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Pró-Reitoria de Graduação Curso de Direito Trabalho de Conclusão de Curso A ANÁLISE DAS INOVAÇÕES NO CRIME DE ABORTO PREVISTAS NO ESBOÇO DO ANTEPROJETO DO NOVO CÓDIGO PENAL Autora: Meireângela Fontes Silva Orientadora: Msc. Neide Aparecida Ribeiro Brasília - DF 2012

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Pró-Reitoria de Graduação Curso de Direito

Trabalho de Conclusão de Curso

A ANÁLISE DAS INOVAÇÕES NO CRIME DE ABORTO PREVISTAS NO ESBOÇO DO ANTEPROJETO DO NOVO

CÓDIGO PENAL

Autora: Meireângela Fontes Silva

Orientadora: Msc. Neide Aparecida Ribeiro

Brasília - DF

2012

MEIREÂNGELA FONTES SILVA

A ANÁLISE DAS INOVAÇÕES NO CRIME DE ABORTO PREVISTAS NO ESBOÇO DO ANTEPROJETO DO NOVO CÓDIGO PENAL

Artigo apresentado ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientadora: Msc. Neide Aparecida Ribeiro.

Brasília 2012

Artigo de autoria da aluna Meireângela Fontes Silva, que apresenta como

título “A ANÁLISE DAS INOVAÇÕES PREVISTAS NO ESBOÇO DO

ANTEPROJETO DO NOVO CÓDIGO PENAL”, apresentado como requisito parcial

para a obtenção do grau de Bacharelado em Direito da Universidade Católica de

Brasília, no segundo semestre do ano de 2012, defendido e aprovado pela banca

examinadora abaixo assinada:

Profª. Msc. Neide Aparecida Ribeiro.

Orientadora.

Direito – UCB.

Avaliador 01.

Avaliador 02.

Ao meu filho, Carlos Eduardo, aos meus pais, Ângelo e Meirivanda e ao meu tio Carlos Ivan, pelo apoio e incentivo em todos os momentos. A vocês eu dedico a minha eterna gratidão.

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar a Deus, pois sem Ele nada é possível. Aos meus pais por todas as oportunidades que me proporcionaram, por todos os momentos que estiveram ao meu lado e por todo o apoio dado, a vocês eu só tenho a agradecer e todas as minhas vitórias eu dedico a vocês, pois o mérito não é só meu, mas nosso. Ao meu tio Carlos Ivan que participou significativamente na minha formação e que é um anjo na minha vida. Ao meu filho, Carlos Eduardo que nasceu no início da minha graduação e que inclusive trouxe com ele a minha força de vontade para alcançar todos os meus objetivos. A todos os mestres que participaram da minha formação, em especial a minha orientadora, Neide Aparecida Ribeiro, pelo auxílio na elaboração do meu trabalho de conclusão de curso. A todas as pessoas que acreditaram no meu potencial e que estiveram sempre ao meu lado, aos meus familiares, Francisco Márcio, Maria do Socorro, Raimundo Caetano, Ângela Mericia, Antonio Victor, aos meus amigos e ao meu namorado Aécio Ferreira Benjamim.

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A ANÁLISE DAS INOVAÇÕES NO CRIME DE ABORTO PREVISTAS NO

ESBOÇO DO ANTEPROJETO DO NOVO CÓDIGO PENAL

MEIREÂNGELA FONTES SILVA

Resumo: O presente trabalho visa, precipuamente, estabelecer uma análise comparativa entre o tratamento jurídico dado ao crime de aborto no Código Penal de 1940 e as respectivas propostas de modificações previstas no Esboço do Anteprojeto do Novo Código Penal apresentado pelo Senado Federal. A pesquisa em questão parte da análise do crime de aborto no Brasil, conceituando-o, apresentando um sucinto relato histórico do seu enfoque jurídico e demonstrando o tratamento dado a esse tipo penal em determinados pontos do mundo. Em seguida, passa-se a expor o fundamento constitucional do crime de aborto, qual seja o direito à vida, e a relatividade dos direitos fundamentais, da qual decorre a descriminalização do crime de aborto em determinadas situações na atual desenvoltura criminal. A partir da análise da tipificação do aborto no Código Penal em vigor, inicia-se uma comparação com as propostas apresentadas pelo Poder Legislativo, partindo-se da premissa de que é necessário um novo Código Penal. Como conclusão o que se tem é que o entendimento de que o Código Penal necessita de uma reforma é unânime, todavia o Anteprojeto do Novo Código Penal vem sendo alvo de diversas críticas, merecendo assim ser submetido a diversos debates para que seja tido como o mais legítimo possível. Palavras - chave: Aborto. Código Penal de 1940. Anteprojeto do Novo Código Penal. INTRODUÇÃO Preliminarmente, interessante se faz mencionar que a escolha de um tema relacionado ao crime aborto para confecção do presente trabalho tornou-se interessante pelo fato de estar sendo muito discutido nos últimos meses. Primeiro porque tanto o Senado Federal como a Câmara dos Deputados instituíram comissões para confecção de um Novo Código Penal, o qual consequentemente trarão inovações relacionadas ao aborto. Segundo, porque não se pode esquecer a atual decisão do Supremo Tribunal Federal que descriminalizou a prática do aborto nos casos de anencefalia. O trabalho em questão visa analisar as inovações do crime de aborto propostas pelo Senado Federal com maior profundidade, pois a mudança legislativa referente ao aborto com certeza será responsável por grande impacto social. Ademais, o tema é de grande importância no mundo jurídico, havendo, pois, a necessidade de vários debates para que o Novo Código Penal seja o mais legítimo possível e esteja adequado a nossa realidade. Os métodos de procedimento a serem utilizados serão o método histórico, conhecendo brevemente a história do crime de aborto no mundo e no Brasil; o

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método comparativo, fazendo comparações entre o crime de aborto previsto no atual Código Penal e as suas possíveis modificações previstas no Esboço do Anteprojeto do Novo Código Penal; e o método monográfico, estudando o Esboço do Anteprojeto do Novo Código Penal, no que diz respeito ao crime de aborto e a sua aplicabilidade em nosso meio social.

Cumpre mencionar que o trabalho será dividido em partes a fim de facilitar a compreensão. A primeira parte trará a conceituação do crime de aborto, a problemática que envolve o tema, um breve histórico do crime de aborto e demonstrará uma análise comparativa do tratamento jurídico dado ao tema em determinados pontos do mundo. A segunda e a terceira parte tratarão sobre o aborto no ordenamento jurídico atual, já a quarta parte será responsável por tratar da necessidade de um novo código penal. Ao final, a quinta parte irá delimitar as inovações do crime de aborto propostas pelo Poder Legislativo e previstas no Esboço do Anteprojeto do Novo Código Penal, fazendo, inclusive, comparações com a tipificação penal dada ao crime de aborto no atual código penal.

Importante ressaltar que o trabalho em análise não visa determinar um posicionamento favorável ou desfavorável em relação à descriminalização do crime de aborto, e sim, estabelecer uma análise comparativa entre a tipificação penal do crime de aborto no atual Código Penal e respectivas inovações propostas pelo Poder Legislativo no Esboço do Anteprojeto do Novo Código Penal.

A finalidade do estudo é a contribuição para sociedade, partindo-se da análise de um tema polêmico, que em caso de real mudança irá repercutir diretamente em nossa meio social. 1 DO CONCEITO DE ABORTO

Partindo da análise do atual Código Penal, observa-se que este não estabeleceu em seu bojo a definição do que vem a ser o crime de aborto, ficando tal conceituação ao encargo da doutrina e da jurisprudência. Interessante, nesse momento, mencionar o conceito de aborto determinado por Frederico Marques, (apud GRECCO, 2010) 1 “Para o Direito Penal e do ponto de vista médico-legal, o aborto é a interrupção voluntária da gravidez, com a morte do produto da concepção”. Dessa forma, a partir da análise da definição proposta pelo doutrinador Frederico Marques, temos que, a conduta de quem pratica o aborto será criminalizada somente se tiver sido voluntária, longe de toda e qualquer coação, e a consumação dessa infração se dará com a morte do ser em formação. Outro aspecto interessante é o fato do crime de aborto estar sendo altamente discutido em nosso país, além de ser um tema bastante polêmico e controvertido, abrangendo assim diversos posicionamentos em torno da manutenção ou da revogação desse tipo penal. Destaca-se que os que são adeptos a manutenção da criminalização do crime de aborto baseiam-se principalmente no direito à vida estabelecido na Constituição Federal de 1988. Já os que discutem sobre a legalização do aborto em nosso país partem da premissa de que apesar de na “teoria” a conduta de praticar o aborto ser

1 GRECCO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 7. ed. Niterói, Rj: Impetus, 2010. p.

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criminalizada, na prática inúmeras mulheres se submetem ao aborto em clínicas clandestinas e pior, em condições desumanas, colocando suas próprias vidas em risco. Recentemente o Supremo Tribunal Federal, na ação de descumprimento de preceito fundamental número 54, decidiu acerca da descriminalização da interrupção da gravidez nos casos de anencefalia. O tema vem sendo, também, bastante discutido tanto na Câmara dos Deputados, como no Senado Federal, trazendo assim a possibilidade de inovações do crime de aborto no denominado “Novo Código Penal”. Ademais, existem várias hipóteses de aborto classificadas pela doutrina, tais como o natural, o acidental, o criminoso e o legal 2 e fazendo um paralelo com o conceito de Frederico Marques, acima exposto, temos que o aborto natural e o aborto acidental não se enquadram ao tipo penal aborto, haja vista a inexistência da conduta voluntária. Vale ressaltar que em relação ao aborto criminoso e as hipóteses legais de aborto, esse artigo apresenta um tópico específico (do crime de aborto no atual código penal) para melhor detalhamento do assunto. Fato que também merece destaque é o de que diversos pesquisadores, tanto os do meio jurídico como os da área da saúde, estão dando outro enfoque ao tema, deslocando as discussões acerca das questões éticas, morais e religiosas para tratar do aborto como uma questão de saúde pública. A corroborar com esse entendimento, os professores da Universidade de Brasília Debora Diniz e Marcelo Medeiros, responsáveis pela realização da pesquisa nacional sobre o aborto, apresentaram como primeiro resultado de suas pesquisas o artigo “Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna” 3, o qual constata que no Brasil o aborto, realmente, trata-se de um problema de saúde pública e conclui que uma em cada cinco mulheres brasileiras faz pelo menos um aborto até os quarenta anos de idade. Urge mencionar, ainda, que o estudo em análise recebeu nos Estados Unidos, o prêmio Fred L. Soper Award for Excellence in Health Literature pela Organização Pan-Americana de Saúde 4. Partindo-se da premissa de que o aborto trata-se, na realidade, de questão de saude pública, faz-se necessário que a sociedade, como um todo, passe a ver o tema sobre outra perspectiva, enfrentando, assim, os tabus morais. É de suma importância que o Estado Brasileiro volte os seus olhos para essência do problema, não se preocupando apenas na punição, mas obtendo como prioridade, a orientação, e isso porque, as jovens brasileiras estão dando início a vida sexual cada vez mais cedo. Teresa Robichez de Carvalho Machado, em debate acerca das consequências jurídicas e sociais da manutenção da criminalização do aborto 5, informa que o que há hoje é o distanciamento da norma com a realidade prática existente no Brasil, e isso porque, apesar de constituir conduta considerada típica

