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PROCESSO TRANSEXUALIZADOR: UM PONTO DE PARTIDA PARA A CIDADANIA? Luis Henrique da Silva Souza 1 Andrea Cristina Coelho Scisleski 2 Suyanne Nayara dos Santos³ RESUMO: Este trabalho é um desdobramento de um percurso de pesquisa do Mestrado em Psicologia da Universidade Católica Dom Bosco e dos estudos junto ao grupo de pesquisa Psicologia, Direitos Humanos e Subjetivação, ao qual a partir dos pressupostos metodológicos teóricos do pós estruturalismo, tendo como ponto de partida Michel Foucault, visamos como propósito problematizar o Processo Transexualizador no SUS, tendo como contexto o de Campo Grande MS, a partir de documentos oficiais que estão em domínio público. Temos então no ano de 2008, a disponibilização do Processo Transexualizador pelo SUS, que oferece a avaliação psicológica, o tratamento hormonal e o processo cirúrgico. Em 2016 temos a implantação do Processo Transexualizador na cidade de Campo Grande MS, com prioridade ambulatorial, o processo cirúrgico então tem que ser feito em regiões metropolitanas como Rio de Janeiro e São Paulo. O que nós problematizamos é como que estes sujeitos são colocados dentro desta política pública e como esta acaba se configurando sobre lógicas biologizantes e sobre um caráter biomédico de doença. Ao mesmo tempo é por estes sujeitos buscarem esse cuidado de si, que se colocam como cidadãos de direito na sociedade, buscando sua cidadania. Uma vez que não podemos esquecer que são sujeitos a margem da sociedade e muitas vezes excluídos do convívio diário, submetendo-se a trabalhos onde são explorados. Palavras-chave: Processo Transexualizador, Psicologia, Cidadania. 1 INTRODUÇÃO Este artigo parte dos pressupostos metodológicos teóricos do pós estruturalismo, tendo como ponto de partida Michel Foucault, visando como propósito problematizar o 1 Mestrando em Psicologia pela Universidade Católica Dom Bosco. 2 Professora Doutora no Programa de Pós Graduação em Psicologia e da Graduação em Psicologia, na Universidade Católica Dom Bosco. ³ Mestranda em Psicologia pela Universidade Católica Dom Bosco. Anais do XIV Congresso Internacional de Direitos Humanos. Disponível em http://cidh.sites.ufms.br/mais-sobre-nos/anais/

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PROCESSO TRANSEXUALIZADOR: UM PONTO DE PARTIDA PARA A

CIDADANIA?

Luis Henrique da Silva Souza1

Andrea Cristina Coelho Scisleski2

Suyanne Nayara dos Santos³

RESUMO:

Este trabalho é um desdobramento de um percurso de pesquisa do Mestrado em Psicologia

da Universidade Católica Dom Bosco e dos estudos junto ao grupo de pesquisa Psicologia,

Direitos Humanos e Subjetivação, ao qual a partir dos pressupostos metodológicos teóricos

do pós estruturalismo, tendo como ponto de partida Michel Foucault, visamos como

propósito problematizar o Processo Transexualizador no SUS, tendo como contexto o de

Campo Grande – MS, a partir de documentos oficiais que estão em domínio público.

Temos então no ano de 2008, a disponibilização do Processo Transexualizador pelo SUS,

que oferece a avaliação psicológica, o tratamento hormonal e o processo cirúrgico. Em

2016 temos a implantação do Processo Transexualizador na cidade de Campo Grande –

MS, com prioridade ambulatorial, o processo cirúrgico então tem que ser feito em regiões

metropolitanas como Rio de Janeiro e São Paulo. O que nós problematizamos é como que

estes sujeitos são colocados dentro desta política pública e como esta acaba se

configurando sobre lógicas biologizantes e sobre um caráter biomédico de doença. Ao

mesmo tempo é por estes sujeitos buscarem esse cuidado de si, que se colocam como

cidadãos de direito na sociedade, buscando sua cidadania. Uma vez que não podemos

esquecer que são sujeitos a margem da sociedade e muitas vezes excluídos do convívio

diário, submetendo-se a trabalhos onde são explorados.

Palavras-chave: Processo Transexualizador, Psicologia, Cidadania.

1 INTRODUÇÃO

Este artigo parte dos pressupostos metodológicos teóricos do pós estruturalismo,

tendo como ponto de partida Michel Foucault, visando como propósito problematizar o

1 Mestrando em Psicologia pela Universidade Católica Dom Bosco. 2 Professora Doutora no Programa de Pós Graduação em Psicologia e da Graduação em Psicologia, na

Universidade Católica Dom Bosco.

³ Mestranda em Psicologia pela Universidade Católica Dom Bosco.

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Processo Transexualizador no SUS - MS a partir de documentos oficiais que estão em

domínio público.

Temos então no ano de 2008, a disponibilização do Processo Transexualizador pelo

SUS, de forma gratuita, que oferece a avaliação psicológica, o tratamento hormonal e o

processo cirúrgico.

