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Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt- terapia de Goiânia Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em nível de Especialização na Abordagem Gestáltica Processo psicoterapêutico e reconfiguração familiar em enlutados: um estudo fenomenológico Cristiane Batista Silva Cynthia Quinan Fleury Goiânia- GO Junho de 2009

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  • Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt- terapia de Goiânia

    Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em nível de Especialização

    na Abordagem Gestáltica

    Processo psicoterapêutico e reconfiguração familiar

    em enlutados: um estudo fenomenológico

    Cristiane Batista Silva

    Cynthia Quinan Fleury

    Goiânia- GO

    Junho de 2009

  • 2

    Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-terapia de Goiânia

    Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em nível de Especialização

    na Abordagem Gestáltica

    Processo psicoterapêutico e reconfiguração familiar

    em enlutados: um estudo fenomenológico

    Cristiane Batista Silva

    Cynthia Quinan Fleury

    Artigo apresentado ao

    Instituto de Treinamento e

    Pesquisa em Gestalt- terapia

    de Goiânia como requisito à

    conclusão do curso de

    Especialização Latu-Sensu em

    Gestalt-terapia.

    Orientadora: Marta Carmo.

    Goiânia-GO

    Junho de 2009

  • 3

    Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-terapia de Goiânia

    Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em nível de Especialização

    na Abordagem Gestáltica

    Folha de Avaliação

    Título: Processo psicoterapêutico e reconfiguração familiar em

    enlutados: um estudo fenomenológico

    Autoras: Cristiane Batista Silva

    Cynthia Quinan Fleury

    Goiânia, 15 de julho de 2009.

    Banca Examinadora:

    ________________________

    Ms. Marta Carmo

    Orientadora

    ________________________

    Ms. Celana Cardoso Andrade

    Psicóloga Convidada

    ________________________

    MS. Danilo Suassuna Martins Costa

    Psicólogo Convidado

    Nota Final: ____________

    Goiânia-GO

    Junho de 2009

  • 4

    Processo psicoterapêutico e reconfiguração familiar em enlutados: um estudo

    fenomenológico1

    Cristiane Batista Silva 2

    Cynthia Quinan Fleury 3

    Marta Carmo4

    Resumo: O presente estudo buscou investigar aspectos referentes ao luto e seus efeitos no contexto

    familiar. Verificou-se de que maneira a família se reconfigura perante a vivência de luto e de que

    forma a psicoterapia familiar na abordagem gestáltica pode contribuir nesse processo. Para tanto, foi

    realizada uma pesquisa embasada no método fenomenológico de Giorgi (1985). Participou da

    pesquisa uma família composta por três colaboradores adultos que vivenciaram o luto em sua família

    devido à perda de um ente querido (esposa/mãe). Realizou-se entrevistas individuais com cada

    participante que foram gravadas, transcritas e analisadas. Os resultados encontrados evidenciam

    aspectos comuns às experiências de todos os membros entrevistados, sendo que suas falas apresentam

    várias semelhanças, coerências e concordâncias entre si. Ao findar do estudo pode-se perceber que o

    maior auxílio da psicoterapia familiar de base gestáltica para essa família foi a reconfiguração das

    relações familiares e a ampliação da consciência.

    Palavras-chave: reconfiguração familiar; processo de luto; processo psicoterapêutico; método

    fenomenológico; Gestalt-terapia.

    Abstract: This study aimed at investigating features related to mourning and its effects on a family

    context. The way a family reconfigures when experiencing the mourning and in which way family

    psychotherapy in the Gestalt-therapy approach can contribute to this process were investigated. In

    order to do so, a research based on Giorgi (1985) phenomenological method was carried out. Three

    adult collaborators, which experienced mourning in their family due to the loss of a member

    (wife/mother), took part of the research. Individual interviews were carried out with each contributor,

    and were recorded, transcribed and analyzed. The results found showed common aspects within all

    interviewed members experiences, and each speech presented several similarities, coherencies and

    agreements. By the end of the study it can be seen that the major contribution of the Gestalt-therapy

    based family psychotherapy to this family were the family relationship reconfiguration and the

    expansion of the conscience.

    Keywords: family reconfiguration; mourning process; psychotherapy process; phenomenological

    method; Gestalt-therapy.

    A vida é cheia de mudanças inerentes e necessárias – dentre elas separações e

    morte. A morte, que também envolve separação, se mostra em suas diversas formas,

    1Artigo apresentado ao Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-terapia de Goiânia (ITGT)

    como requisito para a conclusão do curso de Especialização Lato Sensu em Gestalt-terapia,

    chancelado pela Universidade Católica de Goiás (UCG). 2 Psicóloga graduada pela Universidade Paulista (UNIP), especializanda em Gestalt-terapia pelo

    ITGT. Psicoterapeuta do Ambulatório de Psicologia Infantil do Hospital das Clinicas (HC/UFG). E-

    mail: [email protected]. 3 Psicóloga graduada pela UCG, especialista em Psicologia da Saúde e Hospitalar pelo Instituto de

    Ensino e Pesquisa (IEP) e especializanda em Gestalt-terapia pelo ITGT. Psicóloga da Unidade Oncológica de Anápolis (ACCG) e da Santa Casa de Misericórdia de Anápolis. E-mail: [email protected]. 4 Orientadora deste artigo. Psicóloga, Mestre em Psicologia do Desenvolvimento pela UCG e

    Especialista em Gestalt-terapia pelo ITGT. Editora associada da Revista da Abordagem Gestáltica,

    professora do curso de Psicologia na UCG, professora do curso de especialização em Gestalt-terapia

    do ITGT e psicoterapeuta na Alter Consultórios de Psicologia. E-mail: [email protected].

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]

  • 5

    mas a sua expressão é sempre a mesma: de perda. Especialmente no âmbito da

    família, e considerando-se os diferentes momentos de seu ciclo de vida, o impacto

    causado pela morte de um dos seus membros precisa ser cuidadosamente avaliado,

    de maneira que essa avaliação conduza a uma intervenção adequada e necessária a

    esse momento tão delicado (Zinker, 2001). É nesse contexto que se realiza a presente

    pesquisa.

    A proposta deste estudo é investigar os aspectos referentes ao luto e seus

    efeitos no contexto familiar, verificando também a possibilidade de contribuição da

    psicoterapia familiar de base gestáltica no processo de reconfiguração em uma

    família enlutada. Busca-se entender o processo de desorganização pelo qual a família

    se depara e a necessidade de encontrar diferentes formas de adaptar-se a sua nova

    estrutura, a fim de reorganizar-se. Levando em consideração a compreensão da

    singularidade de cada membro da família no processo de luto.

    Esta pesquisa justifica-se pelo fato da morte ser pouco percebida

    na totalidade de seu impacto pelos teóricos das relações familiares, pois se conhece

    muito acerca do luto individual e pouco sobre o familiar, já que a literatura sobre este

    na abordagem gestáltica é bastante escassa. Nesse sentido, são abordados conceitos

    utilizados pela Gestalt-terapia os quais são relevantes para a compreensão de família

    e aspectos pertinentes a temática tratada: morte e reconfiguração familiar.

    Para tanto se propõe uma questão norteadora – Será possível o processo

    psicoterápico alicerçado na abordagem gestáltica favorecer a reconfiguração familiar

    funcional em uma família enlutada? É sabido que em um processo de mudança,

    como é o caso do luto, existe uma reconfiguração do campo. Porém, não raro, esse

    processo se dá por vias disfuncionais. São essas famílias que procuram as clínicas

    psicológicas.

  • 6

    Família

    Para Zinker (2001) família é um sistema de indivíduos comprometidos a

    permanecer juntos por um período de tempo e a dividir tarefas. Eles formam um lar

    juntos, em que os filhos são criados e todos interagem com sistemas maiores,

    formando assim, um subsistema dentro dos sistemas mais amplos. Dessa maneira, a

    família se constitui enquanto unidade social, cultural e econômica da comunidade.

    Conforme Minuchin e Fishman (1990) família é um grupo que naturalmente,

    no decorrer dos tempos, desenvolve padrões de interação. Tais padrões constituem a

    estrutura familiar a qual organiza todo o funcionamento da família. Manter uma

    estrutura familiar é extremamente necessário, pois assim, tarefas essências são

    desempenhadas e ao mesmo tempo se transmite os sentidos de apoio e pertinência,

    fundamentais à individuação de seus membros.

    Segundo Zinker (2001) todos os sistemas possuem fronteiras e constituem uma

    totalidade. Seus processos incluem troca de informação e estão em constante

    processo de mudança. Assim sendo, os sistemas podem ser mais ou menos fechados

    dependendo de onde estão naquele momento de sua trajetória.

    Ribeiro (1997) esclarece que dependendo do modo como cada sistema se

    conecta em um dado campo, é produzido um tipo de comportamento. A maneira pela

    qual cada membro de uma família se relaciona e a profundidade de seu engajamento

    no contato com o outro, revela o nível de encontro e separação de cada um desses e

    como são estabelecidas suas fronteiras.

    Alicerçado nas formações dos subsistemas e das fronteiras de contato, pode

    ocorrer o que Andolfi (1996) denomina triangulação. Esse modelo triádico consiste

    em um processo emocional que envolve uma díade instável. Essa instabilidade,

    geralmente, está ligada a uma conflitante necessidade das pessoas em ter autonomia e

  • 7

    conexão. Os esforços para resolver essas duas necessidades simultaneamente

    resultam em ciclos alternativos de ansiedade de engolfamento e ansiedade de

    abandono que usualmente envolvem um terceiro elemento (Miller, 1995).

    Considerando a compreensão dessa trajetória, Carter e Mcgoldrick (1995) traçam

    um plano cartesiano sobre o ciclo de vida familiar. Para as autoras, o fluxo de

    ansiedade em uma família passa por um plano “vertical” e “horizontal”. O fluxo

    vertical em um sistema inclui padrões de relacionamento e funcionamento que são

    transmitidos por intermédio das gerações. Já o fluxo horizontal inclui a ansiedade

    produzida pelos estresses na família conforme seu avançar na linha do tempo, lidando

    com mudanças e transições no ciclo de vida familiar. Isso compreende tanto eventos

    estressores desenvolvimentais previsíveis, como nascimento, casamento etc., quanto

    eventos imprevisíveis, como a morte prematura de um membro da família, entre

    outros.

