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PÉROLA CRISTINA FARIAS ALVES PROBLEMAS E DESAFIOS DA COMUNIDADE COZINHADOR DO ASSENTAMENTO LIBERTAÇÃO CAMPONESA EM ORTIGUEIRA-PR Londrina 2013

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  • PROLA CRISTINA FARIAS ALVES

    PROBLEMAS E DESAFIOS DA COMUNIDADE COZINHADOR DO ASSENTAMENTO LIBERTAO

    CAMPONESA EM ORTIGUEIRA-PR

    Londrina

    2013

  • PROLA CRISTINA FARIAS ALVES

    PROBLEMAS E DESAFIOS DA COMUNIDADE COZINHADOR DO ASSENTAMENTO LIBERTAO

    CAMPONESA EM ORTIGUEIRA-PR

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Departamento de Geocincias da Universidade Estadual de Londrina, como requisito parcial obteno do ttulo de Bacharel em Geografia Orientador: Prof. Dr. Ruth Youko Tsukamoto

    Londrina 2013

  • PROLA CRISTINA FARIAS ALVES

    PROBLEMAS E DESAFIOS DA COMUNIDADE COZINHADOR DO ASSENTAMENTO LIBERTAO

    CAMPONESA EM ORTIGUEIRA-PR

    BANCA EXAMINADORA

    ____________________________________ Orientador: Prof. Dr. Ruth Youko Tsukamoto

    Universidade Estadual de Londrina - UEL

    ____________________________________ Prof. Dr. Alice Yatiyo Asari

    Universidade Estadual de Londrina - UEL

    ____________________________________ Prof. Dr. Ederval Everson Batista

    Universidade Estadual de Londrina - UEL

    Londrina, _____de ___________de _____.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo a minha orientadora, Professora Ruth, no s pela

    constante orientao neste trabalho, mas sobretudo pela sua pacincia que teve

    comigo durante todo o perodo da pesquisa me auxiliando, me apoiando e

    ensinando da melhor forma sobre como elaborar a pesquisa e me orientando sobre

    quais caminhos eu deveria percorrer.

    Aos meus pais, Marta e Raimundo, que alm do apoio, me ajudaram

    muito durante as entrevistas de campo sempre colaborando com muitas informaes

    alm de me acompanhar durante as visitas com os assentados.

    Gostaria de agradecer tambm algumas pessoas que contriburam

    para o desenvolvimento da pesquisa, tio Izaias, tia Zezinha e tio Nozinho, atravs de

    informaes acerca da organizao do acampamento e a atuao do MST e todo o

    processo de implantao do assentamento. Sem estas informaes detalhadas a

    pesquisa teria sido muito mais difcil.

    Agradeo tambm ao meu primo Glauber Yure, minha cunhada

    Leidiane, meus irmos Silas, Hocmone, Tamar e Ramom que me auxiliaram nas

    tabulaes de dados durante a pesquisa.

    Aos amigos Camila Ketery, Thiago Saab, Naibi Jaime, Deidy

    Fernanda, que me incentivaram para a concluso da pesquisa, salientando sua

    importncia para minha carreira profissional.

    A minha amiga e scia Ivone Gomes Borges, pela pacincia que

    teve comigo durante minhas faltas ao trabalho.

    E por fim, mais um agradecimento especial ao meu ex colega de

    trabalho, Renato Rugene de Carvalho, pelo exemplo de dedicao e carinho pelas

    coisas boas da vida, me ensinando bons valores dos quais jamais esquecerei...

  • ALVES, Prola Cristina Farias. Problemas e Desafios da Comunidade Cozinhador do Assentamento Libertao Camponesa, Ortigueira-PR. 2013. 88 folhas. Trabalho de Concluso de Curso Bacharel em Geografia Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2013.

    RESUMO

    Este trabalho busca objetivar os problemas e condies em que se encontram

    os produtores rurais da Comunidade Cozinhador do Assentamento Libertao

    Camponesa em Ortigueira-PR, referente a produo agrcola familiar, bem como a

    ocupao e uso do solo e as tendncias de seu desenvolvimento. O estudo foi

    realizado atravs de pesquisas de campo, aplicadas para uma amostra de 25

    famlias, sendo possvel entender as relaes de trabalho e produo, nvel

    socioeconmico e tecnolgico, alm de problemticas que envolvem o processo de

    surgimento da comunidade. Para isso buscou-se, investigar aspectos produtivos e

    econmicos que estabelecem a dinmica do Assentamento, compreender os

    mecanismos de comercializao da produo, caracterizar o nvel socioeconmico

    das famlias assentadas, investigar a histria vida dos assentados.

    Palavras-chave: Comunidade Cozinhador. Assentamento Rural. Produo Agrcola Familiar. Reforma Agrria.

  • ALVES, Prola Cristina Farias . Problems and Challenges of the Community Cozinhador Settlement Libertao Camponesa in Ortigueira-PR. 2013. 88 folhas. Trabalho de Concluso de Curso Bacharel em Geografia Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2013.

    ABSTRACT

    This work seeks to objectify the problems and conditions in which they are farmers of the Community Cozinhador in Settlement Libertao Camponesa, Ortigueira-PR, referring to family farming, as well as the occupation and use of land and its development trends. The study was conducted through field research, applied to a sample of 25 families, being possible to understand the labor and relations production, socio-economic status and technological, as well as issues involving the process of community emergence. For this we sought, seeks to investigate performance and economic aspects establishing the dynamics of the settlement, understanding the mechanisms of commercialization of production, characterize the socioeconomic status of families settled, investigate the life history of the settlers.

    Key words: Community Cooker. Rural Settlement. Family Farms. Agrarian Reforms

  • LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 Brasil Assentamentos Rurais- 1985 a 2000 N Total...........................27

    Grfico 2 Brasil Assentados Oficiais de Reforma agrria- 1995 a 2006 ............. 28

    Grfico 3 Condio do Trabalhador (produtor) rural ............................................. 58

    Grfico 4 Nmero de Produtores que utilizam insumos agrcolas ......................... 63

    Grfico 5 Quantidade de litros de leite por n de assentados ............................... 68

    Grfico 6 - N de assentados entrevistados e o n de cabeas de gado..................69

    Grfico 7 Uso da terra na comunidade Cozinhador................................................70

    Grfico 8 Mveis e Eletrodomsticos por assentado..............................................76

  • LISTA DE FOTOS E IMAGENS

    Imagem 1 Vista parcial do assentamento Libertao Camponesa ........................ 46

    Foto 1 Posto de sade Libertao Camponesa......................................................46

    Imagem 2 Colgio Izaias Rafael da Silva................................................................47

    Foto 2 rea de recreao do Colgio Izaias Rafael da Silva ................................ 48

    Foto 3 Colnia da Comunidade Cozinhador...........................................................49

    Imagem 3 - Vista area das Comunidades Mangueira, Duas Casinhas

    Transparan...............................................................................................................50

    Imagem 4- Vista area das Comunidades Santa Paula, Cozinhador e Sede............51

    Imagem 5-Vista area das comunidades Alto da Serra, Campanini e gua Branca 52

    Imagem 6 - Vista parcial da Comunidade Cozinhador...............................................54

    Foto 4 Ponte de Concreto do Rio Apucarana.........................................................55

    Foto 5 - Ponte construda em 2011 pelos Assentados da Comunidade

    Cozinhador.................................................................................................................56

    Foto 6 Vista parcial da criao de gado leiteiro na comunidade Cozinhador.........68

    Foto 7 - Plantao de eucalipto no Cozinhador.........................................................72

    Foto 8 - Casa de alvenaria de um assentado..........................................................75

  • LISTA DE TABELAS E QUADROS

    Quadro 1 Lei n 4 504 de 1964...............................................................................18

    Quadro 2 Da Poltica Agrcola e Fundiria da Reforma Agrria.............................21

    Tabela 1 Estrutura Fndiria Brasileira - 2003 ...................................................... 22

    Tabela 2 Distribuio das terras por estabelecimentos em Ortigueira 1960-

    2006............................................................................................................................33

    Tabela 3 Distribuio das terras por rea ocupada em Ortigueira 1960-2006......34

    Tabela 4 Local de nascimento dos chefes de famlias entrevistadas.....................57

    Tabela 5 - Local de procedncia dos chefes de famlia anterior ao Assentamento.57

    Tabela 6 Produtores que utilizam o sistema de trocas de dia de servio...............64

    Tabela 7 - Utilizam mo de obra temporria..............................................................65

    Tabela 8 - Trabalhou fora em perodo temporrio......................................................66

    Tabela 9 - Financiamento para custeio de produo (PRONAF)...............................66

    Tabela 10 - N de lotes com pessoas (qualquer indivduo da famlia) que recebem/ou

    no aposentadoria......................................................................................................76

    Tabela 11 - N de lotes com pessoas que recebem/ou no Bolsa famlia.................77

  • 9

    SUMRIO

    1 INTRODUO ......................................................................................... 10

    2 CONTEXTUALIZANDO O TEMA REFORMA AGRRIA ..................................... 13

    2.1 Reforma Agrria e a luta pela terra no Brasil ...................................................... 15

    2.2 A criao do MST e seus objetivos ..................................................................... 22

    2.3 Os assentamentos do INCRA no Brasil .............................................................. 26

    3. MUNICIPIO DE ORTIGUEIRA: FORMAO E DISTRIBUIO DAS TERRAS.30 3.1 A Origem do Assentamento Libertao Camponesa............................................37

    3.2 Formas de Ocupao Fase do Acampamento..................................................41

    3.3 A Organizao do MST no Assentamento...........................................................43

    3.4 Assentamento Libertao Camponesa: Organizao e Infra-estrutura...............45

    4. COMUNIDADE COZINHADOR: FORMAO E DESENVOLVIMENTO.............54

    4.1 Perfil dos assentados na Comunidade Cozinhador.............................................57

    4.2 Repasses de lotes no Assentamento...................................................................59

    4.3 O uso da terra e as relaes de trabalho.............................................................62

    4.4 Financiamentos para custeio de produo...........................................................66

    4.4.1 Pecuria de leite................................................................................................67

    4.4.2 Produo Agrcola.............................................................................................70

    4.4.3 A Cultura do eucalipto na comunidade Cozinhador .........................................71

    4.5 Perspectivas das famlias assentadas.................................................................74

    5. CONSIDERAES FINAIS...................................................................................79

    6. REFERNCIAS......................................................................................................81

    APNDICE.................................................................................................................83

  • 10

    1. INTRODUO

    O presente trabalho baseia-se num estudo em uma das comunidades do

    Assentamento Libertao Camponesa em Ortigueira - PR, conquistado com o apoio

    do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), regularizado em 1998. O

    Assentamento composto por 412 famlias assentadas divididas entre oito

    comunidades que foram denominadas conforme a atividade exercida anteriormente

    implantao do Assentamento, como infraestrutura construda e caractersticas do

    meio natural. A comunidade do Cozinhador, escolhida para o desenvolvimento deste

    trabalho tem suas peculiaridades devido procedncia dos assentados

    anteriormente a formao do assentamento, sendo os mesmos oriundos de diversos

    estados brasileiros, de regies comuns, assim como as perspectivas das famlias

    acerca da atividade desenvolvida no lote.