O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, no uso das suas atribuições, que lhe

confere os incisos I e II do parágrafo único do artigo 87 da Constituição e,

Considerando que a orientação sexual e a identidade de gênero são fatores

reconhecidos pelo Ministério da Saúde como determinantes e condicionantes da

situação de saúde, não apenas por implicarem práticas sexuais e sociais

específicas, mas também por expor a população GLBTT (Gays, Lésbicas,

Bissexuais, Travestis e Transexuais) a agravos decorrentes do estigma, dos

processos discriminatórios e de exclusão que violam seus direitos humanos,

dentre os quais os direitos à saúde, à dignidade, à não discriminação, à

autonomia e ao livre desenvolvimento da personalidade;

Considerando que a Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, instituída pela

Portaria nº 675/GM, de 31 de março de 2006, menciona, explicitamente, o direito

ao atendimento humanizado e livre de discriminação por orientação sexual e

identidade de gênero a todos os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS); Considerando que o transexualismo trata-se de um desejo de viver e ser aceito na

condição de enquanto pessoa do sexo oposto, que em geral vem acompanhado de

um mal-estar ou de sentimento de inadaptação por referência a seu próprio sexo

anatômico, situações estas que devem ser abordadas dentro da integralidade da

atenção à saúde preconizada e a ser prestada pelo SUS;

Considerando a Resolução nº 1.652, de 6 de novembro de 2002, do Conselho

Federal de Medicina, que dispõe sobre a cirurgia do transgenitalismo;

Considerando a necessidade de regulamentação dos procedimentos de

transgenitalização no SUS;

Considerando a necessidade de se estabelecerem as bases para as indicações,

organização da rede assistencial, regulação do acesso, controle, avaliação e

auditoria do processo transexualizador no SUS, e

Considerando a pactuação ocorrida na Reunião da Comissão Intergestores

Tripartite - CIT do dia 31 de julho de 2008, resolve:

Art. 1º - Instituir, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o Processo

Transexualizador a ser empreendido em serviços de referência devidamente

habilitados à atenção integral à saúde aos indivíduos que dele necessitem, observadas as condições estabelecidas na Resolução nº 1.652, de 6 de novembro

de 2002, expedida pelo Conselho Federal de Medicina.

Art. 2º - Estabelecer que sejam organizadas e implantadas, de forma articulada

entre o Ministério da Saúde, as Secretarias de Saúde dos Estados, dos

Municípios e do Distrito Federal, as ações para o Processo Transexualizador no

âmbito do SUS, permitindo:

I - a integralidade da atenção, não restringindo nem centralizando a meta

terapêutica no procedimento cirúrgico de transgenitalização e de demais

intervenções somáticas aparentes ou inaparentes;

II - a humanização da atenção, promovendo um atendimento livre de

discriminação, inclusive pela sensibilização dos trabalhadores e dos demais

usuários do estabelecimento de saúde para o respeito às diferenças e à dignidade

humana;

III - a fomentação, a coordenação a e execução de projetos estratégicos que

visem ao estudo de eficácia, efetividade, custo/benefício e qualidade do processo

transexualizador; e

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IV - a capacitação, a manutenção e a educação permanente das equipes de saúde

em todo o âmbito da atenção, enfocando a promoção da saúde, da primária à

quaternária, e interessando os pólos de educação permanente em saúde.

Art. 3º - Determinar à Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde -

SAS/MS que, isoladamente ou em conjunto com outras áreas e agências

vinculadas ao Ministério da Saúde, adote as providências necessárias à plena

estruturação e implantação do Processo Transexualizador no SUS, definindo os

critérios mínimos para o funcionamento, o monitoramento e a avaliação dos

serviços. (BRASIL, 2008, s/p.)

Após 8 anos depois, em 2016 temos a implantação do Processo Transexualizador na

cidade de Campo Grande – MS, atualmente com prioridade ambulatorial, o processo

cirúrgico então tem que ser feito em regiões metropolitanas como Rio de Janeiro e São

Paulo.

Os sujeitos que procuram este serviço são as/os transexuais e as travestis, sujeitos

que estão em um conflito entre o gênero que se reconhecem e o sexo biológico que

possuem e/ou desejam fazer mudanças em uma ou mais partes do corpo, para se tornarem

mais femininas ou masculinos. Para conseguirem realizar este desejo de mudança e essas

transformações no corpo, antes da disponibilidade do processo pelo SUS, estes sujeitos

buscavam clínicas particulares ou até viajavam para outros países onde realizavam-se estes

processos, porém era necessário ter uma alto poder aquisitivo, e como muitos desses

sujeitos, por não possuírem um poder financeiro para isso, se submetiam a práticas

clandestinas, como a clínicas médicas ilegais e/ou uso do silicone industrializado, fazendo

eles mesmo os procedimentos de aplicação. Algumas dessas práticas marginalizadas

continuam acontecendo, uma vez que alguns desses sujeitos continuam encontrando

dificuldades no acesso ao processo transexualizador no SUS.

