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PRODUÇÃO TEXTUAL A PARTIR DA LEITURA DE CONTOS

Sandra Mara BRIEGA 1

Jaime SANT‟ANNA 2

Resumo: Este artigo tem como finalidade apresentar o desenvolvimento e os principais resultados obtidos no decorrer da implementação do projeto: Produção textual a partir da leitura de contos. Este foi idealizado visando ao desenvolvimento das práticas discursivas de oralidade, leitura e escrita numa turma de 40 alunos do 9° ano do ensino fundamental. Para a realização do trabalho, foi utilizado a metodologia sequência didática, proposta por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004). Neste artigo, são expostas e analisadas algumas produções dos teóricos que fundamentam conceitos do ISD, do Interacionismo Sociodiscursivo (BRONCKART, 2003) e da teoria dos Gêneros Discursivos. No decorrer do trabalho, são apresentadas as reflexões realizadas durante a implementação e os resultados obtidos no final do projeto. Palavras-chave: Sequência didática; Conto de suspense; Produção Escrita.

1. INTRODUÇÃO

Pode-se observar, por intermédio de avaliações como a Prova Brasil e o

Sistema de Avaliação da Educação Básica do Paraná (Saep), que a maioria dos

alunos que chegam ao 9º ano tem dificuldade para ler, interpretar e escrever textos.

Este projeto teve como objetivo contribuir para a melhoria do ensino da

Língua Portuguesa na educação básica da escola pública do Paraná, e está

embasado nas Diretrizes Curriculares da educação básica (PARANÁ, 2008). Tais

diretrizes se apoiam em concepções teóricas recentes e inovadoras, trazendo a

noção de gênero, do discurso textual como configuração das práticas discursivas

para o primeiro plano nas discussões relacionadas ao processo de ensino-

aprendizagem.

1Graduação em Letras pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Especialização em Didática e

Metodologia de Ensino pela Universidade Norte do Paraná (Unopar). Professora de Língua portuguesa da Rede Estadual de Ensino no município de Cambé, Núcleo Regional de Londrina – PR.

2Jaime dos Reis Sant‟Ana é professor doutor de Literatura Infantojuvenil na Universidade Estadual de Londrina (UEL).

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As Diretrizes propostas assumem uma concepção de linguagem que não se

fecha “na sua condição de sistema de formas [...] mas abre-se para sua condição de

atividade e acontecimento social, portanto estratificada pelos valores ideológicos”

(RODRIGUES apud PARANÁ, 2008, p.49). Dessa forma, a linguagem é vista como

um fenômeno social, pois nasce da necessidade de interação (política, social e

econômica) entre os homens.

Para que a escola consiga promover o letramento, isto é, formar sujeitos

capazes de utilizar a leitura e a escrita no seu cotidiano, faz-se necessário repensar

tanto como ensinar, nas metodologias, como no objeto da leitura, os textos, e buscar

estratégias que façam das aulas de leitura uma prática social. Ainda, segundo as

Diretrizes Curriculares Estaduais, “é tarefa da escola possibilitar que seus alunos

participem de diferentes práticas sociais que utilizem a leitura, a escrita e a

oralidade, com a finalidade de inseri-los nas diversas esferas de interação”

(PARANÁ, 2008, p.48).

Nessa perspectiva, torna-se evidente a importância de se trabalhar com as

práticas discursivas sociais, por meio dos gêneros do discurso, que permitem essa

interação social, tomando por base as proposições do interacionismo bakhtiniano e

do interacionismo sociodiscursivo de Bronckart (2003).

De acordo com as Diretrizes (PARANÁ, 2008, p. 50), cabe ao professor de

Língua Portuguesa propiciar ao educando a prática, a discussão e a leitura de textos

das diferentes esferas sociais. Sob o exposto, defende-se que as práticas

discursivas abrangem, além dos textos escritos e falados, a integração com outras

linguagens (multiletramentos). Portanto, pensar o ensino-aprendizagem tendo como

ponto de partida as práticas discursivas sociais, materializadas mediante os gêneros

do discurso, faz com que seja necessário ao educador propiciar um ambiente que

favoreça o envolvimento do sujeito com os diferentes tipos de textos, mediando e

proporcionando situações para que ele se torne um indivíduo crítico e reflexivo.

Quando um gênero textual é colocado como eixo para a produção, é

possível considerá-lo um modelo textual para a ampliação do repertório textual do

aluno, que poderá constituir uma fonte de escolhas tanto de estruturas linguísticas

específicas como de formas para delinear o estilo da escrita. A ideia de modelo é

calcada na concepção de gênero como uma “forma relativamente estável” de texto

(BAKHTIN, 2003).

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Nessa perspectiva, pode-se pensar no trabalho com gêneros para promover

o multiletramento dos alunos. Para o desenvolvimento deste trabalho, optou-se pelo

narrar ficcional (conto de suspense). Vários fatores contribuíram para a seleção

desse gênero. A escolha de narrativas de suspense como alternativa para o trabalho

sistematizado de ensino-aprendizagem, com gênero textual, foi uma tentativa de

atrair os adolescentes para o universo da leitura e da escrita.

Para Raúl Castagnino (apud GOTLIB, 1990, p. 12), “o conto não se refere só

ao acontecido. Não tem compromisso com o evento real. Nele, realidade e ficção

não têm limites precisos. Um relato copia-se; um conto inventa-se”.