    Busca-se entender partes da dinmica agrria brasileira tendo a concentrao

    fundiria como pano de fundo da luta pela terra por aqueles que no tem acesso

    ela ou mesmo pouca terra. Numa estrutura fundiria no qual 0,1% dos imveis detm

    13,5% da rea total em hectares, muitas vezes no cumprindo a funo social da

    terra, ou seja, produzir alimentos para a populao, enquanto 31,6% dos imveis

    possui uma rea de apenas 1,8%, sendo ocupada pelos pequenos produtores rurais

    que alimentam a populao brasileira, segundo os dados da Estrutura Agrria

    Brasileira do ano de 2003, conforme a tabela 1 da pagina 22.

    Para o desenvolvimento deste trabalho, buscou-se investigar aspectos

    produtivos e econmicos que estabelecem a dinmica do Assentamento,

    compreender os mecanismos de comercializao da produo, caracterizar o nvel

    socioeconmico das famlias assentadas, investigar a histria de vida dos

    assentados.

    A escolha da realizao desta pesquisa nesta comunidade est relacionada

    com o fato da famlia da autora deste trabalho ter participado do processo de

    implantao do assentamento, sendo um dos primeiros a chegarem ao local. Isto

    contribuiu para que a pesquisa fosse realizada contendo relatos de acontecimentos

    desde a formao do assentamento.

    Aps o resgate do processo de ocupao e consolidao desses assentados,

    discutir se - os problemas e as condies em que se encontram produo

    agrcola, as relaes de produo, as formas de utilizao das terras e as tendncias

    de seu desenvolvimento por meio de pesquisas de campo em uma das comunidades

    do Assentamento. Esta comunidade denominada Cozinhador conta com 37 famlias

  • 11

    assentadas, as quais tem origem nordestina, do interior de So Paulo e Estado do

    Paran.

    Foi aplicado um questionrio para 25 famlias desta comunidade, para

    entender a histria de vida e as perspectivas dos assentados aps 15 anos de

    formao do Assentamento, sendo importante para a anlise e a compreenso das

    prticas socioculturais e do desenvolvimento dos assentados.

    A partir de meados da dcada de 1980 passou a surgir um expressivo nmero

    de assentados, graas a atuao dos movimentos sociais rurais atravs da ocupao

    de fazendas consideradas improdutivas. O Movimento dos Trabalhadores Rurais

    Sem Terra (MST) se destacou como um dos mais eficientes no processo de luta pela

    Reforma Agrria, e para entender o papel desse movimento social e sua forma de

    organizao, analisaremos como foi sua atuao no acampamento que acabou por

    originar o Assentamento Libertao Camponesa e a rea escolhida para a presente

    pesquisa, alm de compreender como ocorreu a aquisio das fazendas por meio do

    Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA) e o MST, tendo em

    vista que trs fazendas foram desapropriadas para tal finalidade.

    Para o desenvolvimento deste trabalho, foi incrementado uma breve

    contextualizao do tema Reforma Agrria, ressaltando seus conceitos, seus

    problemas inerentes sua implementao, e assim entender o verdadeiro objetivo

    por meio de leituras tericas realizadas em relao a este tema. Abordamos tambm

    a questo fundiria no Brasil relacionando fatores fundamentais que causaram a

    concentrao de terras no Brasil desde seu processo de colonizao, evidenciando

    os vrios momentos polticos e histricos em que muitas leis foram sancionadas,

    mas que no foram eficientes no processo de desconcentrao da terras no pas.

    Pelo fato do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra ter e tem exercido um

    papel fundamental no processo de concretizao de polticas de assentamento no

    Brasil, procuramos entender neste trabalho como ocorreu a criao do MST e seus

    objetivos, assim como uma breve anlise dos assentamentos do INCRA no Brasil,

    demonstrando atravs de dados que a concentrao fundiria continua arraigada na

    sociedade brasileira.

    No segundo item: Municpio de Ortigueira: formao e distribuio das terras,

    tratamos de resgatar o processo de ocupao do municpio e a atual configurao

    com a presena de assentamentos rurais dentre eles o nosso objeto de estudo.

    Assim, procuramos entender as origens do Assentamento Libertao Camponesa,

    um dos maiores do Estado do Paran.

  • 12

    No terceiro e ltimo item: Comunidade Cozinhador: formao e

    desenvolvimento, procuramos verificar os objetivos traados por meio de pesquisa

    em campo para analisar a atual situao dos assentados dessa comunidade que

    hoje no conta com a atuao do MST.

  • 13

    2. CONTEXTUALIZANDO O TEMA REFORMA AGRRIA

    Antes de discutir o processo de reforma agrria no Brasil, suas problemticas

    e contradies, torna-se necessrio entender este conceito que em diversas

    ocasies tem-se utilizado em conversas, discursos e at mesmo em textos

    cientficos, muitas vezes de forma equivocada.

    [...] ao responder a pergunta o que Reforma Agrria?, o expositor oficial da Agncia para o Desenvolvimento Internacional (AID), do Departamento de Estado dos Estados Unidos, lembrava que as definies a respeito variam dependendo se est a favor ou contra a Reforma Agrria. No obstante, a reunio em que esse e outros temas bsicos foram discutidos adotou autntico conceito, pelo qual se considerou Reforma Agrria ou Reforma do Regime de Tendncia da Terra: 1 redistribuio do direito de propriedade sobre a terra; e/ou 2 - concesso de segurana, longos prazos e baixos preos para as terras ocupadas em forma precria; ambas as situaes devem ocorrer em reas onde j existia alguma infra-estrutura. (SILVA, 1971, p. 17).

    Para o autor, existem trs medidas que podem melhorar o setor agrcola:

    simples instrumento de poltica, modificaes nas estruturas existentes e reformas

    propriamente ditas. Para ele, as mudanas instrumentais com o intuito de realizar

    Reforma Agrria raramente conduzem a qualquer transformao substancial na

    estrutura da economia, uma vez que dizem respeito apenas utilizao de

    mudanas quantitativas, como so os aumentos de impostos ou a modificao nas

    taxas de arrendamento ou parceria.

    O autor ento esclarece em sua viso a diferena entre as gradaes de

    polticas agrcolas, de um lado a reduo da taxa de juro para o financiamento de

    adubos como um mero instrumento de poltica; a introduo de um sistema de

    financiamento integral constituiria uma mudana na estrutura que regulamenta a

    utilizao deste importante insumo agrcola; a nacionalizao da indstria de adubos

    representaria uma reforma.

    Muitos outros autores tm procurado estabelecer uma anlise do termo

    Reforma Agrria relacionando com as polticas governamentais no Brasil. Oliveira

    (2007), discute o termo Reforma Agrria no qual relaciona s lutas e revoltas

    camponesas e aes de governos visando modificar a estrutura agrria nas regies,

    no qual diferencia estes dois casos, o primeiro como revoluo agrria e o segundo,

    relacionada a ideia de uma reforma.

    Para este mesmo autor, no capitalismo, a terra transformada em mercadoria

    tem um preo, mas no tem valor pelo fato de no ser produto criado pelo trabalho

    humano.

  • 14

    Portanto, a concentrao da terra no igual concentrao do capital; ao contrrio, revela a irracionalidade do mtodo que retira capital do processo produtivo, imobilizando-o sob a forma de propriedade capitalista da terra. J a concentrao do capital aumento de poder de explorao, aumento da capacidade produtiva do trabalhador; aumento, portanto, da capacidade de extrao do trabalho no-pago, da mais-valia. (OLIVEIRA 2007, p. 66).

    Assim, para o autor, a Reforma Agrria historicamente aparece no capitalismo

    como necessidade do capital resolver a questo social advinda da concentrao de

    terras, e assim os maiores problemas sempre foram os obstculos das

    desapropriaes, ou seja, Ttulo da Dvida Ativa (TDA), quando o estado paga o

    proprietrio pelas desapropriaes com o dinheiro vista, ele cria condies para

    que o mesmo receba o dinheiro retido na terra como forma de capital. E assim que

    residem historicamente os problemas centrais das reformas agrrias sob o

    capitalismo, que tem sido movimentos conjunturais para tentar atenuar as presses

    sociais advindas da concentrao de terras.

    Pode-se dizer, segundo as declaraes de Oliveira (2007), que a Reforma

    Agrria somente ocorre quando o estado desapropria e reparte a terra para

    pequenos produtores, porm no devolve nenhum capital para o antigo proprietrio

    em troca, caso contrrio seria o mesmo que desconcentrar e concentrar novamente.

    Os exemplos de Reforma Agrria que tm surgido no campo tm a estratgia

    da expanso do capitalismo no campo esgotando a possibilidade de reproduo da

    produo camponesa, transformando aqueles que comeam a concentrar a terra em

    pequenos capitalistas.

    Desse modo esse processo contraditrio, pois, ao mesmo tempo em que ele ocorre, abre para os camponeses novos horizontes histricos, em que a subordinao e sujeio da renda da terra aos grandes monoplios capitalistas geram para eles (os camponeses) a perspectiva e necessidade de luta no s pela propriedade da terra, mas, sobretudo a luta contra o capital. (OLIVEIRA, 2007, p. 67).

    Para entender melhor o autor, s pensar nas maneiras como o capitalista ao

    invs de adquirir a terra, subordina o agricultor a produzir o que ele precisa,

    explorando este e sua famlia para trabalhar na propriedade por uma renda mnima e

    desproporcional ao relacionar o excesso de trabalho e o fato de ser o proprietrio da

    terra.

    Assim, para Oliveira (2007 p. 68), este processo que cria a necessidade da

    Reforma Agrria, no resolve, e por estes caminhos contraditrios que o modo

    capitalista de produo cria condies para sua reproduo ampliada, e a Reforma

    Agrria no pode ser entendida como soluo para estas contradies, pois resolve

  • 15

    mais as questes do modo capitalista de produo do que da agricultura. E assim o

    autor define que:

    A reforma agrria constitui-se, portanto, em um conjunto de aes governamentais realizadas pelos pases capitalistas visando modificar a estrutura fundiria de uma regio ou de um pas todo. Ela feita atravs de mudanas na distribuio da propriedade e ou posse da terra e da renda com vista a assegurar melhorias nos ganhos sociais, polticos, culturais, tcnicos, econmicos (crescimento da produo agrcola) e de reordenao do territrio. Este conjunto de atos de governo deriva de aes coordenadas, resultantes de um programa mais ou menos elaborado e que geralmente, exprime um conjunto de decises governamentais ou a

    doutrina de um texto legal. (OLIVEIRA 2007,p. 68).