Para as pessoas diretamente interessadas no acesso a esses procedimentos

médicos, e também para os profissionais envolvidos em seu cuidado, a norma

representa evidentemente uma importante conquista social e dá provas do

potencial contra-hegemônico do SUS. Não se trata, no entanto, de um ganho

incontornável, já que tramita atualmente Projeto de Decreto Legislativo para

sustar os efeitos da Portaria GM nº 1.707, que normatiza o Processo

Transexualizador e viabiliza o custeio dos procedimentos pelo SUS.3 Vale

lembrar também que a decisão do Tribunal Regional Federal do Rio Grande do

Sul,4 de 14 de agosto de 2007, que decidia pelo custeio das cirurgias de

transgenitalização em casos de transexualidade, foi julgada improcedente, em dezembro de 2007, pela então Ministra do Supremo Tribunal Federal (STF)

Ellen Gracie5 (ARÁN; Lionço, 2007), restando ainda a matéria inconclusa pela

Justiça. (LIONÇO, 2009, p.45)

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O foco então é problematizar como que estes sujeitos são colocados dentro de uma

política pública e como esta pode acabar se configurando sobre modos de verdade, lógicas

biologizantes e sobre um caráter biomédico de doença, tendo assim uma forma de governar

estes sujeitos. Ao mesmo tempo é por estes sujeitos buscarem esse cuidado de si, que se

colocam como cidadãos de direito na sociedade, buscando sua cidadania. Uma vez que não

podemos esquecer que são sujeitos a margem da sociedade e muitas vezes excluídos do

convívio diário, submetendo-se a situações onde são explorados.

O eixo estruturante de ambos os parâmetros de questionamento é a questão da

justiça social e a consideração da violação de direitos humanos e sociais em função da sexualidade e das expressões da masculinidade e da feminilidade.

Ainda, remete para o necessário questionamento de valores morais hegemônicos

que permeiam a própria busca pela justiça social de grupos sociais que sustentam

em sua luta a afirmação da diversidade sexual como valor social a ser preservado

diante do franco desprivilégio de status a que estão submetidos em função da

sexualidade e das performances de gênero (FRASER, 2008; BUTLER, 2003).

Isso significa que, ainda que o objeto deste artigo seja uma política publica

imersa nas políticas de reconhecimento da diversidade sexual, a iniciativa não

deixa de estar imersa nos processos de normatização da sexualidade e do gênero.

(LIONÇO, 2009, p.45)

Ao problematizar o processo transexualizador consideraremos se esta política pública

de saúde, suas diretrizes, normas técnicas e procedimentos não reproduzem configurações

e dispositivos da heteronormatividade, binarismo de gênero, preconceitos, discriminações e

violências. Ao mesmo tempo analisaremos como a partir da sexualidade esse sujeito faz

investimentos de um cuidado de si.

2 PROBLEMATIZANDO O PROCESSO TRANSEXUALIZADOR NO SUS

A implantação do Processo Transexualizador no SUS se deu a partir de lutas e

reivindicações da população Trans (transexuais e travestis) e todo segmento LGBTT

(lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis). Este processo foi instituído pelas

Portarias GM/MS 1707, de 18 de Agosto de 2008 e SAS/MS nº 457 de 19 de Agosto de

2008, onde foram estabelecidas diretrizes e que foi implantada a regulamentação dos

procedimentos tantos ambulatoriais e os cirúrgicos para as readequações genitais.

O Processo Transexualizador teve então sua ampliação pela Portaria GM/MS nº 2803

em 19 de Novembro de 2013, e além de ter ampliado esta portaria redefiniu o processo,

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buscando a integralidade da atenção a saúde dos transexuais e travestis, e que esses

usuários pudessem ter acesso a esse cuidado desde a atenção básica até à especializada.

O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, no uso das atribuições que lhe

conferem os incisos I e II do parágrafo único do art. 87 da Constituição, e

Considerando a decisão judicial transitada em julgado proferida nos autos da

Ação Civil Pública nº 2001.71.00.026279-9/RS, que versa sobre a implantação

no SUS de cirurgias de readequação sexual;

Considerando a decisão judicial proferida no dia 13 de setembro de 2013 em

sede de execução na referida Ação Civil Pública, que determinou ao Ministério

da Saúde o cumprimento integral, no prazo de 30 (trinta) dias, das medidas

necessárias para possibilitar a realização no Sistema Único de Saúde (SUS) de

todos os procedimentos médicos para garantir a cirurgia de transgenitalização e a

readequação sexual no Processo Transexualizador, conforme os critérios estabelecidos na Resolução nº 1.652 de 2002 do Conselho Federal de Medicina

(CFM);

Considerando o Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011, que regulamenta a Lei

nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 (Lei Orgânica da Saúde), em especial a

instituição da Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde (RENASES) e da

Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME);

Considerando a Portaria nº 1.820/GM/MS, de 13 de agosto de 2009, que dispõe

sobre os direitos e deveres dos usuários(as) da saúde e assegura o uso do nome

social no SUS;

Considerando a Portaria nº 4.279/GM/MS, de 30 de dezembro de 2010, que

prioriza a organização e implementação das Redes de Atenção à Saúde (RAS) no

país;

Considerando a Portaria nº 1.600/GM/MS, de 7 de julho de 2011, que reformula

a Política Nacional de Atenção às Urgências e a implementação da Rede de

Atenção às Urgências;

Considerando a Portaria nº 2.836/GM/MS, de 1º de dezembro de 2011, que

institui no âmbito do SUS, a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais;

Considerando a Portaria nº 3.088/GM/MS, de 23 de dezembro de 2011, que

institui a Rede de Atenção Psicossocial para Pessoas com Sofrimento ou

Transtorno Mental com Necessidades Decorrentes do Uso de Crack, Álcool e

Outras Drogas no SUS;

