdade1 ¦ SUPERIOR · igualdade1¦ ¦ · ¦ ¦ · nãodiscriminar2 ¦ ¦ · ¦ ¦ lazer1 · ¦ ¦ · ¦ ¦ vida1 · ¦ ¦ · ¦ ¦ · ¦ ¦ · ¦ ¦ · ¦ +--------------------------------------------------21-30anos---------------+
LEGENDA PLANO FATORIAL VARIÁVEIS DE OPINIÃO
Estímulos Indutores
F1= Eixo Horizontal à esquerda e direita, cor vermelha F2= Eixo Vertical superior e inferior, cor azul
1= Direitos Humanos 2= Direitos da Criança e do Adolescente
VARIÁVEIS FIXAS Profissão Escolaridade Sexo Faixa Etária
Agentes – em negrito Técnicos – em negrito
Nível Superior - sublinhado Masculino – negrito e sublinhado Feminino - negrito e sublinhado
20 a 30 anos – em itálico Mais de 40 anos – em itálico
Parte III (Direitos)
A apresentação dos resultados será feita considerando as respostas a cada
questão referentes às partes III e IV do questionário, que tratam, respectivamente, das
representações sobre os direitos humanos e das práticas educativas dos DH.
Todas as questões subjetivas foram categorizadas e as freqüências a essas
categorias foram analisadas com base no Teste do Qui-quadrado, tanto para uma única
amostra como para amostras independentes. Porém, os resultados do teste para amostras
independentes (diferentes grupos de funcionários) não foram significativos e, por isso,
deixaram de ser apresentados.
Os resultados referentes à terceira parte do questionário (Questão III.1 a III.9)
relacionaram-se a vários aspectos relativos às representações dos funcionários sobre os
direitos: definição, conhecimento (DH, DCA e do ECA), fonte do conhecimento,
dimensões (abstrato x concreto, governamental x pessoal), quem cuida dos DCA e
percepção da atuação das comissões de DH.
Questão III.1: Com relação aos direitos humanos, para você, o que é ter um
direito?
As respostas a esta questão possibilitaram a construção das seguintes categorias:
- Exemplos de Direitos: foram agrupadas nesta categoria as respostas dos participantes
que deram exemplos de direitos.
Sujeito 1: “O que é ter um direito é a gente ter a liberdade da gente. E, sobretudo ter o direito de ir e voltar, ter o direito, de respeitar o próximo”; Sujeito 3“O que é um direito? É poder andar livre onde quer que a gente esteja, e eu acho que a maioria dos brasileiros não tem né? Ter direito de ir e vir pra onde a pessoa quiser”; Sujeito 45: “Eu acredito que todos nós temos o direito de ir e vir a qualquer canto”.
- Não Pertinentes: esta categoria reuniu as respostas dos participantes que não
responderam ou que afirmaram não saber responder.
- Benefício: alguns participantes procuraram definir o que era ter um direito,
considerando que direito era ter acesso a algo concedido por alguém.
Sujeito 11: “Poder usufruir do que lhe é oferecido”; Sujeito 16: “É o que temos de receber, ter, de adquirir por necessidade é direito”.
- Complemento do Dever: nesta categoria foram agrupadas as respostas dos
participantes que afirmaram que ter direito significava ter antes deveres a serem
cumpridos.
Sujeito 20 “Ter direitos é também ter deveres, porque uma pessoa só pode ter direitos se ela tem deveres, caminham juntos. Uma tomada só não funciona, só funciona se tiver os dois juntos”; Sujeito 25“Ter direitos é também ter deveres”.
- Crítica aos Direitos: nesta categoria foram agrupadas as respostas nas quais os
entrevistados não definiram o termo “direito”, mas criticaram sua aplicação.
Sujeito 8: “Hoje em dia... fica difícil dizer. Hoje o ser humano tem direito a tanta coisa, mas nem sempre é beneficiado. Se for dizer o tanto de direito que tem, nem 50% é atendido”; Sujeito 28: “Os direitos humanos só serve pra bandido, porque pra gente de bem não tem direito algum”.
- Obrigação Legal: nesta categoria foram reunidas as respostas dos participantes que
definiram o termo “direito” como sendo: um dever ou questão legal.
Sujeito 47: “É tudo que a lei determina eu tenho que cumprir”; Sujeito 33: “Ter um direito é porque tá na constituição”.
A análise dos dados através do Teste do Qui-quadrado indicou que: a freqüência
a Exemplos de Direitos foi mais elevada significativamente que as demais; as
freqüências em relação às categorias Não Pertinentes, Benefício e Complemento do
Dever estavam dentro das freqüências esperadas e as freqüências às categorias Crítica
aos Direitos e Obrigação Legal estavam abaixo das freqüências esperadas.
Tabela 2: Definição do termo “direito” segundo funcionários de uma instituição ressocializadora Categoria F % Exemplos de Direitos 20
42,54
Não Pertinentes 8
17,01
Benefício 8
17,01
Complemento do Dever 5
10,64
Crítica aos Direitos 4
8,50
Obrigação Legal 2
4,25
Total 47
100,00
X²(N = 47; 5) 26,15; p = 0,00
Questão III.2: Quais direitos você conhece?
Em relação ao conhecimento dos direitos, a análise das respostas dos
participantes possibilitou a construção das seguintes categorias, que não foram
excludentes entre si:
- Saúde: nesta categoria foram agrupadas as respostas nas quais os participantes citaram
o direito à assistência médico-hospitalar e odontológica.
Sujeito 14: “Ingressar numa escola, ser atendido pelo SUS, acesso a curso superior, poder ser atendido pelo dentista, votar, lazer”; Sujeito 25: “Saúde para todos, educação, segurança”; Sujeito 22: “Direito à saúde, moradia adequada, à vida, à educação, à profissionalização, ao lazer, à cultura”.
- Liberdade: Foram agrupadas nesta categoria as repostas que se referiram a liberdade
de expressão e pensamento, como também as respostas que mencionaram o direito de ir
e vir.
Sujeito 36: “O direito da liberdade, por isso zelo para que ele não seja perdido”; Sujeito 12: “Direito de expressão, direito de ir e vir, entre outros”; Sujeito 41: “Educação, saúde, alimentação, lazer, família, emprego, liberdade de expressão”.
- Educação: as respostas reunidas nesta categoria referiram-se ao direito de freqüentar
uma escola ou ter acesso a cursos profissionalizantes.
Sujeito 17: “Na parte social educação
em primeiro lugar”; Sujeito 35: “Educação, habitação, saúde e emprego”.
- Moradia: as respostas agregadas nesta categoria apresentaram como conteúdo o
direito a uma casa, um lar.
Sujeito 11: “Direito de ir e vir, saúde, moradia, educação”; Sujeito 8: “Escola, saúde, emprego, moradia, assistência médica”; Sujeito 20: “Direito à saúde, moradia adequada, à vida, educação”; Sujeito 32: “Saúde, segurança, habitação, mas infelizmente, no sistema que a gente vive infelizmente não há”.
- Lazer: nas respostas englobadas por esta categoria foram citadas atividades recreativas
e esportivas.
Sujeito 19: “Pegar um ônibus, pegar um táxi, ir à praia, ao cinema”; Sujeito 32: “Promoção à saúde, ir e vir, esportes e lazer”.
- Segurança: nesta categoria foram reunidas as respostas em que a segurança foi
apontada como um direito do cidadão.
Sujeito 8: “Saúde, você chega nos postos e vê aquelas filas, segurança, moradia, educação (...); Sujeito 9: “Direito à paz, segurança, tranqüilidade, o principal é a paz, porque engloba tudo”.
- Trabalho: esta categoria resultou das respostas dos participantes que citaram o direito
a ter um emprego.
Sujeito 13: “Educação, trabalho, lazer, saúde, segurança, moradia”; Sujeito 21: “Direito trabalhista, um emprego, salário”.
- Alimentação: foram incluídas nesta categoria as respostas dos participantes que
citaram o direito a ter o que o comer.
Sujeito 30: “Educação, trabalho, lazer, moradia, comer”; Sujeito 15: “Trabalhar, ir e vir, ter o que comer”.
- Deveres: esta categoria reuniu as respostas dos participantes que citaram deveres como
sendo direitos.
Sujeito 40: “Direitos trabalhistas, dever de não praticar delitos, ser livre, andar”; Sujeito 23: “Ir e vir, procurar fazer o correto”; Sujeito 11: “O direito que eu conheço é o de não fazer coisa errada”.
- Família: foram incluídas as respostas dos participantes que citaram o direito a
constituição de uma família.
Sujeito 3: “Moradia, família, saúde, educação”; Sujeito 16: “Educação, saúde, alimentação, lazer, família, emprego, liberdade de expressão, etc.”.
- Vida: esta categoria englobou as respostas dos participantes que citaram o direito da
pessoa viver.
Sujeito 7: “Direito à saúde, moradia adequada, à vida, educação”; Sujeito 2: “Liberdade, vida, saúde, moradia, educação”.
- Bem-estar: foram reunidas nesta categoria as respostas dos participantes que
mencionaram o direito à paz e à felicidade.
Sujeito 10: “Direito à paz, segurança, tranqüilidade”; Sujeito 23: “Um salário, emprego, saúde, ser feliz, ter uma casa”.
- Direitos de Classes: constaram nesta categoria as respostas que indicaram direitos de
classes específicas sem especificarem que direitos eram estes, tais como os dos
trabalhadores.
Sujeito 18: “Direitos trabalhistas, dever de não praticar delitos”.
- Reivindicação: foram aglomeradas nesta categoria as respostas dos participantes que
ressaltaram o direito de se lutar por seus direitos.
Sujeito 1: “O único direito que eu sei é o de reclamar quando alguma coisa estiver errada com a gente, só isso mesmo”; Sujeito 7: “Eu acho que não deve ter medo de exigir”.
- Respeito: esta categoria abarcou as respostas em que foi citado o direito de ser
respeitado.
Sujeito 9: “Ir e vir, ser respeitado”; Sujeito 41: “(...) passou-se a respeitar os adolescentes e suas coisas”.
- Votar: esta categoria abrangeu as respostas dos participantes que citaram o direito ao
voto.
Sujeito 20: “Acesso a curso superior, poder ser atendido pelo dentista, votar, lazer”; Sujeito 4: “Votar, estudar”.
- Não ser agredido: nesta categoria foi incluída a resposta do participante que citou o
direito da pessoa ter sua integridade física mantida.
Sujeito 6: “à vida, atendimento médico-hospitalar, não sofrer maus tratos nem tortura”.
- Privacidade: nesta categoria foi incluída a resposta na qual o participante citou o
direito à privacidade.
Sujeito 4: “Saúde para todos, segurança, educação, privacidade”.
- Não Pertinentes: foram consideradas nesta categoria as respostas nas quais os
participantes responderam não saber, não lembrar ou darem respostas em desacordo ao
que foi questionado.