Portanto, ao apresentar essa proposta de trabalho didático a partir do conto,

espera-se levar o aluno a participar efetivamente do processo de ensino e

aprendizagem da língua materna. A partir desse gênero, é possível trabalhar com os

alunos as quatro práticas discursivas que fundamentam o ensino de Língua

Portuguesa: oralidade, leitura, escrita e análise linguística.

Para a realização dessa proposta, foi desenvolvida uma sequência didática

(SD), que, conforme Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 97), “é um conjunto de

atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero

textual oral ou escrito”. Ainda segundo os autores, “esta metodologia permitirá aos

alunos a apropriação das noções, técnicas e instrumentos necessários ao

desenvolvimento de suas capacidades de expressão oral e escrita, em situações de

comunicação”.

Para o melhor entendimento do trabalho realizado, este artigo encontra-se

organizado da seguinte forma: primeiramente apresenta-se uma breve reflexão

sobre gêneros do discurso, em seguida especifica-se o gênero conto de suspense e

a metodologia da SD, relatando a experiência na sala de aula. Por último, menciona-

se os resultados principais da implementação na escola e das contribuições dos

professores que participaram do Grupo de Trabalho em Rede (GTR). Em ambos os

processos (implementação e GTR), foi de grande importância as contribuições de

todos professores estaduais que participaram desse grupo de estudos virtual (GTR),

previsto no Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE).

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2. DESENVOLVIMENTO

2.1 Por que trabalhar com gênero?

Atualmente, o ensino da língua materna na educação básica está pautado

no trabalho com os gêneros. Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais, o

aprimoramento da competência linguística do aluno acontecerá com maior

propriedade se lhe for dado conhecer, nas práticas de leitura escrita e oralidade, o

caráter dinâmico dos gêneros discursivos. O trânsito pelas diferentes esferas de

comunicação possibilitará ao educando uma inserção social mais produtiva no

sentido de poder formular seu próprio discurso e interferir na sociedade em que está

inserido.

Tendo em vista o exposto, o papel da escola é importante para (re)construir

uma situação de produção e recepção dos textos, visando ao maior êxito no objetivo

de formar leitores/produtores de textos, socialmente eficazes e críticos. Nessa

perspectiva, Geraldi (1991 p. 189) aponta a condição necessária para que essa

prática se concretize em sala de aula, quando diz que criadas as condições para as

atividades interativas efetivas em sala de aula, quer pela produção de textos, quer

por sua leitura, é no interior e a partir destas que a análise linguística se dá.

Quanto ao estudo dos gêneros em sala:

No caso da prática da leitura, o que se tem ressaltado é que a escola precisa formar leitores críticos que consigam construir significados para além da superfície do texto, observando as funções sociais da leitura e da escrita nos mais variados contextos, a fim de levá-los a participar plena e criticamente de práticas sociais que envolvem o uso da escrita e da oralidade. A noção, portanto, de prática social, convoca um dos primeiros argumentos em defesa do uso dos gêneros em sala de aula.

Podemos considerar as práticas sociais como formas de organização de uma sociedade das atividades e das ações realizadas pelos indivíduos em grupos organizados (HILA, 2009, p.159).

Para Bakhtin (2003), a comunicação não acontece por palavras, frases ou

textos, mas por gêneros que circulam socialmente e podem garantir cidadania. Hila

(2009) afirma que é no contato com os diferentes gêneros textuais que a criança se

insere nas mais variadas práticas sociais, possibilitando seu efetivo letramento.

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2.2 Os gêneros do discurso e sua contribuição para o ensino da Língua

Portuguesa

As Diretrizes Curriculares Estaduais (DCEs) incentivam a escola a fim de

que promova, por meio de uma variedade de textos, com funções sociais diferentes,

o letramento do aluno, para que ele se envolva em diversas práticas discursivas.

Cabe à escola possibilitar a participação de seus alunos em diferentes práticas

sociais que utilizem a leitura, a escrita e a oralidade, pois, dessa maneira, serão

inseridos nas diversas esferas de interação. Se a escola desconsiderar esse papel,

o sujeito ficará à margem de novos letramentos, não conseguindo se constituir no

âmbito de uma sociedade letrada.

Na visão bakhtiniana, texto é uma unidade de manifestação do pensamento,

da emoção, do sentido, do significado. Quando o texto se insere em uma relação

dialógica, ele torna-se um enunciado de comunicação, um todo de sentido, mas

quando fora desse contexto, é apenas uma entidade linguística, pois “cada esfera de

utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo

isso que denominamos gêneros do discurso” (BAKHTIN, 2003 p. 280).

Nascimento (2009) enfoca a noção de gênero como “instrumento

(socialmente elaborado) que media, representa e materializa a prática de linguagem

de um enunciador”, que se apresenta em forma de um texto que circula na

sociedade.

Portanto, segundo Hila (2009), é tarefa dos professores dar oportunidade

aos alunos de se apropriarem das características discursivas e linguísticas dos mais

variados gêneros discursivos, inseridos em práticas reais e contextualizadas, de

modo a fazê-los letrados.

2.3 Considerações sobre o gênero do narrar pertencente à esfera da criação

literária

Diversas são as definições para o conto, porém, todas chegam à conclusão

de que contos são narrativas do gênero literário da prosa de ficção, geralmente

curtas, nas quais o escritor cria seus personagens e monta determinada situação de

maneira bem concisa. Frequentemente, contam-se a amigos histórias sobre

acontecimentos da vida diária. Dessa forma, o escritor precisa saber pintar – com

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poucos traços – pessoas, cenários e tramas que sejam convincentes. Os

personagens do conto são em geral retratados rapidamente e com poucos detalhes.