Considerando a recomendação do Relatório nº 54 da Comissão Nacional de

Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC), de 7 de dezembro de 2012,

no qual recomenda a incorporação de novos procedimentos relativos ao processo

transexualizador noâmbito do SUS;

Considerando a Resolução nº 2, de 6 de dezembro de 2011, da Comissão

Intergestores Tripartite (CIT), que estabelece estratégias e ações que orientam o

Plano Operativo da Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays,

Bissexuais, Travestis e Transexuais no âmbito do SUS;

Considerando a necessidade de identificar, estruturar, ampliar e aprimorar a rede

de atenção à saúde e a linha de cuidado de transexuais e travestis;

Considerando a necessidade de atualizar o processo de habilitação dos serviços

que prestam assistência aos usuários(as) com demanda para o Processo

Transexualizador; Considerando a necessidade de estabelecer padronização dos critérios de

indicação para a realização dos procedimentos previstos no Processo

Transexualizador, de transformação do fenótipo masculino para feminino e do

feminino para o masculino;

Considerando a necessidade de aprimorar a linha de cuidado no Processo

Transexualizador, em especial para pacientes que desejam a readequação para o

fenótipo masculino, pelo SUS;

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Considerando a Resolução nº 1.955, de 3 de setembro de 2010, do Conselho

Federal de Medicina (CFM), que dispõe sobre a cirurgia de transgenitalismo e

revoga a Resolução CFM nº 1.652 de 2002; e

Considerando a necessidade de apoiar os gestores do SUS na regulação,

avaliação e controle da atenção especializada e na formação de profissionais de

saúde, no que concerne ao Processo Transexualizador, resolve:

Art. 1º Fica redefinido e ampliado o Processo Transexualizador no Sistema

Único de Saúde (SUS).

Art. 2º São diretrizes de assistência ao usuário(a) com demanda para realização

do Processo Transexualizador no SUS:

I - integralidade da atenção a transexuais e travestis, não restringindo ou

centralizando a meta terapêutica às cirurgias de transgenitalização e demais intervenções somáticas;

II - trabalho em equipe interdisciplinar e multiprofissional;

III - integração com as ações e serviços em atendimento ao Processo

Transexualizador, tendo como porta de entrada a Atenção Básica em saúde,

incluindo-se acolhimento e humanização do atendimento livre de discriminação,

por meio da sensibilização dos trabalhadores e demais usuários e usuárias da

unidade de saúde para o respeito às diferenças e à dignidade humana, em todos

os níveis de atenção.

Parágrafo único. Compreende-se como usuário(a) com demanda para o Processo

Transexualizador os transexuais e travestis.

Art. 3º A linha de cuidado da atenção aos usuários e usuárias com demanda para

a realização das ações no Processo Transexualizadoré estruturada pelos seguintes

componentes:

I - Atenção Básica: é o componente da Rede de Atenção à Saúde (RAS)

responsável pela coordenação do cuidado e por realizar a atenção contínua da

população que está sob sua responsabilidade, adstrita, além de ser a porta de

entrada prioritária do usuário na rede; e

II - Atenção Especializada: é um conjunto de diversos pontos de atenção com diferentes densidades tecnológicas para a realização de ações e serviços de

urgência, ambulatorial especializado e hospitalar, apoiando e complementando

os serviços da atenção básica de forma resolutiva e em tempo oportuno.

Art. 4º A integralidade do cuidado aos usuários e usuárias com demanda para a

realização das ações no Processo Transexualizador no Componente Atenção

Básica será garantida pelo:

I - acolhimento com humanização e respeito ao uso do nome social; e

II - encaminhamento regulado ao Serviço de Atenção Especializado no Processo

Transexualizador.

Art. 5º Para garantir a integralidade do cuidado aos usuários e usuárias com

demanda para a realização das ações no Processo Transexualizador no

Componente Atenção Especializada, serão definidas as seguintes modalidades:

I - Modalidade Ambulatorial: consiste nas ações de âmbito ambulatorial, quais

sejam acompanhamento clínico, acompanhamento pré e pós-operatório e

hormonioterapia, destinadas a promover atenção especializada no Processo

Transexualizador definidas nesta Portaria e realizadas em estabelecimento de

saúde cadastrado no Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (SCNES) que possua condições técnicas, instalações físicas e recursos

humanos adequados conforme descrito no anexo I a esta Portaria; e

II - Modalidade Hospitalar: consiste nas ações de âmbito hospitalar, quais sejam

realização de cirurgias e acompanhamento pré e pós-operatório, destinadas a

promover atenção especializada no Processo Transexualizador definidas nesta

Portaria e realizadas em estabelecimento de saúde cadastrado no SCNES que

possua condições técnicas, instalações físicas e recursos humanos adequados

conforme descrito no anexo I a esta Portaria.

Art. 6º A RAS é responsável pela integralidade do cuidado ao transexual e

travesti no âmbito do SUS.