Conforme apresentado na Tabela 3, e de acordo com a observância dos desvios
apresentados, os direitos mais citados pelos participantes foram: Saúde, Liberdade,
Educação e Moradia. Os direitos menos citados foram: Bem Estar, Direitos de Classes,
Reivindicação, Respeito, Votar, Não ser Agredido e Privacidade. Os direitos ao Lazer,
Segurança, Trabalho, Alimentação, Família, Vida, as respostas Não Pertinentes e os
Deveres apresentaram freqüências dentro do que se era esperado, de acordo com o Teste
do Qui-quadrado.
Tabela 3: Direitos conhecidos por funcionários de uma instituição ressocializadora Direito Citado F %
Saúde 19 15,83
Liberdade 19 15,83
Educação 18 15,00
Moradia 15 12,50
Lazer 8 6,67
Segurança 6 5,00
Trabalho 6 5,00
Não Pertinentes 5 4,17
Alimentação 3 2,50
Deveres 3 2,50
Família 3 2,50
Vida 3 2,50
Bem Estar 2 1,67
Direitos de Classes 2 1,67
Reivindicação 2 1,67
Respeito 2 1,67
Votar 2 1,67
Não Ser Agredido 1 0,83
Privacidade 1 0,83
Total 120 100,00
X²(N = 120; 18) 122,37; p = 0,00 (Me= 2,55)*
*As respostas do tipo Não Pertinentes não foram contabilizadas no cálculo da Média.
Questão III.3: Onde você ouviu falar sobre esses direitos?
Para esta questão, as alternativas foram apresentadas no próprio questionário:
Mídia, Escola, Familiares, Amigos, Na Instituição, Ninguém (aprendeu sozinho),
Desconhecidos e Outros. O participante teve a possibilidade de optar por mais de uma
resposta. Ressalta-se que a opção Ninguém, não foi citada por nenhum dos participantes.
O Teste do Qui-quadrado apontou para uma diferença significativa entre as freqüências
das categorias: as categorias Mídia, Instituição e Escola apresentaram freqüências
significativamente maiores que as demais; Amigos e Família apresentaram freqüências
dentro do que se era esperado e Desconhecidos e Outros obtiveram freqüências
significativamente menores que as das outras categorias.
Tabela 4: Fontes atribuídas ao conhecimento dos direitos. Fonte F
% Mídia 39
20,00
Instituição 38
19,49
Escola 35
17,95
Amigos 32
16,41
Família 25
12,82
Desconhecidos 18
9,23
Outros 8
4,10
Total 195
100,00
X2 (N=195; 6) 28,53; p=0,00
Questão III.4a: O que você acha do Estatuto da Criança e do Adolescente?
As respostas a esta questão foram classificadas em dois grupos: Favoráveis ao
Estatuto (94,23%) e Desfavoráveis ao Estatuto (5,77%).
No grupo das respostas em que os funcionários se posicionaram
favoráveis ao ECA, foram identificadas três perspectivas. Na primeira, os participantes
mencionaram características, definições ou utilidades do estatuto. Essa noção contribuiu
com 34,70% das respostas.
Sujeito 2: “Eu não tenho nada contra. O estatuto serve para proteger o adolescente, eu vejo que protege mesmo, já confirmei”; Sujeito 8: “O ECA tá certo, porque lá tem os direitos e os deveres”; Sujeito 23: “É um instrumento normativo que assegura a proteção integral à criança e ao adolescente”.
Na segunda perspectiva, embora as respostas demonstrassem ser favoráveis ao
estatuto, os entrevistados fizeram críticas à sua aplicação. Foi computado um percentual
de 24,49% nessa perspectiva.
Sujeito 25: “Eu acredito nele. Porque as coisas ruins têm que ser mudadas para boas, embora o sistema não deixe. Porque o estatuto é de primeiro mundo, mas infelizmente no Brasil é difícil, a sociedade tem que aprender muita coisa”; Sujeito 38: “Muito importante, só falta ser realmente posto em prática como ele reza, por parte dos governantes”; Sujeito 41: “O conteúdo é bastante rico e significativo, porem, infelizmente, não é visto com bons olhos pela população em geral, pois deixa a desejar a sua prática”.
Finalmente, na terceira perspectiva foram agrupadas as respostas nas quais os
funcionários posicionaram-se favoráveis ao ECA, mas indicaram algumas
reformulações necessárias a uma aplicação eficaz, dentre elas estavam: maior rigor na
aplicação, relação de correspondência entre a idade do adolescente, o grau da infração e
a penalidade aplicada e a necessidade em se falar também sobre os deveres. Essa
perspectiva foi defendida por 40,81% dos participantes.
Sujeito 17: “Concordo, mas o ECA tem que ser mais severo, com formas mais seguras. Porque hoje o menor comete a infração e depois de três quatro meses ele ta rindo da cara da gente, de quem perdeu seu
ente querido, o adolescente tem que saber seus direitos, mas tem que saber dos seus deveres também”; Sujeito 11: “Acho certo, mas as leis devem ser modificadas em relação da faixa etária, grau da infração e tempo de internação, se trabalhou muito os direitos e tem poucos deveres”, Sujeito 33: “Olha, eu particularmente acho que existem brechas. Por exemplo: esses adolescentes que estão aqui se têm 17 anos e mata alguém, quando completa 18 estão livres. Eu acho que deveria ser também ser examinado o tipo de crime para a punição deles”.
Os participantes que foram desfavoráveis ao ECA apresentaram como
justificativas que o estatuto contribuía para o aumento da violência e que o adolescente
já tinha idade para ser responsabilizado por seus atos.
Sujeito 36: “Um ato equivocado, que contribuiu mais ainda com a bandidagem”; Sujeito 28: “Muito errado, porque adolescente, na minha concepção, já sabe o que faz, já sabe o que é certo e o que é errado”.
Questão III.4b: Você já leu este Estatuto?
Quando questionados acerca da realização da leitura do Estatuto da Criança e do
Adolescente, 38,30% dos participantes afirmaram já ter lido todo o documento. 36,20%
disseram que nunca leram e 25,50% mencionaram ter lido parcialmente.
Questão III.4c: O quanto você o considera importante?
A tabela abaixo indica o grau de importância atribuído pelos participantes ao
Estatuto da Criança e do Adolescente. Conforme apresentado na tabela, o Qui-quadrado
indicou diferença significativa entre as freqüências de todas as categorias, sendo que a
maioria dos entrevistados considerou o ECA “Muito Importante” ou “Importante”.
Tabela 5: Grau de importância atribuído ao Estatuto da Criança e do Adolescente segundo funcionários de uma instituição ressocializadora.
Grau de Importância F % Nada ou Pouco Importante 3 6,40 Mais ou Menos Importante 2 4,30 Importante ou Muito Importante 41 87,20 Não Leu 1 2,10 Total 47 100,00
Questão III.5: Quais são os Direitos da Criança e do Adolescente (DCA) que você
conhece?
Nesta questão foram categorizados os Direitos da Criança e do Adolescente
citados. As categorias construídas não foram excludentes e corresponderam às descritas
na Questão II.3, exceto as categorias abaixo, que só emergiram quando se tratou dos
DCA:
- Direitos Específicos: constaram nesta categoria as respostas nas quais foram
mencionados direitos exclusivos dos adolescentes em ressocialização.
Sujeito 26: “Eu li que eles têm direito a tentar três fugas, no caso dos detentos é duas visitas, alimentação, esporte, lazer”; Sujeito 3: “Aqui dentro eles têm psicólogo, assistente social, colégio, alguns vão, alguns não. Têm banho de sol, tem muito assim, são vários”.
- Não Trabalhar: incluiu as respostas dos participantes que fizeram menção à não
exploração de crianças e adolescentes através do trabalho.
Sujeito 17: “O menor não pode trabalhar, ir pra escola, alimentação”; Sujeito 30: “De ir e vir, ir à escola, ter uma boa educação, brincar e não trabalhar”; Sujeito 43: “Não pode escravizar, estudar, trabalhar no tempo certo, com 18, 20 anos”.
- Carinho: nesta categoria foram agrupadas as respostas que mencionaram o direito da
criança e do adolescente de ter carinho, cuidado e atenção.
Sujeito 39: “Vida, família, carinho, alimentação”.
- Cidadania: as respostas em que foi mencionado que as crianças e os adolescentes têm
direito à cidadania foram congregados nesta categoria.
Sujeito 25: “Moradia, escola, alimentação, lazer, cidadania”.
- Nenhum: as respostas dos participantes que afirmaram que a criança e o adolescente
não têm direitos foram agrupadas nesta categoria.
Conforme apresentado na Tabela 6, e de acordo com a observância dos desvios
apresentados, os direitos mais citados pelos participantes foram: Educação, Moradia,
Saúde e Lazer. Os direitos menos citados foram: Direitos Específicos, Não Trabalhar,
Vida, Segurança, Carinho, Cidadania, Nenhum e as respostas Não Pertinentes. Os
direitos à Alimentação, Família, Liberdade, Respeito, Não Ser Agredido e os Deveres
apresentaram freqüências dentro do que se era esperado, de acordo com o Teste do Qui-
quadrado.
Tabela 6: Direitos da Criança e do Adolescente citados por funcionários de uma instituição ressocializadora. Direito Citado F % Educação 30
21,58
Moradia 18
12,95
Saúde 17
12,23
Lazer 17
12,23
Alimentação 10
7,19
Família 10
7,19
Liberdade 8
5,75
Respeito 5
3,60
Deveres 4
2,88
Não Ser Agredido 4
2,88
Direitos Específicos 3
2,16
Não Trabalhar 3
2,16
Vida 3
2,16
Segurança 2
1,44
Não Pertinentes 2
1,44
Carinho 1
0,72
Cidadania 1
0,72
Nenhum 1
0,72
Total 139
100,00
X ²(N = 139; 17) 140,81; p = 0,00 (Me= 2,89)*
*As respostas Nenhum e as do tipo Não Pertinentes não foram contabilizadas no cálculo da média.
Questão III.6a: Em relação às entidades abaixo indicadas, o quanto você considera
que cada uma delas deve cuidar para que os Direitos da Criança e do Adolescente
(DCA) sejam respeitados?
Nesta questão solicitou-se que os participantes indicassem o grau com que cada
uma das entidades apresentadas no questionário (A Família, A Escola, O Governo, Você
Mesmo, Esta Instituição e Cidadãos Brasileiros) deveria cuidar pela garantia dos
Direitos da Criança e do Adolescente. Os graus de responsabilidade que deveriam ser
atribuídos a cada uma das entidades obedeceram à seguinte ordem numa escala: Nada,
Pouco, Mais ou Menos, Muito, Muitíssimo.
O gráfico referente a essa questão será apresentado a seguir.
Questão III.7: O quanto cada uma das entidades abaixo indicadas cuida, de fato,
dos Direitos da Criança e do Adolescente (DCA)?