Para Nádia Battella Gotlib (1990), conto é a designação dada à forma

narrativa de menor extensão e que se diferencia do romance e da novela não só

pelo seu tamanho, mas também por possuir características estruturais próprias.

Assim como muitos outros gêneros literários, e os também de imprensa, de

divulgação científica, de publicidade, ele é considerado pelos Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCNs) uma das referências básicas a partir da qual o

trabalho com o texto – unidade básica de ensino – precisará se organizar. Segundo

os referenciais curriculares (BRASIL, 1998, p. 53-54), o conto faz parte de um grupo

de gêneros literários cujo domínio é fundamental à efetiva participação do aluno na

sociedade.

Para Raúl Castagnino (apud GOTLIB, 1990, p. 12), “o conto não se refere

só ao acontecido. Não tem compromisso com o evento real. Nele, realidade e ficção

não têm limites precisos. De acordo com Gotlib (1990, p. 13),

A história do conto pode se esboçar a partir deste critério de invenção, que foi se desenvolvendo. Antes, a criação do conto e a sua transmissão oral, depois, seu registro escrito. E posteriormente, a criação por escrito de contos, quando o narrador assumiu esta função: de contador-criador-escritor de contos, afirmando, então, o seu caráter literário.

Os gêneros da esfera literária mais explorados no processo de ensino-

aprendizagem são romances, novelas, fábulas, contos e crônicas, porém, neste

projeto, o enfoque é o conto de suspense.

O conto sempre fascinou o ser humano. Nas palavras ditas ou escritas de

um bom narrador, os acontecimentos adquirem vida. É a arte da palavra, em que

viaja-se para outro mundo real. Lá acompanha-se os personagens em suas

aventuras e em seus dramas e compartilha-se suas alegrias e tristezas.

Geograficamente, o espaço no conto é limitado, restringe-se ao necessário

para que ocorra o enredo. Da mesma forma, ocorre a unidade de ação e de tempo.

O contista apresenta uma síntese dramática que contém o mínimo de informações,

somente as necessárias para descrever os acontecimentos que envolvem a ação

dramática. Moisés (1967) explica que o conto prima pela objetividade, dispensando

detalhes descritivos e explicativos

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O conto, por ser uma narrativa breve, possibilita trabalhar de forma mais

ampla esse gênero textual, contribuindo para que o aluno, com a devida

intermediação, possa realizar uma leitura crítica e fazer inferências, o que seria mais

difícil de acontecer se, por ventura, o educando tivesse de ler individualmente como

atividade extraclasse narrativas longas, as quais normalmente são mais complexas.

Para estimular, no educando, o gosto pela leitura, o professor precisa, antes, ser

leitor. Uma leitura constante, não só de contos, mas também de outros gêneros

textuais, proporcionará ao professor maior facilidade em sua prática de sala de aula.

Nesse sentido, o conto policial, de mistério, de terror ou de acontecimentos

sobrenaturais, isto é, temas que escapam à explicação racional, ao mundo real,

presentes na cultura popular despertam o fascínio dos adolescentes e das crianças,

e por isso constituem um material rico para o imaginário do leitor. Geralmente, o

conteúdo dramático dessas obras se resume ao relato de uma única situação de

conflito, capaz de proporcionar um trabalho, e pode favorecer um trabalho rico em

sala de aula.

Segundo D‟Onofrio (1995), o suspense pode ser entendido como a “arte de

manter „em suspenso‟ o leitor ou espectador, quer pelo enigma da realização de um

crime, quer pela investigação da identidade do assassino”. Essa característica tem

suas origens em narrativas antigas, como as história árabes contadas em Mil e uma

noites e as narrativas chinesas do século XVIII. Mas foi somente no século XIX que

a narrativa de suspense atinge o status de gênero com a estrutura e as

características as quais tem atualmente. O conto “Assassinatos na rua Morgue”, que

o escritor americano Edgar Alan Poe publicou em 1841, é considerado a primeira

história policial como temos hoje.

No caso específico deste projeto de intervenção pedagógica, a intenção é

trabalhar o suspense, o qual é muito apreciado pelos adolescentes. Este é um tipo

de narrativa que seduz pelo desconhecido e que surpreende e fascina o leitor.

2.4 Proposta do interacionismo sociodiscursivo

A teoria do interacionismo sociodiscursivo é também conhecida por sua sigla

ISD. Suas bases, entre outras teorias, são atribuídas ao interacionismo social de

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Vygotsky (2005) e à teoria do discurso de Bakhtin (2003).1 O pesquisador mais

conhecido é o belga Jean-Paul Bronckart (2003) e sua equipe da Universidade de

Genebra (Unige).

O interacionismo sociodiscursivo “leva analisar as condutas humanas como

ações significantes, ou como „ações situadas‟, cujas propriedades estruturais e

funcionais são antes de tudo, um produto da socialização” (BRONCKART, 2003,

p.13). É nesse contexto teórico que Bronckart afirma que o gênero textual pode ser

um instrumento de ensino o qual permite que a prática da linguagem se materialize.

Bronckart (2003) propõe uma análise de gêneros textuais em dois planos.

O plano proposto por Bronckart (2003), apresenta uma análise de gêneros

textuais em dois planos. O primeiro trata-se da análise do contexto de produção, que

o autor define como “parâmetros da situação de ação”, os quais apontam as

propriedades de dois mundos, o mundo físico e o social e subjetivo, que podem

influenciar sobre a produção de um texto.