    Um evento estressor importante, que ocorra no eixo horizontal de uma família, é

    capaz de deixá-la, aparentemente, com um alto grau de disfuncionalidade. Mesmo

    quando ocorre um estresse de importância pequena no eixo horizontal, mas o eixo

    vertical apresenta um grande estresse, haverá um rompimento no sistema familiar

    (Carter & Mcgoldrick, 1995).

    O entendimento das relações familiares perpassa pela leitura temporo-espacial, a

    maneira como a família se constitui ao longo do tempo e como ela se organiza no

    contexto atual. Nesse sentido, para a Gestalt-terapia um evento só pode ser

    compreendido em seu contexto, à medida que se procura resgatar as conexões e as

    relações entre os diversos elementos do campo (Zinker, 2001).

  • 8

    Sendo a Gestalt-terapia, uma abordagem de campo-fenomenológico (Yontef,

    1998), ao descrever o que se passa no campo pode-se captar as interações complexas

    e dinâmicas constituídas na relação familiar.

    Toda a argumentação gestáltica de campo provém da teoria de Kurt Lewin

    (1973). O autor afirma que o campo psicológico e social consiste em um conjunto de

    forças que atuam no presente formando uma rede de relações entre as partes. Esse

    espaço denominado de campo ou espaço vital é composto de regiões intrapessoais,

    interpessoais, físicas e sociais, cujas demarcações são chamadas de fronteiras.

    Do ponto de vista funcional, a fronteira revela a diferenciação e a

    interdependência dos elementos ali presentes. Em famílias funcionais, por exemplo,

    os indivíduos se conhecem o suficiente para sentir quando se reunir e quando

    permanecer separados, e sentem-se a vontade para dialogar sobre esses

    questionamentos (Zinker, 2001).

    Desse modo, na delineação de cada subsistema existe vida e movimento;

    entidades separadas que trocam energia, por meio de seus relacionamentos uns com

    os outros. O que explica o porquê da afirmação de que em uma família nenhum

    membro causa o problema ou é responsável por uma determinada situação, posto que

    os eventos dentro e entre os subsistemas são multideterminados. Ou seja, todos os

    membros colaboram para a organização ou desorganização de suas vidas, de uma

    maneira que contribui para seu bem-estar ou para sua insatisfação e seu sofrimento

    (Zinker, 2001).

    Teoria de campo

    A teoria de campo consiste em uma maneira de analisar relações entre os

    diversos elementos coexistentes no campo. De acordo com essa teoria, o espaço de

  • 9

    vida de uma pessoa retrata ela mesma, com todas as suas questões psicológicas e

    fronteiras, bem como o meio em que ela está inserida. Esse universo que delimita a

    pessoa e a circunda é nomeado de campo. O campo possibilita uma leitura

    psicológica da pessoa e da situação que ela vivencia em um determinado momento

    (Lewin, 1965).

    A estrutura familiar também pode ser analisada por intermédio da teoria de

    campo, sendo que seu espaço de vida consiste na própria família e no seu meio.

    Nesse sentido, pode-se afirmar que as várias partes do espaço vital do campo de uma

    determinada família são interdependentes entre si. O comportamento é resultado de

    alguma mudança em algum estado do campo em um determinado tempo, e sua

    estrutura varia de acordo com os desejos e necessidades que a família apresenta

    naquele momento. Isso implica que, de acordo com as mudanças que ocorrem ao

    longo do tempo na família, ela irá apresentar necessidades diferentes, gerando

    comportamentos distintos e novas estruturas no campo.

    De acordo com a teoria de Lewin (1965), a maneira como a pessoa se comporta

    em seu campo depende da sua situação presente. Dessa forma, a morte de um

    membro da família é um acontecimento que promove mudanças no campo. O campo

    parece muito diferente antes e depois da ocorrência de tal fato.

    Diante disso, Lewin (1973) aponta que a maneira como uma pessoa vivencia

    seu passado e seu futuro exerce influência no campo presente, pois ambos os tempos

    são partes simultâneas desse campo em um determinado momento. Um enquanto

    história e o outro como expectativas. O autor explicita tal aspecto quando afirma:

    “cada mudança de situação psicológica de uma pessoa significa justamente isso:

    certos eventos são agora „possíveis‟ (ou impossíveis) que eram previamente

  • 10

    „impossíveis‟ (ou possíveis)” (p.31). Assim, pode-se afirmar que na família enlutada

    ocorre esse tipo de alteração.

    Outra característica da teoria de campo é analisar a situação como um todo e

    não seus elementos isolados, ou seja, considerar o campo inteiro e não seus

    componentes separadamente (Lewin, 1965). Essa proposta pode e deve ser aplicada,

    principalmente ao avaliar o campo de uma família, não tomando em conta situações

    e elementos de forma avulsa, mas sim situações totais, visto que, as várias partes de

    um campo são, até certo ponto, interdependentes, e se influenciam mutuamente.

    Morte e luto na família

    Parkes (1998), explica que a morte ocorre sempre em uma relação específica de

    tempo e espaço, e carrega em seu bojo duas características peculiares: o estigma e a

    privação. A morte é estigmatizada nas mais diversas sociedades e culturas. Em

    algumas delas, esse estigma é mais explícito, em outras, nem tanto, porém, ele

    sempre existe. Na sociedade ocidental, em geral, as pessoas não apresentam tantos

    tabus em relação à morte e às pessoas enlutadas, contudo, na maioria das vezes, não

    sabem como reagir em relação a elas e apresentam dificuldade em compreender que

    necessitam viver o seu tempo de luto.

    Esse estigma e a dificuldade que as pessoas apresentam em relação à morte

    podem ser explicados pela constatação de Heidegger (1988) de que entrar em contato

    com a morte do outro é entrar em contato com a possibilidade da própria morte. É

    descobrir que todos os seres humanos são mortais, inclusive a própria pessoa, bem

    como seus familiares.

    A privação, citada por Parkes (1998), implica na falta daqueles “suprimentos”

    considerados imprescindíveis e que eram fornecidos pela pessoa perdida. O autor

  • 11

    compara esses “suprimentos” ao equivalente psicológico para comida e bebida, e

    afirma que a falta deles provoca um grande vazio interior.

    Conforme Parkes (1998), a perda de uma pessoa amada da família, tem como

    conseqüência a perda de uma pessoa única e exclusiva; e também várias perdas

    secundárias, acarretadas pela primeira. Uma dessas perdas pode ser a financeira;

    existe também a perda dos “suprimentos” que eram fornecidos pela pessoa que

    morreu, bem como a perda da identidade, dos papéis e dos costumes que o indivíduo

    construiu ao longo dos anos. Repentinamente, deixa-se de ser esposa e passa-se a

    viúva, deixa-se de ser filho e passa-se a órfão.

    Perls, Hefferline e Goodman (1997) afirmam que quando algum membro da

    família morre, ficar de luto é uma reação regulatória do próprio organismo. Essa

    reação permitem ao indivíduo restaurar seu equilíbrio. Assim sendo, o luto deve ser

    respeitado, aceito e, algumas vezes, até mesmo encorajado, pois é ele que trará

    auxílio a quem passe por essa situação de perda da melhor forma possível.

    Parkes (1998) define o luto como uma reação à perda de uma pessoa especial e

    amada, sendo quase impossível que isso não ocorra perante a morte. O luto não

    consiste em um conjunto de sintomas que se inicia após a morte e depois, desaparece

    gradativamente. Ele envolve uma sequência de quadros clínicos os quais se

    combinam e se substituem. Nesse sentido, percebe-se que o luto não se trata de um

    estado, mas sim de um processo, o qual é denominado de processo de luto.

    O processo de luto abarca quatro estados clínicos característicos: o

    entorpecimento, a saudade ou procura pelo outro, a desorganização e o desespero e,

    por fim, a recuperação. Apesar de seguirem uma sequência lógica, em alguns

    momentos tais estados podem se fundir (Parkes, 1998).

  • 12

    De acordo com Tobin (1977) a reação de adaptação à morte de um membro da

    família envolve um longo período de tristeza, mas pode ser seguido por um interesse

    renovado em coisas e pessoas vivas. Todavia, várias pessoas não conseguem fazer

    essa transição, e apresentam o que ele nomeia de reação de persistência.

    Tobin (1977) acrescenta que a reação de persistência inibe as emoções normais

    ao luto pela morte de um ente querido e mantém a pessoa vivendo uma fantasia,

    como se o familiar perdido ainda estivesse vivo. Com isso, a família não se liberta

    de um relacionamento morto para dar lugar a novos relacionamentos. “As pessoas

    enlutadas continuam a agir, muitas vezes, como se a pessoa morta ainda fosse

    recuperável” (Parkes, 1998, p. 98).

    Esse tipo de comportamento é definido pela Gestalt-terapia como cristalização

    (Perls, 1977; Frazão, 1997; Zinker, 2001), sendo prejudicial ao sistema familiar. A

    família continua agindo e relacionando-se da mesma maneira anterior, entretanto,

    essa maneira não é mais funcional, e muito menos saudável o que torna a dinâmica

    familiar disfuncional e adoecida.

    Santos e Sebastiani (2003) nomeiam essa reação do sistema familiar de

    imobilidade. Mecanismo o qual é diretamente proporcional ao nível de importância

    que a pessoa morta apresentava para o equilíbrio da estrutura familiar. A imobilidade

    também é diretamente proporcional ao grau de maturidade psicológica e emocional

    que essa família apresenta enquanto sistema.