Nesta questão, foi solicitado aos participantes que atribuíssem às mesmas
entidades mencionadas na questão anterior o grau com que, de fato, eles percebiam que
cada uma delas responsabilizava-se pela garantia dos DCA.
Gráfico 2: Responsabilidade abstrata atribuída à garantia dos DCA
Gráfico 3: Responsabilidade concreta atribuída à garantia dos DCA.
0102030405060708090
Nada Pouco Mais ou Menos Muito Muitíssimo
Grau atribuído
Per
cent
uai
s
Família
Escola
Governo
Você Mesmo
Instituição
Cidadãos
0
10
20
30
40
50
60
Nada Pouco Mais ou Menos Muito Muitíssimo
Grau atribuído
Per
cen
tuai
s
A Família
A Escola
O Governo
Você Mesmo
Instituição
Cidadãos
De acordo com os dados apresentados nos Gráficos 2 e 3, os participantes
consideraram que todas as entidades indicadas no questionário deveriam ser igualmente
responsáveis (Muito e Muitíssimo) pela garantia dos Direitos da Criança e do
Adolescente, mas no nível concreto, afirmaram que são eles mesmos (os participantes) e
a instituição ressocializadora quem mais garantem os DCA. Para os participantes, a
Escola, a Família e o Governo proporcionam essa garantia parcialmente ou de modo
restrito.
Questão III.8a: Quem deve fazer mais pelos direitos humanos?
Foram apresentadas aos participantes duas alternativas: Organizações
Governamentais e Organizações Não Governamentais. Era possível escolher também
as duas opções, bem como nenhuma delas. O gráfico que corresponde a esta questão
será apresentado em comparação com o apresentado em relação à próxima questão.
Questão III.8b: Quem, de fato, faz mais pelos direitos humanos?
Nesta questão foi solicitado aos participantes que indicassem quem, de acordo
com sua percepção, fazia mais em prol da efetivação dos direitos humanos.
A comparação entre os gráficos 4 e 5 demonstra que, para os participantes,
sobretudo as organizações governamentais, deveriam fazer mais pelos Direitos da
Criança e do Adolescente e, em segundo lugar consideraram que cabia às duas
instituições fazer mais pelos DH. Porém, no que se refere à garantia efetiva dos DCA,
os participantes consideraram que tanto as instituições governamentais como as não
governamentais fazem igualmente pela garantia dos DCA. No que concerne à garantia
efetiva dos DCA, foram observadas ainda respostas nas quais os participantes
mencionaram que nenhuma das duas fazia algo por esses direitos.
A análise dos dados a partir do Teste do Qui-quadrado apontou para uma
diferença significativa entre as freqüências apresentadas nos gráficos. Conforme a
análise, no Gráfico 4 todas as freqüências se diferenciam entre si (X ²(N = 47; 2)15,47;
p<0,00). No Gráfico 5, com exceção da freqüência referente à opção as Duas, todas as demais
freqüências diferenciaram-se entre si (X ²(N = 47; 4) 29,06; p = 0,00
Gráfico 3: Respostas à questão “Quem deve fazer mais pelos direitos humanos?".
Gráfico 4: Respostas à questão “Quem, de fato, faz mais pelos direitos humanos?”
Governamentais (57,40%)
Não Governamentais (10,60%)
As duas (31,90%)
Governamentais (42,60%)Não Governamentais (34,00)As duas (14,90%)Nenhuma (6,40%)Não Respondeu (2,10%)
Questão III.9: Muitas pessoas dizem que as comissões de direitos humanos só
defendem presos e bandidos. O que você acha disso?
A análise desta questão levou em consideração a favorabilidade e a
desfavorabilidade ao enunciado. Para 53,20% dos participantes, as comissões de direitos
humanos só servem para defender bandidos e 46,80% demonstraram-se desfavoráveis à
afirmação apresentada no enunciado da questão. A partir destes dois grupos de respostas
(Favoráveis e Desfavoráveis), foram criadas as seguintes categorias:
Favoráveis:
- Defesa de Bandidos em Detrimento das Vítimas e Cidadãos: nesta categoria, as
respostas dos participantes voltaram-se para críticas às práticas das Comissões de
direitos humanos. A crença foi que tais ações eram voltadas para a defesa dos infratores,
negando qualquer tipo de assistência às vítimas da violência e aos cidadãos que não
cometem infrações.
Sujeito 3: “Eu acho que é verdade. Porque um exemplo de um policial, um policial vai é... e pega um ladrão na rua e morre, aí ninguém vai na casa do policial pra dar uma assistência, eu acho que é isso”; Sujeito 17: “É verdade. Porque existe direitos humanos, mas em parte. Por exemplo: se você pega um adolescente e espanca, os direitos humanos vêm em cima. Mas se vem um elemento que já tem quatro ou cinco passagens e comete um estupro, os direitos humanos não vão em quem sofreu o crime pra ajudar”; Sujeito 46: “Na verdade só defendem presos e bandidos e esquecem a família do agredido”; Sujeito 30: “Positivo. Porque um cidadão de bem tá com uma arma, é logo preso por porte ilegal de arma, se for um bandido, no outro dia já tá solto”.
- Faz Referência ao Fato: nesta categoria foram agrupadas as respostas na quais os
participantes ressaltaram que a defesa a presos e bandidos era uma constatação
observada cotidianamente.
Sujeito 28: “Concordo. Porque a gente tira por aqui, por esses meninos que estão aqui, eles matam, roubam, quando rouba, com seis meses já tá na rua com a ficha limpa, quando mata, depois de três anos tá na rua com a ficha limpa”; Sujeito 6: “Isso aí já virou uma máxima e infelizmente na maioria das situações, há vários exemplos, isso fica em evidência”; Sujeito 29: “Concordo, porque a verdade já é dita, quem trabalha aqui sabe que isso é verdade, não tem outras palavras não”.
Desfavoráveis
- Defesa dos Excluídos: as respostas abarcadas por esta categoria apresentaram em seu
conteúdo a idéia de que as práticas das comissões de direitos humanos tinham por
objetivo prestar assistência aos cidadãos à margem da sociedade nas ocasiões em que
estes praticavam delitos.
Sujeito 2: “Tá errado. Ela defende também pai de família que comete um erro sem querer, homens de bem, que às vezes rouba uma lata de leite, alguma coisa, ou comida pra sustentar os filhos que estão aperreando em casa, apesar que isso não é certo, mas... na hora da precisão só Deus sabe o que é que faz, uma mãe, uma pessoa de família pensa nessas hora”; Sujeito 7: “É falso. Porque todos os direitos devem ser iguais pra todos, bandido também. Porque por não termos condição devemos ter ajuda de alguém superior a nós”; Sujeito 26: “Eu acho que não, é porque quando você não está preso, você não procura os direitos humanos, mas quando você vira um infrator, o único jeito é recorrer a esses direitos”.
- Defesa da Igualdade: foram reunidas nesta categoria as respostas nas quais ficou
explícito que as ações das comissões de DH estendem-se a todos os cidadãos,
independente da prática de uma infração ou não.
Sujeito 8: “Não concordo. Porque já tá dizendo: direitos humanos. É um direito que todo mundo tem, quem tá preso e o cidadão comum”; Sujeito 18: “Não concordo. Porque serve pra qualquer pessoa, independente do crime, do que ela ta passando no momento”; Sujeito 27: “Discordo. Porque é lei e tem que ser cumprido o que está no papel, os direitos são pra todos”.
- Defesa Generalizada: as respostas reunidas nesta categoria versaram sobre a
observação cotidiana de que a atuação das comissões de DH favorecia infratores.
Sujeito 10: “Muito equívoco, pois conheço outras ações que as comissões de direitos humanos realizam”; Sujeito 12: “Acho que isso é uma concepção que cada pessoa tem, mas eu não penso desse ângulo. Eu acho que as comissões têm resolvido muita coisa”.
- Injustificadas: nesta categoria foram reunidas as respostas em que os participantes
posicionaram-se de modo desfavorável, mas não apresentaram nenhuma justificativa.
A análise dos dados através do Qui-quadrado não apontou para uma diferença
significativa entre os dados. Para 47,00% dos entrevistados, os DH só servem, de fato,
para proteger bandido, enquanto que 53,00% dos entrevistados apresentaram um
posicionamento desfavorável a essa concepção. Observando-se a tabela 7, verifica-se
que no grupo das respostas favoráveis a categoria com maior percentual de respostas foi
Defesa de Bandidos em Detrimento das Vítimas e Cidadãos, com 68,18% das respostas
dentro do grupo. Com relação às respostas pautadas num posicionamento desfavorável
ao enunciado da questão, as categorias Defesa aos Excluídos e Defesa da Igualdade
foram as que apresentaram os maiores percentuais (40,00% e 36,00%, respectivamente).
Tabela 7: Freqüências de respostas à questão “Muitas pessoas dizem que as comissões de direitos humanos só defendem presos e bandidos. O que você acha disso?”
Grupo/Categoria F %
Vítimas e Cidadãos 15
68,18
F
avor
ávei
s
Referência ao Fato 7
31,82
Total 22
100,00
Defesa aos Excluídos 10
40,00
Defesa da Igualdade 9
36,00
Defesa Generalizada 4
16,00
Injustificadas 2
8,00
D
esfa
vorá
veis
Total 25
100,00
Parte IV (Educação em direitos humanos)
A análise das respostas às questões desta parte do questionário (Questão IV.1 a
IV. 10) seguiu os mesmos procedimentos adotados em relação à Parte III.
Questão IV.1a: Você acha que como funcionário desta instituição, você se empenha
o bastante para a aplicação dos direitos humanos?
Quando questionados sobre o empenho na aplicação dos direitos humanos,
85,10% dos participantes afirmaram estar empenhados. 6,40% disseram que se
esforçavam, 4,30% confessaram não estar empenhados. Houve ainda os funcionários
que disseram que pouco se empenhavam e os que não responderam (ambos com um
percentual de 2,10%).
Questão IV.1b: Como?
A partir das respostas dos participantes que afirmaram empenharem-se,
completamente, parcialmente ou pouco na aplicação dos DH, foram construídas as
seguintes categorias:
- Exercício Profissional: esta categoria incluiu as respostas dos participantes que
disseram que a função desenvolvida por cada um dentro da instituição já era, em si, um
empenho na aplicação dos direitos humanos.
Sujeito 8: “Por exemplo: quando pede pra ir pra o médico, atende o pedido deles, falar com assistente social, a gente leva. Tudo isso mostrando que eles têm direito deles”; Sujeito 10: “Na sala de aula, levando reflexões, trabalhos extra-classe”; Sujeito 22: “Através do meu trabalho: o bom atendimento”.
- Diálogo: nesta categoria foram incluídas as respostas nas quais os entrevistados
afirmaram que o empenho na aplicação dos DH é exercido nas conversar dos
profissionais com os adolescentes e seus familiares.