Nesse plano, pensando na análise de um texto do gênero do narrar, analisa-

se primeiramente os quatro parâmetros do mundo físico estabelecidos por Bronckart

(2003, p. 93). O lugar de produção, numa narrativa, refere-se ao lugar onde se situa

o texto; o momento de produção refere-se ao tempo utilizado para a realização da

produção; emissor: quem produziu o texto, ou seja, o autor ou o escritor do texto; o

receptor: quem, concretamente, pode receber ou recebe o texto.

Da mesma forma, o mundo social pode ser decomposto em quatro

parâmetros: o lugar social, em que forma de interação comunicativa ocorreu a

produção (escola, família etc.); a posição social do emissor: que papel social exerce

o enunciador (aluno, professor, escritor etc.); o destinatário (posição social do

receptor: aluno, filho etc.); e o(s) objetivo(s) da interação: que efeitos o enunciador

queria produzir no destinatário.

O folhado textual são três camadas superpostas responsáveis pela

organização dos textos: a) infraestrutura global do texto (plano geral/global do texto,

tipos de discurso, sequências); b) mecanismos de textualização (conexão, coesão

nominal e verbal); c) mecanismos enunciativos (modalizações e vozes presentes no

texto).

1Além desses teóricos, destacam-se, entre outros, Spinoza, Ricouer, Habermas, Leontiev e Saussure como

influências ao ISD.

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Convém lembrar que, embora o contexto físico seja importante porque dá

origem ao texto, é o contexto sociossubjetivo que promove a interação comunicativa.

2.5 Importância do modelo didático de gênero

A expressão “modelo didático de gênero” surgiu em Genebra-Suíça com o

objetivo de subsidiar o trabalho docente e favorecer o ensino-aprendizagem na

compreensão/produção de textos em língua materna. Esse modelo foi proposto pelo

interacionismo sociodiscursivo, categorias de análise para construção de modelos

didáticos que abarquem os diferentes recursos semióticos dos gêneros focalizados,

tendo em vista o desenvolvimento de capacidades que implicam multiletramentos.

O modelo didático de gênero (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004) definirá o objeto

dos alunos. Esse modelo é, na verdade, uma espécie de pesquisa sobre o gênero, a

qual apontará os objetos ensináveis, que poderão ser objetos de ensino-

aprendizagem dentro de uma situação de comunicação específica.

Pela metodologia de análise interacionista sociodiscursiva de Bronckart

(2003), tais modelos didáticos e sequências didáticas constituirão, desse modo,

ferramentas importantes para o delineamento dos objetivos a serem propostos na

didatização desses gêneros.

Segundo Schneuwly e Dolz (2004, p. 7), o modelo didático constitui uma

síntese prática, destinada a orientar as intervenções dos docentes; ele esclarece as

dimensões ensináveis a partir das quais diversas sequências podem ser concebidas.

2.5.1 Como se elaborar um modelo didático de gênero

Para Nascimento e Hila(2010), o modelo didático de gênero é uma espécie

de pesquisa sobre o gênero. A partir dos textos, deve-se fazer um estudo

identificando as principais características textuais, linguísticas e discursivas. Em

seguida, é necessário definir os elementos ensináveis de acordo como nível dos

alunos.

A elaboração desse modelo deve seguir os três níveis de análise textual

(BRONCKART, 2003), os quais correspondem às capacidades linguísticas,

conforme explica o quadro ilustrativo a seguir, adaptado de Lousada (2006).

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Quadro 1 – Níveis de análise de gênero textual para elaboração do modelo didático

NÍVEIS DE ANÁLISE ASPECTOS A SEREM ANALISADOS

(Inicialmente pelo professor e em seguida

transformados em exercícios para os

alunos)

O contexto de produção/capacidade de

ação

-Qual é o gênero textual e em que suporte é

encontrado?

- Quando? Momento psíquico e subjetivo.

- Quem escreveu/falou? (Papel social do

emissor).

-A quem? (papel social do receptor).

- Onde? Lugar psíquico institucional.

- Para quem? Objetivo da interação.

A organização textual/capacidade

discursiva:

Tipos de sequência dominantes.

Tipos de discursos dominantes.

- Plano global do texto – escolhas e ordem

do conteúdo.

- Sequência narrativa, descritiva, dialogada,

descritiva de ações, explicativa,

argumentativa.

- Discurso implicado/autônomo

Os aspectos linguístico-

discursivos/capacidade linguístico-

discursiva

- Coesão textual

- Conexão textual

- Voz

- Modalização

Fonte: Lousada (2006).

2.5.2 Modelo didático de gênero – conto de suspense

O modelo didático de gênero (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004) definirá o objeto

de aprendizagem dos alunos. Esse modelo é, na verdade, uma espécie de pesquisa

sobre o tema, o qual apontará os objetos ensináveis, que poderão ser objetos de

ensino-aprendizagem dentro de uma situação de comunicação específica.

Um gênero textual, quando colocado como eixo para a produção, pode ser

considerado um modelo textual para a ampliação do vocabulário do aluno, sendo

possível constituir uma fonte de escolhas tanto de estruturas linguísticas específicas

como de formas para delinear o estilo da escrita. A ideia de modelo é calcada na

concepção de gênero como uma “forma relativamente estável” de texto (BAKHTIN,

2003).