    Parkes (1998) explica que diante de uma mudança tão grande, como a morte, as

    pessoas não apresentam condição de conscientizarem-se da nova circunstância de

    uma só vez. O sistema familiar fica desorganizado, e a família necessita de colocar as

    coisas “em ordem” e de dar sentido ao acontecimento. Isto justifica o

  • 13

    entorpecimento, a cristalização e a imobilidade, inicialmente, no entanto, esses

    estados não podem perdurar, ou se tornarão doentios.

    Em suma, quando morre um membro da família, ela tende a atravessar um

    processo de desorganização, e se depara com a necessidade de procurar por uma

    nova organização da estrutura familiar. Diante desta crise, o sistema se desequilibra,

    e terá que buscar novas maneiras de adaptar-se à nova realidade, a fim de

    reconfigurar-se.

    A reconfiguração familiar sob o enfoque da teoria organísmica

    O luto é uma vivência de crise, e engloba alterações nos planos, hábitos,

    costumes, circunstâncias e comportamentos. Tais alterações decorrem em

    considerável estresse ao individuo. “A perda da pessoa amada inevitavelmente cria

    uma série de discrepâncias entre nosso mundo interno e o mundo que agora passa a

    existir” (Parkes, 1998, p.115).

    A situação de perda na família promove mudanças, as quais geram,

    temporariamente, desordem no sistema familiar. Diante dessa circunstância, ele se

    depara com a necessidade de avaliar seus antigos hábitos, reformulá-los e colocar

    novos em seu lugar. Ao longo da vida, a família cria, dentro de sua estrutura,

    concepções as quais embasam o seu funcionamento. Com a morte de um de seus

    componentes, emergem incoerências entre o que era e o que passa a ser, sendo

    necessário monitorar-se e atualizar-se constantemente (Parkes, 1998).

    Uma visão que exemplifica muito bem essa questão é a abordagem holística da

    teoria organísmica de Kurt Goldstein (1995). Assim como a teoria de campo de Kurt

    Lewin (1973), a teoria organísmica corrobora que todo evento que ocorre em uma

    parte de um organismo advêm do contexto do organismo total, afetando o todo (Hall,

  • 14

    Lindzey & Campbell, 2000). No caso deste estudo, o organismo a ser considerado é a

    família, e o evento, a morte de um de seus membros.

    De acordo com essa teoria, a organização é o estado natural que cabe a um

    determinado organismo, sendo a desorganização um estado patológico que, na

    maioria das vezes, é provocado por um ambiente opressivo ou ameaçador. Diante

    dessa desorganização, o organismo tentará organizar-se, a fim de satisfazer as suas

    necessidades (Hall, Lindzey & Campbell, 2000).

    Segundo Goldstein (1995) o organismo necessita estar adaptado ao meio no

    qual se encontra inserido, e exercerá as mudanças necessárias, inconsciente ou

    conscientemente, a fim de que possa continuar ajustado a esse meio, exercendo as

    suas funções as quais considera vitais. “Se o organismo não conseguir controlar o

    ambiente, ele tentará se adaptar a ele” (Hall, Lindzey & Campbell, 2000).

    Para cumprir tal tarefa o organismo faz uso da auto-regulação organísmica e do

    ajustamento criativo. O princípio da auto-regulação organísmica consiste no fato de

    que todo organismo sadio tende a se reorganizar de acordo com o seu meio para

    alcançar a satisfação de suas necessidades primordiais (Perls, Hefferline &

    Goodman, 1997).

    O ajustamento criativo é a capacidade do organismo ajustar-se de forma

    saudável, funcional e criativa ao seu ambiente, por meio da auto-regulação

    organísmica. Quando o organismo é capaz de realizar essa empreitada, ele encontra-

    se saudável, isso é operando de forma funcional (Frazão, 1997).

    Segundo Perls, Hefferline e Goodman (1997) o processo do organismo de

    ajustar-se criativamente a uma nova situação envolve sempre uma fase de destruição,

    pois é ao apoderar-se das velhas estruturas e ao alterá-las que se volta ao equilíbrio,

    surgindo assim uma nova configuração. Tratando-se de uma família enlutada, é

  • 15

    necessário que ela tome consciência de sua antiga estrutura, perceba como tal

    configuração já não é funcional na nova realidade, e modifique-a, reconfigurando o

    sistema de modo a adaptar-se à nova cena familiar. Pois, “quando antigas concepções

    e modos de pensar tiverem sido deixados de lado, o indivíduo sente-se livre para

    recomeçar” (Parkes, 1998, p.121).

    Goldstein (1995) observou em seus estudos acerca de disfunções cerebrais que

    pacientes os quais haviam perdido alguma função específica do cérebro

    apresentavam a tendência de readaptar-se para suprir suas necessidades, „cobrindo‟ a

    função lesionada. Se for levado em consideração que o autor chegou à teoria

    organísmica por meio da contribuição desses estudos, e se for realizada uma

    comparação entre esses estudos e a estrutura de uma família enlutada, pode-se

    afirmar que a família também apresentará a tendência de readaptar-se a fim de

    „cobrir‟ as funções antes exercidas pelo membro perdido. Assim como no caso das

    disfunções cerebrais, a função não será totalmente recuperada, nem exercida da

    mesma maneira, porém, será suprida, proporcionando condições ao organismo de

    continuar funcionando da melhor forma possível.

    De acordo com Parkes (1998), quatro são as possibilidades para o abono dessas

    funções, ou como denomina o autor, papéis. Uma das possibilidades consiste na não

    realização dos papéis perdidos. Outra, em achar-se um substituto fora da família para

    exercê-los. Outra alternativa é a possibilidade de um ou mais membros da família

    assumir estas funções. O fim do sistema familiar devido à sua desintegração também

    pode acontecer.

    Desse modo, levando-se em conta a teoria organísmica de Goldstein (1995),

    faz-se a reflexão de que ao perder um membro, toda a estrutura familiar é

    modificada. A sua antiga dinâmica não será mais funcional, pois a situação não é

  • 16

    mais a mesma. Para que o organismo família continue saudável, ele deverá encontrar

    um novo jeito de funcionar, diferente do anterior, pois esse já não é mais eficaz.

    Sendo assim, o organismo necessitará reajustar-se, em outras palavras, a família

    precisará reconfigurar-se perante a perda. A psicoterapia de família pode, muitas

    vezes, auxiliar nesta árdua tarefa.

    O processo psicoterapêutico com família em Gestalt-terapia

    O processo psicoterapêutico de abordagem gestáltica possui como principal

    objetivo de seu trabalho com o paciente a awareness, sendo que a mudança por meio

    desta vem como uma conseqüência (Zinker, 2001). A awareness é definida por

    Yontef (1998) como um processo de estar em contato pleno no aqui-agora,

    abrangendo os níveis sensório-motor, emocional, cognitivo e energético. A

    awareness torna o individuo consciente da própria consciência.

    Desse modo, para Zinker (2001) quando a família entra em contato com suas

    dificuldades e se torna consciente, a mudança acontece naturalmente. Favorecer esse

    processo é papel da psicoterapia familiar de base gestáltica, pois a família não irá se

    unir em torno de um projeto ou objetivo se a awareness for escassa.

    Sobre isso, Minuchin e Fishman (1990) relatam que o terapeuta é um ampliador

    de contextos, é ele quem cria meios para exploração do não familiar, confirma

    membros da família e os encoraja a experimentar novos comportamentos.

    Segundo Zinker (2001) famílias enlutadas podem ser trabalhadas de diversas

    formas, sempre respeitando os dados fenomenológicos apresentados por elas. O tema

    articulado pelos membros da família dá significado à existência deles e é por meio

    desse significado que eles podem experienciar um suporte durante a psicoterapia.

  • 17

    Perls, Hefferline e Goodman (1997) colocam a importância de se fazer uma

    psicoterapia para completar experiências inacabadas, de modo a torná-las inteiras.

    No plano familiar, isso significa a capacidade dos membros do sistema em trazer

    para o presente, acontecimentos inacabados ou confusos, sentimentos, energia e

    expressividade.

    Assim, o senso de completude de cada membro da família é coroado com o

    contato pleno. Contato esse que permite contemplar a totalidade e possibilita que as

    pessoas se soltem e caminhem para um próximo contato vivo. Ou seja, o contato com

    experiências inacabadas presentes no campo de uma família possibilita o processo de

    awareness, abrindo caminho para a percepção de novas possibilidades, e com isso, o

    campo pode reconfigurar-se (Perls, Hefferline & Goodman, 1997).

    A morte de um dos membros constitui um momento de desequilíbrio do

    sistema e interrupção de seu fluxo. Diante disso, cabe, muitas vezes, à psicoterapia o

    trabalho de auxiliar o sistema familiar a completar suas gestalten, retomando o fluxo

    fluido, saudável e funcional (Zinker, 2001).

    O conceito de campo da abordagem gestáltica, possibilita compreender que

    nenhum membro é o único responsável pela história da família, pois ela ocorre e

    deve ser compreendida no campo. Cada parte do campo interage com as outras de tal

    maneira que não existe uma relação de causalidade linear, ou seja, as influências são

    sempre mútuas. Logo, o processo é descrito por meio das relações, da comunicação e

    da maneira como a família se organiza e funciona (Zinker, 2001).

    Assim, a tarefa dos terapeutas, afirma Zinker (2001), é ajudar a família a

    perceber como e onde se interrompem mutuamente e onde e quanto se auto-

    interrompem, o que favorece o processo de awareness de cada pessoa em particular e

    awareness da família enquanto organismo.

  • 18

    Na terapia, a capacidade e competência da família como um todo é revista, o

    suporte necessário para a awareness é oferecido e, por conseguinte a mudança

    acontece (Zinker, 2001). Com esse suporte é possível que a família tenha a

    possibilidade de refletir, experimentar e estabelecer um novo tipo de contato com a

    sua realidade individual e familiar.

    Trabalhar com o sistema familiar em psicoterapia e alcançar uma mudança

    terapêutica dentro desse sistema é uma tarefa complexa e desafiadora. Isso se torna

    mais verdadeiro quando a família está lidando com acontecimentos traumáticos da

    vida, como a perda de um ente querido (Zinker, 2001).

