processos endocíticos e exocíticos nas sinapses

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- 1 - Processos Endocíticos e Exocíticos nas Sinapses Faria, Joaquim; Loureiro, Mónica; Menezes, Ana; Santos, Cristiana Departamento de Química e Bioquímica, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, PORTUGAL Resumo: A libertação de neurotransmissores e a transmissão de informação por sinapse química requer todo um conjunto de endocitoses e exocitoses coordenadas. Quando um potencial de acção chega a uma terminação nervosa, o Ca 2+ flui para dentro desta através de canais de cálcio dependentes de voltagem, dando origem à libertação de neurotransmissores por exocitose das vesículas sinápticas. Paralelamente, ocorre uma renovação do número de vesículas sinápticas existentes no terminal nervoso por endocitose. Este processo permite criar um pool de vesículas para que, aquando da chegada de um novo potencial de acção, possa ocorrer nova libertação de neurotransmissores. A maquinaria celular envolvida desempenha um papel crucial no funcionamento deste processo. A calmodulina e a sinaptotagmina são ambas sensores de cálcio, sendo que a primeira actua nos processos endocíticos e a segunda nos exocíticos. O complexo de proteínas SNARE funciona como mediador da exocitose sináptica, ao passo que a sinaptofisina é necessária para que a endocitose ocorra de modo eficiente. Outras proteínas, como as Rab e o complexo exocisto, também exercem funções importantes no decorrer da estimulação neuronal. Todo este ciclo é desencadeado pelo cálcio: por um lado, este exerce um efeito regulador de retroacção negativa dos processos endocíticos; por outro, é este que dá origem à fusão das vesículas sinápticas por activação da sinaptotagmina. Introdução: A transmissão por sinapse química representa a principal forma de comunicação neuronal entre células e está na base de todas as funções do sistema nervoso, desde a percepção sensorial à memória. O processo inicia-se com a libertação de uma substância transmissora do neurónio pré-sináptico, como consequência de um potencial de acção. Segue- se a difusão desta substância ao longo da fenda sináptica extracelular que, posteriormente, se vai ligar a receptores localizados na membrana da célula pós-sináptica e induzir, assim, alterações nas propriedades eléctricas da mesma. Uma sinapse química de vertebrados particularmente bem estudada é a junção neuromuscular. São os processos endocíticos nos terminais nervosos que possibilitam a existência de um pool de vesículas para a libertação de neurotransmissores a partir de um terminal pré- sináptico. Após ocorrer a libertação de neurotransmissores, é necessário que o número de vesículas no terminal nervoso seja renovado, para que novas vesículas estejam disponíveis em

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Page 1: Processos Endocíticos e Exocíticos nas Sinapses

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Processos Endocíticos e Exocíticos nas Sinapses

Faria, Joaquim; Loureiro, Mónica; Menezes, Ana; Santos, Cristiana Departamento de Química e Bioquímica, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, PORTUGAL Resumo:

A libertação de neurotransmissores e a transmissão de informação por sinapse química

requer todo um conjunto de endocitoses e exocitoses coordenadas. Quando um potencial de

acção chega a uma terminação nervosa, o Ca2+ flui para dentro desta através de canais de

cálcio dependentes de voltagem, dando origem à libertação de neurotransmissores por

exocitose das vesículas sinápticas. Paralelamente, ocorre uma renovação do número de

vesículas sinápticas existentes no terminal nervoso por endocitose. Este processo permite criar

um pool de vesículas para que, aquando da chegada de um novo potencial de acção, possa

ocorrer nova libertação de neurotransmissores. A maquinaria celular envolvida desempenha

um papel crucial no funcionamento deste processo. A calmodulina e a sinaptotagmina são

ambas sensores de cálcio, sendo que a primeira actua nos processos endocíticos e a segunda

nos exocíticos. O complexo de proteínas SNARE funciona como mediador da exocitose

sináptica, ao passo que a sinaptofisina é necessária para que a endocitose ocorra de modo

eficiente. Outras proteínas, como as Rab e o complexo exocisto, também exercem funções

importantes no decorrer da estimulação neuronal. Todo este ciclo é desencadeado pelo cálcio:

por um lado, este exerce um efeito regulador de retroacção negativa dos processos

endocíticos; por outro, é este que dá origem à fusão das vesículas sinápticas por activação da

sinaptotagmina.

Introdução:

A transmissão por sinapse química representa a principal forma de comunicação

neuronal entre células e está na base de todas as funções do sistema nervoso, desde a

percepção sensorial à memória. O processo inicia-se com a libertação de uma substância

transmissora do neurónio pré-sináptico, como consequência de um potencial de acção. Segue-

se a difusão desta substância ao longo da fenda sináptica extracelular que, posteriormente, se

vai ligar a receptores localizados na membrana da célula pós-sináptica e induzir, assim,

alterações nas propriedades eléctricas da mesma. Uma sinapse química de vertebrados

particularmente bem estudada é a junção neuromuscular.

São os processos endocíticos nos terminais nervosos que possibilitam a existência de

um pool de vesículas para a libertação de neurotransmissores a partir de um terminal pré-

sináptico. Após ocorrer a libertação de neurotransmissores, é necessário que o número de

vesículas no terminal nervoso seja renovado, para que novas vesículas estejam disponíveis em

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quantidade suficiente na ocorrência de um novo potencial de acção. Deste modo, é garantida

uma libertação eficiente do neurotransmissor.

A percepção da possível existência de dois tipos de endocitose remonta aos anos 70,

altura em que se iniciaram os estudos sobre a renovação das vesículas nos terminais nervosos.

Desde aí tem-se vindo a tentar perceber as diferenças entre os dois modelos endocíticos: a

endocitose mediada por clatrina e a endocitose do tipo kiss and run. As diferenças entre

ambos estão relacionadas não só com o mecanismo envolvido, como também com o local de

acção – locais activos ou nas proximidades –, e ainda com o tipo de proteínas envolvidas em

cada um dos processos, requerendo a endocitose mediada por clatrina uma maior maquinaria

proteica do que a de tipo kiss and run (Morgan J. R. et al., 2002).

Um outro processo fundamental para a transmissão sináptica é a exocitose, que define

a fusão de vesículas com a membrana plasmática da célula com consequente libertação dos

seus conteúdos. Este mecanismo constitui o passo final da via de secreção que se inicia,

geralmente, no retículo endoplasmático, passa pelo complexo de Golgi e termina no exterior

da célula. Tem como funções a adição de membrana extra e dos seus constituintes à

membrana plasmática, a partir das membranas das vesículas e, ainda, a libertação dos

conteúdos das mesmas no espaço extracelular (Lin & Scheller, 2000). A exocitose diferencia-se

em duas vias: exocitose constitutiva, que visa a manutenção dos constituintes da membrana

plasmática e do ambiente extracelular, ocorrendo na ausência de sinais externos; e exocitose

regulada que, ao contrário da anterior, não só é limitada a células que desempenham funções

mais específicas, como também se dá em resposta a certos estímulos, tal como o aumento da

concentração de cálcio (Lin & Scheller, 2000). É a partir deste tipo de exocitose que se dá a

libertação dos neurotransmissores nas sinapses.

A fusão exocítica de vesículas envolve a formação de um poro de fusão, canal este que

atravessa ambas as membranas plasmática e vesicular, e possibilita a libertação do conteúdo

para o exterior da célula. Todo este processo, desde a formação e transporte das vesículas

sinápticas à sua fusão, pode ser dividido em cinco passos: trafficking; tethering; docking;

priming e fusion. A maquinaria molecular interveniente é, de igual modo, de extrema

importância, e inclui pequenas GTPases das subfamílias Ral, Rab e Rho, que regulam os

processos da formação, tráfego e fusão de vesículas; o complexo exocisto, que participa no

encaminhar das vesículas para as zonas específicas de fusão na membrana plasmática; e as

proteínas SNARE, fundamentais na fusão vesicular. É a interacção entre estes dois últimos

intervenientes, SNAREs e exocisto, que permite a fusão das membranas nos domínios alvo da

membrana plasmática da célula, durante o processo de exocitose.