Para a realização desse modelo didático, optou-se pelo conto de suspense

por ser um dos mais apreciados pelos alunos do 9º ano e pela expectativa e

curiosidade que ele causa no leitor. Em relação ao ensino de gêneros – nesse caso,

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o conto de suspense –, faz-se necessária a construção de materiais didáticos

adequados, que propiciem a transposição didática dos conhecimentos científicos

sobre o assunto para o nível dos conhecimentos a serem efetivamente ensinados,

de acordo com o nível das capacidades dos alunos.

Segundo os autores citados, para se realizar esse estudo, é preciso: a)

buscar um conjunto de textos protótipos do gênero; b) conhecer o estado de arte dos

estudos já desenvolvidos sobre ele; c) levantar as características protótipos do

gênero em questão em relação à esfera de atividade que circula; d) identificar os

seus temas; e) reconhecer a arquitetura textual; f) caracterizar os seus mecanismos

linguísticos enunciativos.

A partir do modelo didático, foi criada uma SD, a qual apontou as

regularidades do gênero que foi objeto de ensino nas diferentes etapas do projeto

didático.

O gênero textual conto de suspense foi escolhido para a produção deste

material devido à possibilidade de poder explorá-los de maneira mais profunda e,

com isso, estimular nos alunos o hábito de ler, pois ele provoca como foi dito

anteriormente, uma atmosfera de incerteza e dúvida de ansiosa expectativa. A partir

daí, pode surgir o interesse dos alunos pela leitura de outros gêneros.

3. SEQUÊNCIA DIDÁTICA DO GÊNERO CONTO DE SUSPENSE

As sequências didáticas definem-se como:

[...] um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual. Elas têm precisamente a finalidade de ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de texto, permitindo, assim, escrever ou falar de uma maneira mais adequada, em dada situação de comunicação. Servem, portanto, para dar acesso aos alunos a práticas de linguagens novas ou dificilmente domináveis (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 97).

A aplicação dessa metodologia permite explorar as características do

modelo didático, um conjunto de ideias e de formas de atuação que se relacionam

com o conhecimento escolar, o que constitui-se como fonte de informações para o

professor acompanhar e orientar as práticas de estudo do gênero narrativa de

suspense.

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Após a elaboração do modelo didático de gênero, é hora de iniciar a SD

propriamente dita. O primeiro passo é ter em mãos a coletânea de textos – contos

de suspense –, bem como um modelo didático desse gênero. Em seguida, deve-se

preparar as etapas do trabalho a ser realizado pelos alunos. As atividades que serão

desenvolvidas dentro dessas etapas devem ser bem articuladas, para permitir aos

alunos uma apropriação progressiva das características discursivas e linguísticas

desse tipo de texto.

A partir do modelo didático do gênero, que será o alvo da transposição

didática, passa-se ao momento de elaboração do trabalho a ser realizado. Para isso,

o instrumento utilizado para a mediação das atividades foi uma SD do gênero contos

de suspense.

3.1. O Projeto de Intervenção Pedagógica na Escola

Essa SD foi organizada em seis módulos, com propostas de atividades

articuladas a uma prática discursiva da esfera da comunicação da criação literária.

Muitas pesquisas indicam que as práticas sociais discursivas configuradas nos

gêneros textuais viabilizaram o trabalho com todos os eixos de ensino: a leitura, a

produção, a oralidade e a análise linguística. Os objetos sociais/práticas discursivas

de referência materializados em gêneros textuais constituem um instrumento

mediador para as atividades didáticas inseridas em projetos de comunicação bem

definidos e significativos para os alunos, pois garantirão a eles o motivo, a vontade e

o prazer de nele participarem (NASCIMENTO, 2009).

O gênero conto de suspense foi escolhido por ser muito apreciado pelos

adolescentes e também por ser um tipo de narrativa que seduz pelo desconhecido e

que surpreende e fascina o leitor. Os contos selecionados para a realização do

trabalho foram:

A) Conto: “Um crime quase perfeito”

Autor: Robert Arlt (autor argentino nascido em Buenos Aires, Argentina, em 1900).

Suporte de circulação: faz parte do livro didático: Português: a arte da palavra, de

Gabriela Rodella, Flávio Nigro e João Campos, publicado pela editora FTD, São

Paulo,2009.

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B) Conto: “O Gato Preto”

Autor: Edgar Alan Poe (autor americano, nascido em Boston, EUA, em 1809).

Suporte de circulação: o conto faz parte da coletânea de contos Assassinato na Rua

Morgue e outras histórias, de Edgar Allan Poe, publicado pela editora L&PM, Porto

Alegre, 2005.

C) Conto: “Passeio noturno”

Autor: Rubem Fonseca (autor brasileiro, nascido em Juiz de Fora, Minas Gerais, em

1925).

Suporte de circulação: o conto faz parte do livro didático Literatura, Gramática e

Redação - 2º grau. Volume 2, da autora Beth Griffi, publicado pela editora Moderna,

São Paulo, 1991.

Os contos citados foram lidos pelos alunos e todos narram histórias com

suspense, cativando e provocando curiosidade e expectativa no leitor. A seguir, é

exposta a sequência do trabalho realizado.

O primeiro passo foi a apresentação do projeto aos diretores, à equipe

pedagógica e ao corpo docente do Colégio, em que foi feita a exposição do tema, da

justificativa, dos objetivos e dos procedimentos. Essa apresentação foi realizada no

início do ano letivo de 2017.