    Pesquisa qualitativa

    Holanda (2001) afirma que a pesquisa qualitativa é capaz de expor várias

    características peculiares à natureza humana. Nesse sentido, Moreira (2002) afirma

    que o ser humano difere de qualquer outro objeto de estudo devido a sua capacidade

    interpretativa e interativa, e cabe ao pesquisador envolvido em um estudo de tal

    natureza, observar as experiências humanas, sendo sensível o suficiente para

    compreender entidades que possuem interpretação própria das experiências que

    vivem. Na pesquisa qualitativa o processo possui prioridade, sendo que o foco é

    voltado para a percepção do sujeito e que a ênfase dada pelo estudo é na

    subjetividade.

    No presente trabalho faz-se uso da pesquisa qualitativa como forma de acessar

    a experiência dos participantes e atingir os objetivos desta investigação com sujeitos

    humanos. O método de pesquisa utilizado é o fenomenológico.

  • 19

    Método fenomenológico

    Segundo Amatuzzi (1996) a pesquisa fenomenológica é um dos muitos

    formatos que uma pesquisa qualitativa pode ter. O autor assevera que esse modelo de

    pesquisa “designa o estudo do vivido, ou da experiência imediata pré-reflexiva,

    visando descrever seu significado; ou qualquer estudo que tome o vivido como pista

    ou método. Em suma, é a pesquisa que lida com o significado da vivência” (p.5).

    O método fenomenológico visa entender os acontecimentos por meio do

    clareamento do fenômeno. Para isso, um dos recursos que pode ser utilizado pelo

    pesquisador fenomenológico é a entrevista aberta, a qual possibilita que o

    pesquisador investigue a experiência vivida pelo sujeito e o sentido que esta

    apresenta para ele (Amatuzzi, 2001).

    Moreira (2004) enfatiza que o método fenomenológico baseia-se no

    pressuposto metodológico de que o sujeito entrevistado é quem possui a verdadeira

    sabedoria de sua própria vivência. Desse modo, o pesquisador deve procurar

    aprender sobre o assunto que deseja estudar com quem já o vivenciou: o sujeito da

    pesquisa.

    De acordo com Holanda (2001), a pesquisa fenomenológica objetiva a

    compreensão da dimensão do vivido humano, e para isso, necessita de um método

    que descreva e analise o processo e seja coerente com a complexidade do objeto em

    estudo. O método de pesquisa qualitativa fenomenológica elaborada por Giorgi

    (1985) preenche tais requisitos, pois trabalha com dados empíricos, os quais podem

    ser obtidos por meio de sessões, depoimentos e entrevistas abertas. Este é o método

    fenomenológico empregado no presente artigo.

  • 20

    Método de Giorgi

    O método de pesquisa fenomenológica de Amedeo Giorgi (1985) propõe uma

    maneira de se analisar os dados coletados com o sujeito desenvolvendo-se em quatro

    etapas. Em primeiro lugar, após a transcrição da entrevista realizada com o

    participante do estudo, o pesquisador deve ler novamente a entrevista a fim de obter

    um sentido geral do material colhido. Na segunda etapa, o pesquisador precisa

    resumir o que foi lido respeitando as palavras, termos e linguagem do entrevistado. O

    terceiro passo consiste na elaboração de uma síntese, a qual é elaborada a partir de

    uma linguagem psicológica e visa uma discriminação das unidades significativas

    mais reveladoras do fenômeno pesquisado. E, por último, efetua-se a descrição

    sintetizada de todas as unidades significativas manifestadas pelo sujeito,

    categorizando-as.

    Holanda (2002) afirma que as unidades de significado não existem isoladas,

    mas sim em relação ao ponto de vista adotado pelo pesquisador. A realidade

    psicológica não se encontra pronta, ela necessita ser estabelecida pelo psicólogo.

    Sendo importante advertir que o mundo habitual possui mais riqueza e complexidade

    do que a perspectiva psicológica, sendo que vários pesquisadores podem analisar de

    diferentes maneiras o mesmo conjunto de dados.

    Método

    Procedimento

    O interesse em investigar o auxílio da psicoterapia na reconfiguração familiar

    após a perda de um dos membros da família surgiu a partir do momento em que uma

    das pesquisadoras apresentou em sala de aula a transcrição de uma sessão com uma

    de suas pacientes que havia perdido a mãe há pouco mais de um ano e que

  • 21

    apresentava dificuldades em relacionar-se com a sua família após esse fato. Com

    isso, a pesquisadora levou a proposta à sua paciente de realizar sessões de

    psicoterapia com a sua família a fim de auxiliá-los. Tanto a cliente como os demais

    membros da família aceitaram a proposta.

    Primeiramente, foram realizadas seis sessões de psicoterapia familiar, as quais

    foram gravadas, transcritas e supervisionadas. Ao iniciar a psicoterapia de família,

    primeiramente esclareceu-se aos participantes o objetivo, o procedimento e o teor do

    trabalho, após lerem a Carta Convite (Anexo 1) e concordarem em participar do

    estudo, os participantes assinaram o Termo de Consentimento (Anexo 2).

    Posteriormente a realização das seis sessões de psicoterapia com a família, foi

    aplicada uma entrevista aberta em cada um dos participantes, individualmente, em

    apenas um encontro, utilizando sempre o mesmo setting terapêutico. Para uma coleta

    mais fidedigna dos dados foram empregados dois gravadores, um mecânico e um

    digital. A entrevista aberta apresentou as seguintes questões norteadoras: (1) Como

    foi a vivência com o membro perdido? (2) Quais as experiências vividas com o luto?

    (positivas e negativas) (3) Como a família tem se reorganizado após a morte desse

    membro? (4) Como a psicoterapia familiar tem auxiliado?

    Durante a entrevista, o entrevistado tinha a liberdade de relatar suas

    experiências em relação ao tema abordado da maneira que quisesse, sendo que as

    pesquisadoras questionavam algo que não estivesse claro, sempre atentando para se

    guiar pelas questões norteadoras. As pesquisadoras procuraram adotar uma postura

    fenomenológica de escuta atentiva, suspensão de conhecimentos a priori, hipóteses,

    teorias e julgamentos, a fim de permitir que o fenômeno estudado viesse à tona.

    Ao término de cada entrevista, as pesquisadoras adotaram a postura de indagar

    aos entrevistados se havia mais alguma coisa que eles gostariam de falar. Esse

  • 22

    comportamento objetivou deixar os entrevistados livres para acrescentarem qualquer

    coisa que julgassem importante ser dita e que não havia sido abordada durante a

    entrevista.

    Após a transcrição na íntegra das entrevistas (Anexos 3, 4 e 5), cada uma delas

    foi analisada. Tal análise foi baseada no método fenomenológico de Giorgi (1985) e

    encontra-se em anexo (Anexos 6, 7 e 8). Mediante a análise das entrevistas, foi

    possível observar aspectos comuns às experiências de todos os membros

    entrevistados da família, sendo que suas falas apresentam várias semelhanças,

    coerências e concordâncias entre si.

    Segue a descrição da história da família em estudo e de cada membro que

    participou da pesquisa. Esta descrição é feita com base nas sessões de psicoterapia e

    na análise da entrevista de cada um. É importante ressaltar que os nomes utilizados

    foram modificados a fim de resguardar a identidade dos participantes.

    Descrição da história da família

    Sonia, a mãe da família, teve câncer e ficou em tratamento durante três anos,

    faleceu há dois. Segundo os relatos dos demais membros da família, era quem

    mediava às relações dentro da estrutura familiar e quem tomava as decisões pela

    família. Quando Sonia era viva, a família tentou fazer terapia familiar durante um

    tempo, porém, relatam que não deu certo.

    Após a morte de Sonia, sua mãe, que morou durante um tempo com a família,

    voltou para seu estado natal. Recentemente, a filha mais velha da família, Kelem,

    mudou-se para outro estado devido a seu trabalho. Kelem chegou a participar de

    todas as sessões de psicoterapia familiar, e fazia, concomitantemente, terapia

    individual na abordagem transpessoal. Porém, na época em que as entrevistas foram

  • 23

    aplicadas ela já havia se mudado. De acordo com o relato dos outros três membros da

    família, foi ela quem assumiu o papel que cabia à mãe após a sua morte.

    Participantes

    Elias

    A entrevista com o participante Elias aconteceu no dia 31 de janeiro de 2009

    com a duração de 30 minutos.

    Elias tem 52 anos, é pai de três filhos e viúvo há quase dois anos. Está

    desempregado atualmente. Fez terapia individual na abordagem transpessoal por

    pouco tempo, e quando deu início à psicoterapia de família na abordagem gestáltica

    já havia parado há muito tempo. Descreve a sua vivência com Sonia como instável,

    porém, percebe uma melhora muito grande na relação, nos últimos anos. Ele se

    encontra em processo de luto não elaborado devido à morte da esposa.

    Após esse fato, Elias se sentiu desanimado e com falta de vontade, porém, se

    deparou também com a maior responsabilidade pela família. Apesar disso, aponta

    também experiências positivas, como a reconfiguração do relacionamento com os

    filhos. Percebe o quanto isso não era possível antigamente devido à presença de sua

    esposa, pois ela exercia esse papel por ele. Reconhece o auxílio da psicoterapia

    familiar nessa reconfiguração.

    Mariana

    Mariana foi entrevistada no dia 03 de fevereiro de 2009. Sua entrevista teve

    duração de 30 minutos, aproximadamente.

    Mariana, é a irmã do meio, tem 25 anos e é estudante de jornalismo. Foi por

    intermédio dela que a terapia familiar e a posterior pesquisa aconteceram. Ela faz

  • 24

    psicoterapia individual na abordagem gestáltica com uma das pesquisadoras. Relata

    como sua vida era melhor quando a mãe era viva, pois tinha a sensação de ser

    cuidada, e após a sua morte, precisou adquirir maiores responsabilidades e mais

    independência, perdendo o cuidado e o carinho maternal. Percebe sua estrutura

    familiar confusa e desorganizada, sem uma definição clara de papéis, e demonstra

    baixa expectativa em relação ao seu pai. Com a mudança da irmã para outra cidade,

    diz sentir muito sua falta.