Sujeito 3: “Porque nós somos só voltados para o bem deles. Conversando com ele, explicando como é o mundo lá fora, porque assim, não se deve cometer o erro. E pensar no que ele faz pra que ele possa mudar pra que ele seja diferente lá fora”; Sujeito 14: “Procuro conversar com os adolescentes, orientá-los, bem como seu pais, familiares, que sempre procuram a gente, a gente procura ta orientando, encaminhando aos diversos setores, tirando documentos, a família chega aqui e a gente orienta nesse sentido”.
- Sentimentos Positivos: esta categoria englobou as respostas dos participantes que
mencionaram o respeito e o afeto para com os adolescentes.
Sujeito 2: “É... primeiro eu respeito, segundo eu converso, brinco com eles, já pra eles não ficar com aquela vida muito... sabe... coisas sérias também. Conversar muito, tento entender todos, e dou bons conselhos também”; Sujeito 5: “Respeitando o adolescente, procurando atender os pedidos, não deixar de olhar o ato infracional
cometido, mas na medida do possível, fazer meu trabalho e aconselhar aqui e ali”; Sujeito 9: “O amor, o aconselhamento, quando você faz isso, você ta demonstrando ser humano”.
- Não Discriminar: para alguns funcionários, a melhor forma de demonstrar empenho
na aplicação dos DH era não discriminando os adolescentes pelo fato de eles terem
cometido um ato infracional.
Sujeito 26: “Eu quando entrei no sistema não respeitava os internos, tipo... esse cara matou meu amigo, então eu não vou respeitar. Mas com o tempo eu fui aprendendo que ele já tá pagando pelo que fez e aí eu respeito ele como uma pessoa qualquer, dando respeito pra ser respeitado”; Sujeito 37: “Ouvindo-os de forma empática e tentando respeitá-lo e aceitá-lo incondicionalmente”.
Os profissionais que afirmaram não se empenhar na aplicação dos direitos
humanos alegaram que não o fazem por falta de tempo e por não terem um
conhecimento aprofundado sobre o tema.
A Tabela 8 apresenta as justificativas dos funcionários entrevistados em relação
ao seu empenho profissional. O Teste do Qui-quadrado indicou uma diferença
significativa entre as freqüências das categorias. As freqüências às categorias Exercício
Profissional e Diálogo foram significativamente maiores que as demais. O inverso foi
observado em relação à freqüência à categoria Não Discriminar.
Tabela 8: Justificativas para o empenho na atuação profissional. Categoria F % Exercício Profissional 23
37,70
Diálogo 21
34,43
Sentimentos Positivos 14
22,95
Não Discriminar 3
4,92
Total 61
100,00
X ²(N = 61; 3) 16,05; p = 0,00
Questão IV.2: O que você destaca como mais importante na sua atuação para a
aplicação dos direitos humanos?
A partir da análise das respostas, foram elaboradas cinco categorias.
-Exercício Profissional: esta categoria incluiu as respostas dos participantes que citaram
o cumprimento de suas atividades profissionais como ponto mais importante na
aplicação dos DH.
Sujeito 3: “É levar eles pra escola, pra que ele possa se educar e ter uma nova vida é importante”; Sujeito 15: “No momento que ele pede pra falar com o assistente social, pra ir no médico, advogado, psicólogo, a gente leva. Ele ta vendo os direitos deles, sente que tem os direitos dele”; Sujeito 21: “Na medida do possível, procuro direcionar todas as atividades no sentido de atender em parte os seus direitos”.
- Respeito: nesta categoria foram agrupadas as respostas em que o respeito e a não
descriminação para com os adolescentes foram citados como os aspectos de maior
relevância para aplicação dos DH.
Sujeito 6: “Respeitar, não discriminar, não julgar”; Sujeito 26: “Quando eu tô com eles na audiência, eu procuro tratá-los bem, com dignidade de todo ser humano, não importa o que eles fizeram, eu tô fazendo a minha parte, eles que têm que prestar conta pra justiça”; Sujeito 19: “Através do respeito para com o adolescente”.
- Diálogo: as conversas com os adolescentes também foi apontada como uma
importante maneira de se aplicar os direitos humanos.
Sujeito 25: “Aconselhar a mudar de vida pra não voltar a ta aqui interno”; “Só a conversa mesmo”; Sujeito 30: “Conversas, conselhos e respeito”.
- Servir de Exemplo: os entrevistados citaram a evangelização e o exemplo pessoal de
cada funcionário como formas de aplicação dos direitos.
Sujeito 6: “Eu acho que o mais importante deve ser a conduta, o comportamento de forma que os adolescentes possam se espelhar, podendo reconhecer no próprio agente que um dia eles também podem ser uma pessoa de bem, íntegra e reconhecida dentro da sociedade e principalmente dentro de sua família”; Sujeito 27: “Quando eu estou evangelizando, eu acho. É o único momento que eles param pra escutar, que tem o silêncio. Nem quando eu levo eles pra escola eles prestam tanta atenção quanto na Bíblia”.
A partir da análise dos dados através do Qui-quadrado, verificou-se uma
diferença significativa entre as freqüências das categorias. Os maiores percentuais
foram observados nas categorias Exercício Profissional e Respeito. Essas freqüências
diferenciaram-se entre si e das demais. Os menores foram observados nas categorias
Servir de Exemplo e Não Pertinentes. A freqüência à categoria Diálogo apresentou-se
dentro do que se era esperado.
Tabela 9: Aspectos considerados mais relevantes na atuação profissional segundo funcionários de uma instituição ressocializadora. Categoria F % Exercício Profissional 23 41,82
Respeito 16 29,10
Diálogo 12 21,82
Servir de Exemplo 2 3,64
Não Pertinentes 2 3,64
Total 55 100,00
X ²(N =55; 4) 30,17; p = 0,00
Questão IV.3: Você se sente preparado para educar em direitos humanos?
68,10% dos participantes afirmaram estar preparados para educarem os
adolescentes em direitos humanos, 23,40% disseram que não se sentem preparados e
8,50% afirmaram que se sentem mais ou menos preparados para a tarefa.
Questão IV.4a: Você recebeu alguma espécie de capacitação ou ensinamento em
direitos humanos?
Dentre os participantes, 83,00% afirmaram já ter participado de alguma
capacitação em direitos humanos e 17,00% declararam nunca ter participado.
Questão IV.4b: Dentro ou fora da instituição?
Dentre os que participaram de capacitações em direitos humanos, 55,30%
fizeram a capacitação fora da instituição, mas que foram promovidos por ela. 17,00%
nunca participaram de eventos com este objetivo. 14,90% participaram de capacitações
por conta própria, 10,60% participaram de cursos dentro da instituição ressocializadora
e 2,10% não lembraram em que local foi realizado o evento do qual participaram.
Questão IV.5: Através de que técnicas (quem ensina e qual o material utilizado)?
O conteúdo das respostas dos participantes versou sobre “quem falou”, “o que
falou” e “como falou” nos direitos humanos na capacitação da qual participaram.
Ressalta-se que nem todos os participantes mencionaram estes três pontos (quem, o quê
e como).
Quem falou
Os entrevistados citaram profissionais liberais como responsáveis pela
transmissão de informação sobre os direitos humanos nas capacitações realizadas.
Dentre estes profissionais foram citados: assistentes sociais e/ou psicólogos (5 citações),
especialistas em direitos (5 citações), médicos (3 citações) e professores (2 citações).
O que falou
Acerca do conteúdo do discurso dos profissionais nos cursos de capacitação, os
entrevistados mencionaram que foi falado sobre: quais eram os direitos e os deveres dos
adolescentes institucionalizados (16 citações) e orientações de como lidar com o
adolescente dentro da instituição (13 citações).
Como falou
As técnicas e recursos utilizados pelos profissionais nos cursos de capacitação
foram: palestras (24 citações), dinâmicas e/ou grupos operativos (6 citações) e materiais
impressos (panfletos) e/ou audiovisuais (DVD) (6 citações).
Questão IV.6: Em sua opinião, como pode ser feita uma capacitação em direitos
humanos para os agentes dessa instituição?
De acordo com as respostas dos entrevistados, uma capacitação em direitos
humanos para os funcionários deveria ser realizada sob orientação de especialistas em
direitos (5 citações), advogados (3 citações), assistentes sociais e/ou psicólogos (3
citações) e agentes da Pastoral (1 citação). Ainda na concepção dos participantes, em
tais capacitações deveria ser falado sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (19
citações) e sobre os deveres dos adolescentes (4 citações).
A respeito de como tais cursos seriam realizados, as respostas dos participantes
possibilitaram a construção das categorias abaixo:
- Palestras: nesta categoria foram agrupadas as respostas nas quais foi mencionado que
as capacitações deveriam ser realizadas através de palestras, aulas e cursos.
Sujeito 2: “Seria necessário sempre palestras, né? Ter mais conversa com a gente sobre direitos humanos, pelo menos semanalmente, nós estaríamos mais por dentro e poderia explicar melhor pra os adolescentes, mostrando pra eles os direitos deles e os que nós temos também”; Sujeito 13: “Um treinamento com palestras com advogados e outras pessoas da parte jurídica, onde pudessem tirar todas as dúvidas”; Sujeito 14: “Primeiramente, pessoas capacitadas, que têm um conhecimento profundo sobre os direitos humanos deveriam falar. A mensagem também poderia ser falada através de palestras e panfletos. Reforçar a idéia de que os DH não é só pra quem ta preso, mas sim direcionados de uma forma coletiva”; Sujeito 27: “Devia ter mais aulas sobre o ECA, porque os cursos que a gente faz trata de muitas coisas sem aproveitamento, a gente devia ter mais aulas sobre direitos e deveres, se a gente trabalhasse mais em cima do ECA, com certeza seria melhor”.
- Realização Freqüente: nesta categoria foram agrupadas as respostas dos participantes
que sugeriram que as capacitações deveriam ser realizadas com maior freqüência.
Sujeito 5: “Eu penso que deveria ter mais freqüentemente, porque aqui a troca de equipe é constante. Então eu acho que deveriam ser orientados por psicólogos e assistentes sociais quanto aos direitos da criança e do adolescente. E até mesmo a questão da segurança deveria ser observada, não só a parte educativa”; Sujeito 7: “Seria uma vez por mês, ou de 15 e 15 dias. Devia falar o pessoal especialista, que devia falar o conhecimento dele”; Sujeito 20: “Deveria ter esses cursos mais vezes, de dois em dois anos, ou anualmente. Se a gente tivesse essas palestras mais vezes seria importante. Porque o curso é importante, o tempo é que é pouco”.
- Intercâmbio: esta categoria englobou as respostas nas quais foi citado que as
capacitações poderiam ser realizadas em parceria com outras instituições.