2 JESUS, Damásio de. Direito Penal: Parte Especial. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.151.

3 DINIZ, Debora; MEDEIROS, Marcelo. Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de

urna. Scielo. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/csc/v15s1/002.pdf >. Acesso em: 05 set. 2012. 4 PERPETUO, Grace.Professores da UnB recebem premiação inédita por pesquisa sobre aborto

no Brasil.Unb.Disponível em: < http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=7059 >. Acesso em: 05 set. 2012. 5 MACHADO, Teresa Robichez de Carvalho. As consequências jurídicas e sociais da

manutenção da criminalização do aborto. Scielo. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/csc/v17n7/04.pdf >. Acesso em: 06 set. 2012.

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pelo ordenamento jurídico brasileiro, o aborto é realizado com frequência, clandestinamente, em vários pontos do país. Como conclusão dos estudos apresentados anteriormente, o que temos é que na teoria o aborto não é moralmente aceito pela sociedade brasileira, mas na prática, por incrível que pareça, “a cultura do aborto é compartilhada entre as mulheres no Brasil” 6. 1.1 BREVE HISTÓRICO DO CRIME DE ABORTO Nélson Hungria, (apud CAPEZ, 2007) 7, afirma que a conduta abortiva nem sempre foi criminalizada, sendo comumente realizada entre os povos hebreus e gregos. Em Roma, o feto já foi considerado como parte do corpo da gestante, dando a essa autonomia para decidir sobre dispor ou não do seu próprio corpo. Posteriormente, a prática do aborto passou a ser castigada sobre o fundamento de que o aborto constituía uma lesão ao direito concedido ao marido de ter filhos. Somente com o advento do cristianismo é que a conduta abortiva passou a ser efetivamente reprovada pela sociedade, com a consequente reforma do direito, passando a equiparar o aborto ao homicídio. Ainda com base nas ideias de Nélson Hungria, temos que na Idade Média, Santo Agostinho, diretamente influenciado pelo grande filósofo Aristóteles, somente considerava o aborto como ilícito quando o feto já tivesse alma, informando que isso ocorria mais ou menos aos quarenta e oito dias após a concepção, conforme o feto fosse do sexo masculino ou do sexo feminino. Já com base nas pregações de São Basílio, o aborto era tido como criminoso em qualquer momento da gestação. Outro fato que Nélson Hungria, (apud CAPEZ, 2007) 8, nos chama a atenção é a influência sempre exercida pela Igreja nas questões referentes ao aborto, influência essa constante até os dias atuais. É interessante, também, fazer o apanhamento histórico do crime de aborto no Brasil a fim de melhor compreender esse instituto jurídico, bem como determinar o desenvolvimento do mesmo em nosso Estado. Com base nas lições de Cezar Roberto Bitencourt 9, tem-se que, a princípio, o Código Criminal do Império de 1830 não determinava o autoaborto como uma conduta típica, criminalizando tão somente a conduta de terceiro que intervinha no crime, sendo o aborto consentido ou sofrido. Destaca-se, ainda, a existência da criminalização do fornecimento dos meios abortivos, bem como a agravante da pena, nas situações em que profissionais da área da saúde eram os responsáveis pela prática do aborto. Cezar Roberto Bitencourt cita que no que diz respeito ao Código Penal de 1890, o legislador passou a criminalizar o aborto praticado pela própria gestante, além de distinguir a prática abortiva se houvesse a expulsão do feto ou não, assim

6 DINIZ, Debora; MEDEIROS, Marcelo. Itinerários e métodos do aborto ilegal em cinco capitais

brasileiras. Scielo. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/csc/v17n7/02.pdf >. Acesso em: 06 set.2012. 7 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.110,

v. 2. 8 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.110,

v. 2. 9 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial. 4. ed. São Paulo:

Saraiva, 2010. 2 v.

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como se consequentemente houvesse a morte da gestante, ocasião essa em que se determinava o agravamento da pena. Já em relação ao atual Código Penal, do artigo 124 ao 126 10, observa-se a criminalização de três condutas abortivas, quais sejam: o autoaborto, o aborto provocado por terceiro e consentido pela gestante e o aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante. O atual Código Penal também menciona duas hipóteses em que o aborto será tido como legal, quais sejam, o denominado aborto necessário ou terapêutico, situação essa que a gestante encontra-se em fundado risco de vida e um médico para afastar tal risco realiza o aborto; e o chamado aborto sentimental ou humanitário, quando a mulher tiver sido vítima do crime de estupro. Lembrando que, o Código Penal de 1940 será objeto de um estudo mais aprofundado no decorrer desse trabalho. 1.2 DO CRIME DE ABORTO NO DIREITO COMPARADO Como bem se observa a mulher vem deixando de lado aquela antiga imagem de sexo frágil e passa, cada vez mais, a exercer um papel significativo na sociedade. As questões sobre o aborto são polêmicas e bastante discutidas em todo o mundo, baseando-se nas ideias de Gelson Amaro de Souza Filho 11, com a legalização do aborto em países como Alemanha, Austrália, Canadá, China, Cuba, Dinamarca, Estados Unidos, Suécia, os quais permitem a conduta abortiva em todas as situações, o que há é uma tendência internacional a legalização do aborto.

A partir do trabalho realizado pelo professor Daniel Sarmento 12, faremos uma

suscinta análise comparativa sobre o aborto em determinados pontos do mundo. Nos Estados Unidos, o aborto é legalizado com fundamento no direito à privacidade da mulher, o qual abrange a possibilidade de escolha sobre a continuidade ou não de uma gestação. Entretanto, como o direito à privacidade não é incondicionado, e diante de determinados interesses estatais, o país decidiu estabelecer parâmetros para a prática da conduta abortiva. Dessa forma, o aborto nos EUA pode ser realizado no primeiro trimestre, livremente, por escolha da mulher sobre a orientação do seu médico. No segundo semestre, a gestante ainda pode realizar o aborto livremente, mas nesse período os Estados poderão intervir, regulamentando esse direito, visando a proteção a saúde da gestante. No terceiro semestre, onde há maior viabilidade de vida extrauterina, os Estados podem chegar a proibir a prática do aborto, como uma forma de proteção a vida em potencial, salvo para preservação da vida ou da saúde da gestante. Ressalta-se, por fim, que o critério estabelecido no terceiro semestre de gestação pode ser flexibilizado e adotado pelos Estados em momentos anteriores da gestação, e isso quando for possível caracterizar a viabilidade de vida extrauterina.

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BARROSO, Darlan; ARAUJO JUNIOR, Marco Antonio (Coord.) Vade Mecum especialmente

preparado para Oab e Concursos. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. 11

SOUZA FILHO, Gelson Amaro de. A situação jurídica do aborto no Brasil. Unipar. Disponível em: < http://revistas.unipar.br/juridica/article/viewFile/2757/2051 >. Acesso em: 09 set. 2012. 12

SARMENTO, Daniel. Legalização do aborto e constituição. Mpf. Disponível em: < http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/direitos-sexuais-e-reprodutivos/aborto/legalizacao_do_aborto_e_constituicao_daniel_sarmento.pdf > Acesso em: 11 set. 2012.

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Lembrando que, exige-se o consentimento dos pais quando a gestante for menor de idade e que os Estados não realizam o procedimento de interrupção da gravidez gratuitamente, nem muito menos arcam com as despesas decorrentes desse. Na França, com fundamento no direito a liberdade concedido a mulher, a gestante pode interromper a gravidez até a décima segunda semana de gestação quando a gravidez lhe causar angústia, sendo que mulheres adultas com o desejo de praticarem o aborto nesse período podem recorrer, facultativamente, a estabelecimentos que fornecem informações e aconselhamentos. Além dessa hipótese, na França, o aborto também pode ser praticado, seja qual for o momento em que se encontra a gestação, nas situações em que a gestante esteja correndo risco de vida ou saúde, ou ainda, quando for diagnosticado que o feto ao nascer venha a sofrer doença tida como incurável. Destaca-se que, diferentemente dos Estados Unidos, a seguridade social francesa é responsável por arcar com setenta por cento dos gastos, médicos e hospitalares, que decorrem da prática abortiva. Na Itália, no decorrer dos primeiros noventa dias de gestação, a mulher poderá solicitar a interrupção da gravidez desde que esteja diante de determinadas situações, quais sejam, a existência de risco a sua saúde física ou psíquica; que exista a possibilidade de comprometimento das suas condições financeiras, sociais ou familiares; em decorrência das circunstâncias em que se deu a concepção; ou ainda, em casos de má-formação do embrião. Ponto que merece destaque é o fato de que nessas hipóteses, antes do aborto ser realizado, as autoridades do país discutem com a gestante soluções para que não haja a interrupção da gravidez. Ademais, nas situações que não ensejam urgência, o legislador italiano decidiu por bem estabelecer o prazo de sete dias, entre a solicitação e a realização do aborto, a fim de que a gestante reflita mais sobre o assunto. A lei italiana autoriza, também, a realização do aborto, seja qual for o momento da gestação, quando no decorrer da gravidez ou durante o parto a gestante esteja sofrendo grave risco de vida, ou ainda, quando for verificada a existência de patologias, os quais sejam responsáveis por grave perigo à saúde física ou mental da gestante. Já a Alemanha, no ano de 1995, entendeu pela descriminalização do aborto até a décima segunda semana de gestação, após esse período a gestante somente poderá realizar o aborto em situações específicas, quais sejam, quando estiver correndo risco de vida ou quando houver o comprometimento de sua saúde, quando houver má formação do feto, por razões sociais e financeiras, ou quando a gravidez for resultante de estupro, destacando a permissão do aborto no caso de incesto, situações essas consideradas como ônus excessivo a gestante. Urge mencionar, ainda, que de acordo com o entendimento da Corte Constitucional Alemã, a tutela ao nascituro não precisa necessariamente ser função do direito penal, podendo o Estado buscar medidas de cunho assistencial e administrativo para efetivação dessa proteção.