Art. 7º Fica definido que, para fins de habilitação no Componente Atenção

Especializada no Processo Transexualizador, os gestores de saúde interessados

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deverão cumprir as Normas de Habilitação previstas no anexo I, conforme

modalidade assistencial ambulatorial e/ou hospitalar do estabelecimento de

saúde a ser habilitado, e encaminhar à Coordenação-Geral de Média e Alta

Complexidade (CGMAC/DAET/SAS/MS):

I - documento que comprove aprovação na Comissão Intergestores Bipartite

(CIB) ou, quando for o caso, no Colegiado de Gestão da Secretaria de Saúde do

Distrito Federal (CGSES/DF) sobre o Processo Transexualizador, conforme

definidos nesta Portaria; e

II - formulário de vistoria, devidamente assinado pelo gestor de saúde, para

habilitação do estabelecimento de saúde no Componente Atenção Especializada

no Processo Transexualizador, conforme anexo II a esta Portaria, seja para

modalidade ambulatorial e/ou hospitalar. (BRASIL, 2013, s/p)

Esses serviços devem ser assegurados por um trabalho de equipe tanto

multidisciplinar e interdisciplinar, existindo assim uma rede de atenção à saúde, que

prioriza o acolhimento e a humanização do atendimento. O que se prioriza é que seja um

local livre de discriminação e preconceito, onde os técnicos que trabalham nesses espaços e

os outros usuários que transitam por aquele território sejam sensibilizados e respeitem a

diferença entre as pessoas.

A regulamentação do Processo Transexualizador - formalizada pela Portaria da

Secretaria de Atenção à Saúde nº 457, de 19 de agosto de 2008 (BRASIL,

2008b)-, permite afirmar que se trata de uma normatização que visa a resgatar os

princípios da universalidade do acesso e integralidade na atenção, mas

especificamente em relação às dimensões físicas e psicossociais implicadas no

processo de transformação fenotípico e social característico à transexualidade,

prioritariamente no contexto da atenção especializada. Envolve a habilitação de

determinados hospitais universitários que já vinham prestando serviços de

atenção a essa população específica, com previsão de destinação orçamentária

para procedimentos médicocirúrgicos envolvidos na transgenitalização e demais alterações de caracteres sexuais, reiterando os critérios estipulados pelo

Conselho Federal de Medicina2 para a sustentação da licitude da aplicabilidade

dos procedimentos. A dimensão diferencial da norma brasileira é o

estabelecimento de parâmetros éticos para a condução do processo de atenção à

saúde, com ênfase na garantia da autonomia e no enfrentamento dos agravos

decorrentes de processos discriminatórios.

Como a Psicologia faz parte deste processo, dos trabalhos realizados em saúde

pública e das políticas públicas para estas populações, surge o interesse de saber como

esses técnicos operacionalizam essas teorias e metodologias advindas do século passado,

onde a transexualidade era vista como uma doença. Produções sobre sexualidade eram

escassas e nota-se que começam a emergir neste momento e contexto, onde discussões

sobre gênero e feminismo adquirem força. A produção acadêmica então acaba adquirindo

novas configurações com posicionamentos mais críticos e políticos. Nota-se então que

estes espaços possuem forças que se tensionam a todo momento.

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Assim problematizar o Processo transexualizador no SUS é poder trabalhar numa

crítica e em tensionamentos dessas forças para que assim haja a possibilidade de produção

de saberes que possam dar cada vez mais um carater mais humano, universal e integral

neste processo e ao próprio estudo sobre gênero que se encontra em uma crescente.

Na realidade brasileira, usuários(as) transexuais que chegam aos serviços de

saúde encontram-se, muitas vezes, numa condição de extrema vulnerabilidade

psíquica, física e social, sendo a “saúde” não apenas o que vai proporcionar o

tratamento necessário e desejado, mas, muito provavelmente, o que permitirá a

construção de uma rede de reconhecimento e inclusão social para estas pessoas.

Isto porque, apesar da fundamental importância da constituição dos movimentos

sociais - principalmente do movimento LGBTT e do coletivo nacional de

transexuais -, muitas pessoas trans chegam aos serviços sem informações básicas

sobre seus direitos e condição. Além disso, a maioria dos usuários(as) se

identifica como homem ou como mulher e não pretende revelar ou sequer

compartilhar a vivência da transexualidade com alguém; muitos(as) perderam seu vínculo familiar ou mudaram de cidade; e outros(as) têm dificuldades

concretas provenientes de problemas com a documentação ou mesmo com a

profissionalização. Neste sentido, faz parte da rotina da maioria dos serviços

acolher uma demanda social - a qual pode envolver diretamente um trabalho de

assistência social - que se expressa através de intenso sofrimento psíquico.

(ARAN;MURTA, 2009, p. 19)

Uma vez que já existe trabalhos feitos sobre essas temáticas, buscamos buscar

novos olhares, uitlizando de outros conceitos para operacionalizar sobre estes fenômenos e

sobre o Processo Transexualizador no SUS que é tão recente no estado de Mato Grosso do

Sul.

2.1 PRESSUPOSTOS METODÓLÓGICOS DE MICHEL FOUCAULT E SUA VISÃO

SOBRE A SEXUALIDADE

Tentar sistematizar e/ou esquematizar a teoria de Michel Foucault é uma tarefa

complexa, pois este é um autor que presava por uma não categorização das pessoas e do

mundo, muito menos de sua forma de produzir conhecimento científico. Este já é um

ponto de partida para começar entender a teoria foucaultiana e o tipo de ciência que este se

propõe a produzir. O próprio autor não se colocava em nenhuma linha teórica-

metodológica, mas sua produção é colocada pelos estudiosos no pós-estruturalismo, uma

vez que esta se baseia numa negação e transformação dos fundamentos do estruturalismo,

além de criticar também as filosofias tradicionalistas e sua base em Nietzsche. A principal

função desta teoria-metodológica é a problematização dos fenômenos, para então poder

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desnaturalizar os aspectos que são tidos como algo inato e que na verdade são construídos

e/ou inventados.