Sujeito 6: “Eu acho que aqui dentro a gente já trabalha muito com direitos e deveres, então seria importante que os funcionários tivessem ligados com assuntos do meio, podendo ainda visitar outras pessoas ou instituição que atuem na mesma área relacionada, por exemplo: juízes, advogados, promotores. Ter conhecimento das condições de vida desses adolescentes junto à família, procurando condições de integrar uns com os outros”; Sujeito 24: “Deveria ter uma parceria entre a instituição e os direitos humanos, procuradoria da infância e adolescência, promover encontros falando sobre o estatuto, deveria ser feitas reciclagens”; Sujeito 38: “Primeiro, realizar esta capacitação antes de iniciar o trabalho e também manter esta capacitação ao longo do trabalho, pra que na prática se descubra o que pode ser melhorado e aperfeiçoado”.
- Recursos Audiovisuais e Dinâmicas: nesta categoria foram incluídas as respostas dos
participantes que afirmaram que as capacitações deveriam ser realizadas através de
material audiovisual e dinâmicas de grupo.
Sujeito 31: “Reunir todos os educadores em geral e discutir: através de palestras, dinâmicas, folhetos, lendo o próprio estatuto”; Sujeito 14: “Primeiramente, pessoas capacitadas, que têm um conhecimento profundo sobre os direitos humanos deveriam falar. A mensagem também poderia ser falada através de palestras e panfletos. Reforçar a idéia de que os DH não é só pra quem tá preso, mas sim direcionados de uma forma coletiva”.
- Nenhuma: esta categoria agrupou as respostas nas quais foi afirmado que as
capacitações em DH eram desnecessárias para os funcionários.
Sujeito 21: “Eu acho que não precisava falar nada, porque os direitos humanos já defendem os meninos, principalmente os internos”.
De um modo geral, os funcionários afirmaram que uma capacitação em DH
voltada para eles deveria ser realizada através de Palestras, que foi a categoria que se
diferenciou significativamente das demais por apresentar uma maior freqüência. As
categorias Intercâmbio, Recursos Audiovisuais e Dinâmicas e Nenhuma diferenciaram-
se das demais por apresentarem as menores freqüências. (ver Tabela 10).
Tabela 10: Como deveria ser uma capacitação em DH para os funcionários da instituição ressocializadora. Categoria F % Palestras 24
54,54
Realização Freqüente 9
20,45
Intercâmbio 6
13,64
Recursos Audiovisuais e Dinâmicas 3
6,82
Nenhuma 2
4,55
Total 44
100,00
X ²(N =44; 5) 31,17; p = 0,00
Questão IV.7: Vocês falam sobre direitos aos adolescentes desta instituição?
Questionou-se aos participantes o quanto eles julgavam que era falado sobre
direitos aos adolescentes dentro da instituição. Este julgamento foi avaliado numa escala
que variou de Nada a Muitíssimo. De acordo com os dados, para 57,40% dos
funcionários, muito ou muitíssimo era falado sobre direitos aos adolescentes. Para
21,30% falava-se mais ou menos sobre os DH. E 21,20% afirmaram que ouviam pouco
ou nada ser falado acerca dos direitos.
Questão IV.8: - De que forma? (que técnicas e materiais são utilizados)
A partir da análise das respostas a esta questão, foi possível identificar como se
falava em direitos e o que era falado.
Como
- Conversas Informais: nesta categoria foram incluídas as respostas nas quais os
participantes verbalizaram que os funcionários falavam aos adolescentes sobre direitos
nas conversas cotidianas.
Sujeito 1: “Aqui a gente conversa às vezes, quando a gente vai lá, pega pra audiência, entendeu? Aí a gente vai colocando”; Sujeito 22: “Eles chegam aqui, você fala oralmente com eles, e escrito quando as meninas passam alguma coisa pra eles fazerem”; Sujeito 34: “Pronto, tava conversando com um agora, a gente fala pra eles estudarem, trabalharem, terem uma família, não fazerem mais isso”.
- Atividades Educativas: as respostas agrupadas nesta categoria trouxeram em seu
conteúdo a informação de que era falado sobre os direitos através das aulas, de materiais
audiovisuais e das palestras para destinadas aos adolescentes.
Sujeito 11: “Atividades em sala de aula, dinâmicas, palestras organizadas pela instituição, no dia a dia, sempre lembrando que eles têm direitos, mas deveres também. Tem deveres a cumprir para ter direitos”; Sujeito 16: “Através de filmes, debates, leituras e aulas expositivas”; Sujeito 23: “Palestras, reuniões, grupos operativos, filmes”.
- Atendimento Psicossocial: nesta categoria, o trabalho realizado pelas psicólogas e
assistentes sociais da instituição foi apontado como uma fonte de conhecimento dos
direitos.
Sujeito 19: “Quem fala mais é os psicólogos, mas eles vão pra sala, a gente não ouve”; Sujeito 21: “Eu vejo a assistente social dizer que eles cumpram as normas da casa pra não ter problemas e que obedeçam aos educadores”; Sujeito 6: “A forma mais simples, clara, séria e embasada na lei é colocada pra eles através dos serviços prestados, exclusivamente o psicológico e o assistente social”.
- Não Pertinentes: foram incluídas nesta categoria as respostas em branco e as dos
participantes que nunca viram ser falado sobre direitos aos adolescentes.
De acordo com os resultados apresentados na Tabela 11, o Teste do Qui-
quadrado revelou uma diferença significativa entre as freqüências das categorias de
respostas. A categoria que apresentou o maior percentual foi Conversas Informais e a de
menor percentual foi Não Pertinentes.
Tabela 11: Técnicas utilizadas numa instituição ressocializadora para se falar em direitos humanos aos adolescentes. Categoria F % Conversas Informais 28
52,83
Atividades Educativas 12
22,64
Atendimento Psicossocial 9
16,98
Não Pertinentes 4
7,55
Total 53
100,00
X ²(N = 53; 4) 24,36; p = 0,00
O que se fala
A formação em direitos para os adolescentes, segundo os funcionários, norteava-
se, sobretudo, em duas concepções:
- Mudança de comportamento: nesta categoria foram incluídas as respostas dos
participantes que afirmaram que a fala sobre direitos para os adolescentes reportava à
mudança de comportamento destes. Esta categoria obteve 45,45% das respostas dos
participantes que mencionaram “o que” se fala aos adolescentes.
Sujeito 9: “A gente fala assim, pra quando eles sair daqui eles tem direito de procurar um trabalho, porque tá ficando de maior. Ter um trabalho, uma família, é... ter a liberdade, ter o direito de ir e vir aonde quiser, direito de se divertir também que ele tem, e, só, a gente coloca isso na cabeça deles”; Sujeito 24: “A gente fala pra ser uma pessoa boa, que eles têm que ficar livre, têm que viver, obrigações com os pais, arrumar um emprego, pra que a sociedade possa ver ele de outra maneira”; Sujeito 31: “Esses adolescentes sabem mais direitos deles do que nós mesmos. Eu falo sempre que eles têm o direito à educação, moradia, saúde. E sempre falo que quando eles saírem daqui procurem mudar de vida, procurem um trabalho”.
- Direitos e/ou deveres: nesta categoria foram agrupadas as respostas nas quais os
funcionários mencionaram que era falado aos adolescentes quais eram os seus direitos e
que estes são resultado do cumprimento dos deveres. Esta categoria obteve 54,55% das
respostas dos participantes que mencionaram “o que” se fala aos adolescentes.
Sujeito 11: “Nós falamos dos deveres deles. Se eles têm direitos, têm também deveres”; Sujeito 35: “A gente passa pra eles o seguinte: os direitos que eles têm quanto os deveres que eles têm pra cumprir. Tudo isso dialogando com eles e colocando em prática também”; Sujeito 9: “As assistentes sociais, quando eles chegam elas conversam com eles sobre os direitos e os deveres que é o que o estatuto reza”.
Questão IV.9: Em sua opinião, como deveria ser uma educação em direitos
humanos em relação aos adolescentes internos?
As respostas a esta questão trouxeram em seu conteúdo “quem” e “como”
deveria ser a educação em direitos humanos voltada para os adolescentes da instituição.
Quem
- Profissionais Liberais: nesta categoria foram agrupadas as respostas dos participantes
que afirmaram que a educação em DH deveria ser realizada por professores, assistentes
sociais, psicólogos, médicos, juízes e advogados.
Sujeito 5: “Eles já escutam mais pelas psicólogas e assistentes sociais, os direitos deles”; “Acho que a psicóloga, assistentes sociais, professores deveriam falar com eles”; Sujeito 17: “Eu acho que pelo que é passado de modo deturpado pra esses adolescentes, deveriam ser feitas palestras por membros dos conselhos de direitos que viessem explicar os pontos positivos do que a comissão de direitos prega”.
- A Família: alguns funcionários consideraram que a própria família do adolescente
deveria informá-los sobre seus direitos.
Sujeito 32: “Primeiramente, tinha que ter mais a participação da família pra que eles tivessem maior recuperação”; Sujeito 29: “Todos têm a missão de ensinar a eles, tanto aqui dentro, como na rua, como a família”.
- Instituição, Mídia e Sociedade: foi mencionado pelos entrevistados que a própria
instituição ressocializadora, a mídia e a sociedade deveriam ser os responsáveis pela
educação em direitos humanos dos adolescentes. Exemplos: “E além da família, uma
mudança macrossocial”; “Essa instituição, a televisão também, isso aí todos deveriam”.
A categoria Profissionais Liberais obteve um percentual de 64,00% das
respostas, seguida por A Família (20,00%) e Instituição, Mídia e Sociedade (16,00%).
Como
- Atividades Educativas: foram incluídas nesta categoria as respostas nas quais foi
afirmado que a educação em direitos humanos para os internos deveria ser realizada
através de aulas, palestras, programas educativos.
Sujeito 8: “Passar mais programa educativo, o que é difícil, né? Passar em televisão, tirar mais esses filmes e programas violentos que mostram, só incentivando eles a roubar, matar, fazer coisas erradas. Só isso”; Sujeito 14: “A questão é que todo brasileiro deveria ter aula de cidadania, porque tendo aula de cidadania ele ia ter consciência do
que realmente é ter direito. Eu acho que nós brasileiros cobramos muito pouco, eu acho que por não cobrar, é que está do jeito que está”; Sujeito 26: “As psicólogas, as assistentes sociais, como já falam, toda direção da casa, poderiam fazer palestras, reuniões, consultas, isso tudo mostra seus direitos e deveres de acordo com a disciplina da casa”.
- Diálogo: alguns participantes acreditaram que esta educação poderia ser realizada em
meio a conversas cotidianas com os adolescentes.
Sujeito 13: “Deveria vir uma equipe médica para conversar com eles pelo menos uma vez por semana”; Sujeito 19: “O monitor, que passa quase o dia com eles, devia falar pra não cometer mais as infrações que eles cometem”; Sujeito 4: “Todos deveriam falar sobre os direitos deles, mas também dos deveres dentro da casa”.
- Atendimento Psicossocial: esta categoria agrupou as respostas dos participantes que
mencionaram que o tema direitos humanos deveria ser abordado pelos assistentes
sociais e psicólogas da instituição.