    Relata uma reconfiguração no relacionamento e no diálogo e um aumento da

    convivência com o pai e os irmãos proveniente da perda da mãe e do auxílio da

    psicoterapia. Processo que não era possível anteriormente devido à mediação feita

    por essa na relação entre os membros da família.

    Valdir

    A entrevista com Valdir foi realizada no dia 03 de fevereiro de 2009, com

    duração de 45 minutos.

    Valdir é o caçula da família, tem 21 anos e é estudante do curso de artes

    cênicas. Fez psicoterapia na abordagem transpessoal durante um bom período de

    tempo, porém, já havia parado quando deu início às sessões de psicoterapia familiar.

    Tinha uma relação muito próxima da mãe e se emociona muito ao falar dela. Após a

    sua morte, apresentou dificuldades em conviver com a família, sobretudo, com o pai.

    Julga muito difícil para a sua família se reorganizar diante desse acontecimento.

    Atualmente, observa uma maior aproximação com o pai e também com as irmãs, fato

    o qual não ocorria antes, pois a mãe o bastava. Encontra-se em processo de luto não

    elaborado e avalia a mudança da irmã mais velha com uma nova perda.

  • 25

    Valdir não acha tão importante expressar seus sentimentos e envolver-se com

    assuntos familiares como os demais membros da família. Porém, relata como a

    psicoterapia familiar o auxiliou a reconhecer a importância atribuída pela família a

    esse comportamento e a expressão de sentimentos. Hoje, já consegue expressar mais

    seus sentimentos e dar mais atenção a esses assuntos. Percebe o auxílio da

    psicoterapia familiar também em questões individuais e em relação ao auto-

    conhecimento.

    Resultados e discussão

    De acordo com a teoria de campo (Lewin, 1973) e a teoria organísmica

    (Goldstein, 1995), uma mudança que ocorre em uma parte de um todo, seja esse todo

    chamado de campo ou organismo, altera não só a parte que sofreu tal mudança, como

    as demais partes desse todo, modificando assim o seu funcionamento total. Na

    família estudada, pôde-se observar que a morte da mãe/esposa alterou não só cada

    membro desta família individualmente, mas também a estrutura familiar como um

    todo.

    O todo que sofre modificações necessita se reestruturar de acordo com o seu

    novo ambiente, fazendo uso do ajustamento criativo (Goldstein, 1995). Assim, a

    família enlutada também apresentou essa necessidade de se reconfigurar de acordo

    com a sua nova realidade: perda da mãe/esposa. Porém, inicialmente, seu

    ajustamento foi disfuncional, pois essa família pensou que poderia continuar

    funcionando como antes, quando a mãe/esposa era viva.

  • 26

    Pra falar a verdade, assim, eu tento esquecer que minha mãe morreu! Eu

    tento esquecer que ela... Eu disfarço, sabe? A morte da minha mãe a todo o

    momento. (Valdirfilho)

    A vida pra mim está como um vácuo. Eu penso nela, a minha vida é ela,

    sem ela pra mim a vida não tem muito sentido. Eu moro ainda no mesmo

    apartamento que morava com ela. (Eliaspai)

    A esse tipo de comportamento Tobin (1977) dá o nome de reação de

    persistência e Perls (1977), Frazão (1997) e Zinker (2001), nomeiam de cristalização

    e auto-regulação disfuncional. Parkes (1998) explica que quando uma pessoa morre,

    inicialmente, os enlutados podem continuar agindo como se essa ainda estivesse

    viva, o que pode provocar uma enorme sensação de vazio. De acordo com Goldstein

    (1995), se esse comportamento persiste, ele é considerado disfuncional, ou seja,

    inadequado à nova realidade do organismo, causando um choque que afeta o

    indivíduo e o seu meio.

    Os relatos a seguir dizem respeito à percepção dos membros entrevistados

    quanto à influência da mãe nas relações familiares e às expectativas frustradas em

    relação ao pai após a morte da mãe.

    Eu acho também que ela era muito controladora, que ela manipulava a

    gente, muito! Sabe? Muito forte e tal. (Valdir/filho)

    Eu admiro meu pai, eu gosto demais do meu pai. Mas, sinto muita raiva

    dele em muitos momentos, sabe? Porque eu acho ele muito fraco, eu acho

  • 27

    ele infantil e tal. Acho ele bobo, irresponsável e eu não esperava isso de um

    pai. Eu queria algo que me desse segurança, sabe? (Valdir/filho)

    A não ser pelo fato também de ter aprendido a conviver mais com as outras

    pessoas da minha família, porque até então a gente vivia mais assim com a

    ligação da minha mãe no meio, né? (Mariana/filha)

    Ai é difícil, porque meu pai não tem papel de pai. E então, isso dificulta um

    pouco. (Mariana/filha)

    O instinto de proteção da minha esposa mediava à relação pai e filhos, e

    isso é uma coisa que eu acho que era ruim, porque o que acontece é que

    existem coisas que eles acham que eu sou e eu não sou e existem coisas que

    eu tenho e que eles não conhecem. (Elias/pai)

    Considerando-se os relatos da família de que a mãe/esposa era quem

    manipulava, controlava e mediava as relações familiares, observou-se que após a sua

    morte, a convivência entre os membros, principalmente entre pai e filhos ficou muito

    difícil, pois eles não tinham uma boa comunicação, e os filhos esperavam da figura

    paterna, e ao mesmo tempo relataram baixa expectativa e decepção em relação à ele,

    que exercesse um papel que nunca exerceu, devido à grande interferência da mãe.

    De acordo com Parkes (1998), ante da perda de um membro da família depara-

    se com a perda dos papéis que eram exercidos por esse. Diante disso, quatro são as

    possibilidades: esses papéis podem não ser mais exercidos por ninguém; outros

  • 28

    membros da família assumem esses papéis; uma pessoa de fora do sistema familiar

    passa a exercer esses papéis; ou o sistema familiar pode acabar falindo.

    Nesta família em particular, verificou-se que os filhos relatam uma dificuldade,

    indefinição e desorganização em relação aos papéis na estrutura familiar após a

    morte da mãe, visto que percebem que o pai não exerce o papel que esperavam dele.

    Dizem que no início, a irmã mais velha tentou assumir esses papéis, mas que isso não

    foi bom nem para ela nem para a família. E depois que ela se mudou, os papéis

    ficaram mais indefinidos e confusos do que já estavam.

    Porque meio que a Kelem foi assumindo o papel da minha mãe assim de

    organização, cuidando da casa e tal. As coisas giravam um pouco em torno

    dela. Ela deliberava as coisas como a minha mãe fazia antes. E aí era chato

    pra ela. E era chato pra gente, claro! Mas quando ela foi embora agora pra

    Manaus, agora realmente a gente ta sem mãe, sabe? Mesmo! A Mariana não

    assumiu esse papel, meu pai também não, eu muito menos. Então, assim, ta

    uma coisa até mais democrática, sabe? (Valdir/filho)

    Não acho que já está organizado, não. Ainda mais agora com a saída da

    Kelem. Tá estranho, assim. O conceito de família vai mudando. (Mariana/

    filha)

    É porque aí, era mais fácil de você definir o papel de cada um, quem deve

    fazer o que. E aí depois que minha mãe morreu o papel teve que ser

    dividido e era um papel muito grande, e ninguém faz isso. (Mariana/filha)

  • 29

    Por isso que eu digo que estou complemente perdido. Isso em todos os

    sentidos, no sentido de vida, de sentimento, de profissional, tudo. Quero ir

    embora daqui, tenho outros planos. Penso que tenho que começar uma vida

    nova. E às vezes tenho a impressão que estou como aqueles jovens que

    acabam de sair de faculdade e pensam: “E agora? Que que eu faço?”

    (Elias/pai)

    Essa desorganização familiar e dificuldade de se reorganizar relatada pelos

    membros da família também pode ser justificada pelo fato de que o sistema familiar

    era estruturado de um modo não funcional mesmo anteriormente à morte da

    mãe/esposa. A mãe mediava e manipulava as relações, segundo relato dos

    entrevistados, o que dificultou uma relação verdadeira e uma boa comunicação entre

    os demais membros da família.

    Carter e Mcgoldrick (1995) explicam que o fluxo de ansiedade vertical em uma

    família implica em padrões de relacionamentos que são transmitidos de geração para

    geração, e podem ser comparados a uma mão que maneja as pessoas e seus

    relacionamentos. Sonia, a mãe/esposa da família em estudo passou seus padrões de

    relacionamento para os filhos, e os ensinou também para o marido, que acabou por

    aceitá-los. Mesmo após a sua morte esse padrão de comunicação familiar, em que a

    comunicação entre os membros era mediada por uma pessoa da família, vigorou por

    um tempo. No caso, a filha mais velha assumiu o papel exercido anteriormente pela

    mãe. Tal fato acabou por tornar a convivência mais difícil do que antes, e a dinâmica

    familiar mais disfuncional do que já era.

    Carter e Mcgoldrick (1995) acrescentam que diante de um estresse no eixo

    horizontal, mesmo que muito pequeno, se o eixo vertical já apresentar um estresse

  • 30

    intenso, pode ocorrer um grande rompimento no sistema familiar. Neste sistema

    familiar, percebeu-se um estresse já existente no eixo vertical anterior à perda da

    mãe/esposa, que se dava nas relações. A morte deste membro, um estresse que pode

    ser considerado de grande dimensão no eixo horizontal, juntamente com o estresse

    que já vigorava no eixo vertical, desencadeou nesse rompimento. O rompimento

    pode ser representado pela dificuldade nas relações e comunicação entre os

    membros, na dificuldade de redefinição dos papéis, e na desorganização e

    dificuldade de reconfiguração da estrutura familiar.