Neste artigo fazemos uma abordagem geral acerca dos processos endocíticos e

exocíticos fundamentais nas sinapses, descrevendo as variedades de mecanismos existentes

ao explorarem-se as diferenças fisiológicas que levam à ocorrência de cada. A importância e

modo de regulação da maquinaria molecular é outro tópico essencial, destacando-se as

proteínas sinaptofisina e calmodulina no caso da endocitose, e as SNAREs e sinaptotagmina na

exocitose. O papel fundamental do cálcio na regulação destes mesmos processos e, ainda, os

vários passos em que se desenrolam são igualmente desenvolvidos. Em suma, tentámos que o

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nosso trabalho fosse o mais útil possível para a compreensão do tema como um todo e que

abordasse uma grande variedade de assuntos dentro da Bioquímica.

Introdução histórica:

As primeiras demonstrações de endocitose em terminais sinápticos foram realizadas

no início dos anos 70 por Heuser e Reese e pelo grupo de Ceccarelli. Nestes estudos, os

terminais sinápticos eram estimulados vigorosamente, de modo a conseguir causar o maior

número possível de fusão das vesículas com o terminal pré-sináptico. O que se observou foi

que, apesar de o número de eventos exocíticos ter sido muito elevado, apenas se deu uma

eliminação parcial do número de vesículas. Esta observação levou a concluir que o número de

vesículas no pool deve ter sido renovado de modo a responder à actividade exocítica. Porém,

apesar de ambos os grupos usarem métodos idênticos e o mesmo tipo de sinapses, foram

obtidas diferenças nos resultados referentes aos tempos, local e identidades moleculares.

Enquanto o grupo de Heuser e Reese defendia que a endocitose ocorria a partir de

vesículas revestidas, de modo relativamente lento e com ocorrência distante dos locais activos

das sinapses, o grupo de Ceccarelli defendia que não era necessária a formação de vesículas

revestidas, sendo o processo relativamente rápido e ocorrendo nas zonas activas.

No final dos anos 70 e 80, a investigação por parte de ambos os grupos incidiu nos

tempos envolvidos no processo, tendo sido também realizada em paralelo alguma

investigação sobre o local de acção no neurónio. Nos anos 80, outros grupos começaram

também a desenvolver estudos nesta área, tendo sido nos anos 90 que houve uma maior

incidência em estudos sobre a importância relativa de cada tipo de endocitose e as condições

que os favorecem, os mediadores proteicos requeridos para cada um dos modelos e os passos

do processo endocítico em que estão envolvidos. (Morgan J. R. et al., 2002).

Quanto ao processo de exocitose, os primeiros estudos começaram a ser

desenvolvidos na década de 50, maioritariamente ao nível neuronal, com a transmissão de

sinapses químicas. Por essa altura surgiu a ideia de se explicar a libertação de acetilcolina,

observada na junção neuromuscular, com a existência de vesículas sinápticas (Fatt & Katz,

1952). Contudo, os avanços iniciais nesta área, com recurso a técnicas como a electrofisiologia

e microscopia electrónica, foram sucedidos por um período de estagnação, tendo as mesmas

atingido todo o seu potencial.

Com o avançar dos anos, sobretudo por volta da década de 90, foram surgindo novas

técnicas para a medição e controlo da concentração pré-sináptica de cálcio com o uso de

corantes fluorescentes e compostos fotossensíveis que se ligam ao Ca2+, bem como o

aparecimento de métodos para simular a difusão do mesmo no neurónio pré-sináptico. Foram

também desenvolvidas novas técnicas para monitorar a secreção, tais como medições da área

da membrana pré-sináptica através da sua capacitância e, ainda, da absorção e libertação com

corantes fluorescentes em vesículas endocitadas (Zucker R, 1996), bem como a aplicação da

engenharia genética e biologia de membranas a proteínas que participam não só na fusão de

vesículas sinápticas, como também em outros passos do tráfego das mesmas (targeting,

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docking e priming). Modificações a cada um destes passos podem alterar a força das conexões

sinápticas e participar assim na plasticidade sináptica (Lin & Scheller, 2000).

A técnica de patch clamp permitiu, entretanto, a análise electrofisiológica de tecidos

outrora inacessíveis. Desta forma, o processo de exocitose foi sendo sucessivamente elucidado

ao longo dos anos, estabelecendo-se agora como uma nova fronteira na investigação biológica

(Zucker R, 1996).

Processos Endocíticos:

1- Comparação entre endocitose rápida (“Kiss and run”) e endocitose lenta (mediada por

clatrina):

- Diferenças de mecanismo de acção, mediadores proteicos, local de acção no neurónio,

rapidez de acção:

Existem dois tipos de processos endocíticos com características distintas nas sinapses,

a endocitose mediada por clatrina e a endocitose rápida denominada por kiss and run.

Pelo tipo de endocitose kiss and run as vesículas apenas se fundem de modo

transiente e incompleto com a membrana plasmática, por meio de formação de um poro de

pequenas dimensões (Granseth B. et al., 2007), sendo posteriormente recuperadas quase

instantaneamente como estruturas intactas a partir da zona activa (Jung N. & Haucke V.,

2007).

Por outro lado, a endocitose mediada por clatrina, ocorre após fusão completa da

vesícula com a membrana, sendo um mecanismo bastante mais lento e que necessita da

presença de várias proteínas acessórias que se ligam à membrana antes de ocorrer a

endocitose (Zhu Y. et al., 2009). Ainda em contraste com a endocitose do tipo kiss and run, a

endocitose mediada por clatrina vai ocorrer não nas zonas activas, mas sim nas suas

proximidades (Brodin L. et al., 2000) (Morgan J. R et al., 2002).

Verificou-se que os dois processos de endocitose ocorrem em locais diferentes nos

terminais sinápticos. Enquanto que a endocitose rápida é observada nas zonas activas, a

endocitose mediada por clatrina ocorre em regiões usualmente conhecidas por zonas

periactivas que rodeiam as zonas activas e estendem-se cerca de um micrometro para além do

limite destas (Brodin L. et al., 2000).

Nestas zonas activas onde vesículas estão prontas para ser libertadas durante a

exocitose, também é observada a endocitose kiss and run, que acontece imediatamente após

a abertura do poro de fusão durante a exocitose, sendo recuperada a membrana da vesícula

sem a necessidade de recorrer a uma maquinaria mais complexa. Sendo então nas zonas

periactivas onde se concentra toda a maquinaria necessária para a endocitose mediada por

clatrina (Jarousse N. et al., 2001).

Na endocitose mediada por clatrina, a formação de uma vesícula revestida é um

processo altamente cooperativo e sob forte controlo regulatório, podendo dividir-se em 4

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fases: recrutamento do revestimento de clatrina, maturação, fissão da vesícula e libertação do

revestimento.

Os componentes do revestimento das vesículas servem principalmente para formar

uma membrana curva. São estes a clatrina, que reveste toda a vesícula, a AP-2, (AP – adaptor

protein) que associa a clatrina à membrana lipídica, e a AP-180, que deverá estar envolvida na

regulação do tamanho das vesículas e também possui domínios de reconhecimento de outras

proteínas.

Proteínas acessórias como a epsina, a sinaptotagmina e a endofilina vão sendo

recrutadas à medida que a invaginação aumenta de tamanho e de curvatura ajudando assim à

sua maturação. Antes da fissão a invaginação adopta uma conformação característica em que

existe um estrangulamento da membrana por acção da dinamina, julga-se que vai

constringindo ou esticando esta região da membrana até que finalmente se rompa e dê

origem a uma vesícula revestida de clatrina.