    E para o referido autor existe uma diferena entre Reforma e Revoluo

    Agrria: a primeira provoca apenas alteraes na estrutura fundiria sem alterar o

    modo capitalista de produo, j a segunda implica na transformao da estrutura

    fundiria visando a construo de outra sociedade.

    Assim, se torna contraditrio pensar numa Revoluo Agrria num pas no

    qual a estrutura econmica capitalista, pois uma revoluo sempre modifica a

    estrutura social do pas e no significa apenas distribuio de terras.

    Parte-se, portanto nesta interpretao, do estabelecimento de uma diferena conceitual entre reforma e revoluo agrria. A reforma agrria provoca alteraes na estrutura fundiria sem alterar o modo capitalista de produo existente em diferentes sociedades. A revoluo agrria implica necessariamente, na transformao da estrutura fundiria realizada de forma simultnea com toda a estrutura social existente, visando construo de outra sociedade. (OLIVEIRA, 2007, p. 68).

    Continuando as ideias do autor, pode-se dizer que no Brasil o que tem

    acontecido durante os diferentes momentos polticos e histricos do pas, apenas

    uma tentativa de fazer uma Reforma Agrria. Se analisarmos os dados da Tabela 1

    sobre Estrutura Fundiria Brasileira, 2003 na pagina 22, apresentados pelo INCRA,

    tem acontecido apenas a no inteno de realizar esta reforma na estrutura agrria

    do pas.

    2.1 Reforma Agrria e a luta pela terra no Brasil

    A distribuio fundiria se deu de forma desigual e violenta desde os

    primrdios da colonizao brasileira. De um lado pessoas com extensas quantidades

    de terras e de outro, aquelas que sequer tinham onde morar e muito menos produzir.

    No perodo da colonizao no Brasil e seu processo de povoamento, foi

    adotado o sistema de sesmarias, isto , grandes extenses de terras para pessoas

    que tinham condies de explor-las, alm de serem doadas para um pequeno

  • 16

    porcentual de pessoas, no incluindo neste processo o acesso dos imigrantes

    pobres, ou seja, aqueles que no detinham meios de produo e muito menos os

    escravos. Estas terras eram passadas de pai para filho e denominadas de Capitanias

    Hereditrias. O modelo colonial do Brasil se constituiu por meio de trs

    componentes fundamentais na organizao social sendo, a grande propriedade

    fundiria, a monocultora de exportao e o trabalho escravo. (MIRALHA, 2006,

    p.19).

    Neste contexto pode-se afirmar que a grandes extenses de terras, e o

    sistema de monocultura, so heranas do perodo colonial, assim como o importante

    papel das pequenas propriedades que desde o principio se destacaram pelo cultivo

    dos produtos alimentcios j que as grandes propriedades sempre se destacaram na

    monocultura de produtos de exportao. Diante disso:

    [...] os pequenos produtores no passavam, na maioria das vezes, de simples agregados dos grandes proprietrios de terras e de escravos, os quais lhe cediam por emprstimo, pequenos lotes de terra para cultivo em troca de servios de todo o tipo, inclusive de capangagem. Os referidos produtores cultivavam gneros alimentcios para seu prprio sustento e para o consumo dos pequenos mercados locais e de cidades mais prximas [...] eles eram frequentemente pauprrimos, vivendo em condies materiais apenas um pouco melhor que a dos escravos. [...] de um modo geral, todavia, as culturas de subsistncia nunca deixaram de constituir atividades secundrias e subsidirias em relao s grandes lavouras escravistas de exportao. (MIRALHA, 2006, p. 14-16).

    Contudo, com a abolio da escravatura a situao no se modificou, os

    escravos foram substitudos por europeus que eram atrados para o Brasil nesta

    poca para trabalhar como assalariados, ou seja, a grande propriedade, dominante

    em toda a histria do pas, se consagrou como modelo socialmente reconhecido em

    toda a sua histria, pois foi ela quem recebeu o estmulo poltico que procurou

    moderniz-la e assegurar sua reproduo, ao contrrio da pequena propriedade que

    sempre ocupou um lugar secundrio na sociedade brasileira. (WANDERLEY, 2001).

    Uma pequena parcela da populao que obteve pequenas extenses

    territoriais, os stios, passou a desenvolver a agricultura baseada no trabalho familiar.

    (MARQUES, 2005). Contudo, estes trabalhadores no tinham significncia nenhuma

    para a sociedade da poca, ou seja, a ocupao de pequenas faixas de terras, para

    delas extrair o sustento, era considerado insignificante para a economia que vigorava

    na poca da colonizao.

    Eram verdadeiros stios volantes que se estabeleciam, atravessando no tempo e no espao todo perodo colonial, mas estendendo suas razes at os tempos mais recentes. Esses tipos que foram a gnese dos pequenos agricultores no Brasil, sempre foram tidos como

  • 17

    vadios, ociosos, e qualificaes semelhantes. Sempre foram considerados como marginais pelas autoridades da colnia e pela ideologia dominante na poca. (GRAZIANO DA SILVA, 1978 apud MARQUES, 2005, p. 9).

    Com este quadro agrrio do perodo colonial, que com o passar do tempo foi

    se intensificando, resultou nesta desigualdade de terras na sociedade brasileira.

    [...] por fora da grande concentrao da propriedade fundiria que caracteriza a economia agrria brasileira, bem como das demais circunstncias econmicas, sociais e polticas que direta ou indiretamente derivam de tal concentrao, a utilizao da terra se faz predominantemente e de maneira acentuada, em beneficio de uma reduzida minoria. (PRADO JR., 1981, p. 15).

    Foi a partir destas problemticas no rural brasileiro que comearam a surgir os

    movimentos sociais no campo, que resultam de um processo de luta da classe

    expropriada, ou seja, a luta para conquistar e permanecer na terra atravs do acesso

    a polticas agrrias que compensem sua trajetria de excluso que lhe foi

    historicamente imposta. (MARQUES, 2005). E assim, os assentamentos de reforma

    agrria tem sido de fundamental importncia para a consolidao do produtor nestes

    espaos atravs de lutas para conquistar o direito a um pedao de cho e o apoio do

    Estado para se reproduzir social e economicamente.

    No Brasil, as primeiras propostas de leis relacionadas com a Reforma Agrria

    surgiram aps a Constituio Federal de 1946, baseadas nos artigos 141 e 147, em

    que era garantido o direito de propriedade exceto em desapropriao por

    necessidade e utilidade pblica e interesse social, porm mediante indenizao por

    dinheiro. (LARANJEIRA, 1983 apud OLIVEIRA, 2007, p. 104).

    Para Oliveira (2007), os primeiros movimentos sociais, se iniciaram com o

    objetivo de organizao, reivindicao e luta no campo brasileiro. Estes conflitos

    marcaram sua participao em finais da dcada de 1940, 1950 e de 1960,

    denominadas em alguns lugares como Ligas Camponesas, nascidas muitas vezes,

    como sociedade beneficiente dos defuntos, organizadas principalmente no Nordeste

    brasileiro nas lutas dos camponeses foreiros, moradores, rendeiros, pequenos

    proprietrios e trabalhadores assalariados rurais da Zona da Mata contra o latifndio.

    Foi com este movimento que a luta pela Reforma Agrria no Brasil ganhou dimenso

    nacional tornando-se o primeiro movimento social de luta pela Reforma Agrria que

    ensaiou uma organizao de carter nacional, contagiando muitos trabalhadores

    rurais e tambm urbanos.

    O movimento das Ligas Camponesas tem, portanto, que ser entendido, no como um movimento local, mas como manifestao nacional de um estado de tenso e injustias a que estavam submetidos os camponeses e trabalhadores assalariados do campo e

  • 18

    as profundas desigualdades nas condies gerais do desenvolvimento capitalista no pas. (OLIVEIRA, 2007, p. 108).

    Em 1962, foi promulgada a lei n 4.132 em que definia os casos de

    desapropriao por interesse social que corresponde ao aproveitamento de todo

    bem improdutivo ou explorado sem correspondncia com as necessidades de

    habitao, trabalho e consumo dos centros de populao a que deve ou possa suprir

    por seu destino econmico. (OLIVEIRA, 2007, p. 114). Foi considerado apenas um

    passo para ser aprovada a primeira lei de reforma agrria no pas.

    Ainda segundo o mesmo autor, na poca, o ento presidente Joo Goulart,

    mesmo considerando esta lei um avano do ponto de vista legal, ainda achava

    insuficiente, pois sua meta era buscar a aprovao da reforma agrria com emenda

    constitucional, atravs do pagamento das terras desapropriadas por ttulos da dvida

    pblica que tinham baixo valor de mercado. Reduzia-se o valor da propriedade

    desapropriada para fins da reforma agrria. Contudo, todas as outras tentativas de

    Reformas de Base durante seu governo foram descartadas com o golpe militar de

    1964, com movimentos sindicais desarticulados e os lderes presos e exilados.

    O Estatuto da Terra sendo uma das leis de Reforma Agrria criado pelo

    regime militar previa as desapropriaes por interesse social, e ao mesmo tempo

    forneceu bases para a modernizao da agricultura.

    As metas desta lei se resumem com a promessa de execuo da reforma

    Agrria e desenvolvimento da agricultura. Nesta mesma lei fica definida uma

    classificao das propriedades rurais que compreendem:

    Quadro 1

    Art. 4 Para os efeitos desta Lei, definem-se:

    I - "Imvel Rural", o prdio rstico, de rea contnua qualquer que seja a sua localizao que se destina explorao extrativa agrcola, pecuria ou agro-industrial, quer atravs de planos pblicos de valorizao, quer atravs de iniciativa privada;

    II - "Propriedade Familiar", o imvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua famlia, lhes absorva toda a fora de trabalho, garantindo-lhes a subsistncia e o progresso social e econmico, com rea mxima fixada para cada regio e tipo de explorao, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros;

    III - "Mdulo Rural", a rea fixada nos termos do inciso anterior;

    IV - "Minifndio", o imvel rural de rea e possibilidades inferiores s da propriedade familiar;

    V - "Latifndio", o imvel rural que:

    a) exceda a dimenso mxima fixada na forma do artigo 46, 1, alnea b, desta Lei, tendo-se em vista as condies ecolgicas, sistemas agrcolas regionais e o fim a que se destine;

    b) no excedendo o limite referido na alnea anterior, e tendo rea igual ou superior dimenso do mdulo de propriedade rural, seja mantido inexplorado em relao s possibilidades fsicas, econmicas e sociais do meio, com fins especulativos, ou seja deficiente ou inadequadamente explorado, de modo a

  • 19

    vedar-lhe a incluso no conceito de empresa rural;

    VI - "Empresa Rural" o empreendimento de pessoa fsica ou jurdica, pblica ou privada, que explore econmica e racionalmente imvel rural, dentro de condio de rendimento econmico ...Vetado... da regio em que se situe e que explore rea mnima agricultvel do imvel segundo padres fixados, pblica e previamente, pelo Poder Executivo. Para esse fim, equiparam-se s reas cultivadas, as pastagens, as matas naturais e artificiais e as reas ocupadas com benfeitorias;

    VII - "Parceleiro", aquele que venha a adquirir lotes ou parcelas em rea destinada Reforma Agrria ou colonizao pblica ou privada;

    VIII - "Cooperativa Integral de Reforma Agrria (C.I.R.A.)", toda sociedade cooperativa mista, de natureza civil, ...Vetado... criada nas reas prioritrias de Reforma Agrria, contando temporariamente com a contribuio financeira e tcnica do Poder Pblico, atravs do Instituto Brasileiro de Reforma Agrria, com a finalidade de industrializar, beneficiar, preparar e padronizar a produo agropecuria, bem como realizar os demais objetivos previstos na legislao vigente;

    IX - "Colonizao", toda a atividade oficial ou particular, que se destine a promover o aproveitamento econmico da terra, pela sua diviso em propriedade familiar ou atravs de Cooperativas ...Vetado...