    Apesar de toda essa dificuldade, atualmente a família tem mostrado que já

    consegue se relacionar de forma diferente e constituir uma rede de comunicação

    entre o pai e os filhos e dos filhos entre si. Eis um ponto que pode ser considerado

    positivo ante a perda da mãe/esposa, além de indicar uma nova configuração entre os

    membros, a qual não fora experimentada anteriormente. Nesse sentido, eles

    percebem que houve uma reconfiguração nos relacionamentos do sistema familiar e

    que hoje possuem uma maior aproximação e convivência entre si.

    É assim... Eu acho que até na minha relação com todos. Com os três assim.

    E eu tentar demonstrar mais afeto, mais preocupação, mais carinho.

    (Valdir/filho, em relação ao auxílio da psicoterapia de família).

    E, eu tenho me tornado um pouco mais depende de outras pessoas, sabe?

    Emocionalmente, assim. Que, às vezes assim, antes, ela me bastava.

    (Valdir/filho)

  • 31

    A não ser pelo fato também de ter aprendido a conviver mais com as outras

    pessoas da minha família, porque até então a gente vivia mais assim com a

    ligação da minha mãe no meio, né? Então, isso foi bom! (Mariana/filha)

    Melhorou muito porque nós éramos muito afastados. Quando minha esposa

    estava viva percebo que era “teoricamente bom”, porque o que acontecia na

    realidade é que ela mediava tudo, as dificuldades e tal. E hoje eu percebo

    que, sem ela, a nossa relação é verdadeira. A gente se fala mais e eu nunca

    tive esse sentimento com eles. (Elias/pai)

    Em relação à psicoterapia de família, pôde-se perceber que o andamento do

    processo psicoterapêutico pôde ser mais fácil e fluido devido ao fato de que os

    membros da família já haviam feito ou faziam terapia individual e de já terem feito

    também durante um tempo terapia familiar. Sendo assim, os membros já

    apresentavam, mesmo que em menor grau, uma certa consciência de seu

    funcionamento enquanto família, e sempre concordavam entre si em relação às suas

    percepções. Com o decorrer do processo psicoterapêutico foi possível observar, por

    meio das entrevistas, uma maior ampliação da consciência de todos os membros do

    sistema familiar.

    Todos os três participantes do estudo reconhecem que a psicoterapia de família

    os auxiliou perante a situação de perda do ente querido e de luto. Segundo eles, além

    de terem obtido auxílio em questões da família como um todo, também tiveram

    auxilio em questões individuais. A família foi unânime quanto à assistência da

    psicoterapia familiar na reconfiguração das relações familiares, na ampliação da

  • 32

    consciência, bem como no fato de que puderam experimentar novas formas de

    comunicação.

    Usando a idéia de Hycner e Jacobs (1997) de que muitas vezes o problema

    pode ser a resposta, pode-se considerar que o problema da morte da mãe foi a

    resposta para um problema que persistia por anos, que era o de relacionamento

    familiar. Como a família conseguiu perceber isso, juntamente com o auxílio da

    psicoterapia familiar, ela pôde re-significar a morte do ente querido, que apesar de

    difícil e dolorosa, passou a trazer em seu bojo também uma conotação positiva, a de

    aproximação.

    Considerações finais

    Para finalizar, é importante ressaltar que existem poucas referências

    bibliográficas que abordem o processo de luto tanto individual como familiar sob o

    enfoque da abordagem gestáltica. Há uma escassez de embasamentos teóricos em

    relação a este tema que auxiliem o gestalt-terapeuta a lidar e atender no ambiente

    psicoterapêutico indivíduos e famílias que passaram pela perda de um ente querido e

    encontram-se em processo de luto, fato comum à vida de todos e ao mesmo tempo

    tão singular para cada indivíduo que passa por ele.

    Assim sendo, faz-se necessário um maior número de pesquisas e estudos de

    caso os quais relatem como proceder em relação a tal tema nesta abordagem

    especificamente. Para que dessa forma, seja enfocado não apenas o processo

    individual de luto, mas também o processo pelo qual passa toda a estrutura familiar

    diante do mesmo. Posto que o luto influência não só os membros da família em sua

    unicidade, mas também o sistema familiar como um todo.

  • 33

    Na presente pesquisa pode-se perceber que há uma literatura relativamente

    vasta em relação ao luto individual em outras abordagens que não a gestáltica.

    Porém, quando se busca algo em relação à família como um todo, esse tipo de

    literatura é realmente escassa em todas as abordagens da psicologia. Sendo que para

    a realização do presente estudo foi necessário utilizar-se de outras abordagens e de

    teorias distintas dentro da Gestalt-terapia, e correlacioná-las, para que fosse possível

    encontrar um sentido de acordo com os pressupostos gestálticos para esse processo

    de luto e reconfiguração familiar.

    Apesar de o processo de luto ser diferente e único para cada indivíduo ou

    família, conclui-se ao final deste estudo que o mais importante é tentar dar suporte a

    família no que for possível, estar ao seu lado, compreender e respeitar o seu tempo

    enquanto família e individualmente de processo de luto, e auxiliar na ampliação da

    consciência.

    Porém, apesar de todas essas posturas do gestalt-terapeuta colocadas acima, o

    que fica de mais satisfatório ao final do processo psicoterapêutico realizado com essa

    família em especial, é a capacidade de transformar algo triste, doloroso, que causa

    sentimentos de sofrimento, saudade, falta e privação em algo que também pode ter

    conseqüências positivas, como um novo e verdadeiro relacionamento entre pai, filhos

    e irmãos.

    Por fim, ressalta-se a importância do diálogo, entre abordagens distintas,

    como o realizado nesta pesquisa, pois as ciências humanas e sociais lidam com dados

    da realidade humana de extrema complexidade, como é o caso do fenômeno do luto.

    Assim, sugere-se novos estudos em que se possa traçar possibilidades de articulações

    teórica-prática, que venham suprir a carência da literatura atual. Este estudo trata-se

    um tijolo em uma construção que por hora se inicia.

  • 34

    Referências bibliográficas

    Amatuzzi, M. M. (2001). Pesquisa fenomenológica em psicologia. Em M. A. d

    Toledo Bruns & A. F. Holanda (Orgs.). Psicologia e pesquisa fenomenológica:

    reflexões e perspectivas (pp.15-22). São Paulo: Ômega.

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    Tobin, S. A. (1977). Dizer adeus. Em J. O. Stevens (Org.). Isto é gestalt (pp.161-

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  • 36

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    Paulo: Summus.

    Zinker, J. C. (2001). A busca da elegância em psicoterapia: uma abordagem

    gestáltica com casais, família e sistemas íntimos. São Paulo: Summus

  • 37

    Anexos

  • 38

    Anexo 1

    Goiânia, 01 de novembro de 2008.

    CONVITE

    Caros clientes,

    Estamos iniciando a coleta de dados para um trabalho de finalização do curso de

    Especialização em Gestalt-terapia realizado pelo Instituto de Treinamento e Pesquisa

    em Gestalt-terapia de Goiânia (ITGT). Neste trabalho, pretende-se investigar o

    Processo psicoterapêutico e reconfiguração familiar em enlutados: um estudo

    fenomenológico Assim, o procedimento consiste em realizar alguns atendimentos

    com a família, bem como entrevistas para se trabalhar com os mesmos conteúdos

    acerca do tema. Esses atendimentos serão realizados no local de conveniência do

    colaborador. O horário dos atendimentos será agendado previamente.

    Cabe ressaltar que os nomes dos participantes não serão divulgados e que todos

    os atendimentos serão gravados. Temos a intenção inicial de realizar todos os

    atendimentos, com a família reunida. Entretanto, em alguns momentos específicos,

    pode ser necessário realizar o atendimento com partes da família.

    Solicitamos às pessoas que estão participando do estudo que caso queiram entrar

    em contato conosco podem utilizar os telefones (62) 32940212 ou 81333351, para

    que possamos marcar dias e horários.

    Agradecemos desde já a atenção.

    Atenciosamente,

    Cynthia Quinan Fleury

    Psicóloga CRP 09/4930

    Cristiane Batista Silva

    Psicóloga CRP 09/4724

  • 39

    Anexo 2

    CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DAS PESSOAS DA FAMÍLIA

    COMO SUJEITOS

    Eu,___________________________________, RG №________________

    CPF №__________________,

    Eu,___________________________________, RG №________________

    CPF №__________________,

    Eu,___________________________________, RG №________________

    CPF №__________________,

    Eu,___________________________________, RG №________________

    CPF №__________________, concordo em participar do estudo Processo

    psicoterapêutico e reconfiguração familiar em enlutados: um estudo

    fenomenológico. Fui devidamente informado e esclarecido pelas pesquisadoras

    Cristiane Batista Silva e Cynthia Quinan Fleury acerca do estudo, os procedimentos

    nele envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha

    participação. Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer

    momento, sem que isso me leve a qualquer penalidade ou interrupção de meu

    acompanhamento/assistência/tratamento.

    Local e data_________________________________________________________

    Nome do sujeito ou responsável:_________________________________________

    Nome do sujeito ou responsável:_________________________________________

    Nome do sujeito ou responsável:_________________________________________

    Nome do sujeito ou responsável:_________________________________________

    Assinatura do sujeito ou responsável:_____________________________________

    Assinatura do sujeito ou responsável:_____________________________________

    Assinatura do sujeito ou responsável:_____________________________________

    Assinatura do sujeito ou responsável:_____________________________________

    Presenciamos a solicitação de consentimento, esclarecimentos sobre o estudo e

    aceitação do sujeito em participar.

    Testemunhas (não ligadas à equipe de pesquisadores):

    Nome:_______________________________

    Assinatura:____________________________

  • 40

    Anexo 3

    Transcrição da Entrevista - Participante Elias (Pai)

    P: Como era a vida com a sua esposa?

    S: A minha vida com ela foi cheia de fases. Nos últimos dois anos foi muito mais

    forte. A gente ficou mais amigos. A vida da gente é uma série de situações de altos e

    baixos como em um eletro encefalograma, mas nos últimos quatro, principalmente,

    ficamos mais ligados, mais preocupados um com o outro. E a morte dela foi algo

    muito forte pra mim. Pra mim tem sido muito difícil. Estávamos na nossa melhor

    fase. E eu estou assim, extremamente abalado ainda.