Sujeito 5: “No atendimento psicossocial, as psicólogas deveriam falar”.
- Atividades Profissionalizantes: nesta categoria foram agrupadas as respostas nas quais
se considerou que uma educação em DH poderia ser realizada através dos cursos
profissionalizantes oferecidos pela instituição.
Sujeito 12: “A minha opinião é que devia ter mais atividades assim, assim... profissionalizantes, que desse uma profissão a ele, cerâmica, tivesse mais oficinas pra que ele aprendesse uma profissão”; Sujeito 9: “Acho que a psicóloga, assistentes sociais, professores deveriam falar com eles. Deveria oferecer mais oficinas de artesanato e serigrafia”.
- Atividades Não Especificadas: esta categoria incluiu as respostas nas quais os
entrevistados disseram que deveriam ser realizadas atividades visando a uma educação
em DH, mas sem especificá-las.
Sujeito 28: “Eu acho que já se fala de direitos humanos de todas as formas, mas sempre existem novas maneiras, mecanismos, oportunidades do adolescente entender mais sobre seus direitos e deveres”; Sujeito 34: “Deveria ser justa, mas não exagerada”.
- Nenhuma: houve funcionários que mencionaram que não havia necessidade de se
realizar uma educação em direitos humanos por considerarem que isso seria um
empecilho ao seu trabalho na instituição.
Sujeito 44: “Eu acho que do jeito que eles vão indo, talvez nada”; Sujeito 3: “Eu não acho importante eles saberem os direitos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Porque se eles já são folgados assim, imagine se souberem, quanto mais direitos, mais dificulta o nosso trabalho”.
A análise dos dados através do Qui-quadrado indicou uma diferença
significativa entre as freqüências das categorias. Conforme demonstrado na Tabela 12,
as categorias que obtiveram as maiores freqüências foram Atividades Educativas e
Diálogo. O menor percentual foi verificado na categoria Nenhuma.
Tabela 12: Freqüências e percentuais de respostas à questão “Como deveria ser uma educação em direitos humanos para os adolescentes?” Categoria F % Atividades Educativas 13
28,88
Diálogo 12
26,67
Atendimento Psicossocial 7
15,56
Atividades Profissionalizantes 5
11,11
Atividades Não Especificadas 5
11,11
Nenhuma 3
6,67
Total 45
100,00
X ²(N = 45; 5) 11,12; p = 0,05
Questão IV.10 Como uma instituição como essa pode defender e promover os
direitos humanos?
A análise das respostas possibilitou a construção de seis categorias:
- Mídia e Eventos: nesta categoria foram agrupadas as respostas nas quais os
participantes afirmaram que a defesa e promoção dos direitos poderia ser realizada
mediante a propagação do trabalho desenvolvido dentro da instituição através da mídia
e de eventos.
Sujeito 9: “Eu acho que devia fazer uma série de eventos, reunir a família semestralmente, ou sei lá, mensalmente, né? Só isso”; Sujeito
17: “Primeiramente, divulgar. Divulgar mais, fazer com que as pessoas que freqüentam o centro tenham maior conhecimento, e tendo conhecimento, poder reivindicar”; Sujeito 24: “Por exemplo, venda de artesanatos que eles fabricam, levar pra comercializar em shopping, essas coisas, aí as pessoas passavam a ver eles com outros olhos, como aqui tinha antigamente”; Sujeito 32: “Se o que se passa aqui passasse na televisão as pessoas saberiam mais”.
- Serviços e Profissionais: esta categoria agrupou as respostas em que foi mencionado
que a defesa e promoção dos DH é realizada cotidianamente mediante as atividades
desenvolvidas pelos funcionários da instituição.
Sujeito 14: “Defender tem a advogada da casa, a gente tem a advogada aqui que trabalha nesse sistema, entendeu, de defender os adolescentes. O trabalho daqui como eu lhe falei, é educar eles, não deixar eles brigar, levar eles pra dentista, pra colégio, pra audiência. Só dando uma cobertura”; Sujeito 29: “Eu acho que ela já faz. Dá direito à escola, saúde, alimentação, procurando a socialização, apesar de que muitos não querem”; Sujeito 31: “No cotidiano, fazendo parte do conteúdo programático”.
- Parceria com Família e Comunidade: nesta categoria foram reunidas as respostas nas
quais foi sugerido que o trabalho de defesa e divulgação dos DH poderia ser realizado
através de atividades junto à família e à comunidade de um modo em geral.
Sujeito 17: “Com uma convocação e reunião com pais, os familiares, não só eles, mas os agentes também”; Sujeito 28: “Eu acho que a instituição já promove de alguma forma, porém, se conseguir criar novas condições, situações, com certeza seria um avanço muito grande. Aqui há um corpo técnico de pessoas com formação nessa área que poderia, através do contato com a própria família do adolescente, vizinhos, amigos, criar novos mecanismos, ficando mais familiarizado não só com o adolescente, mas também com seus pares”; Sujeito 26: “Divulgar mais o trabalho dos adolescentes, os trabalhos deles nas oficinas numa feira, no espaço cultural, até introduzir a sociedade na instituição”.
- Não Pertinentes: nesta categoria foram incluídas as respostas em branco e as dos
participantes que afirmaram não saber responder ao que foi questionado.
- Cursos de Reciclagem: nesta categoria foram agrupadas as respostas nas quais os
participantes mencionaram a necessidade da participação dos funcionários em cursos de
capacitação/especialização com a finalidade de promover a defesa e promoção dos
direitos humanos.
Sujeito 10: “Se unir mais, pensar mais no bem estar da criança e do adolescente, é... mais cursos pra os funcionários, pra que a gente trabalhe cada vez melhor”; Sujeito 14: “Palestras, fazer reuniões com os agentes e quem mais quisesse saber dos direitos. Porque nem todo mundo tem tempo pra ler sobre os direitos, se fosse falado por outras pessoas seria mais fácil”; Sujeito 23: “Uma capacitação pra os funcionários e para os educandos através de palestras, complementando assim o ciclo”.
- Transferência de Responsabilidade: alguns participantes consideraram que a defesa e
a promoção dos DH não era responsabilidade da instituição ressocializadora, mas sim
de outras entidades.
Sujeito 36: “Principalmente nas instituições não governamentais, nas ongs, nas escolas, deveria ser falado sobre os direitos das crianças e do adolescente. A procuradoria da criança e do adolescente deveria promover esses encontros”; Sujeito 41: “Eu não acho que a instituição poderia fazer muita coisa. Acho que isso devia ficar a cargo do Congresso Nacional, que faz os direitos humanos acontecerem”.
De acordo com os dados apresentados na Tabela 13, houve uma diferença
significativa entre as freqüências das categorias. O maior percentual pertenceu às
categorias Mídia e Eventos. O menor percentual foi verificado na categoria
Transferência de Responsabilidade.
Tabela 13: Freqüências e percentuais de respostas à questão: “Como uma instituição como essa pode defender e promover os direitos humanos?” Categoria F % Mídia e Eventos 14
25,93
Serviços e Profissionais 13
24,07
Parceria Família e Comunidade 12
22,23
Não Pertinentes 8
14,81
Cursos de Reciclagem 5
9,26
Transferência de Responsabilidade 2
3,70
Total 54
100,00
X ²(N =54; 5) 12,89; p = 0,025
CAPÍTULO VI _____________________________________
6- Discussão e Considerações Finais
A partir da análise dos resultados apresentados, pode-se afirmar que, apesar de
terem um conhecimento sobre os direitos, os participantes do presente estudo tiveram
dificuldade em normatizar o termo direitos humanos, uma vez que, ao invés de formular
definições, a grande maioria dos participantes deu exemplos do que era ter um direito.
Essa dificuldade também foi verificada nos estudos realizados por Camino (2004,
2008), Camino, Galvão Rique e Camboim (2006) e Fernandes e Camino (2006),
Gouveia (2007). Também com relação às dificuldades relativas ao conhecimento dos
direitos, observou-se na presente pesquisa que as médias de citações dos DH e dos DCA
foram baixas (2,55 e 2,59, respectivamente), uma vez que, por lidarem diretamente com
práticas cujo fim é garantir direitos, esperava-se que o conhecimento sobre o tema fosse
obrigação de todos. Além disso, muitas questões apresentaram elevados percentuais de
respostas do tipo Não Pertinentes, esses dados são preocupantes e suscitam a indagação
se realmente existe esse conhecimento que os participantes afirmaram possuir e colocar
em prática.
Ainda sobre o conhecimento dos direitos, observou-se que os direitos citados
pelos participantes assemelharam-se aos DH conhecidos mencionados nas pesquisas de
Doise e Herrera (1994), Camino (2004, 2008), Fernandes e Camino (2006), Galvão, Da
Costa e Camino (2005). Assim como observado por Doise (2000b), esses direitos
apresentaram alguma relação com os artigos da DUDH, o que diferenciou os
funcionários da instituição ressocializadora dos participantes das demais pesquisas foi a
freqüência com que os direitos foram citados. No caso dos funcionários, houve uma
maior citação aos direitos à saúde, liberdade, educação, moradia e lazer. Acredita-se que
esta maior freqüência de citações esteja relacionada a dois aspectos que se opõem entre
si. De um lado, está o fato de esses direitos serem, provavelmente, aqueles sobre os
quais os participantes têm mais informação. Por outro lado, está o reconhecimento da
garantia dos direitos básicos à sobrevivência humana aliada à constatação de sua não
efetivação concreta, uma vez que os próprios funcionários afirmaram que na prática os
direitos não são respeitados. Esses resultados apontam para o mesmo descaso
observado nos estudos de Galvão (2005) e Gouveia (2007), segundo os quais há um
reconhecimento da existência dos direitos, entretanto, na prática institucional percebe-se
a violação dos mesmos.
No discurso dos funcionários, foi mencionado que as atividades desenvolvidas
dentro da instituição ressocializadora visavam respeitar e garantir os direitos dos
adolescentes. Mas que respeito e garantia eram esses se os próprios funcionários
denunciaram a falta ou escassez de atividades educativas, profissionalizantes e
recreativas? Ainda de acordo com os próprios funcionários, havia outros problemas que
inviabilizavam a realização de um bom trabalho: a superlotação, a falta de recursos
financeiros, a ausência de parcerias com outras instituições e a sociedade, a falta de
participação e colaboração da família, a discriminação direcionada para os adolescentes
e a frieza das relações interpessoais dos profissionais. Em face de tantas dificuldades,
nem mesmo a mencionada política voltada para a não violência desenvolvida pela
direção e o empenho profissional seriam capazes de garantir que não houvesse violação
dos direitos dentro da instituição. Até mesmo a infra-estrutura institucional denunciou
que, embora existindo uma representação de que muito se fazia pelos direitos daqueles
adolescentes, a realidade é que os moldes de atendimento assemelham-se aos do sistema
prisional e que estão longe de ser aquilo que se espera de uma instituição
ressocializadora para jovens adolescentes.