Como último país tratado pelo professor Daniel Sarmento, em seu artigo sobre legalização do aborto e constituição 13, no Canadá, as mulheres têm o direito fundamental à interrupção da gravidez e isso com fundamento no entendimento de

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SARMENTO, Daniel. Legalização do aborto e constituição. Mpf. Disponível em: < http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/direitos-sexuais-e-reprodutivos/aborto/legalizacao_do_aborto_e_constituicao_daniel_sarmento.pdf > Acesso em: 11 set. 2012.

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que forçar uma mulher, através da sanção penal, a dar continuidade a uma gravidez indesejada constitui uma interferência estatal em seu corpo, além de ferir a sua segurança.

Tereza Rodrigues Vieira e Rafaela Lanutte Ferreira, em artigo publicado na revista jurídica consulex de outubro de 2011 14, informam que na Espanha, desde o ano de 2010, a gestante pode realizar, voluntariamente, a interrupção da gravidez até a décima quarta semana de gestação, destacando que o prazo poderá ser prorrogado até a vigésima segunda semana caso haja riscos para saúde da gestante e do feto. Depois desse prazo, o aborto somente será lícito quando o feto for considerado inviável ou quando for portador de doença tida com grave ou incurável pela medicina, devendo neste caso ser confirmado por um comitê clínico.

Cumpre mencionar, que apesar de haver a descriminalização do crime de aborto até a décima quarta semana de gestação na Espanha, a lei espanhola determina que a gestante preencha determinados requisitos para que a interrupção da gravidez seja tida como licita, quais sejam, que o procedimento seja realizado sobre a direção de um médico, na rede pública de saúde ou em hospital particular autorizado e com consentimento por escrito da gestante ou de seu representante legal.

Ressalta-se que, a gestante, antes de interromper a gravidez, tem o auxílio do governo espanhol no que diz respeito a informações sobre os seus direitos, benefícios e auxílios públicos de apoio à maternidade, sendo necessário também que a gestante observe o prazo de três dias, a contar da data do seu consentimento, para realização do procedimento abortivo.

Ainda com base no artigo de Tereza Rodrigues Vieira e Rafaela Lanutte Ferreira 15, tem-se que em Portugal o aborto foi legalizado, no ano de 2007, por referendo popular e pode ser praticado, voluntariamente, até a décima semana de gestação em estabelecimento público ou particular devidamente credenciado com o respectivo consentimento expresso da gestante, salvo quando se tratar de feto inviável, situação em que o aborto poderá ser praticado a qualquer tempo.

Assim como na Espanha, em Portugal a gestante que pretende realizar o aborto será encaminhada a uma consulta em que será informada sobre o planejamento familiar, sendo necessário que a gestante observe o prazo de três dias, a contar da data do seu consentimento, para realização do aborto. Lembrando que, caso não seja possível aguardar o prazo de três dias estabelecido em lei, o médico decidirá conforme a sua consciência sobre a realização do aborto.

De acordo com notícia publicada no site do globo16 e divulgada pelo jornal nacional no mês de outubro de 2012, na America Latina, o Senado do Uruguai aprovou a lei que legaliza a conduta abortiva até a décima segunda semana de gestação e impõe determinadas condições. Destaca-se que a medida já foi anteriormente aprovada pela Câmara dos Deputados, aguardando somente a sanção do chefe do poder executivo, José Mujica, que vem demonstrando ser favorável a descriminalização do aborto no país.

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FERREIRA, Rafaela Lanutte; VIEIRA, Tereza Rodrigues. Reflexões sobre o aborto. Revista jurídica consulex, ano xv, n. 354, p. 18-20, out. 2011. 15

FERREIRA, Rafaela Lanutte; VIEIRA, Tereza Rodrigues. Reflexões sobre o aborto. Revista

jurídica consulex, ano xv, n. 354, p. 18-20, out. 2011. 16

CONGRESSO do Uruguai aprova descriminalização do aborto. G1. Disponível em: < http://g1.globo.com/mundo/noticia/2012/10/congresso-do-uruguai-aprova-descriminalizacao-do-aborto.html >. Acesso em: 20 out. 2012.

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Baseando-se no que fora anteriormente exposto, temos que, grande parte dos países ao ponderar os direitos do nascituro e os direitos da gestante, entendem pela prevalência dos direitos do ser já nascido, pois o nascituro consiste apenas em uma potencial vida.

1.3 DO CRIME DE ABORTO NO ATUAL CÓDIGO PENAL Conforme o entendimento de Gelson Amaro de Souza Filho 17, o atual Código Penal baseou-se na Teoria Concepcionista para criminalização da conduta abortiva em seus artigos 124 ao 128, destacando que os adeptos dessa teoria partem da premissa de que a personalidade jurídica inicia-se com a fecundação. O artigo 124 do Código Penal de 1940 18 estabelece duas figuras típicas do aborto provocado pela própria gestante, sendo que a primeira parte desse artigo trata sobre o autoaborto, no qual a própria gestante executa o crime, e a segunda parte diz respeito ao aborto consentido, em que a gestante apenas consente, mas os atos executórios da conduta típica são realizados por um terceiro. A essas duas modalidades de aborto o legislador atribuiu como sanção penal - detenção de 1(um) a 3 (três) anos. O artigo 125 do Código Penal vem tratar sobre o crime de aborto praticado sem o consentimento da gestante, no qual terceiro faz uso de meios abortivos sem que a gestante tenha conhecimento, crime esse que o legislador entendeu como a forma mais gravosa da prática do aborto, atribuindo assim como pena – reclusão de 3 (três) a 10 (dez) anos. Em seguida, temos o artigo 126 que dispõe sobre o aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante, situação em que irá gerar a incidência de dois tipos penais, ou seja, a gestante será enquadrada no crime previsto no artigo 124, segunda parte, e o terceiro responderá pelo crime previsto no próprio artigo 126. De acordo com as lições de Fernando Capez 19, o consentimento dado pela gestante deverá ser um consentimento válido e diante da inexistência de capacidade da gestante para consentir o terceiro poderá responder pela prática do crime previsto no artigo 125 – aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante. O artigo 126 do Código Penal elenca, em seu parágrafo único, as situações em que o consentimento da gestante será tido como um consentimento inválido, devendo ser aplicada ao caso concreto a norma prevista no artigo 125 do Código Penal, ou seja, nessas situações, deverá haver a incidência da pena prevista para o crime de aborto provocado sem o consentimento da gestante, e isso porque inexiste o consentimento livre e espontâneo por parte da gestante. Assim, o consentimento inválido, previsto no parágrafo único, ocorrerá quando a gestante for menor de 14 anos, quando for alienada ou débil mental, ou quando o consentimento para realização do aborto for dado em decorrência de fraude, grave ameaça ou violência.

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SOUZA FILHO, Gelson Amaro de. A situação jurídica do aborto no Brasil. Unipar. Disponível em: < http://revistas.unipar.br/juridica/article/viewFile/2757/2051 >. Acesso em: 09 set. 2012. 18

BARROSO, Darlan; ARAUJO JUNIOR, Marco Antonio (Coord.) Vade Mecum especialmente

preparado para Oab e Concursos. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. 19

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.110, v. 2.

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Já no artigo 127, o Código Penal estabelece que se a partir da prática da conduta abortiva a gestante sofrer lesão corporal de natureza grave, ou ainda, se em decorrência da prática do aborto a gestante morrer, haverá a majoração da pena do crime praticado, sendo que na primeira hipótese a sanção será majorada em um terço e na segunda a pena será duplicada. O artigo 128 delimita as situações em que o aborto será tido como legal, sendo essas causas de excludentes de ilicitude. A primeira hipótese prevista no artigo 128, inciso I, trata do aborto necessário ou terapêutico em que caso a gestante se encontre em fundado risco de vida, seja presente ou seja futuro, o médico estará autorizado a interromper a gravidez a fim de salvaguardar a vida da mulher, sem necessidade do prévio consentimento da gestante ou do seu representante legal.Nessa situação observa-se a existência de dois bens jurídicos, quais sejam a vida da gestante e a vida do ser em formação, sendo que diante da necessidade o legislador entendeu por bem que a vida da gestante é mais importante. O artigo 128, inciso II, dispõe sobre o denominado aborto sentimental, humanitário ou ético, situação essa em que a gravidez decorreu da prática de um crime de estupro. Nessa modalidade, o médico poderá realizar o aborto desde que haja o consentimento da gestante ou do seu representante legal para tanto. Ainda em relação às hipóteses de excludente de ilicitude no crime de aborto, Damásio de Jesus e outros, em artigo publicado na revista jurídica consulex no ano de 201120 informam sobre a desnecessidade de autorização judicial para prática do aborto nas hipóteses previstas no artigo 128 do Código Penal, e isso porque o tipo penal não faz nenhuma exigência, devendo ser interpretado de forma restritiva em benefício do médico. Entretanto, apesar de inexistir a exigência de autorização judicial para a prática do aborto nas hipóteses legais, no aborto sentimental o médico deverá comprovar a existência do estupro através de qualquer meio de prova permitido no Direito, seja um inquérito, um processo criminal, peças de informação, dentre outras. Damásio de Jesus e outros citam, também, a título de conhecimento, a Portaria do Ministério da Saúde, número 1.145, de sete de julho de 2005, a qual dispensa a lavratura do Boletim de Ocorrência, mas estabelece a necessidade de um “procedimento de justificação e autorização de interrupção da gravidez”. Tal procedimento é composto por quatro fases, sendo que, primeiramente a gestante deverá relatar a prática do estupro perante dois profissionais da saúde, desse relato o médico emitirá um parecer técnico e encaminhará a gestante a uma equipe multidisciplinar que também emitirá a sua opinião acerca do aborto. Caso todos estejam de acordo aprovarão o procedimento de interrupção da gestação através de termo escrito, posteriormente a gestante ou o seu representante legal assinará um termo de responsabilidade e finalmente teremos o termo de consentimento. Na prática, o que temos é que a punição do crime de aborto não é efetiva, a mulher que voluntariamente interrompe sua gravidez, provavelmente, não incidirá em pena privativa de liberdade, primeiro porque para que haja a tipificação do crime de aborto necessária se faz a comprovação do dolo por parte da gestante, já que esse tipo penal não comporta a modalidade culposa.