Poucas são as vesículas com o revestimento de clatrina que são detectadas em

terminais sinápticos o que leva a presumir que estas são rapidamente destituídas da sua

camada exterior. Pensa-se que a auxilina e a sinaptojanina tenham uma grande importância

neste processo afectando a estabilidade das ligações entre clatrina e AP-2 facilitando a

remoção destes (Takei K. & Haucke V., 2001).

Os mecanismos inerentes à endocitose rápida kiss and run, ainda não são totalmente

compreendidos e foram menos estudados do que o outro tipo de endocitose.

Estudos recentes indicam que os dois tipos de endocitoses são regulados pela mesma

cascata de sinalização cálcio/calmodulina/calcineurina e apontam para uma necessidade da

dinamina para que qualquer endocitose possa ser realizada. Estas observações revelam que

são partilhados mecanismos semelhantes nas fases de iniciação e de fissão evidenciando

também que a endocitose rápida não necessita de uma maquinaria proteica tão complexa pois

as vesículas já não precisam de se libertar de um revestimento intrincado como as

provenientes de uma endocitose lenta (Sun T. et al., 2010).

Fig. 1 - Representação esquemática das várias fases da endocitose mediada por clatrina e respectivas imagens por

microscopia electrónica. (Slepnev & Camilli, 2000).

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Em diversos estudos, em que se utilizaram métodos de capacitância (Morgan J. R. et

al., 2002), sondas fluorescentes (Ryan T. A. et al., 1995) e técnicas de imagem óptica (Granseth

B. et al., 2007), foram obtidas escalas de tempos distintas para os processos endocíticos,

existindo resultados numa escala de tempo entre 1 e 5 segundos, enquanto noutros casos era

observada uma escala de tempo entre 30 a 60 segundos (Ryan T. A. et al., 1995). As diferenças

entre os valores obtidos foram interpretadas como pertencentes a dois mecanismos

endocíticos com cinéticas diferentes (Granseth B. et al., 2007).

Com o intuito de perceber qual a importância relativa de cada um dos mecanismos

durante o processo endocítico, foram realizados estudos utilizando sondas fluorescentes como

a FM 1-43, de modo a conseguir acompanhar a renovação de vesículas sinápticas, em

neurónios do hipocampo de ratinhos (Ryan T. A. et al., 1995). Chegou-se à conclusão de que

quando é usado 5% do pool de vesículas no processo exocítico, as vesículas são recuperadas

por um mecanismo lento de endocitose, com um tempo médio de 40 segundos. Aumentando

o número de vesiculas exocitadas para cerca de 25%, a recuperação deu-se pelo mesmo

mecanismo, apesar de, nos primeiros 5 segundos, se ter observado uma pequena aceleração.

Outros autores (Wu W. et al., 2005) observaram ainda que, mesmo em casos de elevada

estimulação, quando a concentração de cálcio começa a diminuir, é observada uma maior

prevalência do processo endocítico lento face ao modelo kiss and run.

Posteriormente foram feitos estudos em que, contrariamente ao referido

anteriormente, se induziram despolarizações de membrana intensas e repetidas, tentando

simular situações de actividade neuronal intensa (Wu W. et al., 2005). Constatou-se que, sob

estas condições, o tipo de endocitose rápida kiss and run apresenta um papel dominante face

à endocitose mediada por clatrina.

O facto da endocitose kiss and run ser activada durante elevada estimulação é de

grande importância fisiológica, uma vez que, nestas condições, ocorre a fusão de um elevado

número de vesículas, o que pode levar à alteração da estrutura dos terminais nervosos. Deste

modo, é sugerido por alguns autores (Wu XS. & Wu LG., 2009) que a endocitose do tipo kiss

and run, activada durante uma estimulação rápida, é importante para manter a estrutura

normal dos terminais nervosos por recuperação das vesículas que se fundiram com a

membrana.

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2- Exemplos de reguladores proteicos:

-Sinaptofisina

A sinaptofisina é a proteína maioritária das vesículas endocíticas sinápticas,

constituindo cerca de 10% de todo o seu material proteico. Em estudos em ratinhos com

knockout da sinaptofisina (Know E. & Chapman R., 2011), observou-se que esta não é

necessária para que a endocitose ocorra, continuando a dar-se libertação sináptica mesmo na

sua ausência e não se observando alterações morfológicas nas vesículas. Porém, verificou-se

que a sua presença é necessária para que a endocitose ocorra de modo eficiente, tanto

durante como após a estimulação neuronal contínua.

Uma vez que os processos endocíticos durante e após estimulação são diferentes,

foram realizados estudos (Know E. & Chapman R., 2011) com o intuito de perceber se a

sinaptofisina regula ambos os processos do mesmo modo. Para isso, os autores focaram-se na

porção C-terminal, da sinaptofisina, que faz ligação à dinamina I (proteína que se pensa ser

responsável por mediar a fissão de vesículas durante a endocitose). Chegou-se à conclusão de

que esta região C-terminal é importante para a endocitose que ocorre durante mas não após a

transmissão sináptica. O que está de acordo com o facto de a sinaptofisina apenas recrutar a

dinamina I para a formação de vesículas na presença de concentrações de Ca2+ intracelular

relativamente elevadas (Daly C. et al., 2000). Estas observações indicam que diferentes

domínios da sinaptofisina estão envolvidos no controlo da endocitose, dependendo se esta

ocorre durante ou após estimulação.

Fig. 2 - Visão geral dos passos envolvidos na endocitose mediada pela proteína clatrina com respectivas

proteínas intervenientes em cada passo. Os passos estão numerados segundo a ordem sequencial em que

ocorrem na mediação. Interacções proteína-proteína e proteína-lípido desempenham um papel fundamental na

nucleação do revestimento. (PIP2, Fosfatidilinasitol 4,5-bifosfato.) (Takei & Haucke, 2001)

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Foram realizados estudos com o intuito de perceber a função do complexo

sinaptofisina/dinamina I na regulação dos processos endocíticos (Daly C. et al., 2000). Para

perceber a importância do complexo, os autores bloquearam a interacção das duas proteínas.

Após um minuto de estimulação contínua, observou-se uma forte diminuição da libertação de

sinal durante a ocorrência de potenciais de acção. Os autores concluíram que o impedimento

da interacção da sinaptofisina com a dinamina I resulta numa diminuição da disponibilidade de

vesículas para se dar a exocitose, durante períodos de elevada frequência de estimulação, o

que está de acordo com resultados de artigos posteriores (Know E. & Chapman R., 2011).

Porém, foi observado que bloqueando o complexo apenas a endocitose rápida, kiss

and run, diminuía. O que está de acordo, mais uma vez, com o facto de a sinaptofisina apenas

se ligar à dinamina I na presença de concentrações de cálcio relativamente elevadas.

Para além de se ligar com a dinamina I a sinaptofisina forma ainda um complexo com a

sinaptobrevina nos terminais nervosos. A interacção entre as duas proteínas ocorre na região

transmembranar da sinaptofisina, tendo sido observado que esta interacção ocorre nos

terminais nervosos em repouso e diminui com o aumento de cálcio intracelular, ao contrário

do que ocorre com a interacção com a dinamina I, sendo que a porção citosólica C-terminal

não é necessária para esta interacção.