    Pargrafo nico. No se considera latifndio:

    a) o imvel rural, qualquer que seja a sua dimenso, cujas caractersticas recomendem, sob o ponto de vista tcnico e econmico, a explorao florestal racionalmente realizada, mediante planejamento adequado;

    b) o imvel rural, ainda que de domnio particular, cujo objeto de preservao florestal ou de outros recursos naturais haja sido reconhecido para fins de tombamento, pelo rgo competente da administrao pblica.

    Art. 5 A dimenso da rea dos mdulos de propriedade rural ser fixada para cada zona de caractersticas econmicas e ecolgicas homogneas, distintamente, por tipos de explorao rural que nela possam ocorrer.

    Pargrafo nico. No caso de explorao mista, o mdulo ser fixado pela mdia ponderada das partes do imvel destinadas a cada um dos tipos de explorao considerados.

    Fonte: Brasil, lei n 4 504 de 30 de novembro de 1964.

    Assim para Martins, (1983) o Estatuto da Terra tinha como objetivo primordial o

    desenvolvimento da empresa rural, em uma tentativa de conciliar a redistribuio de

    terras com o avano do capitalismo no campo.

    Martins (1999, p.79) salienta o fato de que grandes proprietrios de terras

    organizados atravs da Sociedade Rural Brasileira de So Paulo, deram decisivo

    apoio preparao do Golpe Militar de 1964. Para este mesmo autor:

    As resistncias e temores, dos proprietrios de terra, logo que ficou claro que os militares estavam trabalhando num projeto de reforma agrria, desdobraram-se em iniciativas para desestabilizar ou radicalizar o novo regime. O regime militar, porm, produziu uma legislao suficientemente ambgua para dividir os proprietrios de terra e assegurar ao mesmo tempo o apoio ao grande capital, inclusive o apoio do grande capital multinacional.

    Assim para Martins (1999), o conceito de latifndio imposto pelos militares era

    ainda mais radical que o do governo anterior de esquerda, porm havendo uma

  • 20

    distino entre terras desapropriveis e no desapropriveis, sendo includos entre

    as desapropriveis at mesmo os minifndios, ou includos nas terras penalizveis

    pela taxao que era o principal instrumento da reforma. As empresas rurais eram

    bem vistas pelo Estado, indicando uma Reforma Agrria orientada na modernizao

    e acelerao do capitalismo na agricultura.

    Ao contrrio do que ocorria com o modelo clssico da relao entre a terra e capital, em que a terra (e a renda territorial, isto , o preo da terra) reconhecida como entrave circulao e reproduo do capital, no modelo brasileiro o empecilho reproduo capitalista do capital na agricultura no foi removido por uma reforma agrria, mas pelos incentivos fiscais. (MARTINS, 1999, p.79-80).

    Assim, o regime militar procurou modernizar a propriedade da terra afastando

    uma possvel reforma agrria que levasse expropriao de grandes proprietrios

    de terras, introduzindo a tecnificao e alterando as relaes de trabalho no campo

    com a introduo de mquinas e adubos.

    Mesmo com muitas leis sendo sancionadas em favor da Reforma Agrria, a

    falta de vontade poltica, os processos burocrticos e a represso contra qualquer

    conflito nesta fase impediram que esta reforma acontecesse de fato.

    Em 1985, no perodo denominado de Nova Republica, que consistiu na

    transio da Ditadura Militar para o Estado de Direito Democrtico, um de seus

    projetos prioritrios foi a Reforma Agrria anunciada durante o IV Congresso

    Nacional dos Trabalhadores Rurais, sendo feitas articulaes para a elaborao do I

    Plano Nacional de Reforma Agrria aprovado em 1985.

    O primeiro Plano Nacional de Reforma Agrria, (PNRA), criado em 1985,

    adota alguns princpios sendo a funo social da propriedade, as empresas rurais

    no sero desapropriadas, a reforma agrria no atingir as terras que estiverem

    produzindo, os pequenos e mdios agricultores no sero atingidos pelas

    desapropriaes, e estas sero pagas mediante indenizao.

    O I PNRA j trazia retrocessos em relao ao Estatuto da Terra, como por exemplo, o artigo (artigo 2, 29, do Decreto n9 91.766) onde est expresso que se evitar, sempre que possvel, a desapropriao de latifndios. Outro ponto, foram os imveis que tivessem grande presena de arrendatrios e/ou parceiros, onde as disposies legais fossem respeitadas. Dessa forma, o I PNRA j apareceu trazendo distores em relao ao Estatuto da Terra. (OLIVEIRA, 2007, p. 108).

    Segundo o mesmo autor, os anos posteriores demonstraram o fracasso da

    Reforma Agrria, pois entre os anos de 1985 e 1986 apenas 5% das metas

    estabelecidas para assentamento de famlias foram atingidas, e este ritmo continuou

    lento nos anos posteriores.

  • 21

    Somente com a Constituio de 1988, que passou a conter uma legislao,

    destinadas poltica agrcola e fundiria com os artigos 184 191, representados no

    quadro 2.

    Quadro 2

    CAPTULO III DA POLTICA AGRCOLA E FUNDIRIA E DA REFORMA AGRRIA

    Regulamento

    Art. 184. Compete Unio desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrria, o imvel rural que no esteja cumprindo sua funo social, mediante prvia e justa indenizao em ttulos da dvida agrria, com clusula de preservao do valor real, resgatveis no prazo de at vinte anos, a partir do segundo ano de sua emisso, e cuja utilizao ser definida em lei.

    1 - As benfeitorias teis e necessrias sero indenizadas em dinheiro. 2 - O decreto que declarar o imvel como de interesse social, para fins de reforma agrria, autoriza a Unio a

    propor a ao de desapropriao. 3 - Cabe lei complementar estabelecer procedimento contraditrio especial, de rito sumrio, para o

    processo judicial de desapropriao. 4 - O oramento fixar anualmente o volume total de ttulos da dvida agrria, assim como o montante de

    recursos para atender ao programa de reforma agrria no exerccio. 5 - So isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operaes de transferncia de imveis

    desapropriados para fins de reforma agrria. Art. 185. So insuscetveis de desapropriao para fins de reforma agrria: I - a pequena e mdia propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietrio no possua outra; II - a propriedade produtiva. Pargrafo nico. A lei garantir tratamento especial propriedade produtiva e fixar normas para o

    cumprimento dos requisitos relativos a sua funo social. Art. 186. A funo social cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critrios e

    graus de exigncia estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilizao adequada dos recursos naturais disponveis e preservao do meio ambiente; III - observncia das disposies que regulam as relaes de trabalho; IV - explorao que favorea o bem-estar dos proprietrios e dos trabalhadores. Art. 187. A poltica agrcola ser planejada e executada na forma da lei, com a participao efetiva do setor de

    produo, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercializao, de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente:

    I - os instrumentos creditcios e fiscais; II - os preos compatveis com os custos de produo e a garantia de comercializao; III - o incentivo pesquisa e tecnologia; IV - a assistncia tcnica e extenso rural; V - o seguro agrcola; VI - o cooperativismo; VII - a eletrificao rural e irrigao; VIII - a habitao para o trabalhador rural. 1 - Incluem-se no planejamento agrcola as atividades agro-industriais, agropecurias, pesqueiras e

    florestais. 2 - Sero compatibilizadas as aes de poltica agrcola e de reforma agrria. Art. 188. A destinao de terras pblicas e devolutas ser compatibilizada com a poltica agrcola e com o plano

    nacional de reforma agrria. 1 - A alienao ou a concesso, a qualquer ttulo, de terras pblicas com rea superior a dois mil e

    quinhentos hectares a pessoa fsica ou jurdica, ainda que por interposta pessoa, depender de prvia aprovao do Congresso Nacional.

    2 - Excetuam-se do disposto no pargrafo anterior as alienaes ou as concesses de terras pblicas para fins de reforma agrria.

    Art. 189. Os beneficirios da distribuio de imveis rurais pela reforma agrria recebero ttulos de domnio ou de concesso de uso, inegociveis pelo prazo de dez anos.

    Pargrafo nico. O ttulo de domnio e a concesso de uso sero conferidos ao homem ou mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil, nos termos e condies previstos em lei.

    Art. 190. A lei regular e limitar a aquisio ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa fsica ou jurdica estrangeira e estabelecer os casos que dependero de autorizao do Congresso Nacional.

    Art. 191. Aquele que, no sendo proprietrio de imvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposio, rea de terra, em zona rural, no superior a cinqenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua famlia, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe- a propriedade.

    Pargrafo nico. Os imveis pblicos no sero adquiridos por usucapio. Fonte: BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil-1988.

    H que observar que a nova Constituio, mesmo instituindo o processo de

    reforma agrria, foi considerada uma vitria para os latifundirios, em relao ao

    carter insuscetvel de desapropriao da propriedade produtiva e transferiram para

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8629.htm

  • 22

    a legislao complementar a fixao das normas para o cumprimento dos requisitos

    relativos sua funo social da terra. (OLIVEIRA, 2007, p. 129).

    O II PNRA, elaborado em 2003 destaca 11 metas sendo, a primeira delas de

    400.000 mil novas famlias assentadas, a segunda com 500.000 mil famlias com

    posses regularizadas e a terceira com 150.000 mil famlias beneficiadas com o

    Crdito Fundirio at o ano de 2006.

    Contudo, segundo Oliveira (2007), estas metas jamais foram cumpridas, pois

    referente a Meta 1 apenas 33% foram concludas, ou seja, um tero do que foi

    prometido.

    E assim, a reforma agrria na nova fase em que vivia o pas aps o perodo de

    represso, comeou da mesma forma como os militares haviam tratado este

    processo.