    P: E quais experiências você está vivendo com a morte da sua esposa?

    S: Eu ainda estou de luto. Eu não tenho interesse, em outra mulher ou situação de

    amor, em nada disso! Mas preciso cuidar dos meus filhos e das minhas coisas.

    P: Então, essas são as experiências que você está vivendo com esse luto?

    S: Não vivi experiência nenhuma. A vida pra mim está como um vácuo. Eu penso

    nela, a minha vida é ela, sem ela pra mim a vida não tem muito sentido. Eu moro

    ainda no mesmo apartamento que morava com ela. E tá complicado pra mim. Eu não

    tenho ânimo pra fazer absolutamente nada. Fim de semana, por exemplo, eu não saio

    de casa nem pra ir à padaria no domingo pra comprar pão, entendeu? Essas coisas me

    preocupam, porque eu preciso achar um jeito de me movimentar, mas ao mesmo

    tempo eu não tenho vontade. Eu não consigo sair de casa, eu não tenho vontade de

    nada. Parece uma coisa assim tipo preguiça mesmo! Sabe, sair com um amigo, um

    conhecido, é algo que não tenho vontade. Mas também eu não tenho uma atividade,

    não tenho amigos, meus amigos são todos casais, é uma situação difícil. Eu estou

    com dificuldades ainda nesse sentido.

  • 41

    P: Então essas são experiências negativas que você está vivendo. Você consegue

    perceber alguma experiência positiva com a morte de sua esposa?

    S: A aproximação dos meus filhos. Obrigatoriamente eu precisei me inteirar mais. O

    instinto de proteção da minha esposa mediava à relação pai e filhos, e isso é uma

    coisa que eu acho que era ruim, porque o que acontece é que existem coisas que eles

    acham que eu sou e eu não sou e existem coisas que eu tenho e que eles não

    conhecem. Mas um ponto positivo é que hoje nosso relacionamento está melhor,

    estamos mais próximos. Eu me preocupo mais com eles.

    P: Como você percebe que vocês estão se reorganizando enquanto família diante da

    morte de sua esposa?

    S: Não estou fazendo nada. Eu estou completamente perdido. Antes éramos seis

    pessoas na minha casa e hoje somos apenas três. Então, primeiro foi a morte da

    minha esposa, depois a minha sogra que morava conosco foi embora, mudou de

    cidade, e agora por último a Kelem que mudou também. E eu sou muito dependente

    dessas mulheres, no sentido de, o modo de vida delas, como elas conduziam as

    coisas. E eu não sei criar o meu próprio modo. Por isso que eu digo que estou

    complemente perdido. Isso em todos os sentidos, no sentido de vida, de sentimento,

    de profissional, tudo. Quero ir embora daqui, tenho outros planos. Penso que tenho

    que começar uma vida nova. E às vezes tenho a impressão que estou como aqueles

    jovens que acabam de sair de faculdade e pensam: “E agora? Que que eu faço?” Só

    que ao mesmo tempo, eu percebo que eu não tenho muito tempo, penso que no

    máximo tenho uns vinte anos. E é uma ambivalência de: tenho pressa, mas não

    tenho; quero fazer, mas não quero. Uma preguiça emocional. Nunca pensei em ficar

    tão perdido como estou agora. Percebo que estou fazendo algo sim, mas que não é o

    suficiente.

  • 42

    P: Então, você percebe que ainda está desorganizado?

    S: Sim. É na verdade, uma desordenação de sentimentos. Fico tentando me manter

    seguro por eles, mas é complicado. Melhorou muito porque nós éramos muito

    afastados. Quando minha esposa estava viva percebo que era “teoricamente bom”,

    porque o que acontecia na realidade é que ela mediava tudo, as dificuldades e tal. E

    hoje eu percebo que, sem ela, a nossa relação é verdadeira. A gente se fala mais e eu

    nunca tive esse sentimento com eles. Hoje eu não os vejo mais como crianças e

    percebo que eles têm um nível tão bom quanto eu.

    P: As sessões que vocês têm feito aqui, você percebe que têm ajudado?

    S: Ajudou muito!

    P: Em que você percebe que ajudou?

    S: Principalmente com todas essas percepções que eu estou falando, sobretudo em

    relação aos meus filhos. Penso que da outra vez quando fizemos terapia também,

    ainda quando minha esposa estava viva, faltava muita maturidade para meus filhos e

    pra mim também. Sem contar que a mãe mediava o tempo todo. E isso é errado!

    Como agora não temos mais ela, parece que fluiu melhor, que foi mais verdadeiro! E

    o contrato que fizemos logo no início de não comentar lá fora o que era feito na

    terapia ajudou demais. Porque eu percebo que a palavra não transmite a pureza. E

    por isso, que foi bom combinarmos de não comentar nada lá fora e sim expressar a

    mudança através de atitudes. E é assim, que nós estamos buscando melhorar, pelas

    atitudes e não ficar falando, ficar só na palavra. E funcionou! Tanto que a gente

    continua vindo aqui.

    P: Tem mais alguma coisa que você gostaria de acrescentar, que você acredita que

    seja importante?

  • 43

    S: Gostaria só de dizer que essas reuniões me ajudam muito com meus filhos. Me

    ajuda a me equilibrar, a encontrar o meu equilíbrio. Sabe, hoje não existe nada de

    material, financeiro que me interesse ter, ou alcançar. Eu gostaria mesmo é de ter

    uma vida nova! Uma vez trabalhamos aqui sobre responsabilidade e eu e me filhos

    até discordamos muito nesse sentido. Eles pensam uma coisa ao meu respeito e eu

    penso outra, mas foi bom discutirmos sobre isso. Mas o que eu quero dizer é que eu

    pude perceber que eu tenho responsabilidade sim, mas que eu sempre fiz as coisas

    em função de alguém ou de alguma coisa ou situação. E hoje eu percebo que eu

    preciso fazer algo em função de mim.

    P: E hoje você percebe que tem feito alguma coisa em função de alguém?

    S: Sim. Hoje eu vivo em função dos meus filhos. Sentimento, harmonia, dinheiro,

    tudo em função do nosso relacionamento. Não estou fazendo nada que eu gostaria de

    fazer, mas tenho medo de dar esse grito de liberdade. Eu gostaria mesmo é que eles

    fossem mais independentes, corressem mais atrás. E percebo que eles não sentem

    isso, porque tem tudo que precisam em casa. A Mariana, por exemplo, têm vinte e

    cinco anos eu com essa idade já trabalhava e tinha dois filhos. Tá certo, ela estuda,

    faz faculdade, trabalha num emprego que mal dá pro transporte dela, ganhando uns

    500 reais. O Valdir estuda também, faz os biquinhos dele, ganha uns trocados, mas

    eu não vejo neles aquela coisa de correr atrás pra conseguir coisa melhor e isso por

    quê? Porque tem quem banca as coisas dentro de casa, porque todo o dinheiro que eu

    ganho eu coloco em casa! E eu penso: Será que eu tenho que tirar isso deles pra que

    eles possam correr atrás? Agora durante as férias, os dois de folga sem trabalhar e

    não fizeram nada. Só acordando tarde, assistindo televisão, saindo todos os dias. Por

    quê? Tem aquela historia da vaquinha provedora conhecem né? E a vaquinha sou eu.

    E eu preciso dar esse grito, não só pela questão financeira. E ai, eu fico perdido! Sem

  • 44

    saber o que fazer! Será que é isso mesmo que eu tenho que fazer? Tenho medo de

    soltá-los as feras lá fora. Não posso ter um filho de quarenta anos em casa

    dependente, como em muitos casos que a gente vê por ai. E isso eu não quero!

    P: Este é um assunto que percebo que é realmente importante pra você e que nós

    podemos trabalhar se você quiser nas sessões junto com seus filhos.

    P: Agora podemos finalizar? Mais alguma coisa?

    S: Não, está tudo bem!

  • 45

    Anexo 4

    Transcrição da Entrevista – Participante Mariana

    P: Mariana, nós gostaríamos que você nos dissesse como era sua vida com a sua

    mãe?

    S: Nossa que pergunta difícil! Ah, não sei. Era assim normal! Era uma vida como de

    quem tem mãe. Rs. Não sei o que dizer.

    P: E como é a vida assim de quem tem mãe?

    S: Ah, não sei. Minha mãe assim ela dava atenção. Eu sentia mais assim, eu me

    sentia como se eu tivesse assim, mais casa, do que hoje eu tenho, entendeu? Casa da

    mãe, essas coisas. Era bom! Tinha mais atenção, eu tinha mais cuidado. Era bom,

    assim. Assim, não sei explicar. Não sei explicar. Assim eu só sei explicar o que

    mudou, entendeu?

    P: E o que mudou?

    S: Ah, mudou assim, tipo, ta mais independente, de ser assim mais por minha conta,

    esperar menos assim do meu pai. Ah, essas coisas! Mais responsabilidade, essas

    coisas.

    P: Mariana, e dessas coisas que mudaram você consegue perceber o que foi positivo

    e o que foi negativo?

    S: Não, foi positivo, porque eu fiquei mais independente, mas o resto tudo eu acho

    que foi negativo. A não ser pelo fato também de ter aprendido a conviver mais com

    as outras pessoas da minha família, porque até então a gente vivia mais assim com a

    ligação da minha mãe no meio, né? Então, isso foi bom! Já o resto nada foi bom!

    P: O que você considera como o resto?

    S: Ah, o resto! Menos cuidado, menos atenção, menos carinho, essas coisas, tudo

    isso aí. A presença dela, né? Tudo. Isso!

  • 46

    P: E assim, como você percebe que sua família tem buscado se reorganizar depois

    que sua mãe morreu?

    S: Ah, assim, eu acho que a gente ainda está caminhando. Não acho que já está

    organizado, não. Ainda mais agora com a saída da Kelem. Ta estranho, assim. O

    conceito de família vai mudando. Então. Ah, eu não sei. Acho que ainda não está

    assim, ainda bem organizado, não. Ainda está muito confuso, assim.