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JESUS, Damásio de. et al. O aborto sentimental e a interrupção da gravidez da autora do crime de estupro. Revista jurídica consulex, ano xv, n. 341, p. 60-63, abr. 2011.

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Depois, como bem esclarece o doutrinador Fernando Capez 21, o crime de aborto é um crime material, ou seja a lei penal prevê em seu bojo tanto a conduta como o resultado, exigindo-se assim o ato de interromper a gravidez e a consequente supressão da vida do feto para consumação do tipo penal. Por ser um crime material, o exame de corpo de delito é tido como indispensável para comprovação da sua existência, nos termos do artigo 158 do Código de Processo Penal, assim, como o crime de aborto é praticado, em sua grande maioria, de forma clandestina, a instauração de inquéritos para apuração do crime torna-se rara. Ainda que haja a instauração do procedimento investigatório, o artigo 89 da Lei 9.099 (lei que dispõe sobre os juizados especiais cíveis e criminais) poderá ser aplicado pelo membro do ministério público, ou seja, como nas modalidades do crime de aborto previstas no artigo 124 e 126 do Código Penal de 1940 a pena mínima cominada é de um ano, o promotor de justiça poderá propor o sursis processual ao acusado, pelo prazo de dois a quatro anos, desde que haja o preenchimento dos requisitos previstos no artigo 89 da Lei 9.099. Lembrando que, caso o acusado cumpra todos os requisitos no período de prova determinado, o juiz declarará a extinção da punibilidade, nos termos do parágrafo quinto do artigo 89 da Lei que dispõe sobre os juizados especiais22. Como conclusão, observa-se que apesar do aborto constituir a supressão da vida, as sanções penais aplicadas a essa infração penal são desproporcionais quando comparadas ao crime de homicídio, o que nos traz a conclusão de que o legislador entendeu que a vida do ser em formação tem menos valia do que a do ser já nascido, que é denominado de pessoa no ordenamento jurídico brasileiro, e essa premissa se confirma a partir do momento em que notamos que nunca houve a equiparação do crime de aborto ao de homicídio em nosso país. Aliás, a corroborar com a ideia proposta, basta mencionar que a pena atribuída a gestante pela prática do aborto é de um a três anos de detenção, nos termos do artigo 124 do Código Penal, e a pena atribuída ao crime de homicídio simples é de seis a vinte anos de reclusão, conforme estabelece o artigo 121 do mesmo diploma legal, sendo assim, o que se tem é uma desproporcionalidade excessiva entre dois tipos penais que protegem o mesmo bem jurídico, qual seja a vida. Todavia, cumpre ressaltar que o ordenamento jurídico brasileiro elenca uma série de direitos ao nascituro, estabelecendo, de certa forma, uma grande proteção a esse. Quanto aos direitos do nascituro podemos citar o direito à vida, determinado pela Carta Magna e pelo atual Código Penal, o direito a alimentos, regulamentado recentemente pela Lei 11.804 de 2008 (Lei de Alimentos Gravídicos), o direito de filiação e investigação de paternidade, o qual também decorre da Constituição Federal, além de apresentar legislação específica (Lei 8.560 de 1992), o direito a curatela, previsto no Código Civil de 2002, bem como o direito de receber doações e o direito à sucessão, os quais estão condicionados ao nascimento com vida 23.

21

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 114, v. 2. 22

BARROSO, Darlan; ARAUJO JUNIOR, Marco Antonio (Coord.) Vade Mecum especialmente

preparado para Oab e Concursos. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. 23

SOUZA FILHO, Gelson Amaro de. A situação jurídica do aborto no Brasil. Unipar. Disponível em: < http://revistas.unipar.br/juridica/article/viewFile/2757/2051 >. Acesso em: 17 set. 2012.

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2 DO FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL A Constituição Federal de 1988 nada menciona acerca da interrupção voluntária da gravidez, seja para autorizá-la ou para proibi-la, todavia garante a inviolabilidade do direito a vida. Aliás, é o que preconiza o caput do seu artigo quinto24:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, [...].

Como bem se observa, a Lei Maior brasileira é omissa no que tange ao momento em que se inicia a tutela do direito a vida, entretanto é de extrema importância ressaltar que o direito a vida nela estabelecida apresenta duas acepções, quais sejam, o direito de nascer e o direito de ter uma vida digna. Alexandre de Moraes, em seu livro Direito Constitucional 25, cita que “a vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos”. Contudo, em decorrência da característica da relatividade dos direitos fundamentais, nem mesmo o direito a vida tem caráter absoluto e é desse ponto que decorre a justificativa para a descriminalização do aborto em determinadas situações. Como bem ressalta Damásio de Jesus e outros, em artigo publicado na revista jurídica consulex no ano de 201126, o Supremo Tribunal Federal entendeu, no MS nº 23.452 – RJ, que inexiste direito fundamental absoluto no ordenamento jurídico brasileiro e isso porque havendo a colisão entre direitos fundamentais faz-se necessária a ponderação entre um e outro para que se decida sobre a prevalência do mais adequado.

Partindo-se da premissa de que a Constituição Federal é a Lei Fundamental de um país e o pressuposto de validade de todas as demais normas, Daniel Sarmento, em artigo sobre a legalização do aborto e constituição 27, cita ser evidente que é na Constituição Federal que se deve buscar “o equacionamento jurídico a ser conferido à questão da interrupção volutária da gravidez no Brasil” e destaca que mesmo na democracia em que o legislador como representante do povo tem a liberdade de decidir acerca de temas controvertidos, como o aborto, por exemplo, essa liberdade não é ilimitada, sendo os direitos e garantias fundametais uma forma de limitar o poder conferido ao Estado.

Ainda com base na linha de raciocínio estabelecida até o presente momento, interessante mencionar que a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, a qual o Brasil é signatário desde o ano de 1992, estabelece no bojo do seu artigo quarto o direito a vida e determina que esse direto será tutelado por lei, em geral, 24

BARROSO, Darlan; ARAUJO JUNIOR, Marco Antonio (Coord.) Vade Mecum especialmente

preparado para Oab e Concursos. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. 25

MORAES, Alexandre de. Curso de Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 35-36. 26

JESUS, Damásio de. et al. O aborto sentimental e a interrupção da gravidez da autora do crime de estupro. Revista jurídica consulex, ano xv, n. 341, p. 60-63, abr. 2011. 27

SARMENTO, Daniel. Legalização do aborto e constituição. Mpf. Disponível em: < http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/direitos-sexuais-e-reprodutivos/aborto/legalizacao_do_aborto_e_constituicao_daniel_sarmento.pdf > Acesso em: 11 set. 2012.

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desde o momento da concepção, além de declarar que ninguém poderá ser privado do direito à vida por mera arbitrariedade.

Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente, nos seus artigos sétimo e oitavo, impõe ao Estado o dever de tornar efetiva a proteção do direito à vida através de políticas públicas, as quais possibilitem o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso em condições dignas de existência, como uma forma de garantia das duas acepções do direito à vida determinadas pela Constituição Federal, e estabelece que o Estado deve auxiliar a gestante no tratamento pré e perinatal, além de dar à gestante o apoio alimentar necessário 28. Como conclusão de tudo o que fora narrado anteriormente, tem-se que a Constituição Federal protege a vida intrauterina, contudo não com a mesma intensidade em que se protege a vida extrauterina. 3 DA NECESSIDADE DE UM NOVO CÓDIGO PENAL Como bem se observa o atual Código Penal, datado de 1940, já se encontra ultrapassado, merecendo ser submetido a uma nova análise pelo Congresso Nacional a fim de melhor adequação a sociedade atual. Cezar Roberto Bitencourt, em sua obra Tratado de Direito Penal 29, comenta que após décadas da publicação do atual Código Penal houve diversas modificações na sociedade, não somente as relacionados aos valores, mas também vários avanços na ciência e na tecnologia, havendo assim necessidade de uma reforma na parte especial do Código Penal para o atendimento das necessidades atuais. Assim, a partir da necessidade de ajustar a lei a atual realidade social, vários juristas estão realizando diversos trabalhos para melhor adequação em um novo Código Penal. A comissão de juristas para elaboração do Anteprojeto do Novo Código Penal foi instituída a requerimento do Senador Pedro Taques e contou com a direção do Ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Langaro Dipp 30. De acordo com a exposição de motivos das propostas legislativas previstas no Anteprojeto do Novo Código Penal 31, foram realizadas vinte e quatro reuniões, transmitidas pela TV Senado, para discussão do tema no próprio Senado Federal, além da realização de audiências públicas e seminários em diversos Estados do país, obtendo contribuições tanto da comunidade jurídica e acadêmica, como também de representantes da sociedade civil. Importante ressaltar que, o Esboço do Anteprojeto do Novo Código Penal contou com a participação democrática da população, por intermédio de uma ampla publicidade, demonstrando assim que a sociedade está interessada nas discussões do Novo Código Penal, não admitindo mais ser mera destinatária da lei. Nesse sentido, podemos mencionar que o Senado Federal abriu um espaço denominado

28

JESUS, Damásio de. et al. O aborto sentimental e a interrupção da gravidez da autora do crime de estupro. Revista jurídica consulex, ano xv, n. 341, p. 60-63, abr. 2011. 29

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 2 v. 30

PROPOSTA de Anteprojeto de Reforma do Código Penal. Ibccrim. Disponível em: <

http://www.ibccrim.org.br/upload/noticias/pdf/projeto.pdf >. Acesso em: 10 out. 2012. 31

PROPOSTA de Anteprojeto de Reforma do Código Penal. Ibccrim. Disponível em: < http://www.ibccrim.org.br/upload/noticias/pdf/projeto.pdf >. Acesso em: 10 out. 2012.