Foucault durante sua trajetória passou por próprias mudanças em sua vida e de

interesses de pesquisa, assim seus próprios conceitos passavam por transformações e

começavam a assumir diferentes configurações. O autor se preocupou durante sua história

pela investigação de Instituições Modernas (psiquiatria, medicina, direito, prisões e outras)

e pelo sujeito que as mesmas produziam, sobre a produção de saberes e pelos poderes, pela

verdade, pelo governo dos sujeitos e de si próprio. Em diferentes períodos de sua vida

nota-se que Foucault detinha seu foco em um determinado problema e este produzia um

apanhado de conceitos que ajudava o autor a operacionalizar o seu próprio saber de análise

sobre os sujeitos e sobre o mundo.

É comum então para os estudiosos de Foucault, e para assim poder simplificar o

entendimento e desenvolvimento de sua teoria, colocar o autor em três fases e/ou etapas. A

arqueologia, genealogia e a ética. Nota-se que em cada fase/etapa existia uma pergunta que

fundamentava a direção que o autor pretendia percorrer. Na arqueologia sua pergunta era o

que posso saber, na genealogia o que posso fazer e na ética quem sou eu? (VEIGA-NETO,

2007)

Na sua primeira e segunda fase sua metodologia possui características distintas, uma

vez que a arqueologia buscava descrever, a partir dos regimes de saberes sobre domínios

determinados e a genealogia buscava explicar a partir das relações de poder. Estas duas

então se complementam e temos então na terceira fase a proposta da arquegenealogia.

A arqueologia de Foucault busca uma definição e caracterização, para poder analisar

o domínio dos fatos, isto então possibilitava a investigação das situações e condições que

davam possibilidade para o surgimento e a transformação dos saberes. Buscar então

entender na história não a origem de algo, buscando cronologicamente a origem, mas sim o

que sustenta o que esta objetivado naquele momento histórico.

Na genealogia Foucault buscava uma explicação para os fatos e acontecimentos. O

autor busca então com esta metodologia, entender quais são os processos, que dão

possibilidade do indivíduo se tornarem sujeitos, uma vez que o resultado dessa

subjetivação esta ligado a um processo de objetivação que existe no interior das redes de

poderes, que capturam os indivíduos, dividindo e classificando. Existe uma preocupação

do autor em entender que o poder é como um elemento que pode assumir a função de

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explicar a produção dos saberes e como os sujeitos são constituídos nessa relação. Busca-

se uma função então de desnaturalizar os enunciados, podendo explicitar como eles foram

e são inventados.

O que se deve perceber é que não existe uma cisão ou ruptura sobre os seus

conhecimentos produzidos em cada etapa, como se Foucault nega-se o que foi produzido

anteriormente em cada fase/etapa, mas como uma incorpora a outra para uma maior

operacionalização dos conceitos e de poder de analise que a própria teoria comporta.

Temos então na arquegenealogia, um Foucault que direciona sua atenção a

sexualidade, e problematiza como em um determinado momento, este conceito vem sendo

usado e abordado pelas ciências, uma vez que o conceito de sexualidade estava sendo

negada por um grande período de tempo. O autor se concentra em entender como a

sexualidade é uma via pela qual o sujeito experimenta a subjetivação. Ele chega a uma

função onde a sexualidade é algo que é regulado pelos outros e por si próprio.

É neste momento que temos Foucault trazendo a discussão sobre a ética, e esta sendo

ligada a moral, ao comportamento, onde valores são atribuídos em polaridades positivas ou

negativas. A ética entra em uma configuração de relação de si para consigo, onde o

indivíduo se constitui a si mesmo como aquele sujeito moral de suas próprias ações.

Trabalhar com a teoria Foucaultiana é também mudar o ponto de partida de olhar pra

um problema onde se indagar: o que é isso?, o pesquisador que utiliza Foucault como

norteador assume a pergunta: quem somos nós? Esta é ontologia do presente.

Foucault se baseia na filosofia kantiana e nietzschiana para a constituição dessa

ontologia. Temos então o saber (ser-saber), sujeitos do conhecimento. Outro constituição é

ação de uns sobre os outros (ser-poder) sujeitos de ação sobre os outros, o poder assume

aqui uma função de operador, que torna capaz a explicação de como nos subjetivamos, já

que estamos imersos dentro de suas redes de poderes e saberes. E ao final, a ação de cada

um consigo próprio (ser-consigo) sujeito da ação moral consigo mesmo.

Trabalhar com esta metodologia é assumir a postura da procura de fatos e

acontecimentos na história, e não de um retorno cronológico até o momento onde tal

fenômeno aparece pela primeira vez. Buscar esses acontecimentos é entender que eles

possuem uma função na história pois são eles que demonstram as conexões, encontros,

apoios, bloqueios, jogos de força e estratégias que demonstrarão uma evidência ou

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emergência de que algo causa uma tensão naquele contexto histórico-social. Trazer esses

acontecimentos ao momento atual é poder problematizar o próprio presente.