É então possível concluir que a presença da proteína sinaptofisina é necessária para

que o processo endocítico ocorra de modo eficaz nos terminais nervosos, tanto no caso da

endocitose mediada por clatrina como na endocitose do tipo kiss and run. É ainda possível

verificar que cada tipo de endocitose apresenta interacções com proteínas diferentes,

utilizando para isso domínios distintos. A sinaptofisina é possivelmente controlada pelos níveis

intracelulares de cálcio, uma vez que para valores elevados se observa uma interacção da

sinaptofisina com a dinamina I e uma tendência para diminuir a ligação com a sinaptobrevina,

contrariamente ao que se observa para baixas concentrações de cálcio intracelulares.

- Calmodulina

No processo de endocitose, tanto a forma rápida como a lenta, é dependente da

concentração de iões Ca2+ e dependente do sensor calmodulina sendo este sensor muito

importante para o estímulo endocítico.

A calmodulina (CALcium MODULated proteIN) é uma proteína que é sensível aos níveis

de cálcio. É composta por 2 domínios globulares ligados por uma hélice α muito flexível, cada

um dos domínios das extremidades é capaz de estabelecer ligações com 2 iões de cálcio, tendo

a capacidade de se ligar a 4 iões de Ca2+ no total.

Usando medições de capacitância é possível concluir que o bloqueio do complexo

Ca2+/calmodulina inibe a taxa de endocitose, na sequência de um impulso de despolarização

associado a um grande fluxo de iões Ca2+, no entanto, não existe efeito em resposta a

estímulos mais fracos (Yao L. & Sakaba T., 2012).

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Em modelos que se assemelham à capacidade de uma sinapse não perturbada, a

calmodulina é essencial para o recrutamento rápido de vesículas após um impulso, sem

influenciar a taxa de endocitose (Yao L. & Sakaba T., 2012).

Alguns autores (Wu XS. et al., 2009) sugerem que a calmodulina é o principal sensor de

Ca2+ na endocitose, sendo os resultados de L. Yao e T. Sakaba consistentes com esta hipótese.

Os resultados sugerem ainda que a presença de calmodulina aumenta a taxa de endocitose,

numa relação de dependência com a actividade, mas sem no entanto ser necessária a sua

presença para a ocorrência de endocitose. Dado que a endocitose não é completamente

bloqueada pela ausência de calmodulina têm de existir outros sensores, ainda por identificar,

que também estimulem este processo. Estes resultados coincidem também com a ideia de que

o complexo cálcio/calmodulina modela a capacidade endocítica, à semelhança do papel de

Ca2+ em culturas de neurónios do hipocampo (Balaji J. et al., 2008).

Após a exocitose, o desimpedimento da zona activa é uma acção de pós-fusão, que

pode afectar a cadeia de acções a montante. A inibição de calmodulina bloqueia o

recrutamento de vesículas sinápticas para o pool de libertação rápida e também a remoção de

membrana (Wu XS. et al., 2009). No entanto a relação entre os dois processos permanece

indeterminada.

Foram sugeridas duas possibilidades para o papel da calmodulina no recrutamento de

vesículas sinápticas. Por um lado, a calmodulina pode actuar um passo antes da exocitose,

aumentando a taxa de activação (priming) de vesículas sinápticas, tendo como consequência o

aumento do recrutamento de vesículas sinápticas para o pool de libertação rápida. A outra

possibilidade sugere a acção da calmodulina entre a fase de exocitose e endocitose, antes da

fissão de vesículas, passos intermédios como a remoção de materiais das zonas activas, o seu

transporte e também a formação de depressões revestidas de clatrina, mas a possível

interacção da calmodulina com tais processos não pode ser detectada por estudos de

capacitância pois só conseguem detectar a fissão de membrana ficando-se por enquanto sem

saber todas as possibilidades da implicação real por parte da calmodulina (Yao L. & Sakaba T.,

2012).

Processos Exocíticos:

1 – A exocitose e os seus diferentes tipos e mecanismos:

Podemos definir o processo de exocitose como a fusão de uma vesícula secretora

intracelular com a membrana plasmática da célula. Todas as células eucarióticas dependem

deste processo para o seu crescimento e diferenciação, uma vez que é o único mecanismo

pelo qual uma célula consegue adicionar membrana extra à sua membrana plasmática. A

exocitose é considerada como um dos principais meios de comunicação química entre

neurónios.

É possível distinguir-se dois tipos de exocitose, a chamada constitutiva e a regulada

que, ao contrário da outra, é accionada por Ca2+. A exocitose constitutiva diz respeito a todas

as fusões nas quais vesículas são formadas, transportadas e exocitadas de forma contínua, sem

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sofrerem regulação a curto prazo. Um exemplo importante é o transporte de proteínas, tais

como receptores, que desempenham a sua função na membrana plasmática. Por outro lado, a

exocitose regulada geralmente requer o armazenamento de membranas percursoras em pools

intracelulares especializados, a partir dos quais são mobilizadas com a activação de cascatas de

sinalização. A composição destas membranas geralmente é diferente da relativa à membrana

plasmática. Este tipo de exocitose permite, ainda, uma entrega controlada de produtos de

secreção como proteínas ou neurotransmissores, ou então a incorporação regulada de

constituintes especializados da membrana plasmática, como transportadores e canais. A

exocitose regulada é, na maioria dos casos, accionada por segundos mensageiros em resposta

à activação dos receptores ou à despolarização da membrana, sendo o cálcio o mais comum

(Jahn R, 2004). As sinapses são um bom exemplo deste tipo de exocitose, com a secreção de

neurotransmissores aquando da fusão de vesículas secretoras com a membrana plasmática,

dependente de Ca2+.

Para além da classificação referida, pode-se ainda definir dois mecanismos diferentes

quanto à fusão de vesículas exocíticas na membrana plasmática. Desta forma, através do dito

mecanismo clássico apresenta-se a fusão completa ou de tudo ou nada onde, ao nível de

sinapses, uma vesícula funde-se com a membrana pré-sináptica e liberta o seu conteúdo para

a fenda. A membrana da vesícula é depois reciclada. Alternativamente, uma vesícula sináptica

pode formar um poro de fusão transiente na membrana pré-sináptica e libertar apenas parte

do seu conteúdo. Neste mecanismo de exocitose, designado por kiss and run, a vesícula é

depois reutilizada. Células com vesículas de maiores dimensões utilizam primariamente a

exocitose por fusão completa, e apenas ocasionalmente por kiss and run. Dentro deste último

processo há ainda que diferenciar modos de libertação do conteúdo das vesículas, tais como

eventos simples, onde uma pequena vesícula sináptica forma um poro de fusão na membrana

pré-sináptica e liberta o seu conteúdo na fenda, afastando-se de seguida da membrana, e

eventos mais complexos, que ocorrem quando o poro de fusão se intercala rapidamente entre

uma forma aberta e uma fechada, permitindo repetições da libertação parcial do conteúdo da

vesícula (Wightman & Haynes, 2004).

Fig. 3 - Representação dos dois mecanismos de fusão exocítica na membrana plasmática da célula: (a) fusão

completa, na qual a membrana da vesícula sináptica é reciclada após a libertação dos neurotransmissores, e kiss

and run, com secreção através de um poro de fusão transiente, dividindo-se este último em eventos simples (b)

e complexos (c). (Wightman, R.M. & Haynes, C.L., 2004).

Page 11: Processos Endocíticos e Exocíticos nas Sinapses

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A partir de estudos realizados por Bruns e Jahn (1995) observou-se que pequenas

respostas, presumivelmente originadas pela fusão de vesículas pequenas, se deveram à

libertação de cerca de 5 000 moléculas em 100 μs, o que sugere uma abertura rápida de um

poro de fusão. Quanto a respostas maiores, originadas estas possivelmente pela fusão de

vesículas grandes e densas, levaram à libertação de cerca de 80 000 moléculas por um poro

que, inicialmente, se abriu da mesma forma como o do caso anterior, mas agora com uma

dilatação progressiva. Não é ainda muito claro se, na maioria das situações, este poro volta a

fechar ou se se dilata de todo, resultando numa fusão completa (Zucker R, 1996).