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de “Alô Senado” a fim de que os cidadãos enviassem sugestões, assim como suas preocupações acerca do tema. Outro ponto importante, é que a OAB participou, analisando e emitindo opiniões sobre o Esboço de Anteprojeto do Código Penal para que houvesse a melhor adequação possível do Novo Código Penal a realidade brasileira. Além disso, os trabalhos realizados pela comissão de juristas, instituída pelo Senador Pedro Taques, foram amplamente acompanhados e divulgados por diversos setores da imprensa. Ainda com base na exposição de motivos do Esboço do Anteprojeto do Novo Código Penal, disponível no site do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, a instituição de uma comissão de juristas para realização do Anteprojeto visou, primeiramente, a atualização do Código Penal. É de extrema necessidade a compatibilização das normas previstas no Código Penal, datado de 1940, com a Constituição Federal, lei maior, de 1988, e com os tratados internacionais que o Brasil passou a ser signatário, e para tanto a comissão de juristas entendeu como conveniente a descriminalização de determinadas condutas, bem como a previsão de novas figuras típicas. Além de visar a adequação do Código Penal a própria Constituição Federal, o Esboço do Anteprojeto do Novo Código Penal tem como objetivo a unificação da legislação penal esparsa, criando para tanto um sistema penal central com a reunião de todas as leis penais em um único documento, facilitando e muito a vida de todos. De acordo com a exposição de motivos do Esboço do Anteprojeto do Novo Código Penal32, a comissão de juristas buscou, também, formas alternativas, que não as prisionais, para aplicação de sanções penais, demonstrando assim um maior desenvolvimento no aspecto jurídico do nosso país, pois a realidade brasileira demonstra que a prisão não é capaz de reeducar e muito menos de ressocializar o indivíduo. Sanções penais alternativas são extremamente necessárias, haja vista a existência da atual crise no sistema penitenciário brasileiro. Mas, na opinião do doutor em direito penal, Luiz Flávio Gomes (apud BEZERRA, 2012) 33 se o novo Código Penal for aprovado pelo Congresso Nacional, haverá o aumento do número de presos no país, e isso porque o novo código tratou a progressão de regime de determinados crimes com mais rigor que o atual código penal. Outro objetivo da comissão que merece atenção foi a busca pela proporcionalidade das penas que incidem nos tipos penais, tomando por base a gravidade prevista em cada preceito primário 34. Urge mencionar, ainda, que assim como qualquer outro trabalho, o Esboço do Anteprojeto do Novo Código Penal vem sendo alvo de críticas por parte de diversos setores da sociedade. A exemplo disso, pode-se citar a opinião do professor Miguel Reale Júnior, em entrevista dada a revista consultor jurídico, no mês de agosto de dois mil e doze 35, o qual diz que a comissão de juristas reunidos para elaboração do

32

PROPOSTA de Anteprojeto de Reforma do Código Penal. Ibccrim. Disponível em: <

http://www.ibccrim.org.br/upload/noticias/pdf/projeto.pdf >. Acesso em: 10 out. 2012. 33

BEZERRA, Elton. Novo Código Penal deve aumentar o número de presos. Conjur. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2012-ago-31/codigo-penal-aumentar-numero-presos-brasil >. Acesso em: 01 out. 2012. 34

PROPOSTA de Anteprojeto de Reforma do Código Penal. Ibccrim. Disponível em: <

http://www.ibccrim.org.br/upload/noticias/pdf/projeto.pdf >. Acesso em: 10 out. 2012. 35

CANÁRIO, Pedro; VASCONCELLOS, Marcos de. “Novo Código Penal é obscenidade, não tem conserto”. Conjur. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2012-set-02/entrevista-miguel-reale-junior-decano-faculdade-direito-usp >. Acesso em: 20 out. 2012.

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Anteprojeto do Novo Código Penal não tinha a experiência necessária para a criação deste. O professor destaca a ausência de conhecimento tanto técnico cientifico como na formulação de leis, e informa que “o projeto é uma obscenidade, é gravíssimo”, que “não tem conserto. Os erros são de tamanha gravidade, de tamanha profundidade, que não tem mais como consertar”. Miguel Reale Júnior cita, também, que a comissão de juristas formulou um “Código Penal que jornalista gosta” e que os elogios recebidos foram dos próprios elaboradores, já que só se tinha conhecimento sobre o código a partir do que a imprensa divulgava. Destaca que o Novo Código Penal é o “Código do Sarney”, sendo necessária atenção já que o mandato do senador acaba e o código continuará permanecendo em vigor. No que diz respeito ao texto, o professor diz que o Novo Código Penal “é picotado”, e isso porque cada artigo traz a assinatura de uma determinada pessoa, o que é errado, pois deveria ter sido elaborado a partir de diversos debates entre o grupo. Já em relação a criação de um sistema penal central, o professor afirma que a comissão preocupou-se somente em unificar não corrigindo os erros já ressaltados pela crítica. Entretanto, como bem esclarece o Procurador Regional da República e atual Relator da Comissão de Reforma do Código Penal no Senado Federal, Luiz Carlos Gonçalves 36, as críticas são sempre “bem-vindas e necessárias até”, pois constituem uma forma de legitimar o procedimento de reforma concedido ao poder legislativo, além de demonstrarem a alta publicidade que foi dada ao anteprojeto. Como bem pontua o relator:

Um anteprojeto de Código Penal não é um Código Penal. Falta-lhe o imprescindível requisito da prévia discussão e deliberação dos representantes eleitos do povo, os deputados e senadores e, à sua vez, do presidente da República. Convertido em projeto, o Senado saberá discuti-lo com a sociedade, corrigi-lo e aprimorá-lo, preservando, oxalá, muitas das soluções corajosas e inovadoras que ele apresenta. Se apressaram em rotular o projeto, praticando um “etiquetamento” que se imaginava reprovável, ignorando regras básicas sobre comissões parlamentares e o processo legislativo.

De acordo com notícia publicada pela revista consultor jurídico, no mês de agosto de dois mil e doze 37, a Ordem dos Advogados do Brasil demonstra preocupação com a votação das modificações propostas e previstas no Esboço do Anteprojeto do Novo Código Penal pelo Senado Federal, já que não foi dado tempo suficiente para que a OAB analisasse as propostas. Ophir Cavalante, atual presidente nacional da OAB, ressaltou a necessidade de cautela, não podendo o Congresso se precipitar na votação, pois as modificações repercutirão diretamente na vida de todos os cidadãos. Segundo o próprio Ophir Cavalcante, “tememos que o clamor popular leve a uma precipitação que gere mais problemas do que soluções”. Ademais, cumpre mencionar que em linhas gerais, a maior crítica ao Esboço do Anteprojeto do Novo Código Penal está relacionada ao pouco tempo em que foi

36

GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Anteprojeto do Código Penal não é o Código Penal. Conjur. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2012-set-03/luiz-goncalves-anteprojeto-codigo-penal-moderno-descriminalizador >. Acesso em: 22 out. 2012. 37

OAB pede cautela ao senado para votação do novo cp. Conjur. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2012-ago-21/oab-senado-deixar-clamor-popular-lado-votacao-cp >. Acesso em: 22 out. 2012.

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elaborado, qual seja o de apenas sete meses. Ressalta-se que a expectativa é de que o Anteprojeto do Novo Código Penal venha a ser aprovado pelo Senado Federal até o início do ano que vem, lembrando que posteriormente ele ainda deverá passar pela Câmara dos Deputados para o debate e a respectiva aprovação pela casa 38. 4 AS POSSÍVEIS INOVAÇÕES DO CRIME DE ABORTO NO “NOVO CÓDIGO PENAL” No que diz respeito ao crime de aborto, o Anteprojeto do Novo Código Penal propõe a ampliação da extensão do aborto legal, ficando a nova tipificação do crime de aborto desta forma:

Aborto provocado pela gestante ou com o seu consentimento: Art.125. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque. Pena – detenção, de seis meses a dois anos.

39

Essa figura já é prevista no atual Código Penal (art.124), a proposta enfim, do Anteprojeto do Novo Código Penal constitui na diminuição da pena tanto no mínimo legal (de um ano para seis meses), como na base máxima legal (de três anos para dois). Dessa forma, a conduta de praticar o autoaborto ou a prática por outrem com o consentimento da gestante, foi tratada com menos rigor pelo legislador. Cumpre ressaltar que a desproporcionalidade existente entre a pena atribuída ao crime de aborto e ao crime de homicídio simples poderá tornar-se ainda maior diante da aprovação do Anteprojeto do Novo Código Penal, lembrando que, como foi exposto anteriormente, tais institutos jurídicos são distintos, entretanto tutelam o mesmo bem jurídico, qual seja, o direito à vida. Com a presente proposta do Senado Federal, acentua-se a ideia de que a vida extrauterina tem mais valia que a vida intrauterina. Passemos a análise do próximo artigo proposto:

Aborto consensual provocado por terceiro: Art. 126. Provocar aborto com o consentimento da gestante. Pena – Detenção, de seis meses a dois anos.

40

Figura também já existente no atual Código Penal (art.126), havendo modificação somente no que diz respeito a pena cominada ao tipo legal. Atualmente há a cominação da pena de reclusão e o Anteprojeto do Novo Código Penal vem propor que seja cominada a pena de detenção. O mínimo/ máximo legal atual é de um ano a quatro anos e o Anteprojeto propõe para que o mesmo seja estabelecido na base de seis meses a dois anos. Observa-se também, nesta situação, que o

38

BEZERRA, Elton. Novo Código Penal deve aumentar o número de presos. Conjur. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2012-ago-31/codigo-penal-aumentar-numero-presos-brasil >. Acesso em: 01 out. 2012. 39

PROPOSTA de Anteprojeto de Reforma do Código Penal. Ibccrim. Disponível em: < http://www.ibccrim.org.br/upload/noticias/pdf/projeto.pdf >. Acesso em: 10 out. 2012. 40

PROPOSTA de Anteprojeto de Reforma do Código Penal. Ibccrim. Disponível em: < http://www.ibccrim.org.br/upload/noticias/pdf/projeto.pdf >. Acesso em: 10 out. 2012.