Procuro trabalhar no sentido de uma “acontecimentalização”. Se o

acontecimento foi, durante um tempo, uma categoria pouco avaliada dos

historiadores, pergunto-me se, compreendida de uma certa maneira, a

“acontecimentalização” não é um processo de análise útil. O que se deve

entender por “acontecimentalização”? Uma ruptura absolutamente evidente, em

primeiro lugar. Ali onde se estaria bastante tentado a se referir a uma constante

histórica, ou a um traço antropológico imediato, ou ainda a uma evidência se

impondo da mesma maneira para todos, trata-se de fazer sugir uma

“singularidade”. Mostrar que não era “tão necessário assim”; não era tão

evidente que os loucos fossem reconhecidos como doentes mentais; não era tão

evidente que a única coisa a fazer com um deliqüente fosse interna-lo; não era tão evidente que as causas da doença devessem ser buscadas no exame

individual do corpo etc. Ruptura das evidências, essas evidências sobre as quais

se apoiam nosso saber, nossos consentimentos, nossas práticas. Tal é a primeira

função teórica-política do que chamaria acontecimentalização. (FOUCAULT,

2003, p. 339)

Tomar então os pressupostos teóricos-metodológicos de Foucault é também assumir

um posicionamento político em frente ao fazer pesquisa. A pesquisa tem então um caráter

qualitativo, uma vez que não trabalhará com dados estatísticos, mas sim com documentos

de domínio público que explicitam o território da saúde pública.

É neste contexto que estamos ligados a uma proposta-política, uma forma de fazer

pesquisa que é utilizar o método dos acontecimentos, onde o pesquisador buscará na

história, rupturas e conteúdos que emergem para serem discutidos, uma forma de

experimentação desta realidade, é que os acontecimentos são problematizados no caminho

da pesquisa. É uma forma de crítica a um modo hegemônico de se fazer pesquisa e de

produzir conhecimento que colocam e dizem a priori o que se encontrará no trajeto da

pesquisa.

Esse modo de fazer pesquisa faz com que o pesquisador trabalhe sobre fragmentos, e

não propondo tratados e manuais, pois aqui a função é problematizar. Partindo de um

campo empírico, o pesquisador traz questões que poderão ser analisadas e assim

entendermos as práticas, os modos de governar, a partir da moral imposta, da forma de agir

e pensar, como este sujeitos estão sendo constituídos.

É a partir desse tipo de pesquisa que Foucault propõe um texto-experiência que busca

uma transformação da forma de pensar do próprio leitor como do pesquisador. A pesquisa

assume uma função de instrumento de transformação, em que certas situações e

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acontecimentos se encontram, trazendo assim novas formas de subjetivação e instaurar

novas opções de realidade.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir de Foucault podemos perceber que nossa sociedade passa por

transformações, assim, as relações entre os sujeitos acabam adquirindo novas

configurações. O autor coloca a existência de um poder soberano ao qual um sujeito tinha

direito de vida e morte sobre o outro. Muitas vezes essa morte era um castigo frente a um

desrespeito as leis impostas por este soberano, ou caso a vida deste fosse colocada em

risco, por exigir, a morte marca seu poder sobre a vida.

A medida que essa sociedade adquire novas configurações, o poder muda seu

direcionamento e destina-se a maximização da produção de força dos corpos, e faze-las

crescer e serem ordenadas. Isto é feita pelo controle do tempo dos sujeitos, de seus corpos,

da economia, do uso de seus próprios saberes, funções das instituições de sequestro, que

visam ter gestão da vida pelos poderes que acabam assumindo uma função de

policiamento. Esta nova forma de gestão de vidas, força o direito de morte a uma forma de

poder que gere vida.

Nossa sociedade em seus momentos de guerra demonstraram seu poder de morte ao

aniquilar populações inteiras em nome da existência de outras. A lógica muda, passa do

poder sobre a vida do soberano sobre o outro, e se configura da vida de um Estado sobre o

outro Estado. Em um nível individual a exemplificação pelo fenômeno da pena de morte,

um fenômeno que chega ao limite, escândalo e contradição frente a lógica da vida, mas

esse dispositivo vem e funciona para a sociedade já que este sujeito é tido como risco

biológico as outros.

A lógico do direito sobre vida, nos coloca numa configuração em que o poder causa

a vida ou devolve a morte. O fenômeno do suicídio é uma forma do sujeito tomar o poder

sobre o exercício da vida, direito individual e privado de morrer, já que a morte é o secreto

da vida.

Esses fenômenos demonstram formas de governo e de resistências que configuram a

política de gerir a vida. Entendendo o corpo como máquina, um corpo que produz, esse

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corpo também é entendido como espécie, que pode proliferar, trazer o nascimento e

carrega em si a mortalidade. É produzida assim uma bio-política da população, a partir de

intervenções e reguladores. Inicia-se a Era do Biopoder visando tecnologias para a sujeição

dos corpos e controle das populações, e um deles é o dispositivo da sexualidade.

Este novo campo delimita os fenômenos próprios da vida da espécie humana na

ordem do saber-poder, da governamentalidade e que estes são operacionalizadores de

transformação, que por mais que ele sejam colocados em técnicas que tenta domina-las,

eles a escapam continuamente. Podemos então tomar a vida dos sujeitos como objeto

político.