    P: Mas também não está do mesmo jeito.

    S: Não, não está! E isso não é bom! Preferia do jeito que era. Porque era bom quando

    a minha mãe tava viva. É porque aí, era mais fácil de você definir o papel de cada

    um, quem deve fazer o que. E aí depois que minha mãe morreu o papel teve que ser

    dividido e era um papel muito grande, e ninguém faz isso. Aí é difícil, porque meu

    pai não tem papel de pai. E então, isso dificulta um pouco.

    P: Como você percebe que estão definidos os papéis hoje na sua família?

    S: Hoje? De quem mora na minha casa ou ainda junto com a Kelem?

    P: De quem mora na sua casa hoje.

    S: Aí, eu já não sei! Aí, eu já acho que ta uma bagunça. Eu estou me abstendo de

    qualquer papel! Eu não quero! Não quero pegar papel nenhum! E, eu estou vivendo

    assim. Eu não quero pegar nada, eu tento assim, fazer algumas coisas com meu pai,

    mas não ta tento jeito não. Não tem papel. Porque se fosse pra eu tentar papel de

    filha, eu não posso ter só papel de filha, porque eu também tenho que cuidar da casa,

    porque meu pai ele não se importa, meu irmão não se importa, então ninguém se

    importa, e eu me importo, então, sobra só pra mim. Então é confuso! Não tem papel.

    Não existe papel definido.

    P: E toda essa situação que você está colocando é com a ausência da Kelem. Você

    percebe se havia alguma diferença com a presença dela?

  • 47

    S: A Kelem faz total diferença! Porque a Kelem ela é muito mais assim do que eu.

    Ela sabe muito mais é, conter uma casa do que eu, então ela faz muita diferença,

    porque ela divide, assim. Mesmo que ela não sabe tudo, a gente divide muito bem! E

    aí fica mais fácil. Agora sem a Kelem, parece que: Ah, mulher é que é a única que

    fica preocupada, sabe? Porque eles não tão nem aí. Então que se dane! E aí, sobra pra

    mim, porque eu não sou assim, né? Então, com a Kelem pelo menos a gente dividia

    isso, com eles não tem jeito! Porque eles não se importam mesmo! Assim, com a

    casa.

    P: Então, você está dizendo que depois da morte da sua mãe, quando a Kelem estava

    em casa, essas divisões ficavam um pouco mais fáceis. E agora que ela teve que se

    mudar isso está mais difícil.

    S: Ta muito mais!

    P: Ficou só pra você.

    S: É, não ficou porque eu não estou querendo isso não! Eu estou passando pra frente.

    Então, não ficou pra mim não! Mas é o que todo mundo espera! E eu estou tentando

    fazer assim, pra não ficar insuportável pra mim, né? Então, eu vou fazendo o que dá.

    E eu estou tentando respeitar mais assim, ser menos invasiva com meu pai e com o

    Valdir. Então, é, por exemplo, a gente ta muito apertado de grana. Pai vamo pagar

    essa conta. Daí ele: Ah, não, não quero! Ok, a dívida é dele! Então ta, não quer

    pagar, problema dele. Pronto, tchau! E se fosse antes eu iria ficar desesperada. Então

    vai cortar, vai acabar, tudo isso! Mas é uma opção dele, o que que eu posso fazer? O

    pai da família é ele. E isso ele tem estranhado, sabe? Ele reclama que eu estou muito

    distante, mas não é. Eu to deixando ele tomar as decisões de pai. Eu não vou mais

    ficar de cima não, igual à Kelem ficava. E acho que por ela ficar eu também ficava.

  • 48

    Então, não quero! Eu faço até um certo ponto, depois não vou fazer mais não. Só

    quando for na minha casa, na minha família mesmo, que eu for construir.

    P: Nessa família atual você não quer assumir isso?

    S: Não, não quero! Porque, eu não sei. Não, é a minha... Não é a minha escolha, ser

    dona de casa.

    P: E então, vocês estiveram aqui, tiveram seis sessões, participaram da terapia de

    família. Você acha que ajudou?

    S: Eu acho!

    P: Como?

    S: Ajudou muito assim, primeiro: ajudou a ter diálogo, porque a minha família

    sempre foi de discutir bastante, assim. As conversas que a gente tinha aqui, direto a

    gente tinha lá em casa, mas eu acho que às vezes a gente ficava assim meio que sem

    encerrar, sabe? Sem concluir as coisas. Então, ajudou demais! Ajudou a entender o

    que é do outro e o que é seu. Ah, não sei! A minha relação, por exemplo, com o

    Valdir melhorou demais! E com todo mundo também, até com meu pai. Porque ah,

    eu achava que tava tudo bem, e foi quando ele ficou reclamando de mim lá, que eu

    tava chata e tal. Mas até então, eu nem sabia, pra mim tava tudo bem. Mas, acho que

    melhorou sim!

    P: Com todos?

    S: Com todos!

    P: Em que sentido?

    S: Nesse mesmo de conversa! De ficar mais assim tranqüilo, eu to tentando ser muito

    tranqüila, sabe? Você ta com problema, você tenta resolver, se você quiser você me

    pede. Sabe? Eu não vou ficar mais indo atrás não! Eu não quero fazer o papel da

    minha mãe! Então, cada um vai viver a sua vida. Então, o que meu pai fica

  • 49

    reclamando é isso, porque eu quero viver minha vida, mais independente, com mais

    privacidade. Sabe, assim? E aí ele reclama disso! Porque meu pai é extremamente

    invasivo! Então, ele é muito curioso, muito invasivo, então ele quer o tempo inteiro

    ficar caindo em cima da sua vida, saber as coisas que você faz, quer que você conte

    tudo. Mas não é nem por preocupação, é por curiosidade! Pra ta sempre em cima! E

    eu to evitando isso, aí ele fica reclamando que eu to muito distante. Mas eu não to!

    Eu acho que talvez eu nunca esteja estado tão presente. E ele não percebe, porque ele

    é muito curioso.

    P: Tem mais alguma coisa que você gostaria de colocar que você considera

    importante?

    S: Não, não tem nada. Não me vem nada na cabeça agora.

    P: E como você está se sentido nesse momento? Depois de ter tocado em todos esses

    assuntos?

    S: Ah, não sei. Falar da minha mãe ainda é difícil pra mim! Mas eu to bem! To

    tentando lidar com isso! Aos poucos. Bem aos poucos, né? Já tem quase dois anos,

    mas é assim.

  • 50

    Anexo 5

    Transcrição da Entrevista – Participante Valdir

    P: Valdir, nós gostaríamos que primeiro você falasse um pouco de como era a sua

    vida com a sua mãe. A sua convivência...

    S: Ah, minha mãe... Era mãe! Lógico ela era mãe, sabe, claro pegava no pé e enchia

    meu saco, essas coisas chatas. Mas eu acho que mesmo assim, a convivência sempre

    foi muito tranqüila, sabe? Minha mãe ela me escutava, ela se interessava por mim e

    ela percebia quando eu precisava dela, nem sempre eu precisava procurar e tal. E era

    muito legal isso! Isso era muito bom nela! Ao mesmo tempo, eu acho também que

    ela era muito controladora, que ela manipulava a gente, muito! Sabe? Muito forte e

    tal. E uma coisa que é até mais recentemente, de uns cinco anos pra cá, eu já estava

    conseguindo me libertar, me desvencilhar e tal. Mas assim, com ela, a minha relação

    sempre foi muito tranqüila, com muito respeito. Minha mãe sempre respeitou muito

    as minhas vontades, sabe? Ela entendia o que eu queria e o que eu não queria, e

    aceitava e tal. Diferente do meu pai, assim. Tudo ela era muito contundente. Mas era

    de boa assim.

    P: Bom, e quais experiências que você acha que você tem vivido com a morte da sua

    mãe?

    S: Ah, eu acho que. Pra falar a verdade, assim, eu tento esquecer que minha mãe

    morreu! Eu tento esquecer que ela... Eu disfarço, sabe? A morte da minha mãe a todo

    o momento. Acho que ter tido experiências com a morte dela... Mas, é, pode ser que

    sim! Pode ser que eu tenha me aproximado mais do meu pai, mas muito pouco,

    assim. Tem dias que eu penso que foi um pouco mais. Hoje, por exemplo, eu to

    pensando que foi pouco. E, eu tenho me tornardo um pouco mais depende de outras

  • 51

    pessoas, sabe? Emocionalmente, assim. Que, às vezes assim, antes, ela me bastava.

    Hoje eu procuro mais a Kelem, recentemente eu tenho procurado muito mais a

    Mariana também. E, mais é isso, só assim. Não sei se tive experiências assim com a

    falta dela.

    P: Você consegue distinguir, Valdir, entre (é claro que a morte da sua mãe foi ruim, e

    houve muitas coisas negativas), mas consegue perceber pontos negativos, mas

    também positivos?

    S: A única coisa que eu vejo é ela ter parado de sofrer! Porque era a coisa que mais

    incomodava a nós. Não mais. Queria que ela tivesse aqui comigo agora.

    P: Então, de positivo esse é o único que você consegue perceber. E de negativo, tem

    mais alguma coisa que você gostaria de colocar além do que você já falou?

    S: Acho que é falta, é saber que minha esposa não vai conhecer minha mãe, meus

    filhos não vão ter avó. Essas coisas todas, assim. (Se emociona)

    P: Parece que falar da sua mãe te deixa emocionado.

    S: É. A falta da minha mãe me deixa emocionado, sempre.

    P: O que você sente?

    S: Parece que falta ar até. Eu não sei explicar. Não sei! Doe demais! (chora). Doe

    demais aqui! Doe muito! Doe pensar que não vou mais conversar com ela, acho que

    é isso mesmo! (chora).

    P: Como que você acha que sua família tem conseguido se reorganizar depois que

    sua mãe morreu?

    S: Num primeiro momento, tava muito complicado