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aborto consensual provocado por terceiro poderá ser tratado com menos rigor pelo Novo Código Penal. Ainda no que tange ao aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante, é importante ressaltar que o legislador, em sua proposta, suprimiu o atual parágrafo único do artigo 126, o qual determina que diante do aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante, caso o consentimento seja de uma gestante menor de quatorze anos, ou alienada ou débil mental, ou ainda, se o consentimento decorre de fraude ou coação, o terceiro incidirá na mesma pena que se o consentimento fosse válido, qual seja a de um a quatro anos estabelecida no Código Penal de 1940. Já em relação à proposta do artigo 127 tem-se que:

Aborto provocado por terceiro: Art.127. Provocar aborto sem o consentimento da gestante. Pena – reclusão de quatro a dez anos. § 1º Aumenta-se a pena de um a dois terços se, em consequência do aborto ou da tentativa de aborto, resultar má formação do feto sobrevivente. § 2º A pena é aumentada na metade, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e até no dobro, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

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Figura prevista no artigo 125 do atual Código Penal. A proposta do Anteprojeto do Novo Código Penal consiste no aumento na base mínima da pena atualmente imposta ao tipo penal, de três anos para quatro anos, havendo nessa situação maior repressão por parte do legislador. Ressalta-se que no que diz respeito à base máxima legal não houve propostas de modificações, permanecendo o prazo máximo de dez anos de reclusão. O § 2º, proposto pelo Anteprojeto, também está previsto no atual Código Penal (art. 127), a diferença está na repressão do crime, onde o Anteprojeto do Novo Código Penal propõe a majorante no aumento na metade tanto quando a gestante sofre lesão corporal de natureza grave, como quando lhe sobrevém a morte. Destaca-se que o atual Código Penal determina o aumento da pena em somente um terço quando a gestante sofre lesão corporal de natureza grave, e havendo morte, assim como na proposta do Anteprojeto, o aumento da metade. A inovação está no § 1º, o qual não tem previsão no atual Código Penal, em que haverá a majorante quando em decorrência de aborto provocado por terceiro resulta má formação do feto sobrevivente, aparecendo como forma de maior repressão da conduta praticada por terceiro. Após a análise das propostas de modificações nas espécies de aborto criminoso, passemos a análise das prováveis inovações nas excludentes de ilicitude. O atual Código Penal determina a exclusão do crime de aborto nos casos de aborto necessário e de aborto humanitário, o Esboço do Anteprojeto do Novo Código Penal mantém o denominado aborto necessário, mas inova em relação ao aborto humanitário, além de apresentar novas hipóteses de exclusão de antijuridicidade, conforme passa a expor:

Exclusão do crime de aborto: Art.128. Não há crime de aborto:

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PROPOSTA de Anteprojeto de Reforma do Código Penal. Ibccrim. Disponível em: < http://www.ibccrim.org.br/upload/noticias/pdf/projeto.pdf >. Acesso em: 10 out. 2012.

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I – Se houver risco à vida ou à saúde da gestante;42

Antes de tratar especificamente das propostas de descriminalização do crime de aborto no país, cumpre salientar que conforme as ideias do defensor público, Carlos Eduardo Rios do Amaral 43, o Anteprojeto põe fim a necessidade de o aborto ser praticado por um médico, não fazendo mais menção a esse tipo de interveniente. O defensor afirma que a comissão agiu corretamente em retirar o termo “médico” do Código Penal, já que muitas mulheres não conseguem ter a presença do médico na realização do parto, quem dirá no procedimento de interrupção da gravidez. Conforme citado anteriormente, o Anteprojeto do Novo Código Penal mantém o aborto necessário ou terapêutico, e, diferentemente do Código Penal de 1940, possibilita a prática do aborto quando houver risco à saúde da gestante. De acordo com o entendimento do professor Daniel Sarmento 44, a atual legislação penal lesiona o direito à saúde garantido a mulher, pois a gestante está obrigada a dar continuidade a uma gravidez que implica em risco ou efetiva lesão a sua saúde, seja física ou psíquica. Conforme cita o professor, para cessar a ofensa é necessário impor limites ao Estado, impedindo-o de agir contra as gestantes e os profissionais da saúde que se enquadram nesta situação. O professor afirma, ainda, que o direito à saúde está previsto nos artigos 6º e 196 da Constituição Federal e informa que a observação desse direito é de extrema necessidade para que se garanta o direito a uma vida digna. Dessa forma, como bem podera, a descriminalização do aborto nas situações que geram comprovado risco à saúde da gestante é constitucional já que não é razoável que o Estado imponha a uma mulher o dever de dar continuidade a uma gestação que implicará em danos a sua saúde. Concluindo, Daniel Sarmento ressalta que vários países, mesmo os que adotam a criminalização do aborto como regra geral, permitem a supressão da vida fetal quando existe o risco à saúde da gestante. No que diz respeito ao aborto humanitário ou ético, a proposta é a seguinte:

II – Se a gravidez resulta de violação da dignidade sexual, ou do emprego não consentido de técnica de reprodução assistida;

45

Como bem se observa o presente inciso substitui a palavra estupro, prevista no Código Penal de 1940, por violação da dignidade sexual e isso em decorrência das modificações no Código Penal trazidas pela Lei 12.015 do ano 2009 que alterou a denominação de crime contra os costumes para crimes contra a dignidade sexual e uniu em um único artigo os crimes de estupro e atentado violento ao pudor. Observa-se, também, que o legislador vem propor a descriminalização do aborto no caso de emprego não consentido de técnica de reprodução assistida, acrescentando essa hipótese em face das inovações na medicina e na tecnologia,

42

PROPOSTA de Anteprojeto de Reforma do Código Penal. Ibccrim. Disponível em: < http://www.ibccrim.org.br/upload/noticias/pdf/projeto.pdf >. Acesso em: 10 out. 2012. 43

AMARAL, Carlos Eduardo Rios do. Exclusão do crime de aborto no anteprojeto de código penal. Anadep. Disponível em: < http://www.anadep.org.br/wtk/pagina/materia?id=14684 >. Acesso em: 25 out. 2012. 44

SARMENTO, Daniel. Legalização do aborto e constituição. Mpf. Disponível em: < http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/direitos-sexuais-e-reprodutivos/aborto/legalizacao_do_aborto_e_constituicao_daniel_sarmento.pdf > Acesso em: 11 set. 2012. 45

PROPOSTA de Anteprojeto de Reforma do Código Penal. Ibccrim. Disponível em: < http://www.ibccrim.org.br/upload/noticias/pdf/projeto.pdf >. Acesso em: 10 out. 2012.

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não existentes na época da edição do atual Código Penal. Já o inciso III do artigo 128, previsto no Esboço do Anteprojeto do Novo Código Penal, dispõe que:

III – Se comprovada a anencefalia ou quando o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida independente, em ambos os casos atestado por dois médicos.

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Comentário especial se faz em relação a este inciso, o qual não está previsto no atual Código Penal. Cezar Roberto Bitencourt, em seu livro Tratado de Direito Penal 47, cita que diferentemente do que ocorria na época de edição do atual Código Penal, hoje, a Medicina tem condições suficientes de verificar, com absoluta certeza, eventual anomalia do feto e a inviabilidade de vida extrauterina, ampliando assim o chamado aborto piedoso. Ao final desse novo inciso proposto pelo legislador, é possível observar a cautela tomada por esse para que o aborto nessas hipóteses somente se realize após dois médicos se certificarem da anomalia ou da inviabilidade de vida extrauterina. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal foi provocado por intermédio de uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54), ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, visando a descriminalização da conduta tipificada como aborto, nos casos de feto anencefálico. O julgamento pela Suprema Corte, obteve como resultado (por votos de oito a dois) a descriminalização do crime de aborto nos casos de anencefalia, sendo esta uma decisão com eficácia erga omnes e efeito vinculante junto aos demais órgãos do Poder Público. Importante ressaltar que antes mesmo do Supremo Tribunal Federal se manifestar acerca da descriminalização do aborto nos casos de anencefalia, o Anteprojeto do Novo Código Penal já previa essa excludente de ilicitude dentre os seus artigos. Importante ressaltar que determinados autores consideram incorreto a utilização do termo aborto nos casos de feto anencefálico e isso porque para realização do aborto pressupõe-se a existência de vida, o que inexiste no caso do anencéfalo. Gelson Amaro de Souza Filho 48, a fim de validar o seu entendimento, cita o artigo terceiro da Lei 9.434/97, o qual exige para realização de transplante de partes do corpo humano o diagnóstico de morte anencefálica, e como analogia a esse artigo não há que se falar em aborto se o feto já é tido como morto pela medicina. Para ele, o aborto do feto anencefálico há de ser considerado como crime impossível e isso porque não se pode suprimir a vida de quem não a tem. Hipótese que também não está prevista no atual Código Penal é a seguinte:

IV – Se por vontade da gestante até a 12º semana da gestação, quando o médico constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade.

49

46

PROPOSTA de Anteprojeto de Reforma do Código Penal. Ibccrim. Disponível em: < http://www.ibccrim.org.br/upload/noticias/pdf/projeto.pdf >. Acesso em: 10 out. 2012. 47

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 2 v. 48

SOUZA FILHO, Gelson Amaro de. A situação jurídica do aborto no Brasil. Unipar. Disponível em: < http://revistas.unipar.br/juridica/article/viewFile/2757/2051 >. Acesso em: 17 set. 2012. 49

PROPOSTA de Anteprojeto de Reforma do Código Penal. Ibccrim. Disponível em: <

http://www.ibccrim.org.br/upload/noticias/pdf/projeto.pdf >. Acesso em: 10 out. 2012.