É partindo então dessa lógica colocada na teoria foucaultiana, que a transexualidade,

como uma forma de configuração da sexualidade, e que esta produz subjetivação, que o

trabalho com a arquegenealogia, acontecimentos e fragmentos, me proporcionam

operacionalizar os conceitos de poder, saber, verdade, governamentalidade que me ajudão

a analisar a própria sexualidade e o Processo Transexualizador que é oferecido pelo SUS.

A Carta Constitucional explicita a universalidade dos direitos sociais, sem

discriminação de qualquer espécie, apresentando a diversidade como valor

social. Considerando ser a intimidade inviolável, a sexualidade não pode se

restringir a padrões unívocos, denotando a própria pluralidade entre os cidadãos

e grupos sociais, bem como a de suas formas de laço afetivo. O conceito de

diversidade sexual apresenta aqui uma função central e estratégica para a

proteção dos direitos sociais de pessoas que encontram na orientação sexual e na

expressão de gênero fatores de violação de seus direitos, tendo como fatores de

prejuízo social a heteronormatividade e a naturalização do binarismo de gênero,

sócio-historicamente construídos. Ainda, a noção de diversidade sexual visa a

explicitar o potencial de variação das orientações sexuais e expressões de gênero,

por meio da ênfase na ideia de pluralismo, servindo para problematizar também

as afirmações identitárias que carregam a marca da essencialização. (LIONÇO,

2009, p. 48)

Trazendo então para a pesquisa a problematização do conceito de transexualidade,

que antes possui a denominação de doença, hoje ainda temos a questão da disforia de

gênero como uma patologia. Temos a forma e o funcionamento do ambulatório

transexualizador e os acontecimentos que colocaram como necessidade do Estado

implantar e oferecer o processo transexualizador como algo público, que o tornou uma

política pública. Foi refazendo esse caminho, buscando acontecimentos, onde forças e

configurações fizeram emergir estas as necessidades na história, que esta tornou-se uma

política pública de saúde, temos nela um avanço considerável sobre os direitos sexuais.

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A inclusão da perspectiva de processo foi estrategicamente adotada para superar

a restrição da compreensão da atenção à saúde de transexuais, centrada até então

no evento cirúrgico. Ainda, as discussões nesta reunião específica do Comitê

Técnico, que contou com a participação de lideranças do movimento social

(tanto de mulheres transexuais quanto de homens transexuais) e de profissionais

pesquisadores que atuam na atenção à saúde dessa população, priorizaram a

problematização do caráter psicopatológico da transexualidade e evidenciaram a

própria patologização como fator de sofrimento e agravo à saúde, questionando a

centralidade das medidas médico-cirúrgicas na atenção a transexuais. A reunião

sobre o Processo Transexualizador no SUS, portanto, enfatizou a necessária

despatologização da transexualidade como estratégia de promoção da saúde, e

afirmou a pluralidade na transexualidade, considerando que a autonomia da pessoa transexual na tomada de decisão sobre as medidas necessárias a uma

melhor qualidade de vida seria fundamental para que a atenção à saúde não

dispusesse novos mecanismos de controle e normatização sobre as condutas e

modos de vida e de subjetivação. As cirurgias, portanto, passaram a ser

compreendidas como parte ou não do Processo Transexualizador, e a discussão

superou o viés medicalizador e correcional para o foco na garantia do direito à

saúde integral. (LIONÇO, 2009, p. 51)

Ao mesmo tempo por todas as complicações, formas de governo que são impostas a

população trans, que estes se reafirmam como cidadãos uma vez que buscam esse cuidado

de si, reivindicando seu lugar na sociedade. A busca por cidadania dessa população

começa pelo cuidado de sua sexualidade, onde por mais que essas políticas acabam sendo

transversalizadas por saberes biomédicos e patologizantes, a população também encontra o

seu direito a saúde, sua emergência em ser reconhecida como cidadãos dessa sociedade que

o excluem.

4 REFERÊNCIAS

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redescrições da experiência da transexualidade: uma reflexão sobre gênero,

tecnologia e saúde. Physis - Revista de Saúde Coletiva, vol. 19, núm. 1, enero-marzo,

2009, pp. 15-41. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Brasil

Brasil. Portaria nº. 1.707/GM, de 18 de agosto de 2008. Institui, no âmbito do SUS, o

Processo Transexualizador, a ser implantado nas unidades federadas, respeitadas as

competências das três esferas de gestão. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 19 de

agosto de 2008(a).

Brasil. Portaria nº. 2.803, de 19 de Novembro de 2013. Redefine e Amplia o Processo

Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União, Brasília,

DF, 20 de Novembro de 2013(a).

Butler, J. Problemas de gênero. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

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Foucault, M. A História da sexualidade. Rio de Janeiro. Graal, 1979.

Foucault, M. Mesa-redonda em 20 de Maio de 1978. In: Foucault, N. Ditos & Escritos

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Fraser, N. Redistribuição, reconhecimento e participação: por uma concepção

integrada da justiça. In: SARMENTO, D.; IKAWA, D.; PIOVESAN, F. (orgs.).

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Lionço, T. Atenção integral à saúde e diversidade sexual no Processo

Transexualizador do SUS: avanços, impasses, desafios. Physis - Revista de Saúde

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Veiga-Neto, A. Foucault & a Educação. Belo Horizonrte: Autêntica, 2007. Anais do X

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