A vantagem da exocitose por kiss and run assenta no facto de, e sabendo que o

processo de reciclagem de vesículas pelo compartimento endossomal é relativamente lento,

esta levar a uma maior longevidade de uma vesícula sináptica. No caso de neurónios do

mesencéfalo, o uso eficiente de vesículas é necessário devido a um número relativamente

pequeno de vesículas sinápticas ai presentes. Especificamente falando do processo de kiss and

run complexo, este pode apresentar-se como uma forma mais económica de exocitose, sendo

assim vantajoso no caso da existência de poucas vesículas carregadas (Wightman & Haynes,

2004).

Em relação às vesículas secretoras, estas apresentam um aspecto variável consoante o seu

conteúdo. Assim, as vesículas que contêm acetilcolina, glicina, GABA ou glutamato são

pequenas e claras, enquanto que as que contêm catecolaminas são pequenas e densas, e

ainda as que contêm neuropéptidos apresentam-se como grandes e densas. Atendendo a esta

classificação, as vesículas participam em funções neuronais distintas e a sua exocitose é

desencadeada por diferentes padrões de estimulação.

2 – A via exocítica:

A libertação regulada de neurotransmissores controla a comunicação neuronal e está

na base de todas as funções do sistema nervoso. Para que tal aconteça, as vesículas vão sendo

transportadas por compartimentos até atingirem a membrana plasmática, através de um

processo composto por vários passos. Cada um destes envolve a cisão da vesícula do

compartimento dador, sendo posteriormente levada para um compartimento aceitador. Neste

dá-se o docking e fusão da vesícula e o seu conteúdo ou é libertado ou transformado. Estes

vários passos vão-se repetindo até que o conteúdo atinja a membrana plasmática.

A via exocítica envolve o movimento das vesículas para a região subplasmalemal da

célula, onde são situadas e ancoradas em locais de libertação na membrana plasmática. Nesse

momento há a conversão para um estado no qual o conteúdo se encontra pronto para ser

libertado, passando por processos de priming dependentes de ATP e dá-se, por fim, a fusão de

membranas com a consequente libertação do conteúdo das vesículas (Burgoyne & Morgan,

2003).

Podemos assim separar o processo da exocitose em cinco passos fundamentais:

trafficking; tethering; docking; priming e fusion. O primeiro, relativo ao tráfego vesicular,

envolve a migração das vesículas até à membrana plasmática. O citoesqueleto e várias

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proteínas motoras facilitam este processo. Assim que as vesículas chegam às zonas activas

estabelecem a primeira interacção com a membrana plasmática à qual se irão fundir, para que

assim sejam dirigidas para essas zonas. Este é definido como o passo seguinte, no qual se

formam ligações com uma certa distância entre a vesícula e a superfície da membrana, tal

como se de pesca se tratasse. Estas interacções estão envolvidas na concentração de vesículas

sinápticas numa sinapse. O docking ocorre quando as vesículas, após a primeira interacção

com a membrana, são ancoradas a esta através de uma proteína ou complexo proteico. Os

processos de tethering e docking antecedem a formação do complexo SNARE, que se

encontrará descrito na secção 4. De seguida, a exocitose de vesículas sinápticas dá-se num

processo constituído por dois passos, um primeiro de priming que inclui todos os rearranjos

moleculares e modificações dependentes de ATP de proteínas e lípidos, seguido pela rápida

fusão de membranas desencadeada pelo influxo Ca2+ e libertação, quase instantaneamente,

dos neurotransmissores. É importante referir que, o processo de priming só ocorre na

exocitose regulada.

3 – Maquinaria molecular e estruturas envolvidas:

O processo de exocitose de vesículas sinápticas é controlado por toda uma maquinaria

celular proteica, sendo esta conservada de organismo para organismo. As proteínas SNARE

(soluble NSF-attachment receptor) são componentes essenciais desta maquinaria, juntamente

com o ATPase NSF (N-ethylmaleimide sensitive factor), a sinaptotagmina, a classe de proteínas

Rab (proteínas G e seus efectores), o complexo exocisto e as SM (Sec1/Munc18-like) ou nSec1

(homólogo neuronal da proteína Sec1 de levedura, também designada como Munc18). Muitos

Fig. 4 - Vias de transporte nos terminais nervosos. As vesículas sinápticas preenchidas com neurotransmissores ficam

armazenadas no citoplasma até serem translocados para as zonas activas, onde atracam (docking). O priming envolve

todos os passos necessários para que o complexo exocítico fique pronto para libertar os neurotransmissores. Após

exocitose, as proteínas das vesículas encontram-se em clusters, sendo recuperadas por endocitose. Apesar de algumas

controvérsias, pensa-se que esta recuperação ocorre, geralmente, por endocitose mediada por clatrina. Após o

desencapsulamento da clatrina, as vesículas sinápticas são regeneradas dentro do terminal nervoso, passando

provavelmente por um intermediário endossomal. (Jahn et al., 2012)

Page 13: Processos Endocíticos e Exocíticos nas Sinapses

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outros factores que interagem com as proteínas SNARE têm sido estudados, como as

complexinas, VAP33 e as sinaptofisinas.

3.1 Proteínas SNARE

As proteínas SNARE foram as primeiras moléculas a ser identificadas como mediadores

do processo sináptico. Originalmente descobertas como as proteínas sinápticas sinaptobrevina

(ou VAMP, vesicle-associated membrane protein), sintaxina e SNAP-25, verificou-se mais tarde

que também actuam como receptores para proteínas solúveis envolvidas no tráfego do

complexo de Golgi. Estudos realizados com proteínas tipo-SNARE requeridas para a secreção

em leveduras indicaram que estas desempenham uma função comum a todos os tráfegos de

membrana (Sudhof & Rizo, 2011). Apesar de, geralmente, se encontrarem localizadas num

mesmo compartimento de membrana, as proteínas SNARE encontram-se subdivididas em dois

grupos: as associadas especificamente a vesículas (v-SNARE), às quais corresponde a

sinaptobrevina, e as localizadas na membrana alvo (t-SNARE), que incluem a SNAP-25 e a

sintaxina.

A sequência de aminoácidos destas proteínas sugere que estas exercem um papel na

ancoragem e fusão de vesículas. As SNAREs estão associadas à membrana através de um

domínio transmembranar único e todas possuem uma ou mais hélices α capazes de formar

coiled-coils (ou motivos SNARE) (Jahn & Fasshauer, 2012).

As SNAREs passam por um ciclo regulado de assemblagem/desassemblagem,

catalisado pelo ATPase NSF. Quando entram em contacto, estas proteínas (v- e t-SNARE)

associam-se em hélice α no chamado complexo trans-SNARE, que leva à aproximação das duas

Fig. 5 - Estrutura do núcleo do complexo sináptico SNARE. O complexo é formado por quatro hélices α paralelas:

domínio H3 da sintaxina, domínio coiled-coil da VAMP, hélice aminoterminal da SNAP-25 e hélice carboxiterminal

da SNAP-25. (Lin et al., 2000)

Page 14: Processos Endocíticos e Exocíticos nas Sinapses

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membranas envolventes. Esta assemblagem é acompanhada por uma grande libertação de

energia, que é utilizada para dar início à fusão das membranas. Após fusão, o complexo

ternário SNARE assume a sua configuração de energia mais baixa e é dissociado pelo NSF,

juntamente com o seu cofactor SNAP. A sinaptobrevina é depois endocitada e reciclada, de

modo a que possa ser utilizada noutro ciclo exocítico.

3.2 Proteínas SM (Sec1/Munc18):

Outro componente obrigatório da maquinaria envolvida na exocitose das vesículas

sinápticas é a família de proteínas SM (ou Munc18/nSec1). São proteínas citosólicas com cerca

de 600 resíduos de aminoácidos que actuam lado a lado com as SNAREs (Sudhof & Rizo, 2011).