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Essa, sem dúvidas, é a maior modificação prevista no Esboço do Anteprojeto do Novo Código Penal e, com certeza, será causa de grande repercussão em nossa sociedade. Em seminário sobre o Novo Código Penal, realizado nos dias vinte e um e vinte e dois de maio do ano de dois mil e doze na Universidade de Brasília, o Procurador Regional da República e atual Relator da Comissão de Reforma do Código Penal no Senado Federal, Luiz Carlos Gonçalves, ao explanar sobre as várias propostas do Poder Legislativo, tratou, superficialmente, sobre essa possível excludente de ilicitude e destacou a necessidade de olharmos para as diversas realidades existentes em nosso Estado. Como bem exposto por Luiz Carlos Gonçalves, em seminário na UnB, as realidades sociais existentes em nosso país são inúmeras e a fim de exemplificar as suas ideias ele pediu para que a plateia ali presente, grande parte da classe média alta, passasse um dia na cracolândia em São Paulo, onde mulheres vendem o corpo para o sustento do vício, sem a preocupação de se prevenir ou de engravidar, e propôs a seguinte pergunta: será que essas mulheres apresentam condições para trazerem uma criança ao mundo? O relator quis demonstrar que as pessoas, apesar dos diversos avanços sociais, ainda têm um pensamento muito fechado, restringindo-se somente a suas realidades sociais e ignorando as demais realidades existentes. É necessário enfrentar tabus e encarar que no Brasil, assim como em qualquer outro lugar, existem situações em que famílias são inaptas, seja psicologicamente ou por outra razão, para trazerem crianças ao mundo e criá-las. Complementando o pensamento do relator podemos retomar a ideia já tratada no presente artigo de que a proteção à vida, estabelecida na Constituição Federal, não se refere somente ao direito de nascer, mas também o direito de ter uma vida digna, o que muitas famílias não têm condições de proporcionar a uma criança. Entretanto é interessante observar que a ausência de condições psicológicas, determinada pelo presente inciso, constitui conceito bastante amplo, o qual poderá ocasionar a ampliação das situações em que o aborto será permitido, como por exemplo, nas situações em que adolescentes ficarem grávidas, elas poderão estar protegidas pela lei, e isso sobre a alegação de não terem condições psicológicas para trazerem uma criança ao mundo. Evidentemente que o artigo acima proposto determina que um médico, perito na área, deverá constatar se a mulher tem condições psicológicas para criar uma criança ou não, todavia é necessário atenção, pois o legislador, em sua proposta, deixou conceitos vagos e bastante subjetivos a serem preenchidos conforme a discricionariedade do médico que se deparar com a situação no caso concreto. Outrossim, é importante mencionar, primeiramente, que o país não está preparado para descriminalizar o aborto, ainda que somente nessas situações propostas pelo legislador. Não se pode tentar acabar com um problema sem dar olhos para outro problema existente, o da saúde pública no Brasil que, sem controvérsias, é de extrema precariedade. Como permitir que mulheres sem condições psicológicas escolham sobre o aborto, se o Sistema Único de Saúde posteriormente não terá condições de recebê-las? Ademais, cumpre ressaltar que o governo brasileiro deve investir precipuamente na educação, ou seja, deve estar preocupado, em um primeiro momento, com a educação das mulheres acerca do assunto, além de investir na prevenção e no planejamento familiar. Por fim, o parágrafo único do presente artigo preconiza que:

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Parágrafo único: Nos casos dos incisos II e III, e da segunda parte do inciso I, o aborto deve ser precedido de consentimento da gestante, ou quando menor incapaz ou impossibilitada de consentir, de seu representante legal, do cônjuge ou de seu companheiro.

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O atual Código Penal também dispõe, em seu art. 128, II, que o aborto humanitário deverá ser precedido do consentimento da gestante. A inovação está na necessidade do consentimento da gestante no caso de risco à sua saúde, na hipótese do emprego não consentido de técnica de reprodução assistida e quando for comprovada a anencefalia ou inviabilidade de vida extrauterina. Outra inovação presente nesse inciso é o fato de que caso a gestante seja menor incapaz, ou que na oportunidade não possa dar o seu consentimento, este poderá ser dado não só por seu representante legal, como prevê o atual Código Penal, mas também pelo seu cônjuge ou por seu companheiro, reconhecendo, assim, como direito decorrente do casamento e da união estável. Para finalizar, interessante citar o pensamento do defensor público, Carlos Eduardo Rios do Amaral 51, acerca das inovações no crime de aborto previstas no Esboço do Anteprojeto do Novo Código Penal:

Aminado pelo direito da mulher de dispor sobre o próprio corpo e pelo reconhecimento do desgaste e atraso da legislação vigente relativamente à dignidade da pessoa humana no que diz respeito à igualdade de gênero, o Anteprojeto tem a ambição de livrar a mulher, definitivamente, desses últimos setenta e dois anos de desrespeito e esquecimento, que resultaram em tantas mortes, mutilações ou sofrimento psíquico de gestantes no País.

Diante de todo o exposto, o legislador propõe como faculdade a gestante à interrupção da gravidez nas situações delimitadas acima, não sendo mais obrigada a dar continuidade à gestação com a desilusão de ser condenada pelo crime de aborto, já que muitas mulheres sofrem com o atual tratamento penal dado nessas situações. 4.1 QUADRO COMPARATIVO ENTRE O CRIME DE ABORTO NA ATUAL LEGISLAÇÃO E AS POSSÍVEIS INOVAÇÕES NO NOVO CÓDIGO PENAL

Código Penal de 1940. 52

Esboço do Anteprojeto do Novo Código Penal.

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Aborto provocado pela gestante ou com

Aborto provocado pela gestante ou com o

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PROPOSTA de Anteprojeto de Reforma do Código Penal. Ibccrim. Disponível em: <

http://www.ibccrim.org.br/upload/noticias/pdf/projeto.pdf >. Acesso em: 10 out. 2012. 51

AMARAL, Carlos Eduardo Rios do. Exclusão do crime de aborto no anteprojeto de código

penal. Anadep. Disponível em: < http://www.anadep.org.br/wtk/pagina/materia?id=14684 >. Acesso em: 25 out. 2012. 52

BARROSO, Darlan; ARAUJO JUNIOR, Marco Antonio (Coord.) Vade Mecum especialmente

preparado para Oab e Concursos. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. 53

PROPOSTA de Anteprojeto de Reforma do Código Penal. Ibccrim. Disponível em: <

http://www.ibccrim.org.br/upload/noticias/pdf/projeto.pdf >. Acesso em: 10 out. 2012.

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seu consentimento. “Art.124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena – Detenção, de um a três anos.” Aborto provocado por terceiro. “Art.125- Provocar aborto, sem o consentimento da gestante. Pena- Reclusão, de três a dez anos.” “Art.126- Provocar aborto com o consentimento da gestante. Pena- Reclusão, de um a quatro anos. Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.” Forma qualificada: “Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.” “Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.”

seu consentimento. “Art.125 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque. Pena – Detenção, de seis meses a dois anos.” Aborto consensual provocado por terceiro: “Art. 126. Provocar aborto com o consentimento da gestante. Pena – Detenção, de seis meses a dois anos.” Aborto provocado por terceiro: “Art.127. Provocar aborto sem o consentimento da gestante. Pena – reclusão de quatro a dez anos. § 1º Aumenta-se a pena de um a dois terços se, em consequência do aborto ou da tentativa de aborto, resultar má formação do feto sobrevivente. § 2º A pena é aumentada na metade, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e até no dobro, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.” Exclusão do crime de aborto: “Art.128. Não há crime de aborto: I – Se houver risco à vida ou à saúde da gestante; II – Se a gravidez resulta de violação da dignidade sexual, ou do emprego não consentido de técnica de reprodução assistida; III – Se comprovada a anencefalia ou quando o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida independente, em ambos os casos atestado por dois médicos. IV – Se por vontade da gestante até a 12º semana da gestação, quando o médico constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade. Parágrafo único: Nos casos dos incisos II e III, e da segunda parte do inciso I, o aborto deve ser precedido de consentimento da gestante, ou quando menor incapaz ou impossibilitada de consentir, de seu representante legal, do cônjuge ou de seu companheiro.”

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CONCLUSÃO A partir da apreciação do tema proposto, conclui-se que o entendimento de que o Código Penal de 1940 necessita de uma reforma é unânime, e foi com base nessa premissa que o Poder Legislativo propôs diversas modificações no Código Penal, as quais estão previstas no denominado Esboço do Anteprojeto do Novo Código Penal. Todavia, cumpre ressaltar que o Anteprojeto proposto pelo Senado Federal vem sendo alvo de diversas críticas, principalmente pelo fato de ter sido elaborado em um lapso temporal muito curto. No que diz respeito ao crime de aborto, as inovações consistem principalmente na descriminalização do aborto em novas hipóteses na tentativa de ajustar a norma penal a atual realidade social e isso porque diversas mulheres se submetem diuturnamente a procedimentos abortivos clandestinos, colocando assim suas vidas em risco na tentativa de tentarem fugir do tratamento criminal imposto pelo Estado brasileiro. Apesar da existência de críticas relacionadas ao Anteprojeto, muitos são os posicionamentos favoráveis à forma como o legislador vem propor o novo enquadramento jurídico ao crime de aborto, já que o que há hoje é o distanciamento da norma com a verdadeira realidade social. O legislador vem propor, assim, que o Brasil adote tratamento jurídico ao crime de aborto semelhante ao já adotado em diversos países, ou seja, que esse crime passe a ser tratado com menos rigor em face da característica da relatividade dos direitos fundamentais, prevalecendo à liberdade de escolha da mulher em determinadas hipóteses. É importante deixar claro que o legislador não vem propor a descriminalização do crime de aborto por completo, ele propõe apenas a descriminalização em situações específicas, quais sejam, quando houver risco à vida ou à saúde da gestante, quando a gravidez resultar de violação da dignidade sexual ou o emprego não consentido de técnica de reprodução assistida, nos casos de anencefalia ou quando o feto for portador de doença tida como incurável, sendo impossível manter uma vida independente da mãe, e por fim, quando a mulher não apresentar condições psicológicas para assumir a maternidade, devendo, neste caso, o requerimento ser feito até a décima segunda semana de gestação. Cumpre mencionar, também, que os motivos dados pelo legislador para a descriminalização do aborto nas hipóteses demonstradas acima são bons. As situações apresentadas pelo legislador necessitam de soluções, entretanto não se pode esquecer que o país ainda não está preparado para recepcionar tal norma, já que não se pode dar enfoque a apenas um problema e deixar outros de lado. A exemplo disso pode-se citar o sistema único de saúde pública brasileiro, o qual encontra-se em crise, não tendo o menor suporte para proporcionar o acesso de mulheres que desejam realizar o aborto com fundamento nas situações mencionadas. Sendo assim, é necessário que o governo brasileiro dê enfoque, primeiramente, a educação das mulheres no que diz respeito ao planejamento familiar. É necessária a orientação e o efetivo acesso das mulheres a rede de saúde pública nas situações em que o aborto já é descriminalizado no Brasil. Por fim, demonstra-se a existência de posicionamentos favoráveis de um lado e desfavoráveis de outro e o que se tem é que o aborto constitui, ainda, um tema

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muito polêmico, merecendo maiores debates para que seja adotado o melhor posicionamento para todos. The analysis of innovation in the crime of abortion under the outline of preliminary draft of new criminal code Abstract: The present work is aimed primarily, to establish a comparative analysis between the legal treatment given to the crime of abortion in the Criminal Code of 1940 and its proposed changes set out in the Draft Outline of the New Criminal Code submitted by the Senate. The research in question starts with the analysis of the crime of abortion in Brazil, conceptualizing it, presenting a brief historical account of his legal approach and demonstrating the treatment given to this penal kind in certain parts of the world. Ahead, we expose the constitutional basis of the crime of abortion, which is the right to life, and the relativity of fundamental rights, which follows the decriminalization of the crime of abortion in certain situations in the current criminal resourcefulness. From the analysis of the classification of abortion in the Criminal Code in force, begins a comparison with the proposals made by the Legislature, starting from the premise that you need a new Criminal Code. To conclude what we have is the understanding that the Criminal Code requires a reform is unanimous, however the Draft of the New Penal Code has been the target of some criticism, they warrant being subjected to many debates to be considered the most legitimate as possible. Keywords: Abortion. Criminal Code of 1940. Draft of new Criminal Code.