A respeito da representação dos direitos e de sua prática, os dados referentes à
Técnica da Associação Livre de Palavras também corroboraram a idéia da existência do
descaso para com os DH. A partir da análise dos dados provenientes da TALP,
observou-se que, embora tenha havido um reconhecimento da importância dos direitos
no plano teórico, emergiu a denúncia do seu desrespeito na prática, uma vez que a
existência dos direitos deveria garantir uma condição de igualdade a todos os seres
humanos. Os direitos deveriam funcionar como uma proteção que garantiria segurança
às pessoas, mas os fatos demonstravam que a questão dos DH não ultrapassava a teoria,
tendo em vista que na prática, os direitos não eram respeitados nem garantidos. Esta
representação pode estar fundamentada no acesso que os funcionários têm às
informações sobre os direitos, informações essas que não provém do âmbito científico,
mas advém de uma mídia sensacionalista que distorce o conteúdo e o contexto relativos
aos direitos.
Continuando o debate sobre as representações dos direitos, observou-se que os
funcionários indicaram opções de como esse panorama poderia ser revertido: por meio
da educação, pela qual as pessoas tomariam consciência de sua cidadania e teriam
condições de reivindicar perante às injustiças sociais. Além disso, apontaram a não
discriminação como uma forma de garantir a igualdade entre as pessoas, uma vez que
todos merecem gozar de seus direitos, serem considerados cidadãos, terem direito à
vida, à alimentação, ao trabalho, à moradia, à proteção, a serem tratados de modo
igualitário.
Acredita-se que essas objetivações estejam ancoradas nas relações estabelecidas
nos ambientes nos quais os funcionários mantém vínculos sociais. De um lado, pode-se
considerar seu ambiente particular, ou seja, sua casa, seu círculo de amizade e a
sociedade de um modo em geral. Por outro lado, julga-se que essas representações
também sejam influenciadas pelo convívio com pessoas em seu ambiente de trabalho,
no qual a questão dos direitos assume importância indiscutível.
Com relação às citações aos Direitos da Criança e do Adolescente, os direitos
citados pelos participantes foram semelhantes aos do estudo de Camino (2004, 2008).
Novamente observou-se a citação de direitos básicos, mas que na realidade são
expressamente violados. Chamou a atenção o fato de, durante a realização das
entrevistas, os participantes terem considerado direitos humanos e direitos da criança e
do adolescente como sendo os mesmos direitos. Esses resultados diferem dos
encontrados por Doise, Staerklé, Clémence e Savory (1998), em que os participantes
consideraram que os DCA eram uma categoria específica com relação aos DH. Julga-se
que essa diferença tenha relação com os meios pelos quais esses funcionários tiveram
acesso a conteúdos acerca dos direitos, ou mesmo desconhecessem o tema.
Segundo os funcionários, as principais fontes de conhecimento sobre os direitos
foram a Mídia, a própria Instituição Ressocializadora e a Escola. Tais resultados foram
semelhantes aos encontrados por Camino (2005, 2008) – em pesquisa realizada com
adolescentes estudantes, adolescentes que passava os dias nas ruas e adolescentes
institucionalizados -, Camino, Galvão, Rique e Camboim (2006) e Fernandes e Camino
(2006) – estudo realizado com adolescentes estudantes. A principal diferença entre os
resultados destes estudos e os da presente pesquisa foi que, para os funcionários, a
família não se configurou significativamente como uma fonte de conhecimento sobre os
direitos, o que pode estar relacionado com o fato de, sendo adultos, os funcionários não
serem tão dependentes quanto o são crianças e adolescentes em seu processo de
socialização.
Outro ponto que estabeleceu ligação com o conhecimento dos DCA foi a opinião
dos participantes acerca do ECA. Para a grande maioria, o estatuto foi considerado um
instrumento relevante tanto com relação à defesa dos interesses das crianças e
adolescentes, quanto com relação ao trabalho ressocializador desenvolvido dentro da
instituição, mas que necessitava de dispositivos que garantissem sua efetivação, esta
mesma concepção foi observada no estudo desenvolvido por Oliveira (2007).
Entretanto, verificou-se também que menos da metade dos funcionários já tinham lido o
estatuto por completo. Esse dado gerou o seguinte questionamento: como os
funcionários julgam que o ECA seja útil e importante se eles não têm o conhecimento
acerca do seu conteúdo? Esse conhecimento parcial ou mesmo restrito sobre os direitos
e as fontes que os divulgam pode contribuir para a construção de representações
equivocadas e discriminatórias, como foi percebido quando se questionou sobre a
atuação das comissões de direitos humanos. Embora não tenha havido diferença
significativa entre os que concordaram e os que discordaram que as comissões só
serviam para proteger bandidos, a porcentagem dos que concordaram foi de quase
47,00%, o que é um indicador preocupante. Essa representação também foi observada
na TALP, onde os funcionários verbalizaram que, embora os DH sejam para todos, eles
só serviam para proteger bandido. Tal resultado coloca em questão o que, de fato, esses
funcionários conhecem e estão aprendendo sobre os direitos, seja em seu ambiente de
trabalho ou exterior a ele.
Acerca da responsabilidade quanto à garantia dos direitos, no plano abstrato os
funcionários julgaram que todos os segmentos da sociedade (governo, família, escola, a
instituição ressocializadora, os cidadãos brasileiros e eles próprios) deveriam estar
empenhados, entretanto, quando julgaram o cumprimento concreto dos DH, ou seja,
quem de fato fazia algo pela garantia dos direitos, foi verbalizado que eram somente
eles mesmos (os funcionários) e a instituição ressocializadora quem se empenhavam
nessa garantia. Esses resultados contrariam os da pesquisa desenvolvida por Spini e
Doise (1999), entretanto, corroboram os encontrados por Camino, Camino, Pereira e
Paz (2004), Pereira e Camino (2003), Pereira, Ribeiro e Cardoso (2004), em estudos
realizados com estudantes universitários e os da pesquisa de Gouveia (2007), realizada
com funcionários de um abrigo para crianças. Ao que tudo indica, a descrença na ação
do governo no que se refere à garantia dos direitos é uma representação característica do
contexto brasileiro.
Com relação ao empenho que os funcionários alegaram ter na garantia dos
direitos observou-se que, assim como os participantes da pesquisa de Gouveia (2007),
os do presente estudo consideraram que as ações que mais demonstravam esse empenho
foram, sobretudo, sua prática profissional. Ou seja, para esses funcionários, a aplicação
dos direitos se limitou ao ambiente de trabalho, e neste ambiente sobressaiu-se o
diálogo, que foi apontado como o a principal forma sobre a qual eles educavam os
adolescentes em DH. Mas o que dizer deste diálogo se os resultados apontam para um
conhecimento limitado ou mesmo um desconhecimento por parte dos funcionários?
Além disso, constatou-se, através do discurso dos profissionais, que as estratégias
voltadas para a educação em direitos é mais pautada na informação do que ação. Isto
leva a crer que, provavelmente, os funcionários não se dão conta de que embora eles
tenham um pensamento voltado para um trabalho eficaz dentro da instituição, a
realidade é que, na prática, há uma discrepância entre o que se pensa e o que se faz.
Essa discrepância foi novamente confirmada quando se perguntou sobre a
educação em DH, tanto voltada para os funcionários quanto para os adolescentes
institucionalizados. Observou-se que o artifício mais utilizado para formar e informar
sobre o tema foram as palestras e o diálogo. Ou seja, efetivamente não existe o cuidado
para com aqueles adolescentes ou para com a capacitação dos profissionais. Esse não
deixa de ser um dado preocupante, pois se acredita que a forma como sejam realizadas
tais palestras caracterize-se por um diálogo unilateral, não possibilitando espaço para
questionamentos, trocas de experiências e maiores reflexões. E também o diálogo
mencionado pode estar fundamentado em informações incompletas e errôneas. Nem
mesmo quando se apresentou a oportunidade de os participantes indicarem como
deveria ser uma capacitação ou uma formação em direitos humanos houve muita
variedade nas respostas, o que eles apontaram como estratégias de educação em DH
foram praticamente as mesmas ações e os mesmos recursos já utilizados. Possivelmente,
as outras poucas alternativas sugeridas seriam mais eficazes (trabalho com a família, a
sociedade e com outras instituições), uma vez que se estaria realizando um trabalho em
conjunto, responsabilizando todas as esferas sociais na garantia e respeito dos direitos.
Práticas como essas são as sugeridas pelo Plano Nacional de Educação em Direitos
Humanos.
O que se percebeu, entretanto, foi que, contrariando as propostas do PNEDH, a
preparação desses funcionários para atuarem como promotores e educadores em DH
parece ter sido a mesma para todos: cursos caracterizados por palestras oferecidos pela
própria instituição. E mais: como indicaram os próprios funcionários, de modo
esporádico. Julga-se que a forma como foram preparadas essas capacitações, seja com
relação ao conteúdo quanto em relação às pessoas por elas responsáveis, contribuíram
para uma homogeneização nas representações desses funcionários. Esta provável
homogeneização talvez tenha sido responsável pela não existência de diferenças
significativas entre o grupo dos técnicos e o grupo dos agentes sociais.
Ademais, reconhece-se a tentativa da instituição e dos funcionários em
realizarem e participarem de capacitações em direitos humanos. Contudo, acredita-se
que melhores resultados seriam observados quanto aos serviços oferecidos pela
instituição se houvesse uma preparação mais adequada em tais formações. O ideal seria
estabelecer parcerias e convênios com órgãos e entidades competentes que se
responsabilizassem pela realização de eventos educativos voltados para a educação em
DH. Julga-se também que a realização de trabalhos junto à família dos adolescentes e à
sociedade de um modo geral, viabilizaria um maior conhecimento de todos necessário à
reivindicação de melhores condições de atendimento dentro das instituições
ressocializadoras. Isto porque a questão do envolvimento dos adolescentes com atos
infracionais é um fato que deveria preocupar a todos e ser responsabilidade de todos.
Faz-se necessário a existência de um trabalho complexo, a fim de que a
responsabilidade não recaia somente para a instituição ressocializadora e ao mesmo
tempo, que esta possa ser ajudada e cobrada no desempenho de suas funções.
Em face desses resultados, acredita-se que novas práticas interventivas
possibilitarão uma mudança nas representações dos funcionários e contribuirão para a
formação de cidadãos mais conscientes e responsáveis socialmente. Práticas essas
caracterizadas por mais ações, tais como: a realização de projetos interventivos voltados
tanto para os funcionários quanto para os adolescentes e suas famílias podem trazer
bons resultados; envolvimento dos diferentes grupos sociais com os trabalhos realizados
dentro da instituição pode ser outra alternativa de ação; formação de comitês dentro da
comunidade que possam estar envolvidos de modo mais direto com a cobrança do
respeito e garantia dos direitos; elaboração de mensagens a serem divulgadas na mídia
que sejam fundamentadas em dados reais pode ser outra estratégia. Enfim, espera-se que
a partir dos resultados deste estudo, possam surgir novas discussões visando a
construção de uma representação positiva dos direitos e consequentemente uma nova
prática profissional.