    A tabela 1 do ano de 2003 demonstra a concentrao de terras no pas,

    refletindo a no Reforma Agrria.

    Tabela 1

    Estrutura fundiria Brasileira, 2003.

    Fonte: Oliveira, (2007apud INCRA-situao em agosto de 2003 in II PNRA, Braslia 2003).

    Nota-se que existem 6.847 imveis com 5.000 ou mais hectares cada

    um, representando apenas 0,1% do total de imveis e concentrando 13,5% das

    terras do pas; e apenas 1,8% das terras esto distribudas para 1. 338.711 imveis

    com menos de 10 hectares para cada um. Isso demonstra que os esforos atravs

    dos movimentos sociais no campo em busca de uma verdadeira Reforma Agrria,

    obteve pouqussimos resultados frente tamanha concentrao de terras no pas.

    2.2 A criao do MST e seus objetivos

    Segundo Stdile (2005), a gnese do MST foi determinada por vrios fatores,

    um deles, o aspecto socioeconmico das transformaes que a agricultura brasileira

  • 23

    sofreu na dcada de 1970, que foi o perodo mais rpido e mais intenso da

    mecanizao da lavoura brasileira.

    Com o incentivo da tecnificao da agricultura no perodo militar,

    principalmente com o aumento das reas de cultivo da monocultura como a soja,

    cana de acar, laranja dentre outros produtos, intensificou a quantidade de

    trabalhadores assalariados no campo, agravando ainda mais a situao do produtor

    familiar, desenvolvido pelos parceiros, porcenteiros e pequenos proprietrios.

    Essa poltica que ficou conhecida como modernizao conservadora promoveu o crescimento econmico da agricultura, ao mesmo tempo que concentrou ainda mais a propriedade da terra, expropriando e expulsando mais de 30 milhes de pessoas que migraram para as cidades e para outras regies brasileiras. (FERNANDES, 1996 p. 49).

    Mesmo com toda a represso neste perodo os movimentos de luta pela terra

    no campo continuaram e, um fator que contribuiu para isto foi a participao da Igreja

    Catlica atravs da Comisso Pastoral da Terra (CPT), como espao de socializao

    a respeito da organizao camponesa.

    A gnese do MST aconteceu no interior dessas lutas de resistncia dos trabalhadores contra a expropriao, a expulso e o trabalho assalariado. O Movimento comeou a ser formado no Centro-Sul desde 7 de setembro de 1979, quando aconteceu a ocupao da Gleba Macali, em Ronda Alta no Rio Grande do Sul. Essa foi uma das aes que resultaram na gnese do MST. Muitas outras aes dos trabalhadores sem terra, que aconteceram nos estados de Santa Catarina, Paran So Paulo e Mato Grosso do Sul, fazem parte da gnese do Movimento. (FERNANDES, 1996 p. 50).

    Assim, segundo o autor, cada luta era considerada como um grande passo

    para a consolidao deste Movimento que dentre seus objetivos se destacam a luta

    pela Reforma Agrria, por uma sociedade mais justa, fraterna e acabar como o

    capitalismo, assim como integrar a categoria dos sem terra: trabalhadores rurais,

    arrendatrios, meeiros, pequenos, pequenos proprietrios, etc.

    O MST como o movimento socio-territorial rural mais organizado no final do Sculo XX e incio do sculo XXI, representa no conjunto da histria recente deste pas, mais um passo na longa marcha dos camponeses brasileiros em sua luta cotidiana pela terra. Essa luta camponesa revela a todos interessados na questo agrria, um lado novo e moderno. No se est diante de um processo de luta para no deixar a terra, mas sim, diante um processo de luta para entrar na terra. (OLIVEIRA, 2007, p. 139).

    Essas terras tm servido de palco de lutas por este movimento, so em sua

    maioria improdutivas e esto sendo utilizadas como reserva de valor e patrimonial

    das classes dominantes. Parte desta classe de trabalhadores que se juntou para

  • 24

    lutar no movimento em sua maioria so expropriados da terra, ou seja, j

    trabalharam no campo durante um perodo de suas vidas e foram espoliados.

    Trata-se, pois, de uma luta de expropriados, que na maioria das vezes, experimentaram a proletarizao urbana ou rural, mas que resolveram construir o futuro baseado na negao do presente. No se trata, pois, de uma luta que apenas revela uma nova opo de vida para esta parcela pobre da sociedade brasileira, mas revela muito mais, revela uma estratgia de luta acreditando ser possvel hoje, a construo de uma nova sociedade. Uma nova sociedade dotada de justia, dignidade e cidadania. (OLIVEIRA, 2007, p. 139).

    Segundo o mesmo autor, vrios outros movimentos sociais surgiram no

    campo e na cidade em busca de seus objetivos, contudo o MST sempre foi um dos

    mais organizados e com abrangncia em mbito nacional. Surgiu na dcada de 1980

    como movimento de massa e de luta pela reforma agrria. Tem demonstrado ser um

    movimento poltico e ideolgico com claros objetivos, no qual no se limita apenas

    conquista da terra, mas uma luta por justia, direitos iguais e coletividade.

    Dentre a massa de pessoas que acompanham o movimento em busca de um

    pedao de terra, muitos so filhos de pequenos proprietrios que aps constituir

    famlia com o desejo de possuir sua prpria terra entram no movimento em busca

    desta conquista; outros j trabalharam no campo desde que nasceram e chegando

    cidade em busca de emprego, muitos por falta de melhores perspectivas se

    submeteram ao trabalho como bia fria, ou seja, aqueles que moram nas cidades e

    vo para o campo trabalhar por dia ou at mesmo mensalmente, muito comum no

    interior de So Paulo para a colheita de laranja e o corte de cana-de-acar.

    Existem tambm muitos daqueles que viveram toda a vida trabalhando em

    fazendas como rendeiros, parceiros e meeiros, mas nunca tiveram a oportunidade de

    trabalhar na sua prpria terra e, viram uma oportunidade ao ingressarem na luta

    junto ao movimento.

    So diversas as origens daqueles que acompanham o movimento na luta pela

    terra e melhores condies de vida, e em sua maioria pessoas que j tiveram

    experincias no campo e desejam voltar conquistando seu prprio pedao de cho.

    Segundo Oliveira (2007), durante o governo Fernando Henrique Cardoso na

    dcada de 1990, os conflitos em relao terra crescem alcanando um patamar

    bem maior que na dcada de 1980, principalmente nas regies do Nordeste e

    Centro-Sudeste, como na regio Sul. Porm, estes conflitos foram reprimidos com

    extrema violncia policial matando muitos camponeses em luta pela terra, fato que

    se justifica em razo deste governo ter sido apoiado pelos ruralistas como

  • 25

    sustentao poltica o que ainda proporcionou a prorrogao das dvidas destes

    latifundirios.

    Para este mesmo autor, nos primeiros seis anos de seu governo (FHC) e as

    presses do movimento conseguiu assentar 373.210 famlias em 3.505

    assentamentos rurais, porm estes dados incluem regularizaes fundirias,

    remanescentes de quilombos, assentamentos extrativistas, os projetos Casulo e

    Cdula Rural e os projetos de Reforma Agrria propriamente dito, o que demonstra

    no uma inteno do governo frente a reforma agrria, mas sim uma resposta

    presso social.

    Entre as justificativas do MST na luta pela terra tem-se a produo de gneros

    alimentcios no prioridade nas grandes propriedades do pas, no qual se configura

    principalmente pela monocultura. Muitos estudos j foram feitos em relao aos

    fatores negativos que trazem este cultivo, que vo desde fatores ambientais a

    econmicos. Um dos exemplos cana - de acar, muito cultivado no interior de So

    Paulo e outras regies do Brasil, em que milhares de trabalhadores so explorados,

    com pssimas condies de trabalho, expostos a riscos de sade e acidentes de

    trabalho, alm de no existir nenhuma perspectiva de melhora de vida.

    Por outro lado, se estes trabalhadores fossem despedidos deste trabalho,

    caso ocorresse uma modernizao e os cortadores de cana fossem substitudos por

    mquinas, isto resultaria em uma grande massa de trabalhadores rurais

    desempregados. Assim, a Reforma Agrria poderia desempenhar seu papel,

    proporcionando terra para estes trabalhadores e possibilitando todo o apoio tcnico e

    financeiro com crditos mais baratos para a produo familiar.

    Vrios aspectos demonstram que a pequena propriedade possui diversos

    pontos positivos para a populao brasileira.

    [...] a pequena propriedade que detm apenas 20% da rea ocupada do Brasil, foi responsvel por 46% do valor da produo agropecuria e por 43% da renda gerada no campo. Enquanto isso, as grandes propriedades que controlam mais de 44% da rea ocupada total, foram responsveis por apenas 21% do valor da produo e 23% da renda gerada. As mdias propriedades que controlam 36% da superfcie ocupada ficaram com a diferena, ou seja, 32% do valor da produo e 34% da renda. (OLIVEIRA, 2007, p.151).

    Dentre estes, a pequena propriedade aquela de 100 h. Na qual o produtor

    familiar est inserido e que luta cada dia pela permanncia na terra, pois mesmo com

    a experincia que detm no trabalho do campo, no tem sido tarefa fcil sua

    reproduo. Vrios fatores contribuem para esta luta diria, tais como o pequeno

    potencial para fazer financiamentos para a produo e as dificuldades de comprar

  • 26

    insumos, dificuldades para quitar as dvidas de financiamento junto ao banco, baixo

    ou nenhum nvel de tecnologia e como conseqncia adotado um estilo de trabalho

    manual por falta de maquinrios, causando o encolhimento da produo. Fica claro

    tambm a limitao enfrentada para ter acesso ao mercado consumidor devido

    falta de infra-estrutura e informao sobre preos e mercados.

    Esta ineficincia na comercializao tambm reflete a falta de um

    planejamento mais cuidadoso na escolha dos produtos a serem cultivados,

    esbarrando assim em problemas como variao de preo da produo causando,

    muitas vezes, prejuzos, alm de perda da lavoura por fatores climticos. Estes

    fatores fazem o pequeno produtor alm de lutar pela terra, posteriormente muito mais

    para permanecer nela.

    pensando nestas problemticas que as instncias governamentais precisam

    dar todo apoio possvel ao produtor familiar, do contrrio a sobrevivncia dos

    produtores fica comprometida, pois a renda adquirida na terra insuficiente para

    cobrir os custos de produo e inviabiliza os financiamentos para a prxima safra,

    criando uma tendncia de cultura de subsistncia e impossibilitando o

    desenvolvimento econmico de sua reproduo.