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[10] BARROSO, Darlan; ARAUJO JUNIOR, Marco Antonio (Coord.) Vade Mecum

especialmente preparado para Oab e Concursos. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. [11] SOUZA FILHO, Gelson Amaro de. A situação jurídica do aborto no Brasil. Unipar. Disponível em: < http://revistas.unipar.br/juridica/article/viewFile/2757/2051 >. Acesso em: 09 set. 2012. [12] SARMENTO, Daniel. Legalização do aborto e constituição. Mpf. Disponível em: < http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/direitos-sexuais-e-reprodutivos/aborto/legalizacao_do_aborto_e_constituicao_daniel_sarmento.pdf > Acesso em: 11 set. 2012.

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[13] SARMENTO, Daniel. Legalização do aborto e constituição. Mpf. Disponível em: < http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/direitos-sexuais-e-reprodutivos/aborto/legalizacao_do_aborto_e_constituicao_daniel_sarmento.pdf > Acesso em: 11 set. 2012. [14] FERREIRA, Rafaela Lanutte; VIEIRA, Tereza Rodrigues. Reflexões sobre o aborto. Revista jurídica consulex, ano xv, n. 354, p. 18-20, out. 2011. [15] FERREIRA, Rafaela Lanutte; VIEIRA, Tereza Rodrigues. Reflexões sobre o

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[18] BARROSO, Darlan; ARAUJO JUNIOR, Marco Antonio (Coord.) Vade Mecum

especialmente preparado para Oab e Concursos. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. [19] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.110, v. 2. [20] JESUS, Damásio de. et al. O aborto sentimental e a interrupção da gravidez da autora do crime de estupro. Revista jurídica consulex, ano xv, n. 341, p. 60-63, abr. 2011. [21] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 114, v. 2.

[22] BARROSO, Darlan; ARAUJO JUNIOR, Marco Antonio (Coord.) Vade Mecum

especialmente preparado para Oab e Concursos. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. [23] SOUZA FILHO, Gelson Amaro de. A situação jurídica do aborto no Brasil. Unipar. Disponível em: < http://revistas.unipar.br/juridica/article/viewFile/2757/2051 >. Acesso em: 17 set. 2012.

[24] BARROSO, Darlan; ARAUJO JUNIOR, Marco Antonio (Coord.) Vade Mecum

especialmente preparado para Oab e Concursos. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. [25] MORAES, Alexandre de. Curso de Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 35-36.

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[26] JESUS, Damásio de. et al. O aborto sentimental e a interrupção da gravidez da autora do crime de estupro. Revista jurídica consulex, ano xv, n. 341, p. 60-63, abr. 2011. [27] SARMENTO, Daniel. Legalização do aborto e constituição. Mpf. Disponível em: < http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/direitos-sexuais-e-reprodutivos/aborto/legalizacao_do_aborto_e_constituicao_daniel_sarmento.pdf > Acesso em: 11 set. 2012. [28] JESUS, Damásio de. et al. O aborto sentimental e a interrupção da gravidez da autora do crime de estupro. Revista jurídica consulex, ano xv, n. 341, p. 60-63, abr. 2011. [29] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 2 v. [30] PROPOSTA de Anteprojeto de Reforma do Código Penal. Ibccrim. Disponível em: < http://www.ibccrim.org.br/upload/noticias/pdf/projeto.pdf >. Acesso em: 10 out. 2012. [31] PROPOSTA de Anteprojeto de Reforma do Código Penal. Ibccrim. Disponível em: < http://www.ibccrim.org.br/upload/noticias/pdf/projeto.pdf >. Acesso em: 10 out. 2012. [32] PROPOSTA de Anteprojeto de Reforma do Código Penal. Ibccrim. Disponível em: < http://www.ibccrim.org.br/upload/noticias/pdf/projeto.pdf >. Acesso em: 10 out. 2012. [33] BEZERRA, Elton. Novo Código Penal deve aumentar o número de presos. Conjur. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2012-ago-31/codigo-penal-aumentar-numero-presos-brasil >. Acesso em: 01 out. 2012. [34] PROPOSTA de Anteprojeto de Reforma do Código Penal. Ibccrim. Disponível em: < http://www.ibccrim.org.br/upload/noticias/pdf/projeto.pdf >. Acesso em: 10 out. 2012. [35] CANÁRIO, Pedro; VASCONCELLOS, Marcos de. “Novo Código Penal é obscenidade, não tem conserto”. Conjur. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2012-set-02/entrevista-miguel-reale-junior-decano-faculdade-direito-usp >. Acesso em: 20 out. 2012. [36]GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Anteprojeto do Código Penal não é o Código Penal. Conjur. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2012-set-03/luiz-goncalves-anteprojeto-codigo-penal-moderno-descriminalizador >. Acesso em: 22 out. 2012. [37] OAB pede cautela ao senado para votação do novo cp. Conjur. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2012-ago-21/oab-senado-deixar-clamor-popular-lado-votacao-cp >. Acesso em: 22 out. 2012.

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[38] BEZERRA, Elton. Novo Código Penal deve aumentar o número de presos. Conjur. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2012-ago-31/codigo-penal-aumentar-numero-presos-brasil >. Acesso em: 01 out. 2012. [39] PROPOSTA de Anteprojeto de Reforma do Código Penal. Ibccrim. Disponível em: < http://www.ibccrim.org.br/upload/noticias/pdf/projeto.pdf >. Acesso em: 10 out. 2012. [40] PROPOSTA de Anteprojeto de Reforma do Código Penal. Ibccrim. Disponível em: < http://www.ibccrim.org.br/upload/noticias/pdf/projeto.pdf >. Acesso em: 10 out. 2012. [41] PROPOSTA de Anteprojeto de Reforma do Código Penal. Ibccrim. Disponível em: < http://www.ibccrim.org.br/upload/noticias/pdf/projeto.pdf >. Acesso em: 10 out. 2012. [42] PROPOSTA de Anteprojeto de Reforma do Código Penal. Ibccrim. Disponível em: < http://www.ibccrim.org.br/upload/noticias/pdf/projeto.pdf >. Acesso em: 10 out. 2012. [43] AMARAL, Carlos Eduardo Rios do. Exclusão do crime de aborto no anteprojeto de código penal. Anadep. Disponível em: < http://www.anadep.org.br/wtk/pagina/materia?id=14684 >. Acesso em: 25 out. 2012. [44] SARMENTO, Daniel. Legalização do aborto e constituição. Mpf. Disponível em: < http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/direitos-sexuais-e-reprodutivos/aborto/legalizacao_do_aborto_e_constituicao_daniel_sarmento.pdf > Acesso em: 11 set. 2012. [45] PROPOSTA de Anteprojeto de Reforma do Código Penal. Ibccrim. Disponível em: < http://www.ibccrim.org.br/upload/noticias/pdf/projeto.pdf >. Acesso em: 10 out. 2012. [46] PROPOSTA de Anteprojeto de Reforma do Código Penal. Ibccrim. Disponível em: < http://www.ibccrim.org.br/upload/noticias/pdf/projeto.pdf >. Acesso em: 10 out. 2012. [47] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 2 v. [48] SOUZA FILHO, Gelson Amaro de. A situação jurídica do aborto no Brasil. Unipar. Disponível em: < http://revistas.unipar.br/juridica/article/viewFile/2757/2051 >. Acesso em: 17 set. 2012. [49]PROPOSTA de Anteprojeto de Reforma do Código Penal. Ibccrim. Disponível em: < http://www.ibccrim.org.br/upload/noticias/pdf/projeto.pdf >. Acesso em: 10 out. 2012.

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[50] PROPOSTA de Anteprojeto de Reforma do Código Penal. Ibccrim. Disponível em: < http://www.ibccrim.org.br/upload/noticias/pdf/projeto.pdf >. Acesso em: 10 out. 2012. [51] AMARAL, Carlos Eduardo Rios do. Exclusão do crime de aborto no anteprojeto de código penal. Anadep. Disponível em: < http://www.anadep.org.br/wtk/pagina/materia?id=14684 >. Acesso em: 25 out. 2012. [52] BARROSO, Darlan; ARAUJO JUNIOR, Marco Antonio (Coord.) Vade Mecum especialmente preparado para Oab e Concursos. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. [53] PROPOSTA de Anteprojeto de Reforma do Código Penal. Ibccrim. Disponível em: < http://www.ibccrim.org.br/upload/noticias/pdf/projeto.pdf >. Acesso em: 10 out. 2012. FRANÇA, Júnia Lessa; VASCONCELLOS, Ana Cristina de. Manual para Normalização de Publicações Técnico- Científicas. 8. ed. Belo Horizonte: UFMG, 2011. CARVALHO, Maria Carmen Romcy de. et al. (Coord.).Manual para apresentação de trabalhos acadêmicos da Universidade Católica de Brasília. Ucb. Disponível em: < http://www.biblioteca.ucb.br/arquivos/manual_apresentacao_trabalhos_2012.pdf >. Acesso em 01 set. 2012.