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ANEXOS
TRI-DEUX Version 2.2 Analyse des ‚carts … l'ind‚pendance - mars 1995 Renseignements Ph.Cibois UFR Sciences sociales Paris V 12 rue Cujas - 75005 PARIS Programme ANECAR
Le nombre total de lignes du tableau est de 36 Le nombre total de colonnes du tableau est de 13 Le nombre de lignes suppl‚mentaires est de 0 Le nombre de colonnes suppl‚mentaires est de 4 Le nombre de lignes actives est de 36 Le nombre de colonnes actives est de 9
M‚moire disponible avant dimensionnement 498998 M‚moire restante aprŠs dim. fichiers secondaires 497604 M‚moire restante aprŠs dim. fichier principal 496308
AFC : Analyse des correspondances *********************************
Les valeurs propres, le phi-deux et la somme des carr‚s sont multipli‚s par 10 puissance 0 Les vecteurs propres sont multipli‚s par 10 puissance 3 Le phi-deux est de : 0.113639
Pr‚cision minimum (5 chiffres significatifs)
Le nombre de facteurs … extraire est de 2
Facteur 1
Valeur propre = 0.070572 Pourcentage du total = 62.1
Facteur 2
Valeur propre = 0.021433 Pourcentage du total = 18.9
Coordonn‚es factorielles (F= ) et contributions pour le facteur (CPF) Lignes du tableau *---*------*----*------*----* ACT. F=1 CPF F=2 CPF *---*------*----*------*----* 1 366 131 -156 78 1 2 121 2 271 31 2 3 -680 195 173 41 3 ali1 -46 1 115 15 alimen2 cida -509 101 133 23 cidada1 deve 316 19 349 78 devere1 dign -186 9 -14 0 dignid1 dird 358 25 368 87 dirdev1 dir1 15 0 136 10 dirdev2 dir2 -217 6 73 2 direit1 estu -283 52 -54 6 estudo1 est2 51 3 -28 3 estudo2 fam2 -254 25 -20 1 famili2 huma 50 0 327 46 humano1 igua 526 99 -151 27 iguald1
laze -218 12 -284 69 lazer1 laz1 -37 1 -52 7 lazer2 leil 582 44 66 2 leilei1 libe 41 1 -141 51 liberd1 lib1 167 7 127 14 liberd2 mora -144 11 -106 20 moradi1 mor1 -178 18 -123 29 moradi2 ndi1 258 11 -230 28 ndiscr2 prot 327 21 251 41 protec1 pro1 -154 5 161 17 protec2 psic -137 7 128 19 psicos2 ptgb 482 45 -16 0 ptgban1 resp -36 1 16 0 respei1 res1 136 14 90 20 respei2 res4 185 12 125 18 ressoc2 saud -189 26 -101 24 saude1 sau1 45 1 -53 5 saude2 segu 394 40 67 4 segura1 teor 299 20 203 31 teoria1 trab -164 8 288 80 trabal1 vida -370 27 -338 73 vida1 *---*------*----*------*----* * * *1000* *1000* *---*------*----*------*----*
Modalit‚s en colonne *---*------*----*------*----* ACT. F=1 CPF F=2 CPF *---*------*----*------*----* 0151 260 146 46 15 0152 -408 229 -72 23 0161 183 82 64 33 0162 -417 188 -146 76 0171 185 82 -21 3 0172 -381 169 43 7 0181 205 35 -473 615 0182 108 13 70 18 0183 -190 56 202 209 *---*------*----*------*----* * * *1000* *1000* *---*------*----*------*----* SUP. F=1 CPF F=2 CPF *---*------*----*------*----* 0150 0 0 0 0 0160 0 0 0 0 0170 0 0 0 0 0180 0 0 0 0 *---*------*----*------*----*
Fin normale du programme
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
Ilmo. Sr. Rildo Roberto da Silva Lima
Solicitamos de V. Sa. permissão para administrar em agentes desta instituição entrevistas referentes ao projeto intitulado “Representações de funcionários de uma instituição de ressocialização sobre os Direitos Humanos de adolescentes privados de liberdade”. Este projeto está sendo desenvolvido por pesquisadores do Núcleo de Pesquisas em Desenvolvimento Sócio Moral (NPDSM), sob a orientação da Profa. Dra. Cleonice Pereira dos Santos Camino.
A aluna responsável pela pesquisa é a mestranda Miriane da Silva Santos (residente à Rua Antônio Leopoldo Batista, 105, ap. 404 Bl. B, Jardim São Paulo, fone 88328303, matrícula 107100070).
O caráter desta pesquisa é estritamente científico, tendo por finalidade contribuir para o avanço nas áreas da Psicologia do Desenvolvimento e da Psicologia Social, através de estudos sobre os Direitos Humanos no contexto institucional.
Em relação aos resultados que serão obtidos, notificamos que nenhuma informação pessoal será levada a público. Os resultados serão analisados de forma global e apresentados em fóruns científicos – poderão, ainda, ser apresentados a V. Sa. caso seja de seu interesse.
Certos de contarmos com vossa colaboração, agradeço antecipadamente.
________________________________ Miriane da Silva Santos
(responsável pela pesquisa)
________________________________ Rildo Roberto da Silva Lima (responsável pela instituição)
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
Termo de Consentimento Livre Esclarecido.
Esta pesquisa intitula-se “Representações de funcionários de uma instituição de ressocialização sobre os Direitos Humanos de adolescentes privados de liberdade” e está sendo desenvolvida por pesquisadores do Núcleo de Pesquisas em Desenvolvimento Sócio Moral (NPDSM), sob a orientação da Profa. Dra. Cleonice Pereira dos Santos Camino. O objetivo da mesma é analisar o que pensam os agentes desta instituição acerca dos Direitos Humanos. Os resultados deste estudo permitirão contribuir para o desenvolvimento de programas de educação em Direitos Humanos.
Solicitamos sua permissão para responder a uma entrevista, como também autorização para apresentar os resultados deste estudo em eventos científicos e publicá-los em revista científica. Por ocasião da publicação dos resultados, seu nome será mantido em sigilo.
A sua participação na pesquisa é voluntária e, portanto, você não é obrigado (a) a fornecer informações e/ou colaborar com as atividades solicitadas pelo pesquisador. Caso decida não participar do estudo, ou resolva a qualquer momento desistir do mesmo, não sofrerá nenhum dano. Os pesquisadores estarão a sua disposição para qualquer esclarecimento que considere necessário em qualquer etapa da pesquisa.
João Pessoa, _____ de _______________ de _________
________________________________ _______________________ Cleonice Pereira dos Santos Camino Miriane da Silva Santos (coordenadora do NPDSM e orientadora) (responsável pela pesquisa)
__________________________________
Assinatura do (a) participante
Maiores informações sobre a pesquisa, entrar em contato com o pesquisador responsável: Nome: Miriane da Silva Santos E-mail: [email protected] Telefone: (83)88328303
Este questionário faz parte de um projeto de pesquisa do Mestrado em Psicologia Social da Universidade Federal da Paraíba, sob responsabilidade da mestranda Miriane Santos e sua orientadora Cleonice Camino. Ele contém questões referentes a dados sócio-demográficos e à vida em sociedade. Não existem respostas certas nem erradas, apenas pretende-se saber o que você pensa sobre os temas em questão. A entrevista é anônima. O que interessa são os resultados de uma forma geral e não os de cada participante.
Parte I (Dados sócio-demográficos)
Idade: _______________ Sexo: ______________ Escolaridade: ________________ Profissão: ______________ Funcionário do Estado? __________ Tempo de atuação: ____________
Parte I: Técnica da Associação Livre
Expresse, por favor, as três primeiras coisas que vêm a sua mente ao ouvir o termo: - Direitos Humanos
- Direitos da Criança e do Adolescente
Parte III (Concepções sobre Direitos Humanos)
1- Com relação aos Direitos Humanos, para você, o que é ter um direito?
2- Quais direitos você conhece?
3- Onde você ouviu falar sobre esses direitos? ( ) Mídia (televisão, rádio, livros, revistas, jornais, panfletos, etc.) ( ) Escola (professores, funcionários, colegas de classe, etc.) ( ) Familiares (pais, avós, tios, primos) ( ) Amigos ( ) Na instituição ( ) Ninguém, aprendeu sozinho ( ) Desconhecidos ( ) Outros Quem? _____________________________________________________________
4- O que você acha do Estatuto da Criança e do Adolescente?
4b) Você já leu este Estatuto?
4c) O quanto você o considera importante?
Nada Importante
Pouco Importante
Mais ou menos importante
Importante
Muito Importante
5- Quais são os Direitos da Criança e do Adolescente que você conhece?
6- Em relação às entidades abaixo indicadas, o quanto você considera que cada uma delas deve cuidar para que os Direitos da Criança e do Adolescente sejam respeitados?
Entidade Nada Pouco Mais ou menos Muito Muitíssimo A Família A Escola O Governo Você Mesmo Esta Instituição Cidadãos Brasileiros
7- O quanto cada uma das entidades abaixo indicadas cuida, de fato, dos Direitos da Criança e do Adolescente?
Quem Nada Pouco Mais ou menos Muito Muitíssimo A Família A Escola O Governo Você Mesmo Esta Instituição Cidadãos Brasileiros
8- Quem deve fazer mais pelos Direitos Humanos?
Instituições Governamentais ( ) Instituições Não Governamentais ( ) 8b) Quem, de fato, faz mais pelos Direitos Humanos?
Instituições Governamentais ( ) Instituições Não Governamentais ( )
9- Muitas pessoas dizem que as comissões de Direitos Humanos só defendem presos e bandidos. O que você acha disso?
Parte IV (Educação em Direitos Humanos)
1- Você acha que como funcionário desta instituição, você se empenha o bastante para a aplicação dos Direitos Humanos?
1b) Como?
2- O que você destaca como mais importante na sua atuação para a aplicação dos Direitos Humanos?
3- Você se sente preparado para educar em Direitos Humanos?
4-Você recebeu alguma espécie de capacitação ou ensinamento em Direitos Humanos?
4b) Dentro ou fora da instituição?
5- Através de que técnicas (quem ensinou e qual o material utilizado)?
6- Em sua opinião, como pode ser feita uma capacitação em Direitos Humanos para os agentes dessa instituição?
7- Vocês falam sobre direitos aos adolescentes desta instituição: Nada( ) Pouco ( ) Mais ou Menos ( ) Muito ( ) Muitíssimo ( )
8- De que forma? (que técnicas e materiais são utilizados)
9- Em sua opinião, como deveria ser uma educação em Direitos Humanos em relação aos adolescentes internos?
10- Como uma instituição como essa pode defender e promover os Direitos Humanos?
Muito Obrigada!
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