    Mesmo assim, diversas experincias de pequenos produtores se estruturaram

    e se desenvolveram tornando competitivos no mercado de trabalho, mesmo sem o

    devido apoio para sua permanncia na propriedade. As estratgias do sucesso desta

    categoria de produtos exigem reflexes do que precisa ser feito para uma possvel

    reproduo em relao ao apoio governamental, alm do planejamento em relao

    ao produto a ser cultivado de acordo com as demandas de mercado e a maneira

    como esta produo ser comercializada. Assim, o MST no tem como objetivo

    apenas a conquista da terra, mas pressupe estratgias de lutas para que os

    produtores familiares permaneam nela.

    2.3 Os Assentamentos do INCRA no Brasil

    Pode-se afirmar, que no Brasil nunca foi implantada realmente a Reforma

    Agrria, mas sim polticas de assentamentos, pois muitas leis tm sido implantadas

    desde muito antes do perodo de ditadura militar que mascaram o verdadeiro

    propsito da Reforma Agrria.

    O grfico 1, sobre o nmero de assentamentos rurais entre os anos 1985 e

    2000, demonstra que mesmo com a represso frente aos movimentos sociais no

    campo muitas famlias foram assentadas principalmente nas regies do Nordeste e

    Amaznia, e mesmo que estes nmeros sejam muito inferiores ao nmero de

  • 27

    ocupaes de terras neste perodo, os assentamentos implantados so bem

    superiores em relao aos anos anteriores.

    Grfico 1

    Fonte: Oliveira, 2007.

    At mesmo os dados publicados sobre famlias assentadas no refletem a

    realidade, os nmeros mostram que a Reforma Agrria est acontecendo, mas na

    prtica at regularizaes fundirias e outras formas foram includas na contagem

    afim de mascarar a realidade. Segundo Oliveira (2007, p. 168) preciso deixar claro

    os conceitos de acesso terra colocado em prtica no Brasil.

    1. Reforma Agrria: refere-se somente aos assentamentos decorrentes de aes desapropriatrias de grandes propriedades improdutivas, compra de terra e retomada de terras pblicas griladas. 2. Regularizao Fundiria: refere-se ao reconhecimento do direito das famlias (populaes tradicionais, extrativistas, ribeirinhos, pescadores, posseiros, etc.) j existentes nas reas objeto da ao (flonas, resex, agroextrativistas, desenvolvimento social, fundo de pastos, etc.); 3. Reordenao Fundiria: refere-se aos casos de substituio e/ou reconhecimento de famlias presentes nos assentamentos j existentes, e/ou para garantir seus acessos s polticas pblicas; 4. Reassentamentos Fundirios de famlias Atingidas por Barragens: referente aos proprietrios ou com direitos adquiridos em decorrncia de grandes obras de barragens e linhas de transmisso de energia realizadas pelo Estado e/ou empresas concessionrias e/ou privadas;

    At mesmo famlias assentadas desde o governo de Getlio Vargas do ano de

    1942 foram includos como famlias assentadas em 2005, durante o mandato do

    presidente Lula. Mesmo que tenham sido includas em polticas pblicas deste

    governo no poderiam ser contadas nas metas de Reforma Agrria.

  • 28

    O grfico 2, demonstra claramente o total dos assentamentos oficiais de

    Reforma Agrria do governo FHC e Lula. Os dados esto muito longe de cumprirem

    as metas1 que foram propostas de acordo com os planos de Reforma Agrria.

    Os movimentos sociais foram derrotados, pois saram enganados nas reunies de acompanhamento onde sempre ouviram o discurso de que a reforma agrria seria feita. Mas, os grandes derrotados foram os camponeses em geral e com eles uma parte da sociedade brasileira, que permanece na esperana de que um dia, a dvida social da reforma agrria seja verdadeiramente paga. (OLIVEIRA, 2007, p. 172).

    Grfico 2

    Fonte: Adaptado pela autora, 2014

    Dentre estes camponeses, existem aqueles que h anos enfrentam as piores

    condies de vida, acampados debaixo de lona e enfrentando as mais diversas

    dificuldades que vo desde o quesito alimentao, escolas para seus filhos, sofrendo

    com as intempries climticas e principalmente sem a certeza de que todo o

    sofrimento valer a pena, pois no existe uma certeza de receber seu pedao de

    terra.

    A falta de vontade dos diversos governos que prometeram a Reforma Agrria

    e nunca cumpriram, refora a crena de que a luta ainda ser grande por muito

    tempo, deve-se perguntar como andam aqueles que por sorte ou acaso vieram a

    conquistar seu pedao de terra. Entretanto, a Reforma Agrria no completa

    apenas com a distribuio de terras, mas sim, com o apoio para que o produtor

    familiar permanea e se reproduza nela. Que ele tenha condies de se desenvolver

    como produtor no mercado e fazer a diferena no cenrio econmico do pas,

    fortalecendo ainda mais esta classe.

    1 Ver metas na p. 21.

  • 29

    Para que isto acontea preciso apoio macio do governo nestes

    assentamentos formados por meio de cursos e apoio tcnico, facilitando a aquisio

    de insumos e de financiamentos com juros mais baixos. Caso contrrio, estas

    famlias assentadas dificilmente podero investir na propriedade e obter resultados

    significativos para poderem se reproduzir, caso contrrio, muitas restaro viver da

    agricultura de subsistncia ou vender seus direitos na propriedade para tentar a sorte

    nas cidades.

  • 30

    3. MUNICIPIO DE ORTIGUEIRA: FORMAO E DISTRIBUIO DAS TERRAS

    O municpio de Ortigueira foi criado em 1952, possui uma populao de

    23.646 mil estimadas para o ano de 2013, com uma rea territorial de

    aproximadamente 2.432,255 km2 e 758 metros de altitude, segundo o Instituto

    Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE, 2013).

    O mapa 1, apresenta a localizao do municpio de Ortigueira, do qual se

    configura como um dos municpios de maior extenso no Paran ocupando a terceira

    posio do estado. Este municpio tem suas razes no processo de ocupao por

    posseiros e grileiros.

    O povoamento de grande parte do municpio de Tibagi, que por sinal constitua uma rea significativa do estado do Paran, especialmente a noroeste, se formou na sua maioria, pela figuras do chamado caboclo, sendo s em parte colonizada por imigrantes europeus. Nesta localidade surgiria o ncleo que daria origem a cidade de Ortigueira, que posteriormente se emanciparia de Tibagi, formando o municpio de Ortigueira. (ALVES, 2004, p. 56).

    Ainda segundo o mesmo autor, este municpio se iniciou com uma Vila

    denominada Vila de Queimadas e que fazia parte do municpio de Tibagi por volta de

    1920. Em 1921, a vila comea a se estruturar e elevada a categoria de Distrito

    Judicirio.

    A frente de expanso formada pelos caboclos, constitua-se principalmente pelos safristas, posseiros e grileiros que tinham em Queimadas um ponto de apoio, inclusive para se chegar ao Terceiro Planalto paranaense. Na dcada de 1920, devido ao tipo de povoamento da rea, se esboava uma lenta organizao econmica, estruturada principalmente com a cidade de Tibagi, considerada centro de referncia. (ALVES, 2004, p. 60).

    Assim, com a ocupao da Vila de Queimadas, o acesso terra se deu por

    caboclos que a posseavam e, desta ocupao predominaram os latifndios e terras

    devolutas, constituindo um povoamento espontneo e desordenado. (BERNARDES,

    1952, p. 69, apud, ALVES, 2004).

  • 31

    Mapa 1

    Fonte: Alves, 2004.

  • 32

    Segundo Alves (2004), estes primeiros povos que chegaram ao atual

    municpio, muitos iniciaram uma agricultura de subsistncia principalmente os que

    apossavam pequenas reas, mas aqueles que se apoderavam de reas mais

    significativas, no tinham o objetivo de trabalhar e produzir na terra, mas sim

    transform-la em reserva de valor para, no futuro, vend-la como renda

    capitalizada. Esta prtica se dava atravs dos grileiros, e os conflitos nesta regio

    eram constantes, pois a acumulao de terras por parte deles, se dava tanto pela

    fora, expulsando os posseiros, ou ento mantinham os mesmos trabalhando em

    suas posses e lhe cobravam o foro. Tanto os posseiros como os grileiros tem como

    uma das primeiras atividades desenvolvidas, a criao de porcos por meio da safra2

    e da agricultura de subsistncia praticada por posseiros.

    Assim, a suinocultura foi mantida at a dcada de 1960 e em menor

    quantidade at inicio da dcada de 1980, j a agricultura de subsistncia no modo

    de produo familiar se manteve at os dias atuais, ou seja, at 2004.

    Desta forma, ao entender a forma como se deu a territorializao deste

    municpio, percebe-se que as grandes propriedades atuais so heranas do modo

    como foram ocupadas as terras desta rea, pois a disputa de terras que culminou

    na expropriao de posseiros deu incio a uma composio da estrutura fundiria

    agrria altamente concentradora. Atravs das tabelas 2 e 3 ser possvel identificar

    como se encontra a concentrao de terras neste municpio, bem como as

    mudanas ocorridas desde a dcada de 1960 at o Censo Agropecurio de 2006.

    2 Para entender a criao de porcos por meio de safra, segundo Wachowicz (1987), consistia na

    derrubada de 20 a 50 alqueires, queimada da mata, plantao de milho, batata doce e abbora. Quando as culturas estavam chegando a poca de colher, o safrista percorria a regio comprando os porcos dos sitiantes, Todos eram colocados em mangueires e soltos quando o milho comeava a amarelar.

  • 33

    Tabela 2 Distribuio das terras por estabelecimentos em Ortigueira 1960-2006

    --- Estes dados no constam no Censo Fonte: IBGE Censo Agrcola de 1960 e Censos Agropecurios do Paran de 1970 a 2006. Org: Jos Alves; 2004, e adaptado pelo autor deste trabalho, 2013.