Seguindo o curso das atividades propostas pelo PDE, no 1° semestre de

2017, ocorreu a implementação do projeto com a aplicação da SD com o gênero

textual contos de mistério/suspense, com o objetivo de buscar novos caminhos para

a produção de textos no ensino de Língua Portuguesa e um melhor desenvolvimento

da linguagem escrita dos alunos.

Para a realização desse trabalho, além dos livros já mencionados, foram

utilizados textos impressos, slides com informações verbais e imagens, livros e

filmes.

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4. DESENVOLVIMENTO DA PROPOSTA

No decorrer da SD, foram desenvolvidos seis módulos. Serão apresentadas

neste artigo algumas atividades realizadas no decorrer do trabalho e a relevância

delas para o desenvolvimento cognitivo dos alunos.

4.1 Apresentação da situação

O trabalho teve início com uma conversa com os alunos sobre o gênero

selecionado para o desenvolvimento do projeto. Foram feitos os seguintes

questionamentos: vocês sabem o que é conto? O que é suspense? Após a

apresentação de tais questões, foi solicitado que pesquisassem em dicionários as

palavras “conto” e “suspense”, e, coletivamente, no quadro, anotassem a definição

de cada uma.

Em seguida, foi abordado um pouco do contexto histórico do gênero conto

de suspense (quando surgiu, onde surgiu, quem foram os primeiros escritores, que

tema eles abordam). Na sequência, foi informado à turma que esse seria o gênero

trabalhado no decorrer do projeto.

Para que a turma se familiarizasse um pouco mais com o tema, foram feitos

os seguintes questionamentos: quais os contos de suspense que vocês conhecem?

Que tipo de histórias tem suspense? Vocês já assistiram a algum filme que tenha

suspense? Qual?

Depois disso, foi informado aos alunos que essas narrativas são chamadas

contos de suspense porque provocam curiosidade e expectativa no leitor. Eles foram

incentivados a apresentar para a turma algum conto de mistério ou suspense que

conheciam. Após a contação de algumas histórias, ocorreu um debate sobre o que

eles acharam delas, se eram reais ou inventadas, como surgiram, se já conheciam a

história narrada ou outra versão dela. Os participantes citaram histórias pertencentes

ao folclore brasileiro e outros clássicos da literatura universal. Foi interessante

observar que alguns alunos acreditam realmente que algumas histórias são reais,

especialmente as pertencentes ao folclore brasileiro, como a do lobisomem e a do

saci.

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Antes de iniciar a primeira produção, conversou-se um pouco mais sobre as

características do conto de suspense, lançando-se a seguinte pergunta: quais são

as características do conto de suspense?

Após as respostas, o professor deu algumas explicações tais como: o texto é

curto, condensado, apresenta poucas ações; o tempo e o espaço são reduzidos; o

enredo é estruturado em introdução, complicação, clímax e desfecho; apresenta

geralmente narrador-protagonista; emprega, em geral, a variedade padrão da língua

e os verbos no passado; os ambientes retratados são sombrios, noturnos,

macabros, mórbidos, povoados por indivíduos melancólicos, pessimistas, sem

perspectivas, decadentes.

Posteriormente aos esclarecimentos com as primeiras informações sobre a

realização do trabalho, foi solicitado que produzissem um conto com suspense e

depois iniciou-se o reconhecimento do gênero, utilizando-se, como já dito, uma SD.

Para conseguir atingir os objetivos propostos, as atividades foram realizadas

a partir do esquema da SD proposto por Dolz, Noverraz, Schneuwly (2004).

1. Apresentação da situação – o professor expõe aos alunos a tarefa oral ou escrita a ser realizada. 2. Produção inicial (oral ou escrita) – permite ao professor avaliar os conhecimentos que os alunos têm sobre o gênero textual proposto e que capacidades precisam ser desenvolvidas. 3. Módulos – atividades e tarefas em que os alunos aprimoram domínio do gênero textual em estudo. 4. Produção Final – essa produção final serve para avaliar os progressos e conhecimentos adquiridos (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p.29).

Com a verificação dos textos da produção inicial, as principais dificuldades

diagnosticadas foram:

Ausência de título;

Início de parágrafos com letra minúscula;

Corpo do texto com ausência de parágrafos;

Uso de mecanismos inadequados de conexão;

Uso indevido da coesão verbal e nominal;

Predomínio da voz do narrador;

Ausência de discurso direto, e quando havia, ele se confundia com a voz

do narrador.

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Léxico reduzido;

Dificuldades ortográficas.

Após a constatação dessas dificuldades, iniciou-se as atividades propostas

para a sua superação.

a) Módulo 1: contexto de produção

Leitura do texto A, “O gato preto”, de Edgar Alan Poe, do texto B, “Um crime

quase perfeito”, de Robert Arlt. Foi realizada a leitura do texto B para a turma,

enquanto o texto A foi dividido em partes, e os alunos ajudaram lendo cada um uma

parte. Após a reflexão dos textos, foi possível observar que a maioria da turma teve

uma melhor compreensão do texto B, talvez pelo fato de ter um enredo mais

sintético e o vocabulário menos rebuscado que o texto A. Após a leitura, foi

apresentado aos alunos o suporte físico (o livro) utilizado para veicular o gênero

conto. Foi apresentada também a esfera a que pertence e o seu contexto de

produção (quem escreveu; por que escreveu; para quem escreveu; com que

intenção) e destacada a sua relevância no contexto social (quem lê; por que lê etc.).

Na sequência, foi exibido o filme O conde de Monte Cristo, e, oralmente,

analisou-se comparativamente o filme e os textos lidos. Foi questionado aos alunos

o que mais lhes chamou a atenção, quais cenas causaram maior suspense, tensão.