Sec1/Munc18 liga-se à sintaxina, dando origem ao complexo sintaxina/Munc-18, o

qual se pensa que preceda e/ou regule o priming vesicular, um processo mediado pelas

diferentes proteínas SNARE. Munc18-1, um membro da família de proteínas SM, promove

directamente a estabilidade da sintaxina na exocitose sináptica. Estudos mostraram que a

ausência desta proteína nas vesículas sinápticas causa perda total da actividade exocítica (Jahn

& Fasshauer, 2012).

Enquanto que estas proteínas são claramente indispensáveis na exocitose das

vesículas sinápticas, a sua função no processo de fusão ainda não está completamente claro. A

eliminação de Munc18 em células de rato elimina por complexo a libertação de

neurotransmissores, mas não surte qualquer efeito no docking das vesículas. Tal facto sugere,

então, que esta proteína actua apenas após docking (Li & Chin, 2003). Em mamíferos, estudos

revelaram que a Munc18 interage selectivamente com a sintaxina-1 na sua conformação

fechada, uma conformação que previne a interacção desta SNARE com as restantes. Mais

recentemente, foi proposto que a Munc18 pode ter um comportamento semelhante a um

chaperone, na maneira em que regula a transição da sintaxina-1 entre a sua conformação

fechada e aberta, tornando assim possível a formação do complexo SNARE, em conjunto com

outras proteínas, como é o caso das GTPases Rab3, descritas mais adiante (Li & Chin, 2003).

3.3 Sinaptotagminas

As sinaptotagminas são proteínas intrínsecas da membrana constituídas por múltiplos

domínios, responsáveis por inúmeras interacções moleculares, dos quais se destacam dois

domínios citoplasmáticos C2. A sinaptotagmina-1 (syt1) está localizada nas v. Dentro deste

último processo há ainda que diferenciar modos de libertação do conteúdo das vesículas, tais

como eventos simples, onde uma pequena vesícula sináptica forma um poro de fusão na

membrana pré-sináptica e liberta o seu conteúdo na fenda, afastando-se de seguida da

membrana, e eventos mais complexos, que ocorrem quando o poro de fusão se intercala

rapidamente entre uma forma aberta e uma fechada, permitindo repetições da libertação

parcial do conteúdo da vesícula e é quem aí desencadeia a exocitose induzida por cálcio. Os

seus dois domínios C2, C2A e C2B, inserem-se na membrana após ligação ao cálcio, iniciando-

se assim o processo de fusão (Sascha Martens et. al, 2007).

Page 15: Processos Endocíticos e Exocíticos nas Sinapses

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Na presença de cálcio, a syt1 liga-se aos fosfolípidos membranares a partir de ambos

os domínios C2. O domínio C2A da sinaptotagmina liga três iões Ca2+, ao passo que o C2B liga

apenas dois. Para além disso, a ligação desta proteína ao cálcio parece originar a rápida

penetração dos seus domínios nas membranas lipídicas em processos de exocitose rápida.

Estas propriedades levam a crer que a sinaptotagmina funciona como uma máquina sensível a

cálcio que se liga a fosfolípidos, de modo a promover a fusão de vesículas sinápticas, através

da aproximação das duas membranas intervenientes (Li & Chin, 2003). Para além dos

fosfolípidos, a sinaptotagmina-1 pode ainda interagir com outras moléculas de uma forma

dependente de Ca2+, incluindo outras sinaptotagminas, sintaxina-1, SNAP-25, complexo SNARE

e canais de cálcio.

As sinaptotagminas pertencem a uma família de proteínas de ligação ao cálcio

específicas de eucariotas complexos, expressas principalmente nos neurónios. A não existência

destas proteínas em leveduras sugere que não fazem parte da maquinaria celular básica

conservada de tráfego de membrana. Tal como referido anteriormente, a sinaptotagmina-1

representa um derradeiro sensor de Ca2+ em mecanismos de exocitose sináptica desencadeada

por cálcio (Li & Chin, 2003). A ausência deste grupo de proteínas leva à perda de exocitose

rápida; por outro lado, o facto do processo sináptico continuar a ocorrer por exocitose lenta,

sugere que existem outras proteínas de ligação ao cálcio envolvidas, como diferentes

isoformas de sinaptotagminas ou proteínas relacionadas (por exemplo, Doc2) (Jahn &

Fasshauer, 2012).

3.4 Proteínas Rab:

As proteínas Rab pertencem a uma família de pequenas GTPases monoméricas que

participam no transporte de vesículas. Estas proteínas foram inicialmente descobertas em

levedura, onde foram identificadas como reguladoras de eventos de tráfego intracelular. Em

humanos, existem cerca de 60 proteínas Rab diferentes, das quais a Rab3 é a que se encontra

Fig. 6 - Estrutura cristalina dos domínios C2A e C2B da syt1 humana [número de acesso no Protein Data Bank: 2R83].

Page 16: Processos Endocíticos e Exocíticos nas Sinapses

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directamente envolvida na exocitose regulada de neurotransmissores e hormonas (Li & Chin,

2003).

Estas proteínas têm um papel importante na especificidade do transporte vesicular. Tal

como as SNAREs, cada uma possui uma distribuição característica nas membranas celulares e

estão presentes na superfície citosólica de todos os organelos. A sua principal função na

exocitose sináptica passa pela regulação de vários níveis do tráfego vesicular, incluindo a

mobilidade, o docking e a fusão das vesículas (Li & Chin, 2003). Muitas vesículas

transportadoras só se formam se um tipo específico de proteína Rab e SNARE estiverem

acopladas à sua membrana, permitindo assim que a vesícula se funda correctamente.

O ciclo de hidrólise e ligação do GTP está directamente relacionado ao ancoramento

vesicular. Como todas as outras GTPases, as proteínas Rabs deslocam-se entre a membrana

celular e o citosol. Mais especificamente, um enzima chamada GDI catalisa a troca de GDP,

ligado ao Rab citosólico, por GTP, o que leva a alterações conformacionais na Rab que

permitem que ela se ligue a uma proteína membranar da vesícula de transporte. Após fusão, o

GTP ligado à Rab é, então, hidrolisado, sofrendo novamente mudanças na sua conformação,

sendo posteriormente libertado no citosol para que o ciclo se repita novamente.

As diversas acções das Rab são mediadas pelos seus efectores, que normalmente

interagem com a conformação activa destas proteínas (ligadas ao GTP) A Rab3 têm, pelo

menos, cinco potenciais efectores, dos quais os mais importantes são a rabfilina e a RIM (Li &

Chin, 2003). A rabfilina é uma proteína associada às vesículas sinápticas, que participa nos

processos exo-endocíticos nas sinapses. No caso da RIM, esta proteína está localizada nas

zonas activas e liga-se especificamente à Rab na sua forma activa, de modo a prevenir a

hidrólise precoce. Esta multiplicidade nos efectores pode reflectir diferentes acções das Rabs

em compartimentos de membrana distintos, bem como apoia a, já referida, coordenação de

inúmeras etapas do tráfego vesicular por parte destas proteínas. Alguns estudos sugerem

ainda que as proteínas Rab são necessárias para a assemblagem das v-SNARES e das t-SNARES

e, consequente, formação do complexo SNARE (Morten Sogaard et al,1994).