    Grupo de rea total

    (h)

    Nmero de Estabelecimentos

    1960 1970 1975 1980 1985 1995/96 2006

    N % N % N % N % N % N % N % Menos de 10

    --- --- 2.580 55,5 3.523 59,2 3.182 57,4 3.168 59,8 3.080 53,8 1.634 45,4

    10 a menos de 20

    --- --- 809 17,4 1.116 18,8 1.080 19,5 920 17,4 1.127 19,7 728 20,2

    20 a menos de 50

    --- --- 716 15,4 777 13,0 738 13,4 676 12,7 814 14,3 569 15,8

    50 a menos de 100

    --- --- 281 6,0 262 4,4 246 4,4 215 4,0 272 4,7 181 5,0

    Menos de 100 1.387 86,9 4.386 94,3 5.678 95,4 5.246 94,7 4.979 93,9 5.293 92,5 3.112 86,4

    100 a menos de 200

    --- --- 162 3,5 157 2,6 134 2,4 136 2,6 167 2,9 143 3,9

    200 a menos de 500

    --- --- 82 1,8 89 1,6 111 2,0 130 2,4 182 3,2 144 4,0

    500 a menos de 1. 000

    --- --- 16 0,3 15 0,2 37 0,7 43 0,8 59 1,0 57 1,5

    100 a menos de 1.000

    204 12,8 260 5,6 261 4,4 282 5,1 309 5,8 408 7,1 344 9,5

    1.000 a menos de 5.000

    --- --- 5 0,1 12 0,2 11 0,19 11 0,19 20 0,39 20 0,5

    5.000 a menos de 13.000

    --- --- 1 0,0 2 0,0 2 0,01 2 0,01 2 0,01 --- ---

    1.000 a menos de 13.000

    5 0,3 6 0,1 14 0,2 13 0,2 13 0,2 22 0,4 20 0,5

    Produtor sem rea

    --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- 122 3,6

    Total 1.596 100,0 4.652 100,0 5.953 100,0 5.541 100,0 5.301 100,0 5.723 100,0 3.598 100,0

  • 34

    Tabela 3 Distribuio das terras por rea ocupada em Ortigueira 1960-2006

    -- Estes dados no constam no Censo

    As informaes de produtor sem rea no constam no Censo, porm o valor total apresentado como 100%. Fonte: IBGE Censo Agrcola de 1960 e Censos Agropecurios do Paran de 1970 a 2006. Org: Jos Alves; 2004, e adaptado pelo autor deste trabalho, 2013.

    Grupo de rea total

    (h)

    rea dos estabelecimentos

    1960 1970 1975 1980 1985 1995/96 2006

    N % N % N % N % N % N % N % Menos de 10

    --- --- 11.996 8,1 16.745 9,6 14.857 8,1 14.067 7,2 13.474 5,5 5.907 3,0

    10 a menos de 20

    --- --- 11.525 7,8 15.808 9,1 15.289 8,3 13.247 6,8 16.680 6,9 10.870 5,6

    20 a menos de 50

    --- --- 22.370 15,1 24.414 14,0 22.573 12,3 20.902 10,8 24.014 9,9 17.064 8,8

    50 a menos de 100

    --- --- 20.201 13,7 18.832 10,9 17.687 9,6 15.356 7,9 19.190 7,9 12.853 6,6

    Menos de 100

    33.641 35,4 66.092 44,7 75.799 43,6 70.406 38,3 63.572 32,7 73.358 30,2 46.694 24,2

    100 a menos de 200

    --- --- 22.829 15,6 22.651 13,0 19.213 10,5 19.457 10,0 23.855 9,5 20.979 10,9

    200 a menos de 500

    --- --- 24.956 16,8 26.414 15,2 32.159 17,5 40.143 20,6 55.597 23,0 45.499 23,6

    500 a menos de 1. 000

    --- --- 10.761 7,3 10.108 5,8 26.541 14,4 30.623 15,8 39.690 16,5 39.552 20,5

    100 a menos de 1.000

    46.090 48,3 58.546 39,7 59.173 34,0 77.913 42,4 90.223 46,4 119.142 49,0 106.030 55,1

    1.000 a menos de 5.000

    --- --- 12.191 8,3 22.214 12,8 23.095 12,6 20.366 10,4 30.081 12,4 25.537 13,2

    5.000 a menos de 13.000

    --- --- 10.854 7,3 16.551 9,6 12.316 6,7 20.302 10,5 20.310 8,4 --- ---

    1.000 a menos de 13.000

    15.522 16,3 23.045 15,6 38.765 22,4 35.411 19,3 40.668 20,9 50.391 20,8 25.537 13,2

    Produtor sem rea

    --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- ---

    Total 95.253 100,0 147.682 100,0 173.737 100,0 183.736 100,0 194.469 100,0 242.891 100,0 25.537 100,0

  • 35

    Como se observa na tabela 2, os estabelecimentos com menos de 10

    hectares desde 1975 veio decaindo at 2006 com uma diferena de 46,38% numa

    escala de tempo de 30 anos aproximadamente. Em geral os estabelecimentos com

    rea inferior a 100 hectares com um total de 1387 em 1960, representado por

    86,9% na poca, teve seu auge em 1975 com 5.678 representando 95,4% e foi

    declinando chegando em 2006 com 86,4% do total, ou seja, aproximadamente

    54,80% inferior 30 anos atrs. Mas, continua com maior significado em nmero de

    estabelecimentos.

    Observando os dados dos estabelecimentos com 100 a 1.000 hectares, o

    qual em 1960 contava com um total de 204 estabelecimentos representando 12,8%,

    observa-se um acrscimo nos anos seguintes chegando a 408 na dcada de 1990,

    porm com uma porcentagem menor de 7,1% dos estabelecimentos e chegando a

    9,5% em 2006.

    Em relao aos estabelecimentos por rea ocupada de 1.000 a 13.000

    hectares, representou em 1960, segundo a tabela 3, 16,3% da rea ocupada para

    apenas 5 unidades, representando apenas 0,3% dos estabelecimentos. J em 2006

    a rea destes estabelecimentos possui 13,2% da rea ocupada para 0,5%,

    representando apenas 20 estabelecimentos.

    Percebe-se ento que as unidades que possuem at 100 hectares mesmo

    estando em maior nmero de estabelecimentos representando 86,4% das unidades

    no censo de 2006, perdem em porcentagem de rea ocupada do grupo de

    estabelecimentos de 100 a 1.000 hectares, pois em 2006 a rea ocupada com at

    100 hectares representa 24,2%, enquanto a outra classe ocupava 55,1% da rea

    total ocupada, com uma diferena de 30% a mais para os estabelecimentos de 100

    a 1.000 hectares.

    A rea ocupada pelo grupo de 1.000 a 13.000 hectares teve sua maior

    concentrao de terras no perodo que resultou no censo de 1975 com 22,4% da

    rea ocupada, e veio declinando para em 2006 possuir 13,2% do total de rea.

    Contudo, esta porcentagem de rea que diminuiu neste grupo, 10%

    aproximadamente foi transferida para o grupo de 100 a 1.000 hectares, que passou

    de 48,3% em 1960 para 55,1% em 2006.

    A partir da anlise destes dados, percebe-se que mesmo com a repartio de

    terras de alguns latifndios, como o caso das antigas fazendas que resultaram no

    Assentamento Libertao Camponesa em 1998, com a criao de mais de 400

  • 36

    estabelecimentos entre 10 e 20 hectares, no possibilitou uma reverso na

    concentrao de terras do municpio, pois segundo os dados da tabela 3 a rea dos

    estabelecimentos passou de 6,9 em 1996 para 5,6 em 2006, bem como o nmero

    de estabelecimentos que passa de 1.727 em 1996 para 628 em 2006, conforme

    apresentado na tabela 2. O que no altera em nada a problemtica da concentrao

    de terras no municpio.

    Se considerarmos que houve uma diminuio do nmero de

    estabelecimentos do grupo de 1.000 a 13.000 mil hectares entre 1960 com 16,3% e

    2006 com 13,2%, esta porcentagem foi transferida para o grupo das mdias

    propriedades (de 100 a 1.000 hectares), como representado na tabela 3, no qual

    entre 1960 e 2006 o nmero destes estabelecimentos vai de 48% para 55,1%.

    Contudo, nota-se que a concentrao de terras no municpio de Ortigueira

    continua extremamente acentuada, pois desde o censo de 1960 at 2006, ocorreu

    um aumento da porcentagem de rea para o grupo de estabelecimentos de 100 a

    1.000 hectares e em contrapartida uma retrao de mais de 10% da rea do grupo

    de estabelecimentos de 0 a 100 hectares.

    Assim, Ortigueira tem sido nos ltimos anos alvo da atuao de movimentos

    de luta pela terra, como o MST, e, a maioria destas fazendas ocupadas geralmente

    se reproduz economicamente pela criao de gado, mas em relao a grande

    quantidade de terras e o reduzido nmero de cabeas de gado, podem ser

    consideradas como terras improdutivas que se mantm como reserva de valor, pois

    o gado tem a finalidade de apenas demonstrar alguma atividade e maquiar que

    est cumprindo a funo social da terra3. Terras que poderiam estar sendo

    cultivadas com as mais diversas atividades e beneficiando a sociedade como um

    todo.

    Atualmente, a economia de Ortigueira basicamente agropecuria em

    decorrncia do relevo acidentado e maior facilidade no tratamento das pastagens. O

    municpio possui, segundo o IBGE 2012, o maior rebanho de bovino e de bubalinos

    com 140.150 e 360 cabeas, respectivamente, do Estado do Paran, e por vrios

    anos foi o maior produtor de mel do Brasil. (PREFEITURA MUNICIPAL DE

    ORTIGUEIRA, 2013).

    3 Para Oliveira, 2007, conforme a Poltica Agrcola e Fundiria da Reforma Agrria, a funo social

    da terra cumprida quando h um aproveitamento racional adequado, utilizao dos recursos naturais e preservao do meio ambiente, explorao com o bem estar do proprietrio e dos trabalhadores.

  • 37

    Ortigueira o municpio que mais produz mel no estado do Paran, sendo

    responsvel por 10% da produo do estado. tambm o segundo maior produtor

    de mel do Brasil. Segundo dados do IBGE de 2011, foram produzidos no municpio

    510 toneladas de mel em 2010. (PREFEITURA MUNICIPAL DE ORTIGUEIRA,

    2013).

    O municpio tambm guarda uma das maiores reservas remanescentes de

    Mata Atlntica do Paran. A florada de plantas nativas como assapeixe, capixingui,

    gabiroba, pitanga, lixa, gurucaia, aroeira vermelha, entre outras, garantem a

    variedade e qualidade do mel da regio. (PREFEITURA MUNICIPAL DE

    ORTIGUEIRA, 2013).

    Com esse cenrio, trabalha-se o desenvolvimento econmico e social

    atrelado ao desenvolvimento rural sustentvel. A apicultura passou a ser uma fonte

    de renda alternativa e suplementar para famlias que vivem no interior do municpio

    e tiram o sustento da produo rural. O programa APIS, de Apicultura Integrada e

    Sustentvel, envolve a parceria da Prefeitura Municipal com o Sebrae, a Emater e a

    Apomel (Associao dos Produtores Ortigueirenses de Mel), em busca da

    sustentabilidade no setor. (PREFEITURA MUNICIPAL DE ORTIGUEIRA, 2013).

    3.1 A Origem do Assentamento Libertao Camponesa

    A ocupao original do Assentamento aconteceu por meio das trs fazendas

    denominadas Renato e Ricardo Simes, Transparan e Santa Paula, ambas

    conquistadas por meio de conflitos entre posseiros4 e safristas5 que praticavam a

    agricultura de subsistncia e grileiros que buscavam a aquisio dessas reas

    mediante a expulso destes agricultores. O safrismo desenvolvido por estes

    agricultores era tambm praticado em todo o municpio, sendo caracterizado pelo

    cultivo de roas de milho cuja produo destinava-se, exclusivamente,

    alimentao de porcos criados de forma caipira e que, aps perodo de engorda,

    eram comercializados em Tibagi. (MARQUES, 2005 p. 31).