Depois, foi solicitado que falassem das características do ambiente, dos efeitos

especiais, como eram os personagens, para que público foi produzido e com que

intenção.

b) Módulo 2: infraestrutura global dos textos

Os contos A e B foram entregues aos alunos para que estes enumerassem

os parágrafos dos textos para facilitar o trabalho no decorrer das atividades. Nesse

momento, relacionou-se o texto a outros gêneros (poético, opinião, HQ etc.). Após

isso, foi apresentado na TV pen drive exemplos desses gêneros para que o aluno

pudesse reconhecer as diferenças entre eles. Aproveitando esse momento, foram

trabalhadas com eles as fases narrativas, descritivas e dialogais, bem como as

características de cada uma. Em seguida, os alunos realizaram as atividades

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propostas para a assimilação dos conteúdos. No decorrer das atividades, foi

possível verificar que eles apresentaram dificuldades no uso da sequência dialogal,

especialmente na pontuação.

Ainda nessa fase, foi exibido o vídeo “O gato preto” (CRISTIANE..., 2016),

que é uma adaptação do conto de mistério/suspense do escritor Edgar Alan Poe,

cuja história foi apresentada para a turma. Depois, foi conversado a respeito de

algumas histórias sobre as superstições envolvendo a figura do gato preto e também

sobre o alcoolismo. Os alunos se envolveram na discussão, que foi bastante

produtiva, pois esse tema, de certa forma, afeta direta ou indiretamente a família

deles. Vários participaram com depoimentos ou externando seu ponto de vista sobre

o assunto.

c) Módulo 3: mecanismos de textualização

Para que um texto forme uma unidade, são empregadas palavras que

estabelecem conexão entre as partes textuais, as quais garantem a progressão

temática. Nessa etapa, fez-se a releitura dos textos com o objetivo de detectar as

palavras ou as expressões que marcam o tempo e o espaço e contribuem para a

articulação das frases. Foi trabalhado os advérbios ou as palavras que indicam

circunstância de tempo, modo e lugar. Exemplos dos textos estudados foram

utilizados para a realização dessa atividade. Foram feitas várias atividades escritas

com o intuito de que os alunos refletissem sobre a importância dos conectivos e das

palavras ou expressões garantidoras da progressão textual.

d) Módulo 4: mecanismos enunciativos

Nesse módulo, foram trabalhados com os alunos os recursos utilizados para

provocar efeitos de sentido. Para isso, utilizou-se fragmentos dos textos estudados.

Houve a reflexão sobre o uso e a importância dos modalizadores nos textos

narrativos, e foi possível detectar que há, geralmente, duas vozes: a do narrador,

que é a que conta a história; e a dos personagens, que conversam na história. Esse

momento também foi aproveitado para trabalhar os discursos direto e indireto, o uso

adequado da pontuação e a variedade linguística (norma culta, com a ocorrência de

expressões coloquiais e gírias nos discursos diretos). Nesse módulo, como nos

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demais, os alunos realizaram atividades para fixar o conteúdo. Assim, foi possível

perceber que eles encontraram dificuldades no uso dos discursos direto e indireto,

principalmente na pontuação.

e) Módulo 5: produção final

A turma participante deste estudo produziu contos de suspense com base

nos conhecimentos adquiridos no decorrer das oficinas.

Organizada em duplas, a turma foi orientada sobre como seria essa etapa

do trabalho:

1º) criação de um personagem, vocês irão usá-lo na criação de um conto de

suspense (descrição e ilustração do personagem numa folha de sulfite);

2º) apresentação dos personagens para a turma (leitura da descrição e

colagem do personagem num mural);

3º) escolher um ou mais personagens criados pelos colegas;

4º) utilizar o personagem da dupla e os que foram escolhidos para a criação

de um conto de suspense com eles, imagine o cenário e dê características a ele;

5º) o narrador será personagem ou apenas observador? Defina;

6º) agora é só criar a história.

Após concluírem as produções, os textos foram recolhidos para a verificação

e o registro dos problemas encontrados, no que diz respeito à coesão, à coerência,

à pontuação e à estrutura. Em seguida, os textos foram devolvidos aos alunos para

que eles fizessem a reescrita e os possíveis ajustes.

f) Módulo 6: refacção de texto

A produção inicial foi devolvida aos alunos. Em seguida, foi solicitado que

trocassem de texto com um colega e fizessem a sua leitura. Com base nas oficinas

realizadas, dispostos em duplas, eles leram o texto do colega e anotaram na ficha

de avaliação da escrita o que achavam que deveria ser melhorado. Na sequência,

devolveram o texto para que o autor pudesse fazer a reescrita.

Nessa última etapa, foi acordado com os alunos que seria feita uma

coletânea com os contos produzidos no decorrer do projeto, a qual seria divulgada

para os colegas das outras turmas e, posteriormente, ficaria na biblioteca. Foi

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solicitado que, em duplas, criassem uma capa (desenho), para que na aula seguinte

fosse escolhida uma delas para a capa final da coletânea.

5. RELATO DO GRUPO DE TRABALHO EM REDE – GTR

Para cumprir mais uma etapa do programa, ocorreu, no primeiro semestre

de 2017, um Grupo de trabalho em rede (GTR), que foi realizado no período de 3 de

abril a 22 de junho de 2017. O GTR visou à interação entre o professor participante

do PDE e os professores da rede pública estadual de ensino do estado do Paraná.