3.5 O complexo exocisto:

Um dos componentes participantes da maquinaria geral de fusão é o exocisto, um

complexo necessário para os passos finais da exocitose, quer constitutiva, quer regulada. A sua

função é dirigir a vesícula para domínios específicos da membrana plasmática no passo inicial

do docking, também designado por tethering, e localiza-se especificamente em zonas de fusão

vesicular, sugerindo assim a sua importância na definição das mesmas. O exocisto é composto

por oito proteínas: Sec3p, Sec5p, Sec6p, Sec8p, Sec10p, Sec15p, Exo70p e Exo84p. Foi, ainda,

primeiramente identificado em levedura e, a partir de estudos nesse mesmo organismo,

sugeriu-se que o exocisto actua antes da formação do complexo SNARE e depois do Sec4p, um

GTPase Rab que se encontra associado a vesículas secretoras e é necessário para a exocitose

(Li & Chin, 2003).

Page 17: Processos Endocíticos e Exocíticos nas Sinapses

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O complexo exocisto, no caso da levedura, apresenta o componente Sec15p a interagir

directamente com a forma do Sec4p ligada a GTP, interacção esta que, juntamente com as

interacções proteína-proteína no complexo, controla o docking inicial das vesículas secretoras

às zonas de fusão (Li & Chin, 2003). Outros membros da família Rho de pequenos GTPases,

como o Rho1, Rho3 e Cdc42 interagem também com os componentes Sec3p e Exo70p do

exocisto, encontrando-se o primeiro associado à membrana plasmática.

No mamífero, o exocisto interage com a sintaxina 1 neuronal pertencente às Q-

SNAREs, o que sugere um possível envolvimento do complexo na exocitose de vesículas

sinápticas. É através do componente Sec5p que se dá a interacção com a forma da Ral ligada a

GTP, um pequeno GTPase ausente na levedura. Esta proteína apresenta duas isoformas, RalA e

RalB, nas quais a primeira se encontra enriquecida no cérebro e associada a vesículas

sinápticas (Li & Chin, 2003). A interacção entre o exocisto e a Ral pode, tal como no caso da

levedura, regular o recrutamento de vesículas sinápticas às zonas de fusão exocíticas. O

componente Exo70 aparenta, nos mamíferos, ser o único associado à membrana plasmática.

Uma vez que não há um complexo semelhante ao exocisto que seja necessário para

outros passos do tráfego membranar na via secretora, é possível concluir que o exocisto não é

um elemento fundamental da maquinaria básica de fusão membranar, participando antes nos

passos especializados que levam à exocitose (Yun Kee et al, 1997).

As proteínas SNARE interagem com o complexo exocisto para facilitarem a fusão entre

as membranas plasmática e das vesículas.

Importância do Ca2+ na regulação dos processos exo-endocíticos:

Tem-se verificado a existência de uma correlação entre os processos endocíticos nas

sinapses e as concentrações de cálcio intracelular. No entanto, diferentes estudos têm

revelado resultados distintos; ao passo que alguns autores apoiam o facto de o cálcio não

exercer um efeito directo nos processos endocíticos (Ryan T. A. et al., 1996), existem

evidências que suportam o facto de o cálcio ser essencial para iniciar a endocitose (Wu XS. &

Wu LG., 2009), havendo ainda quem defenda a existência de um efeito de retroacção negativa

(Leitz J. & Kavalali T., 2011).

O facto de terem sido feitos estudos em processos de endocitose em massa em vez de

em processos endocíticos individuais pode ser a causa da existência de resultados tão

distintos. Com o intuito de perceber de que modo o cálcio regula estes processos, foram

realizados estudos utilizando uma sonda marcada com a molécula fluorescente, a pHluorina,

sensível a alterações de pH, de modo a ser possível monitorizar a recuperação de vesículas

individuais ao longo do tempo (Leitz J. & Kavalali T., 2011), permitindo estudar a probabilidade

de recuperação de vesiculas individuais em função da concentração de cálcio. Os autores

chegaram à conclusão de que o aumento das concentrações de cálcio extracelular leva a uma

diminuição da recuperação das vesículas, contribuindo para a permanência das mesmas na

superfície da membrana sináptica. Este comportamento aponta para um efeito de retroacção

negativa por parte do cálcio, o que está de acordo com resultados obtidos por outros autores,

Page 18: Processos Endocíticos e Exocíticos nas Sinapses

- 18 -

que observaram uma diminuição da constante de tempo após elevada estimulação (Wu W. et

al., 2005).

O efeito da concentração de cálcio foi estudado, tanto para baixos níveis de actividade

sináptica, como para actividade elevada, tendo-se observado que, durante baixa actividade, o

efeito regulatório do cálcio funciona de um modo negativo, diminuindo a taxa de recuperação

das vesículas. O mesmo foi observado para elevada actividade, havendo uma diminuição

gradual dos níveis de endocitose conforme a concentração de cálcio intracelular aumenta no

terminal.

Os autores questionaram-se ainda se esta diminuição de endocitose observada com o

aumento das concentrações de cálcio intracelular era significativa para as concentrações de

cálcio presentes em situações fisiológicas, em casos de maior intensidade de estimulação. Para

isso, registaram as ondas obtidas por fluorescência a partir de estimulações sucessivas a

frequências de 1 Hz. Foi estimado que seria de esperar uma diminuição da endocitose em

cerca de 15-40%. De facto para uma concentração de cálcio de 4 mM, valor inferior ao

fisiológico, foi observada uma diminuição da endocitose em cerca de 13-33%, sendo que a 8

mM de cálcio extracelular foi observada uma diminuição do nível de endocitose em cerca de

0,5%- 9% em relação ao anterior. Deste modo foi possível concluir que ocorre realmente uma

diminuição significativa da taxa de endocitose para concentrações de cálcio fisiológicas

elevadas. Porém, a percentagem foi inferior à esperada teoricamente, tendo-se observado

ainda que a diminuição progressiva da taxa de endocitose com o aumento da concentração de

cálcio tende para um valor inferior limite, o que leva a concluir que existe um valor limite

mínimo para a taxa de recuperação das vesículas nas sinapses.

A nível exocítico e, sabendo que, em sinapses rápidas este processo requer elevada

concentração pré-sináptica de cálcio, foram feitas diversas experiências, nomeadamente em

neurónios bipolares da retina de peixe-dourado por Heidelberger et al., apercebendo-se estes

que essa concentração necessária teria que ultrapassar os 50 μM para que as velocidades de

secreção se igualassem às atingidas por despolarização (Heidelberger et al., 1994). Ao mesmo

tempo, na junção neuromuscular de lagostim, um aumento transiente na concentração pré-

sináptica de cálcio até cerca de 75 μM desencadeou uma neurosecreção de magnitude e

cinéticas semelhantes à libertação faseada que acompanha um potencial de acção (Landò &

Zucker, 1994). A partir destas experiências foi demonstrada uma dependência não linear da

velocidade de secreção no nível da concentração pré-sináptica de cálcio. Estes estudos

sugerem ainda que, pelo menos, quatro iões Ca2+ se devem ligar com cooperatividade e

afinidades positivas de 10-150 μM a um complexo alvo para desencadear uma secreção rápida

(Zucker R., 1996). Para além do modelo anterior, existem ainda outras possibilidades, como a

de Vogel et al. (1996), na qual a secreção é acelerada pela activação dependente de Ca2+ de

complexos de fusão vesicular, contidos nas vesículas.