    4 Segundo Oliveira, 2007, Posseiros so aqueles camponeses que se recusando a pagar com

    renda, abrem a seu modo a posse em terras devolutas, pblicas ou mesmo privadas. 5 Neste sistema o safrista desenvolvia a explorao mista da terra posseada, cultivando o solo para a

    produo de milho, concomitante com o cultivo de produtos para a subsistncia (a roa), como o arroz e feijo, sendo que quando estivesse perto da colheita os porcos (corte magro) eram soltos na roa, l ficando at engordarem e se obter o porco tipo banha. (ALVES, 2004, p.64)

  • 38

    Aps o processo de grilagem6 a principal atividade desenvolvida nestas

    terras foi pecuria e para tal o desmatamento definitivo da rea foi condio

    essencial para a formao de pastagem o que ocorreu mediante parceria

    envolvendo o proprietrio e agricultores arrendatrios, via mo de obra familiar.

    Assim o fazendeiro cedia uma parcela de terras ao arrendatrio para o cultivo de

    gros, sendo parte da produo obtida pelos agricultores, destinada ao pagamento

    pela utilizao das terras.

    Em sua forma menos desenvolvida, ou seja, pr-capitalista (porque ela teve existncia anterior ao modo capitalista de produo), ela diretamente produto excedente, por exemplo, a frao da produo entregue pelo parceiro ao proprietrio da terra, como pagamento pela autorizao que este lhe d para cultivar a terra. Portanto, produto excedente a parcela da produo alm da parte necessria subsistncia do trabalhador. (OLIVEIRA, 2007, p. 43).

    Dessa maneira, se estabelecia as relaes de trabalho nestas terras, alm de

    outras exigncias por parte do fazendeiro para estes arrendatrios no fim do

    perodo do arrendamento.

    Aps o trmino do contrato que se estendia por um perodo de trs a quatro

    anos o arrendatrio se comprometia iniciar o plantio de gramneas ao desocupar a

    terra, sendo tarefa obrigatria, pois caso contrrio o arrendatrio poderia pagar

    multas por no cumprir o acordo.

    No inicio da dcada de 1980, a rea que compunha a RR apresentava considervel conjunto de benfeitorias destacando-se a presena de um silo graneleiro, alm de Serraria e Cozinhador, destinados ao beneficiamento de madeiras extradas do desmatamento local ou provenientes de outros estados, principalmente do Mato Grosso do Sul. Tal matria prima foi amplamente utilizada no piqueteamento e delimitao da fazenda. (MARQUES, 2005, p.33).

    Contudo, segundo informaes obtidas com os prprios assentados, o

    fazendeiro se encontrava endividado e sem perspectivas para continuar tocando a

    fazenda, em razo do seu estado de abandono em que se encontrava no momento

    que iniciou o processo de acampamento.

    Nenhuma outra atividade era exercida alm de algumas cabeas de gado

    espalhadas em toda a rea que compunha a fazenda, as mangueiras de tratamento

    de gado se encontravam em pssimo estado, com a madeira apodrecendo e

    destelhadas, o barraco para armazenamento e secagem dos gros abandonado e

    6 J a grilagem segundo o Dicionrio online de Portugus o ato de apossar de terras mediante

    falsos ttulos de propriedade.

  • 39

    sem utilizao, no havia estradas e o deslocamento somente era possvel pelas

    pessoas atravs de animais por estreitos carreadores na mata fechada.

    No h muitas informaes a respeito sobre as iniciativas de negociao

    desta fazenda, se foram por parte da ocupao do MST, ou do INCRA ou at

    mesmo do prprio fazendeiro. O que se sabe segundo alguns assentados, que

    no ocorreu resistncia ao movimento, pois quando acamparam nestas terras o

    boato era de que j estavam negociadas.

    O mapa 2, apresenta os assentamentos e comunidades do municpio de

    Ortigueira. O acampamento foi formado em 1997 na antiga fazenda Renato e

    Ricardo Simes, sendo mais conhecida como fazenda RR, com uma rea de

    6.927,52 hectares que foram divididas para 170 famlias. (MARQUES, 2005).

    Houve ento uma segunda fase de formao do assentamento quando

    foram desapropriadas as fazendas de Santa Paula e Transparan com mais 242

    famlias assentadas numa rea de 4.872,48 hectares. No entanto com relao a

    esta fase houve dificuldades de informaes, pois o Plano de assentamento da

    fazenda RR o nico documento referente ao assentamento. (MARQUES, 2005).

    Assim estas duas fases de distribuio de terras resultaram na formao do

    Assentamento Libertao Camponesa.

  • 40

    Mapa 2

    Fonte: Jos Alves; 2004, e adaptado pelo autor deste trabalho, 2013.

  • 41

    3. 2 Formas de Ocupao Fase do Acampamento

    O acampamento iniciou sua primeira fase entre novembro e dezembro de

    1997, no interior da antiga fazenda Ricardo e Renato Simes nas proximidades da

    sede da fazenda. Esta rea infraestrutura do local, em relao s colnias7 no qual

    moravam antigos funcionrios da fazenda alm de um barraco onde funcionava o

    processo de secagem e armazenamento de gros no perodo da produo. Os

    acampados aproveitaram sua estrutura para se acomodarem melhor durante o

    perodo de luta pela conquista dessas terras.

    O acampamento foi organizado pelo MST com famlias oriundas das diversas

    regies do pas, no qual se destaca uma parcela do nordeste especialmente do

    estado da Bahia, outras do interior de So Paulo principalmente dos municpios de

    Mato e Araraquara, outras vieram do sudoeste do Paran principalmente dos

    municpios de Realeza, Capanema e cidades vizinhas. Muitas outras famlias

    tambm foram includas neste processo, como os antigos funcionrios destas

    fazendas que tiveram direito em conseguir seu lote. Outras eram filhos de famlias

    de assentamentos vizinhos como o caso do Assentamento gua da Prata, mais

    popularmente denominado de Incro localizado no municpio de Tamarana.

    A maioria das famlias que veio do interior de So Paulo e sudoeste do

    Paran, soube do acampamento atravs do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da

    cidade de Mato, que em conjunto com o MST reuniam pessoas para o

    acampamento. Contudo, estas famlias no vieram diretamente para Ortigueira na

    antiga RR, pois estavam acampadas na fazenda Ing em Bela Vista do Paraso.

    Segundo relato dos que participaram deste acampamento, o local chegou a reunir

    cerca de trs mil famlias.

    A organizao do MST no acampamento se dava com a diviso de grupos

    que variavam entre 10 a 15 famlias, cada grupo tinha seu coordenador e havia

    outro geral que comandava o acampamento junto com outros integrantes do MST.

    Cada coordenador dos grupos convocava reunies para repassar informaes

    novas em relao aos lotes ou para a resoluo de algum problema sobre o

    convvio das famlias, quando o assunto era mais complexo, ou um problema muito

    7 O termo colnias se refere a um grupo de casas de mesmo padro que foram construdas na

    poca da fazenda, com o objetivo de hospedar trabalhadores temporrios e moradias para funcionrios.

  • 42

    grande, todos eram convocados em reunies gerais, no qual o lder geral

    comandava as reunies.

    Por meio de depoimento de familiares, as reunies geralmente eram muito

    agitadas e iniciadas com muito entusiasmo, no qual o lder gritava a sigla. MST, e

    todos respondiam Essa luta pr valer, Reforma Agrria e todos diziam

    novamente Uma luta de todos, logo todos diziam num coro Ocupar, Resistir,

    Produzir. Aps o trmino da reunio eram repetidas estas mesmas frases para

    finalizar e todos poderiam se retirar.

    O movimento tambm punia com muita severidade aqueles que cometiam

    algum delito no acampamento; quando este era muito grave a punio chegava a

    ser a expulso do indivduo; o roubo, por exemplo, era um delito que desde que

    provado o crime, era passvel de expulso. Quanto a outros delitos como beber,

    desrespeitar algum lder do movimento ou de qualquer outro acampado, este era

    chamado para conversar primeiramente com o coordenador grupal e se no fosse

    resolvido o problema era levado para a coordenao geral em que decidiam como

    resolver o problema.

    No que diz respeito a alimentao, cada famlia recebia uma cesta mensal do

    governo atravs do INCRA, composta por: macarro, arroz, feijo, leo e farinha de

    milho; o restante da feira deveria ser complementada pelos acampados,

    trabalhando fora, geralmente por dia, nas fazendas vizinhas. A situao s foi

    menos dificultosa para aqueles que recebiam o beneficio da aposentadoria, e,

    mesmo sendo uma pequena quantia fazia a diferena dentre aqueles que eram

    obrigados a procurar trabalho escasso na regio, alm de que este beneficio no foi

    problema para os que desejavam possuir um lote, j que alguns dos entrevistados

    j estavam aposentados no momento da distribuio dos lotes.

    Aqueles que saiam para trabalhar nos assentamentos ou fazendas vizinhas

    eram obrigados a caminhar cerca de 10 20 quilmetros passavam a semana

    trabalhando por dia ou por empreita roando pastos ou colhendo caf, e retornavam

    nos fins de semana. Quando a distncia era menor, muitos iam e voltavam todos os

    dias para o acampamento.

    Em relao ao deslocamento para a cidade, circulavam dois nibus de

    particulares, que transportavam para as cidades de Tamarana, sendo 35 km de

    distncia deste municpio at o assentamento, de segunda a sbado, uma vez por

    dia, e para Ortigueira, trs vezes por semana, devido longa distncia, ou seja, 64

  • 43

    km, e ms condies das estradas o que tornava o valor da passagem mais caro.

    Por este motivo, desde o processo da fase do acampamento as relaes comerciais

    e sociais dos assentados com Tamarana foi sempre mais forte do que com

    Ortigueira.

    Para ocupar o tempo no acampamento aconteciam algumas atividades como

    jogar futebol e aos domingos tomar banho no rio, ou at mesmo conversas

    descontradas nos barracos, muitos tomando caf e outros chimarro entre os que

    vieram do Sul do estado.

    O processo de acampamento na antiga fazenda RR durou um ano e trs

    meses e durante a distribuio dos lotes cada grupo foi para uma rea da fazenda

    que foram denominadas conforme as caractersticas fsicas e histricas do local.

    3.3 A Organizao do MST no Assentamento

    Assim como no acampamento, o MST continuou com a mesma forma de

    organizao no Assentamento; as famlias continuaram divididas em grupos e cada

    comunidade era composta por dois ou trs grupos dependendo da quantidade de

    famlias. Cada grupo tinha seu coordenador que era responsvel por resolver os

    problemas e trazer informaes para a comunidade. Sendo assim, a organizao do

    assentamento se deu, nesta poca, de forma integrada.

    O primeiro benefcio r