Aos professores, foram solicitadas leituras, debates, interações e troca de

ideias sobre o Projeto de Intervenção Pedagógica, do Material Didático Pedagógico

e de todas as etapas de implementação do projeto que foi desenvolvido na escola.

No decorrer deste GTR, os participantes se apresentaram e interagiram com

os outros cursistas e com o professor tutor durante os fóruns e os diários. Houve

discussão e interação intensa sobre as propostas do Projeto de Intervenção

Pedagógica na escola, e os participantes ainda analisaram e comentaram a linha de

pesquisa dos estudiosos apresentando ressalvas e considerações.

No diário, os cursistas registraram suas experiências e fizeram várias

observações positivas sobre o projeto, principalmente no que diz respeito ao

trabalho com gêneros. Quase todos conheciam ou já haviam trabalhado com esse

instrumento didático, o que possibilitou que contribuíssem com ideias, sugestões e

inúmeras outras formas de trabalhar a leitura, a oralidade e a escrita, utilizando a SD

proposta por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004). Nesse momento, verificou-se o

quanto o trabalho com gênero é eficaz e possibilita o desenvolvimento cognitivo dos

alunos.

Os participantes do GTR demonstraram interesse pela SD. Alguns

comentaram que ela, com algumas adaptações, poderia ser aplicada também no 7°

e no 8° anos do ensino fundamental.

Segundo o relato do cursista R.S.Y.S., participante do GTR – 2017,

O trabalho com a sequência didática é muito gratificante, o formato dos módulos permite gradativamente avanços e retomadas, uma avaliação criteriosa e dinâmica no decorrer da implementação. A carga horária, preliminarmente, planejada torna-se um marco para o desenvolvimento da proposta, contudo a metodologia e o acontecer do trabalho moldam a concretização na prática diária da ação, vejo como muito oportuna a retomada realizada nesse contexto, o estudo dos mecanismos de

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textualização, que sem prejuízos confrontou o conhecimento prévio e os saberes necessários para satisfação da etapa.

Com isso, foi possível observar que a SD é um instrumento eficaz para se

trabalhar gêneros textuais e pode ser usada desde as séries iniciais até o ensino

médio. Conforme as reflexões realizadas no decorrer do GTR, pode-se chegar à

conclusão de que os resultados alcançados com o uso dessa metodologia são

considerados relevantes para o desenvolvimento cognitivo do educando.

Ao final do GTR, verificou-se que a interação entre os participantes do curso

foi bastante rica e que cada um pôde contribuir com suas experiências, interagindo

de modo significativo com os demais. Isso solidificou os conhecimentos e ampliou as

sugestões de trabalho, que poderão ser utilizadas em projetos futuros.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme o exposto, o projeto intitulado “Produção textual a partir da leitura

de contos” foi concebido levando-se em consideração a concepção dialógica de

linguagem.

A escolha de narrativas de suspense como alternativa para o trabalho

sistematizado de ensino-aprendizagem, com gênero textual, foi uma tentativa para

atrair os adolescentes para o universo da leitura e da escrita, uma vez que esse é

um gênero muito apreciado por alunos dessa idade.

Durante a sua implementação, foi possível acompanhar o desenvolvimento

dos alunos em todos os níveis propostos pelo modelo didático de gênero.

Inicialmente, eles já demonstraram interesse pelo gênero proposto, o que facilitou o

primeiro contato com os contos de suspense. Houve a participação da maioria da

turma em todas as atividades, mas as que eles mais se interessaram foi a leitura dos

textos e a produção escrita, principalmente a oficina de criação de personagens. As

atividades que eles tiveram maior dificuldade foi a produção do conto de suspense e

a reescrita, pois, no geral, os alunos têm dificuldades na exposição e na organização

de ideias, além de que alguns alunos não gostaram de reestruturar o texto,

especialmente aqueles com dificuldades. Foi possível observar que eles

conseguiram, por meio desse trabalho, apropriar-se das características, da estrutura,

da linguagem etc. do gênero conto de suspense.

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Os objetivos da proposta foram alcançados, pois, em relação ao gênero,

houve, por parte dos alunos, uma melhor compreensão tanto no que se refere à

oralidade quanto à leitura, e principalmente à escrita. Ao concluírem os estudos

sobre o gênero, os alunos conseguiram produzir outro conto ou reestruturar a

produção inicial com menos dificuldade.

A SD revelou ser uma eficiente ferramenta para a apropriação desse e de

tantos outros gêneros que se queira trabalhar, pois lida com a arquitetura interna do

texto, os seus mecanismos de enunciação e a modalização. Ao finalizar esse

projeto, verificou-se a eficácia dessa metodologia, que levou à reflexão sobre a

necessidade de se buscar alternativas eficientes para o trabalho com gêneros em

sala de aula.

Por meio das pesquisas e das práticas realizadas no decorrer do PDE, foi

possível verificar que a SD é uma alternativa que há algum tempo vem

demonstrando resultados positivos, justificando, por isso, o seu uso em sala de aula.

Por fim, encerrou-se essa exposição com uma citação retirada dos DCEs

(2008, p. 50), que justificam a importância da mediação do professor no trabalho

com gêneros na educação básica: “O professor de Língua Portuguesa precisa,

então, propiciar ao educando a prática, a discussão, a leitura de textos das

diferentes esferas sociais”. Sob o exposto, defende-se que as práticas discursivas

abrangem, além dos textos escritos e falados, a integração com outras linguagens

(multiletramentos).

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