Em sinapses entre células nervosas observa-se um aumento na concentração pré-

sináptica de cálcio durante os potenciais de acção, aumento este que se dá nas chamadas

zonas activas, onde ocorre o docking de vesículas na vizinhança de clusters de canais de Ca2+. A

existência destes “microdomínios” é sugerida a partir de três tipos de experiências, uma

primeira através de simulações da difusão de Ca2+ a partir dos referidos clusters na presença

Page 19: Processos Endocíticos e Exocíticos nas Sinapses

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de um tampão lentamente difusível, sendo atingidas concentrações de cerca de 150 μM em

zonas situadas entre conjuntos de canais de Ca2+, locais onde são ancoradas vesículas. Estas

mesmas conclusões foram igualmente obtidas por experiências em células cilíadas do sáculo

de rã, por medições da actividade dos canais de potássio activados por Ca2+ que se encontram

simultaneamente localizados com os canais pré-sinápticos de Ca2+ (Roberts, 1994). Um outro

tipo de experiência realizada foi a observação de domínios de Ca2+ em células cilíadas da

cóclea de tartaruga (Tucker e Fettiplace, 1995) e nas sinapses gigantes da lula (Llinás et al.,

1995). Por último, estudou-se também a secreção desencadeada pela entrada de Ca2+ por

misturas de canais activados por alta voltagem de tipo N e P/Q, com a acção de bloqueadores

específicos. Esta experiência levou à conclusão de que, a dependência não linear da secreção

induzida de cálcio no número de canais abertos pode ser desencadeada por microdomínios de

Ca2+ compostos por múltiplos canais em cluster.

Uma questão interessante é, ainda, a de como estes canais de Ca2+ se encontram

organizados em relação às vesículas. De acordo com o modelo proposto por Meinrenken et al.

(2002), as vesículas encontram-se possivelmente distribuídas de forma aleatória nas zonas

activas, enquanto que os canais de Ca2+ permanecem em cluster. Adicionalmente, a distância

de uma vesícula ao cluster varia entre 30 a 300 nm (média ~ 100 nm), e vesículas com

diferentes localizações serão, não só expostas a diferentes transientes de Ca2+, como também

apresentam diferentes probabilidades de libertação (de <0.01 a 1). Este modelo prevê ainda

que o único passo na cascata de sinalização cuja velocidade depende da concentração de Ca2+,

é a ligação deste ao seu sensor, o que explica a razão para o facto do atraso sináptico, definido

pelo tempo que decorre entre o potencial de acção e a libertação dos neurotransmissores, ser

relativamente independente da concentração de Ca2+, situação esta contrária à dependência

apresentada pela magnitude da libertação.

A velocidade com que o cálcio desencadeia a libertação dos conteúdos das vesículas,

inferior a 400 μs, sugere que a ligação de Ca2+ ao respectivo sensor apenas induz a abertura do

poro de fusão, não dando início a uma cascata complexa de reacções. A probabilidade de

abertura do poro de fusão depende da tensão e composição das membranas envolvidas, e

portanto, qualquer alteração destes factores na membrana plasmática irá afectar a libertação

dos neurotransmissores (Südhof T, 2004).

Quando um potencial de acção invade um nervo terminal, o influxo de cálcio induz a

libertação de neurotransmissores com uma especificidade temporal excepcional. O principal

problema é entender o forte acoplamento entre o aumento do Ca2+ intracelular através da

abertura dos canais de cálcio pré-sinápticos após a chegada de um potencial de acção, e a

activação da maquinaria de fusão das vesículas sinápticas exocíticas. A probabilidade de fusão

aumenta drasticamente nos 200 µsecs que se seguem ao influxo de Ca2+, voltando a valores

mais baixos no espaço de 1 msec (George J. Augustine, 2001). De modo a assegurar a

fidelidade temporal da transmissão sináptica, a libertação de neurotransmissores regulada por

cálcio é extremamente rápida e precisa, o que a distingue de outros processos de tráfego de

membrana.

Apesar de já terem sido descobertas algumas proteínas envolvidas na exocitose (já

descritas anteriormente neste artigo), muitos aspectos deste mecanismo e da sua regulação

Page 20: Processos Endocíticos e Exocíticos nas Sinapses

- 20 -

por parte do Ca2+ permanecem desconhecidos. As proteínas pré-sinápticas SNARE, compostas

pela sinaptobrevina, pela sintaxina e pela SNAP-25, são essenciais na transmissão sináptica.

Estas formam um complexo cujo núcleo é formado por quatro hélices α, complexo este que

interage com os sensores de cálcio para promover a exocitose sináptica (Jahn et al., 2003).

Desta forma, a identificação dos sensores de cálcio é crucial para o desvendar dos mecanismos

que regulam a transmissão sináptica. A sinaptotagmina-1 é, actualmente, uma das proteínas

melhor caracterizadas que actua como principal sensor de Ca2+ (Martens et. al, 2007).

Mas afinal qual é o papel exacto do cálcio nas sinapses? Quando um potencial de

acção chega a um terminal pré-sináptico, despolariza a membrana o suficiente para que ocorra

a abertura dos canais de cálcio dependentes de voltagem. O gradiente de cálcio através da

membrana é tal que, quando os canais abrem, é produzida uma corrente de cálcio em direcção

ao interior da membrana, levando à entrada deste ião na célula. O cálcio é rapidamente ligado

pela sinaptotagmina pré-sináptica (George J. Augustine, 2001). A activação desta proteína dá,

então, origem à fusão das vesículas com a membrana pré-sináptica (Martens et. al, 2007) e à

consequente libertação de neurotransmissores. Esta libertação desencadeada pelo influxo de

Ca2+ é feita por canais de tipo P/Q ou N, enquanto que canais de Ca2+ de tipo R ou L raramente

se envolvem. Uma vez que o cálcio provoca a conversão de um sinal eléctrico (o potencial de

acção) num químico (a libertação de neurotransmissores), este pode ser considerado como o

“gatilho” para a transdução electroquímica (o termo significa, literalmente, a conversão de

energia eléctrica em informação química).

Page 21: Processos Endocíticos e Exocíticos nas Sinapses

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Conclusões:

Cada tipo de endocitose apresenta interacções entre proteínas diferentes, capazes de

se associar a domínios distintos dependendo da via endocítica. Para que a endocitose rápida e

a lenta ocorram de maneira correcta é necessária pelo menos a existência de sinaptofisina e

de calmodulina que ajudam a recrutar as proteínas necessárias para estes processos e modular

de modo eficaz os mesmos.

A exocitose é controlada e regulada por toda uma maquinaria celular proteica, sendo

os seus componentes fundamentais as proteínas SNARE, o ATPase NSF, a sinaptotagmina, as

proteínas Rab, o complexo exocisto entre muitos outros factores, como complexinas, VAP33 e

as sinaptofisinas.

O processo de kiss and run, que se trata numa primeira fase de uma exocitose até ao

instante da fusão da vesícula (kiss) e que rapidamente se torna numa endocitose no momento

da fissão (run), processo activado durante uma estimulação rápida e/ou no caso da existência

de poucas vesículas carregadas, é importante para manter a estrutura funcional dos terminais

sinápticos recuperando vesículas que não se fundiram totalmente com a membrana.

Altamente regulado, apresenta-se como uma forma eficaz e mais económica de exocitose e

endocitose havendo vantagens como poupança de recursos tanto de maquinaria proteica

como de componentes vesiculares e também uma maior taxa de retorno de vesículas.

Foi possível concluir a existência de um papel regulador por parte do cálcio sobre os

processos endocíticos tendo-se verificado um efeito de retroacção negativa por parte do

mesmo uma vez que é observada uma diminuição da taxa de recuperação de vesículas com o

aumento dos níveis de cálcio intracelular.

Nos processos exocíticos observa-se uma dependência não linear entre estes e as

concentrações de cálcio. Observou-se ainda a existência de microdomínios onde se verifica um

aumento da concentração pré-sináptica de cálcio.

Relativamente à probabilidade de fusão das vesículas, após influxo de Ca2+ ocorre um

aumento abrupto nos 200 µs voltando a valores mais baixos passado 1 ms. A libertação de

neurotransmissores, regulada por cálcio, é extremamente rápida e precisa, ao contrário de

muitos outros processos de tráfego de membrana. Esta baixo tempo de resposta permite

assegurar a fidelidade temporal da transmissão sináptica.

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